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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ADMINISTRAÇÃO
Fernanda Cardoso Romão Freitas
Negócios de Impacto Social e Inovação Social:
Contribuições para a Revolução da Longevidade
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
São Paulo
2018
Fernanda Cardoso Romão Freitas
Negócios de Impacto Social e Inovação Social:
Contribuições para a Revolução da Longevidade
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Administração, sob a orientação do Prof. Dr. Arnoldo José de Hoyos Guevara.
São Paulo
2018
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou
eletrônicos.
Assinatura _______________________________________
Data __________________________
E-mail __________________________________________
Fernanda Cardoso Romão Freitas
Negócios de Impacto Social e Inovação Social:
Contribuições para a Revolução da Longevidade
Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Administração, sob a orientação do Prof. Dr. Arnoldo José de Hoyos Guevara.
Aprovado em ___/___/_______
BANCA EXAMINADORA
________________________________
Prof. Dr. Arnoldo, de Hoyos Guevara
________________________________
Prof. Dr. Ladislau Dowbor
________________________________
Prof. Dr. Luciano Ferreira da Silva
Agradeço inicialmente o apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
concessão de bolsa de estudos, no
período de agosto de 2016 á Julho de
2018, sob número do processo
88887.147584/2017-00.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Arnoldo de Hoyos Guevara, pelo apoio, por me ensinar a compreender
com delicadeza os desafios do Administrador de Empresas neste mundo repleto de
desigualdades e por ter sido fonte de inspiração no desenvolvimento deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Ladislau Dowbor, pela sua contribuição no sentido de ensinar a olhar a
dinâmica complexa da sociedade com o olhar simples que a vida exige e pela enorme
contribuição na banca de qualificação.
Ao Prof. Dr. Luciano Ferreira da Silva, pela enorme dedicação no ensino, pela
solidariedade, por compartilhar seus conhecimentos metodológicos, pela paciência e
por acreditar no meu trabalho e em minha pessoa.
Aos amigos Gil Junqueira (in memoriam) e Francisco Zorzete, que contribuíram
fortemente na minha jornada profissional.
À minha mãe, Maria Lurdete Cardoso, por ser a fonte inesgotável de aprendizado em
minha vida e por me impulsionar a seguir o caminho acreditando sempre na vitória.
À minha família como um todo, em especial ao meu amor e companheiro Alexandre
de Castro Freitas e à minha irmã Vanessa Cardoso Romão, pelo apoio incondicional
na realização desta nova etapa da vida. Agradeço pelas palavras de estimulo e pela
compreensão de minha ausência neste período. Obrigada por fazerem da minha
jornada um caminho prazeroso e iluminado.
RESUMO
Os Negócios de Impacto Social (NIS) estão em crescimento em diferentes partes do globo e a Inovação Social (IS) surge como uma alternativa para criar soluções inovadoras de forma inclusiva. Hoje, há indícios de que a IS pode se tornar fundamental para o crescimento econômico e social. Isto se deve ao fato de estarmos vivenciando desafios transformadores como a Revolução da Longevidade, que está ocorrendo no Brasil e no mundo e requer iniciativas inovadoras para atender às novas necessidades decorrentes desta transformação. Foram identificadas, por meio da revisão de literatura, algumas lacunas no campo, tais como: poucos estudos empíricos sobre NIS e IS e ausência de estudos sobre NIS e IS para a questão Revolução da Longevidade. A partir destas lacunas, e tendo em vista que, em um futuro próximo, grande parte da população será idosa, chegamos à questão desta pesquisa: como os NISe as Inovações Sociais podem trazer soluções para superar o desafio da crescente longevidade da população? O objetivo desta pesquisa é, portanto, ilustrar como os NIS e as IS podem trazer soluções para o desafio da crescente longevidade da população. Os procedimentos metodológicos adotados seguiram uma abordagem qualitativa e exploratória, com aplicação de entrevistas em profundidade como fonte de dados e evidências. O processo de análise dos dados foi feito com auxílio do software ATLAS.ti e com base na técnica de codificação. Os resultados revelaram quinze principais desafios da Revolução da Longevidade, sendo o preconceito o maior entre eles. Já a maior contribuição em resultado social oferecido pelas empresas participantes desta pesquisa é a possibilidade de existência social. Tal resultado social contribui fortemente com dois dos quatro pilares do Envelhecimento Ativo, resposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Revolução da Longevidade.
Palavras Chave: Inovação Social; Negócios de Impacto Social; Longevidade.
ABSTRACT
The Social Impact Business (NIS) is growing in different parts of the world and Social Innovation (IS) emerges as an alternative to create innovative solutions in an inclusive way. There is evidence that Social Innovation can become important to economic and social growth. Such is due to the fact that we are experiencing transformative challenges such as Longevity Revolution, which is occurring in Brazil and in different parts of the world and requires innovative initiatives to meet new needs resulting from this transformation. In the literature review, there were identified some gaps in the field, such as: few empirical studies about Social Impact Business and Social Innovation and inexistence of studies on NIS and IS for the challenge of longevity increase. Then, from this gap and knowing that in the near future a big part of the population will be elder, we come to the question of this research: How can Social Impact Business and Social Innovation propose solutions to overcome the challenge of increasing longevity? The proposal of this research is to illustrate how Social Impact Business and Social Innovations can bring solutions to this challenge. The methodological procedures followed a qualitative and exploratory approach with interviews to obtain of evidence source. The process of data analysis was done with the help of ATLAS.ti software, based on coding technique. The results of this research show that the main challenge of the Longevity Revolution is prejudice. Other fifteen challenges were evidenced in this research. The greatest contribution in social outcome by the companies participating in this research is the possibility of social existence. This social result contributes strongly to two of the four pillars of Active Aging, which are important elements in response to the Longevity Revolution.
Key Words: Social Innovation, Social Impact Business, Longevity
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Principal região com produção acadêmica de acordo com os critérios de
seleção - Continente Europeu ................................................................................... 46
Figura 02 - Principal subcontinente com produção acadêmica de acordo com os
critérios de seleção - América do Norte .................................................................... 46
Figura 03 - O processo da Inovação Social .............................................................. 51
Figura 04 - Continuum da Inovação Social ............................................................... 55
Figura 05 - Processo e dimensões de uma Inovação Social ..................................... 58
Figura 06 – O que São Finanças Sociais .................................................................. 63
Figura 07 - Localizações Geográficas ....................................................................... 65
Figura 08 - Temáticas ............................................................................................... 67
Figura 09 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Censo 1940 ....................................... 76
Figura 10 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Projeção 2060 .................................... 76
Figura 11 - Tabela de co-ocorrência - parte 01 ....................................................... 111
Figura 12 - Tabela de co-ocorrência - parte 02 ....................................................... 112
Figura 13 - Tabela de co-ocorrência - parte 03 ....................................................... 112
Figura 14 - Tabela de co-ocorrência - parte 04 ....................................................... 113
Figura 15 - Mapa conceitual .................................................................................... 115
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Principais abordagens para Negócios Sociais ......................................... 29
Quadro 2 - Conceitos de Negócios de Impacto Social .............................................. 30
Quadro 3 - Definições de Inovação Social ................................................................ 36
Quadro 4 - Estudos bibliométricos anteriores............................................................ 41
Quadro 5 - Periódicos por quantidade de artigos publicados .................................... 42
Quadro 6 - Dados dos artigos separados para a realização do estudo de Martins et al.
(2015) ........................................................................................................................ 44
Quadro 7 - As dimensões de análise da Inovação Social ......................................... 49
Quadro 8 - Variáveis para análise da Inovação Social .............................................. 53
Quadro 9 - Etapas da pesquisa ................................................................................. 93
Quadro 10 - Apresentação dos entrevistados ........................................................... 95
Quadro 11 – Códigos que representam as categorias para análise .......................... 97
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Expectativa de Vida do Brasileiro – IBGE (2005-2016) ............................ 71
Tabela 2 - Esperança de Vida ao Nascer – Banco Mundial ...................................... 71
Tabela 3 - Expectativa de Vida Homens e Mulheres – IBGE (2005-2016) ................ 73
Tabela 4 - Taxa de Natalidade – IBGE (2005-2016) ................................................. 74
Tabela 5 - Taxa de Natalidade – Banco Mundial (2005-2016) .................................. 74
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 - Convergência entre taxa de natalidade e taxa de expectativa de vida
mundial ...................................................................................................................... 75
Gráfico 2 - Frequência dos códigos por documentos primários .............................. 108
LISTA DE SIGLAS
FTFS - Força Tarefa Finanças Sociais
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICE - Instituto Cidadania Empresarial
IDL - Índice Urbano de Longevidade
IRIS - Impact Reporting and Investiment Standars
IS - Inovação Social
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG - Organização não governamental
NIS - Negócio de Impacto Social
NS - Negócio Social
PEA - População Economicamente Ativa
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 23
2 NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL E INOVAÇÃO SOCIAL COMO UM NOVO
CAMPO DE PESQUISA ........................................................................................... 27
2.1 O Conceito de Negócio de Impacto Social e Inovação Social ......................... 27
2.1.1 Inovação Social como um novo campo de pesquisa ............................ 38
2.2 Dimensões para análise da Inovação Social ................................................... 47
2.2.1 As dimensões de Cloutier.......................................................................... 48
2.2.2 O modelo de Murray et al. (2010) .............................................................. 49
2.2.3 O modelo de Tardif e Harrison .................................................................. 51
2.2.4 As variáveis da Inovação Social de Buckland e Murillo ............................. 52
2.2.5 As dimensões de De Bruin e Stangl .......................................................... 54
2.2.6 A Rede Quebequense de Inovação Social ................................................ 55
2.2.7 As dimensões da Inovação Social e o papel dos atores organizacionais . 56
2.2.8 Processo e dimensões de uma Inovação Social de Patias et al. .............. 57
2.3 O ecossistema de Investimento de Impacto – As formas de captação de recursos
.............................................................................................................................. 59
3 PANORAMA GERAL SOBRE O AUMENTO DA LONGEVIDADE NO BRASIL E NO
MUNDO .................................................................................................................... 69
3.1 Os desafios da Revolução da Longevidade .................................................... 78
3. 2 O Envelhecimento Ativo da OMS ................................................................... 84
3.2.1 Os pilares do Envelhecimento Ativo .......................................................... 86
3.3 Negócios de Impacto Social , Inovação Social e a Longevidade ..................... 88
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 91
4.1 Apresentação e análise dos dados ................................................................ 106
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 118
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 121
APÊNDICE A .......................................................................................................... 129
APÊNDICE B .......................................................................................................... 131
APÊNDICE C .......................................................................................................... 146
APÊNDICE D .......................................................................................................... 158
APÊNDICE E .......................................................................................................... 178
APÊNDICE F .......................................................................................................... 188
23
1 INTRODUÇÃO
Em um mundo cada vez mais globalizado e desigual, observamos o
surgimento de movimentos advindos da sociedade civil com o objetivo de suprir as
lacunas sociais e ambientais deixadas pelo Estado, pelas organizações e pelas
empresas privadas. Movimentos sociais, ações voluntárias e ONGs procuram
preencher este vazio ocasionado pela ausência do Estado e das organizações em
relação aos problemas e desafios sociais complexos existentes.
Hoje, há indícios de que a IS pode se tornar fundamental para o crescimento
econômico e social. Isto acontece porque estamos vivenciando desafios, tais como
mudanças climáticas e envelhecimento populacional, que só podem ser superados
com o auxílio da inovação (MULGAN et al., 2007). A complexidade dos problemas
enfrentados possui incontáveis causas, porém, poucas soluções. Nessa
circunstância a IS surge com o propósito de buscar alternativas para o futuro da
sociedade (BIGNETTI, 2011).
Além disto, temos observado uma mudança de ótica nas organizações nos
últimos anos, como o surgimento de ideias como criação de valor compartilhado
(PORTER; KRAMER, 2011), capitalismo consciente, responsabilidade social nas
empresas (WBCSD, 2000; MARREWIJK, 2003; HENDERSON, 2001) e
desenvolvimento sustentável (WCED, 1987; SACHS, 1994). Percebe-se uma
revisão de valores em relação ao impacto que estas desejam causar na sociedade
e, com isso, notamos o surgimento de diversos tipos de negócios híbridos que
buscam em sua essência atingir objetivos outrora impossíveis de serem
compatibilizados: a geração de valor financeiro e a geração de valores
socioambientais. Por este motivo, tem-se tornado cada vez mais frequente os
termos: NS, NIS Empreendedorismo Social, Investimentos de Impacto, IS, entre
outros.
Os NIS são empreendimentos que têm a missão explícita de gerar impacto
socioambiental ao mesmo tempo em que geram resultados financeiros positivos e
de forma sustentável (ICE, 2015). A IS, por sua vez, é um termo ainda mais recente
e, devido ao fato de ser um campo de pesquisa relativamente novo, e que atraí
interesse de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, ainda não foi
estabelecido um conceito de entendimento comum. Dada a sua
24
multidisciplinariedade, o conceito ainda se encontra em construção (CAJAÍBA;
SANTANA, 2014).
Em recente pesquisa Cabral, Moreira e Santos (2017) concluíram que no
contexto nacional o conceito mais utilizado nas pesquisas científicas é o do
pesquisador Geoff Mulgan (2007). Segundo o autor, IS são atividades inovadoras
que se movem pelo objetivo de resolver uma necessidade social e que se difundem
entre as organizações que possuem propósito social.
Já o conceito estabelecido por Phils et al. (2008), e adotado pela Stanford
Social Innovation Review ,uma das mais conceituadas revistas da área, diz que IS é
uma nova abordagem para lidar com problemas sociais; uma solução mais efetiva,
eficiente, sustentável ou justa do que as soluções já existentes e cujo valor gerado
beneficia prioritariamente a sociedade como um todo e não apenas alguns
indivíduos.
Ao lado dos problemas e crises sociais, a IS torna-se uma ferramenta de
mudança. A consciência da existência de uma lacuna entre o que a sociedade
precisa e o que está sendo oferecido pelos governos, empresas e instituições é o elo
necessário entre a identificação do problema e a ação para solução dos mesmos.
Um dos grandes desafios que estamos vivenciando, no Brasil e no mundo é
o aumento da expectativa de vida, o que exige novas formas de organizações,
cuidados, empregos, novos modelos de habitação e novos métodos para combater
o isolamento (MULGAN et al., 2007). Esta Inversão da Pirâmide Demográfica é uma
realidade presente não só no Brasil, mas em outros países ao redor do mundo (IBGE,
2018; BANCO MUNDIAL, 2016). O Japão exibe altas taxas de expectativa de vida
e, em contrapartida, baixas taxas de natalidade. Consequentemente, possui uma das
maiores proporções de cidadãos acima de 60 anos em comparação com outros
países no mundo (DUAN, 2017).
No contexto mundial, desde que o índice de expectativa de vida começou a
ser apurado em 1960 pelo Banco Mundial, os maiores índices de expectativa de vida
são da China, cuja expectativa de vida em 1960 era de 66,96 anos e passou para
84,27 anos em 2015; seguida pelo Japão, que em 1960 tinha um índice de 67,66
anos e passou para 83,84 anos em 2015. Os países da zona do euro em 1960 tinham
o índice de expectativa de vida de 69,27 anos o qual, em 2015, passou para 82,07
anos (BANCO MUNDIAL, 2017).
25
Em artigo publicado na Stanford Social Innovation Review, Chang (2012)
chama atenção da academia afirmado que, enquanto não houver novos modelos
bem-sucedidos de propostas de negócios para os cuidados para idosos, todas as
outras formas de IS serão restringidas. O autor afirma ainda que o futuro da IS pode
estar estritamente ligado à questão da atenção com a população envelhecida. Ainda
nesta mesma pesquisa, Chang (2012), baseado em dados analisados referentes à
investimentos iniciais do Fundo de IS, afirma que mais de um terço dos investimentos
realizados foram direcionados para ações voltadas aos jovens, não existindo uma
única iniciativa na lista direcionada para os idosos.
Em estudo realizado por Howaldt, Domanski e Kaletka (2016), pesquisadores
da Sozialforschungsstelle at the TU Dortmund University, concluíram que a mais
importante e urgente inovação no contexto do século XXI terá lugar no campo social
e este fenômeno está nos direcionando para um novo paradigma da inovação. A
necessidade de NIS e IS existente em diferentes partes do mundo faz com que esta
temática seja atualmente o foco de estudos de muitos pesquisadores das ciências
sociais. Existe a necessidade não só de amadurecer o debate teórico como,
principalmente, de conhecer as características empíricas destas inovações.
Sendo assim, e tendo em vista que em um futuro próximo grande parte da
população será idosa, identificou-se uma lacuna nos estudos sobre IS, a qual esta
pesquisa pretende preencher respondendo à seguinte pergunta: Como os NIS e as
IS podem trazer soluções para superar o desafio da crescente longevidade da
população? O objetivo desta pesquisa é ilustrar como os NS e as IS podem trazer
soluções para o desafio da crescente longevidade da população.
A fim de responder à pergunta de pesquisa e atingir o objetivo geral, foram
traçados os seguintes objetivos específicos:
• Desenvolver um referencial teórico que possibilite a compreensão e
evolução do fenômeno dos NIS e IS;
• Identificar características e padrões da IS;
• Descrever os resultados obtidos por estes negócios;
• Identificar modelos de negócios pautados em IS para a longevidade;
• Identificar de que forma os NIS captaram recursos financeiros para
desenvolver as ideias.
26
Por fim, é importante elencar aqui a estrutura das informações que serão
apresentadas nas próximas páginas deste trabalho. O primeiro capítulo trata-se
desta introdução que fez uma breve contextualização do campo de pesquisa, da
situação problema e demonstrou uma lacuna no que tange aos estudos de NIS e IS
voltados para a longevidade, bem como demonstrou os objetivos pretendidos.
No segundo capítulo, serão apresentadas uma revisão de literatura sobre NIS
e IS e uma breve conceituação de termos ligados a esta temática como NS,
Investimento de Impacto, Finanças Sociais e outros. Em seguida, no terceiro
capítulo, serão apresentados dados sobre o aumento da longevidade no Brasil e no
mundo, bem como reflexões sobre as consequências deste fenômeno demográfico.
No quarto capítulo, apresentamos a metodologia de pesquisa e o
procedimento de coleta de dados, seguidos da análise e discussão dos resultados
obtidos. Finalmente, no quinto capítulo, tecemos nossas considerações finais quanto
à pesquisa desenvolvida e a possíveis pesquisas futuras.
27
2 NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL E INOVAÇÃO SOCIAL COMO UM NOVO
CAMPO DE PESQUISA
Discorrer sobre IS é um desafio uma vez que não existe consenso na literatura
sobre uma definição única. Este fato deve-se à sua multidisciplinariedade e ao fato
de o termo ainda estar em construção. De Bruin e Stangl (2013) afirmam que o termo
“IS” é relativamente novo, porém a sua prática não é. A prática de indivíduos, grupos
e comunidades trabalhando juntos visando alcançar formas inovadoras a serem
implantadas para resolução de problemas sociais complexos é de longa data na
história.
Antes mesmo de se falar sobre IS, vários outros termos correlacionados, como
Empreendedorismo Social, NS e NIS, já existiam e vinham se consolidando dentro
e fora da academia no campo da ciência da administração de empresas.
Por todos estes termos pertencerem à mesma grande área de estudo e se
correlacionarem de alguma forma, faz-se necessária uma conceituação breve dos
mesmos para maior esclarecimento da delimitação do recorte analítico desta
pesquisa em NIS e IS. Afinal, IS é um termo que vem se tornando familiar, mas
muitos ainda não estão totalmente certos do que ele realmente significa.
2.1 O Conceito de Negócio de Impacto Social e Inovação Social
O termo mais conhecido, Empreendedorismo Social, foi cunhado por Bill
Drayton, fundador e CEO da Ashoka, uma organização internacional sem fins
lucrativos surgida na Índia em 1980. Na definição da Ashoka, o empreendedor social
aponta tendências e traz soluções inovadoras para problemas sociais e ambientais,
seja por enxergar um problema que ainda não é reconhecido pela sociedade, seja
por vê-lo por uma perspectiva diferenciada (ASHOKA, 2013).
Os NS podem abranger uma gama de serviços de acordo com Dees (1998),
tais como educação, cuidados médicos, moradia, combate a fome, conservação
ambiental, ou seja, elas atuam em áreas onde o mercado por si só pode não
conseguir suprir estas necessidades. Na concepção de Dees (2001), o
empreendedor do século XXI deve ser um agente de mudança e transformação
social.
De acordo com Battilana et al. (2012), NS podem ser organizações híbridas,
ou seja, podem ser organizações sem fins lucrativos ou organizações que almejam
28
resultados financeiros e sociais. Já na concepção da Yunus (2018), fundador da
Yunus Negócios Sociais, instituição mundialmente reconhecida no que diz respeito
a NIS, NS são empresas que tem o único objetivo de solucionar problemas sociais e
não podem distribuir dividendos.
Pela ótica da Yunus (YUNUS NEGÓCIOS SOCIAIS, 2018), NS unem a
dinâmica dos negócios tradicionais com a consciência da filantropia. Esta tipologia
de negócio possui alguns princípios estabelecidos. São eles:
• O objetivo do negócio será redução da pobreza ou mais problemas (como
educação, saúde, acesso à tecnologia e meio ambiente) que ameaçam as
pessoas e a sociedade, não a maximização dos lucros;
• Ser financeira e economicamente sustentável;
• Investidores recebem de volta somente o valor investido, ou seja, nenhum
dividendo é pago além do dinheiro investido;
• Depois que o investimento for devolvido, o lucro da empresa fica na empresa
para ampliação e melhorias;
• Ser ambientalmente consciente;
• Colaboradores recebem valor de mercado com melhores condições de
trabalho.
Comini (2016) identifica três principais correntes que explicam os NIS. A
perspectiva europeia, com suas bases na economia social; a perspectiva norte-
americana, que diz que estes são negócios privados com a lógica de mercado
dedicada à resolução de questões socioambientais; e a terceira corrente,
predominante nos países em desenvolvimento, para a qual NS atuam na lógica de
mercado e buscam a redução da pobreza e a transformação da condição social
existente.
Ainda nesta mesma pesquisa, Comini (2016) encontrou divergências em
relação à distribuição ou não de lucros dos NS. As correntes que afirmam que os NS
fazem parte da lógica de mercado acreditam que deve haver a distribuição de
dividendos e esta atitude não prejudicaria em nada o crescimento e expansão de seu
negócio social. Contudo, pelo contrário, atrairia investimentos externos e,
consequentemente, aumentaria o efeito escala que um NS almeja. Outras
abordagens são totalmente contrárias à distribuição de lucro, entre seus defensores
estão especialistas consagrados como Yunus (COMINI, 2016). Para melhor
29
compreensão das diferenças e semelhanças entre as três abordagens, Comini et al.
(2012) trazem o quadro a seguir (Quadro 1) para esclarecimento das perspectivas:
Quadro 1- Principais abordagens para Negócios Sociais
Perspectiva Europeia Perspectiva Americana
Perspectiva dos Países emergentes
Definição Organizações que são empresas regido por objetivos sociais
Qualquer mercado empresarial atividade que tem impacto social dentro de suas atividades empresariais
Organizações ou empresas que gerar mudança social através de atividades de mercado
Principal Propósito
Oferecer serviços, originalmente na esfera do setor público, com custos mais baixos e gerar oportunidades de emprego para populações desempregadas ou marginalizadas.
Acesso a bens e serviços Anteriormente disponível apenas para a população mais afluente segmento.
Iniciativas de redução da pobreza que deve ter um impacto social que é positivo, eficaz e, especialmente, longo prazo.
Modelo de Negócio
As empresas sociais são distintas porque o seu social e/ou propósito ambiental é absolutamente central para o que eles fazem.
Busque valor compartilhado: resultados financeiros + impacto social.
O impacto social é um alvo principal
Escala Não é relevante Extremamente relevante
Desejável
Lucro Reinvestimento de lucros dentro da organização para melhorar o crescimento e impacto social.
Distribuição de dividendos faz parte da lógica de mercado.
• Visão asiática: os lucros devem apenas ser reinvestido no negócio. • Visão latino-americana: aceitação distribuição de dividendos.
Mensuração de Impacto
Principalmente impacto social
impacto social e econômico
Principalmente impacto social
Fonte: Adaptado de COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012
Os NS ganharam destaque com Muhammed Yunus, criador do Grameen
Bank e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006 (COMINI, 2016). No Brasil, o
termo que vem ganhando cada vez mais espaço é “NIS”. Para o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2017), NIS são inciativas
financeiramente sustentáveis geridas por pequenos negócios que buscam
transformar a realidade da população menos favorecida e que fomentem e
desenvolvam a economia local.
30
Já para Petrini et al. (2016), NIS são organizações com propósito de atender
demandas relacionadas a problemas sociais ofertando produtos ou serviços ou
incluindo indivíduos ou grupos na sociedade. Estas organizações promovem sua
própria sustentabilidade financeira e a distribuição de lucro pode ou não acontecer.
O Quadro 2 apresenta os principais conceitos de NIS utilizados no Brasil.
Quadro 2 - Conceitos de NIS
Fonte: Elaborado pela autora,2018
Os chamados NIS possuem características das três perspectivas identificadas
por de Comini et al. (2012) no Quadro 1. Se buscarmos um enquadramento do termo
NIS com base nas três perspectivas pode-se dizer que se encaixa mais na
perspectiva americana devido ao fato de ser possível a distribuição de lucro, a
questão da escala ser de extrema importância e o impacto social desejado fazer
parte da atividade do negócio.
Vale ressaltar que os NIS são diferentes das ONGs, pois buscam a
sustentação de suas atividades por meio de venda dos seus produtos e serviços e,
desta forma, buscam não depender de doações ou outras formas de recursos que
não venham de sua própria atividade. Os NIS também não têm o propósito de
substituir as organizações não governamentais e tampouco o papel dos governos;
Autor Conceito
ICE (2015)
NIS são empreendimentos que têm a missão explícita de gerar
impacto socioambiental ao mesmo tempo em que geram resultado
financeiro positivo e de forma sustentável.
PETRINI, M; SCHERER,
P; BACK, L (2016)
NIS são organizações que visam solucionar demandas relacionadas a
problemas sociais, seja ofertando produtos e serviços, seja incluindo
indivíduos ou grupos. Essas organizações devem promover sua
própria sustentabilidade financeira, sendo facultativa a distribuição de
lucros.
SEBRAE (2017) Iniciativas financeiramente sustentáveis, geridas por pequenos
negócios, com viés econômico e caráter social e/ou ambiental, que
contribuam para transformar a realidade de populações menos
favorecidas e fomentem o desenvolvimento da economia nacional.
ARTEMISIA (2018) No nosso conceito, NIS são empresas que oferecem, de forma
intencional, soluções escaláveis para problemas sociais da população
de baixa renda
31
pelo contrário, assumem suas responsabilidades sociais como atores da sociedade
civil (YUNUS; MOINGEON; LEHMANN-ORTEGA, 2010).
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem demonstrado interesse em se
aprofundar nos estudos sobre o tema e possui um núcleo de NIS (GVcenn-NIS) que
tem o objetivo de pesquisar, gerar e disseminar conhecimento na área de negócios
empreendedorismo de impacto social. Este núcleo nasceu nas comemorações de 10
anos do FGVcenn e de 60 anos da FGV-EAESP, como uma resposta ao crescente
interesse tanto de empreendedores como de empresas em ter um propósito maior
além de retorno financeiro, gerar também um impacto positivo na sociedade (FGV,
2018).
Todo o debate sobre NIS vem ganhando cada vez mais espaço na academia,
no mercado e entre os defensores de causas socioambientais. Por conta deste
caloroso debate, diversos institutos e especialistas iniciaram suas pesquisas a fim
de compreender, propagar, fomentar e até incubar o NIS. Começaram a surgir então,
iniciativas como a do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), que surgiu em 1999
e tem se dedicado a fomentar os NIS e a IS. O ICE atua como um articulador dos
agentes, líderes, investidores e empreendedores sociais com o propósito de
fomentar a criação de NIS.
De acordo com o próprio ICE (2018), este tipo de negócio pode assumir os
mais diferentes formatos legais: associações, fundações, cooperativas e até mesmo
empresas privadas. Assim, a IS é o grande motor para a criação destes negócios.
Independente do formato jurídico, os NIS, na visão do ICE (2015), devem seguir
quatro princípios:
• têm propósito de gerar impacto socioambiental positivo explícito na sua
missão;
• conhecem, mensuram e avaliam o seu impacto periodicamente;
• têm uma lógica econômica que permite gerar receita própria;
• possuem uma governança que leva em consideração os interesses de
investidores, clientes e a comunidade.
Em 2015, o ICE lançou a “Carta de Princípios para negócios de impacto no
Brasil”. Este documento traz princípios de atuação para todos os tipos de NIS. O
primeiro princípio, compromisso com a missão sócioambiental, pode existir de
diferentes formas e em diferentes níveis, seu compromisso pode estar explícito na
32
missão e valores institucionais; pode ser incluído no contrato social, se tornando
assim o seu objeto social, ou pode estar explícito a todos em sua cultura, por meio
da missão, visão e valores da empresa.
O segundo princípio é o compromisso com o impacto social e ambiental
monitorado, pois precisam ter seus resultados mensurados periodicamente,
desenvolver métricas para mensuração deste impacto e por fim reportar com
transparência estes dados. Com esta prática o NIS demonstra transparência e mede
o lucro social que se propôs a gerar.
Com o terceiro princípio, compromisso com a lógica econômica, a ideia é que
os NIS atuem dentro de uma lógica de sustentabilidade financeira. Podem ter capital
filantrópico, mas devem desenvolver seus próprios mecanismos para serem
autossustentáveis de forma que possuam independência para ser replicados,
acompanhando uma corrente de IS como lógica de mercado, conforme exposto
anteriormente.
O quarto princípio diz respeito ao compromisso com a governança
corporativa. Afirmando que os demais atores do ecossistema de NIS são de grande
importância no processo da IS, a governança corporativa assegura que se atinja o
objetivo da organização. No que tange a distribuição de dividendos, para o ICE, a
mesma pode ou não acontecer NIS.
Outra iniciativa é a Pipe Social, que nasceu no Brasil com o propósito de
provocar e fomentar conexões de impacto. Sendo assim, a Pipe mapeia e recruta
startups de impacto social, se tornando uma vitrine de NIS. Também atuam como
Impact Hunters qualificando e analisando NIS, além de monitorar todo o Ecossistema
dos NIS (PIPE, 2018). Recentemente, em 2017, a Pipe intermediou cerca de 40
organizações pertencentes ao ecossistema de NIS e desenvolveu uma pesquisa
com o propósito de mapear os NIS no Brasil. Esta pesquisa contou com o patrocínio
do Banco Itaú e apoio de parceiros como Endeavor, Artemisia e Impact hub.
Em sua estrutura metodológica, primeiramente o Pipe (2017) conduziu uma
pesquisa quantitativa mapeando 579 negócios nas 5 regiões do país. Em seguida,
foram realizadas entrevistas com os empreendedores das empresas mapeadas; em
paralelo, foi realizado um levantamento de dados secundários sobre impacto social
no Brasil e no mundo e, finalmente, foram realizadas três sessões com equipes
especializadas.
33
O recorte analítico das áreas de impactos adotadas na pesquisa baseou-se
nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), entre
eles: Cidadania, Cidades, Educação, Finanças Sociais, Saúde e Tecnologias
Verdes. Cada negócio definiu sua área de impacto com base nos ODS respondendo
a seguinte pergunta: Qual problema seu negócio resolve no mundo?
O Mapeamento demonstrou que dos 579 negócios mapeados, 63%
encontram-se na região Sudeste do Brasil e 70% são negócios formalizados.
Concluiu ainda que 9% resolvem questões de finanças sociais, 10% questões
ligadas à saúde, 38 % educação, 23 % tecnologias verdes e 12% cidades (PIPE,
2017).
Sobre o tracking financeiro, apenas 7% receberam investimentos com
contratos formais, 5% por meio de crowdfunding, 8% captaram por meio de editais
do governo, 6% de empresas privadas, 7% de institutos e fundações, 11% de
incubadoras, 9% “de anjo profissional”, a fatia mais considerável, de 25% receberam
investimento de FFF (Family, Friends & Fools). Entretanto, 42% dos negócios ainda
não foram investidos de acordo com a pesquisa.
O mapa de NIS realizado pela Pipe Social traz grande contribuição para a
área uma vez que reúne dados primários importantes para as pesquisas empíricas
sobre as características e os estágios dos negócios desta natureza. (PIPE,2017)
Ainda nesta pesquisa, uma seção traz a opinião de especialistas que afirmam que
esta é uma nova tendência do mercado mundial.
Foram também encontradas no Brasil iniciativas com foco em tecnologias
sociais como a Social Good Brasil, que nasceu em 2010, fruto de uma parceria entre
o Instituto Voluntários Online (VOL) e o Instituto Comunitário Grande Florianópolis.
Um ano depois, estas organizações participaram de um evento em Nova York
chamado Social Good Summit. Este evento reuniu pessoas de diferentes partes do
globo para debater a respeito do uso das ferramentas tecnológicas para solucionar
problemas sociais. Trazendo esta inspiração de fora se decidiu criar o programa
Social Good Brasil. O Social Good Brasil acredita que: “As novas mídias e o
pensamento inovador são ferramentas poderosas para impulsionar a solução de
problemas sociais. ” (SOCIAL GOOD, 2018).
Dentre as iniciativas da Social Good destaca-se a plataforma online que
proporciona interação e conexão entre os diferentes atores do ecossistema de IS, o
34
Social Good Lab, um laboratório de prototipagem e um seminário anual com o intuito
de promover o debate e a discussão sobre IS e tecnologias sociais.
O termo mais recente e estudado internacionalmente que vem ganhando
espaço é a “Inovação Social” ou “IS”, que, assim como os demais termos
mencionados, está estritamente relacionado com a solução dos problemas sociais.
Para Phils et al. (2008), IS é uma nova solução para um problema social; uma
solução mais efetiva, eficiente, sustentável do que as soluções já existentes e que
beneficia a sociedade como um todo.
O conceito de IS nasceu em 1970 quando, em trabalho seminal, Taylor (1970)
declara que IS consiste em uma nova forma de se fazer algo visando solucionar as
necessidades sociais. Foi a partir dos anos 1990 que diversos estudos internacionais
e nacionais começaram e surgir com o propósito de compreender este novo
fenômeno e então novas definições surgiram.
Em 1986, surgiu o CRISES - Centre de Recherche sur les Innovations
Sociales (Centro de Pesquisas de IS), em Montreal, no Canadá e foi uma das
primeiras organizações a estudar a IS. Julie Cloutier, pesquisador do CRISES
movido por suas inquietações sobre o assunto, começou a questionar- se sobre o
que era IS, quais seriam suas características e dimensões, quais seriam os marcos
que identificam sua presença e, então, definiu IS como uma nova resposta para uma
situação social insatisfatória que visa o bem-estar dos indivíduos e comunidades e
que é definida por uma ação de mudança sustentável (CLOUTIER, 2003). Os
estudos do CRISES foram pioneiros e propagaram o termo para diversos países,
sendo ainda hoje de extrema relevância para os pesquisadores da área.
As pesquisas sobre IS alavancaram ainda mais nos anos 2000, quando uma
das grandes universidades pioneiras em inovação nos Estados Unidos iniciou seus
estudos nesta nova temática. A universidade de Stanford definiu IS como uma nova
solução para um problema social; uma solução mais efetiva, eficiente, sustentável
ou justa do que as soluções já existentes e cujo valor gerado beneficia
prioritariamente a sociedade como um todo e não apenas alguns indivíduos
(STANFORD SOCIAL INNOVATION, 2008).
Pode-se dizer que, a partir de então, a IS se consolidou como um novo campo
de estudos e pesquisadores de diferentes países passaram a estudar este fenômeno
sob as mais diversas óticas, como veremos adiante. Como é um campo de estudos
emergente e estudado por diferentes disciplinas, encontramos diversas perspectivas
35
sobre o mesmo. Isto ocasiona por vezes uma sensação de que a literatura sobre o
tema seja confusa (BITENCOURT, 2016).
De acordo com Bignetti (2011), esta busca pela consolidação do termo e o
seu objeto de estudos entre diferentes autores e instituições nos traz um aglomerado
de conceitos que faz o pesquisador vagar por caminhos tortuosos. Neste sentido, o
Quadro 3 faz uma compilação das diferentes definições encontradas na literatura
para maior compreensão das diferentes perspectivas da IS.
36
Quadro 3 - Definições de Inovação Social
Fonte: Elaborado pela autora,2018
A mais recente contribuição conceitual mencionada acima se trata da
concepção do pesquisador Giovany Cajaíba-Santana, que em sua pesquisa
objetivou desenvolver e ampliar a compreensão conceitual do fenômeno. Neste
mesmo estudo, que tem forte contribuição para a área, Cajaíba (2014) ressalta que
uma resposta para um problema social não é necessariamente uma IS. Portanto,
concluímos que os negócios ou empreendimentos sociais não necessariamente são
Autor Conceito
Taylor (1970) Inovação Social consiste em uma nova forma de se fazer algo visando
solucionar as necessidades sociais
Cloutier (2003) Uma nova resposta para uma situação social insatisfatória e que visa o
bem-estar dos indivíduos e comunidades e é definida por uma ação de
mudança sustentável
Mulgan et al. (2007) Inovação Social são atividades e serviços inovadores que são
motivados pela meta de um encontro com a necessidade social e que
se difundem predominantemente entre as organizações que têm como
primeiro propósito o social
Phils et al. (2008) Uma nova solução para um problema social; uma solução mais efetiva,
eficiente, sustentável ou justa do que as soluções já existentes e cujo
valor gerado, beneficia prioritariamente a sociedade como um todo e
não apenas alguns indivíduos
Pol e Ville (2009) Uma nova ideia com a capacidade de melhorar a qualidade e a
quantidade de vida.
Murray et al. (2010) Novas ideias (produtos, serviços e modelos) que, simultaneamente,
satisfazem necessidades sociais e criam novas relações ou
colaborações sociais. Em outras palavras, são inovações que são boas
para a sociedade e melhoram a capacidade de agir da sociedade
Bignetti (2011) A inovação social é o resultado do conhecimento aplicado a
necessidades sociais por meio da participação de todos os envolvidos,
gerando soluções novas e duradouras para grupos sociais,
comunidades ou para a sociedade em geral.
Cajaíba-Santana (2014) São novas práticas sociais criadas a partir de ações coletivas
orientadas para os objetivos que visam o que instigou a mudança
social por meio da reconfiguração da forma como os objetivos sociais
são realizados.
37
acompanhados de inovação. Faz-se necessário então uma análise detalhada das
características e dimensões da IS.
Com o crescimento dos estudos sobre IS, o processo de geração da inovação
tornou-se um dos aspectos estudados. Mulgan (2007) sugeriu uma perspectiva de
processo de inovação. Para o autor, a geração da ideia se dá pela necessidade, o
segundo passo seria testar está inovação na prática e a última fase seria a
consolidação da ideia de forma que ela possa ser replicada e adaptada para outras
realidades.
Responsáveis pela difusão do termo, os Centros de IS, ajudaram a consolidar
e propagar o tema. Os centros são instituições de ensino e pesquisa, fomentadores
e articuladores de investimentos. Em levantamento realizado por Bignetti (2011) já
existem diversos centros de pesquisa espalhados por diferentes regiões do globo.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as universidades de Stanford, Harvard e Brown
são algumas das que tem desenvolvido centros de pesquisa.
No Canadá, o CRISES, um dos mais antigos e conceituados centros de
pesquisa, é formado por uma de rede de universidades do Québec que se vinculam
projetos comuns (BIGNETTI, 2011). Os objetivos do CRISES (2018) são:
• produzir e disseminar novos conhecimentos sobre inovações e
transformações sociais;
• Fornece um fórum para atividades de pesquisa;
• Promover o surgimento de novas vias para a pesquisa;
• Desenvolver novas parcerias;
• Organizar atividades;
• Treinar pesquisadores;
Também no continente europeu, o INSEAD, da Universidade de Cambridge,
faz estudos e pesquisas voltadas para IS (BIGNETTI, 2011).
No Brasil, em 2016, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, por meio da
RAM - Revista de Administração da Mackenzie fez uma chamada para uma edição
especial denominada “IS: Investigação, definição e teorias da IS que reuniu sete
artigos de autores nacionais e internacionais para contribuição da consolidação do
campo em esfera nacional. Com isto, a Mackenzie demonstrou seu interesse por
este emergente campo de pesquisa (BITENCOURT, 2016).
38
Finalmente, é possível afirmar que seja no meio acadêmico, seja entre as
instituições e especialistas da área de negócios, sustentabilidade, investimentos e
outros atores, a IS e os NIS são notoriamente uma tendência de mercado. A
resolução dos problemas socais tem deixado de ser apenas uma área de atuação
do terceiro setor e passou a ser encarada como um campo em evidência para
administração de empresas, atraindo a atenção de economistas e investidores.
Um estudo realizado pela Força Tarefa de Finanças Sociais em 2015
demonstrou que 13 milhões de reais já foram investidos em NIS e que se estima que
até 2020 mais 50 milhões serão investidos (FORÇA TAREFA FINANÇAS SOCIAIS,
2015). Portanto, faz-se necessário o aprofundamento das reflexões sobre NIS e IS
na área de administração de empresas. Para isto, no próximo subcapítulo veremos
a evolução e o estado da arte deste novo tema.
2.1.1 Inovação Social como um novo campo de pesquisa
O estado da arte em uma pesquisa cientifica é fundamental, uma vez que faz
referência ao que já foi estudado sobre um tema. Em qualquer área de
conhecimento, a análise do estado da arte procura identificar o estado que se
encontra o conhecimento no momento atual da pesquisa, quais foram as suas
evoluções, como está o interesse dos pesquisadores, qual o progresso da área e,
principalmente, quais lacunas a serem pesquisadas.
Logo, o objetivo deste subcapítulo é demonstrar como a temática vem sendo
tratada nos principais congressos nacionais e revistas da área de administração de
empresas, principalmente em âmbito nacional.
Como dito anteriormente, as pesquisas na área de IS vêm crescendo
consideravelmente nos últimos anos, tanto no contexto internacional quando no
nacional. Porém, este ainda é um campo em construção. Justamente por isto se faz
necessária uma imersão não só nas pesquisas seminais como também nas mais
recentes. Em vista disto, é importe destacar que as pesquisas nessa área vêm
progredindo, principalmente, nos últimos anos. Todavia, ainda há lacunas a serem
exploradas e investigadas (PATIAS et al., 2015).
No levantamento realizado, primeiramente optou-se por analisar as
publicações sobre o tema no XLI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2017, pois este é
considerado o segundo maior evento científico do mundo na área de administração
39
e é a partir deste encontro que nascem os principais artigos que serão publicados
nas revistas da área.
