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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ADMINISTRAÇÃO Fernanda Cardoso Romão Freitas Negócios de Impacto Social e Inovação Social: Contribuições para a Revolução da Longevidade MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO São Paulo 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ADMINISTRAÇÃO

Fernanda Cardoso Romão Freitas

Negócios de Impacto Social e Inovação Social:

Contribuições para a Revolução da Longevidade

MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

São Paulo

2018

Fernanda Cardoso Romão Freitas

Negócios de Impacto Social e Inovação Social:

Contribuições para a Revolução da Longevidade

MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Administração, sob a orientação do Prof. Dr. Arnoldo José de Hoyos Guevara.

São Paulo

2018

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total

ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou

eletrônicos.

Assinatura _______________________________________

Data __________________________

E-mail __________________________________________

Fernanda Cardoso Romão Freitas

Negócios de Impacto Social e Inovação Social:

Contribuições para a Revolução da Longevidade

Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre em Administração, sob a orientação do Prof. Dr. Arnoldo José de Hoyos Guevara.

Aprovado em ___/___/_______

BANCA EXAMINADORA

________________________________

Prof. Dr. Arnoldo, de Hoyos Guevara

________________________________

Prof. Dr. Ladislau Dowbor

________________________________

Prof. Dr. Luciano Ferreira da Silva

Agradeço inicialmente o apoio da

Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela

concessão de bolsa de estudos, no

período de agosto de 2016 á Julho de

2018, sob número do processo

88887.147584/2017-00.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Arnoldo de Hoyos Guevara, pelo apoio, por me ensinar a compreender

com delicadeza os desafios do Administrador de Empresas neste mundo repleto de

desigualdades e por ter sido fonte de inspiração no desenvolvimento deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Ladislau Dowbor, pela sua contribuição no sentido de ensinar a olhar a

dinâmica complexa da sociedade com o olhar simples que a vida exige e pela enorme

contribuição na banca de qualificação.

Ao Prof. Dr. Luciano Ferreira da Silva, pela enorme dedicação no ensino, pela

solidariedade, por compartilhar seus conhecimentos metodológicos, pela paciência e

por acreditar no meu trabalho e em minha pessoa.

Aos amigos Gil Junqueira (in memoriam) e Francisco Zorzete, que contribuíram

fortemente na minha jornada profissional.

À minha mãe, Maria Lurdete Cardoso, por ser a fonte inesgotável de aprendizado em

minha vida e por me impulsionar a seguir o caminho acreditando sempre na vitória.

À minha família como um todo, em especial ao meu amor e companheiro Alexandre

de Castro Freitas e à minha irmã Vanessa Cardoso Romão, pelo apoio incondicional

na realização desta nova etapa da vida. Agradeço pelas palavras de estimulo e pela

compreensão de minha ausência neste período. Obrigada por fazerem da minha

jornada um caminho prazeroso e iluminado.

RESUMO

Os Negócios de Impacto Social (NIS) estão em crescimento em diferentes partes do globo e a Inovação Social (IS) surge como uma alternativa para criar soluções inovadoras de forma inclusiva. Hoje, há indícios de que a IS pode se tornar fundamental para o crescimento econômico e social. Isto se deve ao fato de estarmos vivenciando desafios transformadores como a Revolução da Longevidade, que está ocorrendo no Brasil e no mundo e requer iniciativas inovadoras para atender às novas necessidades decorrentes desta transformação. Foram identificadas, por meio da revisão de literatura, algumas lacunas no campo, tais como: poucos estudos empíricos sobre NIS e IS e ausência de estudos sobre NIS e IS para a questão Revolução da Longevidade. A partir destas lacunas, e tendo em vista que, em um futuro próximo, grande parte da população será idosa, chegamos à questão desta pesquisa: como os NISe as Inovações Sociais podem trazer soluções para superar o desafio da crescente longevidade da população? O objetivo desta pesquisa é, portanto, ilustrar como os NIS e as IS podem trazer soluções para o desafio da crescente longevidade da população. Os procedimentos metodológicos adotados seguiram uma abordagem qualitativa e exploratória, com aplicação de entrevistas em profundidade como fonte de dados e evidências. O processo de análise dos dados foi feito com auxílio do software ATLAS.ti e com base na técnica de codificação. Os resultados revelaram quinze principais desafios da Revolução da Longevidade, sendo o preconceito o maior entre eles. Já a maior contribuição em resultado social oferecido pelas empresas participantes desta pesquisa é a possibilidade de existência social. Tal resultado social contribui fortemente com dois dos quatro pilares do Envelhecimento Ativo, resposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Revolução da Longevidade.

Palavras Chave: Inovação Social; Negócios de Impacto Social; Longevidade.

ABSTRACT

The Social Impact Business (NIS) is growing in different parts of the world and Social Innovation (IS) emerges as an alternative to create innovative solutions in an inclusive way. There is evidence that Social Innovation can become important to economic and social growth. Such is due to the fact that we are experiencing transformative challenges such as Longevity Revolution, which is occurring in Brazil and in different parts of the world and requires innovative initiatives to meet new needs resulting from this transformation. In the literature review, there were identified some gaps in the field, such as: few empirical studies about Social Impact Business and Social Innovation and inexistence of studies on NIS and IS for the challenge of longevity increase. Then, from this gap and knowing that in the near future a big part of the population will be elder, we come to the question of this research: How can Social Impact Business and Social Innovation propose solutions to overcome the challenge of increasing longevity? The proposal of this research is to illustrate how Social Impact Business and Social Innovations can bring solutions to this challenge. The methodological procedures followed a qualitative and exploratory approach with interviews to obtain of evidence source. The process of data analysis was done with the help of ATLAS.ti software, based on coding technique. The results of this research show that the main challenge of the Longevity Revolution is prejudice. Other fifteen challenges were evidenced in this research. The greatest contribution in social outcome by the companies participating in this research is the possibility of social existence. This social result contributes strongly to two of the four pillars of Active Aging, which are important elements in response to the Longevity Revolution.

Key Words: Social Innovation, Social Impact Business, Longevity

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Principal região com produção acadêmica de acordo com os critérios de

seleção - Continente Europeu ................................................................................... 46

Figura 02 - Principal subcontinente com produção acadêmica de acordo com os

critérios de seleção - América do Norte .................................................................... 46

Figura 03 - O processo da Inovação Social .............................................................. 51

Figura 04 - Continuum da Inovação Social ............................................................... 55

Figura 05 - Processo e dimensões de uma Inovação Social ..................................... 58

Figura 06 – O que São Finanças Sociais .................................................................. 63

Figura 07 - Localizações Geográficas ....................................................................... 65

Figura 08 - Temáticas ............................................................................................... 67

Figura 09 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Censo 1940 ....................................... 76

Figura 10 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Projeção 2060 .................................... 76

Figura 11 - Tabela de co-ocorrência - parte 01 ....................................................... 111

Figura 12 - Tabela de co-ocorrência - parte 02 ....................................................... 112

Figura 13 - Tabela de co-ocorrência - parte 03 ....................................................... 112

Figura 14 - Tabela de co-ocorrência - parte 04 ....................................................... 113

Figura 15 - Mapa conceitual .................................................................................... 115

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Principais abordagens para Negócios Sociais ......................................... 29

Quadro 2 - Conceitos de Negócios de Impacto Social .............................................. 30

Quadro 3 - Definições de Inovação Social ................................................................ 36

Quadro 4 - Estudos bibliométricos anteriores............................................................ 41

Quadro 5 - Periódicos por quantidade de artigos publicados .................................... 42

Quadro 6 - Dados dos artigos separados para a realização do estudo de Martins et al.

(2015) ........................................................................................................................ 44

Quadro 7 - As dimensões de análise da Inovação Social ......................................... 49

Quadro 8 - Variáveis para análise da Inovação Social .............................................. 53

Quadro 9 - Etapas da pesquisa ................................................................................. 93

Quadro 10 - Apresentação dos entrevistados ........................................................... 95

Quadro 11 – Códigos que representam as categorias para análise .......................... 97

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Expectativa de Vida do Brasileiro – IBGE (2005-2016) ............................ 71

Tabela 2 - Esperança de Vida ao Nascer – Banco Mundial ...................................... 71

Tabela 3 - Expectativa de Vida Homens e Mulheres – IBGE (2005-2016) ................ 73

Tabela 4 - Taxa de Natalidade – IBGE (2005-2016) ................................................. 74

Tabela 5 - Taxa de Natalidade – Banco Mundial (2005-2016) .................................. 74

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Convergência entre taxa de natalidade e taxa de expectativa de vida

mundial ...................................................................................................................... 75

Gráfico 2 - Frequência dos códigos por documentos primários .............................. 108

LISTA DE SIGLAS

FTFS - Força Tarefa Finanças Sociais

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICE - Instituto Cidadania Empresarial

IDL - Índice Urbano de Longevidade

IRIS - Impact Reporting and Investiment Standars

IS - Inovação Social

OMS - Organização Mundial da Saúde

ONG - Organização não governamental

NIS - Negócio de Impacto Social

NS - Negócio Social

PEA - População Economicamente Ativa

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 23

2 NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL E INOVAÇÃO SOCIAL COMO UM NOVO

CAMPO DE PESQUISA ........................................................................................... 27

2.1 O Conceito de Negócio de Impacto Social e Inovação Social ......................... 27

2.1.1 Inovação Social como um novo campo de pesquisa ............................ 38

2.2 Dimensões para análise da Inovação Social ................................................... 47

2.2.1 As dimensões de Cloutier.......................................................................... 48

2.2.2 O modelo de Murray et al. (2010) .............................................................. 49

2.2.3 O modelo de Tardif e Harrison .................................................................. 51

2.2.4 As variáveis da Inovação Social de Buckland e Murillo ............................. 52

2.2.5 As dimensões de De Bruin e Stangl .......................................................... 54

2.2.6 A Rede Quebequense de Inovação Social ................................................ 55

2.2.7 As dimensões da Inovação Social e o papel dos atores organizacionais . 56

2.2.8 Processo e dimensões de uma Inovação Social de Patias et al. .............. 57

2.3 O ecossistema de Investimento de Impacto – As formas de captação de recursos

.............................................................................................................................. 59

3 PANORAMA GERAL SOBRE O AUMENTO DA LONGEVIDADE NO BRASIL E NO

MUNDO .................................................................................................................... 69

3.1 Os desafios da Revolução da Longevidade .................................................... 78

3. 2 O Envelhecimento Ativo da OMS ................................................................... 84

3.2.1 Os pilares do Envelhecimento Ativo .......................................................... 86

3.3 Negócios de Impacto Social , Inovação Social e a Longevidade ..................... 88

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 91

4.1 Apresentação e análise dos dados ................................................................ 106

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 118

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 121

APÊNDICE A .......................................................................................................... 129

APÊNDICE B .......................................................................................................... 131

APÊNDICE C .......................................................................................................... 146

APÊNDICE D .......................................................................................................... 158

APÊNDICE E .......................................................................................................... 178

APÊNDICE F .......................................................................................................... 188

23

1 INTRODUÇÃO

Em um mundo cada vez mais globalizado e desigual, observamos o

surgimento de movimentos advindos da sociedade civil com o objetivo de suprir as

lacunas sociais e ambientais deixadas pelo Estado, pelas organizações e pelas

empresas privadas. Movimentos sociais, ações voluntárias e ONGs procuram

preencher este vazio ocasionado pela ausência do Estado e das organizações em

relação aos problemas e desafios sociais complexos existentes.

Hoje, há indícios de que a IS pode se tornar fundamental para o crescimento

econômico e social. Isto acontece porque estamos vivenciando desafios, tais como

mudanças climáticas e envelhecimento populacional, que só podem ser superados

com o auxílio da inovação (MULGAN et al., 2007). A complexidade dos problemas

enfrentados possui incontáveis causas, porém, poucas soluções. Nessa

circunstância a IS surge com o propósito de buscar alternativas para o futuro da

sociedade (BIGNETTI, 2011).

Além disto, temos observado uma mudança de ótica nas organizações nos

últimos anos, como o surgimento de ideias como criação de valor compartilhado

(PORTER; KRAMER, 2011), capitalismo consciente, responsabilidade social nas

empresas (WBCSD, 2000; MARREWIJK, 2003; HENDERSON, 2001) e

desenvolvimento sustentável (WCED, 1987; SACHS, 1994). Percebe-se uma

revisão de valores em relação ao impacto que estas desejam causar na sociedade

e, com isso, notamos o surgimento de diversos tipos de negócios híbridos que

buscam em sua essência atingir objetivos outrora impossíveis de serem

compatibilizados: a geração de valor financeiro e a geração de valores

socioambientais. Por este motivo, tem-se tornado cada vez mais frequente os

termos: NS, NIS Empreendedorismo Social, Investimentos de Impacto, IS, entre

outros.

Os NIS são empreendimentos que têm a missão explícita de gerar impacto

socioambiental ao mesmo tempo em que geram resultados financeiros positivos e

de forma sustentável (ICE, 2015). A IS, por sua vez, é um termo ainda mais recente

e, devido ao fato de ser um campo de pesquisa relativamente novo, e que atraí

interesse de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, ainda não foi

estabelecido um conceito de entendimento comum. Dada a sua

24

multidisciplinariedade, o conceito ainda se encontra em construção (CAJAÍBA;

SANTANA, 2014).

Em recente pesquisa Cabral, Moreira e Santos (2017) concluíram que no

contexto nacional o conceito mais utilizado nas pesquisas científicas é o do

pesquisador Geoff Mulgan (2007). Segundo o autor, IS são atividades inovadoras

que se movem pelo objetivo de resolver uma necessidade social e que se difundem

entre as organizações que possuem propósito social.

Já o conceito estabelecido por Phils et al. (2008), e adotado pela Stanford

Social Innovation Review ,uma das mais conceituadas revistas da área, diz que IS é

uma nova abordagem para lidar com problemas sociais; uma solução mais efetiva,

eficiente, sustentável ou justa do que as soluções já existentes e cujo valor gerado

beneficia prioritariamente a sociedade como um todo e não apenas alguns

indivíduos.

Ao lado dos problemas e crises sociais, a IS torna-se uma ferramenta de

mudança. A consciência da existência de uma lacuna entre o que a sociedade

precisa e o que está sendo oferecido pelos governos, empresas e instituições é o elo

necessário entre a identificação do problema e a ação para solução dos mesmos.

Um dos grandes desafios que estamos vivenciando, no Brasil e no mundo é

o aumento da expectativa de vida, o que exige novas formas de organizações,

cuidados, empregos, novos modelos de habitação e novos métodos para combater

o isolamento (MULGAN et al., 2007). Esta Inversão da Pirâmide Demográfica é uma

realidade presente não só no Brasil, mas em outros países ao redor do mundo (IBGE,

2018; BANCO MUNDIAL, 2016). O Japão exibe altas taxas de expectativa de vida

e, em contrapartida, baixas taxas de natalidade. Consequentemente, possui uma das

maiores proporções de cidadãos acima de 60 anos em comparação com outros

países no mundo (DUAN, 2017).

No contexto mundial, desde que o índice de expectativa de vida começou a

ser apurado em 1960 pelo Banco Mundial, os maiores índices de expectativa de vida

são da China, cuja expectativa de vida em 1960 era de 66,96 anos e passou para

84,27 anos em 2015; seguida pelo Japão, que em 1960 tinha um índice de 67,66

anos e passou para 83,84 anos em 2015. Os países da zona do euro em 1960 tinham

o índice de expectativa de vida de 69,27 anos o qual, em 2015, passou para 82,07

anos (BANCO MUNDIAL, 2017).

25

Em artigo publicado na Stanford Social Innovation Review, Chang (2012)

chama atenção da academia afirmado que, enquanto não houver novos modelos

bem-sucedidos de propostas de negócios para os cuidados para idosos, todas as

outras formas de IS serão restringidas. O autor afirma ainda que o futuro da IS pode

estar estritamente ligado à questão da atenção com a população envelhecida. Ainda

nesta mesma pesquisa, Chang (2012), baseado em dados analisados referentes à

investimentos iniciais do Fundo de IS, afirma que mais de um terço dos investimentos

realizados foram direcionados para ações voltadas aos jovens, não existindo uma

única iniciativa na lista direcionada para os idosos.

Em estudo realizado por Howaldt, Domanski e Kaletka (2016), pesquisadores

da Sozialforschungsstelle at the TU Dortmund University, concluíram que a mais

importante e urgente inovação no contexto do século XXI terá lugar no campo social

e este fenômeno está nos direcionando para um novo paradigma da inovação. A

necessidade de NIS e IS existente em diferentes partes do mundo faz com que esta

temática seja atualmente o foco de estudos de muitos pesquisadores das ciências

sociais. Existe a necessidade não só de amadurecer o debate teórico como,

principalmente, de conhecer as características empíricas destas inovações.

Sendo assim, e tendo em vista que em um futuro próximo grande parte da

população será idosa, identificou-se uma lacuna nos estudos sobre IS, a qual esta

pesquisa pretende preencher respondendo à seguinte pergunta: Como os NIS e as

IS podem trazer soluções para superar o desafio da crescente longevidade da

população? O objetivo desta pesquisa é ilustrar como os NS e as IS podem trazer

soluções para o desafio da crescente longevidade da população.

A fim de responder à pergunta de pesquisa e atingir o objetivo geral, foram

traçados os seguintes objetivos específicos:

• Desenvolver um referencial teórico que possibilite a compreensão e

evolução do fenômeno dos NIS e IS;

• Identificar características e padrões da IS;

• Descrever os resultados obtidos por estes negócios;

• Identificar modelos de negócios pautados em IS para a longevidade;

• Identificar de que forma os NIS captaram recursos financeiros para

desenvolver as ideias.

26

Por fim, é importante elencar aqui a estrutura das informações que serão

apresentadas nas próximas páginas deste trabalho. O primeiro capítulo trata-se

desta introdução que fez uma breve contextualização do campo de pesquisa, da

situação problema e demonstrou uma lacuna no que tange aos estudos de NIS e IS

voltados para a longevidade, bem como demonstrou os objetivos pretendidos.

No segundo capítulo, serão apresentadas uma revisão de literatura sobre NIS

e IS e uma breve conceituação de termos ligados a esta temática como NS,

Investimento de Impacto, Finanças Sociais e outros. Em seguida, no terceiro

capítulo, serão apresentados dados sobre o aumento da longevidade no Brasil e no

mundo, bem como reflexões sobre as consequências deste fenômeno demográfico.

No quarto capítulo, apresentamos a metodologia de pesquisa e o

procedimento de coleta de dados, seguidos da análise e discussão dos resultados

obtidos. Finalmente, no quinto capítulo, tecemos nossas considerações finais quanto

à pesquisa desenvolvida e a possíveis pesquisas futuras.

27

2 NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL E INOVAÇÃO SOCIAL COMO UM NOVO

CAMPO DE PESQUISA

Discorrer sobre IS é um desafio uma vez que não existe consenso na literatura

sobre uma definição única. Este fato deve-se à sua multidisciplinariedade e ao fato

de o termo ainda estar em construção. De Bruin e Stangl (2013) afirmam que o termo

“IS” é relativamente novo, porém a sua prática não é. A prática de indivíduos, grupos

e comunidades trabalhando juntos visando alcançar formas inovadoras a serem

implantadas para resolução de problemas sociais complexos é de longa data na

história.

Antes mesmo de se falar sobre IS, vários outros termos correlacionados, como

Empreendedorismo Social, NS e NIS, já existiam e vinham se consolidando dentro

e fora da academia no campo da ciência da administração de empresas.

Por todos estes termos pertencerem à mesma grande área de estudo e se

correlacionarem de alguma forma, faz-se necessária uma conceituação breve dos

mesmos para maior esclarecimento da delimitação do recorte analítico desta

pesquisa em NIS e IS. Afinal, IS é um termo que vem se tornando familiar, mas

muitos ainda não estão totalmente certos do que ele realmente significa.

2.1 O Conceito de Negócio de Impacto Social e Inovação Social

O termo mais conhecido, Empreendedorismo Social, foi cunhado por Bill

Drayton, fundador e CEO da Ashoka, uma organização internacional sem fins

lucrativos surgida na Índia em 1980. Na definição da Ashoka, o empreendedor social

aponta tendências e traz soluções inovadoras para problemas sociais e ambientais,

seja por enxergar um problema que ainda não é reconhecido pela sociedade, seja

por vê-lo por uma perspectiva diferenciada (ASHOKA, 2013).