O primeiro estudo encontrado teve por objetivo analisar como as teorias
institucionais estão sendo utilizadas para estudar o campo da IS (SOUSA et al.,
2017). Assim sendo, no contexto internacional, os autores identificaram, pela
pesquisa na base de dados, 42 estudos entre os anos de 1996 e 2016, sendo que o
primeiro encontrado foi no ano de 2006. O crescimento das publicações sobre o tema
nesta base de pesquisa ocorreu nos anos de 2015 e 2016.
Ainda no contexto internacional, vale salientar que Sousa et al. (2017)
identificaram que, dentre os periódicos selecionados, o International Journal of
Technology Management está entre os que mais publicaram nos últimos vinte anos
com a publicação de quatro artigos, seguido pelo Journal of Business Research e o
Technological Forecasting and Social Change com três publicações cada.
No contexto nacional, os autores realizaram suas buscas na base Spell e nos
eventos da Anpad. Os resultados encontrados demonstraram que, dentro do mesmo
período temporal, o primeiro artigo encontrado também foi no ano de 2006, no
Encontro Nacional de Estudos Organizacionais (EnEO), e, da mesma forma que no
contexto internacional, foi no ano de 2016 que a produção de artigos aumentou
significativamente. Salienta-se ainda que o periódico que mais publicou foi a RAM -
Revista de Administração da Mackenzie, devido a sua edição especial sobre IS em
2016. Com relação aos eventos, o EnAnpad foi o que mais publicou de acordo com
esta pesquisa e este fato deu-se principalmente por conta do Tema 08 - Inovação,
Sustentabilidade e Inclusão Social na Divisão de GCT – Gestão de Ciência,
Tecnologia e Inovação.
Contudo, a principal contribuição do artigo de Sousa et al. (2017) é no que
tange o uso das teorias institucionais. Os resultados da pesquisa demonstraram que
a teoria mais utilizada nos artigos encontrados foi a Teoria Institucional. Para
compreender a predominância da Teoria Institucional nas pesquisas sobre IS,
Cajaíba (2014, p.11) diz que esta teoria explica:
O estudo dos processos de inovação social tem potencial para fornecer um quadro abrangente de como as práticas são criados e institucionalizados. Novas práticas que emergem de processos de inovação social são fundamentalmente constituídos em torno de estruturas institucionais e atores que articulam dentro desses frameworks incorporados em contextos sociais mais amplos. O uso das teorias institucionais e de estruturação nos
40
permite para analisá-lo em diferentes níveis, o que fornece mais abordagem matizada e situada nos processos de inovação social.
Em conclusão, se analisarmos os estudos nacionais em comparação com os
internacionais é possível observar que em ambos as propulsões dos estudos sobre
o tema ocorreram em torno do ano de 2013 com auge em 2016. Os autores ainda
afirmam que no âmbito internacional, os estudos estão mais difundidos se
comparados com o âmbito das pesquisas nacionais, neste caso ainda é possível
notar uma carência uma vez que existem aspectos teóricos, empíricos e
metodológicos a serem explorados (SOUSA et al., 2017).
Um segundo estudo, denominado Inovação Social: um Estudo Bibliométrico
do Estado da Arte em Periódicos Nacionais da Área de Administração (MOREIRA;
SANTOS; CABRAL, 2017), também disponível nos Anais da EnAnpad 2017, teve
por objetivo verificar o estado da arte da produção científica brasileira IS na área de
administração. Para tanto, foi realizada um estudo bibliométrico, de caráter
quantitativo e qualitativo, a partir de base de dados Spell. Todavia, antes mesmo da
realização da pesquisa bibliométrica, os autores buscaram estudos anteriores e
sintetizaram os resultados destas no Quadro 4, que é utilizado nesta pesquisa para
demonstrar os resultados anteriormente encontrados.
41
Quadro 4 - Estudos bibliométricos anteriores
Fonte: MOREIRA; SANTOS; CABRAL, 2017
Observamos no Quadro 4 que apenas um dos estudos encontrados analisou
as publicações em periódicos de alto impacto. Diferente dos estudos bibliométricos
encontradas, os autores optaram por abranger o universo de pesquisa utilizando
como base não apenas um congresso, mas sim a base da Spell no período de 2007
a 2016. Os resultados obtidos nesta pesquisa demonstraram que o ano de 2016 é o
que possui maior número de artigos publicados, o que demonstra que esta é uma
temática emergente e em evolução no Brasil. Observou-se também que existe uma
concentração de artigos em periódicos com conceitos B2, B3 e B4 na Capes, isto
constata que o tema ainda está em fase de amadurecimento e por isto há ausência
em periódicos com fator de alto impacto.
Abaixo a demonstração das revistas que mais publicaram de acordo com a
base da Spell:
42
Quadro 5 - Periódicos por quantidade de artigos publicados
Fonte: MOREIRA; SANTOS; CABRAL, 2017
Sobre a estrutura conceitual da área, a pesquisa expôs que o autor mais
citado é o teórico Geoff Mulgan, um estudioso do campo da IS com várias obras
publicadas, sendo a principal “Social Innovation: what it is, why it matters and how it
can be accelerated?”, de 2007. Este artigo foi e ainda é fundamental para o
entendimento do fenômeno da IS e é considerado um artigo seminal para a área.
O artigo de Moreira et al. (2017) também analisou os autores brasileiros mais
referenciados em artigos, dentre os quais se destacam: Rodrigues (2006) com a obra
“Modelos de gestão e inovação social em organizações sem fins lucrativos “ e
Bignetti (2011) com a obra “As inovações Sociais: uma incursão por ideias,
tendências e focos de pesquisa”.
Outra observação importante que este artigo traz é referente às abordagens
metodológicas encontradas. Em sua maioria as pesquisas encontradas são de
cunho qualitativo descritivo e a estratégia de pesquisa utilizada por eles foi a análise
de estudo de caso, o que demonstra a necessidade de pesquisas de natureza
empírica para a área. Por fim, a técnica de coleta de dados mais utilizada foi a
entrevista com análise de conteúdo (MOREIRA; SANTOS; CABRAL, 2017).
Um último estudo bibliométrico que irei mencionar trata-se de um artigo de
2015 que foi encontrado por outros autores e mencionado no Quadro 4. Este artigo
traz uma contribuição de peso uma vez que foi o único encontrado com o objetivo de
examinar o que tem sido estudado sobre IS nos periódicos de alto impacto.
43
Neste estudo, Martins et al. (2015) realizaram um levantamento dos últimos
dez anos na base Scopus dos periódicos com alto fator de impacto. Os periódicos
que serviram de base para a pesquisa foram: “Business & Society”; “Emerald
Insight”, “International Small Business Journal”, “Cities”, “Academy of Management”
“Learning & Education”, “Technological Forecasting & Social Change”, “International
Small Business Journal” e “Gender e Work and Organization”. Após análise criteriosa
dos autores selecionaram oito artigos para serem analisados, conforme Quadro 6:
44
Quadro 6 - Dados dos artigos separados para a realização do estudo de Martins et al.
(2015)
Ano Título do artigo Citações Autores
2006 Framework to study the social innovation networks
57 Taatila, V.P ; Suomala, J; Siltala, R e Keskinen, S.
2009 Innovative Social Policies: Implications for Work–life Balance among Low-waged Women in England
32 Warren, T; Fox, E; Pascall, G.
2010
(Re)Forming Strategic Cross-Sector Partnerships Relational Processes of Social Innovation
66 Le Ber, M. J; Branzei, O
2012
Social innovation, social entrepreneurship and the practice of contemporary entrepreneurial philanthropy
24 Maclean, M; Harvey, C; Gordon J.
2013
How social capital is leveraged in social innovations under resource constraints
5
Bhatt, P; Altinay, L
2013 Reconsidering capitalism the promise of social innovation and social entrepreneurship
14 Shaw, E ; Bruin, A.
2013 Social innovation and institutionalisation in the cognitive–cultural economy Two contrasting experiences from Southern
4 D’Ovidio, M; Pradel , M
2014 Social innovation Moving the field forward. A conceptual framework
31 Cajaíba-Santana, G.
Fonte: MARTINS et al., 2015
45
Dentre todos os artigos encontrados, vou destacar aqui a principal
contribuição dos três artigos mais citados. Primeiramente, o artigo “Framework to
study the social innovation networks”, dos autores Taatila et al. (2006). Foi
evidenciada a importância das inovações na gestão de negócios por meio dos
aspectos sociais da inovação econômica. Os autores apresentaram a inovação
econômica como ideias inovadoras que foram implementadas e que resultaram em
maior criação de valor financeiro quando relacionado ao que foi investido.
Já o artigo “(Re)Forming Strategic Cross-Sector Partnerships Relational
Processes of Social Innovation”, dos autores Le Ber e Branzei, de 2010, é o artigo
com maior número de citações nesta revisão, ao todo 66. Nele os autores buscaram
identificar o sucesso e fracasso em colaborações com IS entre organizações com e
sem fins lucrativos.
A última contribuição é do artigo “Social Innovation, moving the field forward.
A conceptual framework”, de 2014 e de autoria de Giovany Cajaíba-Santana. Este
autor possui uma forte contribuição para a área e um número de citações relevantes
tendo em vista a idade da publicação. O autor busca criar um novo quadro conceitual
para investigar a IS como um motor de mudança social. Com o uso da base teórica
na Teoria Institucional e na Teoria da Estruturação, o autor propõe este quadro
conceitual para dizer que a IS é uma criação coletiva de novas práticas sociais
legitimadas que visam à mudança social (MARTINS et al., 2015).
Além do levantamento bibliométrico apresentado, Martins et al. (2015)
também mapeou as principais regiões com produção acadêmica. O continente
europeu destaca-se como a principal região de produção e o Reino Unido é o
destaque central de todas as regiões como demonstra a Figura 01.
46
Figura 01 - Principal região com produção acadêmica de acordo com os critérios de
seleção - Continente Europeu
Fonte: MARTINS et al., 2015
No continente americano, o destaque é para a Califórnia, nos EUA, e
também algumas cidades do Canadá como mostra a Figura 02:
Figura 02 - Principal subcontinente com produção acadêmica de acordo com os
critérios de seleção - América do Norte
Fonte: MARTINS et al., 2015
Na visão de Martins et al. (2015), a principal limitação deste estudo é no que
se refere a escolha dos periódicos que, neste caso, retrata apenas o fenômeno nos
países considerados desenvolvidos. Sendo assim, os autores sugerem a ampliação
deste estudo nos países menos desenvolvidos.
Devido a esta construção e ao crescimento do campo de IS e NIS notamos o
provável surgimento de um novo paradigma da inovação. Isto faz com que a IS
47
continue ganhando importância e, cada vez mais, seja incorporada na agenda
acadêmica.
Apesar de observarmos um aumento nos estudos sobre IS e um empenho
dos estudiosos em teorizar e elucidar este termo emergente, percebe-se que ainda
existe uma busca pela análise mais sistemática de suas teorias, práticas,
características e principalmente de seus impactos.
Reconhecendo a crescente importância da IS, Howaldt, Domanski e Kaletka
(2016) afirmam que só será possível compreender o fenômeno da IS, entender suas
conexões sistêmicas, processos e, principalmente, a relação entre as IS e as
mudanças sociais pelo desenvolvimento de uma teoria sólida e integrada.
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que os novos modelos de inovação
tecnológica supririam os problemas da humanidade e de fato contribuíram
significativamente para a superação de muitos dos nossos desafios. Porém, muitos
dos importantes desafios sociais não estão sendo supridos e as inovações
tecnológicas por si só não estão sendo suficientes. No coração da revolução
industrial, o paradigma da inovação predominante foi o tecnológico; hoje talvez
estejamos em direção ao novo paradigma da inovação: O Paradigma da IS
(HOWALDT; DOMANSKI; KALETKA, 2016).
2.2 Dimensões para análise da Inovação Social
Devido a necessidade de aprofundamento nos estudos sobre IS, necessidade
esta que foi evidenciada por diversos autores, é preciso identificar as formas
existentes para análise da IS, identificar suas características e variáveis.
Movida por estas inquietações, neste subcapítulo procurou-se mapear na
literatura os modelos existentes para esta análise, sobretudo tentando encontrar
modelos sob o prisma do resultado, perspectiva que esta pesquisa se propõe a
analisar.
Alguns resultados foram encontrados no decorrer da revisão de literatura e
realizou-se pesquisa complementar na base da Web of Science, na tentativa de
encontrar modelos utilizados por autores de diferentes países, uma vez que a
literatura internacional sobre IS está mais avançada se comparada com o contexto
brasileiro.
48
2.2.1 As dimensões de Cloutier
Cloutier (2003), pesquisador do CRISES e um dos pioneiros nos estudos de
IS, em seu trabalho teve por objetivo sugerir a análise da inovação considerando
quatro dimensões:
1- A natureza da IS (Forma, Inovação e Objetivo geral).
2- Alvo da mudança.
3- O processo de criação e implementação.
4- Os resultados alcançados.
Ressalto que, na concepção de Cloutier (2003, p.13),
Em geral, a inovação social é uma "nova resposta" a uma situação social considerada insatisfatória, uma situação susceptível de se manifestar em todos os setores da sociedade. A inovação social responde a isso porque é sobre o bem-estar de indivíduos e / ou comunidades. É definido em ação e mudança sustentável. Pretende desenvolver o indivíduo, o local de vida (território) ou a empresa. Ao fazê-lo, a inovação social não assume uma forma particular. Às vezes é processual, às vezes organizacional ou institucional. A inovação social também pode assumir uma forma tangível (por exemplo, tecnologia, produto).
Sendo assim, a IS pode ser classificada segundo a forma, o processo, os
atores envolvidos e os objetivos da mudança. O Quadro 7 demonstra de maneira
sistêmica a proposta de análise da inovação por Cloutier:
49
Quadro 7 - As dimensões de análise da Inovação Social
Objeto/ O que
Novidade: caráter inovador: • Solução nova / desproporcional • Importância das mudanças (extensão, profundidade) Tangibilidade: de ação para produto: • processual / organizacional / institucional / produto / tecnologia
Campo/ Onde Todos os setores da sociedade
Alvo de mudança Indivíduo, meio Ambiente e empresa
Objetivo/ "Por quê?" Bem-estar de indivíduos e comunidades • Solução de problemas presentes / prevenção de problemas / aspirações futuras
Processo/ "Como” Diversidade dos atores (pelo menos 1 / diversidade) Grau de participação dos usuários (conscientização sobre o problema, criação, implementação, avaliação).
Resultados Importância da qualidade relativa dos resultados
Fonte: CLOUTIER, 2003
2.2.2 O modelo de Murray et al. (2010)
De acordo com Murray et al. (2010), no processo de IS, foram identificados
seis estágios que toda IS passa desde seu início até o impacto. Elas podem não
ocorrer necessariamente na mesma ordem, mas, naturalmente, todas as etapas
deste processo devem ser seguidas. A seguir são descritas cada uma delas:
1) Solicitações, inspirações e diagnósticos: esta é a fase da inspiração, em
que ocorre o diagnóstico do problema e é identificada a necessidade de uma
inovação para atender a um propósito específico. A partir daí acontece a inspiração
para tentar inovar a fim de resolver aquele problema.
2) Propostas e Ideias: trata-se da etapa em que nascem as ideias. Estas, por
sua vez podem ser geradas por meio de métodos formais como também de métodos
informais. O método formal tem auxiliado na geração destas ideias para que o
empreendedor dos NIS não fique refém dos conhecidos insights, os raros instantes
de criatividade que dá origem a uma grande ideia. Hoje a construção desta ideia
pode ser auxiliada com um destes métodos.
As propostas poderão surgir pelo do envolvimento de uma série de atores,
dos futuros usuários desta inovação, da comunidade, das pessoas envolvidas no
processo e outros.
50
3) Prototipagem e piloto: após a geração da ideia, o próximo passo é testá-la
na prática. O desenvolvimento de qualquer ideia se dá pelas tentativas e pelo
refinamento constante. A fase de prototipagem é especialmente importante, pois
coloca em contato os usuários, as pessoas que irão se beneficiar daquela inovação
e os profissionais. Consequentemente, isto traz o feedback tão importante para o
refinamento do projeto.
Por este refinamento questões essenciais para a sobrevivência daquela
inovação vão surgindo, tais como questões de custos e de sustentabilidade
financeira, questões de entrega, de distribuição e de armazenagem, e,
principalmente, como baratear aquele produto ou serviço entregue.
4) Sustentabilidade: após a fase da prototipagem e refinamento, a inovação
deve desenvolver um modelo que seja sustentável, que assegure a sua
sobrevivência. É preciso buscar caminhos, fluxos que garantam a sustentabilidade
financeira; o projeto tem que ser viável, ter investidores e ter um marketing que
garanta a sua atratividade.
Neste estágio, os autores consideram cinco passos importantes para manter
a ideia: i) um modelo de negócio paralelo à ideia central do empreendimento; ii)
governança, para fornecer um mapa de responsabilidades e obrigações; iii) fontes
de financiamento; iv) um modelo de redes de comunicação ; v) controle para os
sistemas operacionais, isto envolve finanças, operação, controle de custos,
gerenciamento de risco e tecnologia da informação. Ou seja, é necessário, neste
estágio da inovação, desenvolver um plano de negócios.
5) Escala e Difusão: um NIS ou uma IS deve ser possível de ser escalado,
isto é, aquela ideia deve ser passível de ser replicada em outra situação, em outro
lugar. Trata-se da busca pelo crescimento constante com o propósito de se alcançar
o maior número de pessoas possível. A escala é um conceito emprestado da
produção em massa e a IS se apropriou deste conceito como um princípio. A IS deve
ser promovida e difundida entre os usuários, prestadores de serviço, especialistas e
intermediários.
6) Mudança sistêmica: a IS existe com o propósito de gerar mudança
sistêmica, este deve ser o objetivo de qualquer IS. Por este motivo este fenômeno é
multidisciplinar e intersetorial, envolvendo muitos elementos e atores. A IS promove
a mudança radical em sistemas essenciais como educação, trabalho, cidadania,
saúde, habitação e educação.
51
Todos os seis passos do processo da geração e desenvolvimento de uma IS
deve ter como foco o resultado, esta mudança sistêmica já mencionada por Murray
et al. (2010) e deve ter impacto na sociedade. A seguir será apresentado o esquema
desenvolvido pelos autores para exemplificar as etapas do processo a IS na Figura
03.
Figura 03 - O processo da IS
Fonte: MURRAY et al., 2010
2.2.3 O modelo de Tardif e Harrison
Este modelo foi criado a partir da análise de 49 estudos sobre IS
desenvolvidos pelo CRISES (Centro de Pesquisas de Inovação Social). Após análise
dos autores Tardif e Harrison (2005), constatou-se que a IS com o propósito de
transformação se baseia nas seguintes dimensões: i) caráter arrojado da inovação,
ii) objetivo da inovação, iii) processo de desenvolvimento da inovação, iv) relação
entre os atores; v) restrição do desenvolvimento da inovação.
No que se refere à transformação, ela pode ocorrer no contexto micro e macro,
isto significa que pode advir tanto de problemas sociais como de crises econômicas.
Em relação ao caráter inovador, Tardif e Harrison (2005) entendem que se refere ao
tipo de economia, mista ou social, e aos modelos que podem ser gerados tais como
novos modelos de trabalho, de desenvolvimento e de governança.
Sobre a dimensão inovação, os autores dizem que a mesma pode ser uma
inovação técnica ou uma IS, e essa inovação pode ser desenvolvida por diversos
52
atores que podem trabalhar em colaboração uns com os outros no desenvolvimento
da última dimensão que é o processo.
2.2.4 As variáveis da IS de Buckland e Murillo
Para Buckland e Murillo (2013), estamos evidenciando cada vez mais a
necessidade de apontar caminhos inovadores para suprir as deficiências existentes
em questões sociais e ambientais. Juntamente com as necessidades, crescem
também os mecanismos para apoiar os empreendedores sociais na criação destas
ideias inovadoras. Com este crescimento da IS, surge também a necessidade de se
criar métricas e variáveis para determinar os enfoques mais efetivos das IS e para
medir o impacto que este tipo de inovação provoca em longo prazo.
Com base nisto, os autores propuseram cinco variáveis a fim de participar do
debate mundial existente em torno deste fenômeno. Para tanto, estas variáveis
buscam responder às seguintes perguntas: Como se mede o impacto da IS? E quais
são os fatores chave de sucesso? O Quadro 8 expõe as cinco variáveis para análise
da IS na visão de Buckland e Murillo (2013):
53
Quadro 8 - Variáveis para análise da Inovação Social
Variável Pergunta
Impacto e transformação social Até que ponto a iniciativa gera a transformação
social desejada e resolve o problema abordado?
Colaboração intersetorial Quem são os primeiros interessados no êxito da
iniciativa e que mecanismos dispõem?
Sustentabilidade econômica e Viabilidade
em longo prazo
Como se financia a iniciativa e quais estratégias
estão sendo adotadas para garantir sua
sobrevivência no futuro?
Tipo de inovação A inovação pode ser replicada por outros?
Baseia-se em algum conceito anterior? Que
características inovadoras apresenta?
Escalabilidade e Replicabilidade Em que medida a iniciativa pode se multiplicar e
em que situação pode se replicar em uma
condição diferente?
Fonte: BUCKLAND; MURILLO, 2013
Como podemos observar as variáveis propostas são claras e direcionadas a
medir o resultado e a efetividade da IS. Em que medida estas inovações alcançam
seus objetivos? Quais são os resultados? A seguir explicitamos as considerações de
Buckland e Murillo (2013).
1) Impacto e transformação social: tendo em vista que, na visão de diferentes
estudiosos no assunto, o objetivo principal de uma IS é gerar a transformação social,
pode-se dizer que esta é a variável número um em nível de prioridade por justamente
medir qual impacto e qual a efetividade desta inovação na sociedade.
2) Colaboração intersetorial: estamos vivenciando a era das redes, na qual o
limite entre os setores públicos e privados, o coletivo e o individual está se tornado
cada vez mais difuso. A tendência é que cada vez mais os governos, as empresas e
a sociedade civil cooperem entre si para criar um verdadeiro ambiente de
colaboração em prol da resolução das deficiências da sociedade atual. Neste
contexto, a interação dos diferentes atores e dos diferentes setores da sociedade é
necessária para este novo panorama de organizações híbridas.
54
3) Sustentabilidade econômica e viabilidade em longo prazo: o retorno de
investimento, a eficiência e a gestão para assegurar a viabilidade do negócio são as
principais preocupações de qualquer investidor. É necessário que se tenha
estratégias para que a inovação seja viável ao longo dos anos.
4) Tipo de Inovação: para Buckland e Murillo (2013), as IS podem ser de dois
tipos: i) a inovação aberta, na qual usuários e demais atores podem não apenas
reproduzir a ideia como também adaptá-la para outro propósito ou outro contexto e
ii) a inovação fechada, que, por sua vez, se baseia em um sistema de propriedade
intelectual.
5) Escalabilidade e Replicabilidade: existem dois motivos para a capacidade
de escalabilidade de uma IS ser tão importante. O primeiro deles se refere ao fato
de que a maioria dos nossos problemas sociais são globais e, portanto, precisam de
soluções em escala global. O segundo motivo é porque nossos grandes sistemas,
como o setor privado e os bancos, já funcionam em escala global e com a IS não
deve ser diferente.
Os estudos de Buckland e Murillo (2013) contribuem também para a pesquisa
aqui empreendida, uma vez que se procuram métodos, dimensões e variáveis para
analisar a IS no campo empírico.
2.2.5 As dimensões de De Bruin e Stangl
Os autores De Bruin e Stangl (2013) propuseram dimensões específicas para
analisar a IS na perspectiva do resultado. Os primeiros três aspectos a serem
considerados nesta análise são:
1) O tipo de solução, neste aspecto os autores fazem menção ao Manual de
Oslo segundo o qual a inovação pode ser a implementação de um novo produto ou
serviço; uma inovação dos processos; uma inovação mercadológica, que significa
uma nova forma de atender os clientes; e, por fim, uma inovação organizacional, ou
seja, novas práticas organizacionais.
2) A magnitude da inovação diz respeito a analisar se a inovação está
direcionada para suprir uma falha de mercado, sendo assim uma inovação
incremental; se tem capacidade de reconfigurar toda a estrutura do mercado, sendo
desta forma uma inovação institucional; ou se poderia alterar o sistema social, sendo,
então, uma inovação disruptiva.
3) A extensão da escala, que pode ocorrer em escala local, nacional ou global.
55
Figura 04 - Continuum da Inovação Social
Fonte: DE BRUIN; STANGL, 2013
A Figura 04 exemplifica o modelo de análise proposto pelos autores. Observa-
se que, quando se fala em inovação disruptiva, ela acontece na escala global. Este
tipo de inovação tem o foco na sociedade, provoca mudança sistemática e faz uma
reengenharia social. Já a inovação institucional ocorre em escala nacional, com foco
no mercado, traz uma nova estrutura de mercado e exige construção coletiva. Por
sua vez, a inovação incremental está ligada a suprir pequenas falhas de mercado,
tem foco no produto ou serviço e está alocada em nível local da escala.
O esquema acima ilustrado demonstra também a flexibilidade e o dinamismo
da IS e nos faz refletir sobre os diversos aspectos em que uma inovação pode ser
avaliada.
Para finalizar os autores abordam a questão da IS como um fenômeno híbrido
que possui dupla finalidade, ao mesmo tempo em que é predominantemente
lucrativa de igual modo fornece alguma solução para mitigar um problema social (DE
BRUIN; STANGL, 2013).
2.2.6 A Rede Quebequense de Inovação Social
O CRISES (Centre de Recherche sur les Innovations Sociales) trabalhou em
parceria com a Universidade de Quebec para elaboração do projeto “Rede
56
Quebequense em IS”. Deste projeto resultou o modelo do processo de IS. Este
modelo tem foco na análise da IS pela perspectiva do processo.
Rollin e Vicent (2007) desenharam os caminhos pelos quais os atores
envolvidos no processo da IS percorrem para resolver um problema a fim de
implantar uma ideia inovadora para tal. Foram identificadas pelos autores quatro
fases no processo da IS:
1) a fase de emergência, que é composta por duas etapas: i) o agrupamento
de conhecimentos, competências e experiências dos atores envolvidos e ii) o
desenvolvimento da estratégia para ajudar a encontrar a solução inovadora para
sanar os problemas e necessidades. De acordo com os autores, esta estratégia
acontece por meio da invenção ou adaptação de algo existente ou pode assumir o
formato de um novo produto ou serviço.
2) a fase da experimentação, que pode ser formal ou informal. Esta fase nada
mais é do que a aplicação da estratégia e a observação de seus resultados.
3) a fase da apropriação, isto é, quando a inovação é disseminada e ocorre
uma apropriação. Então ela se torna institucional e, a partir daí novos processos de
IS podem surgir.
4) a fase de difusão, que trata da constituição da rede de atores e pode
acontecer pela divulgação nos diferentes meios de comunicação ou por meio de
pesquisas acadêmicas, seminários, congressos e fóruns.
2.2.7 As dimensões da Inovação Social e o papel dos atores organizacionais
Neste estudo, Correia, Oliveira e Gomes (2016) propuseram uma estrutura de
análise não apenas das dimensões da IS como também do papel dos atores
organizacionais neste processo. O objetivo foi propor um quadro no contexto
brasileiro e, assim como outros modelos já demonstrados aqui, este tem o foco na
perspectiva do processo da IS.
A primeira análise é quanto à dimensão dos atores e, com base em diversos
estudos, os autores concluíram que o processo de IS é uma construção coletiva.
Esta construção é composta por atores como empresas sociais, setor privado,
público, instituições e outros (CORREIA; OLIVEIRA; GOMEZ, 2016).
Por sua vez, a dimensão das necessidades sociais é considerada uma
dimensão, pois a IS não deve ser apenas entendida pela busca da satisfação da
necessidade, mas sim, encarada como uma oportunidade para encontrar respostas
57
a vários aspectos sociais. O papel do ator organizacional seria identificar estas
necessidades sociais.
A terceira dimensão proposta é a dimensão dos processos, que está
relacionada à inovação dos próprios processos, propondo uma mudança na
dinâmica da interação entre os indivíduos que, consequentemente, devem atingir
uma posição social como resultado de toda esta construção.
A quarta é a dimensão da inovação, aqui os autores afirmam que deve haver
uma inovação para que seja considerada uma IS, que é diferente de um serviço
social ou uma ação social. Neste sentido, é admissível que uma inovação utilizada
em outro contexto possa ser adaptada e reutilizada em um novo, ainda sendo
considerada uma inovação.
A última dimensão é a da melhoria e respostas sociais, esta é a dimensão
cujo foco está no resultado da ação; é neste ponto que deve ocorrer a transformação
social.
Com base na revisão sistemática da literatura, os autores construíram estas
quatro dimensões levando em consideração o argumento de diversos autores como
Cloutier (2003), Murray et al. (2010) e Tardif e Harrison (2005).
2.2.8 Processo e dimensões de uma Inovação Social de Patias et al.
Após a observação de diversos estudos sobre análise de IS, Patias et al.
(2015) concluíram que existe consonância entre os modelos existentes e em suas
variáveis. A proposta dos autores aqui é apresentar uma integração de vários
modelos identificados com o propósito de amparar futuras pesquisas. A Figura 05 é
a proposta de Patias et al. (2015) e expressa os achados encontrados em sua
pesquisa.
58
Figura 05 - Processo e dimensões de uma Inovação Social
Fonte: PATIAS et al., 2015
Observa-se primeiramente o ciclo maior com setas que indicam o constante
movimento do sistema. Este movimento está relacionado com o surgimento dos
problemas na sociedade. O ciclo não possui início ou fim, pois de acordo com a
literatura encontrada, é a partir das crises e adversidades que se buscam as
soluções. É importante ressaltar que a IS pode observar um movimento de mudança
e se antecipar ao problema minimizando seu impacto, desta forma adota uma
postura preventiva ao problema.
Com base na literatura então, Patias et al. (2015) afirmam que o caminho mais
comum seria a identificação do problema e a etapa seguinte é a coalização de
pessoas que são os atores, que podem estar ou não organizados em redes, podem
ser organizações privadas, públicas ou o terceiro setor.
A etapa seguinte é o levantamento de ideias e elaboração de protótipos a
serem testados, nesta fase é importante a observação da interação dos atores, pois,
neste ponto, pode-se identificar os líderes que conduzirão o processo de inovação.
A implantação do projeto é uma etapa importante para correção e acertos e neste
momento a sustentabilidade do projeto deve ser mensurada.
Para Patias et al. (2015), a fase de escala e replicabilidade é o momento em
que se identifica o potencial da IS, já as fases de mudança e transformação são a
59
consolidação da IS e exigem a participação de todos os envolvidos. O impacto de
uma IS é definitivamente a meta a ser alcançada; neste ponto todo o processo tem
que dar frutos e o resultado final deve ser visível e mensurável (PATIAS et al., 2015).
Finalmente, com base nos estudos acima mencionados, pode-se dizer que na
literatura fala-se em análise da IS sob duas perspectivas: a análise das dimensões
e variáveis do processo e a análise das dimensões e variáveis sob a perspectiva do
resultado, que é o objetivo desta pesquisa.
Assim sendo, na perspectiva de resultado os estudos de Buckland e Murillo
(2013) contribuem fortemente para o entendimento da efetividade da IS quando
aborda as dimensões: impacto e transformações sociais, colaboração intersetorial,
sustentabilidade econômica e viabilidade em longo prazo, tipo de inovação e
escalabilidade e replicabilidade.
Também sob a ótica do resultado, Bruin e Stangl (2013) afirmam que a
inovação deve ser analisada pelo tipo de solução, pela magnitude e pela extensão
de escala. Para os autores, somente por meio desta classificação ela pode ser
considerada como uma IS.
Notamos que sob esta perspectiva não há consenso na literatura; porém, os
estudos se complementam trazendo a possibilidade de uma análise sólida. Além
disto, observa-se que as análises e as variáveis com foco em análise do processo
vêm sendo amadurecidas há algum tempo, desde os estudos pioneiros como os de
Cloutier (2003). Já as análises sob a ótica do resultado ainda são incipientes e os
estudos são mais recentes, o que demonstra o atual interesse da academia de
analisar e mensurar de forma empírica a efetividade da IS.
Este fato é significativo para este estudo que, neste subcapítulo, buscou
identificar bases teóricas para compor a estrutura empírica da pesquisa, buscando
variáveis e dimensões do fenômeno para mensurar seu impacto na sociedade.
2.3 O ecossistema de Investimento de Impacto – As formas de captação de
recursos
No campo de estudos sobre IS e NIS, uma linha começa a despertar atenção
dos estudiosos e está cada vez mais presente nos estudos, trata-se do termo
“investimento de impacto”. A evidência deste assunto tem aumentado nos últimos
anos devido à crescente necessidade de investimentos em negócios cujo objetivo,
60
além do lucro econômico e financeiro, seja também a geração de impacto social. O
objetivo deste subcapitulo é demonstrar quais formas de viabilização deste tipo de
negócios estão presentes hoje no mercado.
Quanto ao conceito de investimento de impacto, de acordo com Global Impact
Investing Network (GIIN) são “investimentos feitos em empresas, organizações e
fundos com a intenção de gerar impacto social e ambiental mensurável juntamente
com retorno financeiro” (GIIN, 2018, p.02).
Ao longo dos anos, a filantropia e o investimento caminhavam em linhas
separadas, uma objetivando ganho social e a outra o ganho financeiro. Hoje este
pensamento acabou; o investimento de impacto visa gerar benefícios sociais
enquanto traz retorno financeiro (ROCKEFELLER, 2016).
No Brasil, a FTFS (Força Tarefa de Finanças Sociais) identifica, conecta e
apoia as organizações articulando as redes de relações com o propósito de atrair
investimentos para negócios que resolvam problemas sociais e ambientais. Para a
FTFS, as finanças sociais visam atrair recursos oferecendo, a quem doa e a quem
recebe o investimento, a medição do impacto social gerado. Estes investimentos,
nesta visão, podem ou não gerar retorno financeiro sobre o capital investido (FORÇA
TAREFA DE FINANÇAS SOCIAIS, 2018).
Salienta-se ainda que a FTFS menciona um elemento fundamental neste
universo de investimentos de impacto: a medição do impacto social gerado. Assim
como na IS, o investimento de impacto deve ser direcionado para o resultado, o
impacto na sociedade; este resultado, juntamente com o resultado financeiro, é o
objetivo dos investidores de impacto e por este motivo a medição do impacto torna-
se não apenas necessária como também indispensável.
Neste sentido, o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) diz que este tipo de
investimento busca resultados sociais mensuráveis além do resultado financeiro. Os
investimentos de impacto abrangem tanto negócios cujo fim específico seja social
como também fundações e governos, desde que busquem conciliar resultado
econômico com a possibilidade de gerar impacto social quantificável (INSPER,
2017). Com o propósito de destacar a importância dos investimentos de impacto para
propagar e impulsionar a criação das IS, é relevante destacar aqui os tipos de
investimentos existentes hoje no mercado.
A saber, o Instituto Rockefeller Philanthropy Advisors (2016) fez um
levantamento das possíveis formas de investimento de impacto e identificou oito
61
tipos distintos. São eles: a) Instituições Financeiras na Comunidade; b) Fundo de
Depósito Específico; c) Microfinanças; d) Fundos de Investimento de Impacto; d)
Ativismo de Acionista; e) Investimento Relacionado ao Programa (PRI); f)
Investimento Direto; f) Títulos de Impacto social (Social Impact Bonds). Como
veremos, estes investimentos possuem por sua vez características distintas, porém,
todos objetivam avaliar o impacto social gerado:
- Instituições Financeiras na Comunidade são instituições financeiras que
fazem empréstimos para a comunidade. Nos Estados Unidos, este tipo de instituição
tem se tornado comum. Um tipo específico é o Community Development Financial
Institution (CDFI).
- Fundo de Propósito Específico são organizações consideradas
intermediárias, pois aceitam doações e as convertem em fundos de investimentos
para NIS. No Brasil, temos a Sitawi Finanças do Bem que funciona como uma
plataforma online de soluções financeiras para impacto social.
- Microfinanças nada mais são do que o fornecimento de empréstimos e
serviços financeiros especializados para pessoas de baixa renda. Existem
organizações como a Acción Internacional e a Blue Orchard que proporcionam aos
investidores de impacto uma forma de apoiar os empreendedores sociais. No mundo,
a experiência do microcrédito ficou conhecida pela iniciativa de Muhammad Yunus
com a criação do Grameen Bank em 1976. Hoje, no Brasil temos a experiência bem-
sucedida do Banco Palmas e do Banco Pérola.
- Fundos de Investimentos de Impacto são Fundos que compõem distintos
investimentos que buscam impacto social e retorno financeiro. O ciclo funciona da
seguinte forma: o fundo recebe investimento e, então, investe em NIS que gerarão
retorno social e financeiro para estes investidores. No Brasil se destaca a Vox
Capital.
- Ativismo de Acionista. Este tipo de investimento está mais relacionado à
alavancagem da responsabilidade social corporativa por parte das empresas
privadas. Acontece quando os sócios fazem uso de sua participação acionária para
tentar influenciar a administração da empresa em questão na tentativa de integrar
valores sociais às ações de investidores.
62
- Investimento Relacionado ao Programa (PRI). Este tipo de investimento só
está disponível a fundações nos Estados Unidos e são empréstimos ou
investimentos de capital. O que distingue este investimento de doações é que os
PRIs visam retorno financeiro, ainda que este retorno seja baixo.
- Investimento Direto. Este investimento acontece quando filantropos buscam
um projeto de um empreendedor social para investir. Nestes casos o risco é
extremamente variável, podendo ser muito alto.
- Títulos de Impacto Social (Social Impact Bonds). Estes investimentos tiveram
origem e são comuns na Inglaterra. São contratos que possibilitam que o setor
público financie programas sociais inovadores por meio de recursos feitos por
investidores privados. Neste tipo de investimento, o investidor privado só recebe o
retorno se o programa social inovador atingir seus objetivos.
Toda esta indústria de investimento de impacto trabalha na criação de
padrões para medição do desempenho do investimento, mas, ainda hoje, não existe
uma ferramenta totalmente apta para guiar o investidor de impacto em relação ao
retorno social ou ambiental. Este fato inibe alguns investidores que não podem ter
seus riscos calculados de forma precisa. Atualmente, um programa financiado pela
Fundação Rockefeller chamado IRIS (Impact Reporting and Investment Standards)
visa padronizar a comunicação do desempenho para que seja possível efetuar
comparações de investimento com benchmark (ROCKEFELLER, 2016).
Embora exista a falta de consenso nas métricas para medição do impacto
social e retorno financeiro, o investimento de impacto cresce e agrega investidores,
pesquisadores e interessados de todo mundo, formando assim o fortalecimento do
ecossistema de investimento de impacto. No Brasil, o ICE (Instituto Cidadania
Empresarial) contribui para o fortalecimento do campo buscando articular
organizações, pessoas e demais atores para atrair investidores e formar parcerias
com o objetivo de fortalecer as finanças sociais e, consequentemente, alavancar os
investimentos que resolvam problemas sociais (ICE, 2018). A Figura 06 demonstra,
pela visão do ICE (2018), o que são finanças sociais e qual seu ecossistema.
63
Figura 06 – O que São Finanças Sociais
Fonte: ICE – Instituto Cidadania Empresarial, 2018
Podemos observar que existem os investidores, que podem ser o setor
privado, o governo, as fundações e até os indivíduos. Estes investidores, por sua
vez, podem investir em ONGs por meio de filantropia assim como podem investir em
empresas cujo objetivo seja apenas o retorno financeiro e não o social, sendo assim
estes seriam investimentos tradicionais que conhecemos, ou os mesmos
investidores podem investir em NIS, que equilibram a busca entre o impacto social e
o retorno financeiro.
Dentro do ecossistema, os intermediários possuem papel fundamental para o
fortalecimento do campo, não apenas por serem facilitadores, mas também por
buscarem oportunidades, fomentarem e divulgarem o termo com o propósito de
elucidar o assunto para todos que possam vir a se tornar interessados e,
posteriormente, atuantes de algum modo neste ecossistema. Neste sentido, o ICE
64
criou em 2014 a FTFS, um grupo formado por vinte organizações diferentes que
possuem metas e objetivos traçados para fortalecimento do campo e o aumento do
número de investimentos sociais até o ano de 2020.
Uma das principais formas de impulsionar o ecossistema é por meio da
demonstração do crescimento dos investimentos. Para tanto, inúmeras iniciativas
surgiram com este propósito. Em vista disso, o GIIN (Global Impact Investing
Network) disponibilizou o Inquérito Anual ao Investidor de Impacto de 2017. Este
documento trata dos resultados de uma pesquisa envolvendo 209 das principais
organizações de investidores de impacto do mundo. Dentre as organizações
participantes da pesquisa estavam fundações, bancos, instituições financeiras,
gestoras de fundos e outros.
De acordo com as respostas destes entrevistados, estes estavam
gerenciando um total de 114 bilhões de dólares em ativos de investimentos de
impacto no final de 2016. Em toda a amostra, os entrevistados atribuíram a maior
parcela de ativos (40%) aos Estados Unidos e ao Canadá (GIIN, 2017). Sobre as
principais áreas de interesse de investimento, 50% dos entrevistados responderam
que visam investimentos com objetivos de impacto social e ambiental, já outros 41%
almejam principalmente impacto social e apenas 09% visam exclusivamente
impactos ambientais.
Apesar de cada um dos entrevistados utilizar métricas diferentes para
medição do impacto social e financeiro gerado, a maioria informou que os
investimentos realizados não só atenderam como ultrapassaram as expectativas de
impacto e desempenho financeiro. A Figura 07 está disponível no Inquérito Anual ao
Investidor de Impacto e demonstra a porcentagem de ativos de acordo com cada
região do globo.
65
Figura 07 - Localizações Geográficas
Fonte: GIIN - Global Impact Investing Network, 2017
Observa-se no mapa os Estados Unidos e Canadá são os lugares que
possuem a maior fatia dos investimentos de impacto; em seguida, o continente
europeu se destaca com 14%, seguido do continente africano com 10% e da América
do Sul com 9%. Sob uma perspectiva nacional, em 2014 a Aspen Network of
Development Entrepreneurs lançou o mapa de investimento de impacto no Brasil
que evidenciou como o setor está em ascensão nos últimos anos. Entre 2012 e 2013,
o número de investidores a nível nacional passou de 07 para 20 (ANDE, 2014). A
pesquisa ainda aponta que, de 2003 a 2013, um total de 76,4 milhões de dólares
foram investidos em NIS no Brasil e a expectativa de retorno financeiro destes
negócios varia entre 10% e 35%.