Os NS podem abranger uma gama de serviços de acordo com Dees (1998),

tais como educação, cuidados médicos, moradia, combate a fome, conservação

ambiental, ou seja, elas atuam em áreas onde o mercado por si só pode não

conseguir suprir estas necessidades. Na concepção de Dees (2001), o

empreendedor do século XXI deve ser um agente de mudança e transformação

social.

De acordo com Battilana et al. (2012), NS podem ser organizações híbridas,

ou seja, podem ser organizações sem fins lucrativos ou organizações que almejam

28

resultados financeiros e sociais. Já na concepção da Yunus (2018), fundador da

Yunus Negócios Sociais, instituição mundialmente reconhecida no que diz respeito

a NIS, NS são empresas que tem o único objetivo de solucionar problemas sociais e

não podem distribuir dividendos.

Pela ótica da Yunus (YUNUS NEGÓCIOS SOCIAIS, 2018), NS unem a

dinâmica dos negócios tradicionais com a consciência da filantropia. Esta tipologia

de negócio possui alguns princípios estabelecidos. São eles:

• O objetivo do negócio será redução da pobreza ou mais problemas (como

educação, saúde, acesso à tecnologia e meio ambiente) que ameaçam as

pessoas e a sociedade, não a maximização dos lucros;

• Ser financeira e economicamente sustentável;

• Investidores recebem de volta somente o valor investido, ou seja, nenhum

dividendo é pago além do dinheiro investido;

• Depois que o investimento for devolvido, o lucro da empresa fica na empresa

para ampliação e melhorias;

• Ser ambientalmente consciente;

• Colaboradores recebem valor de mercado com melhores condições de

trabalho.

Comini (2016) identifica três principais correntes que explicam os NIS. A

perspectiva europeia, com suas bases na economia social; a perspectiva norte-

americana, que diz que estes são negócios privados com a lógica de mercado

dedicada à resolução de questões socioambientais; e a terceira corrente,

predominante nos países em desenvolvimento, para a qual NS atuam na lógica de

mercado e buscam a redução da pobreza e a transformação da condição social

existente.

Ainda nesta mesma pesquisa, Comini (2016) encontrou divergências em

relação à distribuição ou não de lucros dos NS. As correntes que afirmam que os NS

fazem parte da lógica de mercado acreditam que deve haver a distribuição de

dividendos e esta atitude não prejudicaria em nada o crescimento e expansão de seu

negócio social. Contudo, pelo contrário, atrairia investimentos externos e,

consequentemente, aumentaria o efeito escala que um NS almeja. Outras

abordagens são totalmente contrárias à distribuição de lucro, entre seus defensores

estão especialistas consagrados como Yunus (COMINI, 2016). Para melhor

29

compreensão das diferenças e semelhanças entre as três abordagens, Comini et al.

(2012) trazem o quadro a seguir (Quadro 1) para esclarecimento das perspectivas:

Quadro 1- Principais abordagens para Negócios Sociais

Perspectiva Europeia Perspectiva Americana

Perspectiva dos Países emergentes

Definição Organizações que são empresas regido por objetivos sociais

Qualquer mercado empresarial atividade que tem impacto social dentro de suas atividades empresariais

Organizações ou empresas que gerar mudança social através de atividades de mercado

Principal Propósito

Oferecer serviços, originalmente na esfera do setor público, com custos mais baixos e gerar oportunidades de emprego para populações desempregadas ou marginalizadas.

Acesso a bens e serviços Anteriormente disponível apenas para a população mais afluente segmento.

Iniciativas de redução da pobreza que deve ter um impacto social que é positivo, eficaz e, especialmente, longo prazo.

Modelo de Negócio

As empresas sociais são distintas porque o seu social e/ou propósito ambiental é absolutamente central para o que eles fazem.

Busque valor compartilhado: resultados financeiros + impacto social.

O impacto social é um alvo principal

Escala Não é relevante Extremamente relevante

Desejável

Lucro Reinvestimento de lucros dentro da organização para melhorar o crescimento e impacto social.

Distribuição de dividendos faz parte da lógica de mercado.

• Visão asiática: os lucros devem apenas ser reinvestido no negócio. • Visão latino-americana: aceitação distribuição de dividendos.

Mensuração de Impacto

Principalmente impacto social

impacto social e econômico

Principalmente impacto social

Fonte: Adaptado de COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012

Os NS ganharam destaque com Muhammed Yunus, criador do Grameen

Bank e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006 (COMINI, 2016). No Brasil, o

termo que vem ganhando cada vez mais espaço é “NIS”. Para o Serviço Brasileiro

de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2017), NIS são inciativas

financeiramente sustentáveis geridas por pequenos negócios que buscam

transformar a realidade da população menos favorecida e que fomentem e

desenvolvam a economia local.

30

Já para Petrini et al. (2016), NIS são organizações com propósito de atender

demandas relacionadas a problemas sociais ofertando produtos ou serviços ou

incluindo indivíduos ou grupos na sociedade. Estas organizações promovem sua

própria sustentabilidade financeira e a distribuição de lucro pode ou não acontecer.

O Quadro 2 apresenta os principais conceitos de NIS utilizados no Brasil.

Quadro 2 - Conceitos de NIS

Fonte: Elaborado pela autora,2018

Os chamados NIS possuem características das três perspectivas identificadas

por de Comini et al. (2012) no Quadro 1. Se buscarmos um enquadramento do termo

NIS com base nas três perspectivas pode-se dizer que se encaixa mais na

perspectiva americana devido ao fato de ser possível a distribuição de lucro, a

questão da escala ser de extrema importância e o impacto social desejado fazer

parte da atividade do negócio.

Vale ressaltar que os NIS são diferentes das ONGs, pois buscam a

sustentação de suas atividades por meio de venda dos seus produtos e serviços e,

desta forma, buscam não depender de doações ou outras formas de recursos que

não venham de sua própria atividade. Os NIS também não têm o propósito de

substituir as organizações não governamentais e tampouco o papel dos governos;

Autor Conceito

ICE (2015)

NIS são empreendimentos que têm a missão explícita de gerar

impacto socioambiental ao mesmo tempo em que geram resultado

financeiro positivo e de forma sustentável.

PETRINI, M; SCHERER,

P; BACK, L (2016)

NIS são organizações que visam solucionar demandas relacionadas a

problemas sociais, seja ofertando produtos e serviços, seja incluindo

indivíduos ou grupos. Essas organizações devem promover sua

própria sustentabilidade financeira, sendo facultativa a distribuição de

lucros.

SEBRAE (2017) Iniciativas financeiramente sustentáveis, geridas por pequenos

negócios, com viés econômico e caráter social e/ou ambiental, que

contribuam para transformar a realidade de populações menos

favorecidas e fomentem o desenvolvimento da economia nacional.

ARTEMISIA (2018) No nosso conceito, NIS são empresas que oferecem, de forma

intencional, soluções escaláveis para problemas sociais da população

de baixa renda

31

pelo contrário, assumem suas responsabilidades sociais como atores da sociedade

civil (YUNUS; MOINGEON; LEHMANN-ORTEGA, 2010).

A Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem demonstrado interesse em se

aprofundar nos estudos sobre o tema e possui um núcleo de NIS (GVcenn-NIS) que

tem o objetivo de pesquisar, gerar e disseminar conhecimento na área de negócios

empreendedorismo de impacto social. Este núcleo nasceu nas comemorações de 10

anos do FGVcenn e de 60 anos da FGV-EAESP, como uma resposta ao crescente

interesse tanto de empreendedores como de empresas em ter um propósito maior

além de retorno financeiro, gerar também um impacto positivo na sociedade (FGV,

2018).

Todo o debate sobre NIS vem ganhando cada vez mais espaço na academia,

no mercado e entre os defensores de causas socioambientais. Por conta deste

caloroso debate, diversos institutos e especialistas iniciaram suas pesquisas a fim

de compreender, propagar, fomentar e até incubar o NIS. Começaram a surgir então,

iniciativas como a do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), que surgiu em 1999

e tem se dedicado a fomentar os NIS e a IS. O ICE atua como um articulador dos

agentes, líderes, investidores e empreendedores sociais com o propósito de

fomentar a criação de NIS.

De acordo com o próprio ICE (2018), este tipo de negócio pode assumir os

mais diferentes formatos legais: associações, fundações, cooperativas e até mesmo

empresas privadas. Assim, a IS é o grande motor para a criação destes negócios.

Independente do formato jurídico, os NIS, na visão do ICE (2015), devem seguir

quatro princípios:

• têm propósito de gerar impacto socioambiental positivo explícito na sua

missão;

• conhecem, mensuram e avaliam o seu impacto periodicamente;

• têm uma lógica econômica que permite gerar receita própria;

• possuem uma governança que leva em consideração os interesses de

investidores, clientes e a comunidade.

Em 2015, o ICE lançou a “Carta de Princípios para negócios de impacto no

Brasil”. Este documento traz princípios de atuação para todos os tipos de NIS. O

primeiro princípio, compromisso com a missão sócioambiental, pode existir de

diferentes formas e em diferentes níveis, seu compromisso pode estar explícito na

32

missão e valores institucionais; pode ser incluído no contrato social, se tornando

assim o seu objeto social, ou pode estar explícito a todos em sua cultura, por meio

da missão, visão e valores da empresa.

O segundo princípio é o compromisso com o impacto social e ambiental

monitorado, pois precisam ter seus resultados mensurados periodicamente,

desenvolver métricas para mensuração deste impacto e por fim reportar com

transparência estes dados. Com esta prática o NIS demonstra transparência e mede

o lucro social que se propôs a gerar.

Com o terceiro princípio, compromisso com a lógica econômica, a ideia é que

os NIS atuem dentro de uma lógica de sustentabilidade financeira. Podem ter capital

filantrópico, mas devem desenvolver seus próprios mecanismos para serem

autossustentáveis de forma que possuam independência para ser replicados,

acompanhando uma corrente de IS como lógica de mercado, conforme exposto

anteriormente.

O quarto princípio diz respeito ao compromisso com a governança

corporativa. Afirmando que os demais atores do ecossistema de NIS são de grande

importância no processo da IS, a governança corporativa assegura que se atinja o

objetivo da organização. No que tange a distribuição de dividendos, para o ICE, a

mesma pode ou não acontecer NIS.

Outra iniciativa é a Pipe Social, que nasceu no Brasil com o propósito de

provocar e fomentar conexões de impacto. Sendo assim, a Pipe mapeia e recruta

startups de impacto social, se tornando uma vitrine de NIS. Também atuam como

Impact Hunters qualificando e analisando NIS, além de monitorar todo o Ecossistema

dos NIS (PIPE, 2018). Recentemente, em 2017, a Pipe intermediou cerca de 40

organizações pertencentes ao ecossistema de NIS e desenvolveu uma pesquisa

com o propósito de mapear os NIS no Brasil. Esta pesquisa contou com o patrocínio

do Banco Itaú e apoio de parceiros como Endeavor, Artemisia e Impact hub.

Em sua estrutura metodológica, primeiramente o Pipe (2017) conduziu uma

pesquisa quantitativa mapeando 579 negócios nas 5 regiões do país. Em seguida,

foram realizadas entrevistas com os empreendedores das empresas mapeadas; em

paralelo, foi realizado um levantamento de dados secundários sobre impacto social

no Brasil e no mundo e, finalmente, foram realizadas três sessões com equipes

especializadas.

33

O recorte analítico das áreas de impactos adotadas na pesquisa baseou-se

nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), entre

eles: Cidadania, Cidades, Educação, Finanças Sociais, Saúde e Tecnologias

Verdes. Cada negócio definiu sua área de impacto com base nos ODS respondendo

a seguinte pergunta: Qual problema seu negócio resolve no mundo?

O Mapeamento demonstrou que dos 579 negócios mapeados, 63%

encontram-se na região Sudeste do Brasil e 70% são negócios formalizados.

Concluiu ainda que 9% resolvem questões de finanças sociais, 10% questões

ligadas à saúde, 38 % educação, 23 % tecnologias verdes e 12% cidades (PIPE,

2017).

Sobre o tracking financeiro, apenas 7% receberam investimentos com

contratos formais, 5% por meio de crowdfunding, 8% captaram por meio de editais

do governo, 6% de empresas privadas, 7% de institutos e fundações, 11% de

incubadoras, 9% “de anjo profissional”, a fatia mais considerável, de 25% receberam

investimento de FFF (Family, Friends & Fools). Entretanto, 42% dos negócios ainda

não foram investidos de acordo com a pesquisa.

O mapa de NIS realizado pela Pipe Social traz grande contribuição para a

área uma vez que reúne dados primários importantes para as pesquisas empíricas

sobre as características e os estágios dos negócios desta natureza. (PIPE,2017)

Ainda nesta pesquisa, uma seção traz a opinião de especialistas que afirmam que

esta é uma nova tendência do mercado mundial.

Foram também encontradas no Brasil iniciativas com foco em tecnologias

sociais como a Social Good Brasil, que nasceu em 2010, fruto de uma parceria entre

o Instituto Voluntários Online (VOL) e o Instituto Comunitário Grande Florianópolis.

Um ano depois, estas organizações participaram de um evento em Nova York

chamado Social Good Summit. Este evento reuniu pessoas de diferentes partes do

globo para debater a respeito do uso das ferramentas tecnológicas para solucionar

problemas sociais. Trazendo esta inspiração de fora se decidiu criar o programa

Social Good Brasil. O Social Good Brasil acredita que: “As novas mídias e o

pensamento inovador são ferramentas poderosas para impulsionar a solução de

problemas sociais. ” (SOCIAL GOOD, 2018).

Dentre as iniciativas da Social Good destaca-se a plataforma online que

proporciona interação e conexão entre os diferentes atores do ecossistema de IS, o

34

Social Good Lab, um laboratório de prototipagem e um seminário anual com o intuito

de promover o debate e a discussão sobre IS e tecnologias sociais.

O termo mais recente e estudado internacionalmente que vem ganhando

espaço é a “Inovação Social” ou “IS”, que, assim como os demais termos

mencionados, está estritamente relacionado com a solução dos problemas sociais.

Para Phils et al. (2008), IS é uma nova solução para um problema social; uma

solução mais efetiva, eficiente, sustentável do que as soluções já existentes e que

beneficia a sociedade como um todo.

O conceito de IS nasceu em 1970 quando, em trabalho seminal, Taylor (1970)

declara que IS consiste em uma nova forma de se fazer algo visando solucionar as

necessidades sociais. Foi a partir dos anos 1990 que diversos estudos internacionais

e nacionais começaram e surgir com o propósito de compreender este novo

fenômeno e então novas definições surgiram.

Em 1986, surgiu o CRISES - Centre de Recherche sur les Innovations

Sociales (Centro de Pesquisas de IS), em Montreal, no Canadá e foi uma das

primeiras organizações a estudar a IS. Julie Cloutier, pesquisador do CRISES

movido por suas inquietações sobre o assunto, começou a questionar- se sobre o

que era IS, quais seriam suas características e dimensões, quais seriam os marcos

que identificam sua presença e, então, definiu IS como uma nova resposta para uma

situação social insatisfatória que visa o bem-estar dos indivíduos e comunidades e

que é definida por uma ação de mudança sustentável (CLOUTIER, 2003). Os

estudos do CRISES foram pioneiros e propagaram o termo para diversos países,

sendo ainda hoje de extrema relevância para os pesquisadores da área.

As pesquisas sobre IS alavancaram ainda mais nos anos 2000, quando uma

das grandes universidades pioneiras em inovação nos Estados Unidos iniciou seus

estudos nesta nova temática. A universidade de Stanford definiu IS como uma nova

solução para um problema social; uma solução mais efetiva, eficiente, sustentável

ou justa do que as soluções já existentes e cujo valor gerado beneficia

prioritariamente a sociedade como um todo e não apenas alguns indivíduos

(STANFORD SOCIAL INNOVATION, 2008).

Pode-se dizer que, a partir de então, a IS se consolidou como um novo campo

de estudos e pesquisadores de diferentes países passaram a estudar este fenômeno

sob as mais diversas óticas, como veremos adiante. Como é um campo de estudos

emergente e estudado por diferentes disciplinas, encontramos diversas perspectivas

35

sobre o mesmo. Isto ocasiona por vezes uma sensação de que a literatura sobre o

tema seja confusa (BITENCOURT, 2016).

De acordo com Bignetti (2011), esta busca pela consolidação do termo e o

seu objeto de estudos entre diferentes autores e instituições nos traz um aglomerado

de conceitos que faz o pesquisador vagar por caminhos tortuosos. Neste sentido, o

Quadro 3 faz uma compilação das diferentes definições encontradas na literatura

para maior compreensão das diferentes perspectivas da IS.

36

Quadro 3 - Definições de Inovação Social

Fonte: Elaborado pela autora,2018

A mais recente contribuição conceitual mencionada acima se trata da

concepção do pesquisador Giovany Cajaíba-Santana, que em sua pesquisa

objetivou desenvolver e ampliar a compreensão conceitual do fenômeno. Neste

mesmo estudo, que tem forte contribuição para a área, Cajaíba (2014) ressalta que

uma resposta para um problema social não é necessariamente uma IS. Portanto,

concluímos que os negócios ou empreendimentos sociais não necessariamente são

Autor Conceito

Taylor (1970) Inovação Social consiste em uma nova forma de se fazer algo visando

solucionar as necessidades sociais

Cloutier (2003) Uma nova resposta para uma situação social insatisfatória e que visa o

bem-estar dos indivíduos e comunidades e é definida por uma ação de

mudança sustentável

Mulgan et al. (2007) Inovação Social são atividades e serviços inovadores que são

motivados pela meta de um encontro com a necessidade social e que

se difundem predominantemente entre as organizações que têm como

primeiro propósito o social

Phils et al. (2008) Uma nova solução para um problema social; uma solução mais efetiva,

eficiente, sustentável ou justa do que as soluções já existentes e cujo

valor gerado, beneficia prioritariamente a sociedade como um todo e

não apenas alguns indivíduos

Pol e Ville (2009) Uma nova ideia com a capacidade de melhorar a qualidade e a

quantidade de vida.

Murray et al. (2010) Novas ideias (produtos, serviços e modelos) que, simultaneamente,

satisfazem necessidades sociais e criam novas relações ou

colaborações sociais. Em outras palavras, são inovações que são boas

para a sociedade e melhoram a capacidade de agir da sociedade

Bignetti (2011) A inovação social é o resultado do conhecimento aplicado a

necessidades sociais por meio da participação de todos os envolvidos,

gerando soluções novas e duradouras para grupos sociais,

comunidades ou para a sociedade em geral.

Cajaíba-Santana (2014) São novas práticas sociais criadas a partir de ações coletivas

orientadas para os objetivos que visam o que instigou a mudança

social por meio da reconfiguração da forma como os objetivos sociais

são realizados.

37

acompanhados de inovação. Faz-se necessário então uma análise detalhada das

características e dimensões da IS.

Com o crescimento dos estudos sobre IS, o processo de geração da inovação

tornou-se um dos aspectos estudados. Mulgan (2007) sugeriu uma perspectiva de

processo de inovação. Para o autor, a geração da ideia se dá pela necessidade, o

segundo passo seria testar está inovação na prática e a última fase seria a

consolidação da ideia de forma que ela possa ser replicada e adaptada para outras

realidades.

Responsáveis pela difusão do termo, os Centros de IS, ajudaram a consolidar

e propagar o tema. Os centros são instituições de ensino e pesquisa, fomentadores

e articuladores de investimentos. Em levantamento realizado por Bignetti (2011) já

existem diversos centros de pesquisa espalhados por diferentes regiões do globo.

Nos Estados Unidos, por exemplo, as universidades de Stanford, Harvard e Brown

são algumas das que tem desenvolvido centros de pesquisa.