Além destes critérios utilizados para análise na seleção do investimento, outro
fator que é constantemente observado pelos investidores é o como medir o impacto
social e o retorno financeiro. Somente por meio desta análise é possível analisar o
sucesso do investimento e atrair novos investidores para o ecossistema. Em
decorrência disto, começam a surgir ferramentas para a medição deste impacto,
66
conforme já mencionado anteriormente. O Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER,
2017) elaborou o Insper Metricis, um guia para avaliação de Impacto Socioambiental.
De acordo com Insper (2017), a definição das métricas para a medição é a
etapa fundamental neste processo. A escolha das métricas deve ser baseada
seguindo as seguintes observações:
• Representam resultados altamente desejáveis para a população-alvo.
• O resultado depende de muitos fatores incontroláveis pelos executores
do projeto? Não se recomenda indicadores agrupados cujos resultados
independam da ação dos executores do projeto.
• Indicadores baseados em dados objetivos são os ideais.
• Devem ter um baixo custo de medição.
Além do Insper Metricis, existem métodos que vem sendo estabelecidos para
mensurar este tipo de retorno. Um dos mais consolidados é o Impact Reporting and
Investment Standards (IRIS), que procura garantir uma mensuração cada vez mais
uniforme, e um segundo seria o procedimento de avaliação proposto pelo Global
Impact Investing Report System, este se utiliza bases do IRIS, enfatizando
indicadores em cinco grandes áreas: governança, colaboradores, comunidade, meio
ambiente e ênfase do socioambiental no plano de negócios (GIIN, 2017).
Independentemente da ferramenta utilizada, é preciso analisar o que medir,
ou seja, deve analisar respondendo as seguintes perguntas: Quais são as ações
concretas que o programa realiza? Quais os resultados diretos desta atividade?
Quais as mudanças esperadas na população? E, por fim, quais são as
transformações que ocorreram especificamente por causa das ações?
(HENBERGER; HARLING; SCHOLTEN, 2013).
Tendo em vista a importância deste tipo de investimento para a propagação
dos NIS e das IS, é necessário o entendimento deste campo emergente. A forma
mais adequada de fazer um apanhado geral sobre o estado da uma arte é por meio
de uma revisão sistemática do conhecimento já produzido sobre um assunto.
Sendo assim, Sousa, Segatto e Silva (2017) se propuseram a mapear a
produção cientifica acerca do financiamento à IS dos últimos cinco anos. Os autores
optaram por realizar a revisão sistemática da literatura em duas bases de dados cuja
cobertura abrange as principais revistas acadêmicas da área de administração de
empresas, a Web of Science e a EBSCO. Dentre os artigos encontrados, os
67
principais pontos abordados foram separados em temáticas de investimento de
impacto sendo elas: financiamento para empresas sociais, filantropia, fundos de
investimentos de impacto, investimento socialmente responsável, avaliação de
impacto, IS, terminologia, risco e retorno, e aspectos gerais. A Figura 08 demonstra
a distribuição das temáticas:
Figura 08 - Temáticas
Fonte: SOUSA; SEGATO; SILVA, 2017
Por meio da análise exploratória da temática IS, Souza et al. (2017)
identificaram três artigos nos quais foi possível constatar a estreita ligação existente
entre investimento de impacto e IS. Dois destes artigos abordaram a questão
salientando que as finanças sociais são um meio gerador de IS. A pesquisa dos
autores Geobey, Westley e Weber (2012) falou a respeito de como utilizar os
investimentos a favor da IS.
Por meio da revisão de literatura, Sousa et al. (2017) também puderam
identificar as principais sugestões destes autores para pesquisas futuras, uma
contribuição relevante uma vez que direciona os pesquisadores a novas propostas
de investigação no campo. Moore, Westley e Brodhead (2012), no artigo The Social
Finance and Social Innovation, sugeriram para pesquisas futuras compreender
melhor os limites da IS no campo do investimento de impacto. Já para Ormiston et
al. (2015), é preciso pesquisar como as organizações que recebem os investimentos
estão se beneficiando do crescimento do investimento de impacto. De forma
68
semelhante, Glänzel e Scheuerle (2015) sugeriram analisar como o investimento de
impacto contribui para o desenvolvimento dos efeitos benéficos da IS. No estudo de
Souza et al. (2017), foram encontradas outras sugestões de pesquisas futuras,
menciono aqui apenas algumas das sugestões que tem relação direta com a IS.
Os resultados da revisão de literatura sobre investimentos de impacto
demonstram que o fenômeno ainda é incipiente na academia, sendo assim um
campo em ascensão. Alguns autores como Moore, Westley e Brodhead (2012)
ressaltaram a importância dos avanços em pesquisas empíricas relacionando a IS
ao investimento de impacto e sugeriram que a junção destes dois fenômenos
exploraria a hibridez do mercado e procuraria compreender como a lógica combinada
da IS e do investimento de impacto poderiam desafiar as estruturas institucionais
existentes hoje no mercado.
Em síntese, este capítulo buscou não apenas compreender o fenômeno da IS
por ângulos diferentes, sob a lente do processo e sob a perspectiva de resultado,
como também realizou um overview sobre como o fenômeno vem sendo tratado pela
academia nos últimos anos no campo da administração de empresas, se tornando
uma ferramenta importante para criação dos NIS.
O investimento de impacto possibilita a escala dos NIS e das IS para que estas
transformações alcancem um número maior de pessoas. Este é sempre um dos
objetivos destes negócios (MURRAY et al., 2010; BUCKLAND; MURILLO, 2013;
DEBRUIN; STANGL, 2013).
Por conseguinte, uma vez que a IS é vista como um resultado, um produto
ou serviço de NIS, a mesma precisa receber investimento como qualquer outro tipo
de negócio para ter sustentabilidade financeira. Assim, este capítulo também teve
como objetivo demonstrar como alavancar a IS por meio dos investimentos de
impacto e como viabilizar este novo tipo de negócio de forma que o mesmo seja
lucrativo, fornecendo resultados financeiros e sociais.
70
3 PANORAMA GERAL SOBRE O AUMENTO DA LONGEVIDADE NO BRASIL E
NO MUNDO
Muitos são os problemas sociais vivenciados não apenas no Brasil, mas em
toda parte do mundo. A pobreza ainda se faz presente em diferentes partes do globo
e a exclusão social ainda é presente e preocupante (FISCHER; COMINI, 2012). Além
da pobreza e exclusão social, estamos vivenciando uma crise ambiental sem
precedentes (TEEB, 2009; MEA, 2005). Contudo, o Brasil está vivenciando uma
importante mudança social demográfica que trará grandes desafios sociais e
econômicos. Esta mudança pode ser chamada de Revolução da Longevidade (ILC
BRASIL, 2015).
O índice de expectativa de vida foi apurado no Brasil pela primeira vez em
1980 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e desde então o
aumento da longevidade tem sido uma constante. Em 1980, a expectativa de vida
do brasileiro era de 62,5 anos de idade, já nos anos 2000 a expectativa chegou aos
70,5 e 16 anos depois, em 2015, chegou a 75,5 anos (IBGE, 2015).
O índice se refere ao número médio de anos que as pessoas vivem a partir
do nascimento, se permanecerem constantes, ao longo da vida, o nível e o padrão
de mortalidade por idade prevalecente no ano do censo. O aumento da expectativa
de vida é uma realidade presente não só no Brasil, mas em outros países ao redor
do mundo, principalmente nos países desenvolvidos. O Japão exibe uma alta taxa
de expectativa de vida e, em contrapartida, uma baixa taxa de natalidade.
Consequentemente, possui uma das maiores proporções de cidadãos acima de 60
anos em comparação com outros países no mundo (DUAN, 2017).
O aumento desta população idosa é um movimento previsto e a tendência é
que o Brasil tenha sua taxa de envelhecimento ainda mais acelerada nos próximos
anos (MINÉ, 2016). Este movimento pode ser observado na Tábua de Mortalidade
do IBGE. O país está vivenciando uma inversão na pirâmide populacional, que é
ocasionada principalmente pela diminuição da taxa de natalidade e pelo aumento da
taxa de longevidade. A Tabela 1 demonstra a constante crescente da expectativa de
vida no Brasil nos últimos levantamentos realizados pelo IBGE, de acordo com dados
disponíveis na Tábua de Mortalidade, utilizada como um parâmetro para determinar
o fator previdenciário e o regime geral da Previdência Social no pais (IBGE, 2015).
71
Tabela 1 - Expectativa de Vida do Brasileiro – IBGE (2005-2016)
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, 2017
Já no mundo, como pode ser verificado na Tabela 2 pelos dados do Banco
Mundial para a variável esperança de vida ao nascer, notamos o aumento da
longevidade mundial, que variou de 68,4 anos em 2003 para 71,2 em 2013.
Tabela 2 - Esperança de Vida ao Nascer – Banco Mundial
Ano Esperança de Vida ao Nascer
2005 69,13
2006 69,47
2007 69,79
2008 70,08
2009 70,40
2010 70,68
2011 70,97
2012 71,21
2013
2014
2015
71,46
71,69
71,88
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do Banco Mundial, 2017
Expectativa de Vida
Ano Idade
2005 71,9
2006 72,3
2007 72,6
2008 72,9
2009 73,2
2010 73,5
2011 74,1
2012 74,6
2013 74,9
2014 75,2
2015
2016
75,5
75,77
72
Conforme o relatório do Banco Mundial (2016), a convergência da diminuição
das taxas de natalidades com o aumento da taxa de expectativa de vida impulsionou
a elevação do envelhecimento da população que chamamos de população
economicamente ativa (PEA) e este fenômeno vêm acontecendo em intensa
velocidade.
A PEA é constituída pela população ocupada e desocupada, segundo o IBGE
(2017). A questão é que, devido a esta inversão na pirâmide demográfica, em breve
teremos uma grande fatia da população brasileira em idade ativa e isto acarretará
em um aumento da força de trabalho e, consequentemente, uma preocupação em
relação ao envelhecimento destas pessoas (BANCO MUNDIAL, 2016). O Centro
Internacional de Longevidade Brasil (ILC Brasil) está chamando este fenômeno de
Revolução da Longevidade.
Revolução é o colapso da ordem social em favor de um novo sistema. A revolução da longevidade nos força a abandonar as noções existentes de velhice e de aposentadoria. Essa construção social é simplesmente insustentável diante do incremento de 30 anos de vida. (ILC BRASIL, 2015, p.16)
A Revolução da Longevidade tem suas particularidades: no Brasil, por
exemplo, as mulheres vivem em média mais do que os homens. Também existem
particularidades em relação aos estados brasileiros. Em Santa Catarina, Espírito
Santo, Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais a
expectativa de vida ao nascer das mulheres é elevada, superior aos 80 anos; em
contrapartida, a expectativa de vida masculina dos estados de Maranhão, Alagoas e
Piauí, por exemplo, foram inferiores à média nacional (IBGE, 2017).
Entre os estados brasileiros, Santa Catarina lidera com a maior expectativa
de vida do pais, com média de 79,1 anos. Espírito Santo, Distrito Federal e São Paulo
têm valores acima dos 78 anos. Por outro lado, Maranhão possui a menor taxa (70,6
anos) (IBGE, 2017). A Tabela 03 demonstra a diferença existente entre homens e
mulheres.
73
Tabela 3 - Expectativa de Vida Homens e Mulheres – IBGE (2005-2016)
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, 2017
Esta mudança demográfica possui ligação direta com outras tendências
globais convergentes, que estão direcionando o futuro da nossa sociedade. Uma
destas tendências, que possui estreita ligação com a longevidade, é justamente a
queda das taxas natalidade. Estamos vivenciando a convergência entre a queda da
taxa de natalidade e o aumento da taxa de expectativa de vida; é esta combinação
nos leva à inversão da pirâmide demográfica. A Tabela 04 demonstra a queda da
taxa de natalidade no Brasil.
Ano Mulheres Homens
2005 75,82 68,18
2006 76,12 68,50
2007 76,44 68,82
2008 76,71 69,10
2009 77,01 69,41
2010 77,31 69,73
2011 77,70 70,60
2012 78,27 70,96
2013 78,56 71,30
2014 78,83 71,61
2015
2016
79,10
79,36
71,93
72,23
74
Tabela 4 - Taxa de Natalidade – IBGE (2005-2016)
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, 2017
Este fenômeno, como podemos observar na Tabela 05 ilustra dados mundiais,
está acontecendo não apenas no Brasil; trata-se de um movimento mundial.
Tabela 5 - Taxa de Natalidade – Banco Mundial (2005-2016)
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do Banco Mundial, 2017
Taxa de Natalidade Brasil
Ano Taxa
2005 18,15
2006 17,65
2007 17,18
2008 16,72
2009 16,29
2010 15,88
2011 15,50
2012 15,13
2013 14,79
2014 14,47
2015 14,16
Taxa de Natalidade Mundial
Ano Taxa
2005 20,55
2006 20,41
2007 20,33
2008 20,23
2009 20,05
2010 19,85
2011 19,68
2012 19,58
2013 19,38
2014 19,30
75
A convergência entre a queda da taxa de natalidade e o aumento da
expectativa de vida trará mudanças profundas no modo de viver da sociedade. Em
um curto período teremos uma minoria de mão de obra jovem no mercado de
trabalho e isto nos forçará a repensar o ciclo da vida. Além disto, a OMS, em seu
Relatório Mundial do Envelhecimento e Saúde, ressalta que estes poucos jovens
esperam viver mais e, consequentemente, podem realizar planejamentos de vida
diferentes, como iniciar suas carreiras mais tarde e, no caso das mulheres, passar o
início de vida adulta se dedicando mais à família (OMS, 2015).
O Gráfico 01 demonstra, com base nos dados mundiais, a convergência
destes dois fenômenos. É possível observar como a população vêm envelhecendo
ao mesmo tempo em que a taxa de natalidade vem decrescendo.
Gráfico 01 – Convergência entre taxa de natalidade e taxa de expectativa de vida
mundial
Fonte: Elaborada pela autora com base em dados do Banco Mundial, 2018
Esta inversão na pirâmide demográfica é uma tendência que vem sendo
evidenciada não apenas pela OMS e pelo IBGE como também por uma gama de
estudiosos. O IBGE disponibilizou uma projeção da pirâmide populacional com base
nos dados do censo demográfico de 2010. Como podemos observar na Figura 09,
em 1940, de acordo com o Censo, apenas uma pequena fatia da população estava
acima da faixa de 60 anos de idade. Por outro lado, a projeção da pirâmide
populacional para 2060 demonstra uma real inversão na pirâmide populacional,
18
18,5
19
19,5
20
20,5
21
67,5
68
68,5
69
69,5
70
70,5
71
71,5
72
72,5
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015Ta
xa d
e n
atal
idad
e
Exp
ecta
tiva
de
vid
a
Expectativa de vida mundial X Taxa de natalidade mundial
Life Expectancy Birth Rates
76
conforme podemos observar na Figura 10, indicando uma mudança demográfica
eminente que está em curso.
Figura 09 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Censo 1940
Fonte: IBGE, 2013
Figura 10 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Projeção 2060
Fonte: IBGE, 2013
Em nível mundial, um recente estudo elaborado por Kontis et al. (2017) e
realizado em parceria com a OMS realizou uma análise de tendência da expectativa
de vida em 35 países industrializados. Os resultados da pesquisa foram publicados
77
na revista The Lancet em 2017 e indicaram que haverá um aumento na longevidade
da população em todos os países estudados, dentre eles, países de alta renda na
Ásia, no Pacifico, países na América do Norte, Europa Central e Ocidental e também
na América Latina.
Conforme demonstra a pesquisa de Kontis et al. (2017), entre as mulheres da
Coreia do Sul, a tendência é que ao menos 90% ultrapassem os 86,7 anos de idade
até 2030. A mesma coisa ocorrerá com as mulheres da França, Espanha e Japão.
Para os homens a tendência também é de aumento da longevidade, a probabilidade
é de 95% para que os homens ultrapassem a faixa dos 80 anos de vida em 2030 nos
países como a Coréia do Sul, Austrália e Suíça.
A pesquisa aponta ainda que, mesmo em países onde o aumento da
longevidade não seja tão expressivo, a tendência é que haja crescimento da
expectativa de vida em países como Estados Unidos, Japão, Suécia, Grécia,
Macedônia e Sérvia (KONTIS et al., 2017).
Kontis et al. (2017) finaliza ressaltando que os aumentos na longevidade
serão contínuos e, consequentemente, será necessário um planejamento cuidadoso
para a saúde, as questões sociais e os fundos de pensões. Todas estas mudanças
demográficas trarão mudanças profundas no modo de viver da sociedade; será
preciso um planejamento não apenas na área de saúde como também na questão
de moradia e urbanismo afinal as cidades precisarão estar preparadas para esta
população idosa, trabalho e emprego, tecnologia, inclusão digital, entre outros.
O aumento da longevidade traz uma série de desafios, mas também traz uma
gama de oportunidades para a Inovação. Faz-se necessário entender as
necessidades desta população envelhecida para que possam ser desenvolvidos
produtos e serviços que atendam estas demandas. O consumidor terá
características e necessidades diferentes das que temos hoje, teremos então uma
abertura no mercado de consumo para os idosos e as empresas precisam começar
a pensar nesta mudança e em suas consequências.
Estudos demonstram a ausência dos idosos nas pesquisas de mercado.
Michelin (2017) levantou a hipótese de que as pesquisas de mercado que são
encomendadas pelas empresas privadas aos institutos de pesquisa investigam em
sua maioria pessoas de no máximo 55 anos de idade. Com o propósito de testar esta
78
hipótese, a autora entrevistou gestores dos quatro maiores institutos de pesquisa no
Brasil, a saber: GKF, Ipsos, Millwardsbrown e Ibope.
As respostas dos entrevistados confirmaram a hipótese apresentada pela
pesquisadora. Os entrevistados foram unânimes em dizer que a grande maioria das
pesquisas realizadas sob encomenda normalmente investigam indivíduos com até
55 anos, e em alguns casos indivíduos de 65 anos também. Os entrevistados
afirmaram ainda que não existe a intenção de exclusão por motivo de preconceito,
porém, ao que tudo indica, não existem indícios de se mudar esta prática
(MICHELIN, 2017).
Ainda nesta mesma pesquisa, Michelin (2017) faz uma indagação a respeito
dos estudos sobre o mercado de consumo para a terceira idade com o objetivo de
se verificar como a academia está se movimentando nos estudos de gerontologia.
Os conhecimentos advindos destes estudos foram agrupados pela autora em nove
diferentes áreas temáticas: aumento de demanda, desenvolvimento de produtos,
novas tecnologias, serviços específicos, propagandas, mídias, uso de produtos,
direito e varejo/PDV.
Foram localizados 98 trabalhos e, dentre estes, 14 estão na temática novas
tecnologias, tratando sobre o uso da tecnologia para a inovação voltada para a
terceira idade. No que diz respeito a estes trabalhos encontrados, foi constatado que
em todos é falado sobre a necessidade de inovações propostas pela busca de
qualidade de vida dos idosos, é preciso responder perguntas tais como: quais são
as demandas não atendidas? Que inovações são necessárias para a terceira idade?
(MICHELIN, 2017).
A Revolução da Longevidade precisa ser pensada levando-se em
consideração as tendências globais convergentes, as novas necessidades de
mercado para este público, as questões de qualidade de vida, os avanços
tecnológicos, saúde, políticas públicas e tantas outras variáveis que possam estar
relacionadas com o desafio de envelhecer bem.
3.1 Os desafios da Revolução da Longevidade
Muitos são os desafios advindos da Revolução da Longevidade. Esta
mudança demográfica pode afetar as estruturas do mercado de trabalho, da
previdência social, do sistema de saúde e de diversos outros fatores que precisam
ser considerados, como as novas necessidades desta população envelhecida. Para
79
tanto é preciso alternativas para suprir estas necessidades e esta é uma tarefa de
todos na sociedade.
O idoso já tem seus direitos estabelecidos pelo Estatuto do Idoso, instituído
pela Lei nº 10.741, de 2003, que estabelece ser obrigação da família, da
comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta
prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária (ESTATUTO DO IDOSO, 2003).
Desta forma, o cuidado com o idoso de acordo com o Estatuto é uma tarefa que
requer esforços de diferentes atores da sociedade civil: a família, o poder público e
a sociedade como um todo.
Um dos desafios enfrentados com o aumento da expectativa de vida será em
relação ao mercado de trabalho, o artigo 27 do Estatuto do Idoso trata da
profissionalização e do trabalho, assegurando ao idoso o direito ao exercício da
atividade profissional respeitando suas limitações físicas e psíquicas (ESTATUTO
DO IDOSO, 2003). Tendo em vista que iremos vivenciar uma redução da PEA
decorrente desta inversão na pirâmide demográfica, é possível que se amplie o
período legal da vida laborativa do trabalho, revendo-se inclusive os critérios da
aposentadoria (PINHEIRO; SOUZA, 2017).
Sendo assim, os gestores irão se deparar com um cenário em que a presença
dos idosos nas empresas será cada vez maior e as empresas, por sua vez, deverão
estar preparadas promovendo um ambiente organizacional que estimule a
produtividade destes da maneira adequada. Por vezes, o que vemos hoje no Brasil
é uma exclusão dos trabalhadores em idade mais avançada por serem considerados
pouco produtivos, principalmente nas tarefas operacionais, e esta visão precisará ser
revista para que possamos lidar com este fenômeno em curso.
Para o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon (2017), cada vez mais um
número maior de idosos vai renunciar a tradicional aposentadoria em prol de uma
nova fase na carreira. Esta motivação se dá não apenas por questões de
remuneração financeira. Para a OMS (2008), os idosos gostariam de ter
oportunidades de emprego e trabalho, mas existem barreiras por parte da sociedade
às suas participações cívicas; barreiras como limitações físicas e também
paradigmas culturais para a participação de idosos.
80
Outro desafio do envelhecimento em um país como Brasil é a questão dos
espaços urbanos; neste sentido, o Guia Global: Cidade Amiga do Idoso, escrito pela
OMS (2008), traz uma seção sobre estes espaços abertos e chama atenção para
alguns pontos que precisam ser tratados para que tenhamos uma cidade amiga dos
idosos. As mudanças que a OMS julga necessárias nos espaços urbanos são: um
ambiente limpo, espaços verdes de convivência comunitária, calçadas amigas dos
idosos para facilitar a mobilidade, acessibilidade nos espaços urbanos, prédios e
espaços de uso comum que contemplem as dificuldades dos idosos e ofereçam
rampas de acesso, escada rolante, pisos antiderrapantes, corredores amplos e
outros.
O aumento da longevidade no Brasil, como já foi dito outrora, não é diferente
do que já vem acontecendo a outros países; porém, alguns países se desenvolveram
e enriqueceram antes de envelhecer e esta não é a realidade no Brasil. Tratar a
questão dos espaços urbanos e mobilidade em um país como o nosso, onde parte
da população mora em bairros não planejados e em condições urbanas
inapropriadas, é um enorme desafio diante do envelhecimento da população.
Ainda sob o ponto de vista urbano, podemos dizer que a questão da moradia
é algo que precisa ser pensado para atender às necessidades desta população que
vem envelhecendo. Assim como os espaços urbanos devem propiciar segurança ao
idoso, a segurança e o conforto se fazem ainda mais necessários dentro da própria
casa. Na visão da OMS (2008), existe uma relação direta entre uma moradia
adequada e o acesso a serviços comunitários e sociais que proporcionam a
independência e a qualidade de vida dos idosos.
No levantamento realizado pela OMS para elaboração do guia Cidade Amiga
do Idoso, foi evidenciado pelos idosos de diferentes países que estar em um
ambiente que proporcione fácil conexão com a família e com a comunidade em geral
contribui muito para que eles estejam integrados com a comunidade. Ou seja, a
questão da moradia abrange situações físicas e tangíveis, como a facilidade de
mobilidade e segurança dentro do próprio lar, mas também abrange questões
intangíveis, como a integração do idoso com a comunidade. Este pensamento
também é corroborado pelo Instituto de Longevidade Mongeral Aegon/FGV (2017)
quando diz que a questão da habitação planejada proporciona a convivência entre
as gerações.
81
Hoje existe um projeto de moradia para idosos na Universidade Estadual de
Campinas (UniCamp), que está sendo elaborado e proposto pela Associação de
Docentes da Unicamp. O projeto é chamado de “Vila Conviver” e foi criado baseado
em um conceito internacional de moradia conhecido por cohousing, uma proposta
criada na Dinamarca e que hoje se consolida em diversos países. A proposta deste
conceito é abrigar moradores de diferentes perfis sociais, econômicos e culturais.
Este conceito de moradia é valido para todas as idades, mas atende perfeitamente
às demandas dos idosos, proporcionando segurança e sociabilização com a
comunidade e, por isso, passou a ser utilizado em outros países e denominado como
“Senior Cohousing” (LONGEVIDADE EAD UNICAMP, 2018).
Durante o processo de amadurecimento do projeto da Vila Conviver, muitas
pesquisas foram realizadas pela Associação de Docentes da Unicamp (2018) e os
resultados destes estudos apontam que três grandes problemas da população idosa
que estão ligados à questão da moradia: a solidão, o sentimento de desamparo e o
tédio. Esta pesquisa relata ainda uma transformação da estrutura da família:
antigamente os filhos estavam por perto dos pais idosos e hoje, em muitas culturas
e países, isto já não acontece (LONGEVIDADE EAD UNICAMP, 2018). Este novo
conceito de moradia proporciona também participação social do idoso e esta é uma
necessidade que vem sendo apontada em diferentes estudos sobre a longevidade
(ILC BRASIL, 2015; OMS, 2002; OMS, 2008).
Para a OMS (2008), a participação social está estritamente ligada a saúde
mental e física dos idosos e, então, estar envolvido em atividades sociais, culturais
e de lazer junto a família ou a comunidade é fundamental para exercer a autonomia
deste idoso. No Guia Global: Cidade Amiga do Idoso (2008), existe uma seção inteira
para falar da importante necessidade de participação, nela a OMS aborda alguns
pontos principais, a saber: oportunidades acessíveis, tanto em acesso via transporte
público, como em acesso interno que facilite a mobilidade, como rampas e
elevadores; e atividades financeiramente acessíveis, ou seja, a gratuidade ou baixo
custo é essencial para estimular a participação em atividades culturais. Nesta
pesquisa, a cidade do Rio de Janeiro é mencionada como tendo muitas opções de
lazer acessíveis aos idosos e gratuitas.
A participação social abre o leque de oportunidades de convivência
intergeracional e essa integração é também de uma maneira de combater o
82
preconceito contra os idosos. A saúde, mental e física, é uma necessidade global e
neste novo cenário de mudança demográfica, de acordo com o Instituto de
Longevidade Mongeral Aegon (2017), é necessário garantir o acesso aos cuidados
médicos, mas também é preciso garantir a qualidade da prestação destes serviços.
A acelerada mudança tecnológica que estamos vivendo contribui para
melhora na saúde e pode vir a ser um fator chave de aumento de participação social
dos idosos, possibilitando o acesso fácil a informações gerais, facilitando a
comunicação e até mesmo se tornando uma opção de lazer (MIRANDA; FARIAS,
2009). Contudo, muitos idosos podem vivenciar um sentimento de exclusão por não
se adaptarem ao uso de computadores, celulares e tablets; desta forma, o acesso
gratuito ou de baixo custo em centros de convivência comunitários é importante para
o aprendizado do idoso em um ambiente onde ele não se sinta envergonhado por
não saber utilizar tais equipamentos (OMS, 2008). Outro ponto abordado pela OMS
diz respeito a equipamentos eletrônicos como o caixa eletrônico bancário, que deve
ser de fácil utilização para a população idosa, com letras do tamanho adequado para
a leitura e uma dinâmica de fácil compressão.
Muitos são os desafios de uma população que envelhece, cada cidade, cada
país possui demandas e dificuldades especificas que requerem iniciativas
inovadoras do setor público e privado. Algumas destas necessidades, que são
consideradas globais, foram apontadas neste capítulo.
Hoje no Brasil existe um Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade
(IDL) que foi desenvolvido mediante a parceria entre o Instituto de Longevidade
Mongeral Aegon e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas (FGV/EASP). Este índice revela as atuais condições de
498 municípios brasileiros no que tange a capacidade de atender as necessidades
básicas dos idosos. O objetivo deste trabalho é mobilizar os gestores públicos e
todos os cidadãos brasileiros neste esforço de proporcionar o bem estar destes
idosos que estão em número cada vez maior na nossa sociedade (INSTITUTO DE
LONGEVIDADE MONGERAL AEGON, 2017).
De acordo com IDL, a cidade de Santos é a primeira no ranking como a cidade
mais bem preparada dentre as 498 cidades estudadas, sendo seguida pela cidade
de Florianópolis, em segundo lugar, e Porto Alegre, em terceiro; já a cidade de São
Paulo ocupa a 19ª posição no ranking. O preocupante no ranking de 2017 é que as
melhores posições são ocupadas predominantemente por cidades do Sul e Sudeste
83
do Brasil e as cidades do Norte e Nordeste demonstram um despreparo para cumprir
estas demandas.
No início de 2018, a Prefeitura de São Paulo aderiu ao programa São Paulo
Amigo do Idoso, que tem por objetivo propor ações para melhorar a qualidade de
vida dos idosos na cidade. Com a adesão ao programa, o município se compromete
a realizar ações como a criação do Conselho Municipal do Idoso, a atualização do
cadastro de idosos para programas sociais do governo e tantas outras ações que
visam o bem-estar desta população (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2018).
Assim, estão em curso mudanças que tem o poder de modificar as estruturas
sociais e econômicas do país. A própria estrutura da família está em mudança: há
poucas décadas a família típica brasileira era composta por um casal com três filhos,
hoje já estamos caminhando para uma estrutura de um casal e um ou nenhum filho
e este casal talvez esteja convivendo com pais, avós e bisavós. Isto significa que,
em um futuro bem próximo, os cuidados serão direcionados aos idosos ao invés de
aos jovens e é fundamental que nosso país esteja preparado para este desafio
(PINHEIRO; SOUZA, 2017).
Esta mudança na estrutura familiar também é evidenciada por Dowbor (2015)
que afirma que o capitalismo moderno trouxe uma família economicamente rentável
composta por mãe, pai e um casal de filhos dentro de um apartamento. Isto trará
mudanças profundas na dinâmica da sociedade, pois hoje a terceira idade do
indivíduo representa entre um quarto e um terço de toda a vida. Dowbor (2015)
ressalta ainda que o tempo de dependência de nossa vida aumentou devido à
mudança demográfica e à família que, até então, era o agente responsável pela
redistribuição do excedente entre as gerações em suas fases remuneradas e não
remuneradas está se tornando cada vez menos presente na vida o idoso.
Por fim, podemos dizer que os desafios desta mudança demográfica são
muitos e serão sentidos na medida em que a população envelhece. Vimos acima
que existem desafios de ordem prática – como o acesso a saúde, emprego e
remuneração; e acesso digno nos espaços urbanos e questões que atingem as
barreiras culturais – como é o caso da mudança na estrutura da família ou até mesmo
da exclusão do idoso da sociedade.
Para superar estes desafios será preciso iniciativas do setor público e privado.
Em muitos casos, como a questão da saúde, espaços urbanos e segurança, o setor
84
público ainda se mostra como a ferramenta mais adequada para a promoção de
políticas sociais necessárias (DOWBOR, 2015). Em outros desafios, os NIS podem
trazer contribuições significativas. Iniciativas de movimentos não governamentais
também são fatores fundamentais nesta empreitada. A questão é que ainda estamos
a compreender quais as consequências desta mudança demográfica e quais os
problemas decorrentes desta transformação global; sem este entendimento, as
iniciativas ainda são tímidas.
O próprio movimento global das Nações Unidas (2015) em direção a
transformar o nosso mundo contempla pouquíssimas ações em relação ao desafio
do envelhecimento populacional. Dentre os dezessete Objetivos Do
Desenvolvimento Sustentável (conhecidos como ODS), apenas o ODS “Cidades e
Comunidades Sustentáveis” faz menção ao idoso quando diz que a meta era até
2013 proporcionar acesso aos sistemas de transporte seguros, acessíveis e
sustentáveis para todos e, em particular, para aqueles em condições de
vulnerabilidade social, inclusive o idoso.
Isto mostra o quanto o tempo das transformações institucionais,
organizacionais e culturais não acompanha a velocidade das transformações
globais, como é o caso da Revolução da Longevidade. Buscando lidar com o novo
cenário, a OMS (2002) propõe o conceito de “Envelhecimento Ativo” para lidar com
a Revolução da Longevidade. O próximo subcapítulo irá descrever as bases que
estabelecem o desenvolvimento deste envelhecimento ativo bem como os pilares
que o sustentam.
3. 2 O Envelhecimento Ativo da OMS
Com um propósito de atuar como um think tank, o Centro Internacional de
Longevidade Brasil (ILC) tem a missão de propor ideias para políticas públicas
voltadas ao envelhecimento populacional fundamentadas por práticas e pesquisas
internacionais de modo a contribuir positivamente para o bom envelhecimento da
população e contribuir para o chamado envelhecimento ativo. Para atender este
objetivo o ILC lançou em 2015 um documento chamado Envelhecimento Ativo – Um
Marco Político em Resposta a Revolução da Longevidade.
O objetivo deste relatório é manter atualizado o documento publicado em 2002
pela OMS chamado Marco Político do Envelhecimento Ativo. Neste documento foi
85
introduzido o conceito de envelhecimento ativo como sendo o modo ideal proposto
pela OMS para se alcançar um envelhecimento pleno.
Diante do cenário de constante crescimento da expectativa de vida mundial,
a OMS desenvolveu em 2002 o Marco Político do Envelhecimento Ativo como sendo
a contribuição da OMS para a Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o
envelhecimento, acontecida naquele ano. Surge então, o conceito de
envelhecimento ativo:
O Envelhecimento Ativo é o processo de otimização de oportunidades para a saúde, a aprendizagem ao longo da vida, a participação e a segurança para melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem (OMS, 202, p.12).
A palavra “ativo” para a OMS (2002) se refere à participação contínua na
sociedade, economicamente, culturalmente e espiritualmente, ativo nas relações
afetivas, e não apenas estar ativo fisicamente para participar na sociedade com sua
força laboral, pois as pessoas que já estão no período de aposentadoria podem e
devem continuar contribuindo para a sociedade.
A proposta do envelhecimento ativo visa prolongar a expectativa de vida do
indivíduo com saúde e qualidade de vida para todos à medida que as pessoas
envelhecem, inclusive aqueles que são frágeis ou possuem limitações ou debilidades
físicas e necessitam de cuidados constantes (OMS, 2002).
De acordo com a definição de saúde estabelecida pela OMS (2002, p.12),
“saúde se refere a aspectos físicos, mentais e sociais.” Para contribuição do
entendimento da política do envelhecimento ativo, o Marco Político do
Envelhecimento Ativo (ILC BRASIL, 2015) estabeleceu um conjunto de princípios
que podem ser usados para nortear as ações para desenvolvimento deste conceito.
São elas:
1) Ser ativo não se refere apenas a atividades físicas, mas também se refere a
engajamento social, cultural, familiar e espiritual, bem como envolvimento em
causas cívicas.
2) O conceito do envelhecimento ativo se aplica a pessoas de todas a idades,
incluindo idosos com algum tipo de fragilidade e limitações físicas.
3) Os objetivos do envelhecimento ativo são medidos preventivas e
restaurativas.
86
4) Promove a autonomia, a independência, mas também a interdependência e a
troca recíproca entre os indivíduos.
5) Promove a solidariedade e a sociabilidade intergeracional, recomenda-se que
atenção no bem-estar de cada geração e promove encontro intergeracional.
6) O envelhecimento ativo promove a ação política de cima para baixo e
promove oportunidades de participação de baixo para cima.
7) A ideia do envelhecimento ativo é baseada em direitos e não em
necessidades, direito de igualdade de oportunidades e tratamento de todos
os aspectos da vida à medida que as pessoas envelhecem.
8) Promove responsabilidade individual pelo aproveitamento das oportunidades.
Sendo assim, as pessoas que conseguirem acumular os recursos surgidos no
ciclo da vida para ter saúde, uma ocupação dignificante e realizadora e relações
sociais ativas, adquirir novas habilidades, conhecimentos e necessidades materiais
estarão envelhecendo ativamente e alcançarão bem-estar físico, mental e social (ILC
BRASIL, 2015). Segundo a OMS (2002) e o ILC Brasil (2015) foram alinhados em
quatro pilares os recursos necessários visando suportar e desenvolver o
envelhecimento ativo em todo o mundo. Sendo estes explicados na seção a seguir.
3.2.1 Os pilares do Envelhecimento Ativo
O Pilar 01 refere-se à saúde, afirmando que antes de tudo é necessário reduzir
as desigualdades na saúde para que seja possível se alcançar pleno potencial neste
quesito (ILC BRASIL, 2015). É fato que, se as desigualdades não forem reduzidas,
as oportunidades de se ter um envelhecimento ativo ficarão restritas a um número
limitado de pessoas. A saúde é um investimento e quanto antes se cultivar a boa
saúde durante a vida mais prolongadas serão as recompensas como a melhora da
capacidade funcional e a ausência de doenças ao longo da vida.
Deve-se ainda compreender a saúde mental e social é como essenciais para
o envelhecimento ativo e costuma ser negligenciada. A mente saudável e positiva é
uma característica recorrente em pessoas com capacidade funcional elevada.
Ambas as saúdes física e mental, influenciam uma a outra positiva ou negativamente
durante todo o ciclo da vida (OMS, 2002).
O Pilar 02 é a aprendizagem ao longo da vida. Estamos vivendo na sociedade
do conhecimento, a globalização traz rápidas mudanças ao nosso cotidiano e a
87
informação tem se tornado o bem mais valioso nesta sociedade. O acesso à
informação é um ponto chave para o envelhecimento ativo e a aprendizagem ao
longo da vida proporciona bem-estar, este é o pilar que sustenta todos os demais
pilares (OMS, 2002).
Sendo assim, todas as fases da vida são fundamentais para o aprendizado
constante e este aprendizado pode ocorrer não apenas com aprendizado formal com
a escola, como também por meio de experiências vivenciadas no cotidiano
informalmente, em casa, no ambiente de lazer e outros.
O Pilar 03 diz respeito à participação. Ter um propósito na vida diminui o risco
de morte em todo o ciclo da existência humana. A participação se dá pelo
engajamento na sociedade, não apenas por um trabalho remunerado, mas em toda
situação recreativa, intelectual, cívica e em qualquer atividade que promova um
sentimento de realização pessoal. O ser humano necessita do sentimento de
pertencimento, é preciso se sentir útil para se permanecer ativo (OMS, 2002). A
participação proporciona interação e constante aprendizado, amplia a visão de
mundo.
Participar sustenta a saúde positiva, por favorecer o engajamento e a fluência de experiências que podem ser intrinsecamente satisfatórias, conferindo um sentimento de ter propósito na vida e constituindo oportunidades para relações Sociais positivas (ILC BRASIL, 2015)
A OMS (2002) afirma ainda que o trabalho no período de aposentadoria é um
fator de impacto contra o estado de demência. Ao longo da existência humana, o
trabalho é tido como uma importante forma de participação, pois proporciona
segurança econômica, interação social, elevação da autoestima, saúde e
estabilidade social. Em contrapartida, o desemprego e o subemprego representam
um risco à capacidade de envelhecimento ativo. Adiciona-se a isto um impacto
negativo sobre a saúde e a inclusão social.
O engajamento participativo pelo trabalho não acontece apenas com o
trabalho remunerado. Para as Nações Unidas (2011), o trabalho voluntário tornou-
se uma fonte de empoderamento e cidadania a favor do desenvolvimento humano.
Outro fator que vem aumentando as possibilidades de participação do cidadão de
todas as idades é a internet; portanto, a inclusão digital se faz necessária para
inclusão das pessoas que até então estavam excluídas da vida cívica.
88
O Pilar 04 trata da segurança e da proteção, sendo pilar fundamental e que
possui influência direta no pilar da saúde. Para a OMS (2002) a segurança é a mais
fundamental necessidade humana e quando existe ausência deste pilar não é
possível desenvolver plenamente o envelhecimento ativo. A segurança está
relacionada com efeitos de mudanças climáticas, desastres naturais, crises, crime
organizado, segurança pública, tráfico de pessoas, violência, abuso, discriminação
e falta de segurança econômica e financeira. O estresse ocasionado pela falta de
segurança pode levar a problemas de saúde mental na visão da OMS (2002).
Políticas que promovam os quatro pilares do envelhecimento ativo
capacitarão os indivíduos para que estes obtenham os recursos necessários à
resiliência e ao bem-estar necessários para o envelhecimento ativo. Dada a
realidade demonstrada ao longo deste capítulo, o desafio atual é promover uma
sociedade plena e inclusiva para todas as idades, com IS e políticas públicas, que
possam desenvolver e atender as recomendações prescritas pelos pilares da política
do envelhecimento ativo (OMS, 2002; ILC BRASIL, 2015).
Sendo assim, são necessárias iniciativas que incluam todos os níveis de
governo, sociedade civil e setor privado em prol dos desafios sociais advindos da
Revolução da Longevidade em curso. Algumas destas iniciativas voltadas para o
desafio do aumento da longevidade serão ilustradas na seção a seguir.
3.3 Negócios de Impacto Social, Inovação Social e a Longevidade
Esta seção tem o propósito de ilustrar algumas iniciativas que estão sendo
realizadas no Brasil e no mundo como resposta à Revolução da Longevidade. A
primeira inciativa no âmbito internacional refere-se à atuação da The International
Longevity Centre Global Alliance (ILC Global Aliance) que se destaca como uma IS
por disseminar suas iniciativas em diversos países formando uma rede independente
e colaborativa com o objetivo de estudar como o crescimento da expectativa de vida
irá impactar as nações ao redor do mundo. O ILC Global (2018) é composto por
centros de longevidade localizados em 17 países: Japão, Inglaterra, França,
República Dominicana, Índia, África do Sul, Argentina, Holanda, Israel, Singapura,
República Checa, China, Brasil, Canadá, Austrália e Alemanha.
Outra inciativa global é o Aging 2.0. Esta rede foi fundada em 2012 e apoia IS
para os maiores desafios e oportunidades do envelhecimento. A proposta é
internacional, interdisciplinar e intergeracional. Nos últimos seis anos, a iniciativa já
89
realizou eventos em 20 países e criou uma comunidade com cerca de 25 mil pessoas
mobilizadas por esta causa. O Aging 2.0 promove a Competição Global de Negócios
para a Longevidade. O objetivo desta competição é identificar NIS e IS para
receberem investimentos e participarem de um programa de aceleração, realizando
mentoria e trazendo visibilidade internacional para estas inciativas.
Uma última iniciativa no âmbito internacional a mencionarmos aqui e que traz
muito valor em sua proposta é o programa denominado “Gerações Juntas”
(LAURENSON, 2017). Trata-se de um programa de compartilhamento de casas na
França que proporciona aos alunos um lugar para morar e aos idosos uma fonte de
companheirismo. A inciativa surgiu em 2003, em Lyon, quando 15 mil idosos
pereceram por conta do grande calor daquele verão. Enquanto as famílias estavam
de férias, os idosos sozinhos morreram em número recorde. Os idealizadores do
projeto consideraram o compartilhamento das casas como uma possível solução
para combater o problema de isolamento sofrido por muitos idosos. Esta iniciativa foi
replicada em diversos outros países.
Uma iniciativa no contexto brasileiro é a do Instituto Mongeral Aegon (2018).
O instituto foi criado a partir de uma iniciativa privada da seguradora Mongeral Aegon
com objetivo de discutir impactos sociais e econômicos do aumento da expectativa
de vida no Brasil. A organização não possui fins lucrativos e atua em rede com setor
público, setor privado e sociedade civil desenvolvendo projetos como o Índice de
Desenvolvimento Urbano para a Longevidade (IDL), que foi elaborado em parceria
com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas. O IDL revela as condições de 498 cidades brasileiras em relação a sua
capacidade de atender as necessidades da população envelhecida.
Uma das mais recentes iniciativas brasileiras é a plataforma Plenae. O
idealizador da Plenae é o empresário Abílio Diniz, que desenvolveu este projeto com
o propósito de disseminar práticas e hábitos de vida mais saudáveis a fim de
promover uma vida longa e saudável para as pessoas. A proposta se embasa em
seis pilares: propósito, contexto, espírito, relações, mente e corpo. Outra recente
iniciativa do Núcleo de Estudos do Futuro da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo chama-se PIAUI – Primeira Infância até a Última Infância. Esta sigla foi
escolhida para a junção de dois projetos – Primeira Infância e Longevidade. Assim,
o PIAUI é uma mobilização pela infância, adolescência, juventude, idade adulta e
90
velhice. Para tanto, a proposta do PIAUI é mobilizar a sociedade para esta causa
através de portal online, palestras e workshops.
Notamos com estes exemplos que já está acontecendo uma movimentação
da sociedade em relação ao fenômeno da longevidade. Além das inciativas acima
mencionadas existem as iniciativas dos NIS para a longevidade, que é o recorte
analítico desta pesquisa. Para entender o comportamento destes negócios e ilustrar
como eles podem trazer soluções para o desafio da longevidade foi realizada uma
pesquisa de campo exploratória com alguns destes NIS; os resultados são
demonstrados no capítulo 05.
92
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este capítulo procura demonstrar, por meio dos métodos utilizados, os
caminhos percorridos para alcançar os objetivos da pesquisa. Este estudo sobre NIS
e IS que contribuem com o desafio da crescente longevidade da população tem
caráter exploratório. Este fato se dá por dois motivos: i) trata-se de uma temática
cujas pesquisas são incipientes e estão em estágio inicial no Brasil, como foi
identificado pela revisão de literatura; ii) porque esta natureza de pesquisa busca
determinar tendências e identificar novos ambientes e áreas a serem estudadas com
maior profundidade (GIL, 2007; SAMPIERI et al., 2013).
Segundo Sauerbronn e Ayrosa (2010) a pesquisa qualitativa é utilizada em
uma abordagem interpretativa construtivista, perspectiva esta que busca a
compreensão e os significados de um fenômeno. A pergunta de pesquisa também
influencia a escolha do método. Rich e Ginsburg (1999) recomendam que questões
que se utilizam de “Como?” e “Por quê?”, por exemplo, podem usar uma abordagem
de pesquisa qualitativa. Então, dada a pergunta desta pesquisa: Como NIS e as IS
podem trazer soluções para superar o desafio da crescente longevidade da
população? optou-se pela abordagem qualitativa. Entendemos que esta a
abordagem é mais adequada para compreensão do fenômeno estudado.
A opção pela abordagem qualitativa se deu também pelo fato de a temática
aqui estudada ser um fenômeno ainda pouco explorado. NIS voltados para a questão
da longevidade ainda são escassos, porém possuem grande potencial explicativo;
não apenas para o fenômeno dos NIS e IS como também para os desafios sociais
advindos desta revolução demográfica.
Optou-se ainda pela pesquisa de campo como o procedimento técnico a ser
aplicado neste trabalho a fim de atingir o objetivo geral desta pesquisa. De acordo
com Gil (2007), os estudos de campo procuram um aprofundamento das questões
propostas, diferentemente do levantamento de campo, que é caracterizado pela
utilização e precisão estatística para fornecimento dos resultados
Esta pesquisa exploratória utilizou-se, em sua fase inicial, de pesquisa
bibliográfica para levantar dados secundários derivados de artigos e bases de dados
nacionais e internacionais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e o Banco Mundial.
93
Para a técnica de análise dos dados, adotou-se a perspectiva Data Driven, ou
seja, orientada por dados que posteriormente são analisados com o objetivo de gerar
categorias de análises (CHARMAZ, 2006). No primeiro momento da análise, foi
realizado o processo de codificação, que tem por objetivo gerar as categorias de
análise advindas das evidências (as falas dos entrevistados). Desta forma, esta
técnica de análise dos dados pode ser entendida como parte do processo de
Grounded Theory (CHARMAZ, 2006; SALDAÑA, 2015; GLASER; STRAUSS, 1967).
Além da perspectiva orientada pelos dados, também foi adotada a
perspectiva Theory Driven (orientada pela teoria), da qual vieram abstrações teóricas
para analisar o fenômeno com objetivo de responder à questão de pesquisa. O
Quadro 9 demonstra as etapas percorridas nesta pesquisa:
Quadro 9 - Etapas da pesquisa
Etapas da Pesquisa Descrição
1° Etapa Definição do tema de pesquisa
Elaboração do problema de pesquisa e do objetivo da pesquisa
Revisão e análise de literatura
Construção do referencial teórico
Elaboração das justificativas de pesquisa
2° Etapa Refinamento do problema de pesquisa
Construção de categorias teóricas para análise dos dados
Escolha das empresas e dos sujeitos de pesquisa
3° Etapa Elaboração do protocolo de entrevistas
Aplicação das entrevistas com os empreendedores do negócio
Transcrição das entrevistas e primeira análise dos dados coletados
4° Etapa Análise dos dados com auxílio do software ATLAS.ti versão 7
Análise e discussão dos achados da pesquisa empírica com o referencial teórico
5°Etapa Revisão e análise final dos dados
Construção do relatório final da pesquisa
Fonte: Elaborada pela autora,2018
A primeira etapa da pesquisa consistiu na definição do tema, elaboração do
problema de pesquisa e dos objetivos da pesquisa e a revisão de literatura sobre o
tema. Na segunda etapa, após a revisão de literatura, foi possível o refinamento do
problema de pesquisa e a identificação das categorias teóricas. Também na segunda
94
etapa foram definidos os NIS que participariam da pesquisa, bem como os
respectivos sujeitos da pesquisa. Nesta fase, foram selecionados negócios que,
segundo o Portal do Envelhecimento, possuíam as características de um NIS voltado
para a questão da longevidade.
Sendo assim, cinco negócios foram selecionados para a pesquisa. A amostra
é considerada suficiente tendo em vista que a quantidade não é elemento essencial
neste tipo de pesquisa que busca não quantificar, mas sim dar significado ao
fenômeno estudado (EISENHARDT, 1989). No entendimento de Rich e Ginsburg
(1999), o número de amostras costuma ser pequeno na pesquisa qualitativa, pois o
objetivo desta abordagem é justamente estudar estas amostras em profundidade.
Nesta pesquisa, entende-se necessária a participação dos empreendedores
dos negócios para responder algumas perguntas realizadas com o propósito de
entender os objetivos do negócio e a relação com a questão da longevidade. Sendo
assim, é preciso alguém envolvido diretamente com a criação do negócio. Portanto,
o sujeito alvo desta pesquisa são empreendedores dos NIS. O Quadro 10 apresenta
uma breve descrição dos entrevistados e as condições de cada entrevista:
95
Quadro 10 - Apresentação dos entrevistados
Entrevistados Descrição das qualificações Entrevista
Entrevistado 01 Idealizadora e empreendedora do NIS
que utiliza arte como estimulo cognitivo
em idosos com demência para gerar
inclusão.
Especialista em arte terapia e
Gerontologia Social
Realizada no local de trabalho
do entrevistado. Duração da
entrevista foi de 53 minutos.
Entrevistado 02 Idealizador e empreendedor do NIS
voltado para recolocação profissional e
desenvolvimento dos 50 +.
Engenheiro de Software
Realizada no local de trabalho
do entrevistado. Duração da
entrevista foi de 60 minutos.
Entrevistado 03 Idealizadora e empreendedora do NIS
voltado para fomentação do debate sobre
o cuidador familiar e os custos do
cuidado.
Pesquisadora e professora na área de
Internet Acadêmica
Realizada via Skype, pois a
entrevistada reside no estado
do Rio de Janeiro.
Duração da entrevista foi de
60 minutos.
Entrevistado 04 Idealizadora e empreendedora do NIS
voltada para pesquisa de mercado,
marketing, processos de inovação e
consultoria de projetos para o target 60+.
Comunicadora social e especialista em
Gerontologia Social
Realizada na Instituição de
Ensino PUC-SP.
Duração da entrevista foi de
37 minutos.
Entrevistado 05 Idealizadora e empreendedora do NIS
voltado para prevenir e reportar acidentes
e auxiliar no pronto atendimento das
vítimas idosas.
Administradora de empresas
Realizada na residência da
entrevistada.
Duração da entrevista foi de
80 minutos.
Fonte: Elaborado pela autora,2018
A elaboração do protocolo de entrevistas aconteceu na terceira etapa desta
pesquisa. Nesta fase foram realizadas as entrevistas com os empreendedores dos
96
NIS por meio de perguntas abertas durante a conversa. O propósito era extrair as
observações dos entrevistados em relação aos problemas decorrentes da Revolução
da Longevidade por eles identificados e em como seus negócios se propõem a
contribuir na resolução destes problemas.
Para coleta de dados, a técnica adotada foi a entrevistas em profundidade
com pessoas empreendedoras dos NIS. As entrevistas foram realizadas de modo
que os entrevistados transmitissem de forma natural as informações necessárias.
Ressaltamos que as intervenções realizadas no ato da entrevista tiveram sempre o
propósito de extrair informações de “como”, “por quê” e de “quais maneiras” o
fenômeno ocorreu.
As perguntas da entrevista foram conduzidas de modo a responder três eixos
temáticos. São eles:
• Origem da Ideia/Problema social - a situação problema identificada que
originou a ideia do negócio e a proposta de solução do problema, sendo
esta proposta uma IS ou não;
• Transformação/Resultado social - as demandas da população
envelhecida que são atendidas pelo negócio e as transformações
sociais resultantes do negócio. Este direcionamento responde ao
“como” da nossa pergunta de pesquisa;
• Escala e Sustentabilidade financeira – a capacidade da iniciativa ser
escalada com o propósito de se alcançar maior número de pessoas
beneficiadas.
Após a terceira etapa e já com os dados coletados, teve início a quarta etapa
da pesquisa, na qual foram realizadas as análises destes dados. Após a transcrição
das entrevistas, o conteúdo foi analisado com o auxílio do software de análise
qualitativa ATLAS.ti versão 7.
Em um primeiro momento foi realizado o processo de codificação aberta
segundo orientações de Graham (2017) e Glaser e Strauss (1967). Neste processo
atribui-se códigos (categorias de análise) para classificar incidentes (informações
identificadas no discurso do entrevistado e representadas pelos códigos) na busca
pela resposta da questão da pesquisa. É importante mencionar que um incidente
que pouco aparece na fala pode ser tão ou mais importante do que um incidente
recorrente (EISENHARDT, 1989).
97
Ressaltamos que a técnica de codificação se trata da leitura profunda e
reflexiva do corpus empírico das fontes de evidência, que nesta pesquisa são as
entrevistas. Durante esta reflexão profunda ocorre a classificação dos incidentes por
meio de códigos que buscam responder à questão da pesquisa (SALDAÑA, 2015).
Na codificação aberta inicialmente havia 61 códigos que rotulavam incidentes
encontrados ao longo da análise. Após a primeira fase da codificação, os códigos
foram refinados e agrupados com o propósito de estabelecer relações e conexões
pela codificação axial (GLASER; STRAUSS, 1967; GRAHAM, 2017; SALDAÑA,
2015). Após refinamento dos códigos obtidos através da codificação aberta restaram
40 códigos, dentre os quais alguns emergiram do corpus empírico da pesquisa e
outros através de categorias de análise previamente estabelecias pelo referencial
teórico. A descrição dos códigos bem como os exemplos de incidentes que
recorreram na criação destes e a perspectiva empírica ou teórica estão
demonstradas no Quadro 11:
Quadro 11 – Códigos que representam as categorias para análise
Código Descrição Incidentes Origem
Apoio familiar
Relato dos entrevistados sobre o cuidado e respeito da família para com o idoso.
E1: “A filha dela é assim sensacional, uma filha daquelas, ela faz a diferença na vida do idoso.” E4: “E mexe no lugar da família, no lugar deste idoso na família, você traz uma importância pra ele dentro da família.”
Data Driven
Aprendizado ao longo da vida
Aprendizado que ocorre em todas as fases da vida, através do aprendizado formal e por meio das experiências vivenciadas.
E1: “Eu percebo que se fala tanto de empoderamento e a melhor forma de você entregar isso a eles é dar a condição de eles aprenderem coisas.” E2: “E a questão de desenvolvimento foi uma demanda que foi surgindo naturalmente de nossos cadastrados por orientação, atualização e reinvenção.”
Theory Driven OMS (2002) ILC BRASIL (2015)
98
Barreiras culturais Relato dos entrevistados sobre as diferenças culturais em relação à aceitação da velhice.
E4: “A gente tem um sistema de mercado do ser jovem, a gente vive numa sociedade onde o ser jovem é o que a gente tem que ser.” E3: “Tem uma narrativa aqui de que nós somos jovens, qualquer pessoa de sessenta e cinco anos aqui parece ter trinta e cinco.”
Data Driven
Captação de recursos
Investimentos feitos em Empresas Sociais com o intuito de gerar impacto social e retorno financeiro.
E2: “Então os recursos são todos próprios, mas estamos conversando com possíveis investidores.” E1: “A gente teve um ProAC aprovado pela Secretaria de Cultura do Estado e aí nós conseguimos captar a verba.”
Theory Driven GIIN (2018)
Compreender o problema
Relato dos entrevistados sobre a compreensão do problema social identificado.
E2: “Envelhecimento e longevidade, comecei a realmente estudar o assunto.” E5: “Pesquisei durante um ano, estudei o mercado,
então montei a empresa.”
Data Driven
Conscientização Relato dos entrevistados sobre tomada de consciência da natureza das relações humanas dentro da sociedade em que se vive
E3: “Eu vou falar sobre isso, vou fazer aquilo que eu sei fazer, vou fazer um blog e vou falar sobre isso, vou começar a sensibilizar
pessoas.” E4: “Primeiro porque a primeira informação de que a pirâmide vai mudar é novidade pra muitos.”
Data Driven
Custos do cuidado Relato dos entrevistados sobre o alto custo dos cuidados com o idoso.
E3: “Eu parto desta premissa: só a tecnologia vai poder baratear os custos do cuidado.” E3: “Então aquilo ali é o como você vai baratear, e... eu pego o pior caso que é cuidar à distância, que é muito mais caro.”
Data Driven
99
Envelhecimento populacional
Mudança social demográfica que pode ser chamada de Revolução da Longevidade.
E2: “A Europa, primeiro eles enriqueceram pra depois envelhecer; já o Brasil não, continua sendo um país pobre e tá envelhecendo.” E3: “Acho que esta discussão do envelhecimento populacional aqui no Brasil, é toda discussão começa com: ‘somos não sei quantos milhões de idosos.’.”
Theory Driven BANCO MUNDIAL (2016) ILC BRASIL (2015) IBGE (2017)
Escala e Replicabilidade
Busca pelo crescimento constante com o propósito de se alcançar o maior número de pessoas.
E1: “Você poder oferecer um projeto desses que é tão modificador pra vida destes velhos e você oferecer pra mais gente.” E3: “Quando se fala em escalar, se pensa em tecnologia, nem que seja tecnologia social.”
Theory Driven MURRAY et al. (2010) BUCKLAND; MURILLO (2013) DEBRUIN; STANGL (2013)
Espaços urbanos Estruturas e serviços que sejam acessíveis e promovam a inclusão de idosos com diferentes necessidades
E4: “Esse idoso também precisa ter uma forma de ir e voltar com calçada que dê pra ele andar, com ônibus que abaixe pra ele poder subir.” E5: “Então a gente criou o conselho com os representantes destas empresas pra estudar acessibilidade e acessibilidade nos transportes públicos.”
Theory Driven OMS (2008)
Exclusão social Relato dos entrevistados sobre o processo de afastamento do individuo idoso de determinados grupos sociais.
E1: “Porque é muito comum tirar seu pai de cena, tirar sua mãe de cena, porque ela fala besteira.” E3: “Cidade inteligente é uma cidade que é inteligente pra todo mundo. Cadê os velhos aí?”
Data Driven
100
Falta de apoio familiar
Relato dos entrevistados em relação à falta de cuidado dos idosos por seus familiares
E2: “Era pra receber visita de família e poucos recebiam visitas da família de fato.” E5: “A relação com os filhos é muito difícil, tinha esse distanciamento.”
Data Driven
Impacto na família Relato dos entrevistados sobre os impactos das dificuldades da velhice sobre a família do idoso.
E3: “A maioria dos cuidadores familiares ou se queixam ou brigam com seus irmãos ou transferem responsabilidades.” E4: “E mexe no lugar da família, no lugar deste idoso na família, você traz uma importância pra ele dentro da família”
Data Driven
Inclusão social Relato dos entrevistados sobre a necessidade de ações que combatam a exclusão social por causa da idade.
E4: “Uma honestidade maior, em aceitar e incluir as múltiplas velhices existentes.” E5: “Para incluir as pessoas, para chamar a atenção da sociedade para a causa.”
Data Driven
Iniciativa de Mudança
Relato dos entrevistados sobre a importância da iniciativa do Negócio de Impacto Social.
E1: “É importante a gente dar o primeiro passo porque senão nunca muda nada.” E2: “Foi quando eu resolvi abraçar esta causa, aí que eu entendi que o Brasil está envelhecendo e pouca gente estava olhando pra isso”
Data Driven
Inovação social Uma nova abordagem para lidar com problemas sociais.
E3: “Podem sair inovações e tremendas inovações. Quem souber juntar e tenha esse perfil de juntar tecnologia com o novo uso da tecnologia para estas coisas aí é fantástico.” E2: “Porque não existia nenhum site ou empresa que focasse exclusivamente no público acima de 50 anos.”
Theory Driven STAFORD SOCIAL INNOVATION REVIEW (2008) CAJAÍBA-SANTANA (2014) TAYLOR (1970)
101
Intergeracional Relato dos entrevistados sobre a relação entre duas ou mais gerações.
E2: “Questão da integração intergeracional é muito importante.” E1: “Tem pessoas de vinte anos que trabalham juntas com pessoas de sessenta e poucos, é uma coisa bem intergeracional.”
Data Driven
Isolamento social Relato dos entrevistados sobre o comportamento no qual o indivíduo deixa de participar de atividades sociais.
E3: “Tecnologia vai poder fazer com que eu viva uma velhice sem isolamento social.” E4: “Depois dessa demissão dos sessenta anos é uma das causas mais graves das depressões, da queda da vitalidade dos 60.”
Data Driven
Mudança na estrutura familiar
Mudança onde a tenência hoje é a desarticulação da família nuclear.
E3: “Esta família nuclear de pai e mãe e dois filhos viverem isolados num apartamento sem conhecer ninguém.” E3: “O jeito de viver é completamente diferente,”
Theory Driven DOWBOR (2013)
Múltiplas velhices Relato dos entrevistados sobre a multiplicidade de velhices existentes na sociedade.
E4: “Sendo que a gente olha pra nossa volta e os velhos que estão a nossa volta a gente chama de múltiplas velhices, a heterogeneidade da velhice.” E1: “Velhice, quando a gente entra na Gerontologia, é o que encanta, é essa multiplicidade.”
Data Driven
Necessidade de adaptação à tecnologia
Necessidade de aprendizado e adaptação aos novos recursos tecnológicos.
E2: “Estas pessoas precisam se reinventar e principalmente se adaptar à tecnologia.” E5: “os idosos têm resistência em relação à tecnologia, é um desafio, então é muito difícil.”
Theory Driven OMS (2008) MIRANDA; FARIAS (2009)
102
Necessidade de existência social
Relato dos entrevistados sobre a necessidade de estar inserido na sociedade.
E1: “É um projeto que dá esta possibilidade de existência social.” E5: “A filha a tirou de alguns supermercados e estas coisas que ela gostava de fazer.”
Data Driven
Necessidade de trabalho e renda
Necessidade e desejo do idosos ao exercício profissional respeitando suas limitações físicas.
E2: “Ser realmente uma referência para pessoas acima de 50 anos encontrarem e terem um lugar onde possa ser uma fonte de recursos para se desenvolver e pra encontrar trabalho.” E4: “A empresa demite, as demissões dos 60 anos.”
Theory Driven ESTATUDO DO IDOSO (2003) PINHEIRO; SOUZA (2017) OMS (2008)
Necessidades do cuidador familiar
Relato dos entrevistados em relação às dificuldades enfrentadas pelos cuidadores familiares.
E3: “É trabalhoso este cuidado com idoso e é uma responsabilidade muito grande.”
Data Driven
Negócio sem CNPJ Relato dos entrevistados sobre a não formalização do negócio através de CNPJ.
E3: “Não tem um CNPJ, é um movimento, mas tem impacto social.” E1: “Eu ainda não abri a empresa.”
Data Driven
Negócios convencionais para longevidade
Relato dos entrevistados sobre negócios convencionais na área da longevidade.
E3: “Então, mas acho que tem espaço para todo mundo, tem espaço para alguém que vai fazer coisas que não geram valor financeira.” E4: “Seja para desenvolver produtos e serviços, seja pra adaptar produtos e serviços que já existem a este target.”
Data Driven
103
NIS Empreendimentos que tem a missão de gerar impacto social, ou seja, transformação social.
E2: “Alguma coisa com propósito, aí que eu conheci este mundo de Negócios Sociais, empreendedorismo social.” E3: “Alguém tem que começar a fazer alguma coisa com impacto social.”
ICE (2015) SEBRAE (2017) YUNUS (2018)
Origem da ideia Relato dos entrevistados em relação a situação que deu origem a ideia do negócio.
E2: “Percebi que era um problema, que era grande e só tendia a aumentar. E então conversei com muita gente.” E5: “Mas eu tinha um agradecimento muito grande a ela, porque é um negócio que a gente criou em cima de uma demanda que ela me mostrou.”
Data Driven
Participação social Engajamento na sociedade pelo trabalho, pela recreação e engajamento cívico.
E3: “Eu quero poder ir à padaria, eu quero ver gente nova, eu quero ver criança, eu quero estar inserida na sociedade.” E2: “Então, o networking acaba sendo um pilar também que a gente foca bastante.”
Theory Driven OMS (2002) ILC BRASIL (2015)
Política Pública Relato dos entrevistados sobre o envolvimento do setor público para atender as demandas da longevidade.
E5: “Porque assim, você imagina, com esse espírito de ter empresas aliadas dos idosos, porque o setor público ele não atende a demanda, não dá conta.” E3: “Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando este acesso através da tecnologia. Como diz meu marido, isso é quase uma política pública.”
Data Driven
104
Preconceito Relato dos entrevistados sobre a atitude discriminatória da sociedade em relação aos idosos.
E1: “A empresa que doou na época do ProAC não quis aparecer, ela falou que podíamos usar o dinheiro e fazer o nosso projeto, mas não era pra botar o nome dela!” E2: “É fundamental para quebrarmos o paradigma existente no mercado de trabalho atualmente, onde os mais velhos são vistos simplesmente como obsoletos.”
Data Driven
Problema social Identificação do problema social a ser resolvido. O alvo de mudança.
E1: “Porque eles vão perdendo a sua condição de ser um ser social e essa é a característica principal do ser humano. Nós somos seres sociais e se a gente perde isso é a morte em vida.” E2: “A pessoa fica 30 anos na empresa e quando sai fica perdido, as pessoas não se preparam pra isso.”
Theory Driven CLOUTIER (2003) MURRAY et al. (2010) PATIAS et al. (2015)
Propósito O objetivo, a missão do negócio.
E2: “É ser realmente uma referência para as pessoas acima de 50 anos encontrarem, terem um lugar onde possa ser uma fonte de recursos pra se desenvolver e pra encontrar trabalho.” E4: “A proposta é: vamos conhecer esta multiplicidade de velhice para gente poder atender estas demandas diferenciadas ao máximo.”
Theory Driven CLOUTIER (2003). MURRAY et al. (2010) TARDIF; HARISSON (2005) PATIAS et al. (2017)
Redes de Parcerias Relato dos entrevistados sobre parceira com outros atores do ecossistema.
E3: “Eu defendo que você precisa criar uma rede social de apoio e fazer isso com inovação.” E2: “A gente tem parceiros que são mais especialistas em questões mais específicas.’
Data Driven
105
Resultado social Geração da transformação social.
E1: “O impacto é total na família. Fernanda, é um projeto que é muito encantador pelos resultados que os cuidadores relatam na qualidade de vida.” E2: “Nós estamos chegando a 49 mil pessoas cadastradas, o número de pessoas impactadas é muito maior.”
Theory Driven CLOUTIER (2003) MURRAY et al. (2010) BUCKLAND; MURILLO (2013) PATIAS et al. (2017)
Saúde Saúde mental e física. E4: “Demissão dos sessenta anos é uma das causas mais graves das depressões, da queda da vitalidade dos 60 +.” E5: “Recentemente eu tive um caso de uma amiga minha com pai dela que já tinha tido um AVC e às 05h da manhã ele apertou o botão e foi socorrido.”
Theory Driven OMS (2002) OMS (2008) ILC BRASIL (2015)
Segurança e Proteção
Segurança física, proteção contra crimes e desastres e segurança econômica.
E5: “Traz segurança, o familiar fica seguro, a palavra é essa, e pode salvar vidas.” E4: “Eu tenho que ter todas as condições desta casa e dos meus familiares poderem estar seguros de que eu posso ficar ali dentro sozinho.”
Theory Driven OMS (2002) ILC BRASIL (2015)
Solução proposta Elaboração da proposta para resolver o problema social identificado.
E3: “Então, é isso aí, era minha visão de que era preciso criar uma rede de cuidados.” E2: “Me propus a ajudar as pessoas acima de cinquenta anos a se recolocarem.”
Theory Driven MURRAY et al. (2010) PATIAS et al. (2015)
Sustentabilidade financeira
Modelo de Negócio que assegure a sobrevivência financeira. Como a iniciativa se financia.
E1: “Então é lamentável a gente não viver num país que possa oferecer isso tudo gratuitamente.” E5: “Recursos próprios, eu investi.”
Theory Driven MURRAY et al. (2010)
106
Visão Relato dos entrevistados com relação aos planos para o futuro, onde o negócio quer chegar.
E3: “Em como tornar, como escalar o cuidado, como é que eu vou fazer, porque este modelo tradicional de um cuidador pra um idoso, esse modelo não é viável financeiramente num país pobre, porque não dá.” E1: “Este projeto é meu plano pro futuro pra poder atingir mais, um número
maior de pessoas.”
Data Driven
Fonte: Elaborado pela autora,2018
Como já mencionado outrora, a técnica de codificação foi usada como
estratégia de análise dos dados coletados. Esta estratégia possibilita a identificação
de padrões de comportamentos nos dados. Ressaltamos que a ausência de
comportamentos também pode ser muito importante para os resultados da pesquisa.
4.1 Apresentação e análise dos dados
Nesta seção será apresentada a análise dos dados obtida após o processo
de codificação realizado na quarta etapa desta pesquisa. No processo de codificação
dos dados pelos incidentes identificados nas falas dos entrevistados foi possível
identificar as categorias mais relevantes sobre os desafios do envelhecimento
populacional.
Dentre os 40 códigos acima mencionados foi possível identificar os 15 códigos
que representam os desafios mais relevantes da Revolução da longevidade de
acordo com as evidências analisadas. São eles: aprendizado ao longo da vida,
barreiras culturais, conscientização, custos do cuidado, espaços urbanos, exclusão
social, falta de apoio familiar, isolamento social, necessidade de adaptação a
tecnologia, necessidade de existência social, necessidade de trabalho e renda,
participação social, preconceito, saúde e segurança e proteção. Dentre todos os
desafios identificados, sete já haviam sido identificados durante a fase de revisão de
literatura (OMS, 2002; OMS, 2008; ILC BRASIL, 2015; MIRANDA; FARIAS, 2009;
PINHEIRO; SOUZA, 2017); os outros oito desafios surgiram pelo processo de
codificação e foram orientados pelos dados.
107
Com o auxílio do Software ATLAS.ti foi realizado o teste de “Codes-Primary
Documents Table”, que demonstra a frequência dos códigos na análise, e o teste
“Co-occurrence Table”, que apresenta a relação entre os códigos constituídos. Desta
forma, foi possível constatar nove desafios da longevidade que aparecem com maior
frequência na fala dos entrevistados e que mais se relacionam entre si.
Após esta análise, os principais desafios identificados foram: aprendizado ao
longo da vida, custos do cuidado, espaços urbanos, necessidade de existência
social, necessidade de trabalho e renda, participação social, preconceito, saúde e
segurança e proteção. Ressaltamos que, apesar destas análises se basearem
principalmente na frequência dos incidentes, neste tipo de pesquisa é importante
analisar um padrão de comportamento, mas também a ausência de um
comportamento demonstrado pela ausência de incidentes.
O Gráfico 2 ilustra a frequência dos códigos extraídos das entrevistas
referentes aos principais desafios mencionados e outras categorias de análise que
ajudam a responder à pergunta desta pesquisa: Como os NIS e as IS podem trazer
soluções para superar o desafio da crescente longevidade da população?
No gráfico, “P1” refere-se ao documento primário 01 que é a entrevista
transcrita do entrevistado 01. Os demais se referem aos documentos primários dos
entrevistados 02, 03, 04 e 05. Pode-se observar neste mesmo gráfico uma tendência
entre todos os entrevistados para a categoria NIS. Os entrevistados demonstraram,
através das evidências, características necessárias para serem considerados um
NIS. Apesar de não terem sido identificados na fala do entrevistado 1 e 4 muitos
elementos das características dos NIS, percebemos, pela demonstração gráfica, que
eles geram resultado social, que é justamente o objetivo deste tipo de negócio
(CLOUTIER, 2003; MURRAY et al., 2010; BUCKLAND; MURILLO, 2013; PATIAS et
al., 2015; ICE, 2015; SEBRAE, 2017; YUNUS, 2018).
108
Gráfico 2 - Frequência dos códigos por documentos primários
Fonte: Elaborado pela autora ,2018
Outra observação relevante refere-se à categoria IS. É possível inferir que a
geração de IS não tem sido o foco destes NIS. Vemos um maior direcionamento para
IS na fala dos entrevistados 2 e 3; ainda assim, a IS não é o propósito específico
deste tipo de negócio, mas sim um resultado possível do negócio, conforme
demonstra a entrevistada 3:
“Então, acho que neste mundo, o impacto dele é social. Não é por causa do objeto do negócio, mas por causa das transformações e dos filhotes de inovação que podem sair a partir daí.”
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Aprendizado ao longo da vida
custos do cuidado
Envelhecimento populacional
Escala e Replicabilidade
Espaços Urbanos
Inovação Social
Necessidade de Existencia Social
Necessidade de Trabalho e Renda
Negócios de Impacto Social
Origem da Ideia
Participação Social
Politica Publica
Preconceito
Problema Social
Propósito
Resultado Social
Saúde
Segurança e Proteção
Solução Proposta
Visão
P 1 P 2 P 3 P 4 P 5
109
No que tange os problemas sociais, observa-se um acentuado direcionamento
destes negócios para resolver um problema social por eles identificados. Este
comportamento é ausente na fala do entrevistado 05, o que nos permite inferir que
o propósito deste negócio não é resolver um problema social. Contudo, este negócio
gera um resultado social para a sociedade conforme mostra o gráfico.
Em relação aos desafios sociais advindos da Revolução da Longevidade,
nota-se que o desafio “Necessidade de existência social” foi o mais evidenciado na
fala dos entrevistados. Isso pode ser percebido na fala do entrevistado E5:
“A filha tirou ela de alguns supermercados e estas coisas que ela gostava de fazer.”
Os entrevistados afirmam que a necessidade de trabalho e renda também é
uma necessidade de existência social como demonstra comentário do entrevistado
E2:
“A pessoa fica 30 anos na empresa e quando saí fica perdido, isso é muito comum e as pessoas não se preparam pra isso.”
O trabalho é uma forma de estar inserido na sociedade, é uma forma de estar
engajado com algo e não é apenas uma necessidade de renda. Para a OMS (2008),
os idosos gostariam de ter oportunidades de emprego e trabalho; porém, encontram
barreiras, por parte da sociedade, às suas participações cívicas, limitações físicas e
paradigmas culturais que dificultam a participação de idosos.
Políticas públicas é a categoria com menor quantidade de incidentes. A
ausência deste código nas fontes de evidências demonstra o sentimento destes
entrevistados com relação à mobilização pública no sentido de propor soluções para
os desafios da longevidade. Isto é demonstrado na fala da entrevistada E5:
“Porque assim você imagina, com esse espírito de ter empresas aliadas dos idosos, porque o setor público ele não atende à demanda, não dá conta.”
O desejo de contribuir para estes desafios, auxiliando o setor público nesta
empreitada, é evidenciado na fala da entrevistada 3:
“Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando este acesso através da tecnologia, como diz meu marido, isso é quase uma política pública.”
No sentido de contribuir com as políticas públicas para a longevidade, outros
atores da sociedade tiveram a iniciativa de apoiar conselhos municipais na
110
elaboração de propostas do projeto “Cidade para todas as idades”. Esta é uma das
áreas de atuação do ILC Brasil (2015).
O aspecto espaços urbanos foi mencionado na fala dos entrevistados como
um desafio social. Entende-se por espaços urbanos a arquitetura das cidades, os
espaços públicos ou de uso comum, a acessibilidade de transportes públicos,
calçadas, espaços de lazer, dentre outros. Conforme a OMS (2008), o Instituto
Mongeral Aegon (2018) e a FGV SP (2017), existem alguns itens que devem ser
levados em consideração para que uma cidade seja amiga do idoso; a saber:
ambiente limpo, espaços verdes de convivência comunitária, calçadas amigas dos
idosos para facilitar a mobilidade, acessibilidade nos espaços urbanos, prédios e
espaços de uso comum que contemplem as dificuldades dos idosos e ofereçam
rampas de acesso, escada rolante, pisos antiderrapantes, corredores amplos e
outros.
Recentemente a Prefeitura de São Paulo (2018) firmou o compromisso de
desenvolver ações para que a cidade seja uma cidade amiga do idoso. É possível
inferir que esta categoria apesar de ter sido elencada como um dos grandes desafios
da longevidade não foi atribuída como solução proposta por nenhum dos
entrevistados, pois depende consideravelmente das iniciativas públicas. Vejamos
este problema sendo evidenciado por um dos entrevistados:
E4: “Esse idoso também precisa ter uma forma de ir e voltar segura com calçada que dê pra ele andar, com ônibus que abaixe pra ele pode subir.”
O desafio da saúde foi um problema evidenciado na fala de todos os
entrevistados, conforme indica o Gráfico 2. A saúde, mental e física, é uma
necessidade global e, neste novo cenário de mudança demográfica, de acordo com
o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon/FGV (2017), é necessário garantir o
acesso aos cuidados médicos. A saúde é um investimento, diz o ILC Brasil (2015).
Para a OMS (2002), saúde física e mental influenciam, positiva ou negativamente,
todo o ciclo da vida humana.
Foi possível compreender o movimento de relação entre os códigos através
da análise de “Co-occurrence Table”. Ao analisar a Tabela de Co-ocorrência
(reproduzidas nas figuras 11, 12, 13 e 14), pode-se observar que algumas categorias
de análise não se correlacionam, ou seja, no mesmo incidente não são atribuídos
diferentes códigos, ou se relacionam em um nível muito baixo. As categorias que
111
mais se relacionam foram destacadas nas cores verde claro e escuro, sendo que o
verde escuro se refere aos maiores níveis de relação entre os códigos.
Figura 11 - Tabela de co-ocorrência - parte 01
Fonte: Elaborada pela autora,2018
112
Figura 12 - Tabela de co-ocorrência - parte 02
Fonte: Elaborada pela autora,2018
Figura 13 - Tabela de co-ocorrência - parte 03
113
Fonte: Elaborada pela autora,2018
Figura 14 - Tabela de co-ocorrência - parte 04
Fonte: Elaborada pela autora,2018
Observa-se que participação social e necessidade de existência social
possuem a maior relação entre os códigos. Participação social é o pilar 03 do
envelhecimento ativo da OMS (2002). Participar socialmente é ter um propósito na
vida, estar engajado na sociedade através de trabalho, atividade recreativa,
intelectual ou cívica e outras atividades (OMS, 2002; ILC BRASIL, 2015). A relação
entre a participação social e a necessidade de existência social demonstra o quanto
incluir o idoso na sociedade supre esta necessidade de existência social. Evidências
apontadas na fala dos entrevistados demonstram isso:
E4: “Estar engajado, ter um propósito, é muito importante.”
E5: “Além disso, o social, estar mais próximo à pessoa idosa, ver o prazer que ela tem no supermercado, no passeio de carro, numa ida ao teatro... As experiências que eu tive e que eu vejo é palpável.”
E1: “É o participar socialmente, este para mim é o maior benefício.”
114
Dentre todos os desafios da Revolução da Longevidade mencionados pelos
entrevistados, o preconceito é o que mais se relaciona com o problema social
identificado. Este problema social está também relacionado com o desafio da
necessidade de trabalho e renda, pois a dificuldade de se encontrar trabalho após
os 60 anos de idade é considerada pelos entrevistados uma forma de preconceito
pela idade. Vejamos na fala dos entrevistados:
E2: “Fundamental para quebrarmos o paradigma existente no mercado de trabalho atualmente, onde os mais velhos são vistos simplesmente como obsoletos.”
E4: “A empresa demite. As demissões dos 60 anos!”
O problema da necessidade de trabalho e renda fere o Estatuto do Idoso
(2003) que diz que o idoso tem direito ao exercício da atividade profissional e tem
direito de ter suas limitações físicas e psíquicas respeitadas. Ressaltamos que o que
vemos hoje no Brasil é uma exclusão dos trabalhadores em idade mais avançada
por serem considerados pouco produtivos ou muito caros para a empresa. A
exclusão do mercado de trabalho não é o único tipo de preconceito demonstrado
pelas evidências; a saber:
E1: “As empresas não querem ligar o nome a idoso.”
E4: “Então, você vê um monte de comunicação, um monte de abordagem na mídia, de redes sociais e tal que supervaloriza essa coisa do velho que salta de paraquedas, a velha que dança não sei aonde lindamente, a velha que se veste como uma garotinha de 30 anos... Então uma supervalorização destes idosos que conseguem reproduzir o jeito jovem de viver. Sendo que a gente olha pra nossa volta e os velhos que estão a nossa volta a gente chama de múltiplas velhices, a heterogeneidade da velhice, não existe uma única forma de ser idoso, de ser velho..”
Já a origem da ideia do NIS se dá pela identificação de um problema social
que precisa ser atendido. Isto demonstra que a gênese do negócio está na resolução
do problema em questão, como dizem os entrevistados:
E2: “Percebi que era um problema que era grande e só tendia a aumentar e então conversei com muita gente, com essas pessoas pra entender a dor deles.”
E5: “Eu percebia e me intrigava muito, era questão de piada até, a gente fazia piada disto... que os questionários de pesquisa, eles entrevistam pessoas de até 50 anos.”
Outra característica importante sobre os NIS é sua capacidade de escala, ou
seja, de ser replicado em outra situação com o propósito de se alcançar o maior
número de pessoas (MURRAY et al., 2010; BUCKLAND; MURILLO, 2013;
115
DEBRUIN; STANGL, 2013). Podemos ver esta relação de escala com a visão do
negócio na Figura 11 e como demonstra os entrevistados:
E2: “Para ajudar estas pessoas a encontrarem trabalho e a gente faz isso usando a tecnologia pra poder ser escalável.”
E3: “Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando este acesso através da tecnologia.”
Na Figura 15, pode-se observar a relação entre os principais desafios sociais
no contexto da Revolução da Longevidade (à esquerda da figura) e NIS que atuam
como agente de transformação social, uma vez que identificam o problema e
propõem soluções para resolvê-lo.
Figura 15 - Mapa conceitual
Fonte: Elaborado pela autora,2018
Vemos neste mapa conceitual que os desafios sociais “Aprendizado ao longo
da vida”, “Participação social”, “Saúde e Segurança e proteção” são categorias que
116
pertencem aos quatro pilares do envelhecimento ativo. Atendendo estas demandas
os NIS estarão promovendo o envelhecimento ativo que é a resposta da OMS para
a Revolução da Longevidade em curso (OMS, 2002; ILC BRASIL, 2015).
Nesta pesquisa o maior resultado social gerado pelos NIS identificado foi
oferecer a esta população envelhecida a oportunidade de existência social através
do aprendizado ao longo da vida e da inclusão destes idosos por meio de
participação social. Consequentemente, os pilares do envelhecimento ativo
atendidos foram os de participação social e aprendizado ao longo da vida.
Para enfrentarmos os desafios da Revolução da Longevidade é necessário o
apoio de NIS, mas, para que estes NIS sejam efetivos e gerem o resultado social
esperado, tem que haver uma melhor incidência de captação de recursos. São
necessários o fomento de órgãos governamentais, maior incentivo do Estado e o
incentivo dos investidores de impacto social. Se o NIS tiver que sair em busca de
recursos financeiros, ele vai acabar trabalhando mais em prol de captação de
receitas do que em prol do impacto social.
Se quisermos que estas instituições sejam intermediárias entre o problema
social e o resultado social, gerando transformações escaláveis, será preciso que
estas sejam financeiramente sustentáveis. Então, a possibilidade de escala e
replicabilidade está diretamente relacionada com a questão da sustentabilidade
financeira do NIS. Podemos inferir isto pela fala dos entrevistados:
E1: “Tivemos ProAC aprovado pela Secretaria de Cultura do Estado e nós conseguimos captar a verba. Então naquele ano a gente trabalhou com 38 idosos com demência.”
E2: “Só que eu não consegui fazer com que este projeto fosse alguma coisa, que fosse financeiramente viável, que fosse um negócio social. Então ele não foi pra frente.”