No Canadá, o CRISES, um dos mais antigos e conceituados centros de

pesquisa, é formado por uma de rede de universidades do Québec que se vinculam

projetos comuns (BIGNETTI, 2011). Os objetivos do CRISES (2018) são:

• produzir e disseminar novos conhecimentos sobre inovações e

transformações sociais;

• Fornece um fórum para atividades de pesquisa;

• Promover o surgimento de novas vias para a pesquisa;

• Desenvolver novas parcerias;

• Organizar atividades;

• Treinar pesquisadores;

Também no continente europeu, o INSEAD, da Universidade de Cambridge,

faz estudos e pesquisas voltadas para IS (BIGNETTI, 2011).

No Brasil, em 2016, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, por meio da

RAM - Revista de Administração da Mackenzie fez uma chamada para uma edição

especial denominada “IS: Investigação, definição e teorias da IS que reuniu sete

artigos de autores nacionais e internacionais para contribuição da consolidação do

campo em esfera nacional. Com isto, a Mackenzie demonstrou seu interesse por

este emergente campo de pesquisa (BITENCOURT, 2016).

38

Finalmente, é possível afirmar que seja no meio acadêmico, seja entre as

instituições e especialistas da área de negócios, sustentabilidade, investimentos e

outros atores, a IS e os NIS são notoriamente uma tendência de mercado. A

resolução dos problemas socais tem deixado de ser apenas uma área de atuação

do terceiro setor e passou a ser encarada como um campo em evidência para

administração de empresas, atraindo a atenção de economistas e investidores.

Um estudo realizado pela Força Tarefa de Finanças Sociais em 2015

demonstrou que 13 milhões de reais já foram investidos em NIS e que se estima que

até 2020 mais 50 milhões serão investidos (FORÇA TAREFA FINANÇAS SOCIAIS,

2015). Portanto, faz-se necessário o aprofundamento das reflexões sobre NIS e IS

na área de administração de empresas. Para isto, no próximo subcapítulo veremos

a evolução e o estado da arte deste novo tema.

2.1.1 Inovação Social como um novo campo de pesquisa

O estado da arte em uma pesquisa cientifica é fundamental, uma vez que faz

referência ao que já foi estudado sobre um tema. Em qualquer área de

conhecimento, a análise do estado da arte procura identificar o estado que se

encontra o conhecimento no momento atual da pesquisa, quais foram as suas

evoluções, como está o interesse dos pesquisadores, qual o progresso da área e,

principalmente, quais lacunas a serem pesquisadas.

Logo, o objetivo deste subcapítulo é demonstrar como a temática vem sendo

tratada nos principais congressos nacionais e revistas da área de administração de

empresas, principalmente em âmbito nacional.

Como dito anteriormente, as pesquisas na área de IS vêm crescendo

consideravelmente nos últimos anos, tanto no contexto internacional quando no

nacional. Porém, este ainda é um campo em construção. Justamente por isto se faz

necessária uma imersão não só nas pesquisas seminais como também nas mais

recentes. Em vista disto, é importe destacar que as pesquisas nessa área vêm

progredindo, principalmente, nos últimos anos. Todavia, ainda há lacunas a serem

exploradas e investigadas (PATIAS et al., 2015).

No levantamento realizado, primeiramente optou-se por analisar as

publicações sobre o tema no XLI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2017, pois este é

considerado o segundo maior evento científico do mundo na área de administração

39

e é a partir deste encontro que nascem os principais artigos que serão publicados

nas revistas da área.

O primeiro estudo encontrado teve por objetivo analisar como as teorias

institucionais estão sendo utilizadas para estudar o campo da IS (SOUSA et al.,

2017). Assim sendo, no contexto internacional, os autores identificaram, pela

pesquisa na base de dados, 42 estudos entre os anos de 1996 e 2016, sendo que o

primeiro encontrado foi no ano de 2006. O crescimento das publicações sobre o tema

nesta base de pesquisa ocorreu nos anos de 2015 e 2016.

Ainda no contexto internacional, vale salientar que Sousa et al. (2017)

identificaram que, dentre os periódicos selecionados, o International Journal of

Technology Management está entre os que mais publicaram nos últimos vinte anos

com a publicação de quatro artigos, seguido pelo Journal of Business Research e o

Technological Forecasting and Social Change com três publicações cada.

No contexto nacional, os autores realizaram suas buscas na base Spell e nos

eventos da Anpad. Os resultados encontrados demonstraram que, dentro do mesmo

período temporal, o primeiro artigo encontrado também foi no ano de 2006, no

Encontro Nacional de Estudos Organizacionais (EnEO), e, da mesma forma que no

contexto internacional, foi no ano de 2016 que a produção de artigos aumentou

significativamente. Salienta-se ainda que o periódico que mais publicou foi a RAM -

Revista de Administração da Mackenzie, devido a sua edição especial sobre IS em

2016. Com relação aos eventos, o EnAnpad foi o que mais publicou de acordo com

esta pesquisa e este fato deu-se principalmente por conta do Tema 08 - Inovação,

Sustentabilidade e Inclusão Social na Divisão de GCT – Gestão de Ciência,

Tecnologia e Inovação.

Contudo, a principal contribuição do artigo de Sousa et al. (2017) é no que

tange o uso das teorias institucionais. Os resultados da pesquisa demonstraram que

a teoria mais utilizada nos artigos encontrados foi a Teoria Institucional. Para

compreender a predominância da Teoria Institucional nas pesquisas sobre IS,

Cajaíba (2014, p.11) diz que esta teoria explica:

O estudo dos processos de inovação social tem potencial para fornecer um quadro abrangente de como as práticas são criados e institucionalizados. Novas práticas que emergem de processos de inovação social são fundamentalmente constituídos em torno de estruturas institucionais e atores que articulam dentro desses frameworks incorporados em contextos sociais mais amplos. O uso das teorias institucionais e de estruturação nos

40

permite para analisá-lo em diferentes níveis, o que fornece mais abordagem matizada e situada nos processos de inovação social.

Em conclusão, se analisarmos os estudos nacionais em comparação com os

internacionais é possível observar que em ambos as propulsões dos estudos sobre

o tema ocorreram em torno do ano de 2013 com auge em 2016. Os autores ainda

afirmam que no âmbito internacional, os estudos estão mais difundidos se

comparados com o âmbito das pesquisas nacionais, neste caso ainda é possível

notar uma carência uma vez que existem aspectos teóricos, empíricos e

metodológicos a serem explorados (SOUSA et al., 2017).

Um segundo estudo, denominado Inovação Social: um Estudo Bibliométrico

do Estado da Arte em Periódicos Nacionais da Área de Administração (MOREIRA;

SANTOS; CABRAL, 2017), também disponível nos Anais da EnAnpad 2017, teve

por objetivo verificar o estado da arte da produção científica brasileira IS na área de

administração. Para tanto, foi realizada um estudo bibliométrico, de caráter

quantitativo e qualitativo, a partir de base de dados Spell. Todavia, antes mesmo da

realização da pesquisa bibliométrica, os autores buscaram estudos anteriores e

sintetizaram os resultados destas no Quadro 4, que é utilizado nesta pesquisa para

demonstrar os resultados anteriormente encontrados.

41

Quadro 4 - Estudos bibliométricos anteriores

Fonte: MOREIRA; SANTOS; CABRAL, 2017

Observamos no Quadro 4 que apenas um dos estudos encontrados analisou

as publicações em periódicos de alto impacto. Diferente dos estudos bibliométricos

encontradas, os autores optaram por abranger o universo de pesquisa utilizando

como base não apenas um congresso, mas sim a base da Spell no período de 2007

a 2016. Os resultados obtidos nesta pesquisa demonstraram que o ano de 2016 é o

que possui maior número de artigos publicados, o que demonstra que esta é uma

temática emergente e em evolução no Brasil. Observou-se também que existe uma

concentração de artigos em periódicos com conceitos B2, B3 e B4 na Capes, isto

constata que o tema ainda está em fase de amadurecimento e por isto há ausência

em periódicos com fator de alto impacto.

Abaixo a demonstração das revistas que mais publicaram de acordo com a

base da Spell:

42

Quadro 5 - Periódicos por quantidade de artigos publicados

Fonte: MOREIRA; SANTOS; CABRAL, 2017

Sobre a estrutura conceitual da área, a pesquisa expôs que o autor mais

citado é o teórico Geoff Mulgan, um estudioso do campo da IS com várias obras

publicadas, sendo a principal “Social Innovation: what it is, why it matters and how it

can be accelerated?”, de 2007. Este artigo foi e ainda é fundamental para o

entendimento do fenômeno da IS e é considerado um artigo seminal para a área.

O artigo de Moreira et al. (2017) também analisou os autores brasileiros mais

referenciados em artigos, dentre os quais se destacam: Rodrigues (2006) com a obra

“Modelos de gestão e inovação social em organizações sem fins lucrativos “ e

Bignetti (2011) com a obra “As inovações Sociais: uma incursão por ideias,

tendências e focos de pesquisa”.

Outra observação importante que este artigo traz é referente às abordagens

metodológicas encontradas. Em sua maioria as pesquisas encontradas são de

cunho qualitativo descritivo e a estratégia de pesquisa utilizada por eles foi a análise

de estudo de caso, o que demonstra a necessidade de pesquisas de natureza

empírica para a área. Por fim, a técnica de coleta de dados mais utilizada foi a

entrevista com análise de conteúdo (MOREIRA; SANTOS; CABRAL, 2017).

Um último estudo bibliométrico que irei mencionar trata-se de um artigo de

2015 que foi encontrado por outros autores e mencionado no Quadro 4. Este artigo

traz uma contribuição de peso uma vez que foi o único encontrado com o objetivo de

examinar o que tem sido estudado sobre IS nos periódicos de alto impacto.

43

Neste estudo, Martins et al. (2015) realizaram um levantamento dos últimos

dez anos na base Scopus dos periódicos com alto fator de impacto. Os periódicos

que serviram de base para a pesquisa foram: “Business & Society”; “Emerald

Insight”, “International Small Business Journal”, “Cities”, “Academy of Management”

“Learning & Education”, “Technological Forecasting & Social Change”, “International

Small Business Journal” e “Gender e Work and Organization”. Após análise criteriosa

dos autores selecionaram oito artigos para serem analisados, conforme Quadro 6:

44

Quadro 6 - Dados dos artigos separados para a realização do estudo de Martins et al.

(2015)

Ano Título do artigo Citações Autores

2006 Framework to study the social innovation networks

57 Taatila, V.P ; Suomala, J; Siltala, R e Keskinen, S.

2009 Innovative Social Policies: Implications for Work–life Balance among Low-waged Women in England

32 Warren, T; Fox, E; Pascall, G.

2010

(Re)Forming Strategic Cross-Sector Partnerships Relational Processes of Social Innovation

66 Le Ber, M. J; Branzei, O

2012

Social innovation, social entrepreneurship and the practice of contemporary entrepreneurial philanthropy

24 Maclean, M; Harvey, C; Gordon J.

2013

How social capital is leveraged in social innovations under resource constraints

5

Bhatt, P; Altinay, L

2013 Reconsidering capitalism the promise of social innovation and social entrepreneurship

14 Shaw, E ; Bruin, A.

2013 Social innovation and institutionalisation in the cognitive–cultural economy Two contrasting experiences from Southern

4 D’Ovidio, M; Pradel , M

2014 Social innovation Moving the field forward. A conceptual framework

31 Cajaíba-Santana, G.

Fonte: MARTINS et al., 2015

45

Dentre todos os artigos encontrados, vou destacar aqui a principal

contribuição dos três artigos mais citados. Primeiramente, o artigo “Framework to

study the social innovation networks”, dos autores Taatila et al. (2006). Foi

evidenciada a importância das inovações na gestão de negócios por meio dos

aspectos sociais da inovação econômica. Os autores apresentaram a inovação

econômica como ideias inovadoras que foram implementadas e que resultaram em

maior criação de valor financeiro quando relacionado ao que foi investido.

Já o artigo “(Re)Forming Strategic Cross-Sector Partnerships Relational

Processes of Social Innovation”, dos autores Le Ber e Branzei, de 2010, é o artigo

com maior número de citações nesta revisão, ao todo 66. Nele os autores buscaram

identificar o sucesso e fracasso em colaborações com IS entre organizações com e

sem fins lucrativos.

A última contribuição é do artigo “Social Innovation, moving the field forward.

A conceptual framework”, de 2014 e de autoria de Giovany Cajaíba-Santana. Este

autor possui uma forte contribuição para a área e um número de citações relevantes

tendo em vista a idade da publicação. O autor busca criar um novo quadro conceitual

para investigar a IS como um motor de mudança social. Com o uso da base teórica

na Teoria Institucional e na Teoria da Estruturação, o autor propõe este quadro

conceitual para dizer que a IS é uma criação coletiva de novas práticas sociais

legitimadas que visam à mudança social (MARTINS et al., 2015).

Além do levantamento bibliométrico apresentado, Martins et al. (2015)

também mapeou as principais regiões com produção acadêmica. O continente

europeu destaca-se como a principal região de produção e o Reino Unido é o

destaque central de todas as regiões como demonstra a Figura 01.

46

Figura 01 - Principal região com produção acadêmica de acordo com os critérios de

seleção - Continente Europeu

Fonte: MARTINS et al., 2015

No continente americano, o destaque é para a Califórnia, nos EUA, e

também algumas cidades do Canadá como mostra a Figura 02:

Figura 02 - Principal subcontinente com produção acadêmica de acordo com os

critérios de seleção - América do Norte

Fonte: MARTINS et al., 2015

Na visão de Martins et al. (2015), a principal limitação deste estudo é no que

se refere a escolha dos periódicos que, neste caso, retrata apenas o fenômeno nos

países considerados desenvolvidos. Sendo assim, os autores sugerem a ampliação

deste estudo nos países menos desenvolvidos.

Devido a esta construção e ao crescimento do campo de IS e NIS notamos o

provável surgimento de um novo paradigma da inovação. Isto faz com que a IS

47

continue ganhando importância e, cada vez mais, seja incorporada na agenda

acadêmica.

Apesar de observarmos um aumento nos estudos sobre IS e um empenho

dos estudiosos em teorizar e elucidar este termo emergente, percebe-se que ainda

existe uma busca pela análise mais sistemática de suas teorias, práticas,

características e principalmente de seus impactos.

Reconhecendo a crescente importância da IS, Howaldt, Domanski e Kaletka

(2016) afirmam que só será possível compreender o fenômeno da IS, entender suas

conexões sistêmicas, processos e, principalmente, a relação entre as IS e as

mudanças sociais pelo desenvolvimento de uma teoria sólida e integrada.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que os novos modelos de inovação

tecnológica supririam os problemas da humanidade e de fato contribuíram

significativamente para a superação de muitos dos nossos desafios. Porém, muitos

dos importantes desafios sociais não estão sendo supridos e as inovações

tecnológicas por si só não estão sendo suficientes. No coração da revolução

industrial, o paradigma da inovação predominante foi o tecnológico; hoje talvez

estejamos em direção ao novo paradigma da inovação: O Paradigma da IS

(HOWALDT; DOMANSKI; KALETKA, 2016).

2.2 Dimensões para análise da Inovação Social

Devido a necessidade de aprofundamento nos estudos sobre IS, necessidade

esta que foi evidenciada por diversos autores, é preciso identificar as formas

existentes para análise da IS, identificar suas características e variáveis.

Movida por estas inquietações, neste subcapítulo procurou-se mapear na

literatura os modelos existentes para esta análise, sobretudo tentando encontrar

modelos sob o prisma do resultado, perspectiva que esta pesquisa se propõe a

analisar.

Alguns resultados foram encontrados no decorrer da revisão de literatura e

realizou-se pesquisa complementar na base da Web of Science, na tentativa de

encontrar modelos utilizados por autores de diferentes países, uma vez que a

literatura internacional sobre IS está mais avançada se comparada com o contexto

brasileiro.

48

2.2.1 As dimensões de Cloutier

Cloutier (2003), pesquisador do CRISES e um dos pioneiros nos estudos de

IS, em seu trabalho teve por objetivo sugerir a análise da inovação considerando

quatro dimensões:

1- A natureza da IS (Forma, Inovação e Objetivo geral).

2- Alvo da mudança.

3- O processo de criação e implementação.

4- Os resultados alcançados.

Ressalto que, na concepção de Cloutier (2003, p.13),

Em geral, a inovação social é uma "nova resposta" a uma situação social considerada insatisfatória, uma situação susceptível de se manifestar em todos os setores da sociedade. A inovação social responde a isso porque é sobre o bem-estar de indivíduos e / ou comunidades. É definido em ação e mudança sustentável. Pretende desenvolver o indivíduo, o local de vida (território) ou a empresa. Ao fazê-lo, a inovação social não assume uma forma particular. Às vezes é processual, às vezes organizacional ou institucional. A inovação social também pode assumir uma forma tangível (por exemplo, tecnologia, produto).

Sendo assim, a IS pode ser classificada segundo a forma, o processo, os

atores envolvidos e os objetivos da mudança. O Quadro 7 demonstra de maneira

sistêmica a proposta de análise da inovação por Cloutier:

49

Quadro 7 - As dimensões de análise da Inovação Social

Objeto/ O que

Novidade: caráter inovador: • Solução nova / desproporcional • Importância das mudanças (extensão, profundidade) Tangibilidade: de ação para produto: • processual / organizacional / institucional / produto / tecnologia

Campo/ Onde Todos os setores da sociedade

Alvo de mudança Indivíduo, meio Ambiente e empresa

Objetivo/ "Por quê?" Bem-estar de indivíduos e comunidades • Solução de problemas presentes / prevenção de problemas / aspirações futuras

Processo/ "Como” Diversidade dos atores (pelo menos 1 / diversidade) Grau de participação dos usuários (conscientização sobre o problema, criação, implementação, avaliação).

Resultados Importância da qualidade relativa dos resultados

Fonte: CLOUTIER, 2003

2.2.2 O modelo de Murray et al. (2010)

De acordo com Murray et al. (2010), no processo de IS, foram identificados

seis estágios que toda IS passa desde seu início até o impacto. Elas podem não

ocorrer necessariamente na mesma ordem, mas, naturalmente, todas as etapas

deste processo devem ser seguidas. A seguir são descritas cada uma delas:

1) Solicitações, inspirações e diagnósticos: esta é a fase da inspiração, em

que ocorre o diagnóstico do problema e é identificada a necessidade de uma

inovação para atender a um propósito específico. A partir daí acontece a inspiração

para tentar inovar a fim de resolver aquele problema.

2) Propostas e Ideias: trata-se da etapa em que nascem as ideias. Estas, por

sua vez podem ser geradas por meio de métodos formais como também de métodos

informais. O método formal tem auxiliado na geração destas ideias para que o

empreendedor dos NIS não fique refém dos conhecidos insights, os raros instantes

de criatividade que dá origem a uma grande ideia. Hoje a construção desta ideia

pode ser auxiliada com um destes métodos.

As propostas poderão surgir pelo do envolvimento de uma série de atores,

dos futuros usuários desta inovação, da comunidade, das pessoas envolvidas no

processo e outros.

50

3) Prototipagem e piloto: após a geração da ideia, o próximo passo é testá-la

na prática. O desenvolvimento de qualquer ideia se dá pelas tentativas e pelo

refinamento constante. A fase de prototipagem é especialmente importante, pois

coloca em contato os usuários, as pessoas que irão se beneficiar daquela inovação

e os profissionais. Consequentemente, isto traz o feedback tão importante para o

refinamento do projeto.

Por este refinamento questões essenciais para a sobrevivência daquela

inovação vão surgindo, tais como questões de custos e de sustentabilidade

financeira, questões de entrega, de distribuição e de armazenagem, e,

principalmente, como baratear aquele produto ou serviço entregue.

4) Sustentabilidade: após a fase da prototipagem e refinamento, a inovação

deve desenvolver um modelo que seja sustentável, que assegure a sua

sobrevivência. É preciso buscar caminhos, fluxos que garantam a sustentabilidade

financeira; o projeto tem que ser viável, ter investidores e ter um marketing que

garanta a sua atratividade.

Neste estágio, os autores consideram cinco passos importantes para manter

a ideia: i) um modelo de negócio paralelo à ideia central do empreendimento; ii)

governança, para fornecer um mapa de responsabilidades e obrigações; iii) fontes

de financiamento; iv) um modelo de redes de comunicação ; v) controle para os

sistemas operacionais, isto envolve finanças, operação, controle de custos,

gerenciamento de risco e tecnologia da informação. Ou seja, é necessário, neste

estágio da inovação, desenvolver um plano de negócios.