Desta forma é possível dizer que, no ecossistema NIS e das IS, os
intermediadores das finanças sociais possuem uma função determinante para o
desempenho de todo este ecossistema, conforme já mencionado anteriormente pelo
ICE (2018). Sendo assim, estudos futuros sobre os investimentos de impacto social
e formas de fomento público e privado são necessários para compreendermos as
dificuldades e as limitações de todo este sistema.
Estas são organizações realmente mais preocupadas com o resultado social
do que com resultado financeiro; trata-se de uma questão de propósito da
117
organização. Conforme orientação de Buckland e Murillo (2013) e Murray et al.
(2010), a iniciativa deve ser financeiramente sustentável para que possa garantir sua
sobrevivência futura e atingir um número maior de pessoas. Desta forma, os NIS,
bem como as IS, podem gerar resultado financeiro que pode ser distribuído para os
sócios ou reinvestido no negócio (YUNUS, 2018; ICE, 2015).
Todo o processo de análise dos dados, desde a codificação até as análises
de frequência dos códigos estabelecidos e a análise de correlação destes códigos,
seguiu o fluxo estabelecido para atender os objetivos desta pesquisa: ilustrar como
os NS e as IS podem trazer soluções para o desafio da crescente longevidade da
população. Observamos, assim, o resultado social, que é o propósito destes NIS e
IS conforme postulam ICE (2015), Sebrae (2017), Yunus (2018), Cloutier (2003),
Murray et al. (2010), Buckland e Murillo (2013) e Patias et al. (2015).
Pode-se observar no mapa conceitual (Figura14) que a categoria que mais é
atribuída ao resultado social é a necessidade de existência social, seguida pela
participação social. Estes são os resultados sociais evidenciados nesta pesquisa
através da fala dos entrevistados. Esta é, portanto, a forma como estes NIS mais
contribui com os desafios da crescente longevidade da população.
118
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste estudo permitiram a identificação dos 15 principais
desafios da inversão na pirâmide demográfica relatados pelos NIS. Dentre os
desafios mencionados, sete já haviam sido identificados na fase de revisão de
literatura, os demais emergiram do corpus empírico desta pesquisa.
Para os entrevistados, o preconceito foi apontado como o maior problema
social da Revolução da Longevidade no nosso país. O Brasil era um país jovem e a
cultura do “ser jovem” permeava o comportamento da sociedade em questão. Hoje,
com a inversão da pirâmide demográfica, é preciso rever este paradigma para
darmos lugar ao novo entendimento desta sociedade que trará transformações
profundas nas estruturas econômicas e sociais e no modo de viver da sociedade.
Em relação ao resultado social gerado pelos NIS participantes desta pesquisa,
todos demonstram resultados no direcionamento de proporcionar ao indivíduo idoso
a possibilidade de existência, resolvendo assim um dos maiores problemas
evidenciados pelos entrevistados: a perda de existência social. Este problema é
ocasionado pela exclusão social destes idosos, o que foi apontado como uma
barreira cultural que temos, principalmente, nas grandes cidades do nosso país. Este
desafio engloba outros desafios como a necessidade de trabalho e renda, o
isolamento social, a participação social e o aprendizado ao longo da vida.
Este resultado social é de extrema importância, pois quando estes NIS geram
transformação social atendendo a necessidade de existência deste idoso,
contribuem para dois dos quatro pilares do envelhecimento ativo da OMS (2002): o
pilar de participação social e o de aprendizado ao longo da vida. Assim, pode-se
dizer que este resultado social contribui para combater o preconceito contra o idoso
e promove a inclusão social deste indivíduo.
Em relação à IS, dois dos cinco negócios estudados trazem em suas origens
uma proposta de IS para resolver os desafios da Revolução da Longevidade.
Contudo, a IS não é o objetivo destes negócios, mas sim uma das soluções
propostas por eles. Desta forma, pode-se dizer que IS é parte do NIS e acontece de
forma orgânica.
Além dos resultados acima mencionados, esta pesquisa contribui para os
estudos empíricos sobre os NIS e as IS quando traz o mapa conceitual que ilustra a
dinâmica do modelo de negócio e o movimento do processo do negócio na direção
119
de gerar transformação social. Esta dinâmica pode ser aplicada para NIS que
resolvam outros problemas sociais como questões ambientais, pobreza, habitação e
educação. Sendo assim, é possível dizer que não se restringe apenas aos NIS
voltados para os desafios da Revolução da Longevidade. O mapa conceitual
apresentado foi criado a partir das evidências coletadas e nos possibilita a análise
de algumas características dos NIS e das IS.
Em relação à capacidade de escala destes negócios, todos tem potencial de
escala e desejam isto para atingir um número maior de beneficiados. Porém,
conforme demonstra a Figura 15, para que estas inciativas sejam escaladas é
preciso que recebam investimentos de impacto social, seja vindo do setor público,
seja do setor privado. Sem recursos financeiros a escala é inviabilizada. O fomento
destes negócios é fator fundamental para que o resultado social seja expandido.
Finalmente, é possível dizer que esta pesquisa cumpre seu objetivo geral que
é ilustrar como os NIS e as IS podem trazer soluções para superar o desafio da
crescente longevidade da população, no Brasil e no mundo. Contudo, é importante
ressaltar que este estudo não é suficiente para ilustrar como superar estes desafios
da Revolução da Longevidade, apenas se limita a demonstração de como os NIS
podem contribuir.
Para uma discussão mais profunda sobre a resolução destes problemas
também se fazem necessários estudos futuros sobre IS no Setor Público com o
propósito de entender a movimentação do Estado para lidar com os desafios
advindos da Revolução da Longevidade. Como modelo temos hoje a cidade de
Santos no estado de São Paulo que de, acordo com o Índice de Desenvolvimento
Urbano para Longevidade do Instituto Mongeral Aegon/FGV (2017), foi considerada
a cidade mais bem preparada para a longevidade dentre as 498 cidades estudadas.
Seria importante compreender quais inciativas públicas e quais iniciativas de NIS e
IS estão sendo realizadas em uma cidade como esta.
O fato de ser evidenciada uma baixíssima frequência do código de Políticas
Públicas pode ser um indicador de que este é um dos grandes desafios da crescente
longevidade da população. Como já dito outrora, a ausência de um comportamento
pode ser mais importante do que a frequência do mesmo. Outro aspecto abordado
nas entrevistas e que requer atenção de estudos futuros diz respeito ao
120
entendimento das formas de fomento e Investimentos de Impacto destes NIS e em
como estes investimentos podem alavancar o surgimento das IS.
122
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130
APÊNDICE A
Roteiro de perguntas para as entrevistas com os empreendedores de NIS:
1- Como nasceu a ideia da criação do negócio?
2- Qual a missão do seu negócio?
3- Quais são os objetivos para o futuro, qual a visão do negócio?
4- Seu negócio é uma inovação? Por quê?
5- Seu negócio atende a quais demandas e desafios da longevidade?
6- Como a sua iniciativa gera a transformação social desejada?
7- A inciativa pode ser escalada ou replicada por outros?
8- Como se dá a sustentabilidade financeira de sua empresa?
132
APÊNDICE B
Transcrição entrevista 01 - Negócio de Impacto Social que utiliza arte como
estimulo cognitivo em idosos com demência para gerar inclusão
Fernanda: Bom dia! Estou curiosa para saber um pouco mais sobre o Faça
Memórias, então já quero começar te perguntando: Como nasceu a ideia do
Faça Memórias?
E1: O Faça Memórias, Fernanda, ele é um projeto que ele veio decorrente do Ateliê
de Artes e Inclusão, que é um ateliê que começou lá no Mube, no Museu Brasileiro
da Escultura, em 2007. Em 2007, eu tinha terminado a [o curso de] Arte Terapia e
eu e uma amiga, a Juliana Mazo, que também é arte terapeuta, nós duas
trabalhávamos na AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente] e aí eu...
a Juliana na verdade, entrou em contato com pessoal do Mube e propôs um ateliê
de arte terapia na reabilitação pra pessoas com deficiência, isto foi em 2007.
Então, a gente tava saindo da AACD e o Mube abriu as portas pra gente ter este
ateliê lá. Aí é que começamos a trabalhar com pessoas com deficiências diversas,
diversas idades. Este ateliê acontece até hoje de terças a tarde no museu; então,
tem pessoas de vinte anos que trabalham juntas com pessoas de sessenta e poucos,
é uma coisa bem intergeracional, todos com uma questão de deficiência, e a gente
usa a arte terapia como reabilitação, cognitiva e motora. Enfim, é um ateliê muito
bacana.
Na época, em 2007, a gente estava com arte e inclusão; em 2009, eu trabalhava
num residencial de idosos no [Hospital Albert] Einstein, como arte terapeuta e aí eu
via aqueles idosos demenciados e naquele lugar que, querendo ou não, ele lembra
muito um lugar de saúde – porque assim... gente de jaleco branco pra cima e pra
baixo – e aí eu pensava assim: “Nossa, que coisa que seria você poder tirar as
pessoas dum ambiente hospitalar e levar pra um ambiente cultural, isso seria muito
importante pra eles, né.”
Aí eu comecei a pesquisar e vi que em Nova York no MoMA, o Museu de Arte
Moderna, eles tem um projeto que se chama Meet-me at MoMA que é, eles
trabalham o acervo do museu como estimulo cognitivo aos idosos com Alzheimer. É
um projeto que eles tem assim... um grande patrocínio. São encontros mensais,
133
acontece toda segunda feira e eles... Enfim, no site eles disponibilizam muitas
informações sobre como eles trabalham. Então, eu e a Juliana, na época a gente
começou a estudar isso tudo, essa forma de intervenção através da obra de arte.
Aí resolvemos propor então para o museu um projeto pra trabalhar com idosos
demenciados, aí surge naquela época a diretoria do museu... eles eram muito
empenhados em ter estes assuntos da inclusão e eles então toparam na hora e
então, em 2009, começa o Faça Memórias.
Fernanda: O que é e qual a missão da sua empresa?
E01: Então, o Faça Memórias o que que ele é? Ele é um projeto que usa a obra de
arte exposta como estímulo cognitivo aos idosos com demência. Então, como a
gente tem um ateliê muito gostoso lá no Mube, a gente na verdade moldou o projeto
pra ser do jeito que a gente acredita que devesse ser pra ter um resultado melhor
com os idosos.
Então a gente faz semanalmente os encontros; então, você vê que a gente tem as
diferenças do MoMA: primeiro que eles têm aquele acervo maravilhoso, a gente não
tem muito acervo; a gente trabalha com exposições que vem e vão e que acontece
no museu.
Fernanda: São temporárias, exposições temporárias.
E a gente tem um ateliê lá dentro muito bacana, então a gente junta o fazer artístico
na proposta. E, assim, outra grande diferença é que nós não temos a verba que eles
têm para poder manter o projeto, então o nosso curso é um curso pago. Então ele
acontece como se fosse um curso que o museu oferece e é um curso pago.
Em 2012 ou 13, se não me engano, agora não me recordo, eu sou ruim pra data... a
gente teve um ProAC [Programa de Ação Cultural] aprovado pela Secretaria de
Cultura do Estado [de São Paulo] e aí nós conseguimos captar a verba. Então
naquele ano a gente trabalhou com 38 idosos com demência e foi um ano de
exposições lindas aí no museu. Então a gente deu muita sorte de tudo ter dado muito
certo, só que o ProAC, ele tem um tempo de duração e aí quando ele acaba você
volta a ser um curso pago, porque aí você não pode mais atender gratuitamente as
pessoas.
134
Foi muito legal sabe? E aí a gente vê como tem gente interessada, né... Porque muita
gente tá procurando e sabe que o idoso foi diagnosticado com Alzheimer e aí fica
desesperado procurando atividades pra eles.
A grande verdade, Fernanda, é que estes idosos, eles são completamente
esquecidos por projetos. Tanto que a gente vê que os museus eles têm muitas
atividades para idosos, mas pra idosos demenciados, até onde eu sei, é o Mube que
abre as portas. Então é assim... são idosos que eu costumo dizer que eles são o
esquecimento social, é muito maior que o esquecimento patológico.
É uma tristeza, né... Então, assim, ele já tem a doença contra ele, tirando a... não
consegue mais cuidar dos seus próprios pensamentos. Deve ser uma coisa muito
chata.
Além disso tudo, a gente tem uma sociedade que não acolhe. Então o que a gente
tenta fazer no Museu, além de dar a oportunidade de eles participarem de uma
atividade com temas relevantes – porque nós falamos de arte, nós falamos de
história da arte... Eu não tô dando Galinha Pintadinha [desenho infantil] pra ele
colorir, e isso é muito comum de se fazer com os idosos com demência, eu tô falando
de história arte, eu tô falando de Van Gogh, do holandês, eu tô falando de coisas
interessantes pra eles, eles gostam de fazer recorte do Matisse, então assim é dar
temas interessantes –, mas também dar a eles a condição da existência social.
Porque assim, eles vão perdendo a sua condição de ser um ser social, né? E é a
característica principal do ser humano, né. Nós somos seres sociais e, se a gente
perde isso, é a morte em vida. Então, é uma doença, sabe, Fernanda, que é muito
complexa, não só por ela, mas por tudo que ela envolve. Assim, você tem a doença
agindo e você tem uma sociedade que não favorece, então é muito triste isso tudo.
O Faça Memórias ele é uma oportunidade de engrandecer estes sujeitos, é você
entregar a eles condições de estarem envolvidos com coisas interessantes.
Tem gente que pensa assim: “Ah, mas pra que que você vai falar de Matisse se ele
vai esquecer?”. De fato, eu não tô preocupada com lembrar ou não lembrar, porque
eu sei que ele tem uma doença que não vai permitir que ele lembre, mas a sensação
de estar envolvido com Matisse permanece.
A mesma coisa de quando você pega idosos com demência e coloca num meio de
uma briga de família, vamos supor; quando termina a briga, o idoso está com uma
sensação horrorosa e ele não sabe dizer o porquê. Porque ele não lembra da briga,
mas ele tem a sensação com ele.
135
Eu aposto nisso. Quando eu entrego o Jardim de Monet pra ele trabalhar, eu sei que
a sensação do Jardim de Monet vai permanecer e é isso que a gente trabalha pra
isso.
Tinha uma filha de uma senhora que ela virava pra mim e falava assim: “Eu sei que
minha mãe não vai lembrar o que ela fez, mas ela saí daqui com um sorriso tão
gostoso que eu sei que tá valendo a pena, você entende?”.
Então é você apostar no momento, é você entregar a eles momentos que possam
ser engrandecedores, né, que eles possam se envolver com algo que vá trazer uma
sensação boa, que vai levar coisas positivas pra eles. Não adianta a gente falar: “Ah,
mas não vai lembrar”, têm uma doença que não registra memória recente mesmo,
mas, assim, a gente, por um lado, também tem as imagens, a imagem é muito forte
então é muito comum idoso com a doença já... não avançada, mas bastante ali
posicionada na vida dele e ele chega e fala: “Aquele é meu trabalho”. Ele sabe qual
é o trabalho dele porque ele reconhece pelo que ele fez... Então tudo isso... Sabe,
Fernanda, é um projeto muito bonito, é realmente...
Fernanda: E você, Cris, pelo que eu estou percebendo você identificou um
problema social, porque é um problema social e não apenas de saúde.
E1: Não é um problema de saúde, é um problema social muito maior, na minha
opinião, entende? Porque assim... é isso que eu falava quando eu tava no
residencial, eu falava: “Gente, eles precisam de outro espaço, porque não abrir as
portas de um espaço cultural pra receber estas pessoas pra eles irem pra algum
lugar?”. A gente vê as idosas chegando naquele ambiente que elas desconhecem,
tem idosas que estão há anos com a gente e chega lá sempre estranhando o lugar
e eles reconhecem no afeto que ali foi construído quando elas veem a gente, elas
falam: “Ah que bom, é com você que eu vou estar.”
Elas não sabem quem eu sou, mas sabem que é alguém que ela pode contar. Então
é assim, isso também é uma coisa bacana, disso de propor encontros semanais.
Existe um vínculo afetivo que é construído e que ele é maior do que a patologia,
então assim elas reconhecem o carinho, o afeto entre elas, elas não sabem o nome
de nenhuma, estão há anos juntas, mas se adoram... É muito bonito de ver a
turminha como ali funciona.
136
A turma da manhã é muito assim. A turma da tarde, elas estão mais avançadas,
então elas estão mais no mundinho delas, elas estão mais no momento de cada uma
no seu mundinho. Agora a turma da manhã é uma graça, elas têm uns carinhos umas
com as outras e isso é muito bacana.
Então assim eu acho que é um projeto que não é só porque tem a arte estimulando
cognitivamente estas pessoas, mas é um projeto que dá esta possibilidade de
existência social. Isso que eu acho que é muito, muito legal.
A gente visita as exposições de arte que acontecem, a gente faz atividade nas
exposições, então a gente tem o momento da conversa sobre uma obra de arte que
a gente elege ali pra conversar, pra debater. Eu tô falando assim... de idosos que
não conseguem manter a atenção, eles têm uma doença que tira a atenção e eu
com a obra de arte eu consigo trazer a atenção deles, porque eu vou inventando
coisas e perguntas sobre aquilo que eles estão vendo e nisso a atenção vai embora
e eu trago de volta. A gente conduz a visita, a exposição de uma maneira diferente.
O pessoal do educativo do museu, porque às vezes a gente faz as visitas com eles
juntos e eles também dão algumas dicas, e a primeira coisa que eu falo é: “Você tem
que ser claro, não adianta fazer aqueles devaneios que artista gosta, porque eu
preciso trazer eles pro aqui e agora então eu quero que eles vejam. O que se está
vendo nesta obra de arte?”. Então assim: “Descreve pra mim”. Ou, então, a gente
faz atividades mesmo, pode ser um caça ao tesouro: eu fotografo detalhes da obra,
revelo estas fotos e aí eu entrego pra eles e eles tem que procurar esse detalhe ali
na obra. Então assim, são coisas que eu trabalho pra favorecer a atenção e é sempre
muito interessante o que acontece.
Sabe, Fernanda, tem um estudo científico que se chama I know what i like, que ele
prova que a demência não tira o senso estético, então o idoso, quando olha uma
obra de arte, ele sabe o que ele gosta e o que ele não gosta. Isso, mesmo que ele
não consiga verbalizar o que ele esta sentido, mas o senso estético permanece.
Então, você mostrar obras de arte pro idoso demente é superimportante e as
pessoas não tem noção de como é importante. Ele percebendo o que esta vendo,
ele pode não verbalizar, a doença pode não permitir que ele verbalize, mas ele esta
percebendo, então é muito interessante.
Fernanda: Então, Cris, você acha que a maior transformação social que sua
iniciativa causa é qual?
137
E01: É o participar socialmente, este pra mim é o maior benefício! A gente falar de
outros, tem muitos, porque eu estou dando a oportunidade de ele exercer autonomia,
então assim ele tá numa doença que ele vai perdendo as escolhas, ele vai
perdendo... e, de repente, eu pergunto pra ele: “Qual cor você quer usar?”.
É claro que eu não vou dar a caixa de tintas pra ele escolher, porque senão ele vai
ficar perdido. Mas se eu pegar duas ou três e falar: “Dentre estas, qual cor você
quer?”. Dar a opção de ele fazer do jeito que ele quer.
E, outra coisa, pra mim não interessa o que a doença tirou, então não vou ficar
batendo em porta que esta fechada, eu tento achar onde eu posso entrar, onde tem
uma porta aberta pra eu ir... Então assim, se ele tem problema de coordenação
motora fina ele vai pintar com uma esponja, com um pincel de barba.
Então a gente vai dando condições de ele realizar alguma coisa da maneira que ele
consegue, que ele pode, então é assim tem uma hora que eles não tem mais... eles
não entendem mais o contorno pra pintar naquele espaço, então é assim, uma
página de uma flor de repente ele tá pintando a mesa, tá pintando a bandejinha de
isopor com a tinta, você entende? E eu o trago de volta.
Porque assim... a doença tá agindo, ele está com um cérebro com problema, que já
não pensa como a gente pensa, como ele pensava, agora não isso que vai impedir
de ele fazer alguma coisa não.
E eles fazem coisas muito interessantes e isso é muito legal, porque pensa num filho
que vê sua mãe se perdendo na doença e, de repente, ela traz um prato de porcelana
que ela pintou; do jeito dela, mas ela pintou. Então é como se você pudesse afirmar
que eles são capazes de fazer coisas; eles são capazes e o que a gente precisa é
dar condições que eles façam.
O impacto é total na família. Fernanda, é assim, é um projeto que ele é muito
encantador pelos resultados e percebe o que os cuidadores relatam na qualidade de
vida. Então assim, a gente tem uma senhorinha que ela já tá avançada na doença,
mas ela, quando acontece um feriado de segunda feira ela pergunta pra filha: “Não
vamos na aulinha?” [risos].
Então assim, ela sabe que ela tem o dia que ela vai ali fazer coisas e é muito
interessante a gente dando recortes de Matisse, elas adoram recorte, é uma coisa
impressionante como gosta de recortar, e recorta e recorta e recorta e esta senhora
é uma que saí recortando tudo. A gente tenta ficar de olho porque você dá o start e
138
ela não para, ela vai, vai, vai... e isso a gente tira a tesoura dela [risos]. Agora ela já
tem.
E assim a gente vai dando condições dela fazer o recorte do jeito que ela pode. Então
é interessante, a gente vê coisas acontecendo e é muito muito legal. É um projeto
muito bacana que acabou indo pro meu mestrado, mestrado que eu fiz na PUC, eu
falo da metodologia que eu uso...
Fernanda: Você fez o mestrado em Gerontologia na PUC?
E01: Isso, na PUC. A PUC é uma delícia, muito gostosa, eu fiz sobre isso, sobre arte
terapia pras velhices e eu acabo falando da questão da demência, acabo falando da
questão da vulnerabilidade social que é um... Me encontrei com um Centro-dia
[serviço social previsto na Política Nacional do Idoso que atende pessoas com mais
de 60 anos que necessitam de cuidados durante o dia] que eu trabalho desde o início
e lá também é feito um projeto muito bacana de arte terapia com história da arte para
empoderar aqueles velhos do conhecimento.
Eu percebo que se fala tanto de empoderamento e a melhor forma de você entregar
isso a eles é dar a condição de eles aprenderem coisas. Isso tira os idosos da
condição de vulnerabilidade social e estar conversando sobre os impressionistas,
estar conversando sobre assuntos de história da arte é muito importante, eles se
sentem empoderados, que é o que muito se fala hoje em dia.
Eu fui com pessoal do Centro-dia pra visitar o acervo do Masp e você não acredita
aqueles idosos que tiveram uma condição de vida supersimples, socialmente
falando, sempre com muitas dificuldades e, de repente, estão ali no acervo do Masp
e me falando tudo do movimento impressionista, porque eles aprenderam.
É uma delícia, Fernanda, é uma delícia. No fim, eu acabei fazendo produtos pra
idosos com demência, que eu chamo de “Faça Memórias em Casa”.
Depois dá uma olhadinha no site, é facamemóriasemcasa.com.br. Neste site eu
disponibilizo aulas de história da arte como estimulo cognitivo pra idosos com
demência. O cuidador que quiser fazer uma atividade com ele em casa pode assistir,
por exemplo, a aula de girassóis de Van Gogh que eu faço; a aula que eu apresento
é exatamente o que eu faço no Museu, eu faço perguntas: “O que que você está
vendo?”. Sabe, eu vou dando um norte pro cuidador poder trabalhar com idoso e aí
no fim se ele quiser o “Fazer artístico” tem os kits que eu ofereço. Mas o legal desta
história toda é você poder usar a história da arte como uma ferramenta.
139
Fernanda: Falando em ferramenta, usando a internet é uma forma de você
alcançar mais pessoas?
E01: Pois é, essa é a minha ideia, sabe, Fernanda? Quando tivemos o ProAC e a
gente trabalhou com 38 idosos, foi muito gratificante, você ter, você poder oferecer
um projeto desses que é tão modificador pra vida destes velhos e você oferecer pra
mais gente. De repente, quando termina o ProAC você vira um curso pago e o pais
na situação que tá, você vê que as pessoas não tem....eu tô falando de um público
que tem muitos gastos e tem o acompanhante, tem que ter alguém que fique com
eles no museu , tem que ter alguém que leve eles ao museu e tudo isso não é fácil.
É lamentável a gente não viver num pais que possa oferecer isso tudo gratuitamente,
a gente pensa até nos museus de São Paulo, o Mube ele não é um museu do
governo, nem da prefeitura, é um museu que ele tem que se bancar por ele.
É difícil a gente falar. Querer fazer projeto social todo mundo quer, mas, e aí, que
condições que nós temos nesse pais de poder investir em cultura gratuitamente pras
pessoas? Deveria ser uma condição básica, mas não é, infelizmente. Pelo menos
com o Faça Memórias em Casa eu tô tentando levar isso pra mais pessoas, aí vem
essa parceria com a Plug Care que acabou atrapalhando nosso almoço, mas é por
conta disto, é uma plataforma muito grande pra cuidador e eles estão mostrando
esse trabalho, entendeu?
Deus queira que outros idosos venham a se favorecer disso pra gente não ficar
restrito a só aquelas pessoas que conseguem estar lá no museu com a gente de
segunda-feira.
Fernanda: Cris, você acha que o seu projeto vai ao encontro de quais
necessidades destes indivíduos envelhecidos?
E01: Atende todas, todas... Eu tô tentando ser humilde em escolher uma ou outra
mas, na verdade, são todas, desde a necessidade social de existência, então na
sociedade.
Da dificuldade cognitiva, ele ajuda extremamente, porque uma coisa é você tomar o
remédio pro Alzheimer – porque ninguém tá descartando a medicação – porque uma
coisa é você tomar seu remédio, dar o remédio pro idoso e deixar ele com uma
televisão ligada o dia inteiro e uma coisa é você fazer a intervenção medicamentosa
140
e você dar estímulos cognitivos; o efeito é outro, você potencializa a medicação
quando você faz isso.
Eu tô propondo uma intervenção não medicamentosa pra tratar o Alzheimer porque
o Alzheimer não tem cura, mas ele tem tratamento. Então, o que eu proponho é isso,
ele tá ali trabalhando e, quanto mais a gente estimula, maior a chance que a gente
tem de brecar a doença. Isso é provado. O estimulo cognitivo pela arte junto com a
medicação é um casamento perfeito.
A condição social, a condição física, eles tem as dificuldades do ir e vir, o Mube é
um museu acessível, então eu consigo receber esses idosos e uma coisa que é
muito legal é que tem acessibilidade que é uma coisa que não se fala muito, mas é
uma acessibilidade de pensamento. Às vezes tem exposições que elas são muito
barulhentas e tem umas coisas que atordoam os idosos e eu consigo lá no Mube
falar: “Não, não liga... desliga isso.”. Eu sei que a arte moderna, a gente fala, tem de
tudo e às vezes eu sei que aquilo vai atordoar e não vai. Então eu peço para os
monitores desligarem quando eu tô com os idosos, então eu consigo respeitar a
condição dele.
E o que é importante, Fernanda, quando a gente trabalha com idosos com demência,
a gente poder olhar o sujeito além da patologia e tem um sujeito histórico, ali tem
alguém que viveu uma vida e que tem uma história que precisa ser respeitada.
Então não adianta dizer pra mim: “Ah, ela não sabe mais quem ela é.” Mas eu tenho
que respeitar aquela pessoa que tá ali, que existiu, mas ela existe porque o pessoal
fala: “Existiu, mas não existe mais”. Não, a essência daquela pessoa tá ali, em algum
lugar ela está, então se eu respeito aquela pessoa. É um respeito que tem que ir
além da doença, ali eu tô dando condições de existência,
Até a coisa da família, o acolhimento da família que a gente acaba acolhendo nas
conversas que a gente tem com os cuidadores que vão levar; eles mesmo, eles ficam
numa sala ao lado, no momento do fazer artístico a gente não quer cuidador perto,
eles tem que ser eles ali.
Eles têm que tá perto pra se precisar ir no banheiro ou qualquer coisa, porque são
idosos que podem se perder ali, então os cuidadores ficam numa sala ao lado e é
interessante como, entre eles, eles também desenvolvem um grupo de apoio, sabe?
É muito legal de ver. O ideal seria que tivesse uma arte terapia para o cuidador
enquanto tivesse, mas ainda não consegui chegar ai.
141
Mas é assim, então é assim, a gente atinge diversos níveis. Eu fico meio assim de
falar, mas atinge todos estas necessidades, é um cuidar muito amplo que a gente
oferece através da arte.
Fernanda: Você acha que o que você fez foi inovador? O Faça Memórias inova?
Por quê?
E01: Eu pesquisei no Brasil e não encontrei nada, pra idoso com demência, nada,
nada, nada... Só o MoMA em Nova York. Foi um projeto inovador com certeza e isso
é triste. É triste porque já aconteceu de eu mostrar esse projeto pra outros lugares e
eu ouvir: “Olha, nós não temos interesse nesses idosos, eu quero idoso ativo”.
Porque é muito lindo a gente mostrar idoso tatuado que pula de paraquedas, então
assim a mídia tá querendo fazer a gente engolir este tipo de velhice e ela descarta...
Quando ela valoriza um tipo de velhice, ela tá descartando todos os outros.
Outra coisa, o interessante da velhice quando a gente entra na gerontologia é o que
encanta é essa multiplicidade, então eu não posso só favorecer o cara que... a
velhice ativa. Pra mim, os meus velhos do Faça Memórias são ativos.
Eles estão ali com uma doença que não favorece eles, mas estão vivendo a vida
deles. São pessoas que elas têm a sorte de ter filhos esclarecidos porque a gente,
na verdade, a gente conta com esses acompanhamentos, porque eles que tem que
ter o entendimento e saber que precisa expor as pessoas na vida e não tirar de cena.
Porque é muito comum tirar seu pai de cena, tirar sua mãe de cena porque ela fala
besteira... Então assim... tira de cena que é melhor. A gente conta com filhos e filhas
que são diferenciados, que entendem a arte como uma intervenção. E eles vão e
levam.
Essa senhora que eu falei que saí recortando tudo, a filha dela é assim sensacional,
uma filha daquelas, ela faz a diferença na vida do idoso, porque essa filha leva a
mãe pra participar da vida. Outro dia, a gente foi numa ópera de um maestro cuja
mãe vem no Faça Memórias e ele deu entradas pra gente. Estava ela lá com a mãe.
Você imagina, a mãe com Alzheimer já avançado, mas assistindo a ópera. E aí você
fala: “Ah, mas será que ela fica confusa?”. Não, ela tava tão feliz de estar ali
participando. Então, assim, é não tirar de cena, é você não esconder. Não é
vergonha, gente; eles têm uma doença, ninguém pede pra ter isso.
142
A gente vive num pais que a maioria das pessoas fala: “Ah, não fala Alzheimer”; e,
assim, é uma doença, gente, que ela pode dar em qualquer um, infelizmente.
Fernanda: E se a gente não aceita, a gente não transforma, né, Cris?
Não transforma. E, Fernanda, tem uma coisa nessas velhices que não são velhices
sedutoras. Então é muito mais fácil eu tirar da minha frente o que eu não quero pra
mim e, às vezes, a gente faz isso inconsciente, como no Ateliê de arte e inclusão
que eu lido com as pessoas com deficiência.
Na verdade, eu tive uma escola poderosa na reabilitação que foi minha professora
Ana Alice Francisquete e ela foi a percursora da arte terapia na reabilitação; foi com
ela que eu aprendi tudo. E eu me lembro que, quando eu trabalhava com ela, ela
chegava e falava assim: “Cris, vai chegar alguém da clínica e eu quero que você
controle o seu olhar”. Porque as vezes você fica “Nossa...”, sabe? Por curiosidade,
porque é muito diferente; e ela falava isso.
Quando a pessoa chegava, eu fui muito treinada a receber estas diferentes, estas
diferenças todas de uma maneira muito próxima, e é isso que a gente tem que fazer:
a gente tem que expor essas pessoas, incluir essas pessoas... Eu não tô trabalhando
pra deixar elas num cantinho, eu quero a inclusão mesmo. Quero que as pessoas
vivam com esses idosos pra saber lidar com isso, né, de uma forma natural, porque
é natural, é uma velhice que acontece.
Acho que eu tô fazendo a minha parte sabe, Fernanda? Eu abro as portas pra eles
e eu acho bacana o museu, porque o museu, quando ele opta por receber esses
idosos, ele rá fazendo claramente a opção pela vida e não pela doença. Eu acho que
é isso que os outros museus ainda não entendem, ou assim, às vezes, não entendem
e não querem e às vezes não tem equipe pra isso, porque é diferente. Você precisa
estudar o tema pra você poder se aventurar nisso.
Então assim, você não pode pegar qualquer monitor de arte e falar pra ele trabalhar
com idoso com demência. São anos de estrada pra eu poder estar aqui, é um
caminhar que a gente tem que ir dando, passo a passo; mas acho que é importante
a gente dar o primeiro passo, porque senão nunca muda nada. Eu fico feliz que a
gente está fazendo uma pequeníssima parte, mas eu tô tentando.
Fernanda: E você acha que esta inciativa pode ser replicada por outros?
143
E01: Ela não só pode como deveria urgentemente ser replicada e o que eu puder
ajudar para replica-la, eu ajudarei com muito gosto, porque pela experiência que eu
tenho, pela vivência que eu já tenho, talvez eu possa ajudar a dar dicas a replicar
porque precisa mesmo. Onde já se viu, um pais como o nosso, com tantos idosos
que envelhecem, tantos idosos com demência e, até onde eu sei, é só o Mube que
recebe esses idosos, cadê as atividades sociais pra esse grupo de pessoas? Cadê?
Por que que não tem?
Aí, Fernanda, tem uma triste realidade que eu pude perceber na época da captação,
na verdade teve um captador de recursos e tal... mas isso ficou claro e é muito triste.
Aliás, eu nem gosto de falar nisso mas eu preciso te dizer já que você tá pesquisando
isso: as empresas não querem ligar o nome a idoso com demência!
Fernanda: Que coisa!
E01: É triste... é triste eu falar pra você que a empresa que doou pro Faça Memórias
na época do ProAC não quis aparecer, ela falou que podíamos usar o dinheiro e
fazer o nosso projeto, mas não era pra botar o nome dela! É triste, mais do que
loucura é uma grande tristeza!
Assim, é uma coisa que eu não posso nem falar que me dá vontade de chorar,
acredita? Porque eu acho desumano, porque as vezes a gente vai toda belizenha
mostrar um projeto lindo como é esse e é isso que a gente escuta.
Para longevidade as pessoas estão começando a ver que ali pode ter algum lucro,
agora idoso com demência é complicado.
Eu tenho um amigo da gerontologia Willians Fiore; Willians ele é um cara fantástico
e ele se refere aos idosos, quando eles não têm a doença ele fala os idosos
“cremosos e cheirosos”. [risos]
Então assim, os idosos com demências pras empresas não são idosos cremosos e
cheirosos [risos]... Então é assim, é a verdade, Fernanda; é difícil, mas é a verdade.
Não querem se envolver, não querem seus nomes vinculados a esta velhice. Eu juro
por Deus eu tenho vontade de pegar na jugular de quem fala essas coisas, eu fico
muito triste.
Quando a gente teve o ProAC, eu não posso falar o nome da empresa porque seria
antiético, mas pessoa queria a contra partida pra criança e eu falei: “Pra criança eu
não faço, meu trabalho é com idoso”. No fim não rolou a contrapartida, então só pra
144
você ver o nível de loucura que as empresas chegam. Elas querem amarrar o nome
com coisas bonitinhas... como se não fosse bonito o que o Faça Memórias faz. Nossa
você dar existência a essas pessoas que estão se perdendo em meio a uma doença
que é terrível, dar a condição de ela existir.
Agora eu não sei o que fazer, eu tenho muita dificuldade dessa coisa infelizmente,
se eu fosse uma melhor vendedora talvez o Faça Memórias atingisse mais pessoas,
mas pra mim é muito difícil lidar com isso, eu acho que é muito estranho. Precisavam
todos de uma Ana Alice Francisquete que fale: “Controle o olhar, olhe com
igualdade”. Acho que é isso que o pessoal das empresas precisava, e elas não saem
desse mundo de faz de conta... Ah, é uma loucura... Eu tenho sérios problemas com
isso.
Espero que você com seu trabalho, com sua pesquisa consiga dar uma chacoalhada
nessa turma. Precisa viu, Fernanda? Eles estão precisando urgente de uma
chacoalhada.
Fernanda: Hoje a sustentabilidade financeira da sua iniciativa, os recursos vêm
todos do recebimento dos cursos?
E01: Exatamente, os familiares que pagam; o Museu recebe e eu recebo. Na
verdade, é assim: eu recebo como RPA [Recibo de Pagamento Autônomo] e o Faça
Memórias em Casa tem um [registro de] MEI [Microempreendedor Individual]. Eu tô
pra abrir uma empresa, eu quero primeiro acontecendo... O Faça Memórias em Casa
é uma coisa recente, comecei agora em abril; estou começando as parcerias agora,
inclusive kits em atividade artística pra idosos com demência em grupos. Percebo
que tem muitos voluntários que vai nos lugares fazer uma atividade e não sabe o
que fazer.
Então aí que acontece de dar a Galinha Pintadinha pra ele pintar. Então, pelo amor
de Deus, eu tô preparando um kit pra trabalhar com grupo de idosos, eu quero
trabalhar com coisas interessantes, porque não existe isso no mercado.
A minha ideia é isso tudo, mas, enquanto isso não acontece, eu ainda não abri a
empresa.
Fernanda: Eu ia perguntar quais são seus planos para futuro, sua visão?
E01: Meus planos é realmente fazer o Faça Memórias em Casa decolar. Eu gostaria
muito, eu ia me realizar demais, porque às vezes é muito frustrante você ter uma
145
coisa tão linda na sua mão – e eu sei que eu tenho, sem modéstia nenhuma – e ela
atinge tão pouca gente.
Então assim, a ideia do Faça Memórias em Casa é uma ideia que eu tenho já há
algum tempo, eu parei por causa do mestrado. Quando a gente faz mestrado não
consegue fazer mais nada; então assim, ou eu fazia o mestrado ou eu pensava este
projeto.
Quando o mestrado terminou, eu falei que agora queria fazer isso acontecer,
inclusive porque me estruturei, estruturei tudo dentro da minha dissertação, ficou
tudo tão fechado na minha cabeça: o que eu queria e pra onde eu tinha que ir.
O Faça Memórias em Casa é meu plano pro futuro, pra poder atingir mais, um
número maior de pessoas... Por que deve ser, como foi o ProAC quando eu trabalhei
com 38 idosos. É muito gratificante você perceber uma ideia sua, uma proposta sua,
que você sabe que vai engrandecer, aquela pessoa atingindo mais gente.
Meus esforços estão pro Faça Memórias em Casa e, claro, sempre pensando em
possibilidades de expandir o Faça Memórias.
Fernanda: Cris é muito lindo, bastante transformador. Muitíssimo obrigada. Eu
acho que seu projeto une duas coisas que a gente valoriza muito pouco no
Brasil que é a velhice e a arte e história.
147
APÊNDICE C
Transcrição entrevista 02 - Negócio de Impacto Social voltado para
recolocação profissional e desenvolvimento dos 50 +
Fernanda: Obrigada por me receber, Morris! Em primeiro lugar, quero te
perguntar: qual a missão do seu negócio?
E02: A Maturijobs é uma plataforma de trabalho e desenvolvimento para pessoas
acima de 50 anos. Ela começou focada no trabalho, não só emprego, nunca foi só
emprego nosso foco. A gente também traz outras formas de trabalho para os nossos
usuários, desde trabalho voluntario até freelancer, consultoria, trabalho meio
período... a gente fala de empreendedorismo também e por aí vai. É trabalho.
E a questão de desenvolvimento foi uma demanda que foi surgindo naturalmente de
nossos cadastrados por orientação, atualização e reinvenção também, porque eles
chegam nesta fase que está perdido e, às vezes, o que fazia antes ou não quer fazer
mais ou não se faz mais da mesma forma. Estas pessoas precisam se reinventar e,
principalmente, se adaptar a tecnologia.
Muita gente vai pro empreendedorismo nesta idade, nesta fase, porque se recolocar
é muito difícil. Então a gente tem feito palestras sobre vários temas, desde falar sobre
economia compartilhada, empreendedorismo e de orientação de currículo também.
No começo, eu não pensava nisso, surgiu naturalmente, mas hoje já tá, desde o
meio do ano passado, já fazendo isso e até autoconhecimento, como eu falei.
A missão da Maturijobs é ser realmente uma referência pra as pessoas acima de 50
anos encontrarem, terem um lugar onde possa ser uma fonte de recursos pra se
desenvolver e pra encontrar trabalho, então faz parte disso o networking. Então, a
gente, além de promover eventos presenciais, a gente tem uma comunidade online
que faz com que estas pessoas se conheçam, troquem experiências, debatam entre
si. Primeiro, para verem que não estão sozinhas nesta situação, muitas vezes difícil,
né, de estar fora do mercado e também de eventualmente estarem fazendo projetos
juntos e enfim.
Então, o networking acaba sendo um pilar também que a gente foca bastante, nossa
comunidade virtual hoje é um grupo no Facebook, chama-se Comunidade
148
Maturijobs, já tem quase oito mil pessoas que estão lá diariamente debatendo
assuntos, é um grupo aberto.
E a gente, pelo menos por enquanto, por aqui em São Paulo, sempre costuma fazer
eventos pra também estimular a interação entre eles e aí a gente faz tanto eventos
gratuitos como palestras e workshops e também cursos pagos.
A gente acabou de começar a turma de um curso que chama Life Design que é um
curso de autoconhecimento, é quase que um coaching em grupo para pessoas que
estão mais perdias poderem entender o que que elas querem fazer, o que que
realmente gostam, pra saírem com um plano de ação mais concreto assim.
Fernanda: Acho que neste ponto as pessoas sabem o que elas não querem
fazer, mas o que querem fazer elas não sabem.
E02: É, e tem muita gente que fala: “Eu tô perdido, eu tenho um monte de
experiência, mas eu não sei o que fazer”. E é engraçado que muita gente começa
neste curso pensando em procurar emprego ou procurando emprego e sai do curso
pensando em empreender e fazer várias outras coisas, ser autônomo.
Fernanda: Seu negócio atende a quais demandas destes indivíduos mais
velhos?
E02: É super comum, acontece cada vez mais, a pessoa fica 30 anos na empresa e
quando sai fica perdido, isso é super comum e as pessoas não se preparam pra isso.
Então, principalmente os homens, os homens acabam sofrendo mais, porque a
mulher, até por uma questão de maternidade e tal, ela tem mais facilidade de se abrir
pra outras possibilidades, de ir procurar novas alternativas e tal... Os homens não. A
gente vê que, quando a gente faz evento presencial, 70 ou 80% é feminino o público.
Estes cursos de alto conhecimento também são muito difícil de levar homens e,
quando eles vão, a gente vê que eles aproveitam muito.
A gente percebe que as mulheres também estão perdidas, mas o homem,
principalmente esta geração, tem uma questão de orgulho maior. Normalmente, o
homem se aposenta com um cargo alto, às vezes mais alto do que as mulheres em
média, perde status, o que acaba sendo, ele ficou muitos anos na empresa e o nome
da empresa acaba quase que virando o sobrenome dele.
Então ele não sabe o que que é não ter isso: “O Fulano de não sei aonde”, e ficar
em casa o dia inteiro. Tanto que a gente vê muitos casos de divórcio na
149
aposentadoria, porque o marido e mulher não sabem o que é ficarem juntos na
mesma casa o dia inteiro [risos]. Eles brigam, é interessante isso.
Fernanda: Como nasceu a ideia?
E02: Bom, é... eu comecei a me interessar pelo assunto em 2011, quando eu fiz um
trabalho voluntário, que num... nesta época ainda se falava asilo, que é um, não sei
se você conhece, chama-se Lar Santana e ele pertence a uma ONG que chama Liga
Solidária.
Fernanda: Conheço a Liga solidária.
E02: E aí a Liga Solidária tem várias frentes que eles atuam e esse asilo lá ele é
pago, bem pago, ele é caro e fica na Vila Madalena e ele é um provedor de recursos
pra instituição, entendeu?
Mas mesmo assim tem voluntários lá e, como eu morava perto, eu acabei indo pra
lá meio que sem querer assim, porque eu tinha vontade de fazer trabalho voluntário
e aí encontrei esta organização que é antiga, super séria e realmente muito boa e,
quando eu fui começar, a pessoa que me atendeu lá perguntou: “ E aí , o que que
você quer fazer?”. Eu falei: “Ah, eu não sei, trabalhar com criança”.
Isso é algo que a gente pensa mais automaticamente, aí ela falou: “Olha, a gente
tem coisas com criança, só que fica longe, por onde você mora tem esse, essa casa
onde os idosos moram que talvez seja uma boa você conhecer, porque você vai ter
que se comprometer e tal”. Então... aí fui e adorei, gostei muito, porque é um lugar
muito bom assim, como eu falei, é pago, então as pessoas que tão lá é... tão bem,
são pessoas cultas, tem um certo nível de independência ainda, então dava pra
conversar muito com eles.
A princípio, eu ia lá muito ajudar a mexer no computador, internet e estas coisas,
mas eu conversava muito com eles; então ouvia histórias de vida incríveis, muitos
eram imigrantes. Só que quando eu ia lá aos sábados, que eles não tinham tantas
atividades quanto durante a semana, então ficavam praticamente o dia todo vendo
TV, e era pra receber visita de família e poucos recebiam visitas da família de fato.
Então eu comecei a ficar sensibilizado com isso de eles terem uma super
experiência, histórias incríveis e não passaram isso pra frente. Isso foi entre 2011 e
2012.
150
Aí, em 2012, a empresa que eu trabalhava com meu pai foi vendida, a gente
trabalhava com tecnologia. Ainda fiquei lá mais alguns anos, mas aí já comecei a
pensar o que que eu ia fazer quando saísse de lá e já tava buscando alguma coisa
que fizesse mais sentido, que não fosse só pelo dinheiro. Alguma coisa com
propósito. Aí que eu conheci este mundo de NS, empreendedorismo social que até
então eu não conhecia, me apaixonei pela ideia de trabalhar.
Em 2013, eu já imaginei que eu ia sair de fato da empresa, porque, apesar que eu
continuei lá por mais um tempo, justamente depois desta venda que começou um
clima mais corporativo, de competição, de pressão, resultado a qualquer custo e eu
vi que não era isso que eu queria pra mim, uma coisa só visando lucro. E aí, neste
mesmo, 2013, faleceu minha avó paterna.
Ela foi uma das grandes inspirações, porque ela trabalhou até os 82 anos, era
superativa assim, fazia trabalhos voluntários, ajudava a família e assim... nesta idade
ela trabalhava numa importadora, ela atravessava a cidade de ônibus sozinha e fazia
traduções, era secretaria lá, principalmente traduções ela fazia. Um dia, indo pro
trabalho ela caiu na calçada, se machucou e resolveu parar de trabalhar.
Fernanda: E você acha que ela ter trabalhado até esta idade ajudou a manter
ela ativa?
E02: Com certeza! Então, porque ela tava super bem até então, aí quando ela parou
de trabalhar e foi uma coisa que não foi planejada e ela passou assim, de um dia pro
outro, a ficar em casa e sem fazer nada; de um dia pro outro a saúde dela declinou
muito rápido. Ela desenvolveu Alzheimer. Então ela faleceu com 91 anos em 2013,
então, tudo bem levaram nove anos este processo, mas mesmo assim a saúde dela
se deteriorou muito rápido. Então, isso foi uma coisa que eu acompanhei e também
e quando ela faleceu eu refleti muito sobre isso.
Tem muitos que nestas quedas, ela não chegou a quebrar fêmur, estas coisas, mas
ela machucou o rosto e tal e resolveu parar, porque não precisava mais trabalhar e
enfim...
Em 2014, eu vi um projeto do CNA, não sei se você conheceu, que chama-se Pick
Exchange. Eles colocaram jovens da escola de inglês aqui pra conversar com idosos
que moravam num asilo nos Estados Unidos pra praticar o inglês e este projeto nesta
época bombou. Começo de 2014, eles ganharam prêmios em Cannes, porque foi
uma coisa muito humana, intergeracional, super legal e eles fizeram um vídeo bem
151
emocionante das conversas; é bem legal, vale a pena buscar. Só que parou , não
sei por que não continuou.
E, quando eu vi isso, eu tive um insight, eu falei: “Poxa, eu podia fazer alguma coisa
parecida com essa”. Mas, pensando no trabalho voluntário que eu tinha feito no asilo
pra colocar jovens em contato com idosos via internet, por Skype. Porque quando eu
fazia trabalho voluntário lá muitos amigos meus falavam que tinham vontade de fazer
isso, mas não tinham tempo. Então, aí eu tive essa ideia, essa vontade de fazer isso
e aí que eu fiz meu primeiro projeto no Social Good Brasil, foi em 2014, no Lab, que
é o programa deles que ajuda projetos de impacto social que usam tecnologia a tirar
a ideia do papel, então, primeiramente, era só uma ideia.
Então, neste programa, eu comecei a testar esta ideia e lá com todas as
metodologias que eu passei a conhecer de design thinking, startups, Canvas e etc.,
comecei a testar esta ideia e foi super legal assim, coloquei um monte de amigos
meus e outras pessoas pra conversar com estas pessoas, não só do Lar Santana,
mas de outros lugares também via Skype e foi incrível, as conversas foram super
boas e duravam bastante, rolava uma empatia.
Eu lembro de um caso especifico de um senhor lá do Lar Santana que a psicóloga
lá falou: “Ah, ele nunca fala sobre a ex-mulher dele”. E aí ele conversou com uma
amiga minha que é coaching, isto é bem sensível, e com ela ele conversou sobre a
ex-mulher dele abertamente.
Então deu pra ver que tinha um resultado, só que este projeto se chamava
Conectando Gerações, que a ideia era justamente esta. Só que eu não consegui
fazer com que este projeto fosse alguma coisa, que fosse financeiramente viável,
que fosse um negócio social.
Aí ele não foi pra frente, mas foi através dele que eu entrei de cabeça nesse mundo,
comecei a ir em eventos sobre envelhecimento e longevidade, comecei a realmente
estudar o assunto.
Foi quando eu resolvi abraçar esta causa, aí que eu entendi que o Brasil esta
envelhecendo e pouca gente estava olhando pra isso. Comecei então a participar de
grupos e eventos e esse projeto, mesmo não dando certo, eu resolvi que eu ia
empreender nesta área.
E aí, no começo de 2015, foi quando eu saí definitivamente da outra empresa e aí
por, nestes eventos que eu ia, comecei a perceber que a questão de trabalho era um
152
assunto cada vez mais recorrente, principalmente por causa da falta de
oportunidades que estas pessoas tinham. Porque aí também tava no auge da crise,
quando estourou a crise econômica e as pessoas estavam mais sendo mandada
embora do que sendo contratadas. E os primeiros que estavam sendo mandados
embora são os mais velhos, porque são os que estão há mais tempo e são mais
caros.
Percebi que era um problema que era grande e só tendia a aumentar e então
conversei com muita gente, com essas pessoas pra entender a dor deles. Conversei
com pessoas de RH [Recursos Humanos] de empresas pra entender porque que
contratavam ou porque que não contratavam.
Foi assim que começou a Maturijobs, quando eu vi que esta questão de trabalho era
uma oportunidade de negócio, porque ninguém estava olhando pra isso, não achei
nada sendo feito; e de impacto, porque geri um problema grande de trabalho.
Fernanda: E como sua empresa gera a transformação desejada na sociedade?
E02: Eu não tinha formatado muito na minha cabeça qual seria a solução pra isso,
mais identifiquei um problema e fui atrás pra entender o problema, entender a dor
das pessoas e comecei. Fiz a primeira página bem simples, me propus a ajudar as
pessoas acima de cinquenta anos a se recolocarem, sem dizer como... pra ver se ia
haver interesse das pessoas em participar disso.
Logo de cara bombou, muita gente interessada, a gente começou a receber
mensagens de pessoas falando: “Ah, agora eu tenho esperança”, este tipo de coisa.
153
Fernanda: E como seu negócio se financia? Como é a sustentabilidade
financeira?
E02: Foram recursos próprios, até hoje. Agora eu tenho uma sócia também, a
Stephanie, que ela até ia estar aqui, mas ela não conseguiu vir hoje; mas ela entrou
no final do ano passado. Começou a trabalhar comigo no final do ano passado,
entrou na sociedade mesmo no começo deste ano.
Então os recursos são todos próprios, a gente tá com, conversando com possíveis
investidores, a gente tá passando por plano de aceleração e tal, mas, como a gente
ainda tá validando o modelo de negócio que vai ser escalável mais pra longo prazo
e com receita recorrente, a gente tá agora focando em achar este modelo, porque a
gente ficou um bom tempo sem cobrar nada de ninguém.
Até setembro, outubro de 2016, ninguém precisava pagar nada, hoje em dia os
usuários dos 50 + não pagam nada, mas as empresas também podem colocar as
vagas de graça, mas para as empresas a gente oferece outros serviços, se ela quiser
que a vaga dela tenha destaque, mais divulgação, ou se ela quiser uma ajuda na
seleção das pessoas, é... enfim, uma triagem, a gente ainda dá uma consultoria,
porque tem empresas que falam: “Ah quero fazer um programa de contratação de
50+, mas eu não sei como integrar estas pessoas, como contratar estas pessoas.”
Então, tem toda uma questão de integração intergeracional dentro das equipes,
porque tem que saber aproveitar este profissional porque senão... A gente tem
parceiros que são mais especialistas em questões mais específicas, estudiosos e tal
que ajudam a gente nestas coisas de consultoria.
O profissional sabe que nesta fase ele vai ganhar menos do que ganhava, quase
sempre tem um downgrade de função, de salário e a gente tem muito mais vagas de
trabalho operacional do que gerencial na Maturijobs. Justamente por isso que esta
questão da integração intergeracional é muito importante, porque, às vezes, muitas
vezes, as pessoas de 50 anos + vão ter chefes de 30, 40 no máximo, então isso é
difícil pros dois. Tem barreiras que precisam ser quebradas dos dois lados.
Os 50+ muitas vezes eles têm questões de, por ele achar que, por ele ter mais
experiência, ele sabe tudo, pra ele é mais difícil às vezes ter um chefe da idade do
filho dele e tal e vice e versa. O mais novo tem que saber que o mais velho não é
obsoleto, ele também tem coisas, vivencia e enfim... Então a gente fala para as
empresas que não é só contratar, não é tão simples assim.
154
É preciso gerir isso, porque senão é bem provável que não dê certo, a gente tem
cases que deram certo e os que não deram. A gente tenta monitorar, dentro do
possível, como estão indo as contratações. Nem todos a gente fica sabendo, a partir
do momento que eles têm contato direto, né.
A Maturijobs é um site que tem vagas de trabalho de todos os tipos para as pessoas
acima de 50 anos e conteúdo de desenvolvimento, a gente não é uma empresa de
RH, uma agência de emprego. A gente tem casos pontuais onde a gente faz a
seleção pra empresa. Normalmente a empresa ela abre a vaga e vai receber os
currículos direto pra ela fazer a seleção, são poucos os que a gente faz isso pra
empresa.
Então a gente foca em diferenciais: primeiro, foco exclusivo dos 50 +; e esta questão
de comunidade e desenvolvimento, pensando em desenvolvimento também focado
pra profissionais maduros. Nós temos especialistas em todas as áreas de
conhecimento, de tecnologia, de empreendedorismo, que a gente desenvolve junto
com eles o conteúdo voltado para pessoas mais maduras.
Aí a gente tem cursos pagos, de vez em quando a gente tem palestras gratuitas
também; algumas são online, outras presenciais.
Fernanda: Então, em termos de recursos financeiros vocês estão encontrando
um balanceamento?
E02: Então... hoje em dia o negócio ele se paga, ele não dá lucro, mas a operação
se paga, mas a gente...
A Maturijobs hoje são cinco pessoas, eu, minha sócia e mais três; e destes três, que
seriam os funcionários, dois são matures, são 50+, que é a Judith que tem 58 anos
e o Antônio com 59, e eles trabalham meio período pra gente. A Judith faz home
office, o Antônio vem de manhã.
Por enquanto a gente ainda não tem lucro nem pra retirar e nem pra investir [risos]...
A ideia é ser uma empresa democrática e onde parte do lucro a gente reinvista e
outra parte a gente distribua entre sócios. Enfim, a gente tá passando agora por um
aceleração da Yunus Negócios Sociais, eles tem uma aceleradora, mas a gente,
enquanto esta passando pela aceleração, a gente não tem que estar dentro desta
tese da Yunus, não é nosso objetivo.
155
Hoje assim, eu e minha sócia, a gente não tira dinheiro nenhum, então a gente ainda
investe no sentido de que pra eu me manter. Eu tenho minha reserva, mas a
operação pelo menos já se paga.
Fernanda: A Maturijobs inova? Como?
E02: Sim, com certeza. Primeiro porque a gente criou a Maturijobs porque não existia
nenhum site ou empresa que focasse exclusivamente no público acima de 50 anos
pra ajudar estas pessoas a encontrarem trabalho e a gente faz isso de uma forma...
usando a tecnologia pra poder ser escalável; então a gente tem usuários no Brasil
inteiro e acho que praticamente todos os estados.
A gente tem hoje mais de 48 mil pessoas cadastradas no site, sendo que 60% é São
Paulo, depois 15%, Rio [de Janeiro] e depois outros estados. Então a gente foca em
São Paulo por estar aqui presencialmente, então nossos eventos a gente acaba
fazendo aqui, mas a divulgação ela não tem limite geográfico.
As vagas a grande maioria é São Paulo, mas a gente já teve vagas em vários outros
estados e cidades, então a gente não limita, né. A gente só não faz ainda muito
esforço pra atuar em outras regiões. Isso acaba acontecendo naturalmente, até
porque a gente tem estado muito na mídia, essa questão da reforma da previdência
de certa forma trouxe esse assunto pro debate.
A mídia acabou chegando naturalmente em nós e aí saiu na Globo, em vários jornais,
revistas e tal e isso ajudou muito dar uma visibilidade nacional pra Maturijobs e
crescer essa base de dados no nosso arquivo foi toda orgânica.
Fernanda: A própria ferramenta de vocês, que é uma base tecnológica
possibilita esta questão da escala.
E02: Eu acho que Maturijobs é um serviço, não sei se é uma nova forma de atender,
mas o fato que termos o foco exclusivo nos 50 + é uma nova forma de, é... uma nova
forma que não existia, isto é novo. A forma como ele funciona até aí não é nada de
muito novo, as pessoas se candidatam pras vagas, mandam currículo e tem a parte
de desenvolvimento também, que outras empresas fazem.
Em relação a focar só neste público, isto é um fato, mas não dá pra dizer que é uma
forma nova de fazer alguma coisa, só o segmento; então é um novo tipo de serviço.
156
A gente existe pra suprir uma falha, porque a gente viu que tinha muita gente que
tinha essa dor, está dificuldade e ninguém estava atendendo.
Nós temos um potencial de escala global. Hoje estamos no Brasil, mas a gente
pretende atuar globalmente; até porque a gente já pesquisou muito fora do Brasil
também e não achamos nenhum player internacional que tenha se destacado
fazendo isso. Nós vimos iniciativas nos Estados Unidos, na Europa, no Japão que
funcionam localmente e a gente vê que tem um potencial global. A gente tem
recebido muito contato de Portugal, de pessoas querendo levar a Maturijobs pra lá,
o que seria muito fácil de fazer, a gente só não fez por uma questão de foco.
É estranho de pensar, por um lado é estranho e por outro lado a gente entende,
porque o Brasil já está envelhecendo, a gente já está neste processo, não é uma
coisa nova; logo, logo o Brasil vai ser um país envelhecido, mas, diferente dos países
ricos que o processo de envelhecimento aconteceu quando o pais já estava
enriquecendo. Então, a Europa, primeiro eles enriqueceram pra depois envelhecer;
já o Brasil não, continua sendo um país pobre e tá envelhecendo.
E o Brasil tem muitos problemas estruturais pra resolver, inclusive com jovens. Então
isso não era prioridade hoje, mas daqui a dez ou vinte anos o Brasil vai ser um pais
de velhos e vai vir como um... O [médico especialista em envelhecimento e
longevidade Alexandre] Kalache que fala que vai ser um tsunami na sociedade
brasileira, porque acho que vai ser um dos países com mais idoso no mundo logo,
logo. Então realmente é incrível que tem pouca gente que tá olhando pra isso, na
Academia, no Governo e nas empresas.
Nós estamos chegando a 49 mil pessoas cadastradas, número de pessoas
impactadas é muito maior. A grande maioria dos usuários estão entre 50 e 60 anos,
só 30% já está aposentado. São pessoas que estão desesperadas porque não tão
aposentadas, não tão empregadas, 80% da nossa base não esta empregada. Muitos
destes não tem uma outra fonte de renda; estão superativos, tem muita experiência,
mas não conseguem se recolocar. A questão econômica atrapalha além da questão
da idade.
A gente estima hoje mais ou menos 200 recolocações profissionais feitas
diretamente pela Maturijobs. Por que diretamente? Porque a gente sabe de pessoas
que se recolocaram depois de fazer nossos cursos, de assistir palestras, pessoas
que empreenderam e aí não foi uma recolocação direta de vagas da Maturijobs.
157
A gente já teve... estes números que eu tô falando de vagas, de recolocações e de
empresas ele é de um pouco mais de um ano, começou em 2015, mas a plataforma
online a gente colocou no ar em maio de 2016, que aí que começou isso de forma
mais sistematizada. Então a gente tem cerca de 540 empresas, organizações como
um todo, porque tem até ONGs também.
São 540 empresas que já publicaram vagas na Maturijobs, organizações porque
também não foram só empresas, e aí, é isso. Desde então, as vagas vão vencendo,
as empresa colocam vagas novas pra pessoas e pronto.
A gente recebeu... Ano passado, a gente participou do SGB Camp, que é, ele é pra
negócios que já existem, então diferente do Lab que é pra ideias, Camp é pra
negócios que já existam, mas que esteja num estagio em crescimento, tem muito a
ver com estágio que a gente tá. Aí a gente participou deste programa que é um
programa, tem duração de quatro dias com dez empresas, etc. e a Maturijobs foi
vencedora, recebemos o prêmio de R$ 10.000,00 e foi, tinha uma mesa de jurados
de várias organizações sociais, aceleradores, investidores e etc. que escolheram a
Maturijobs. Aí, a partir daí, a gente foi convidado pela Yunus pra participar da
aceleração deles.
Fernanda: Quais os objetivos da Maturijobs para o futuro?
E02: Que seja um grande negócio de impacto social, se transformando numa
multinacional, ajudando pessoas acima de 50 anos a se manterem atualizadas,
conectadas e encontrando possibilidades de renda e ocupação ao redor do mundo,
com inovação juntando tecnologia e presença offline.
159
APÊNDICE D
Transcrição entrevista 03 - Negócio de Impacto Social voltado para fomentação
do debate sobre o cuidador familiar e os custos do cuidado
Fernanda: Marta é um prazer falar com você, obrigada por me atender! Marta,
seu negócio é um dos mais conhecidos nesta área de impacto social para
longevidade. Como nasceu a ideia?
E03: Eu me deparei pessoalmente com este exemplo, né, da minha babá que ficou
lá em casa, né, e que poderia ter tido um final de vida muito muito indigno se não
tivesse laços de afeto comigo; porque nada que eu faço eu faço por
responsabilidade, eu faço por afeto e também por meu pai ter me deixado alguma
possibilidade financeira de fazer isso, porque sou professora federal aposentada.
Então, pra eu cuidar dela, eu teria que descuidar de mim e passar a conta adiante
pras minhas filhas.
Então eu focava nisso aí e neste aspecto do, eu tinha esta pergunta: Como é que
vai ser quando eu envelhecer e não tiver estas condições que Nenê [a babá] tem? E
aí é um mundo rico pra negócios de impacto social.
Como minha formação é toda em tecnologia, nada em negócio, minha formação é
em tecnologia e eu, sei lá... Fiz MBA na área de negócios e tudo, mas eu não sou
aquela pessoa que o sonho da vida é ter um negócio, entendeu? Não era por aí. Eu
até ensaiei, porque, eu digo, alguém tem que começar a fazer alguma coisa com
impacto social.
Minha primeira ideia foi fazer aquele guia do Mundo Prateado, que fosse uma
espécie de trip adviser do mundo do cuidado, para atender a necessidade do
cuidador familiar, que é a pessoa mais solitária nessa arena de dificuldades da
velhice.
A ideia do Mundo Prateado foi assim, quando mudou a fase, quando Nenê realmente
começou precisar de cuidados 24 horas. Eu aqui no Rio e ela em João Pessoa, então
eu comecei a ler sobre Silver Economy, comecei a ler sobre e comecei a buscar
informações e há cinco anos até a informação era mais escassa; hoje não, tem.
Eu não sou da área de produção de conteúdo, eu não sou uma pessoa, não sou da
área de comunicação, fiz o blog e da minha cabeça e estudei estas coisas, mas...
160
Enfim, no começo a gente foi achado por uma, pelo Aging 2.0, você deve conhecer
e o Aging até que tentou dar esta... “Vamos lá, vocês querem investidores?”, mas eu
tinha sempre uma parceira que, na época, ela tinha uma outra visão disto aí e, enfim,
eu esperei ela se aposentar pra gente fazer o guia. Aí depois eu tinha também uma
coisa que eu chamava, assim ironicamente e muito politicamente incorreto, eu
chamava de “a Catho dos velhos”.
A Catho você sabe o que que é, aquela empresa que faz recolocação no mercado,
que procura emprego. Aí eu chamava “a Catho dos velhos” porque eu preciso me
recolocar no mercado. Aí o Morris da Maturijobs fez na frente e depois eu tinha uma
plataforma e coisa e tal; depois eu pensava o seguinte: “Não preciso fazer, tem gente
nova que vai fazer direito” e coisa e tal, eu preciso continuar a tentar responder uma
coisa que é, que eu acho que é um nicho onde as pessoas não tem tanto interesse
em responder que é o seguinte, eu parto desta premissa: só a tecnologia vai poder
baratear os custos do cuidado e só a tecnologia vai poder fazer com que eu viva uma
velhice sem isolamento social. Este é meu tema.
Então, eu acho que a primeira fase do Mundo Prateado falava muito desta coisa do
cuidado, agora estou repensando, tô pensando em... A minha amiga quer fazer do
Mundo Prateado um negócio convencional e eu tô deixando pra ela: “Então tá bom,
você compra minha parte”, e eu tô pensando em abrir uma consultoria em trabalhar
neste tema.
Eu não sei fazer negócio, mas eu sou boa de processo, sou boa de desenho de
serviço. Não tenho formação, mas como tenho experiência de vinte anos, né... Então
saio pedindo as coisas; por exemplo, eu tenho um ex-aluno que é professor da
[Universidade] Federal da Paraíba e também tenho um laboratório na [Universidade]
Federal do Rio Grande do Norte e, através deles, eu já sou aposentada há muitos
anos, eu conheci alguns alunos lá e eles toparam fazer aquele sisteminha de
telepresença que está na palestra, aquele robozinho. E eu fico implicando, fico
insistindo, digo: “Olha, se vocês quiserem, eu pego dinheiro das minhas economias
de aposentado, ponho na empresa de vocês”. Então eu fico ali, pois acho que tem
um mundo, eu nem vejo como um mundo do mercado, porque eu não sou uma
pessoa de mundo de negócios; eu vejo como um mundo de necessidades.
As vezes que eu participei das palestras do Fórum de, que o Kalache promove aqui
no Rio, nem preciso falar disso. Então eu tenho sempre uma lista de pedidos pra
plateia e coisa que eu preciso. Então é isso, eu me proponho a ousar, a opinar;
161
consultoria é uma coisa que a gente faz na universidade e eu trabalhei a vida inteira
neste projeto de internet acadêmica, a gente acaba aprendendo a fazer.
Então eu acho que qualquer solução que passe neste primeiro momento pra meu
interesse nesta pergunta: Como é que o custo do cuidado vai ficar acessível pra mais
gente?
Não tem jeito, tem que passar por dois eixos: Negócios de Impacto Social e
Tecnologia.
Adoro ver você, Fernanda, estudando isso.
Fernanda: E esta ideia do Mundo Prateado foi em que ano?
E03: Então, a gente tá em 2018, né... 2013 foi o ano chave na minha vida, porque
foi o ano em que Nenê caiu e, como eu digo lá na palestra, a queda muda a vida de
todo velho. E ela começou a precisar de cuidados 24 horas e coincidiu com período
em que eu tive o segundo câncer, eu tive dois câncer. Então em 2013 eu pensava
assim: “bom eu tenho que fazer alguma coisa, achar alguma coisa, criar uma rede
de apoio, porque, se eu morrer antes de Nenê, ela tá frita”, então começou daí.
Então o primeiro passo que eu pensei foi seguinte: eu vou falar sobre isso, vou fazer
aquilo que eu sei fazer, vou fazer um blog, vou falar sobre isso, vou começar a
sensibilizar pessoas. E quando eu fiz o MBA eu não consegui sensibilizar ninguém
da turma, nem pra fazer um, naquela época eu falava já naquilo, mas eram pessoas
muito novas, eu só consegui... Aí depois eu consegui trazer pro mundo inicial do
Mundo Prateado três amigas, mas aí todas elas tinha problemas, não tinham dinheiro
e não tinham o tempo, né.
Eu tinha algum tempo porque pra mim era mais simples trabalhar com este negócio
de fazer um blog, pra mim não era simples o mundo do conteúdo; mas aí como eu
tinha que fazer e esta minha outra amiga que é jornalista ela dizia pra eu ficar
tranquila dizendo que meus textos são claros, são bem escritos e aí eu fui perdendo
a vergonha.
Ela sempre teve, nasceu sem fins lucrativos, tanto que a gente não tem nem empresa
formalizada, a única coisa que eu tinha quando chamei as pessoas era o registro da
marca porque naquela época Silver Economy era uma coisa que era falada há cinco
anos atrás. Hoje quando você fala de economia prateada todo mundo sabe o que é,
mas eu quando fui convidar as pessoas pra fazerem isso eu tinha que dizer o
162
seguinte: “Eu não sei direito o que que é, mas agora está na moda esse negócio de
movimento, todo mundo que quer falar de alguma coisa faz um movimento. Não é
uma empresa, não será uma empresa porque eu não tenho este perfil de negócio,
não me imagino sendo responsável por uma folha de pagamento... eu sou professora
universitária, isso não é pra mim”.
Foi um projeto e a minha amiga não, ela tinha um plano que era se aposentar, sair
da Rede Globo, ela trabalhava com produção de novela e o plano dela era outro. Ela
é dez anos mais nova que eu, eu tenho 65 e Maristela deve ter 54, o plano dela era
um negócio convencional.
Aí ela começou a aprender sobre este mundo da longevidade e um dia eu falei pra
ela: “Maristela, se a gente fosse uma empresa do jeito que eu quero ser, a gente ia
participar desta chamada do Aging 2.0”, e ela disse: “Por que que a gente não
participa?”. Eu falei: “Porque a gente não é uma startup, a gente é uma ideia ainda,
startup tem que ser assim, coisa e tal.”
E ela insistiu e a gente participou da seleção aqui e quando foi pra ir pro concurso
mundial eu mandei um e-mail pra Aging 2.0 e eu disse que não éramos uma startup,
não temos um CNPJ, não temos ainda, e ele disse o seguinte, que se entrássemos
na seleção do público estaríamos lá, pois mesmo sem ser uma empresa é uma ideia
que pode, alguém pode pegar e fazer.
Então fomos pra lá, eu fui na maior cara de pau pra São Francisco apresentar, fazer
um PIT (Uma breve apresentação). Eu dizia que sim, sei qual meu papel. Meu papel
é uma história, o mundo da startup precisa disto aí, precisa de uma história, e eu
tinha uma história muito boa, era uma pessoa idosa querendo fazer um negócio de
impacto social voltado pra idoso e isto eram um exemplo clássico de uma startup
que poderia dar certo. Então era uma história boa, mas dentro de mim eu sabia que
não era uma startup e sabia que negócio mesmo sendo de impacto social é um
negócio.
Pessoal às vezes não distribui lucro para acionistas, mas você pede dinheiro
emprestado e você vai ter que pagar, tem que devolver pro investidor; então, eu tinha
medo disto.
Então, várias vezes pessoas me chamam pra fazer palestra sobre
empreendedorismo na terceira idade e isso eu não faço, porque eu sei que o
ambiente de negócios no Brasil é muito hostil mais ainda pra Negócios de Impacto
163
Social e eu não acho que seja prudente incentivar as pessoas a pegarem suas
economias ou se endividarem depois dos cinquenta anos.
E sempre deixo claro o Mundo Prateado não tem um CNPJ, é um movimento, mas
tem impacto social, teve muito impacto, pessoal teve muito impacto. Eu era muito
crítica a respeito de muitas coisas, eu achava quem quer saber de uma história boba,
comum... e a quantidade de e-mails que eu recebi dizendo que o livro tinha trazido
um olhar diferente; porque a mensagem era esta, não é fácil mas é possível, é
possível se você formar uma rede e hoje você só forma uma rede de pessoas bem
formada, ela será tão mais bem formada quanto for sua capacidade de comunicação
e tudo isso passa pela tecnologia. Como eu sou desta área, eu brinco dizendo que
qualquer coisa que eu não possa fazer pela internet é uma coisa que não me
interessa.
Se eu tiver que comprar uma coisa e não puder ser pela internet não me interessa e
aí no Brasil é difícil, mas enfim.
Fernanda: Você falou um ponto chave, Tecnologia, pois como é difícil, é
trabalhoso este cuidado com idoso e é uma responsabilidade muito grande a
gente fica sempre pensando porque quem tem condições financeiras é uma
coisa, mas e uma família que passa por isso numa situação financeira
problemática? Então, de repente, a Internet pode ser uma forma de facilitar isto,
pensar em formas alternativas.
E03: Eu tenho muita coisa escrita, ainda penso em lançar alguma coisa que toque
neste ponto, né. Cuidado é possível e hoje é tão caro; e ele pode ser mais barato e
como é que pode ser isto?
Porque eu fico vendo a infraestrutura que eu tenho de Nenê em João Pessoa, ela
mora em um apartamento de três quartos e só ocupa dois, é um belo apartamento,
espaçoso, está a beira mar quase, na segunda rua. E eu fico pensando assim: se eu
tivesse lá, se eu tivesse um pouco mais de tempo eu ia fazer assim: aqui vai morar
uma menina que venha do interior e que vai fazer enfermagem ou alguma outra
coisa, ela não tem obrigação aqui, ela não paga nada, a obrigação que ela tem é
conversar meia hora com Nenê, é contar “Hoje eu fui pra aula, fiz isso e coisa” e tal;
ela não tem... o papel dela é só companhia. No outro quarto, eu ia fazer esta
experiência, porque aquela infraestrutura que eu montei atenderia a mais quatro
164
idosos com mesmo padrão de autonomia de Nenê, atenderia numa boa. Agora, pra
isso você tem que fazer um trabalho de reformulação da cultura. Aqui no Rio [de
Janeiro] seria impossível, as pessoas são muito apegadas a sua privacidade. Elas
acham o máximo estarem sozinhas, as velhas não têm condições de viverem
acompanhadas e quanto mais sozinhas, mas acham que devem ser assim.
Ainda acho o paulista mais sociável do que o carioca, carioca é terrível, é conversa
de elevador muito rápido. Se você tiver em algum lugar, ontem eu fiz esta
experiência, fiquei um mês em São Paulo porque minha filha teve um bebê
prematuro e eu fiquei aí desde o início de maio, ela mora em Pinheiros, ali naquela
rua eu fico impressionada porque eu vou na quitanda e converso com alguém; se eu
fizer um comentário: “Nossa , que uva cara”, alguém me responde. Aqui no Rio,
ontem eu fui no banco resolver uma coisa do celular e eu fiz um comentário dizendo
“Que espera, né? Esta agência aqui é a agência demora demais”, a pessoa
nitidamente ficou incomodada porque eu me dirigi a ela pra fazer um comentário.
A vida do velho, do cuidado do velho passa por esta reformulação de que você
precisa de uma rede social de sustentação, e esta rede social é muito difícil de
construir em algumas cidades grandes.
Fernanda: No nascimento da ideia, qual era o objetivo, qual era a missão do
Mundo Prateado?
E03: O objetivo era falar sobre, falar de um jeito delicado, porque se você falasse
assim: “Ah, eu quero falar sobre o problema da dificuldade de cuidar do idoso”,
ninguém quer saber e não adianta, você tem que reformular a frase. É resgatar o
respeito ao idoso, é falar do cuidado, da vida ativa e coisa e tal.
O que eu queria era levantar questões, tipo assim: Você é um cuidador familiar, como
que é, é tudo com você? As relações familiares com seus irmãos, elas se
desgastaram por causa do cuidado com o idoso? Você se sente culpado porque você
mora em Niterói e seu pai mora na Barra e você não consegue vê-lo uma vez por
mês? Você gera muita angústia você ter quarenta anos, filhos de dez anos e não ter
dinheiro e nem tempo pra cuidar do seu pai que você sabe que está assim?
Seu pai tem condições de morar sozinho?
A resposta é não ou sim; sim se tiver um sistema de câmeras, sim se eu puder
compartilhar cuidadoras com a vizinhança.
165
Então era levantar estas questões, era fazer as pessoas pensarem que não adianta
botar o problema debaixo do tapete porque o custo pra família de não querer trazer
pra si a responsabilidade do cuidado é um custo altíssimo, lá na frente esta culpa vai
estourar e se transformar em doença, em relações... e sozinha fazer isto é muito
pesado.
Eu só consegui fazer isso a distância porque eu consegui formar uma rede, onde
tem coisas que eu não consigo transferir; por exemplo, a gestão desta rede eu não
posso transferir pra ninguém, sou eu que tenho que dizer que a menina que vai tocar
acordeão pra Nenê no sábado, ela precisa falar com a fonoaudióloga, são uma
porção de cosias que eu que preciso fazer, mas é diferente porque eu não estou só.
Se eu faltar, vai fazer muita falta, mas era pior se eu faltasse e não tivesse mais
ninguém do meu lado.
Eu consegui convence-la a sair da casa do meu pai, que era uma casa grande, longe
da praia, aluguei um apartamento onde tem duas primas que moram lá, eu combino
com as filhas das minhas primas de dez anos de idade, todo aniversário de boneca
é pra fazer lá na casa de Nenê, então tem um fundo lá pra festa.
Porque, além do mais, Nenê era uma empregada doméstica, é uma pessoa que
nunca aprendeu a ler porque tinha problema de dislexia; então, a solidão dela tende
a ser maior do que de qualquer idoso. Quando, por exemplo, quando eu estou lá, eu
chamo amigas e mães delas pra irem lá em casa, faço um café, mas se eu não for,
as mães delas não vão.
Aí você diz: não é preconceito? Não, é falta de assunto mesmo, o que que uma
mulher de oitenta anos que nunca foi empregada doméstica vai conversar com uma
pessoa de quase noventa e analfabeta, é natural, não é preconceito não.
Fernanda: A sua ideia foi uma Inovação?
E03: Pois é... Como eu sou da área de tecnologia, inovação é um conceito tão mais
estrito. O que eu pensava, eu queria conversar com as pessoas e não sei, por
exemplo, se eu quisesse fazer uma dieta vegana, tinha blogs, fóruns de discussão e
tinha isso tudo, naquela época em 2013. Antes mesmo de Nenê cair não tinha isso
não.
Aí depois, quando eu achei, “se não tiver tudo bem, se ninguém falar, eu falo
sozinha”; aí depois disso eu comecei a ver que tinha alguns blogs, tinha o Portal do
Envelhecimento, tinha dois ou três blogs assim... Mas eles se estruturavam de um
166
jeito que era nitidamente mais profissional, eles tinham propagandas inseridas nos
posts, eles tinham uma equipe, e eu não tinha nada.
Eu comecei a postar, eu mesma; dizia assim... Depois eu conheci a Marisa Tavares
do Longevidade Modo de Usar, quando ela ainda não tinha este blog... Depois eu a
conheci e ela disse: “Ah, eu achei interessante, porque às vezes eu vou fazer alguma
coisa no meu blog e aí vou dar uma olhada nas postagens do Facebook do Mundo
Prateado e eu fico espantada. Por exemplo, você falou deste assunto testamento
vital quatro anos antes de mim e eu sou uma jornalista. Como é que foi isto?”. Eu
digo: “É isso, é que quando você cuida do idoso, aquilo ali é seu espelho, né? Então
você começa a cair naquele mundo e você diz: ‘Eu não quero ficar numa UTI pra dar
lucro ou coisa assim, quero fazer um testamento vital’”.
Então, eu não achava que era inovação não, eu achava que... porque eu tenho este
viés de tecnologia, às vezes as pessoas dizem assim: “Ah, que inovador este
robozinho!”; eu digo: “Não, isso não é inovador, isto é um sistema de telepresença,
não tem um sistema de inteligência artificial embarcada, tem isso pra todo lado já, o
que não tem é mercado”. Qualquer pessoa que queira... Por exemplo, se eu fosse
Abílio Diniz, eu veria aquilo ali e diria: “Ok, então vamos fazer uma pesquisa de
mercado. Vamos concluir que não tem mercado, mas eu vou financiar o uso, porque
eu vou abrir mercado”. Se eu fosse ele eu faria isso [risos]... mas é meu gosto.
Então às vezes a inovação esta no uso, às vezes a inovação tá forma como você
quer abordar. Eu nem poderia dizer que eu defendo que você precisa criar uma rede
social de apoio e fazer isso com inovação. Eu não sei dizer se isso é inovação, mas
eu acho que é um jeito tão natural, que todo mundo vai pensar assim.
Talvez a coisa que possa ser vista como um valor é a trajetória de um cuidador
familiar que transformou a sua experiência, que sistematizou sua experiência, que a
partir dali poderia ter sido um negócio de impacto social. Nem todo cuidador familiar
faz isso. A maioria dos cuidadores familiares ou se queixam, ou brigam com seus
irmãos, ou transferem responsabilidades, ou acabam com suas economias, com sua
saúde; eu conheço vários.
Acho que talvez o valor do social desta minha experiência foi isso, foi mostrar para
as pessoas que você não precisa deixar de viver pra cuidar do seu pai, nem acabar
com seu patrimônio, nem ao sentar e conversar com as pessoas você só ter queixas
a fazer, porque... Nenê é um bom exemplo, Nenê tinha tudo pra – desculpa a palavra,
porque eu vou ficando intima e vou soltando palavrão [risos] –, Nenê tinha tudo pra
167
ter se fudido [sic]. Claro, ela tinha tudo e eu tinha tudo pra dizer: “Eu faço isso porque
é minha formação, meus valores nordestinos são assim. Ela ficou aqui, fez parte da
família e não se coloca uma pessoa da família no asilo”.
Achar aquilo um estorvo, achar que era complicado? Não, eu fiz daquilo uma
oportunidade de aprendizado e hoje eu olho e digo assim: “Se não fosse Nenê e se
eu não tivesse este olhar de professor e tudo quisesse transformar num paper ou
numa experiência ou num projeto...”. Nenê rende assuntos, Nenê rendeu pra mim
um aprendizado no mundo que eu só poderia ter feito se eu fosse fazer um
doutorado, que eu não quero mais. Agora eu recuso. Tem gente que fica dizendo
“Marta, sua tese tá pronta”; eu falo: “Gente, eu tenho 65 anos, sou aposentada da
Universidade, que que eu vou fazer com um título de doutorado?”. Aí dizem: “Você
vai fazer palestra”; mas eu não preciso disso, tem palestra que aceita pessoas que
tem títulos em outra área e fala de experiências.
Em três anos, eu brinco, eu tive nos principais palcos de longevidade aqui no Brasil;
eu tive Kalache prefaciando livro de uma pessoa que nem era especialista, não sou
da área de saúde, né; qualquer coisa que eu falar: “Kalache, vamos fazer assim
neste sentido” – principalmente se for no mundo da tecnologia –, ele topa, ele tem
respeito pela experiência, entendeu?
E ele sabe que eu tenho este olhar. Kalache não é um empresário, ele é também um
acadêmico. Como ele sabe que eu tenho esse viés ele acha que... Porque as
pessoas do mundo dos negócios, elas me olham... O Sérgio Duque Estrada que é
do Aging – você conhece aí em São Paulo –, Sérgio é embaixador do Aging. Sérgio
olha pra mim e diz assim: “Ah que pena que você não tem o perfil empreendedor”.
Eu digo: “Eu não lamento não, porque se for preciso eu terei perfil empreendedor. O
perfil não é uma dádiva divina, você pode desenvolver”.
Mas acho que tem espaço pra todo mundo, tem espaço pra alguém que vai fazer
coisas que não geram valor financeiro. Eu gosto da abordagem do Yunus, gosto da
abordagem dele, e a primeira vez que eu vi aquela palestra, eu disse: “Bom, eu nem
chamaria de negócio de impacto social, todo negócio tem um impacto social”.
Acho que isto é uma maneira... O ser humano sempre procura reclassificações,
porque ele gosta de se vê melhor do que o outro. “Ah eu faço um negócio, mas eu
não vendo empada, eu vendo uma coisa que é um valor pessoal”. Eu não gosto
168
muito desta terminologia de negócio social não, acho que é... Qual negócio que não
é?