5) Escala e Difusão: um NIS ou uma IS deve ser possível de ser escalado,

isto é, aquela ideia deve ser passível de ser replicada em outra situação, em outro

lugar. Trata-se da busca pelo crescimento constante com o propósito de se alcançar

o maior número de pessoas possível. A escala é um conceito emprestado da

produção em massa e a IS se apropriou deste conceito como um princípio. A IS deve

ser promovida e difundida entre os usuários, prestadores de serviço, especialistas e

intermediários.

6) Mudança sistêmica: a IS existe com o propósito de gerar mudança

sistêmica, este deve ser o objetivo de qualquer IS. Por este motivo este fenômeno é

multidisciplinar e intersetorial, envolvendo muitos elementos e atores. A IS promove

a mudança radical em sistemas essenciais como educação, trabalho, cidadania,

saúde, habitação e educação.

51

Todos os seis passos do processo da geração e desenvolvimento de uma IS

deve ter como foco o resultado, esta mudança sistêmica já mencionada por Murray

et al. (2010) e deve ter impacto na sociedade. A seguir será apresentado o esquema

desenvolvido pelos autores para exemplificar as etapas do processo a IS na Figura

03.

Figura 03 - O processo da IS

Fonte: MURRAY et al., 2010

2.2.3 O modelo de Tardif e Harrison

Este modelo foi criado a partir da análise de 49 estudos sobre IS

desenvolvidos pelo CRISES (Centro de Pesquisas de Inovação Social). Após análise

dos autores Tardif e Harrison (2005), constatou-se que a IS com o propósito de

transformação se baseia nas seguintes dimensões: i) caráter arrojado da inovação,

ii) objetivo da inovação, iii) processo de desenvolvimento da inovação, iv) relação

entre os atores; v) restrição do desenvolvimento da inovação.

No que se refere à transformação, ela pode ocorrer no contexto micro e macro,

isto significa que pode advir tanto de problemas sociais como de crises econômicas.

Em relação ao caráter inovador, Tardif e Harrison (2005) entendem que se refere ao

tipo de economia, mista ou social, e aos modelos que podem ser gerados tais como

novos modelos de trabalho, de desenvolvimento e de governança.

Sobre a dimensão inovação, os autores dizem que a mesma pode ser uma

inovação técnica ou uma IS, e essa inovação pode ser desenvolvida por diversos

52

atores que podem trabalhar em colaboração uns com os outros no desenvolvimento

da última dimensão que é o processo.

2.2.4 As variáveis da IS de Buckland e Murillo

Para Buckland e Murillo (2013), estamos evidenciando cada vez mais a

necessidade de apontar caminhos inovadores para suprir as deficiências existentes

em questões sociais e ambientais. Juntamente com as necessidades, crescem

também os mecanismos para apoiar os empreendedores sociais na criação destas

ideias inovadoras. Com este crescimento da IS, surge também a necessidade de se

criar métricas e variáveis para determinar os enfoques mais efetivos das IS e para

medir o impacto que este tipo de inovação provoca em longo prazo.

Com base nisto, os autores propuseram cinco variáveis a fim de participar do

debate mundial existente em torno deste fenômeno. Para tanto, estas variáveis

buscam responder às seguintes perguntas: Como se mede o impacto da IS? E quais

são os fatores chave de sucesso? O Quadro 8 expõe as cinco variáveis para análise

da IS na visão de Buckland e Murillo (2013):

53

Quadro 8 - Variáveis para análise da Inovação Social

Variável Pergunta

Impacto e transformação social Até que ponto a iniciativa gera a transformação

social desejada e resolve o problema abordado?

Colaboração intersetorial Quem são os primeiros interessados no êxito da

iniciativa e que mecanismos dispõem?

Sustentabilidade econômica e Viabilidade

em longo prazo

Como se financia a iniciativa e quais estratégias

estão sendo adotadas para garantir sua

sobrevivência no futuro?

Tipo de inovação A inovação pode ser replicada por outros?

Baseia-se em algum conceito anterior? Que

características inovadoras apresenta?

Escalabilidade e Replicabilidade Em que medida a iniciativa pode se multiplicar e

em que situação pode se replicar em uma

condição diferente?

Fonte: BUCKLAND; MURILLO, 2013

Como podemos observar as variáveis propostas são claras e direcionadas a

medir o resultado e a efetividade da IS. Em que medida estas inovações alcançam

seus objetivos? Quais são os resultados? A seguir explicitamos as considerações de

Buckland e Murillo (2013).

1) Impacto e transformação social: tendo em vista que, na visão de diferentes

estudiosos no assunto, o objetivo principal de uma IS é gerar a transformação social,

pode-se dizer que esta é a variável número um em nível de prioridade por justamente

medir qual impacto e qual a efetividade desta inovação na sociedade.

2) Colaboração intersetorial: estamos vivenciando a era das redes, na qual o

limite entre os setores públicos e privados, o coletivo e o individual está se tornado

cada vez mais difuso. A tendência é que cada vez mais os governos, as empresas e

a sociedade civil cooperem entre si para criar um verdadeiro ambiente de

colaboração em prol da resolução das deficiências da sociedade atual. Neste

contexto, a interação dos diferentes atores e dos diferentes setores da sociedade é

necessária para este novo panorama de organizações híbridas.

54

3) Sustentabilidade econômica e viabilidade em longo prazo: o retorno de

investimento, a eficiência e a gestão para assegurar a viabilidade do negócio são as

principais preocupações de qualquer investidor. É necessário que se tenha

estratégias para que a inovação seja viável ao longo dos anos.

4) Tipo de Inovação: para Buckland e Murillo (2013), as IS podem ser de dois

tipos: i) a inovação aberta, na qual usuários e demais atores podem não apenas

reproduzir a ideia como também adaptá-la para outro propósito ou outro contexto e

ii) a inovação fechada, que, por sua vez, se baseia em um sistema de propriedade

intelectual.

5) Escalabilidade e Replicabilidade: existem dois motivos para a capacidade

de escalabilidade de uma IS ser tão importante. O primeiro deles se refere ao fato

de que a maioria dos nossos problemas sociais são globais e, portanto, precisam de

soluções em escala global. O segundo motivo é porque nossos grandes sistemas,

como o setor privado e os bancos, já funcionam em escala global e com a IS não

deve ser diferente.

Os estudos de Buckland e Murillo (2013) contribuem também para a pesquisa

aqui empreendida, uma vez que se procuram métodos, dimensões e variáveis para

analisar a IS no campo empírico.

2.2.5 As dimensões de De Bruin e Stangl

Os autores De Bruin e Stangl (2013) propuseram dimensões específicas para

analisar a IS na perspectiva do resultado. Os primeiros três aspectos a serem

considerados nesta análise são:

1) O tipo de solução, neste aspecto os autores fazem menção ao Manual de

Oslo segundo o qual a inovação pode ser a implementação de um novo produto ou

serviço; uma inovação dos processos; uma inovação mercadológica, que significa

uma nova forma de atender os clientes; e, por fim, uma inovação organizacional, ou

seja, novas práticas organizacionais.

2) A magnitude da inovação diz respeito a analisar se a inovação está

direcionada para suprir uma falha de mercado, sendo assim uma inovação

incremental; se tem capacidade de reconfigurar toda a estrutura do mercado, sendo

desta forma uma inovação institucional; ou se poderia alterar o sistema social, sendo,

então, uma inovação disruptiva.

3) A extensão da escala, que pode ocorrer em escala local, nacional ou global.

55

Figura 04 - Continuum da Inovação Social

Fonte: DE BRUIN; STANGL, 2013

A Figura 04 exemplifica o modelo de análise proposto pelos autores. Observa-

se que, quando se fala em inovação disruptiva, ela acontece na escala global. Este

tipo de inovação tem o foco na sociedade, provoca mudança sistemática e faz uma

reengenharia social. Já a inovação institucional ocorre em escala nacional, com foco

no mercado, traz uma nova estrutura de mercado e exige construção coletiva. Por

sua vez, a inovação incremental está ligada a suprir pequenas falhas de mercado,

tem foco no produto ou serviço e está alocada em nível local da escala.

O esquema acima ilustrado demonstra também a flexibilidade e o dinamismo

da IS e nos faz refletir sobre os diversos aspectos em que uma inovação pode ser

avaliada.

Para finalizar os autores abordam a questão da IS como um fenômeno híbrido

que possui dupla finalidade, ao mesmo tempo em que é predominantemente

lucrativa de igual modo fornece alguma solução para mitigar um problema social (DE

BRUIN; STANGL, 2013).

2.2.6 A Rede Quebequense de Inovação Social

O CRISES (Centre de Recherche sur les Innovations Sociales) trabalhou em

parceria com a Universidade de Quebec para elaboração do projeto “Rede

56

Quebequense em IS”. Deste projeto resultou o modelo do processo de IS. Este

modelo tem foco na análise da IS pela perspectiva do processo.

Rollin e Vicent (2007) desenharam os caminhos pelos quais os atores

envolvidos no processo da IS percorrem para resolver um problema a fim de

implantar uma ideia inovadora para tal. Foram identificadas pelos autores quatro

fases no processo da IS:

1) a fase de emergência, que é composta por duas etapas: i) o agrupamento

de conhecimentos, competências e experiências dos atores envolvidos e ii) o

desenvolvimento da estratégia para ajudar a encontrar a solução inovadora para

sanar os problemas e necessidades. De acordo com os autores, esta estratégia

acontece por meio da invenção ou adaptação de algo existente ou pode assumir o

formato de um novo produto ou serviço.

2) a fase da experimentação, que pode ser formal ou informal. Esta fase nada

mais é do que a aplicação da estratégia e a observação de seus resultados.

3) a fase da apropriação, isto é, quando a inovação é disseminada e ocorre

uma apropriação. Então ela se torna institucional e, a partir daí novos processos de

IS podem surgir.

4) a fase de difusão, que trata da constituição da rede de atores e pode

acontecer pela divulgação nos diferentes meios de comunicação ou por meio de

pesquisas acadêmicas, seminários, congressos e fóruns.

2.2.7 As dimensões da Inovação Social e o papel dos atores organizacionais

Neste estudo, Correia, Oliveira e Gomes (2016) propuseram uma estrutura de

análise não apenas das dimensões da IS como também do papel dos atores

organizacionais neste processo. O objetivo foi propor um quadro no contexto

brasileiro e, assim como outros modelos já demonstrados aqui, este tem o foco na

perspectiva do processo da IS.

A primeira análise é quanto à dimensão dos atores e, com base em diversos

estudos, os autores concluíram que o processo de IS é uma construção coletiva.

Esta construção é composta por atores como empresas sociais, setor privado,

público, instituições e outros (CORREIA; OLIVEIRA; GOMEZ, 2016).

Por sua vez, a dimensão das necessidades sociais é considerada uma

dimensão, pois a IS não deve ser apenas entendida pela busca da satisfação da

necessidade, mas sim, encarada como uma oportunidade para encontrar respostas

57

a vários aspectos sociais. O papel do ator organizacional seria identificar estas

necessidades sociais.

A terceira dimensão proposta é a dimensão dos processos, que está

relacionada à inovação dos próprios processos, propondo uma mudança na

dinâmica da interação entre os indivíduos que, consequentemente, devem atingir

uma posição social como resultado de toda esta construção.

A quarta é a dimensão da inovação, aqui os autores afirmam que deve haver

uma inovação para que seja considerada uma IS, que é diferente de um serviço

social ou uma ação social. Neste sentido, é admissível que uma inovação utilizada

em outro contexto possa ser adaptada e reutilizada em um novo, ainda sendo

considerada uma inovação.

A última dimensão é a da melhoria e respostas sociais, esta é a dimensão

cujo foco está no resultado da ação; é neste ponto que deve ocorrer a transformação

social.

Com base na revisão sistemática da literatura, os autores construíram estas

quatro dimensões levando em consideração o argumento de diversos autores como

Cloutier (2003), Murray et al. (2010) e Tardif e Harrison (2005).

2.2.8 Processo e dimensões de uma Inovação Social de Patias et al.

Após a observação de diversos estudos sobre análise de IS, Patias et al.

(2015) concluíram que existe consonância entre os modelos existentes e em suas

variáveis. A proposta dos autores aqui é apresentar uma integração de vários

modelos identificados com o propósito de amparar futuras pesquisas. A Figura 05 é

a proposta de Patias et al. (2015) e expressa os achados encontrados em sua

pesquisa.

58

Figura 05 - Processo e dimensões de uma Inovação Social

Fonte: PATIAS et al., 2015

Observa-se primeiramente o ciclo maior com setas que indicam o constante

movimento do sistema. Este movimento está relacionado com o surgimento dos

problemas na sociedade. O ciclo não possui início ou fim, pois de acordo com a

literatura encontrada, é a partir das crises e adversidades que se buscam as

soluções. É importante ressaltar que a IS pode observar um movimento de mudança

e se antecipar ao problema minimizando seu impacto, desta forma adota uma

postura preventiva ao problema.

Com base na literatura então, Patias et al. (2015) afirmam que o caminho mais

comum seria a identificação do problema e a etapa seguinte é a coalização de

pessoas que são os atores, que podem estar ou não organizados em redes, podem

ser organizações privadas, públicas ou o terceiro setor.

A etapa seguinte é o levantamento de ideias e elaboração de protótipos a

serem testados, nesta fase é importante a observação da interação dos atores, pois,

neste ponto, pode-se identificar os líderes que conduzirão o processo de inovação.

A implantação do projeto é uma etapa importante para correção e acertos e neste

momento a sustentabilidade do projeto deve ser mensurada.

Para Patias et al. (2015), a fase de escala e replicabilidade é o momento em

que se identifica o potencial da IS, já as fases de mudança e transformação são a

59

consolidação da IS e exigem a participação de todos os envolvidos. O impacto de

uma IS é definitivamente a meta a ser alcançada; neste ponto todo o processo tem

que dar frutos e o resultado final deve ser visível e mensurável (PATIAS et al., 2015).

Finalmente, com base nos estudos acima mencionados, pode-se dizer que na

literatura fala-se em análise da IS sob duas perspectivas: a análise das dimensões

e variáveis do processo e a análise das dimensões e variáveis sob a perspectiva do

resultado, que é o objetivo desta pesquisa.

Assim sendo, na perspectiva de resultado os estudos de Buckland e Murillo

(2013) contribuem fortemente para o entendimento da efetividade da IS quando

aborda as dimensões: impacto e transformações sociais, colaboração intersetorial,

sustentabilidade econômica e viabilidade em longo prazo, tipo de inovação e

escalabilidade e replicabilidade.

Também sob a ótica do resultado, Bruin e Stangl (2013) afirmam que a

inovação deve ser analisada pelo tipo de solução, pela magnitude e pela extensão

de escala. Para os autores, somente por meio desta classificação ela pode ser

considerada como uma IS.

Notamos que sob esta perspectiva não há consenso na literatura; porém, os

estudos se complementam trazendo a possibilidade de uma análise sólida. Além

disto, observa-se que as análises e as variáveis com foco em análise do processo

vêm sendo amadurecidas há algum tempo, desde os estudos pioneiros como os de

Cloutier (2003). Já as análises sob a ótica do resultado ainda são incipientes e os

estudos são mais recentes, o que demonstra o atual interesse da academia de

analisar e mensurar de forma empírica a efetividade da IS.

Este fato é significativo para este estudo que, neste subcapítulo, buscou

identificar bases teóricas para compor a estrutura empírica da pesquisa, buscando

variáveis e dimensões do fenômeno para mensurar seu impacto na sociedade.

2.3 O ecossistema de Investimento de Impacto – As formas de captação de

recursos

No campo de estudos sobre IS e NIS, uma linha começa a despertar atenção

dos estudiosos e está cada vez mais presente nos estudos, trata-se do termo

“investimento de impacto”. A evidência deste assunto tem aumentado nos últimos

anos devido à crescente necessidade de investimentos em negócios cujo objetivo,

60

além do lucro econômico e financeiro, seja também a geração de impacto social. O

objetivo deste subcapitulo é demonstrar quais formas de viabilização deste tipo de

negócios estão presentes hoje no mercado.

Quanto ao conceito de investimento de impacto, de acordo com Global Impact

Investing Network (GIIN) são “investimentos feitos em empresas, organizações e

fundos com a intenção de gerar impacto social e ambiental mensurável juntamente

com retorno financeiro” (GIIN, 2018, p.02).

Ao longo dos anos, a filantropia e o investimento caminhavam em linhas

separadas, uma objetivando ganho social e a outra o ganho financeiro. Hoje este

pensamento acabou; o investimento de impacto visa gerar benefícios sociais

enquanto traz retorno financeiro (ROCKEFELLER, 2016).

No Brasil, a FTFS (Força Tarefa de Finanças Sociais) identifica, conecta e

apoia as organizações articulando as redes de relações com o propósito de atrair

investimentos para negócios que resolvam problemas sociais e ambientais. Para a

FTFS, as finanças sociais visam atrair recursos oferecendo, a quem doa e a quem

recebe o investimento, a medição do impacto social gerado. Estes investimentos,

nesta visão, podem ou não gerar retorno financeiro sobre o capital investido (FORÇA

TAREFA DE FINANÇAS SOCIAIS, 2018).

Salienta-se ainda que a FTFS menciona um elemento fundamental neste

universo de investimentos de impacto: a medição do impacto social gerado. Assim

como na IS, o investimento de impacto deve ser direcionado para o resultado, o

impacto na sociedade; este resultado, juntamente com o resultado financeiro, é o

objetivo dos investidores de impacto e por este motivo a medição do impacto torna-

se não apenas necessária como também indispensável.

Neste sentido, o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) diz que este tipo de

investimento busca resultados sociais mensuráveis além do resultado financeiro. Os

investimentos de impacto abrangem tanto negócios cujo fim específico seja social

como também fundações e governos, desde que busquem conciliar resultado

econômico com a possibilidade de gerar impacto social quantificável (INSPER,

2017). Com o propósito de destacar a importância dos investimentos de impacto para

propagar e impulsionar a criação das IS, é relevante destacar aqui os tipos de

investimentos existentes hoje no mercado.

A saber, o Instituto Rockefeller Philanthropy Advisors (2016) fez um

levantamento das possíveis formas de investimento de impacto e identificou oito

61

tipos distintos. São eles: a) Instituições Financeiras na Comunidade; b) Fundo de

Depósito Específico; c) Microfinanças; d) Fundos de Investimento de Impacto; d)

Ativismo de Acionista; e) Investimento Relacionado ao Programa (PRI); f)

Investimento Direto; f) Títulos de Impacto social (Social Impact Bonds). Como

veremos, estes investimentos possuem por sua vez características distintas, porém,

todos objetivam avaliar o impacto social gerado:

- Instituições Financeiras na Comunidade são instituições financeiras que

fazem empréstimos para a comunidade. Nos Estados Unidos, este tipo de instituição

tem se tornado comum. Um tipo específico é o Community Development Financial

Institution (CDFI).

- Fundo de Propósito Específico são organizações consideradas

intermediárias, pois aceitam doações e as convertem em fundos de investimentos

para NIS. No Brasil, temos a Sitawi Finanças do Bem que funciona como uma

plataforma online de soluções financeiras para impacto social.

- Microfinanças nada mais são do que o fornecimento de empréstimos e

serviços financeiros especializados para pessoas de baixa renda. Existem

organizações como a Acción Internacional e a Blue Orchard que proporcionam aos

investidores de impacto uma forma de apoiar os empreendedores sociais. No mundo,

a experiência do microcrédito ficou conhecida pela iniciativa de Muhammad Yunus

com a criação do Grameen Bank em 1976. Hoje, no Brasil temos a experiência bem-

sucedida do Banco Palmas e do Banco Pérola.

- Fundos de Investimentos de Impacto são Fundos que compõem distintos

investimentos que buscam impacto social e retorno financeiro. O ciclo funciona da

seguinte forma: o fundo recebe investimento e, então, investe em NIS que gerarão

retorno social e financeiro para estes investidores. No Brasil se destaca a Vox

Capital.

- Ativismo de Acionista. Este tipo de investimento está mais relacionado à

alavancagem da responsabilidade social corporativa por parte das empresas

privadas. Acontece quando os sócios fazem uso de sua participação acionária para

tentar influenciar a administração da empresa em questão na tentativa de integrar

valores sociais às ações de investidores.

62

- Investimento Relacionado ao Programa (PRI). Este tipo de investimento só

está disponível a fundações nos Estados Unidos e são empréstimos ou

investimentos de capital. O que distingue este investimento de doações é que os

PRIs visam retorno financeiro, ainda que este retorno seja baixo.

- Investimento Direto. Este investimento acontece quando filantropos buscam

um projeto de um empreendedor social para investir. Nestes casos o risco é

extremamente variável, podendo ser muito alto.

- Títulos de Impacto Social (Social Impact Bonds). Estes investimentos tiveram

origem e são comuns na Inglaterra. São contratos que possibilitam que o setor

público financie programas sociais inovadores por meio de recursos feitos por

investidores privados. Neste tipo de investimento, o investidor privado só recebe o

retorno se o programa social inovador atingir seus objetivos.

Toda esta indústria de investimento de impacto trabalha na criação de

padrões para medição do desempenho do investimento, mas, ainda hoje, não existe

uma ferramenta totalmente apta para guiar o investidor de impacto em relação ao

retorno social ou ambiental. Este fato inibe alguns investidores que não podem ter

seus riscos calculados de forma precisa. Atualmente, um programa financiado pela

Fundação Rockefeller chamado IRIS (Impact Reporting and Investment Standards)

visa padronizar a comunicação do desempenho para que seja possível efetuar

comparações de investimento com benchmark (ROCKEFELLER, 2016).

Embora exista a falta de consenso nas métricas para medição do impacto

social e retorno financeiro, o investimento de impacto cresce e agrega investidores,

pesquisadores e interessados de todo mundo, formando assim o fortalecimento do

ecossistema de investimento de impacto. No Brasil, o ICE (Instituto Cidadania

Empresarial) contribui para o fortalecimento do campo buscando articular

organizações, pessoas e demais atores para atrair investidores e formar parcerias

com o objetivo de fortalecer as finanças sociais e, consequentemente, alavancar os

investimentos que resolvam problemas sociais (ICE, 2018). A Figura 06 demonstra,

pela visão do ICE (2018), o que são finanças sociais e qual seu ecossistema.

63

Figura 06 – O que São Finanças Sociais

Fonte: ICE – Instituto Cidadania Empresarial, 2018

Podemos observar que existem os investidores, que podem ser o setor

privado, o governo, as fundações e até os indivíduos. Estes investidores, por sua

vez, podem investir em ONGs por meio de filantropia assim como podem investir em

empresas cujo objetivo seja apenas o retorno financeiro e não o social, sendo assim

estes seriam investimentos tradicionais que conhecemos, ou os mesmos

investidores podem investir em NIS, que equilibram a busca entre o impacto social e

o retorno financeiro.

Dentro do ecossistema, os intermediários possuem papel fundamental para o

fortalecimento do campo, não apenas por serem facilitadores, mas também por

buscarem oportunidades, fomentarem e divulgarem o termo com o propósito de

elucidar o assunto para todos que possam vir a se tornar interessados e,

posteriormente, atuantes de algum modo neste ecossistema. Neste sentido, o ICE

64

criou em 2014 a FTFS, um grupo formado por vinte organizações diferentes que

possuem metas e objetivos traçados para fortalecimento do campo e o aumento do

número de investimentos sociais até o ano de 2020.

Uma das principais formas de impulsionar o ecossistema é por meio da

demonstração do crescimento dos investimentos. Para tanto, inúmeras iniciativas

surgiram com este propósito. Em vista disso, o GIIN (Global Impact Investing

Network) disponibilizou o Inquérito Anual ao Investidor de Impacto de 2017. Este

documento trata dos resultados de uma pesquisa envolvendo 209 das principais

organizações de investidores de impacto do mundo. Dentre as organizações

participantes da pesquisa estavam fundações, bancos, instituições financeiras,

gestoras de fundos e outros.

De acordo com as respostas destes entrevistados, estes estavam

gerenciando um total de 114 bilhões de dólares em ativos de investimentos de

impacto no final de 2016. Em toda a amostra, os entrevistados atribuíram a maior

parcela de ativos (40%) aos Estados Unidos e ao Canadá (GIIN, 2017). Sobre as

principais áreas de interesse de investimento, 50% dos entrevistados responderam

que visam investimentos com objetivos de impacto social e ambiental, já outros 41%

almejam principalmente impacto social e apenas 09% visam exclusivamente

impactos ambientais.

Apesar de cada um dos entrevistados utilizar métricas diferentes para

medição do impacto social e financeiro gerado, a maioria informou que os

investimentos realizados não só atenderam como ultrapassaram as expectativas de

impacto e desempenho financeiro. A Figura 07 está disponível no Inquérito Anual ao

Investidor de Impacto e demonstra a porcentagem de ativos de acordo com cada

região do globo.

65

Figura 07 - Localizações Geográficas

Fonte: GIIN - Global Impact Investing Network, 2017

Observa-se no mapa os Estados Unidos e Canadá são os lugares que

possuem a maior fatia dos investimentos de impacto; em seguida, o continente

europeu se destaca com 14%, seguido do continente africano com 10% e da América

do Sul com 9%. Sob uma perspectiva nacional, em 2014 a Aspen Network of

Development Entrepreneurs lançou o mapa de investimento de impacto no Brasil

que evidenciou como o setor está em ascensão nos últimos anos. Entre 2012 e 2013,

o número de investidores a nível nacional passou de 07 para 20 (ANDE, 2014). A

pesquisa ainda aponta que, de 2003 a 2013, um total de 76,4 milhões de dólares

foram investidos em NIS no Brasil e a expectativa de retorno financeiro destes

negócios varia entre 10% e 35%.

Além destes critérios utilizados para análise na seleção do investimento, outro

fator que é constantemente observado pelos investidores é o como medir o impacto

social e o retorno financeiro. Somente por meio desta análise é possível analisar o

sucesso do investimento e atrair novos investidores para o ecossistema. Em

decorrência disto, começam a surgir ferramentas para a medição deste impacto,

66

conforme já mencionado anteriormente. O Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER,

2017) elaborou o Insper Metricis, um guia para avaliação de Impacto Socioambiental.

De acordo com Insper (2017), a definição das métricas para a medição é a

etapa fundamental neste processo. A escolha das métricas deve ser baseada

seguindo as seguintes observações:

• Representam resultados altamente desejáveis para a população-alvo.

• O resultado depende de muitos fatores incontroláveis pelos executores

do projeto? Não se recomenda indicadores agrupados cujos resultados

independam da ação dos executores do projeto.

• Indicadores baseados em dados objetivos são os ideais.

• Devem ter um baixo custo de medição.

Além do Insper Metricis, existem métodos que vem sendo estabelecidos para

mensurar este tipo de retorno. Um dos mais consolidados é o Impact Reporting and

Investment Standards (IRIS), que procura garantir uma mensuração cada vez mais

uniforme, e um segundo seria o procedimento de avaliação proposto pelo Global

Impact Investing Report System, este se utiliza bases do IRIS, enfatizando

indicadores em cinco grandes áreas: governança, colaboradores, comunidade, meio

ambiente e ênfase do socioambiental no plano de negócios (GIIN, 2017).

Independentemente da ferramenta utilizada, é preciso analisar o que medir,

ou seja, deve analisar respondendo as seguintes perguntas: Quais são as ações

concretas que o programa realiza? Quais os resultados diretos desta atividade?

Quais as mudanças esperadas na população? E, por fim, quais são as

transformações que ocorreram especificamente por causa das ações?

(HENBERGER; HARLING; SCHOLTEN, 2013).

Tendo em vista a importância deste tipo de investimento para a propagação

dos NIS e das IS, é necessário o entendimento deste campo emergente. A forma

mais adequada de fazer um apanhado geral sobre o estado da uma arte é por meio

de uma revisão sistemática do conhecimento já produzido sobre um assunto.

Sendo assim, Sousa, Segatto e Silva (2017) se propuseram a mapear a

produção cientifica acerca do financiamento à IS dos últimos cinco anos. Os autores

optaram por realizar a revisão sistemática da literatura em duas bases de dados cuja

cobertura abrange as principais revistas acadêmicas da área de administração de

empresas, a Web of Science e a EBSCO. Dentre os artigos encontrados, os

67

principais pontos abordados foram separados em temáticas de investimento de

impacto sendo elas: financiamento para empresas sociais, filantropia, fundos de

investimentos de impacto, investimento socialmente responsável, avaliação de

impacto, IS, terminologia, risco e retorno, e aspectos gerais. A Figura 08 demonstra

a distribuição das temáticas:

Figura 08 - Temáticas

Fonte: SOUSA; SEGATO; SILVA, 2017

Por meio da análise exploratória da temática IS, Souza et al. (2017)

identificaram três artigos nos quais foi possível constatar a estreita ligação existente

entre investimento de impacto e IS. Dois destes artigos abordaram a questão

salientando que as finanças sociais são um meio gerador de IS. A pesquisa dos

autores Geobey, Westley e Weber (2012) falou a respeito de como utilizar os

investimentos a favor da IS.

Por meio da revisão de literatura, Sousa et al. (2017) também puderam

identificar as principais sugestões destes autores para pesquisas futuras, uma

contribuição relevante uma vez que direciona os pesquisadores a novas propostas

de investigação no campo. Moore, Westley e Brodhead (2012), no artigo The Social

Finance and Social Innovation, sugeriram para pesquisas futuras compreender

melhor os limites da IS no campo do investimento de impacto. Já para Ormiston et

al. (2015), é preciso pesquisar como as organizações que recebem os investimentos

estão se beneficiando do crescimento do investimento de impacto. De forma

68

semelhante, Glänzel e Scheuerle (2015) sugeriram analisar como o investimento de

impacto contribui para o desenvolvimento dos efeitos benéficos da IS. No estudo de

Souza et al. (2017), foram encontradas outras sugestões de pesquisas futuras,

menciono aqui apenas algumas das sugestões que tem relação direta com a IS.

Os resultados da revisão de literatura sobre investimentos de impacto

demonstram que o fenômeno ainda é incipiente na academia, sendo assim um

campo em ascensão. Alguns autores como Moore, Westley e Brodhead (2012)

ressaltaram a importância dos avanços em pesquisas empíricas relacionando a IS

ao investimento de impacto e sugeriram que a junção destes dois fenômenos

exploraria a hibridez do mercado e procuraria compreender como a lógica combinada

da IS e do investimento de impacto poderiam desafiar as estruturas institucionais

existentes hoje no mercado.

Em síntese, este capítulo buscou não apenas compreender o fenômeno da IS

por ângulos diferentes, sob a lente do processo e sob a perspectiva de resultado,

como também realizou um overview sobre como o fenômeno vem sendo tratado pela

academia nos últimos anos no campo da administração de empresas, se tornando

uma ferramenta importante para criação dos NIS.

O investimento de impacto possibilita a escala dos NIS e das IS para que estas

transformações alcancem um número maior de pessoas. Este é sempre um dos

objetivos destes negócios (MURRAY et al., 2010; BUCKLAND; MURILLO, 2013;

DEBRUIN; STANGL, 2013).

Por conseguinte, uma vez que a IS é vista como um resultado, um produto

ou serviço de NIS, a mesma precisa receber investimento como qualquer outro tipo

de negócio para ter sustentabilidade financeira. Assim, este capítulo também teve

como objetivo demonstrar como alavancar a IS por meio dos investimentos de

impacto e como viabilizar este novo tipo de negócio de forma que o mesmo seja

lucrativo, fornecendo resultados financeiros e sociais.

69

70

3 PANORAMA GERAL SOBRE O AUMENTO DA LONGEVIDADE NO BRASIL E

NO MUNDO

Muitos são os problemas sociais vivenciados não apenas no Brasil, mas em

toda parte do mundo. A pobreza ainda se faz presente em diferentes partes do globo

e a exclusão social ainda é presente e preocupante (FISCHER; COMINI, 2012). Além

da pobreza e exclusão social, estamos vivenciando uma crise ambiental sem

precedentes (TEEB, 2009; MEA, 2005). Contudo, o Brasil está vivenciando uma

importante mudança social demográfica que trará grandes desafios sociais e

econômicos. Esta mudança pode ser chamada de Revolução da Longevidade (ILC

BRASIL, 2015).

O índice de expectativa de vida foi apurado no Brasil pela primeira vez em

1980 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e desde então o

aumento da longevidade tem sido uma constante. Em 1980, a expectativa de vida

do brasileiro era de 62,5 anos de idade, já nos anos 2000 a expectativa chegou aos

70,5 e 16 anos depois, em 2015, chegou a 75,5 anos (IBGE, 2015).

O índice se refere ao número médio de anos que as pessoas vivem a partir

do nascimento, se permanecerem constantes, ao longo da vida, o nível e o padrão

de mortalidade por idade prevalecente no ano do censo. O aumento da expectativa

de vida é uma realidade presente não só no Brasil, mas em outros países ao redor

do mundo, principalmente nos países desenvolvidos. O Japão exibe uma alta taxa

de expectativa de vida e, em contrapartida, uma baixa taxa de natalidade.

Consequentemente, possui uma das maiores proporções de cidadãos acima de 60

anos em comparação com outros países no mundo (DUAN, 2017).

O aumento desta população idosa é um movimento previsto e a tendência é

que o Brasil tenha sua taxa de envelhecimento ainda mais acelerada nos próximos

anos (MINÉ, 2016). Este movimento pode ser observado na Tábua de Mortalidade

do IBGE. O país está vivenciando uma inversão na pirâmide populacional, que é

ocasionada principalmente pela diminuição da taxa de natalidade e pelo aumento da

taxa de longevidade. A Tabela 1 demonstra a constante crescente da expectativa de

vida no Brasil nos últimos levantamentos realizados pelo IBGE, de acordo com dados

disponíveis na Tábua de Mortalidade, utilizada como um parâmetro para determinar

o fator previdenciário e o regime geral da Previdência Social no pais (IBGE, 2015).

71

Tabela 1 - Expectativa de Vida do Brasileiro – IBGE (2005-2016)

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, 2017

Já no mundo, como pode ser verificado na Tabela 2 pelos dados do Banco

Mundial para a variável esperança de vida ao nascer, notamos o aumento da

longevidade mundial, que variou de 68,4 anos em 2003 para 71,2 em 2013.

Tabela 2 - Esperança de Vida ao Nascer – Banco Mundial

Ano Esperança de Vida ao Nascer

2005 69,13

2006 69,47

2007 69,79

2008 70,08

2009 70,40

2010 70,68

2011 70,97

2012 71,21

2013

2014

2015

71,46

71,69

71,88

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do Banco Mundial, 2017

Expectativa de Vida

Ano Idade

2005 71,9

2006 72,3

2007 72,6

2008 72,9

2009 73,2

2010 73,5

2011 74,1

2012 74,6

2013 74,9

2014 75,2

2015

2016

75,5

75,77

72

Conforme o relatório do Banco Mundial (2016), a convergência da diminuição

das taxas de natalidades com o aumento da taxa de expectativa de vida impulsionou

a elevação do envelhecimento da população que chamamos de população

economicamente ativa (PEA) e este fenômeno vêm acontecendo em intensa

velocidade.

A PEA é constituída pela população ocupada e desocupada, segundo o IBGE

(2017). A questão é que, devido a esta inversão na pirâmide demográfica, em breve

teremos uma grande fatia da população brasileira em idade ativa e isto acarretará

em um aumento da força de trabalho e, consequentemente, uma preocupação em

relação ao envelhecimento destas pessoas (BANCO MUNDIAL, 2016). O Centro

Internacional de Longevidade Brasil (ILC Brasil) está chamando este fenômeno de

Revolução da Longevidade.

Revolução é o colapso da ordem social em favor de um novo sistema. A revolução da longevidade nos força a abandonar as noções existentes de velhice e de aposentadoria. Essa construção social é simplesmente insustentável diante do incremento de 30 anos de vida. (ILC BRASIL, 2015, p.16)

A Revolução da Longevidade tem suas particularidades: no Brasil, por

exemplo, as mulheres vivem em média mais do que os homens. Também existem

particularidades em relação aos estados brasileiros. Em Santa Catarina, Espírito

Santo, Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais a

expectativa de vida ao nascer das mulheres é elevada, superior aos 80 anos; em

contrapartida, a expectativa de vida masculina dos estados de Maranhão, Alagoas e

Piauí, por exemplo, foram inferiores à média nacional (IBGE, 2017).

Entre os estados brasileiros, Santa Catarina lidera com a maior expectativa

de vida do pais, com média de 79,1 anos. Espírito Santo, Distrito Federal e São Paulo

têm valores acima dos 78 anos. Por outro lado, Maranhão possui a menor taxa (70,6

anos) (IBGE, 2017). A Tabela 03 demonstra a diferença existente entre homens e

mulheres.

73

Tabela 3 - Expectativa de Vida Homens e Mulheres – IBGE (2005-2016)

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, 2017

Esta mudança demográfica possui ligação direta com outras tendências

globais convergentes, que estão direcionando o futuro da nossa sociedade. Uma

destas tendências, que possui estreita ligação com a longevidade, é justamente a

queda das taxas natalidade. Estamos vivenciando a convergência entre a queda da

taxa de natalidade e o aumento da taxa de expectativa de vida; é esta combinação

nos leva à inversão da pirâmide demográfica. A Tabela 04 demonstra a queda da

taxa de natalidade no Brasil.

Ano Mulheres Homens

2005 75,82 68,18

2006 76,12 68,50

2007 76,44 68,82

2008 76,71 69,10

2009 77,01 69,41

2010 77,31 69,73

2011 77,70 70,60

2012 78,27 70,96

2013 78,56 71,30

2014 78,83 71,61

2015

2016

79,10

79,36

71,93

72,23

74

Tabela 4 - Taxa de Natalidade – IBGE (2005-2016)

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, 2017

Este fenômeno, como podemos observar na Tabela 05 ilustra dados mundiais,

está acontecendo não apenas no Brasil; trata-se de um movimento mundial.

Tabela 5 - Taxa de Natalidade – Banco Mundial (2005-2016)

Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do Banco Mundial, 2017

Taxa de Natalidade Brasil

Ano Taxa

2005 18,15

2006 17,65

2007 17,18

2008 16,72

2009 16,29

2010 15,88

2011 15,50

2012 15,13

2013 14,79

2014 14,47

2015 14,16

Taxa de Natalidade Mundial

Ano Taxa

2005 20,55

2006 20,41

2007 20,33

2008 20,23

2009 20,05

2010 19,85

2011 19,68

2012 19,58

2013 19,38

2014 19,30

75

A convergência entre a queda da taxa de natalidade e o aumento da

expectativa de vida trará mudanças profundas no modo de viver da sociedade. Em

um curto período teremos uma minoria de mão de obra jovem no mercado de

trabalho e isto nos forçará a repensar o ciclo da vida. Além disto, a OMS, em seu

Relatório Mundial do Envelhecimento e Saúde, ressalta que estes poucos jovens

esperam viver mais e, consequentemente, podem realizar planejamentos de vida

diferentes, como iniciar suas carreiras mais tarde e, no caso das mulheres, passar o

início de vida adulta se dedicando mais à família (OMS, 2015).

O Gráfico 01 demonstra, com base nos dados mundiais, a convergência

destes dois fenômenos. É possível observar como a população vêm envelhecendo

ao mesmo tempo em que a taxa de natalidade vem decrescendo.

Gráfico 01 – Convergência entre taxa de natalidade e taxa de expectativa de vida

mundial

Fonte: Elaborada pela autora com base em dados do Banco Mundial, 2018

Esta inversão na pirâmide demográfica é uma tendência que vem sendo

evidenciada não apenas pela OMS e pelo IBGE como também por uma gama de

estudiosos. O IBGE disponibilizou uma projeção da pirâmide populacional com base

nos dados do censo demográfico de 2010. Como podemos observar na Figura 09,

em 1940, de acordo com o Censo, apenas uma pequena fatia da população estava

acima da faixa de 60 anos de idade. Por outro lado, a projeção da pirâmide

populacional para 2060 demonstra uma real inversão na pirâmide populacional,

18

18,5

19

19,5

20

20,5

21

67,5

68

68,5

69

69,5

70

70,5

71

71,5

72

72,5

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015Ta

xa d

e n

atal

idad

e

Exp

ecta

tiva

de

vid

a

Expectativa de vida mundial X Taxa de natalidade mundial

Life Expectancy Birth Rates

76

conforme podemos observar na Figura 10, indicando uma mudança demográfica

eminente que está em curso.