Gera impacto, ruim ou não, pra sociedade. Acho que é um discurso meio
envergonhado, é como se o Brasil – aqui no Brasil teve muito impacto isto aí – eu
não sou desta área, mas tenho um amigo que me diz o seguinte: “O país que mais
prosperou as ONGs, o modelo de ONG e tem uma controvérsia muito grande porque
diz que ONG que gera emprego, que gera escala, é as grandes organizações, não
são as pequenas”. Mas é como se o brasileiro não quisesse admitir que a gente
precisa de dinheiro pra viver. Tá, dinheiro. Vamos trabalhar e ganhar dinheiro, vamos
deixar de ser pobres? Não, brasileiro ele romantiza a pobreza e gosta de pensar que
a gente vai atingir uma estabilidade social e que todo mundo vai ter uma vida digna
sem o suporte financeiro, e não da pra ser assim; por isso que eu não gosto muito
deste termo de Negócios Sociais não.
Eu gosto de negócios, o que que você está fazendo? Tô fazendo negócios no mundo
da longevidade. Longevidade é uma coisa que eu concedo, porque quando você diz
meu negócio é velhice, aí você vai, você segmenta o mercado e você diz: “Eu estou
nesta área cascuda de desenhar produto e serviço ainda não desenhado e de muita
utilidade”, porque é como se a pessoa estivesse... Você não fala o negócio da
doença, fala o negócio da saúde.
Então, não sei sinceramente se isso é um posicionamento de marketing ou se isso
muda as coisas, mas no fundo são negócios da longevidade. A gente tá fazendo
negócios, porque eles têm que ser sustentáveis, são lucrativos; quem fica com esse
lucro não importa, mas alguém vai ficar com esse lucro financeiro.
Fernanda: Como sua iniciativa gera transformação social?
E03: Aquilo que eu chamo do ecossistema do idoso. Porque tem a geração
sanduiche que é a geração que se prejudica, o velho não vive só, tem todo o sistema
de... Os médicos tem que se reposicionar, os médicos tem que aprender a se
relacionar de uma forma diferente com os cuidadores familiares; as empresas serão
forçadas a ouvir, porque senão quem cuida do velho vai procurar as suas próprias
soluções; então é um mundo. O idoso é um ator, mas tem todo um ecossistema.
Pode sair inovações e tremendas inovações, quem souber juntar e tenha esse perfil
de juntar tecnologia com o novo uso da tecnologia para estas coisas aí é fantástico.
169
E são coisas simples. Eu passei um mês no Japão e eu não posso dizer a Nenê que
eu viajo, que saio do Rio, porque ela fica muito ansiosa. Então, como ela não lê, ela
não sabe me rastrear na internet. Eu queria – porque se eu sair daqui e ver um
cachorro com guarda chuva e capa de chuva eu faço uma foto e mando pra ela, ela
acha isso uma maravilha. Então eu não queria ficar filmando as coisas que eu tivesse
vendo lá, mas eu queria fazer uma foto quando chegasse no hotel às 20h era 8h da
manhã em João Pessoa; eu queria dizer assim: “Olha só, Nenê, eu vim aqui neste
palácio”, não ia dizer que era no Japão, “é um palácio que é todo de madeira, veja
como é interessante. Aqui viviam os samurais”. Pra ela a história já estava boa, então
eu queria um álbum falado. Eu queria legendar com som uma foto, pensei que era
simples, né. Eu programei internet nos anos 70, esses meninos agora devem fazer
tudo; e não tem.
Achei um aplicativo horroroso, complicado e, pra você fazer isso que eu tô dizendo
que não devia levar mais que dois minutos, leva uma vida. E quando eu vou
conversar com os meninos que estão fazendo robô, eu digo: “Vem cá, vocês podem
fazer, além disso, fazer um álbum falado, não?”.
Tudo simples, mas porque não saí? Por que quem usa... É o seguinte, é como se
todo cuidador familiar, 100% dele, não fosse familiarizado com tecnologia; e, de
repente, eu penso que pode ser isso mesmo, porque a faixa etária do cuidador
familiar é essa daí. O cara que tá segurando a onda de um pai com Alzheimer deve
ter mais de cinquenta anos, no máximo a idade que eu tenho, mas nem todo mundo
estudou computação na década de 70.
Pra mim isso é fácil, mas pra alguém que fez medicina ou qualquer outra coisa e só
recentemente entrou de cara neste mundo da comunicação, às vezes a pessoa não
tem essa facilidade. Então, acho que este mundo, o impacto dele é social não é por
causa do objeto do negócio, mas por causa das transformações e dos filhotes de
inovação que podem sair a partir daí.
É um mundo onde tem muita coisa pra ser feita e tem espaço não só em qualidade
como também em quantidade, não é só que começaram a aparecer os problemas
da velhice, temos mil velhos no país... Não, começaram a aparecer os problemas da
velhice e são muitos os velhos. Então, é um bando de usuário, pra não chamar de
cliente, porque o negócio social nem pode se chamar de cliente.
170
E aí, o que eu vejo aqui no Brasil é uma síndrome... É uma coisa que a gente vê no
político, todo político diz, sabe direitinho o que deve fazer pra este país, ele tem a
lista do que fazer.
Agora o “como” ninguém gosta, né? Acho que esta discussão do envelhecimento
populacional aqui no Brasil – é assim, toda discussão começa: “somos não sei
quantos milhões de idosos... Daqui alguns anos... enfim, aquilo que falei no começo
da palestra –, esta coisa é um chavão repetido em todo canto, né? Aí fico pensado:
“Tá bom, a gente já sabe que envelheceu e que temos um problema pela frente.
Vamos agora nos dividir e cada um fala sobre uma coisa, sobre algo que precise de
solução”. É como se as pessoas gostassem muito de falar sobre o envelhecimento,
mas muito pouco sobre as soluções que este envelhecimento vai demandar.
Fernanda: Minha pergunta de pesquisa é exatamente este “Como”. [risos]
E03: E o como, ele ficou na mão de cada pessoa que tem o seu problema pra
resolver. Por exemplo, eu preciso ir para João Pessoa três ou quatro vezes por ano,
pois minha presença lá é importante. Eu tenho uma parceria com as cuidadoras, elas
se sentem parte de uma equipe, elas sabem que são. Eu consegui fazer com que
Nenê fosse uma bandeira que todos nós seguramos e elas se preocupam; por
exemplo, na época que faltou gasolina agora, elas deram um jeito de conseguir
carona pra irem ao trabalho. Eu tava lá na UTI, meu neto na UTI Neonatal e eu só
recebi informações de uma solução que tinha sido feita.
Eu preciso ir lá quatro vezes por ano, no mínimo, pra fazer meu trabalho de gestão
dessa rede, esta rede tem que ser alimentada com minha presença. Agora, tem
outras situações que eu precisaria ir, eu tenho um custo alto de passagem quando
Nenê tinha algum problema e eu tinha que ir pra um médico novo; um médico novo
é um exemplo típico. Eu não sei se você chegou a ver o vídeo de uma consulta
médica dela com robôs.
Fernanda: Vi , eu vi, você pode ir virtualmente.
E03: Isso, aquilo ali era uma consulta vital pra Nenê. Aquele médico, que eu não
conhecia, ele tinha pedido uma biópsia de tireoide, achava que Nenê estava com
câncer de tireoide e eu tinha que, era um caso típico, eu tinha que ir lá. E João
Pessoa é o destino do Nordeste mais caro que tem, economizei mil reais. Então
171
aquilo ali é o “como”, como você vai baratear. E eu pego o pior caso que é assim,
cuidar a distância, que é muito mais caro.
E aí, é isso que eu digo, fica pra cada pessoa, cada pessoa fica responsável por
desenhar sua solução, ou com tecnologia ou sem tecnologia e aí precisa de... É o
que eu digo, a gente precisa se encontrar; quem precisa dos serviços precisa se
encontrar e, principalmente, precisa encontrar quem quer fazer disso um negócio.
Fernanda: Seu negócio atende quais demandas, o Mundo Prateado vai ao
encontro de quais necessidades da população envelhecida?
E03: Existia muito a necessidade de falar sobre o problema, era necessidade da
comunicação sobre, então esta foi a primeira ideia, se eu começo a falar eu consigo
achar minha turma.
E quem é minha turma? É a turma que acha que a velhice tem que ser cuidada, ou
pelo filho, ou pelo amigo, ou pelo cuidador, mas a velhice tem que ser cuidada. Então
acho que vai ao encontro desta necessidade de você ter a consciência de que a
velhice é um problema que precisa ser resolvido e não vai ser resolvido por um só.
Então, é isso aí, era minha visão de que era preciso criar uma rede de cuidados.
Esta rede existia; naquela palestra, eu dizia que ela existia quando eu era criança,
ela ia se formando; os netos tinham que dedicar tempo conversando com avô, a
vizinha tinha que bater duas horas de papo com o velho; o velho era uma coisa que
todo mundo achava que tinha mais ou menos responsabilidade, mas achava que
tinha. Isto hoje se perdeu, se perdeu em detrimento, em razão deste gosto pela
privacidade, esta família nuclear de pai e mãe e dois filhos viverem isolados num
apartamento sem conhecer ninguém. Isso só funciona quando se é jovem, saudável
e tem dinheiro. Se faltar alguma destas coisas, você tá lascado [sic].
A configuração da família foi mudando, é muito difícil. Hoje eu leio coisas assim que
eu simpatizo muito, pois eu vi muito lá em João Pessoa. Meus tios, que eram casados
com tias, eles compravam um terreno, faziam sua casa na fase da vida onde os filhos
já iam ficar adolescentes e os pais começavam a envelhecer e, neste mesmo terreno,
eles faziam uma casa pra um pai. Na minha família tinha três ou quatro exemplos
disto aí.
Aí eu fico pensando, hoje se eu quisesse diminuir minha estrutura aqui e ficar perto
de um filho, como é que eu ia fazer? Minha filha mora em Pinheiros, num
172
apartamento de dois quartos que agora eu fico pensando assim, “Bruna esse
apartamento não cabe seu filho, tem que ir para um maior [risos]”. Agora imagina se
ela tivesse que enfiar ali dentro uma mãe com problemas da velhice, não tinha
condições [risos]... Então brinco com minha filha que mora em Brasília, esta que é
antropóloga e mora em Brasília... O jeito de viver é completamente diferente, é um
terreno com um riacho que passa na frente. Eu digo pra Priscila: “Priscila, eu acho
que vou fazer minha time house aí na sua casa [risos]... Eu mudo; hora eu fico
olhando pro terreno, hora eu pego a cadeira com rodinhas e vou passear no
condomínio” [risos].
Mas, é isso aí... Acho que a configuração arquitetônica das grandes cidades, ela
dificulta; aqui na Gávea, eu moro na Gávea e conheço várias pessoas, e tem uma
senhora que conheci através do blog, porque ia lá me aproximava, dizia que cuidava
de uma pessoa idosa e coisa e tal. Então, no blog tem Maria Elisa Carrasone, que
eu conheci deste jeito, uma velhinha que passava aqui na Gávea e eu pensava:
“Nossa, como essa velha é bonita, elegante”. Fui eu lá falar com ela.
Ela tinha sido diretora do museu Belas Artes, dos 70 aos 80 tomou conta de uma
irmã que tinha mal de Parkinson. De vez em quando, ela me convida e a gente vai
tomar um café, mas agora ultimamente ela está presa num apartamento, não pode
sair porque o nível de segurança baixou e, depois, ela tem 88 anos. Ela já começou
a dizer que não consegue mais ver os buracos da calçada. Eu fico pensando...
pensando assim... acho que vou ter que parar de trabalhar. No momento eu estou
na Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas eu vou parar de trabalhar porque eu vou
aqui pra associação de moradores da Gávea e eu vou propor o seguinte: “Vamos
fazer um projeto, um pilotinho que é a calçada da Maria Elisa?”. Porque são duzentos
metros de calçadas, que vão sair da porta do prédio dela e vão chegar no mercado,
e esta calçada é de Maria Elisa e dos bebês, porque os carrinhos têm hora que não
passa.
Eu fico pensando, é um pilotinho, se você faz 100 metros de calçadas de repente
você inspira, aí você diz: isso é inovação? Claro que não é inovação, você vai pra...
Um período que eu vivi na Dinamarca, vendo como os velhos vivem lá, tem todas as
calçadas, todas são pra velhos e pra... Isso é querer fazer.
Eu agora na Secretaria, eu digo pra eles que só fico lá porque eles têm um projeto
de cidades inteligentes e perereparara [sic] e é um monte de gente com 40 anos e
173
eu digo que, na minha opinião, uma cidade inteligente é uma cidade que é inteligente
pra todo mundo. Cadê os velhos aí?
Então os velhos, eu digo, a Secretaria de Ciência e Tecnologia é um vetor de
transformação social e de soluções de problemas pra esta área. Agora, é um Estado
falido; mas, pelo menos, a gente escreve, bota no papel e uma hora quando tiver
dinheiro alguém chega e diz: “Olha aqui o como”.
Fernanda: A iniciativa do Mundo Prateado pode ser replicada por outros?
E03: Claro, perfeitamente possível. Agora vou dizer algo que é extremamente
[risos]... extremamente engraçado. Eu falo, quando, mês passado eu disse o Mundo
Prateado pode encerrar suas atividades, porque agora não preciso fazer mais o que
faço, porque tem gente que está fazendo isso da melhor forma, sabe quem está
fazendo isso? O Abílio Diniz. Ele tem aquela plataforma, a Plenae, que ele lançou
com pompas e circunstancias aí.
Ela foi lançada em São Paulo agora em maio, o mais simplesinho que estava lá era
o Kalache. Então o cara é velho, tem dinheiro, quer dizer como é que quer
envelhecer, acabou.
Eu disse pra minha amiga, olha Mundo Prateado não precisa mais de mim e agora
o que precisa existir? Precisa existir alguém que fique dizendo: “Olha, meu tema é
tecnologia e envelhecimento, alguém quer trabalhar com isso aí?”.
Não vou começar fazendo outra vez um portal, mas eu acho que dizer: “Eu faço
consultoria em tecnologia e envelhecimento. Precisa de alguma opinião? Precisa
entender qual é a necessidade do usuário e como ela pode ser atendida usando
tecnologia? Fale comigo, eu nem vou cobrar caro”.
Fernanda: Estes então são os objetivos pro futuro?
E03: São meus planos pra este ano. Ontem conversei com Maristela e disse que, se
ela quiser continuar com portal, tudo bem, eu colaboro e coisa e tal, mas eu preciso
me desligar pra ter tempo de pensar nesta outra coisa; “Pode tocar o Mundo
Prateado, se quiser me tirar, mudar a linha editorial...”.
Pois ela se queixa muito que o tema é muito árido, que ela gostaria de falar sobre a
velhice com mais leveza, eu digo: “Você pode mudar a linha editorial a hora que você
quiser, pode ficar com nome – porque o Mundo Prateado é o registro da marca no
174
INPI, que é no meu nome, posso transferir pra ela... – e as ideias”. Eu não quero que
feche; se ela puder tocar pra frente, é ótimo, continua tocando sobre o tema. Quer
conversar sobre coisas mais leves e alegres? Ótimo, tem espaço pra tudo. Se ela
quiser dar uma configuração de negócios...
O que eu digo pra ela é o seguinte: eu tenho pouco tempo, tenho 65 e minha saúde
é uma porcaria; então, eu quero insistir neste ponto, em como tornar, como escalar
o cuidado, como é que eu vou fazer; porque este modelo tradicional, de um cuidador
pra um idoso, esse modelo não é viável financeiramente num país pobre, porque não
dá. Pra cada idoso um cuidador, não dá. Que que vai acontecer? Alguns ficarão sem
cuidado, não é sustentável. Então eu quero... Eu não sei como eu vou fazer isso,
mas eu vou fazer, porque também eu não sabia quando comecei o Mundo Prateado;
eu dizia: “Eu quero falar sobre o tema”. Agora eu digo: “Eu quero retomar, entender,
falar, fazer esta pergunta e chamar pessoas pra dizer: vamos pensar no como?
Como vamos baratear o cuidado?”.
175
Fernanda: A inquietação é o mais importante.
E03: Eu até falei com Maristela, acho que chegou a hora de eu não ter mais um
contrato formal de trabalho; termina as eleições, eu não tenho vinculação política, eu
tô como técnica, então certamente virá outro secretário e encerra. Tô pensando em
ter uma casa em São Paulo. Aliás, eu tenho uma, mas esta alugada [risos]... Vou
trocar o flat que tenho e ficar ali.
Engraçado, ali em Pinheiros eu vi tanta gente que trabalha com esse negócio. Tem
o Impact Hub; tem a, o pessoal do Lab 60+ está ali atrás; tem um outro menino que
é de tecnologia e fica me chamando... Pensei: “Vou trabalhar um pouco em São
Paulo”. São Paulo eu acho que tá mais aberto, porque o Rio tem essa narrativa, aqui
é uma cidade da juventude, da praia, do esporte. Tem uma narrativa aqui de que nós
somos jovens, qualquer pessoa de sessenta e cinco anos aqui parece ter trinta e
cinco; quando se vira, você não sabe mais a idade por causa da cirurgia plástica,
mas...
Eu acho que tem 90% de chance... Eu só preciso dizer que não quero mais contrato
de trabalho com ninguém, que vou enveredar por este mundo aí da consultoria. É
fácil fazer isso, porque quando você tem custo fixo pra pagar e não tem dinheiro pra
cobrir este custo fixo não dá pra ser consultor.
Internet faz parte da minha vida, a coisa que eu quero é sempre nesse mundo, aí as
pessoas dizem: “Ah, mais tecnologia; você gosta de programar?”. Eu digo: “Não, eu
gosto de tecnologia da informação”. Eu gosto de uso, se você me mandar fazer um
aplicativo eu vou ficar arrepiada, porque eu não quero mais sentar e aprender a
desenvolver aplicativo.
Esta fase é uma fase fácil, porque quando a pessoa se propõe a fazer um negócio,
aí tem uma carga de estresse, de pressão, que eu não tenho. Eu vou pra isso como
eu sempre fui pra vida, eu vou estudar. Só precisa achar a turma; “Ah, você tá
fazendo negócios de Impacto Social no mundo da Longevidade? Beleza!”, “Ah, eu
tô fazendo plataforma de ensino. Ah, não. Isso aí é bom, é importante, mas não é
disto que eu quero falar”. Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando
este acesso através da tecnologia. Como diz meu marido, isso é quase uma política
pública [risos].
Quando se fala em escalar, se pensa em tecnologia, nem que seja tecnologia social,
que é mais difícil. Pra mim, por exemplo, eu gosto muito de, daquele projeto Vilage
176
to Vilage que eu fico sempre. É uma coisa que eu concordo inteiramente, a base
daquilo aí... eles dizem que... aquele ditado que diz que é preciso uma vila pra criar
uma criança. Então eu pensei: não é só pra criar uma criança, pra criar um idoso
também.
E este Vilage to Vilage é uma iniciativa que acho fantástica , porque eu detesto a
ideia de você criar condomínios de idoso, eu chamo campo de concentração. Eu não
quero ir pra um deles, nem que seja naqueles da Florida com aquelas super casas.
Eu quero ficar aqui na Gávea, eu quero poder ir a padaria, eu quero ver gente nova,
eu quero ver criança, eu quero estar inserida na sociedade, eu quero que este
ambiente contribua para meu bem estar e quero poder contribuir de alguma maneira.
Eles fazem isso, eles criam associações sem fins lucrativos que vai gerindo esta vida
comunitária de apoio ao idoso. Isto é difícil no Brasil, porque a gente não tem uma
tradição de trabalho voluntário. Quando eu vejo... Por exemplo, eu fui a Nova York e
lá no Brooklyn muitos idosos que não saem dos seus apartamentos, porque não
podem mais descer. A comida chega lá, o médico chega lá e todo dia uma pessoa
diferente que vai fazer a comida, pois é um aluno da universidade que tem duas
horas por dia pra fazer um trabalho voluntário.
Outra coisa que eu fico com maior vontade de fazer é o problema da solidão, que
não precisa ser desse jeito. Todo velho é grudado numa televisão, aquilo podia ser
o parque, o bar que ele vai pra conversar, a sala de visita do amigo, não precisa ser
desse jeito. Tem tecnologia pra isso, o que não tem... Eu até pensei nisso, porque
tenho um aluno que desenvolveu uma caixinha, essa como da NET, pra canais e,
como era da universidade, ela venceu pro Programa Bolsa Família e distribuiu com
as famílias de baixa renda. É uma caixinha como se fosse a internet, a NET dos
pobres, a Netflix dos pobres, eles ganham aquela caixinha e usam. Não deu certo
porque sabe como são estes programas sociais do governo... Mas eu falei com ele:
“Vamos fazer o Netflix do Mundo Prateado, porque não precisa muita programação,
porque velho não quer muita variedade, ele quer ver sempre a mesma coisa”.
Eu sempre dizia que se Nenê tivesse um controle remoto que saísse do programa e
eu aparecesse na televisão do mesmo jeito estava uma maravilha, tem tecnologia
pra isso, mas precisa de alguém com perfil de negócio pra fazer acordos, articular.
Fernanda: Obrigada, Marta. Foi um prazer.
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E03: Fernanda, fico feliz, fico feliz você estudando isso. Quando for a São Paulo,
vamos marcar um encontro.
Fernanda: Com certeza! Obrigada
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APÊNDICE E
Transcrição entrevista 04 - Negócio de Impacto Social voltado para pesquisa
de mercado, marketing, processos de inovação e consultoria de projetos para
o target 60+
Fernanda: Gabi, qual a missão, qual a proposta do seu negócio?
E04: Raízes é a empresa que, na verdade, junta um pouquinho todo o meu histórico
profissional e todos os meus novos conhecimentos. Então, Raízes, tem até um
textinho na primeira página que fala que Raízes é múltipla, ampla e diversa, profunda
em tudo que faz... e acho que busca um pouquinho de multiplicidade de coisas e que
o principal objetivo hoje de Raízes é oferecer uma assessoria, uma consultoria de
marketing e negócios para as empresas que querem mergulhar no target 60+. Seja
para desenvolver produtos e serviços, seja pra adaptar produtos e serviços que já
existem a este target.
Então eu levo esse know how, este conhecimento, tanto de pesquisa de mercado,
que eu trabalho de pesquisa há mais de 22 anos; inovação; processos de inovação,
baseado em design thinking, em teoria do U, estas técnicas todas. Trabalho com isso
há mais de dez anos e o mestrado em gerontologia que abriu esta porta pro target
pra mim. Então juntando estas coisas eu consigo oferecer esta consultoria, este
serviço através de Raízes.
Dentro de Raízes tem também... Eu sou uma pessoa muito inquieta, cheia de ideias
e projetos, então por isso que eu gosto muito deste nome Raízes, que eu acho que
Raízes tem esta multiplicidade de oferecer coisas, né. Então tem um outro projeto
dentro de Raízes que se chama Histórias Contadas, que eu chamo de cerejinha do
bolo, porque ele é um projeto de escrita biográfica sobre vidas de pessoas idosas ou
não e famílias.
Então eu ofereço o Histórias Contadas tanto pra pessoas físicas, pra escrever um
livro biográfico sobre a vida de idosos ou das famílias, ou vendo também para
empresas para escrever sobre a trajetória da marca, de executivos, trajetória da
própria empresa; e é incrível. A gente já está escrevendo o terceiro livro em Histórias
Contadas, neste projeto. É incrível como este projeto é transformador, seja pra dar
voz aos idosos, seja pra valorizar esta trajetória, esta vivência, esta experiência
180
quanto também é um trabalho de autoconhecimento, de revisão desta trajetória pro
próprio idoso. Então a gente criou este projeto muito pensando: “Poxa vamos deixar
isso registrado para as próximas gerações e tal, deixar esta herança desta história,
deste percurso vivido”. Mas, nossa, os ganhos pro próprio entrevistado são
riquíssimos assim. Eles se sentem extremamente valorizados, isto traz uma
atividade maior, uma empolgação pra vida mesmo, parece até que dá mais sentido
pra vida, sabe?
Estar engajado, ter um propósito, é muito importante. Quando ele conta a história
parece que a vida começa a fazer mais sentido, sabe?, do porquê que eu tô aqui,
olha o que eu construí. Então este projeto, Histórias Contadas, é lindo mesmo. Além
do que pra mim, pra gente que faz o trabalho, é extremamente enriquecedor, porque
na história do outro você também encontra a sua. E ali você aprende, você também
se transforma, então são estas duas frentes em Raízes, que é o projeto Histórias
Contadas e o projeto de consultoria.
Fernanda: Como nasceu a ideia do Raízes e História Contada?
E03: Foi um parto, o mais difícil de todos os três partos que eu tive [risos]. Nasceu
no mestrado de gerontologia, é... na verdade, nasceu um pouco antes, enquanto eu
trabalhava com pesquisa de mercado em instituto de pesquisas, dentro das
empresas e tal. Eu percebia e me intrigava muito, era questão de piada até, a gente
fazia piada disto... que os questionários de pesquisa, eles entrevistam pessoas de
até 50 anos. No questionário tem lá a pergunta: “Você tem 50 anos ou mais?
Encerre”. É sempre assim e a gente brincava nos institutos: “Olha, daqui a pouco
você já tá fora”. É muito curto esta linha de corte.
Fernanda: E isto ocorre na maioria das pesquisas?
E04: Isso acontece em 90 e tantos por cento das pesquisas, né? E isso sempre me
intrigou.
Eu também sempre tive uma conexão, não sei se é por conta da curiosidade em
relação ao envelhecimento, a morte que a gente tem, eu tenho uma sensibilidade e
um ouvido, sempre gostei de ouvir a história de idosos da família.
Então tudo isso me aproximou, me aproxima deste target.
Já tinha estes pontos. Quando eu engravidei do meu segundo filho, depois de 11
anos do primeiro, aí eu saí da empresa e eu falei: “Tô grávida, eu vou fazer alguma
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outra coisa”. Como se gerir um filho já não fosse trabalho de mais [risos]. Vou então
fazer o mestrado, que eu sempre quis; e comecei a procurar cursos na área de
marketing, comunicação, que eram as minhas áreas de atuação profissional. Aí eu
achei este curso, pois, como eu não ia sair de São Paulo, eu pensei em limitar meu
mestrado em São Paulo; olhei as faculdades que me interessavam aqui em São
Paulo, o que elas tinham pra oferecer.
Achei este curso, aqui. Na hora que eu olhei, eu falei: “Não gente, não acredito que
tem um curso deste!”. Gerontologia Social, não é Gerontologia voltada pra área da
saúde, que a maioria dos cursos são voltados pra área da saúde. Quando eu olhei
esse da Gerontologia Social eu falei: “Vai dar pra eu aprender muito aqui sobre este
target”. E vim fazer o mestrado. Fiquei dois anos fazendo; tive mais um filho no meio
do caminho, como eu tinha te contado, e, dentro deste mestrado, eu fui ligando estes
pauzinhos da minha vida, estes conhecimentos da minha vida; então eu fui criando
Raízes.
Então, eu fui vendo quanto que a pesquisa, que era meu know how, minha expertise
profissional poderia ser um super instrumento de conhecimento deste target, que as
empresas pouquíssimo conhecem. O processo de inovação também trabalho há dez
anos, venho fazendo estas oficinas de inovação – que é assim que eu chamo o
produto –, também é um super instrumento nesta consultoria; ir junto com as
empresas tentar descobrir as melhores formas de fazer o idoso estar mais inserido
no mercado de consumo, poder fazer mais parte deste mercado, poder atuar melhor
neste mercado com produtos e serviços que melhor atendam estas pessoas desta
idade com necessidades específicas, sim. Tem necessidades específicas, sim.
Então, a coisa veio construindo e hoje quando eu falo que eu tenho esta consultoria.
Pra mim é obvio, é como se ela sempre tivesse existido [risos].
Fernanda: É como um filho, ela... houve uma gestação e nasceu.
E04: Sim, e parece que tudo que eu fiz até aqui, eu venho fazendo, foi pra hoje eu
ter o know how de oferecer este, isto desta forma. Então foi isso, mas acho que o
mestrado foi o grande impulsionador desta empresa e do projeto Histórias Contadas
também.
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Fernanda: Seu negócio atende a quais demandas e necessidades desta
população envelhecida?
E04: Até escrevi um texto que fala sobre isso, que vai sair num evento da ESPM. Ah,
tem também um no blog do Portal do Envelhecimento, um último texto que eu botei
lá fala sobre isso, é um blog de mercado de consumo pra terceira idade. O que eu
falo é exatamente isso, tem muitas empresas que nem sabem da inversão da
pirâmide nos próximos anos. Por outro lado, tem empresas que, sim; que já estão aí
trabalhando e tal. As empresas que mais estão atuando são empresas da área da
saúde, do turismo, do entretenimento, alguma da alimentação, alguma empresa
também de estética e tal.
Por que que estas empresas? Porque, o que existe... A gente tem um sistema de
mercado do ser jovem, a gente vive numa sociedade onde o ser jovem é o que a
gente tem que ser, porque o Brasil era um país jovem, era quem tinha dinheiro, era
quem comprava, era quem consumia. Então o mercado de consumo, ele foi
sistematizado dentro desta lógica, eu vou criar meu consumo pra quem consome,
onde tá o dinheiro.
Na hora que começa a ter uma pirâmide que tá invertendo, o seu dinheiro deixa de
estar ali dentro só dos jovens, então pra isso que as empresas têm que olhar. E aí,
qual que é o primeiro movimento que eu vejo que as empresas estão fazendo e por
isso que são estas indústrias que são as primeiras que estão abraçando a causa
idosa. Porque o padrão é pegar os idosos, pegar os velhos que estão aí
envelhecendo com mais saúde, mais disposição, com mais vontade de participar,
vivendo mais tempo, com mais qualidade de vida neste tempo e também se
transformando como consumidores, uma vez a que a vida deles tem mais vida.
Então a indústria tem as comunicações, as mídias, o discurso médico; então eles
pegam estes idosos, inserem estes idosos neste sistema do ser jovem. “Então tá,
temos novos consumidores, só que estes novos consumidores têm agora 70, 80
anos. Ok, então vamos trazer eles pra este sistema de ser jovem”. Então, você vê
um monte de comunicação, um monte de abordagem na mídia, de redes sociais e
tal que supervaloriza essa coisa do velho que salta de paraquedas, a velha que
dança não sei aonde lindamente, a velha que se veste como uma garotinha de 30
anos... Então uma supervalorização destes idosos que conseguem reproduzir o jeito
jovem de viver. Sendo que a gente olha pra nossa volta e os velhos que estão a
183
nossa volta a gente chama de múltiplas velhices, a heterogeneidade da velhice, não
existe uma única forma de ser idoso, de ser velho.
Eu acho que... Essa dinâmica que o mercado está construindo, eu acho que é muito
burra, eu acho que é burra, é limitada, porque, agindo assim, você como indústria,
você consegue falar só com uma parcela destes múltiplos idosos. E os outros que
não se identificam com este jeito jovem de ser? Eles não se identificam por isso, eles
não são alcançados por esta comunicação, eles não encontram um lugar pra eles
neste mercado. E o que as empresas conseguem com isso é perder consumidor e
não ganhar consumidor, incluir consumidor nos seus negócios. Então acho que a
proposta é: vamos conhecer esta multiplicidade de velhice pra gente poder atender
estas demandas diferenciadas ao máximo. Deixando de ter este único discursinho
de ser jovem como um único modelo de falar e incluir a terceira idade.
Então, acho que, Histórias Contadas, ele vem dar ouvidos pra terceira idade, acho
que ele abre uma porta, um espaço; dá uma importância pra essa histórias, pra essa
fala, pra essa voz da terceira idade. E isso, como eu falei pra você anteriormente no
começo da gravação, isto é transformador, porque dá um empoderamento – não
gosto muito desta palavra [risos], mas acho que pra agora é isso mesmo. O idoso
depois das entrevistas que a gente faz... gente! É incrível, é revigorante de ver.
“Nossa, olha que eu construí e olha o que eu ainda posso construir”. E também mexe
no lugar da família, no lugar deste idoso na família, você traz uma importância pra
ele dentro da família.
Então, você percebe que algumas relações também se transformam, na própria
família, porque as relações são revisitadas, né? Então um filho que agora tá cuidando
muito do pai, a hora que ele lê aquela história e ele vê quanto que o pai cuidou muito
mais dele do que nesses últimos anos que ele vem cuidando do pai.
Eu percebo, ainda não tenho tempo pra te dizer o quanto isso dura [risos], mas num
primeiro momento eu digo que é muito revitalizante, é lindo.
184
Fernanda: Esta é uma das transformações sociais que seu negócio gera?
E04: Esta transformação está dentro da família do idoso: primeiro, o idoso com ele
mesmo; segundo, o idoso com a família. E eu acho que o volume destas histórias
pode trazer um lugar social em que estas histórias vão fazer parte, vão pertencer,
vão começar a existir, a ser contadas. Este exercício de relembrar, este exercício....
e não é fácil, a gente precisa também ter um tato pra trazer estas lembranças. Já
teve idoso que falou: “Não, agora não quero mais”. Mas acho que Histórias Contadas
é isso.
O Raízes é o grande objetivo ajudar as empresas a ter um olhar múltiplo pra estes
idosos, é tentar fazer... Uma vez que o envelhecimento ainda vai acontecer no Brasil
– a gente ainda está se tornando um país velho e eu vou ser, vou fazer parte da
primeira geração [risos] destes idosos, sendo maioria da população –, eu acho que
eu posso contribuir pra que a gente tenha um sistema social mais honesto com a
multiplicidade de velhices, né. Então acho que Raízes vem buscar isso. Uma
honestidade maior em aceitar e incluir as múltiplas velhices existentes. Acho que é
pra gerar possibilidades, porque, se eu quero ser uma vovó que ficou em casa
fazendo bolo e cuidando dos netos, eu tenho que poder ser da melhor forma
possível.
Se quero ser um vovô que fica em casa sentado assistindo todos os programas de
TV que me agradam a tarde, eu tenho que fazer isso da melhor forma possível. Se
eu quero fica sozinha porque eu não quero ter cuidador em casa, eu tenho que ter
todas as condições desta casa e dos meus familiares poderem estar seguros de que
eu posso ficar ali dentro sozinho e de que eu tô amparado, se eu cair eu terei cuidado
logo, entendeu? Eu vou tá seguro de todas as maneiras ali.
Fernanda: Verdade, porque a segurança é pra ele e pra família.
E04: Então eu acho que é pensar em todas estas situações. Eu não tô falando só do
idoso que quer sair e quer ver show de teatro e tal; esse idoso também precisa ter
uma forma de ir e voltar segura, com calçada que dê pra ele andar, com ônibus que
abaixe pra ele pode subir. Eu acho que tem que pensar em todas as velhices
possíveis.
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Fernanda: De certa forma o que o Raízes acaba fazendo, que você faz, é um
trabalho de conscientização?
E04: Sim, junto às empresas, este é o desejo. A empresa demite, as demissões dos
60 anos... Eu tenho uma amiga que entregou mestrado essa semana, Thaís Araújo,
se você quiser falar com ela. Ela escreveu sobre isso e isso ainda é um fato, a gente
tem estatísticas que nos mostram que as crises de depressão, do que o idoso vai
fazer depois dessa demissão dos sessenta anos é uma das causas mais graves das
depressões, da queda da vitalidade dos 60 +... São as depressões que vem nesta
idade por conta das demissões.
Fernanda: Já ouviu falar da Maturijobs?
E04: Sim, o Morris.
Fernanda: Falei com Morris e ele fala inclusive que pro homem é mais pesado
ainda.
E04: Sim, é como para o homem parar de dirigir; pra mulher não é fácil, mas é mais
fácil do que pro homem. O homem se você tirar a carteira de habilitação é tirar aquela
parte dele, da virilidade, do poder; mexe muito. E o emprego também, pro homem,
porque a gente ainda cria estes homens, ainda está nesta geração em que os
homens são mais feitos pra trabalhar. Então eles ainda sofrem mais com isso.
Por exemplo, em todas as empresas que eu tenho ido, eu acabo indo pra falar do
meu trabalho de pesquisa de mercado, porque são assim que as pessoas dentro das
empresas me conhecem. E aí eu chego lá com essa novidade dos 60+ e aí eu tenho
lá uns quinze slides que eu falo com dados sobre isso e tal. Esse aumento da
população, a grana que estes caras têm, a renda disponível, né... Porque existe
mercado de consumo. E que a gente tá limitado na forma como se está falando.
A empresa fica assim: [BOCA ABERTA]. Juro pra você! As pessoas de marketing de
negócios ficam com dois olhões arregalados pra mim. Primeiro porque a primeira
informação de que a pirâmide vai mudar é novidade pra muitos. Então, as próximas
quinze páginas que eu vou falar, você não imagina o tanto de novidade que eu não
vou falar.
É super novidade, por exemplo, na Vivo, que eu fui falar. Falei pro VP [vice-
presidnete] de marketing, super legal e tararara [sic], aí na hora ele falou: “Pô, a
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gente tem que pensar também no RH, como estão as empresas”. A pessoa na hora
começa a pensar: “Poxa, e os meus funcionários? O que eu tô fazendo pros meus,
pras pessoas que trabalham aqui?”.
Na minha consultoria, o passo a passo, a primeira parte que é a parte da
investigação, uma das coisas é entrevistar os 60+ de dentro da empresa, a gente
não precisa ir pra fora, a gente tem gente aqui dentro que já é consumidor. Então...
Tem uma primeira etapa que é uma imersão no target que eu chamo e aí tem
pesquisa; tem algumas experiências que eu chamo de “laboratórios de
experiências”, são algumas vivências com target. Então, dependendo da indústria,
eu passo tarefas pras pessoas vivenciarem coisas com o target, pra estar ali, vivendo
aquilo ali junto. Aí uma das coisas é conversar com os 60+, ouvir os 60+ que
trabalham dentro desta empresa.
Fernanda: Seu negócio Inova?
E04: Pesquisa de mercado não é inovador, existe há não sei quantos mil anos [risos].
Oficina de inovação não é inovador, está todo mundo fazendo nos quatro cantos;
agora é design thinking, teoria do U... Está crescendo, mas já tem um monte de gente
fazendo. E consultoria de negócios tem um monte. O que que é inovador? É pegar
tudo isso e pegar pra conhecer os 60+.
Tem acho que mais uma empresa que faz isso também, que é a ERA... minha
concorrente [risos], que é a RAEP 60+, não sei se você já ouviu falar, eles estão
inclusive mais adiantados do que eu [risos], estão fazendo várias coisas, lançaram
relatório de pesquisa há uns três meses atrás , de uma pesquisa que eles fizeram
junto com Maturijobs inclusive. Mas também tão começando assim; mas eles tem
uma equipe maior, eles tem... mas acho que somos nós. E tem um ou outro consultor
que também faz isso, acho que empresa mesmo sou eu e eles.
Fernanda: Então sua iniciativa pode ser replicada por outros?
E04: Já está sendo replicada por outros.
Fernanda: E quais são os objetivos do Raízes para o futuro?
E04: Então, eu acho que tudo isso que a gente tá querendo está sendo tudo tão novo
e tem ainda pouquíssima demanda. Eu falo pra, com as empresas, todo mundo acha
lindo, todo mundo fala: "Uau, que legal!”, chama atenção, e: "Então, vamos lá fazer
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a oficina que vai acontecer em agosto, então vamos lá contratar uma consultoria,
vamos lá fazer uma pesquisa?”. Não, eles ainda não tem dinheiro pra isso, ainda o
dinheiro esta direcionado até os 50, que é que eles acham que é... Neste texto que
eu te falei do blog, você vai ver, eu fiz uma tabela com os argumentos que eles dão
pra não trabalharem com isso e aí eu contra-argumentei cada um destes
documentos.
Então ainda é novo este espaço dentro das empresas, eles ainda não tiram dinheiro
e botam na mesa pra isso, a não ser algumas empresas especificas e tal. Tem
empresa que já tá focada, que já esta se movimentando, mas é uma minoria. A
grande maioria acha lindo, mas ainda não... Então é difícil pensar em projetos mais
adiante, porque acho que este é um projeto que há dois anos atrás já era bem
adiante.
O que eu busco pra mim, pessoalmente, é ter cada vez mais um know how sobre
este target pra poder contribuir cada vez mais com essa, com essa expertise. E pra
Raízes eu gostaria que ela fosse vista como uma empresa transformadora desta
dinâmica do mercado de consumo, de ser uma das empresas que façam as
empresas olharem pros idosos de forma múltipla. Acho que esta é a grande meta, a
grande busca.
Fernanda: Como sua empresa se financia?
E04: Financiamento próprio, com cara e coragem. Eu tinha me resguardado e aí
chegou o momento.
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APÊNDICE F
Transcrição entrevista 05 - Negócio de Impacto Social voltado para prevenir e
reportar acidentes e auxiliar no pronto atendimento das vítimas idosas.
Fernanda: Fátima, como nasceu a ideia do negócio?
E05: Quando eu me aposentei com 55 anos, hoje eu tenho 62, então eu falei: “Bom...
O que que eu vou fazer?”. Era muito nova para parar de trabalhar e, mesmo porque,
o salário da administração pública não é um salário que te deixa confortável. Como
para qualquer pessoa que se aposenta, não é suficiente, apesar de eu ter
conseguido com recursos jurídicos retomar o valor que eu recebia por direito; porque
o Estado, ele não paga os seus direitos, você tem que entrar no jurídico para
conseguir seus direitos, é triste e enfim. Eu estou em uma situação em que eu
consigo viver sem nenhuma grande extravagância, atende às necessidades, tenho
uma vida normal; mas eu sempre tive vontade de empreender. Então, quando eu me
aposentei e algumas outras amigas tinham se aposentado na época, a gente ficou
pensando no que fazer, as três.
Quando eu estava na área pública, exercendo minha carreira, eu conheci a mãe de
uma amiga e, logo em seguida que eu tinha perdido minha mãe – eu perdi minha
mãe faz 11 anos e logo eu conheci essa senhorinha e ela estava super saudável e
era mãe de uma amiga minha – e ela estava com alguns problemas de ordem
administrativa, com salário dela, com pensão e estas coisas. E ela é uma pessoa
que tem e tinha vários comprometimentos de saúde e ela tinha direito a receber, a
não pagar imposto de renda – você sabe que o idoso, se tiver um problema grave
de saúde, ele não paga imposto de renda.
Ela me pediu isso pra eu fazer: deu um certo problema que fez; quer dizer, hoje em
dia você tem que tomar muito cuidado com quem você contrata, né? E aí um
advogado acabou não fazendo o que deveria fazer e cobrou por isso. Foi um
processo complicado, porque eu também estava na atividade minha profissional e
não poderia estar full time; mas o fato é que ela conseguiu recuperar em torno de
100 mil [reais], conseguiu não pagar mais imposto de renda e isto já tem mais de
sete anos. E ela pagava em torno de 2 mil [reais] por mês; quer dizer, 7 anos vezes
12 dá... Deixa eu fazer os cálculos para você. Eu acho que isso é importante, é
190
importante a gente quantificar as coisas pra saber o impacto do que foi feito, da coisa.