Figura 09 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Censo 1940

Fonte: IBGE, 2013

Figura 10 - Pirâmide Etária Absoluta Brasil – Projeção 2060

Fonte: IBGE, 2013

Em nível mundial, um recente estudo elaborado por Kontis et al. (2017) e

realizado em parceria com a OMS realizou uma análise de tendência da expectativa

de vida em 35 países industrializados. Os resultados da pesquisa foram publicados

77

na revista The Lancet em 2017 e indicaram que haverá um aumento na longevidade

da população em todos os países estudados, dentre eles, países de alta renda na

Ásia, no Pacifico, países na América do Norte, Europa Central e Ocidental e também

na América Latina.

Conforme demonstra a pesquisa de Kontis et al. (2017), entre as mulheres da

Coreia do Sul, a tendência é que ao menos 90% ultrapassem os 86,7 anos de idade

até 2030. A mesma coisa ocorrerá com as mulheres da França, Espanha e Japão.

Para os homens a tendência também é de aumento da longevidade, a probabilidade

é de 95% para que os homens ultrapassem a faixa dos 80 anos de vida em 2030 nos

países como a Coréia do Sul, Austrália e Suíça.

A pesquisa aponta ainda que, mesmo em países onde o aumento da

longevidade não seja tão expressivo, a tendência é que haja crescimento da

expectativa de vida em países como Estados Unidos, Japão, Suécia, Grécia,

Macedônia e Sérvia (KONTIS et al., 2017).

Kontis et al. (2017) finaliza ressaltando que os aumentos na longevidade

serão contínuos e, consequentemente, será necessário um planejamento cuidadoso

para a saúde, as questões sociais e os fundos de pensões. Todas estas mudanças

demográficas trarão mudanças profundas no modo de viver da sociedade; será

preciso um planejamento não apenas na área de saúde como também na questão

de moradia e urbanismo afinal as cidades precisarão estar preparadas para esta

população idosa, trabalho e emprego, tecnologia, inclusão digital, entre outros.

O aumento da longevidade traz uma série de desafios, mas também traz uma

gama de oportunidades para a Inovação. Faz-se necessário entender as

necessidades desta população envelhecida para que possam ser desenvolvidos

produtos e serviços que atendam estas demandas. O consumidor terá

características e necessidades diferentes das que temos hoje, teremos então uma

abertura no mercado de consumo para os idosos e as empresas precisam começar

a pensar nesta mudança e em suas consequências.

Estudos demonstram a ausência dos idosos nas pesquisas de mercado.

Michelin (2017) levantou a hipótese de que as pesquisas de mercado que são

encomendadas pelas empresas privadas aos institutos de pesquisa investigam em

sua maioria pessoas de no máximo 55 anos de idade. Com o propósito de testar esta

78

hipótese, a autora entrevistou gestores dos quatro maiores institutos de pesquisa no

Brasil, a saber: GKF, Ipsos, Millwardsbrown e Ibope.

As respostas dos entrevistados confirmaram a hipótese apresentada pela

pesquisadora. Os entrevistados foram unânimes em dizer que a grande maioria das

pesquisas realizadas sob encomenda normalmente investigam indivíduos com até

55 anos, e em alguns casos indivíduos de 65 anos também. Os entrevistados

afirmaram ainda que não existe a intenção de exclusão por motivo de preconceito,

porém, ao que tudo indica, não existem indícios de se mudar esta prática

(MICHELIN, 2017).

Ainda nesta mesma pesquisa, Michelin (2017) faz uma indagação a respeito

dos estudos sobre o mercado de consumo para a terceira idade com o objetivo de

se verificar como a academia está se movimentando nos estudos de gerontologia.

Os conhecimentos advindos destes estudos foram agrupados pela autora em nove

diferentes áreas temáticas: aumento de demanda, desenvolvimento de produtos,

novas tecnologias, serviços específicos, propagandas, mídias, uso de produtos,

direito e varejo/PDV.

Foram localizados 98 trabalhos e, dentre estes, 14 estão na temática novas

tecnologias, tratando sobre o uso da tecnologia para a inovação voltada para a

terceira idade. No que diz respeito a estes trabalhos encontrados, foi constatado que

em todos é falado sobre a necessidade de inovações propostas pela busca de

qualidade de vida dos idosos, é preciso responder perguntas tais como: quais são

as demandas não atendidas? Que inovações são necessárias para a terceira idade?

(MICHELIN, 2017).

A Revolução da Longevidade precisa ser pensada levando-se em

consideração as tendências globais convergentes, as novas necessidades de

mercado para este público, as questões de qualidade de vida, os avanços

tecnológicos, saúde, políticas públicas e tantas outras variáveis que possam estar

relacionadas com o desafio de envelhecer bem.

3.1 Os desafios da Revolução da Longevidade

Muitos são os desafios advindos da Revolução da Longevidade. Esta

mudança demográfica pode afetar as estruturas do mercado de trabalho, da

previdência social, do sistema de saúde e de diversos outros fatores que precisam

ser considerados, como as novas necessidades desta população envelhecida. Para

79

tanto é preciso alternativas para suprir estas necessidades e esta é uma tarefa de

todos na sociedade.

O idoso já tem seus direitos estabelecidos pelo Estatuto do Idoso, instituído

pela Lei nº 10.741, de 2003, que estabelece ser obrigação da família, da

comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta

prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à

cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao

respeito e à convivência familiar e comunitária (ESTATUTO DO IDOSO, 2003).

Desta forma, o cuidado com o idoso de acordo com o Estatuto é uma tarefa que

requer esforços de diferentes atores da sociedade civil: a família, o poder público e

a sociedade como um todo.

Um dos desafios enfrentados com o aumento da expectativa de vida será em

relação ao mercado de trabalho, o artigo 27 do Estatuto do Idoso trata da

profissionalização e do trabalho, assegurando ao idoso o direito ao exercício da

atividade profissional respeitando suas limitações físicas e psíquicas (ESTATUTO

DO IDOSO, 2003). Tendo em vista que iremos vivenciar uma redução da PEA

decorrente desta inversão na pirâmide demográfica, é possível que se amplie o

período legal da vida laborativa do trabalho, revendo-se inclusive os critérios da

aposentadoria (PINHEIRO; SOUZA, 2017).

Sendo assim, os gestores irão se deparar com um cenário em que a presença

dos idosos nas empresas será cada vez maior e as empresas, por sua vez, deverão

estar preparadas promovendo um ambiente organizacional que estimule a

produtividade destes da maneira adequada. Por vezes, o que vemos hoje no Brasil

é uma exclusão dos trabalhadores em idade mais avançada por serem considerados

pouco produtivos, principalmente nas tarefas operacionais, e esta visão precisará ser

revista para que possamos lidar com este fenômeno em curso.

Para o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon (2017), cada vez mais um

número maior de idosos vai renunciar a tradicional aposentadoria em prol de uma

nova fase na carreira. Esta motivação se dá não apenas por questões de

remuneração financeira. Para a OMS (2008), os idosos gostariam de ter

oportunidades de emprego e trabalho, mas existem barreiras por parte da sociedade

às suas participações cívicas; barreiras como limitações físicas e também

paradigmas culturais para a participação de idosos.

80

Outro desafio do envelhecimento em um país como Brasil é a questão dos

espaços urbanos; neste sentido, o Guia Global: Cidade Amiga do Idoso, escrito pela

OMS (2008), traz uma seção sobre estes espaços abertos e chama atenção para

alguns pontos que precisam ser tratados para que tenhamos uma cidade amiga dos

idosos. As mudanças que a OMS julga necessárias nos espaços urbanos são: um

ambiente limpo, espaços verdes de convivência comunitária, calçadas amigas dos

idosos para facilitar a mobilidade, acessibilidade nos espaços urbanos, prédios e

espaços de uso comum que contemplem as dificuldades dos idosos e ofereçam

rampas de acesso, escada rolante, pisos antiderrapantes, corredores amplos e

outros.

O aumento da longevidade no Brasil, como já foi dito outrora, não é diferente

do que já vem acontecendo a outros países; porém, alguns países se desenvolveram

e enriqueceram antes de envelhecer e esta não é a realidade no Brasil. Tratar a

questão dos espaços urbanos e mobilidade em um país como o nosso, onde parte

da população mora em bairros não planejados e em condições urbanas

inapropriadas, é um enorme desafio diante do envelhecimento da população.

Ainda sob o ponto de vista urbano, podemos dizer que a questão da moradia

é algo que precisa ser pensado para atender às necessidades desta população que

vem envelhecendo. Assim como os espaços urbanos devem propiciar segurança ao

idoso, a segurança e o conforto se fazem ainda mais necessários dentro da própria

casa. Na visão da OMS (2008), existe uma relação direta entre uma moradia

adequada e o acesso a serviços comunitários e sociais que proporcionam a

independência e a qualidade de vida dos idosos.

No levantamento realizado pela OMS para elaboração do guia Cidade Amiga

do Idoso, foi evidenciado pelos idosos de diferentes países que estar em um

ambiente que proporcione fácil conexão com a família e com a comunidade em geral

contribui muito para que eles estejam integrados com a comunidade. Ou seja, a

questão da moradia abrange situações físicas e tangíveis, como a facilidade de

mobilidade e segurança dentro do próprio lar, mas também abrange questões

intangíveis, como a integração do idoso com a comunidade. Este pensamento

também é corroborado pelo Instituto de Longevidade Mongeral Aegon/FGV (2017)

quando diz que a questão da habitação planejada proporciona a convivência entre

as gerações.

81

Hoje existe um projeto de moradia para idosos na Universidade Estadual de

Campinas (UniCamp), que está sendo elaborado e proposto pela Associação de

Docentes da Unicamp. O projeto é chamado de “Vila Conviver” e foi criado baseado

em um conceito internacional de moradia conhecido por cohousing, uma proposta

criada na Dinamarca e que hoje se consolida em diversos países. A proposta deste

conceito é abrigar moradores de diferentes perfis sociais, econômicos e culturais.

Este conceito de moradia é valido para todas as idades, mas atende perfeitamente

às demandas dos idosos, proporcionando segurança e sociabilização com a

comunidade e, por isso, passou a ser utilizado em outros países e denominado como

“Senior Cohousing” (LONGEVIDADE EAD UNICAMP, 2018).

Durante o processo de amadurecimento do projeto da Vila Conviver, muitas

pesquisas foram realizadas pela Associação de Docentes da Unicamp (2018) e os

resultados destes estudos apontam que três grandes problemas da população idosa

que estão ligados à questão da moradia: a solidão, o sentimento de desamparo e o

tédio. Esta pesquisa relata ainda uma transformação da estrutura da família:

antigamente os filhos estavam por perto dos pais idosos e hoje, em muitas culturas

e países, isto já não acontece (LONGEVIDADE EAD UNICAMP, 2018). Este novo

conceito de moradia proporciona também participação social do idoso e esta é uma

necessidade que vem sendo apontada em diferentes estudos sobre a longevidade

(ILC BRASIL, 2015; OMS, 2002; OMS, 2008).

Para a OMS (2008), a participação social está estritamente ligada a saúde

mental e física dos idosos e, então, estar envolvido em atividades sociais, culturais

e de lazer junto a família ou a comunidade é fundamental para exercer a autonomia

deste idoso. No Guia Global: Cidade Amiga do Idoso (2008), existe uma seção inteira

para falar da importante necessidade de participação, nela a OMS aborda alguns

pontos principais, a saber: oportunidades acessíveis, tanto em acesso via transporte

público, como em acesso interno que facilite a mobilidade, como rampas e

elevadores; e atividades financeiramente acessíveis, ou seja, a gratuidade ou baixo

custo é essencial para estimular a participação em atividades culturais. Nesta

pesquisa, a cidade do Rio de Janeiro é mencionada como tendo muitas opções de

lazer acessíveis aos idosos e gratuitas.

A participação social abre o leque de oportunidades de convivência

intergeracional e essa integração é também de uma maneira de combater o

82

preconceito contra os idosos. A saúde, mental e física, é uma necessidade global e

neste novo cenário de mudança demográfica, de acordo com o Instituto de

Longevidade Mongeral Aegon (2017), é necessário garantir o acesso aos cuidados

médicos, mas também é preciso garantir a qualidade da prestação destes serviços.

A acelerada mudança tecnológica que estamos vivendo contribui para

melhora na saúde e pode vir a ser um fator chave de aumento de participação social

dos idosos, possibilitando o acesso fácil a informações gerais, facilitando a

comunicação e até mesmo se tornando uma opção de lazer (MIRANDA; FARIAS,

2009). Contudo, muitos idosos podem vivenciar um sentimento de exclusão por não

se adaptarem ao uso de computadores, celulares e tablets; desta forma, o acesso

gratuito ou de baixo custo em centros de convivência comunitários é importante para

o aprendizado do idoso em um ambiente onde ele não se sinta envergonhado por

não saber utilizar tais equipamentos (OMS, 2008). Outro ponto abordado pela OMS

diz respeito a equipamentos eletrônicos como o caixa eletrônico bancário, que deve

ser de fácil utilização para a população idosa, com letras do tamanho adequado para

a leitura e uma dinâmica de fácil compressão.

Muitos são os desafios de uma população que envelhece, cada cidade, cada

país possui demandas e dificuldades especificas que requerem iniciativas

inovadoras do setor público e privado. Algumas destas necessidades, que são

consideradas globais, foram apontadas neste capítulo.

Hoje no Brasil existe um Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade

(IDL) que foi desenvolvido mediante a parceria entre o Instituto de Longevidade

Mongeral Aegon e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da

Fundação Getúlio Vargas (FGV/EASP). Este índice revela as atuais condições de

498 municípios brasileiros no que tange a capacidade de atender as necessidades

básicas dos idosos. O objetivo deste trabalho é mobilizar os gestores públicos e

todos os cidadãos brasileiros neste esforço de proporcionar o bem estar destes

idosos que estão em número cada vez maior na nossa sociedade (INSTITUTO DE

LONGEVIDADE MONGERAL AEGON, 2017).

De acordo com IDL, a cidade de Santos é a primeira no ranking como a cidade

mais bem preparada dentre as 498 cidades estudadas, sendo seguida pela cidade

de Florianópolis, em segundo lugar, e Porto Alegre, em terceiro; já a cidade de São

Paulo ocupa a 19ª posição no ranking. O preocupante no ranking de 2017 é que as

melhores posições são ocupadas predominantemente por cidades do Sul e Sudeste

83

do Brasil e as cidades do Norte e Nordeste demonstram um despreparo para cumprir

estas demandas.

No início de 2018, a Prefeitura de São Paulo aderiu ao programa São Paulo

Amigo do Idoso, que tem por objetivo propor ações para melhorar a qualidade de

vida dos idosos na cidade. Com a adesão ao programa, o município se compromete

a realizar ações como a criação do Conselho Municipal do Idoso, a atualização do

cadastro de idosos para programas sociais do governo e tantas outras ações que

visam o bem-estar desta população (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2018).

Assim, estão em curso mudanças que tem o poder de modificar as estruturas

sociais e econômicas do país. A própria estrutura da família está em mudança: há

poucas décadas a família típica brasileira era composta por um casal com três filhos,

hoje já estamos caminhando para uma estrutura de um casal e um ou nenhum filho

e este casal talvez esteja convivendo com pais, avós e bisavós. Isto significa que,

em um futuro bem próximo, os cuidados serão direcionados aos idosos ao invés de

aos jovens e é fundamental que nosso país esteja preparado para este desafio

(PINHEIRO; SOUZA, 2017).

Esta mudança na estrutura familiar também é evidenciada por Dowbor (2015)

que afirma que o capitalismo moderno trouxe uma família economicamente rentável

composta por mãe, pai e um casal de filhos dentro de um apartamento. Isto trará

mudanças profundas na dinâmica da sociedade, pois hoje a terceira idade do

indivíduo representa entre um quarto e um terço de toda a vida. Dowbor (2015)

ressalta ainda que o tempo de dependência de nossa vida aumentou devido à

mudança demográfica e à família que, até então, era o agente responsável pela

redistribuição do excedente entre as gerações em suas fases remuneradas e não

remuneradas está se tornando cada vez menos presente na vida o idoso.

Por fim, podemos dizer que os desafios desta mudança demográfica são

muitos e serão sentidos na medida em que a população envelhece. Vimos acima

que existem desafios de ordem prática – como o acesso a saúde, emprego e

remuneração; e acesso digno nos espaços urbanos e questões que atingem as

barreiras culturais – como é o caso da mudança na estrutura da família ou até mesmo

da exclusão do idoso da sociedade.

Para superar estes desafios será preciso iniciativas do setor público e privado.

Em muitos casos, como a questão da saúde, espaços urbanos e segurança, o setor

84

público ainda se mostra como a ferramenta mais adequada para a promoção de

políticas sociais necessárias (DOWBOR, 2015). Em outros desafios, os NIS podem

trazer contribuições significativas. Iniciativas de movimentos não governamentais

também são fatores fundamentais nesta empreitada. A questão é que ainda estamos

a compreender quais as consequências desta mudança demográfica e quais os

problemas decorrentes desta transformação global; sem este entendimento, as

iniciativas ainda são tímidas.

O próprio movimento global das Nações Unidas (2015) em direção a

transformar o nosso mundo contempla pouquíssimas ações em relação ao desafio

do envelhecimento populacional. Dentre os dezessete Objetivos Do

Desenvolvimento Sustentável (conhecidos como ODS), apenas o ODS “Cidades e

Comunidades Sustentáveis” faz menção ao idoso quando diz que a meta era até

2013 proporcionar acesso aos sistemas de transporte seguros, acessíveis e

sustentáveis para todos e, em particular, para aqueles em condições de

vulnerabilidade social, inclusive o idoso.

Isto mostra o quanto o tempo das transformações institucionais,

organizacionais e culturais não acompanha a velocidade das transformações

globais, como é o caso da Revolução da Longevidade. Buscando lidar com o novo

cenário, a OMS (2002) propõe o conceito de “Envelhecimento Ativo” para lidar com

a Revolução da Longevidade. O próximo subcapítulo irá descrever as bases que

estabelecem o desenvolvimento deste envelhecimento ativo bem como os pilares

que o sustentam.

3. 2 O Envelhecimento Ativo da OMS

Com um propósito de atuar como um think tank, o Centro Internacional de

Longevidade Brasil (ILC) tem a missão de propor ideias para políticas públicas

voltadas ao envelhecimento populacional fundamentadas por práticas e pesquisas

internacionais de modo a contribuir positivamente para o bom envelhecimento da

população e contribuir para o chamado envelhecimento ativo. Para atender este

objetivo o ILC lançou em 2015 um documento chamado Envelhecimento Ativo – Um

Marco Político em Resposta a Revolução da Longevidade.

O objetivo deste relatório é manter atualizado o documento publicado em 2002

pela OMS chamado Marco Político do Envelhecimento Ativo. Neste documento foi

85

introduzido o conceito de envelhecimento ativo como sendo o modo ideal proposto

pela OMS para se alcançar um envelhecimento pleno.

Diante do cenário de constante crescimento da expectativa de vida mundial,

a OMS desenvolveu em 2002 o Marco Político do Envelhecimento Ativo como sendo

a contribuição da OMS para a Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o

envelhecimento, acontecida naquele ano. Surge então, o conceito de

envelhecimento ativo:

O Envelhecimento Ativo é o processo de otimização de oportunidades para a saúde, a aprendizagem ao longo da vida, a participação e a segurança para melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem (OMS, 202, p.12).

A palavra “ativo” para a OMS (2002) se refere à participação contínua na

sociedade, economicamente, culturalmente e espiritualmente, ativo nas relações

afetivas, e não apenas estar ativo fisicamente para participar na sociedade com sua

força laboral, pois as pessoas que já estão no período de aposentadoria podem e

devem continuar contribuindo para a sociedade.

A proposta do envelhecimento ativo visa prolongar a expectativa de vida do

indivíduo com saúde e qualidade de vida para todos à medida que as pessoas

envelhecem, inclusive aqueles que são frágeis ou possuem limitações ou debilidades

físicas e necessitam de cuidados constantes (OMS, 2002).

De acordo com a definição de saúde estabelecida pela OMS (2002, p.12),

“saúde se refere a aspectos físicos, mentais e sociais.” Para contribuição do

entendimento da política do envelhecimento ativo, o Marco Político do

Envelhecimento Ativo (ILC BRASIL, 2015) estabeleceu um conjunto de princípios

que podem ser usados para nortear as ações para desenvolvimento deste conceito.

São elas:

1) Ser ativo não se refere apenas a atividades físicas, mas também se refere a

engajamento social, cultural, familiar e espiritual, bem como envolvimento em

causas cívicas.

2) O conceito do envelhecimento ativo se aplica a pessoas de todas a idades,

incluindo idosos com algum tipo de fragilidade e limitações físicas.

3) Os objetivos do envelhecimento ativo são medidos preventivas e

restaurativas.

86

4) Promove a autonomia, a independência, mas também a interdependência e a

troca recíproca entre os indivíduos.

5) Promove a solidariedade e a sociabilidade intergeracional, recomenda-se que

atenção no bem-estar de cada geração e promove encontro intergeracional.

6) O envelhecimento ativo promove a ação política de cima para baixo e

promove oportunidades de participação de baixo para cima.

7) A ideia do envelhecimento ativo é baseada em direitos e não em

necessidades, direito de igualdade de oportunidades e tratamento de todos

os aspectos da vida à medida que as pessoas envelhecem.

8) Promove responsabilidade individual pelo aproveitamento das oportunidades.

Sendo assim, as pessoas que conseguirem acumular os recursos surgidos no

ciclo da vida para ter saúde, uma ocupação dignificante e realizadora e relações

sociais ativas, adquirir novas habilidades, conhecimentos e necessidades materiais

estarão envelhecendo ativamente e alcançarão bem-estar físico, mental e social (ILC

BRASIL, 2015). Segundo a OMS (2002) e o ILC Brasil (2015) foram alinhados em

quatro pilares os recursos necessários visando suportar e desenvolver o

envelhecimento ativo em todo o mundo. Sendo estes explicados na seção a seguir.

3.2.1 Os pilares do Envelhecimento Ativo

O Pilar 01 refere-se à saúde, afirmando que antes de tudo é necessário reduzir

as desigualdades na saúde para que seja possível se alcançar pleno potencial neste

quesito (ILC BRASIL, 2015). É fato que, se as desigualdades não forem reduzidas,

as oportunidades de se ter um envelhecimento ativo ficarão restritas a um número

limitado de pessoas. A saúde é um investimento e quanto antes se cultivar a boa

saúde durante a vida mais prolongadas serão as recompensas como a melhora da

capacidade funcional e a ausência de doenças ao longo da vida.

Deve-se ainda compreender a saúde mental e social é como essenciais para

o envelhecimento ativo e costuma ser negligenciada. A mente saudável e positiva é

uma característica recorrente em pessoas com capacidade funcional elevada.

Ambas as saúdes física e mental, influenciam uma a outra positiva ou negativamente

durante todo o ciclo da vida (OMS, 2002).

O Pilar 02 é a aprendizagem ao longo da vida. Estamos vivendo na sociedade

do conhecimento, a globalização traz rápidas mudanças ao nosso cotidiano e a

87

informação tem se tornado o bem mais valioso nesta sociedade. O acesso à

informação é um ponto chave para o envelhecimento ativo e a aprendizagem ao

longo da vida proporciona bem-estar, este é o pilar que sustenta todos os demais

pilares (OMS, 2002).

Sendo assim, todas as fases da vida são fundamentais para o aprendizado

constante e este aprendizado pode ocorrer não apenas com aprendizado formal com

a escola, como também por meio de experiências vivenciadas no cotidiano

informalmente, em casa, no ambiente de lazer e outros.

O Pilar 03 diz respeito à participação. Ter um propósito na vida diminui o risco

de morte em todo o ciclo da existência humana. A participação se dá pelo

engajamento na sociedade, não apenas por um trabalho remunerado, mas em toda

situação recreativa, intelectual, cívica e em qualquer atividade que promova um

sentimento de realização pessoal. O ser humano necessita do sentimento de

pertencimento, é preciso se sentir útil para se permanecer ativo (OMS, 2002). A

participação proporciona interação e constante aprendizado, amplia a visão de

mundo.

Participar sustenta a saúde positiva, por favorecer o engajamento e a fluência de experiências que podem ser intrinsecamente satisfatórias, conferindo um sentimento de ter propósito na vida e constituindo oportunidades para relações Sociais positivas (ILC BRASIL, 2015)

A OMS (2002) afirma ainda que o trabalho no período de aposentadoria é um

fator de impacto contra o estado de demência. Ao longo da existência humana, o

trabalho é tido como uma importante forma de participação, pois proporciona

segurança econômica, interação social, elevação da autoestima, saúde e

estabilidade social. Em contrapartida, o desemprego e o subemprego representam

um risco à capacidade de envelhecimento ativo. Adiciona-se a isto um impacto

negativo sobre a saúde e a inclusão social.

O engajamento participativo pelo trabalho não acontece apenas com o

trabalho remunerado. Para as Nações Unidas (2011), o trabalho voluntário tornou-

se uma fonte de empoderamento e cidadania a favor do desenvolvimento humano.

Outro fator que vem aumentando as possibilidades de participação do cidadão de

todas as idades é a internet; portanto, a inclusão digital se faz necessária para

inclusão das pessoas que até então estavam excluídas da vida cívica.

88

O Pilar 04 trata da segurança e da proteção, sendo pilar fundamental e que

possui influência direta no pilar da saúde. Para a OMS (2002) a segurança é a mais

fundamental necessidade humana e quando existe ausência deste pilar não é

possível desenvolver plenamente o envelhecimento ativo. A segurança está

relacionada com efeitos de mudanças climáticas, desastres naturais, crises, crime

organizado, segurança pública, tráfico de pessoas, violência, abuso, discriminação

e falta de segurança econômica e financeira. O estresse ocasionado pela falta de

segurança pode levar a problemas de saúde mental na visão da OMS (2002).

Políticas que promovam os quatro pilares do envelhecimento ativo

capacitarão os indivíduos para que estes obtenham os recursos necessários à

resiliência e ao bem-estar necessários para o envelhecimento ativo. Dada a

realidade demonstrada ao longo deste capítulo, o desafio atual é promover uma

sociedade plena e inclusiva para todas as idades, com IS e políticas públicas, que

possam desenvolver e atender as recomendações prescritas pelos pilares da política

do envelhecimento ativo (OMS, 2002; ILC BRASIL, 2015).

Sendo assim, são necessárias iniciativas que incluam todos os níveis de

governo, sociedade civil e setor privado em prol dos desafios sociais advindos da

Revolução da Longevidade em curso. Algumas destas iniciativas voltadas para o

desafio do aumento da longevidade serão ilustradas na seção a seguir.

3.3 Negócios de Impacto Social, Inovação Social e a Longevidade

Esta seção tem o propósito de ilustrar algumas iniciativas que estão sendo

realizadas no Brasil e no mundo como resposta à Revolução da Longevidade. A

primeira inciativa no âmbito internacional refere-se à atuação da The International

Longevity Centre Global Alliance (ILC Global Aliance) que se destaca como uma IS

por disseminar suas iniciativas em diversos países formando uma rede independente

e colaborativa com o objetivo de estudar como o crescimento da expectativa de vida

irá impactar as nações ao redor do mundo. O ILC Global (2018) é composto por

centros de longevidade localizados em 17 países: Japão, Inglaterra, França,

República Dominicana, Índia, África do Sul, Argentina, Holanda, Israel, Singapura,

República Checa, China, Brasil, Canadá, Austrália e Alemanha.

Outra inciativa global é o Aging 2.0. Esta rede foi fundada em 2012 e apoia IS

para os maiores desafios e oportunidades do envelhecimento. A proposta é

internacional, interdisciplinar e intergeracional. Nos últimos seis anos, a iniciativa já

89

realizou eventos em 20 países e criou uma comunidade com cerca de 25 mil pessoas

mobilizadas por esta causa. O Aging 2.0 promove a Competição Global de Negócios

para a Longevidade. O objetivo desta competição é identificar NIS e IS para

receberem investimentos e participarem de um programa de aceleração, realizando

mentoria e trazendo visibilidade internacional para estas inciativas.

Uma última iniciativa no âmbito internacional a mencionarmos aqui e que traz

muito valor em sua proposta é o programa denominado “Gerações Juntas”

(LAURENSON, 2017). Trata-se de um programa de compartilhamento de casas na

França que proporciona aos alunos um lugar para morar e aos idosos uma fonte de

companheirismo. A inciativa surgiu em 2003, em Lyon, quando 15 mil idosos

pereceram por conta do grande calor daquele verão. Enquanto as famílias estavam

de férias, os idosos sozinhos morreram em número recorde. Os idealizadores do

projeto consideraram o compartilhamento das casas como uma possível solução

para combater o problema de isolamento sofrido por muitos idosos. Esta iniciativa foi

replicada em diversos outros países.

Uma iniciativa no contexto brasileiro é a do Instituto Mongeral Aegon (2018).

O instituto foi criado a partir de uma iniciativa privada da seguradora Mongeral Aegon

com objetivo de discutir impactos sociais e econômicos do aumento da expectativa

de vida no Brasil. A organização não possui fins lucrativos e atua em rede com setor

público, setor privado e sociedade civil desenvolvendo projetos como o Índice de

Desenvolvimento Urbano para a Longevidade (IDL), que foi elaborado em parceria

com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio

Vargas. O IDL revela as condições de 498 cidades brasileiras em relação a sua

capacidade de atender as necessidades da população envelhecida.

Uma das mais recentes iniciativas brasileiras é a plataforma Plenae. O

idealizador da Plenae é o empresário Abílio Diniz, que desenvolveu este projeto com

o propósito de disseminar práticas e hábitos de vida mais saudáveis a fim de

promover uma vida longa e saudável para as pessoas. A proposta se embasa em

seis pilares: propósito, contexto, espírito, relações, mente e corpo. Outra recente

iniciativa do Núcleo de Estudos do Futuro da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo chama-se PIAUI – Primeira Infância até a Última Infância. Esta sigla foi

escolhida para a junção de dois projetos – Primeira Infância e Longevidade. Assim,

o PIAUI é uma mobilização pela infância, adolescência, juventude, idade adulta e

90

velhice. Para tanto, a proposta do PIAUI é mobilizar a sociedade para esta causa

através de portal online, palestras e workshops.

Notamos com estes exemplos que já está acontecendo uma movimentação

da sociedade em relação ao fenômeno da longevidade. Além das inciativas acima

mencionadas existem as iniciativas dos NIS para a longevidade, que é o recorte

analítico desta pesquisa. Para entender o comportamento destes negócios e ilustrar

como eles podem trazer soluções para o desafio da longevidade foi realizada uma

pesquisa de campo exploratória com alguns destes NIS; os resultados são

demonstrados no capítulo 05.

91

92

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo procura demonstrar, por meio dos métodos utilizados, os

caminhos percorridos para alcançar os objetivos da pesquisa. Este estudo sobre NIS

e IS que contribuem com o desafio da crescente longevidade da população tem

caráter exploratório. Este fato se dá por dois motivos: i) trata-se de uma temática

cujas pesquisas são incipientes e estão em estágio inicial no Brasil, como foi

identificado pela revisão de literatura; ii) porque esta natureza de pesquisa busca

determinar tendências e identificar novos ambientes e áreas a serem estudadas com

maior profundidade (GIL, 2007; SAMPIERI et al., 2013).

Segundo Sauerbronn e Ayrosa (2010) a pesquisa qualitativa é utilizada em

uma abordagem interpretativa construtivista, perspectiva esta que busca a

compreensão e os significados de um fenômeno. A pergunta de pesquisa também

influencia a escolha do método. Rich e Ginsburg (1999) recomendam que questões

que se utilizam de “Como?” e “Por quê?”, por exemplo, podem usar uma abordagem

de pesquisa qualitativa. Então, dada a pergunta desta pesquisa: Como NIS e as IS

podem trazer soluções para superar o desafio da crescente longevidade da

população? optou-se pela abordagem qualitativa. Entendemos que esta a

abordagem é mais adequada para compreensão do fenômeno estudado.

A opção pela abordagem qualitativa se deu também pelo fato de a temática

aqui estudada ser um fenômeno ainda pouco explorado. NIS voltados para a questão

da longevidade ainda são escassos, porém possuem grande potencial explicativo;

não apenas para o fenômeno dos NIS e IS como também para os desafios sociais

advindos desta revolução demográfica.

Optou-se ainda pela pesquisa de campo como o procedimento técnico a ser

aplicado neste trabalho a fim de atingir o objetivo geral desta pesquisa. De acordo

com Gil (2007), os estudos de campo procuram um aprofundamento das questões

propostas, diferentemente do levantamento de campo, que é caracterizado pela

utilização e precisão estatística para fornecimento dos resultados

Esta pesquisa exploratória utilizou-se, em sua fase inicial, de pesquisa

bibliográfica para levantar dados secundários derivados de artigos e bases de dados

nacionais e internacionais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) e o Banco Mundial.

93

Para a técnica de análise dos dados, adotou-se a perspectiva Data Driven, ou

seja, orientada por dados que posteriormente são analisados com o objetivo de gerar

categorias de análises (CHARMAZ, 2006). No primeiro momento da análise, foi

realizado o processo de codificação, que tem por objetivo gerar as categorias de

análise advindas das evidências (as falas dos entrevistados). Desta forma, esta

técnica de análise dos dados pode ser entendida como parte do processo de

Grounded Theory (CHARMAZ, 2006; SALDAÑA, 2015; GLASER; STRAUSS, 1967).

Além da perspectiva orientada pelos dados, também foi adotada a

perspectiva Theory Driven (orientada pela teoria), da qual vieram abstrações teóricas

para analisar o fenômeno com objetivo de responder à questão de pesquisa. O

Quadro 9 demonstra as etapas percorridas nesta pesquisa:

Quadro 9 - Etapas da pesquisa

Etapas da Pesquisa Descrição

1° Etapa Definição do tema de pesquisa

Elaboração do problema de pesquisa e do objetivo da pesquisa

Revisão e análise de literatura

Construção do referencial teórico

Elaboração das justificativas de pesquisa

2° Etapa Refinamento do problema de pesquisa

Construção de categorias teóricas para análise dos dados

Escolha das empresas e dos sujeitos de pesquisa

3° Etapa Elaboração do protocolo de entrevistas

Aplicação das entrevistas com os empreendedores do negócio

Transcrição das entrevistas e primeira análise dos dados coletados

4° Etapa Análise dos dados com auxílio do software ATLAS.ti versão 7

Análise e discussão dos achados da pesquisa empírica com o referencial teórico

5°Etapa Revisão e análise final dos dados

Construção do relatório final da pesquisa

Fonte: Elaborada pela autora,2018

A primeira etapa da pesquisa consistiu na definição do tema, elaboração do

problema de pesquisa e dos objetivos da pesquisa e a revisão de literatura sobre o

tema. Na segunda etapa, após a revisão de literatura, foi possível o refinamento do

problema de pesquisa e a identificação das categorias teóricas. Também na segunda

94

etapa foram definidos os NIS que participariam da pesquisa, bem como os

respectivos sujeitos da pesquisa. Nesta fase, foram selecionados negócios que,

segundo o Portal do Envelhecimento, possuíam as características de um NIS voltado

para a questão da longevidade.

Sendo assim, cinco negócios foram selecionados para a pesquisa. A amostra

é considerada suficiente tendo em vista que a quantidade não é elemento essencial

neste tipo de pesquisa que busca não quantificar, mas sim dar significado ao

fenômeno estudado (EISENHARDT, 1989). No entendimento de Rich e Ginsburg

(1999), o número de amostras costuma ser pequeno na pesquisa qualitativa, pois o

objetivo desta abordagem é justamente estudar estas amostras em profundidade.

Nesta pesquisa, entende-se necessária a participação dos empreendedores

dos negócios para responder algumas perguntas realizadas com o propósito de

entender os objetivos do negócio e a relação com a questão da longevidade. Sendo

assim, é preciso alguém envolvido diretamente com a criação do negócio. Portanto,

o sujeito alvo desta pesquisa são empreendedores dos NIS. O Quadro 10 apresenta

uma breve descrição dos entrevistados e as condições de cada entrevista:

95

Quadro 10 - Apresentação dos entrevistados

Entrevistados Descrição das qualificações Entrevista

Entrevistado 01 Idealizadora e empreendedora do NIS

que utiliza arte como estimulo cognitivo

em idosos com demência para gerar

inclusão.

Especialista em arte terapia e

Gerontologia Social

Realizada no local de trabalho

do entrevistado. Duração da

entrevista foi de 53 minutos.

Entrevistado 02 Idealizador e empreendedor do NIS

voltado para recolocação profissional e

desenvolvimento dos 50 +.

Engenheiro de Software

Realizada no local de trabalho

do entrevistado. Duração da

entrevista foi de 60 minutos.

Entrevistado 03 Idealizadora e empreendedora do NIS

voltado para fomentação do debate sobre

o cuidador familiar e os custos do

cuidado.

Pesquisadora e professora na área de

Internet Acadêmica

Realizada via Skype, pois a

entrevistada reside no estado

do Rio de Janeiro.

Duração da entrevista foi de

60 minutos.

Entrevistado 04 Idealizadora e empreendedora do NIS

voltada para pesquisa de mercado,

marketing, processos de inovação e

consultoria de projetos para o target 60+.

Comunicadora social e especialista em

Gerontologia Social

Realizada na Instituição de

Ensino PUC-SP.

Duração da entrevista foi de

37 minutos.

Entrevistado 05 Idealizadora e empreendedora do NIS

voltado para prevenir e reportar acidentes

e auxiliar no pronto atendimento das

vítimas idosas.

Administradora de empresas

Realizada na residência da

entrevistada.

Duração da entrevista foi de

80 minutos.

Fonte: Elaborado pela autora,2018

A elaboração do protocolo de entrevistas aconteceu na terceira etapa desta

pesquisa. Nesta fase foram realizadas as entrevistas com os empreendedores dos

96

NIS por meio de perguntas abertas durante a conversa. O propósito era extrair as

observações dos entrevistados em relação aos problemas decorrentes da Revolução

da Longevidade por eles identificados e em como seus negócios se propõem a

contribuir na resolução destes problemas.

Para coleta de dados, a técnica adotada foi a entrevistas em profundidade

com pessoas empreendedoras dos NIS. As entrevistas foram realizadas de modo

que os entrevistados transmitissem de forma natural as informações necessárias.

Ressaltamos que as intervenções realizadas no ato da entrevista tiveram sempre o

propósito de extrair informações de “como”, “por quê” e de “quais maneiras” o

fenômeno ocorreu.

As perguntas da entrevista foram conduzidas de modo a responder três eixos

temáticos. São eles:

• Origem da Ideia/Problema social - a situação problema identificada que

originou a ideia do negócio e a proposta de solução do problema, sendo

esta proposta uma IS ou não;

• Transformação/Resultado social - as demandas da população

envelhecida que são atendidas pelo negócio e as transformações

sociais resultantes do negócio. Este direcionamento responde ao

“como” da nossa pergunta de pesquisa;

• Escala e Sustentabilidade financeira – a capacidade da iniciativa ser

escalada com o propósito de se alcançar maior número de pessoas

beneficiadas.

Após a terceira etapa e já com os dados coletados, teve início a quarta etapa

da pesquisa, na qual foram realizadas as análises destes dados. Após a transcrição

das entrevistas, o conteúdo foi analisado com o auxílio do software de análise

qualitativa ATLAS.ti versão 7.