Vamos lá, olha só... Então, eu consegui reverter pra ela, vezes sete anos que eu fiz
isso, então vamos lá... Porque essa senhora ela tinha... Vamos lá, 7x12 = 84x2 =
168 mil [reais] do imposto de renda que ela pagava, ela não está pagando mais; mais
uns 100 mil [reais] que ela recebeu; só nisso foi 268 mil [reais], certo? E aí eu também
consegui pra ela antecipar um dinheiro que ela tinha pra receber de um precatório
dela, mais 60 mil [reais]. E também eu consegui, ela tinha um segundo companheiro
que faleceu fazia uns cinco anos e eu consegui que ela recebesse o salário dele que
era 2 mil [reais]. Até agora são 328 mil [reais], dois mil vezes... Ué, não tô
conseguindo fazer... São 60 meses, 60 meses x 2 mil [reais] são 120 mil [reais];
então, 368 [mil reais] mais 120 mil [reais], eu recuperei pra ela 488 mil [reais], certo?
Então você veja que...
Aí bom, ao longo destes anos, fora todas as coisas que ela quis e precisou fazer eu
fiz pra ela. Aí eu fui aumentando; digamos assim, ela foi aumentando a confiança em
mim e ela foi cada vez mais pedindo coisas e, ao mesmo tempo, ela ia piorando a
sua saúde e eu fui acompanhando tudo isso e fui levando em médico e levando a
questão de médicos. Ela teve três vezes um AVC e eu socorri, porque ela como foi
uma senhorinha bipolar, ela teve a vida muito difícil com os filhos, então a relação
com os filhos é muito difícil e ela tinha esse distanciamento, com exceção de uma
filha, certo? Então, eu fui acompanhando a vida dela até hoje.
Isto tem uns 10 anos, eu perdi a minha mãe tem uns 11 anos e fazia um ano, nós
estamos em que ano? 2018? Foi em 2008 ou 2009, não tenho muita lembrança; mas
foi por aí, 2008 ou 2009, certo? E aí naturalmente a gente transfere um pouco deste
afeto e amor que a gente tem pela mãe, a gente transfere porque ela tinha as
características muito da minha mãe e, obviamente, eu não sou nenhuma criança, né.
Eu sei perfeitamente porque a gente transfere, além de ter uma paciência muito
grande – sempre tive com a pessoa idosa – e compaixão – eu não tenho pena, eu
tenho compaixão, eu tenho uma relação com a pessoa idosa muito saudável, de
empatia porque eu acho que é uma fase da vida que todos nós, se vivermos,
passaremos.
E, aí depois de dois anos depois que eu me formei, eu passei um ano, o primeiro
ano viajando; fui pro Ceará, porque eu sou do Ceará, fui pra outros lugares, viajei
pra outros lugares e, depois de um ano sabático, eu comecei a pensar no que fazer.
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Neste ínterim, um filho dela me perguntou o que que eu tinha feito para a mãe e eu
fiz um relatório pra ele do que eu tinha feito pra dona Terezinha e quando eu fiz foi
um relatório sucinto de 8 páginas. Quando eu terminei, eu falei: “Está aqui o que eu
vou fazer!”. Foi assim que nasceu a ideia da Filha e Companhia. Pesquisei durante
um ano, estudei o mercado, então montei a empresa.
Fernanda: Impressionante, foi de uma coisa completamente... Surgiu
naturalmente de um ato de cidadania.
E05: Isto mesmo, surgiu. Indiretamente o filho dela tem participação nisto, entendeu?
Fernanda: O que você acabou fazendo com ela não era diretamente a intenção
exata, mas foi uma assessoria.
E05: Exatamente. Eu fui uma aliada dela então a gente saía todo sábado e domingo,
eu a levava pra passear, jantávamos fora, ela era uma pessoa muito da noite, ela
era viva assim. E ela tinha as crises de bipolaridades dela, ela era artista plástica, eu
fiz uma exposição pra ela, porque eu também mexo com cultura e sempre mexi.
Na época que eu trabalhava no setor público, eu fiz vários projetos nesta área
cultural, envolvendo a área pública, e então eu tive uma grande experiência. Eu
também fui do Conselho da Pessoa Portadora de Deficiência, representando a
Secretaria dos Transportes Metropolitanos por oito anos e fiz um projeto com
pessoas portadoras de deficiência e não portadoras de deficiência para incluir as
pessoas, para chamar a atenção da sociedade para a causa. Também na Secretaria
a gente criou um Conselho de Acessibilidade das Empresas porque a Secretaria dos
Transportes Metropolitanos tem Metrô, CPTM, EMTU e tinha Emplaza. Então a gente
criou o Conselho com os representantes destas empresas pra estudar acessibilidade
e acessibilidade nos transportes públicos, então significa elevadores, significa uma
série de procedimentos que hoje são adotados por estas empresas.
A gente teve contato com as normas da ABNT. Era um conselho que tinha muitos
representantes da sociedade civil e pública para resolver a questão da acessibilidade
em São Paulo. A gente também fez um projeto de rua acessível, então... Eu tive na
minha vida profissional, eu tive, digamos assim, eu margeei várias áreas que me
deram conhecimento para poder atuar, para me sentir apta para ter esta empresa.
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Fernanda: Parece que, de certa forma, a vida vai abrindo os caminhos, né?
E05: A vida foi me levando e eu, quando criança, meus avós tiveram vida longeva e
eu adorava a companhia deles e eu acho que eles eram pessoas muito especiais
como todos os avós e a gente tem esta afinidade. Se você durante a vida teve uma
relação difícil com seus idosos, seja ela porque eles têm doença muito precoce –
porque aí fica meio difícil – ou porque são pessoas distantes; se você tem, que foi
meu caso, uma relação próxima, de respeito, de carinho, de admiração pelos meus
avós; talvez eu não tivesse criado esta empatia. Então foi tudo naturalmente.
Meus pais também tiveram uma vida longa, meu pai 92 [anos] e minha mãe 82. Quer
dizer, não foi tão longa, ela morreu rapidamente, mas ela teria ainda este tempo de
vida, se ela não tivesse tido um infarto. Então, isto tudo a vida foi me dando.
Eu já fui aconselhada a fazer o curso de Gerontologia, aqueles que você faz; mas,
assim, ou eu trabalho ou eu faço o curso. E então eu, voltando um pouco, logo que
eu criei a empresa eu pensei em praticar os serviços que eu prestei pra Dona
Terezinha.
Fernanda: O que faz a sua empresa, qual o propósito dela?
E05: Logo depois, a filha dela me passou uma informação de uma empresa no Rio
Grande do Sul que estava implantando serviço de tele assistência, certo? – que é
este serviço que eu presto. E aí eu entrei em contato com eles e fui para o Rio Grande
do Sul. Isto foi em uma semana e voltei com a representação. Então, a partir daí, eu
venho trabalhando também com a tele assistência e hoje tenho muito mais clientes
nesta área de tele assistência do que na área de acompanhamento, porque é uma
área que é de direito, esta área do administrativo. Eu tenho clientes sim, mas não
tanto quanto eu tenho de tele assistência.
Fernanda: O que você faz na tele assistência?
E05: Eu vou mostrar pra você, a gente tem vários equipamentos. O primeiro
equipamento que a gente teve foi esse aqui (MOSTRA O EQUIPAMENTO); este
equipamento, como é que ele funciona? Ele é antiguinho e eu tenho aqui e depois a
gente tem mais modernos, e como é que funciona? A gente usa uma pulseira, o
usuário usa uma pulseirinha; quando a gente instala este equipamento é instalado
junto ao telefone fixo e à tomada, ele é acoplado ao telefone fixo; a gente faz um
plano de ação, este plano de ação... Eu vou pegar minha pulseirinha.
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Então é o seguinte, tem esta pulseirinha aqui que a pessoa idosa usa, ele [o
equipamento] funciona pra dentro de casa certo? Então, em uma situação de
emergência, ele aciona. A gente aciona aqui (APERTOU O BOTÃO) e ele chama a
emergência e minha central de relacionamento entra em contato comigo.
Porque quando eu faço a instalação eu faço um plano de ação, neste plano de ação
eu coloco todos os dados do usuário, todos os dados da família.
Agora eu vou informar para pessoas aqui que é um teste, senão vão ficar me ligando.
Então veja só, e aqui você vai ver no meu celular, tem a informação que foi feito uma
chamada de emergência.
Agora este é o antigo, então como é que eu faço? Logo eu vou na casa da cliente,
como eu te falei, e faço o plano de ação [em] que consta os dados da pessoa, do
usuário, medicação que toma, os seus dados pessoais, plano de saúde, quais as
deficiências, a data de nascimento e todo histórico, se ela tem alguma deficiência
física. A gente tem todos os contatos por ordem de prioridade das pessoas que
querem ser acionadas em caso de emergência que normalmente são os filhos, os
irmãos, enfim...
Muito bem, quando isso acontece, se ela não atender o telefone, se ela não falar
como eu falei com você. Então, se eu não responder, ou então se eu responder que
eu estou precisando de ajuda, além desta mensagem que imediatamente vai pra
todas as pessoas que estão no plano, esta mensagem que você vê, se não
responder eles ligam pros familiares. Ou, se eu responder, eles ligam para os
familiares pra pessoa ser socorrida rapidamente.
Recentemente eu tive um caso de uma amiga minha com pai dela que já tinha tido
um AVC e aí ele, e ele era chato pra usar, chato, chato, chato; e as 05h da manhã
ele apertou o botão e foi socorrido. Deu tempo e não teve nenhuma sequela, pois o
problema do AVC é a demora no atendimento; então se você for atendido em 15
minutos ou meia hora, você praticamente não tem nenhuma sequela; agora se você
demorar ser atendida... aí você tem sequelas absurdas. Eu tinha um cliente que ele
teve um AVC assistindo televisão e a filha ao lado e ela não percebeu, achava que
ele estava dormindo, então ele ficou absolutamente comprometido, então esta é a
função.
Este processo, ele já existe no mundo a mais de 30 anos e no Brasil já tem uma
outra empresa – minha concorrente. Eu não vou falar mal desta empresa, porque a
194
gente não deve, por uma questão de ética, falar mal, mas é uma empresa é uma
empresa que o interesse dela é criar, crescer muito e falha no atendimento
entendeu?, o objetivo é diferente do meu.
Fernanda: Mas quando você conheceu este trabalho foi com esta empresa?
E05: Não, foi com esta empresa que ainda hoje eu sou parceira, empresa do Rio
Grande do Sul, chamada Tecno Sênior. São duas empresas, Tecno Sênior e Iris
Sênior – depois eu vou te falar da evolução toda–, uma nos fornece o equipamento
e a outras nos fornece o monitoramento, ou seja, a central de monitoramento, certo?
E com o passar do tempo estes equipamentos vão sendo aprimorado. Então, por
exemplo, o mesmo sistema, funciona exatamente do mesmo jeito, só que tem este
aqui (APONTOU O PRODUTO) que é um pingente de quedas. Então, se você cair
de qualquer altura, ele chama, ele faz a chamada, é um sensor de quedas.
Este aqui (APONTOU O PRODUTO) é um mais moderno, mais bonitinho; é
exatamente a mesma função, mas mais bonitinho. Nós temos também o outro que
por acaso como, eu viajei, acabou meu estoque e eu não trouxe ainda, que é
parecido com este, que é também muito parecido – vou te mostrar a foto –, é um
Mini GPS. Estes que eu te mostrei são para dentro de casa, mas pra fora de casa
você não tinha, mas agora nós já temos; quer dizer, não tinha quando eu entrei, mas
agora já temos. Ele funciona como um mini-rastreador, ele tem um chip de celular e
ele também tem um telefone e, se ela cair, ele também chama; a pessoa aperta e
ele também chama. Este aqui a gente esta fazendo um este com ele, está sem
bateria. Então você pode usá-lo como relógio, no bolso pra homem, encaixado como
um celular, ele tem aqui um carregador pra carregar.
Fernanda: Mas, como você disse lá fora, isso já existia, mas, no Brasil, não
existia este tipo de serviço aqui?
E05: Quando eu comecei, ela já existia esta empresa que eu te falei, esta empresa,
Tecno Sênior, que é a empresa que fornece os equipamentos. Ela vai todo ano a
duas ou três feiras internacionais em busca de equipamentos. Então, olha aqui, deixa
eu te mostrar o sensor, o outro. Este aqui é o que eu te falei que a pessoa usa no
pescoço. Você aperta no SOS. Como é que ele funciona? Ele tem um chip de celular
que a gente implanta nele e aí faz a configuração com três números de telefones,
certo? Estes três números quando você aperta vai uma mensagem pra estes três
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números dizendo “Help me” e diz exatamente onde você está, por isso que ele é pra
dentro e pra fora de casa. Aí ele tem N possibilidades, ele tem uma grande, uma
cerca de proteção, digamos assim, principalmente para pessoas com Alzheimer, que
está no início do Alzheimer. Então assim, a pessoa está começando com o
Alzheimer, ela sai geralmente sozinha e às vezes se perde. Então isto aqui é
fantástico, a pessoa não precisa sequer apertar o botão. Você pode localizar ela a
qualquer momento. Aí você pode por uma cerca; por exemplo, você fala assim: “Se,
dentro de cinco quilômetros de cerca, ela ultrapassar, eu quero que dispare” e
também é um sensor de quedas, se cair você pode pôr uma cerca; se aumentar a
velocidade a 80 quilômetros por hora do carro, eu quero que ele informe.
Você apertou e ele manda “Help me” para os números, manda pro primeiro; o
primeiro não atende e vai pro segundo; o segundo não atendeu, vai pro terceiro e
fala viva voz. Ele não precisa fazer nada, apertou e já vai fazer a ligação. Aqui, do
lado dele, tem um botãozinho que a pessoa quer falar. Você define um dos três
números que você queira fazer uma ligação direta. Aqui do lado no botãozinho, você
aperta e faz uma ligação direta, entendeu?
E tem uma outra coisa também, que você pode, por exemplo, – e vou já fazer esta
ligação – você pode deixar que qualquer pessoa ligue no telefone dele ou você pode
fechar só pra estas três pessoas. Por que que a gente deixa fechado? Porque
telefone hoje em dia todo mundo liga e tem muita chamada de propaganda; então a
gente deixa só pros três números, certo?
Enfim, ele tem hora, tem tudo; ele é completo. Qual a desvantagem dele? A
desvantagem é que às vezes, dependendo do lugar – ele funciona via satélite –,
dependendo do lugar o chip pode falhar. Então se você está no interior do Mato
Grosso que não funciona, ele só funciona com a Vivo, os outros telefones não foram
aprovados... porque a Tecno Sênior só lança no mercado um produto quando ela faz
teste; muitas vezes, pelo menos um ano.
Todos os nossos produtos são aprovados pela Anatel, tá certo? Então a gente não
lança no mercado algo que não foi testado e aprovado. Eles são produtos
importados, são produtos caros, é um investimento caro, não é um investimento fácil,
ainda estou pagando este investimento.
Eu quero te mostrar este que está carregando, ele é a junção do Pers, que funciona
dentro de casa; te falei também do pingente de quedas que também funciona da
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mesma forma só que você não precisa apertar; te falei do IGo que é pra fora de casa.
Este [APONTOU O PRODUTO], estamos em teste com ele; este é um aparelho que
ele funciona pra dentro de casa e pra fora de casa, ele é uma junção dos dois. Por
que que é uma junção? Porque ele pode, aqui quem nos atende é uma central de
monitoramento certo? Aqui no IGo quem nos atende são os familiares, ok?
Normalmente são dois familiares e eu; eu também estou no processo.
Então, se algum cliente meu aciona, eu sei que ele me acionou, por quê? Eu vou te
mostrar. Então aqui eu tenho o IGo, um aplicativo, aqui que eu faço a configuração
de todos os clientes. Eu tenho alguns clientes, outros não. Mas alguns clientes eu
tenho que, eu sou a terceira pessoa. Então, quando um deles toca, eu sou acionada,
eu sou a terceira pessoa. Eu faço parte do processo porque, caso a família não possa
comparecer, eu me comprometo. Agora, o que que acontece quando eu faço o
atendimento? Eu sei que a pessoa tá precisando de socorro, né. Eu identifico. Mas
se eu for à casa da pessoa este é um serviço à parte; então eu cobro à parte,
entendeu?
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Fernanda: O que você espera a longo prazo do seu negócio?
E05: Então, por exemplo, um serviço que eu faço que é muito legal, que eu gosto é
de levar pessoas idosas ou pra ir fazer tratamento ou pra ir a médico ou pra
entretenimento, cinema, teatro. Eu faço um trabalho exclusivo, eu vou quando é
cliente novo e eu tenho uma equipe que eu posso contar com ela, mas normalmente
o primeiro contato sou eu que faço, sou eu que vou, todos os clientes que eu tenho.
Eu já instalei mais de 100 equipamentos. Eu tenho é pouco, eu queria ter mil clientes.
Por mais que você ache “é um produto fantástico este”, e é um produto fantástico,
mas as pessoas não conhecem e aí quando não conhecem, não compram. E pra
gente fazer uma propaganda de massa é muito difícil, é muito caro. Então a gente
usa a internet. Eu tenho uma diretora de marketing que faz todo meu marketing, ela
publica nas redes sociais, e eu também pago o Google, mas é difícil, não é fácil.
O mercado estava muito bom em 2016, ele estava em ascensão, e depois de 2016
ele caiu, porque as pessoas estão sem dinheiro, mas, de qualquer forma, ainda é
muito útil porque, por exemplo, agora eu tive muitas demandas com esta crise de
gasolina, porque as pessoas não podem levar seus pais aos médicos. Às vezes
moram fora da cidade de São Paulo, então me procuram pra eu pegar e levar e eu
tenho muito carinho, é sempre uma pessoa nova cheia de informações. Um idoso,
ele tem muita informação pra te passar, né?
Outro dia eu tive uma cliente que ela era de Praga e eu acabei de conhecer Praga o
ano passado e me encantei. Então a gente conversou horas e foi um mês que
acompanhei ela e, na hora de ir embora ela chorou, porque eu poderia ter pedido pra
filha “Olha, deixa eu acompanhar”, pois a filha tirou ela de alguns supermercados e
estas coisas que ela gostava de fazer. Mas aí você interferir na rotina do idoso
quando a família determina é uma coisa complicada, então você mantém a distância.
Mas é gostoso, pois o que você troca de informação... O idoso, quando ele ainda
está bem, pois a nossa proposta é trabalhar com idoso que ainda esteja bem, não
adianta eu colocar um aparelho deste num idoso que está com Alzheimer em terceiro
grau que não saí mais de casa, não adianta, é perda de tempo, porque ele já vai
estar com cuidador.
Este, por outro lado, é um produto que faz com que a família economize muito
dinheiro por um bom tempo. Porque, quando a família decide que o idoso está só e
não é legal ele morar sozinho, ele vai querer pagar uma pessoa. Hoje em dia, uma
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cuidadora não saí por menos de R$ 3500,00 com os encargos. Não é fácil pra uma
família; principalmente o idoso de classe média que tem, é raro aquele idoso que
tem uma boa aposentadoria.
Os idosos têm resistência em relação à tecnologia, é um desafio, então é muito difícil.
Agora estamos em estudo em duas possibilidades, uma delas é de agregar também
a oferta do cuidador. A gente está estudando isto há uns três, quatro meses, porque
eu tenho muita demanda e eu sempre indiquei cuidadores. Por exemplo, com a dona
Terezinha eu montei uma equipe de cuidadores e isto também eu fiz, pois os filhos
continuam ausentes, e eu montei uma equipe de cuidador e ela passou por todos os
processos.
Ela [dona Terezinha] passou pelo processo da empregada doméstica que virou
cuidador, que se aproveitou, que extorquiu, que fez refém. Quando os filhos são
ausentes, os empregados fazem o idoso refém, porque, quando o filho não pode
cuidar, ele prefere que outro faça mesmo que este abuse, faça extorsão, abuse, seja
grosseiro, mas tudo isso porque ela quer ficar livre.
Foi o que aconteceu com ela. Então ela passou por todos estes processos até uma
das filhas se aproximar mais, ver o que estava acontecendo. Pusemos câmera e
então a gente conseguiu durante um ano, uns quatro meses mudar toda equipe e
colocar uma equipe legal, pois neste processo de quatro meses entrou umas trinta
cuidadoras, é uma invasão. Hoje em dia estamos com três cuidadores fixos e uma
aos finais de semana.
Então, funciona assim: durante o dia é uma pessoa que cuida da casa e administra
a casa e uma cuidadora e a noite uma cuidadora e aos finais de semana fica uma
cuidadora e uma outra que fica no final de semana com ela, certo. Tem que ter uma
equipe, é uma staff. Hoje ela tem um problema de saúde de infecção urinária e uma
diarreia crônica; esta diarreia sempre teve, ela tá com 86 anos e vira e mexe ela se
hospitaliza, né, porque baixa o magnésio, baixa o potássio.
Ela é uma artista plástica famosa, estes [APONTOU PARA QUADROS NA PAREDE]
são dela. Ela é linda – vou te mostrar uma foto dela – ela continua lindíssima. Ela
teve uma vida muito difícil por conta da doença dela, ela teve uma doença muito
séria que foi a bipolaridade e é uma doença que afeta o social e afasta muita gente.
Ela adora se maquiar, se pentear, ela ainda todos os dias, ela... as cuidadoras. Ela
escolhe qual a roupa que vai vestir, qual o brinco e a pulseira que vai usar, o anel
que vai usar, mas se encaminha para a finitude, né, assim como todos nós. À medida
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que a gente vai envelhecendo a gente vai pra finitude. Mas eu tenho uma alegria de
ter tornado a vida dela, os últimos dez anos mais amenos, né...
Então, até há pouco tempo, por conta de falha no atendimento dela, pois ela
precisava de uma fonoaudióloga e os filhos não puseram. Então ela perdeu a
deglutição, então ela está se alimentando por isto aqui, uma sonda. Ela era uma
pessoa que comia muito bem e quando você perde a deglutição fica ruim, mas a
fonoaudióloga esta inserindo novamente. Então aos poucos ela vai voltar a deglutir
um pouco de doce que ela gostava, algumas coisinhas que ela gostava, papinha de
maçã, estas coisas, né.
Ela tava num momento... Eu cheguei segunda-feira, hoje é quarta, né? Cheguei
segunda-feira e, quando liguei, as cuidadoras estavam levando ela pro hospital,
porque agora ela tem HomeCare não de cuidadoras, mas médicos, fonoaudiólogas,
fisioterapeutas, equipe médica que dá assistência e ela está sendo, a minha alegria
é que ela está sendo muito bem cuidada. Então ela é bem assim, ela é uma pessoa
que se impõe ainda hoje. Quando ela percebe que fazem o que ela não quer, ela
briga resmunga, mesmo que não tem mais a fala, ela olha pra você e você já sabe
que ela tá brava [risos], entendeu? Mas é isso, com ela eu aprendi e coloquei a Filha
e Companhia pra funcionar; então sou grata a ela.
O meu site, ele já teve algumas mudanças porque, às vezes, um profissional começa
e tem que interromper e vai pro outro. A outra cobra caríssimo e a gente não pode
pagar, e aí vai pra um terceiro. Então a gente acabou modificando algumas coisas.
Mas eu tinha um agradecimento muito grande a ela, porque é um negócio que a
gente criou em cima de uma demanda que ela me mostrou. Então é isso.
Hoje eu tenho uma equipe, minha equipe é toda externa. Eu tenho uma pessoa que
me ajuda aqui quando eu preciso, ela não está toda hora, ela vem duas ou três vezes
por semana. Mas aí você fala: “Fátima, não é muita demanda?”. É muita demanda,
mas o que que acontece. As minhas empresas que me dão o suporte maior. Eu
tenho o equipamento e monitoramento e eu preciso de pessoas pra fazer a
instalação e para fazer acompanhamento aos idosos. Então estas pessoas não
precisam ficar aqui, são externas; quando eu tenho uma demanda, eu aciono.
Ontem, eu tive... Eu tenho uma equipe de enfermagem que a gente tá montando. A
gente tá fazendo um trabalho de criação de equipe de cuidadores, porque, como eu
estava contando pra você as pessoas me ligavam e eu cedia: “Olha, eu tenho
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cuidador sim. Assim, assado”, todas, já que eu conheço – porque eu não indico
ninguém que eu não tenha... por que é muito sério você colocar um cuidador na casa
de outra pessoa.
Primeiro, você tem a questão de segurança. Eu sempre aconselho a ter câmeras.
Quando chega nessa fase, eu aconselho a colocar câmeras, porque você não sabe
quem é que tá. Você olha uma pessoa, a gente não vê, você tem que ver, tem que
ouvir. A dona Tereza não tem só o vídeo, como eu tenho o áudio e elas não sabem
que eu tenho o áudio, então, eu e as outras duas filhas tem áudio, certo? Então, a
gente tem todo esse cuidado e eu aconselho a toda família a fazer isso.
Então, assim, a gente tá montando essa equipe, uma segunda fase, isto pro segundo
semestre, uma equipe de cuidadoras. A gente vai fazer trabalhos de testes e de
entrevistas, entendeu? Até também para ela me ajudar na venda dos meus
equipamentos. Então a gente tá estudando isso e também – eu vi agora em
Fortaleza, eu fui ver algumas confecções de jaleco e –, talvez a gente lance o ano
que vem o Jaleco na Filha e Companhia, bem personalizado; mas são ideias que a
gente tá tendo.
Fernanda: Qual a missão, qual o objetivo do seu negócio?
E05: Continuar crescendo sem perder a qualidade. Acho que a característica
principal do meu negócio é ser uma aliada ao idoso e à família do idoso, com
compaixão. Você ter a compaixão, não a compaixão da pieguice, mas sim fazer com
paixão. Então eu quero ser uma aliada da pessoa idosa nas suas necessidades, ser
companheira dela nas suas atividades que ainda possa fazer com compaixão, ou
seja, fazer com afeto, fazer com carinho sem ser piegas. Eu não quero de forma
alguma ser piegas, não é essa a intenção.
Então eu jamais vou falar meus idosos, eu não tenho idosos, eu tenho pessoas
idosas que são meus clientes. Eu os vejo como clientes e quero ter uma relação de
profissional com afeto. Então, assim, eu conheço todos os meus clientes, a gente
liga uma vez por mês pra todos os clientes. Poderia estar ligando toda semana, mas
acho isso uma invasão; então eu ligo todo mês pras pessoas e a gente tem várias
ideias de fazer eventos com essas pessoas, interagir entre eles, mas São Paulo é
uma cidade muito difícil de fazer isso. É uma cidade que o trânsito não permite. Eu
tenho cliente em Jundiaí, em Campinas, eu tenho cliente no ABC. Então fica difícil
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de você está conciliando estes clientes todos. Tenho clientes no Jabaquara, em
Santana, no Embu, então como é que você vai fazer isso, juntar?
Fernanda: Mas é uma coisa que, de repente, você acha que seria importante.
E05: Acho que seria legal, a gente tá estudando. Aliás, faz um ano que a gente tá
com essa ideia na cabeça. Agora eu vou receber uma pessoa que eu recebo, já tive
várias pessoas que quiseram levar a Filha e Companhia pra seus Estados, e aí elas
vêm aqui, eu explico todo processo Me ocorreu já de fazer uma franquia, tem uma
pessoa agora que me procurou de Brasília, veio pessoas de Brasília, veio gente de
Minas. Aí. quando chega, eu explico todo processo como é, aí ela diz assim: “Ah, tá
ótimo, obrigada”. Aí ela vai colocar, porque ela não precisa da Filha e Companhia
pra colocar, entendeu? Porque ela já tem o fornecedor dos equipamentos, ela monta
uma pra ela.
E eu não acho ruim, aliás, como é que nós funcionamos, nosso grupo? Nós temos
representantes em todos os estados do Brasil, na maioria dos estados brasileiros,
nas Grandes Capitais, e todos eles estão implantando o que eu implantei na Filha e
Companhia. Estão agregando serviços com seus nomes respectivamente, empresas
diferentes, mas aí eles... A do Rio implantou tudo que eu tenho e faz hoje melhor do
que eu.
Fernanda: Você acha que que a sua iniciativa pode ser replicada por outros?
E05: Já está sendo replicada e meu grande sonho seria ter uma Filha e Companhia
em todas as cidades brasileira, ou várias Filha e Companhia em todas as cidades
brasileiras. Porque assim, você imagina, com esse espírito de ter empresas aliadas
dos idosos, porque o setor público ele não atende a demanda, não dá conta; então,
a população tá envelhecendo, é necessário.
Eu tenho amigos traíras também [risos]. Eu tenho um amigo que eu encontrei com
ele, ele era amigo de uma cliente que eu fui fazer demonstração e encontrei com ele
na rua aí eu expliquei: “Olha eu tô fazendo isso”. Eu trabalhei com ele há muitos anos
e aí ele disse: “Ah que legal Fátima”. Ele trabalhava com governador, estava
apressado pra ir trabalhar, e ele se aposentou e, como todo mundo, envelheceu,
caiu, ficou quatro horas sozinho numa casa imensa e aí só depois de quatro horas
foi que descobriam ele. Então ele ficou muito aflito, os filhos colocaram.
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Aí eu tenho uma amiga que a irmã dela foi viajar pros Estados Unidos e ela ficou
morrendo de medo de ficar sozinha e falou: “Fátima, eu quero colocar o IGo”, porque
eu passeio com as cachorras, já caí”. Eu disse: “Tá bom, eu não vou te vender não,
vou te emprestar porque você usa, ela tá meio apertada, você fica usando sem
problemas”, e aí ela disse: “Fátima , eu vou falar pro Sales. Muito legal isso”. Quando
ligou pro Sales, foi encontrar com ele, ele já estava com um e deste meu reloginho
do concorrente, eu fiquei bravíssima [risos]... Aí eu peguei, pedi o telefone dele,
mandei pra ele as informações, ele disse que tem vários amigos que querem e eu
disse: “Veja se você indica a Filha e Companhia”.
Então é isso e tem uma coisa de boca a boca. Agora, é de fato quando você pensa
numa despesa recorrente. Por que que esse é um negócio bom? É uma receita
recorrente, todo mês quer faça chuva ou faça sol nós temos aquela receita, nós
pagamos a central e monitoramento, que não é um terço da receita bruta, e a gente
tem aquela receita. Então é um bom negócio porque é uma receita recorrente, ok?
Além de eu vender os produtos, eu tenho uma receita recorrente, porque o IGo eu
tanto vendo como também eu faço por locação; então tudo é locação, a pessoa me
paga por mês. E eu acho que é caro o que se paga por mês, para uma pessoa de
classe média, é caro.
Fernanda: Quanto mais ou menos?
E05: É cento e, eu aumentei esse mês, é cento e setenta e oito reais, mas não é
uma despesa barata, classe média; dez reais por mês a mais é significativo. Eu
aumentei esse mês, todos os meus parceiros já vendem a cento e oitenta e cinco,
eu digo, este mais simples. O IGo é duzentos e quinze [reais]; o sensor de quedas
também fica duzentos e quinze [reais] por mês; este outro, o IHelp, vai em torno de
duzentos e quinze [reais], mas eu sou a que vendo mais barato.
Por exemplo, eu tô fazendo para alguns clientes antigos que estão migrando pro IGo.
Tenho alguns problemas, por exemplo: se a linha de telefone não for boa, dá
problema, porque tem que funcionar. É muito sensível este aparelho. Então, alguns
estão migrando, então não vou cobrar duzentos e quinze, porque ele pagava cento
e setenta; então eu faço pelo mesmo preço. Então eu sou a que ganha menos com
a mesma quantidade de produtos, porque eu vendo mais barato.
A gente faz testes, eu só instalo depois que faço testes. Este aparelho tem uma coisa
super legal também, ele tem várias outras funções, por exemplo, você pode atender
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o telefone. Vamos imaginar que você esta longe do telefone, certo? Aí ele toca, você
aciona o botão e você fala, ou seja, você atende o telefone no viva voz e aí a família
pode entrar em contato. Vamos imaginar que a família ligou pra casa do cliente e
não conseguiu falar com cliente, ficou super apreensivo; ela pode entrar viva voz
sem a pessoa precisar atender o telefone. Então é genial, tem muitas coisas
interessantes.
Fernanda: E esta empresa que é seu fornecedor, eles que desenvolveram? Eles
têm uma patente ou alguma coisa assim?
E05: Não, não, isto é um produto, como eu te falei, que já existe nos Estados Unidos
e na Europa, há muitos anos, há mais de trinta anos. Nós trouxemos estes
equipamentos pro Brasil e nós fizemos um ano de teste com Anatel e conseguimos,
digamos, o nosso diferencial porque todos os nossos produtos são aprovados, tem
aprovação da Anatel.
Então, a gente não chega e importa um produto qualquer, porque o mercado está
cheio de tecnologia nova, e a gente implanta aqui. Nós não temos uma reclamação
no Google, a gente não tem uma reclamação. A gente prima por atender porque,
você imagina, o cliente paga a vida inteira um negócio desse e quando precisa usar
não funciona. A pessoa pode morrer, é muito sério. Então por isso que todo mês a
gente faz testes e ele tem uma outra coisa: por exemplo, se ele tiver, se este produto
a bateria tiver baixa, ele nos avisa, eu sei dois, três meses antes.
A nossa central de monitoramento manda pra gente a informação dos equipamentos
que precisam mudar a bateria, tanto da bateria do pingente quando a bateria do
aparelho. Se acaba a energia, ele tem trinta horas de bateria, certo? E isso é a nossa
garantia. O IGo, por exemplo, se ele está com bateria baixa, porque ele funciona
como um celular, nós somos avisados e aí a gente entra em contato com usuário e
diz: “Liga o produto, liga a bateria”. Entendeu? Então a gente tem que ter. Estes
produtos não é só você colocar no mercado, você tem que colocar no mercado pra
dar segurança aos filhos, os familiares daquela família do idoso, tem que cumprir o
objetivo. Então a gente tem muito cuidado porque é muito sério.
Fernanda: Quais demandas da longevidade o seu negócio atende?
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E05: A maior demanda nossa é atendida pela tecnologia, com a tele assistência,
mas eu gostaria muito, eu queria muito que fosse meio a meio, a tele assistência e
o acompanhamento à pessoa idosa nos seus afazeres, digamos assim, entendeu?
Por exemplo, eu quero fazer um supermercado e não tenho mais condições de ir só.
A Filha e Companhia pode acompanhar, porque isso é um prazer, fazer um
supermercado. Eu quero ir a um cinema e não posso ir só, a Filha e Companhia
poder levar. Eu preciso fazer um exame, eu já fiz isso, já acompanhei em hospitais,
já acompanhei. Já vivi todas estas experiências, de levar pro entretenimento, de
levar... então eu sei o quanto é importante.
Um passeio de carro... Eu gostaria que esta demanda fosse a mais usada, mas eu
tenho mais clientes na tele assistência. Eu gostaria que fosse meio a meio,
entendeu?, que eu pudesse ter esta demanda, que tivéssemos mais clientes que a
gente pudesse atender no seu, digamos assim, é ... na sua alegria , entendeu? No
seu prazer, no seu divertimento, no seu social.
A tele assistência acaba atendendo uma demanda física, de uma debilidade física,
ela pode salvar vidas. Eu já tenho experiências de que ela salva vidas, traz
segurança. O familiar fica seguro, a palavra é essa, e pode salvar vidas.
Além disso, o social, estar mais próximo a pessoa idosa, ver o prazer que ela tem no
supermercado, no passeio de carro, numa ida ao teatro, numa ida ao circo. As
experiências que eu tive e eu vejo, é palpável quando eu exerço este trabalho, é
muito gratificante. Eu volto pra casa feliz da vida. Então, por exemplo, já tive clientes
que levei ao Cauby Peixoto, vi Circo de Solei, teatro da Bibi Ferreira. A gente vê,
passear de carro, comer um lanche na Ofner, é “o evento”. Passear de carro aqui
por São Paulo, pelos lugares que ela sempre foi, isso é fantástico.
205
Fernanda: O seu negócio inova? Como?
E05:Eu acho que eu inovei. Não existia nada igual; quando eu criei a Filha e
Companhia, não existia nada igual. Hoje já existe os parceiros, são parceiros de
causa. Eu não abri uma franquia porque eu acho que uma franquia ela tem... Por
que que eu não abri uma franquia, Fernanda? Porque como é que eu posso é...
Quando você abre uma franquia de um produto, você pode fabricar aquele produto,
você tem a receita do bolo e você pode fazer um trabalho de qualidade e você pode
medir a qualidade do produto que vai ser entregue. Mas quando você faz um serviço
como o meu, como o da Filha e Companhia, por mais que você treine a pessoa, você
não vai saber se na ponta vai existir isso, entendeu?
Então é um risco e, de repente, a Filha e Companhia, ela tem que, continuo
pensando, talvez ano que vem eu amadureça mais, veja se vale a pena, mas eu
temo. Tenho esta preocupação de que o trabalho da Filha e Companhia tenha essa
qualidade, a qualidade que eu passo.
O dinheiro pra mim é o menos, eu acho. Se eu for dizer pra você, realmente, a gente
precisa do dinheiro , mas meu negócio não é movido pelo dinheiro, é movido pelo
prazer mesmo de atender a pessoa idosa. Então, ontem mesmo, eu estava em
Fortaleza, que eu passei dez dias, e aí uma filha de uma cliente me ligou.
Quando ele instalou, os filhos instalaram o equipamento, já faz dois anos, o genro, o
filho – eu já não me lembro mais– me deu um cheque, porque a gente cobra uma
taxa de adesão. E aí depositei este cheque normalmente e depois, quando eu
depositei, eles informaram que era um cheque que a conta já tinha sido cancelada.
Aí eu falei: “Não tem problema. Faz o seguinte, deposita o dinheiro, eu recolho o
cheque e não tem problema”.
Vou te dar dois exemplos.
Eles me pagaram e eu perguntei: “O que vocês querem que eu faça, querem que eu
mande o cheque pra você?”. “Não Fátima, faz o seguinte, rasga, pica ele” e eu piquei.
E eu achei muito interessante esta confiança que eles tiveram, eu piquei e quando
foi na sexta-feira eles me ligaram desesperados dizendo: “Fátima, eu preciso
daquele cheque, porque eu abri uma conta, nós vendemos um bem da minha mãe e
o banco dela não nos dá cheque, porque tem aquele cheque do Banco Itaú que a
gente deu e o Banco Itaú não libera” e eu falei: “Não tem problema, eu vou procurar,
mas eu tenho uma leve lembrança que o Ricardo me disse que era pra eu picar”. Eu
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não quis dizer diretamente, aí eu: “Vou fazer o seguinte, isto já aconteceu comigo,
eu vou fazer uma carta endereçada ao banco dizendo o que aconteceu e que eu
piquei o cheque e aí dá tudo certo”. “Aí Fátima, super obrigada”. Ela me ligou umas
dez vezes, aflitíssima, e aí eu falei com Ricardo e ele me disse que lembra
perfeitamente quando pediu pra eu picar, “desculpe o incômodo”. E aí eu fiz a carta
ele veio buscar e, enfim, deu tudo certo.
Uma outra cliente, ela passou uns três, quatro meses sem pagar, porque, assim, nós
temos um contrato, obviamente. Este contrato ele diz que no segundo mês a gente
pode desligar se não pagar, mas eu nunca fiz isso e nem vou fazer. Mas ela deixou
quatro, cinco meses sem pagar e aí eu nunca cortei o serviço; e aí um dia ela me
ligou: “Fátima, eu quero lhe pedir desculpas porque eu não tô pagando, mas eu não
tô pagando porque meu pai teve um problema no INSS e a gente ficou sem receber
o salário dele este período, mas agora a gente já resolveu e eu queria pagar. Você
pode parcelar?” Eu falei: “Eu vou parcelar, mas eu vou fazer diferente. Eu vou
parcelar e vou te dar um desconto”. E aí eu dei um desconto pra ela, ao invés de
cobrar juros, e parcelei.
Eu nunca cobrei juros, nunca cobrei taxas, eu sou absolutamente contra tudo isso e
tem uma coisa também que eu faço que é uma questão de principio mesmo, né... Se
a pessoa não pode pagar, eu não vou cobrar uma taxa por dois, três, quatro ou cinco
dias. Se ela não pode pagar o serviço essencial na vida dela é porque ela não pode.
Então eu deixo, digo olha... “Ah, Fátima, eu esqueci de pagar, como é que eu faço?.
Ela poderia pagar, ir no banco, pagaria juros, mas aí eu digo: ”Não paga, deposita
sem juros sem correção e nem nada”. Eu tenho meu controle, né.
Fernanda: E como seu negócio se financia?
E05: Recursos próprios, eu investi. Conto com os parceiros, conto com as
colaboradoras. Eu não tenho mais, não quero mais ter funcionários. Eu já tive, mas
não deu certo; tive algumas perdas bem grandes assim com funcionário fixo. Porque
funcionário eu tive, eu contratei uma pessoa que estava numa dificuldade muito
grande e contratei; e aí essa pessoa depois saiu e eu tive um prejuízo sério com ela.
Então, eu prefiro hoje trabalhar com parceiros, mesmo que eu pague mais, eu dê
uma comissão maior. Então a gente trabalha com contratos, né, de parcerias e eu
não tenho nenhum vínculo empregatício, esta é a minha proposta. Eu acho que o
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empreendedorismo ele é importante quando todo mundo ganha, eu sempre digo
para pessoas.
Como eu talvez eu seja a pessoa que pague melhor aos parceiros e seja, dentro de
todos os meus parceiros de venda no Brasil inteiro, eu seja a que cobre menos dos
clientes – porque eu acho que você não pode, as pessoas ficam horrorizadas –, eu
pago tudo isso porque eu não quero ganhar sozinha. Esta mentalidade do
empresariado brasileiro é ganhar pouco, é ganhar muito em pouco tempo e por
pouco produto. Então, o que a gente viu agora, que não é a lei da oferta e da procura
e você sabe disso; esse abuso de preços da falta, isso não é lei de oferta e procura,
isso é bandidismo; não é lei da oferta e procura, é outra história. Falta de caráter,
isso é falta de compaixão, de solidariedade.
Então eu não quero mais, a essa altura do campeonato da minha vida, me tornar
uma pessoa milionária; a menos que eu ganhe na MegaSena, não é esta minha
intenção. Eu tenho, assim, eu acho que eu tenho, sem falsa modéstia, um trabalho
de ordem social relevante na minha vida e quero continuar assim, eu quero saber
que eu fiz alguma diferença. É um negócio, é uma empresa, mas eu atendo uma
demanda social.
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