Em um primeiro momento foi realizado o processo de codificação aberta

segundo orientações de Graham (2017) e Glaser e Strauss (1967). Neste processo

atribui-se códigos (categorias de análise) para classificar incidentes (informações

identificadas no discurso do entrevistado e representadas pelos códigos) na busca

pela resposta da questão da pesquisa. É importante mencionar que um incidente

que pouco aparece na fala pode ser tão ou mais importante do que um incidente

recorrente (EISENHARDT, 1989).

97

Ressaltamos que a técnica de codificação se trata da leitura profunda e

reflexiva do corpus empírico das fontes de evidência, que nesta pesquisa são as

entrevistas. Durante esta reflexão profunda ocorre a classificação dos incidentes por

meio de códigos que buscam responder à questão da pesquisa (SALDAÑA, 2015).

Na codificação aberta inicialmente havia 61 códigos que rotulavam incidentes

encontrados ao longo da análise. Após a primeira fase da codificação, os códigos

foram refinados e agrupados com o propósito de estabelecer relações e conexões

pela codificação axial (GLASER; STRAUSS, 1967; GRAHAM, 2017; SALDAÑA,

2015). Após refinamento dos códigos obtidos através da codificação aberta restaram

40 códigos, dentre os quais alguns emergiram do corpus empírico da pesquisa e

outros através de categorias de análise previamente estabelecias pelo referencial

teórico. A descrição dos códigos bem como os exemplos de incidentes que

recorreram na criação destes e a perspectiva empírica ou teórica estão

demonstradas no Quadro 11:

Quadro 11 – Códigos que representam as categorias para análise

Código Descrição Incidentes Origem

Apoio familiar

Relato dos entrevistados sobre o cuidado e respeito da família para com o idoso.

E1: “A filha dela é assim sensacional, uma filha daquelas, ela faz a diferença na vida do idoso.” E4: “E mexe no lugar da família, no lugar deste idoso na família, você traz uma importância pra ele dentro da família.”

Data Driven

Aprendizado ao longo da vida

Aprendizado que ocorre em todas as fases da vida, através do aprendizado formal e por meio das experiências vivenciadas.

E1: “Eu percebo que se fala tanto de empoderamento e a melhor forma de você entregar isso a eles é dar a condição de eles aprenderem coisas.” E2: “E a questão de desenvolvimento foi uma demanda que foi surgindo naturalmente de nossos cadastrados por orientação, atualização e reinvenção.”

Theory Driven OMS (2002) ILC BRASIL (2015)

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Barreiras culturais Relato dos entrevistados sobre as diferenças culturais em relação à aceitação da velhice.

E4: “A gente tem um sistema de mercado do ser jovem, a gente vive numa sociedade onde o ser jovem é o que a gente tem que ser.” E3: “Tem uma narrativa aqui de que nós somos jovens, qualquer pessoa de sessenta e cinco anos aqui parece ter trinta e cinco.”

Data Driven

Captação de recursos

Investimentos feitos em Empresas Sociais com o intuito de gerar impacto social e retorno financeiro.

E2: “Então os recursos são todos próprios, mas estamos conversando com possíveis investidores.” E1: “A gente teve um ProAC aprovado pela Secretaria de Cultura do Estado e aí nós conseguimos captar a verba.”

Theory Driven GIIN (2018)

Compreender o problema

Relato dos entrevistados sobre a compreensão do problema social identificado.

E2: “Envelhecimento e longevidade, comecei a realmente estudar o assunto.” E5: “Pesquisei durante um ano, estudei o mercado,

então montei a empresa.”

Data Driven

Conscientização Relato dos entrevistados sobre tomada de consciência da natureza das relações humanas dentro da sociedade em que se vive

E3: “Eu vou falar sobre isso, vou fazer aquilo que eu sei fazer, vou fazer um blog e vou falar sobre isso, vou começar a sensibilizar

pessoas.” E4: “Primeiro porque a primeira informação de que a pirâmide vai mudar é novidade pra muitos.”

Data Driven

Custos do cuidado Relato dos entrevistados sobre o alto custo dos cuidados com o idoso.

E3: “Eu parto desta premissa: só a tecnologia vai poder baratear os custos do cuidado.” E3: “Então aquilo ali é o como você vai baratear, e... eu pego o pior caso que é cuidar à distância, que é muito mais caro.”

Data Driven

99

Envelhecimento populacional

Mudança social demográfica que pode ser chamada de Revolução da Longevidade.

E2: “A Europa, primeiro eles enriqueceram pra depois envelhecer; já o Brasil não, continua sendo um país pobre e tá envelhecendo.” E3: “Acho que esta discussão do envelhecimento populacional aqui no Brasil, é toda discussão começa com: ‘somos não sei quantos milhões de idosos.’.”

Theory Driven BANCO MUNDIAL (2016) ILC BRASIL (2015) IBGE (2017)

Escala e Replicabilidade

Busca pelo crescimento constante com o propósito de se alcançar o maior número de pessoas.

E1: “Você poder oferecer um projeto desses que é tão modificador pra vida destes velhos e você oferecer pra mais gente.” E3: “Quando se fala em escalar, se pensa em tecnologia, nem que seja tecnologia social.”

Theory Driven MURRAY et al. (2010) BUCKLAND; MURILLO (2013) DEBRUIN; STANGL (2013)

Espaços urbanos Estruturas e serviços que sejam acessíveis e promovam a inclusão de idosos com diferentes necessidades

E4: “Esse idoso também precisa ter uma forma de ir e voltar com calçada que dê pra ele andar, com ônibus que abaixe pra ele poder subir.” E5: “Então a gente criou o conselho com os representantes destas empresas pra estudar acessibilidade e acessibilidade nos transportes públicos.”

Theory Driven OMS (2008)

Exclusão social Relato dos entrevistados sobre o processo de afastamento do individuo idoso de determinados grupos sociais.

E1: “Porque é muito comum tirar seu pai de cena, tirar sua mãe de cena, porque ela fala besteira.” E3: “Cidade inteligente é uma cidade que é inteligente pra todo mundo. Cadê os velhos aí?”

Data Driven

100

Falta de apoio familiar

Relato dos entrevistados em relação à falta de cuidado dos idosos por seus familiares

E2: “Era pra receber visita de família e poucos recebiam visitas da família de fato.” E5: “A relação com os filhos é muito difícil, tinha esse distanciamento.”

Data Driven

Impacto na família Relato dos entrevistados sobre os impactos das dificuldades da velhice sobre a família do idoso.

E3: “A maioria dos cuidadores familiares ou se queixam ou brigam com seus irmãos ou transferem responsabilidades.” E4: “E mexe no lugar da família, no lugar deste idoso na família, você traz uma importância pra ele dentro da família”

Data Driven

Inclusão social Relato dos entrevistados sobre a necessidade de ações que combatam a exclusão social por causa da idade.

E4: “Uma honestidade maior, em aceitar e incluir as múltiplas velhices existentes.” E5: “Para incluir as pessoas, para chamar a atenção da sociedade para a causa.”

Data Driven

Iniciativa de Mudança

Relato dos entrevistados sobre a importância da iniciativa do Negócio de Impacto Social.

E1: “É importante a gente dar o primeiro passo porque senão nunca muda nada.” E2: “Foi quando eu resolvi abraçar esta causa, aí que eu entendi que o Brasil está envelhecendo e pouca gente estava olhando pra isso”

Data Driven

Inovação social Uma nova abordagem para lidar com problemas sociais.

E3: “Podem sair inovações e tremendas inovações. Quem souber juntar e tenha esse perfil de juntar tecnologia com o novo uso da tecnologia para estas coisas aí é fantástico.” E2: “Porque não existia nenhum site ou empresa que focasse exclusivamente no público acima de 50 anos.”

Theory Driven STAFORD SOCIAL INNOVATION REVIEW (2008) CAJAÍBA-SANTANA (2014) TAYLOR (1970)

101

Intergeracional Relato dos entrevistados sobre a relação entre duas ou mais gerações.

E2: “Questão da integração intergeracional é muito importante.” E1: “Tem pessoas de vinte anos que trabalham juntas com pessoas de sessenta e poucos, é uma coisa bem intergeracional.”

Data Driven

Isolamento social Relato dos entrevistados sobre o comportamento no qual o indivíduo deixa de participar de atividades sociais.

E3: “Tecnologia vai poder fazer com que eu viva uma velhice sem isolamento social.” E4: “Depois dessa demissão dos sessenta anos é uma das causas mais graves das depressões, da queda da vitalidade dos 60.”

Data Driven

Mudança na estrutura familiar

Mudança onde a tenência hoje é a desarticulação da família nuclear.

E3: “Esta família nuclear de pai e mãe e dois filhos viverem isolados num apartamento sem conhecer ninguém.” E3: “O jeito de viver é completamente diferente,”

Theory Driven DOWBOR (2013)

Múltiplas velhices Relato dos entrevistados sobre a multiplicidade de velhices existentes na sociedade.

E4: “Sendo que a gente olha pra nossa volta e os velhos que estão a nossa volta a gente chama de múltiplas velhices, a heterogeneidade da velhice.” E1: “Velhice, quando a gente entra na Gerontologia, é o que encanta, é essa multiplicidade.”

Data Driven

Necessidade de adaptação à tecnologia

Necessidade de aprendizado e adaptação aos novos recursos tecnológicos.

E2: “Estas pessoas precisam se reinventar e principalmente se adaptar à tecnologia.” E5: “os idosos têm resistência em relação à tecnologia, é um desafio, então é muito difícil.”

Theory Driven OMS (2008) MIRANDA; FARIAS (2009)

102

Necessidade de existência social

Relato dos entrevistados sobre a necessidade de estar inserido na sociedade.

E1: “É um projeto que dá esta possibilidade de existência social.” E5: “A filha a tirou de alguns supermercados e estas coisas que ela gostava de fazer.”

Data Driven

Necessidade de trabalho e renda

Necessidade e desejo do idosos ao exercício profissional respeitando suas limitações físicas.

E2: “Ser realmente uma referência para pessoas acima de 50 anos encontrarem e terem um lugar onde possa ser uma fonte de recursos para se desenvolver e pra encontrar trabalho.” E4: “A empresa demite, as demissões dos 60 anos.”

Theory Driven ESTATUDO DO IDOSO (2003) PINHEIRO; SOUZA (2017) OMS (2008)

Necessidades do cuidador familiar

Relato dos entrevistados em relação às dificuldades enfrentadas pelos cuidadores familiares.

E3: “É trabalhoso este cuidado com idoso e é uma responsabilidade muito grande.”

Data Driven

Negócio sem CNPJ Relato dos entrevistados sobre a não formalização do negócio através de CNPJ.

E3: “Não tem um CNPJ, é um movimento, mas tem impacto social.” E1: “Eu ainda não abri a empresa.”

Data Driven

Negócios convencionais para longevidade

Relato dos entrevistados sobre negócios convencionais na área da longevidade.

E3: “Então, mas acho que tem espaço para todo mundo, tem espaço para alguém que vai fazer coisas que não geram valor financeira.” E4: “Seja para desenvolver produtos e serviços, seja pra adaptar produtos e serviços que já existem a este target.”

Data Driven

103

NIS Empreendimentos que tem a missão de gerar impacto social, ou seja, transformação social.

E2: “Alguma coisa com propósito, aí que eu conheci este mundo de Negócios Sociais, empreendedorismo social.” E3: “Alguém tem que começar a fazer alguma coisa com impacto social.”

ICE (2015) SEBRAE (2017) YUNUS (2018)

Origem da ideia Relato dos entrevistados em relação a situação que deu origem a ideia do negócio.

E2: “Percebi que era um problema, que era grande e só tendia a aumentar. E então conversei com muita gente.” E5: “Mas eu tinha um agradecimento muito grande a ela, porque é um negócio que a gente criou em cima de uma demanda que ela me mostrou.”

Data Driven

Participação social Engajamento na sociedade pelo trabalho, pela recreação e engajamento cívico.

E3: “Eu quero poder ir à padaria, eu quero ver gente nova, eu quero ver criança, eu quero estar inserida na sociedade.” E2: “Então, o networking acaba sendo um pilar também que a gente foca bastante.”

Theory Driven OMS (2002) ILC BRASIL (2015)

Política Pública Relato dos entrevistados sobre o envolvimento do setor público para atender as demandas da longevidade.

E5: “Porque assim, você imagina, com esse espírito de ter empresas aliadas dos idosos, porque o setor público ele não atende a demanda, não dá conta.” E3: “Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando este acesso através da tecnologia. Como diz meu marido, isso é quase uma política pública.”

Data Driven

104

Preconceito Relato dos entrevistados sobre a atitude discriminatória da sociedade em relação aos idosos.

E1: “A empresa que doou na época do ProAC não quis aparecer, ela falou que podíamos usar o dinheiro e fazer o nosso projeto, mas não era pra botar o nome dela!” E2: “É fundamental para quebrarmos o paradigma existente no mercado de trabalho atualmente, onde os mais velhos são vistos simplesmente como obsoletos.”

Data Driven

Problema social Identificação do problema social a ser resolvido. O alvo de mudança.

E1: “Porque eles vão perdendo a sua condição de ser um ser social e essa é a característica principal do ser humano. Nós somos seres sociais e se a gente perde isso é a morte em vida.” E2: “A pessoa fica 30 anos na empresa e quando sai fica perdido, as pessoas não se preparam pra isso.”

Theory Driven CLOUTIER (2003) MURRAY et al. (2010) PATIAS et al. (2015)

Propósito O objetivo, a missão do negócio.

E2: “É ser realmente uma referência para as pessoas acima de 50 anos encontrarem, terem um lugar onde possa ser uma fonte de recursos pra se desenvolver e pra encontrar trabalho.” E4: “A proposta é: vamos conhecer esta multiplicidade de velhice para gente poder atender estas demandas diferenciadas ao máximo.”

Theory Driven CLOUTIER (2003). MURRAY et al. (2010) TARDIF; HARISSON (2005) PATIAS et al. (2017)

Redes de Parcerias Relato dos entrevistados sobre parceira com outros atores do ecossistema.

E3: “Eu defendo que você precisa criar uma rede social de apoio e fazer isso com inovação.” E2: “A gente tem parceiros que são mais especialistas em questões mais específicas.’

Data Driven

105

Resultado social Geração da transformação social.

E1: “O impacto é total na família. Fernanda, é um projeto que é muito encantador pelos resultados que os cuidadores relatam na qualidade de vida.” E2: “Nós estamos chegando a 49 mil pessoas cadastradas, o número de pessoas impactadas é muito maior.”

Theory Driven CLOUTIER (2003) MURRAY et al. (2010) BUCKLAND; MURILLO (2013) PATIAS et al. (2017)

Saúde Saúde mental e física. E4: “Demissão dos sessenta anos é uma das causas mais graves das depressões, da queda da vitalidade dos 60 +.” E5: “Recentemente eu tive um caso de uma amiga minha com pai dela que já tinha tido um AVC e às 05h da manhã ele apertou o botão e foi socorrido.”

Theory Driven OMS (2002) OMS (2008) ILC BRASIL (2015)

Segurança e Proteção

Segurança física, proteção contra crimes e desastres e segurança econômica.

E5: “Traz segurança, o familiar fica seguro, a palavra é essa, e pode salvar vidas.” E4: “Eu tenho que ter todas as condições desta casa e dos meus familiares poderem estar seguros de que eu posso ficar ali dentro sozinho.”

Theory Driven OMS (2002) ILC BRASIL (2015)

Solução proposta Elaboração da proposta para resolver o problema social identificado.

E3: “Então, é isso aí, era minha visão de que era preciso criar uma rede de cuidados.” E2: “Me propus a ajudar as pessoas acima de cinquenta anos a se recolocarem.”

Theory Driven MURRAY et al. (2010) PATIAS et al. (2015)

Sustentabilidade financeira

Modelo de Negócio que assegure a sobrevivência financeira. Como a iniciativa se financia.

E1: “Então é lamentável a gente não viver num país que possa oferecer isso tudo gratuitamente.” E5: “Recursos próprios, eu investi.”

Theory Driven MURRAY et al. (2010)

106

Visão Relato dos entrevistados com relação aos planos para o futuro, onde o negócio quer chegar.

E3: “Em como tornar, como escalar o cuidado, como é que eu vou fazer, porque este modelo tradicional de um cuidador pra um idoso, esse modelo não é viável financeiramente num país pobre, porque não dá.” E1: “Este projeto é meu plano pro futuro pra poder atingir mais, um número

maior de pessoas.”

Data Driven

Fonte: Elaborado pela autora,2018

Como já mencionado outrora, a técnica de codificação foi usada como

estratégia de análise dos dados coletados. Esta estratégia possibilita a identificação

de padrões de comportamentos nos dados. Ressaltamos que a ausência de

comportamentos também pode ser muito importante para os resultados da pesquisa.

4.1 Apresentação e análise dos dados

Nesta seção será apresentada a análise dos dados obtida após o processo

de codificação realizado na quarta etapa desta pesquisa. No processo de codificação

dos dados pelos incidentes identificados nas falas dos entrevistados foi possível

identificar as categorias mais relevantes sobre os desafios do envelhecimento

populacional.

Dentre os 40 códigos acima mencionados foi possível identificar os 15 códigos

que representam os desafios mais relevantes da Revolução da longevidade de

acordo com as evidências analisadas. São eles: aprendizado ao longo da vida,

barreiras culturais, conscientização, custos do cuidado, espaços urbanos, exclusão

social, falta de apoio familiar, isolamento social, necessidade de adaptação a

tecnologia, necessidade de existência social, necessidade de trabalho e renda,

participação social, preconceito, saúde e segurança e proteção. Dentre todos os

desafios identificados, sete já haviam sido identificados durante a fase de revisão de

literatura (OMS, 2002; OMS, 2008; ILC BRASIL, 2015; MIRANDA; FARIAS, 2009;

PINHEIRO; SOUZA, 2017); os outros oito desafios surgiram pelo processo de

codificação e foram orientados pelos dados.

107

Com o auxílio do Software ATLAS.ti foi realizado o teste de “Codes-Primary

Documents Table”, que demonstra a frequência dos códigos na análise, e o teste

“Co-occurrence Table”, que apresenta a relação entre os códigos constituídos. Desta

forma, foi possível constatar nove desafios da longevidade que aparecem com maior

frequência na fala dos entrevistados e que mais se relacionam entre si.

Após esta análise, os principais desafios identificados foram: aprendizado ao

longo da vida, custos do cuidado, espaços urbanos, necessidade de existência

social, necessidade de trabalho e renda, participação social, preconceito, saúde e

segurança e proteção. Ressaltamos que, apesar destas análises se basearem

principalmente na frequência dos incidentes, neste tipo de pesquisa é importante

analisar um padrão de comportamento, mas também a ausência de um

comportamento demonstrado pela ausência de incidentes.

O Gráfico 2 ilustra a frequência dos códigos extraídos das entrevistas

referentes aos principais desafios mencionados e outras categorias de análise que

ajudam a responder à pergunta desta pesquisa: Como os NIS e as IS podem trazer

soluções para superar o desafio da crescente longevidade da população?

No gráfico, “P1” refere-se ao documento primário 01 que é a entrevista

transcrita do entrevistado 01. Os demais se referem aos documentos primários dos

entrevistados 02, 03, 04 e 05. Pode-se observar neste mesmo gráfico uma tendência

entre todos os entrevistados para a categoria NIS. Os entrevistados demonstraram,

através das evidências, características necessárias para serem considerados um

NIS. Apesar de não terem sido identificados na fala do entrevistado 1 e 4 muitos

elementos das características dos NIS, percebemos, pela demonstração gráfica, que

eles geram resultado social, que é justamente o objetivo deste tipo de negócio

(CLOUTIER, 2003; MURRAY et al., 2010; BUCKLAND; MURILLO, 2013; PATIAS et

al., 2015; ICE, 2015; SEBRAE, 2017; YUNUS, 2018).

108

Gráfico 2 - Frequência dos códigos por documentos primários

Fonte: Elaborado pela autora ,2018

Outra observação relevante refere-se à categoria IS. É possível inferir que a

geração de IS não tem sido o foco destes NIS. Vemos um maior direcionamento para

IS na fala dos entrevistados 2 e 3; ainda assim, a IS não é o propósito específico

deste tipo de negócio, mas sim um resultado possível do negócio, conforme

demonstra a entrevistada 3:

“Então, acho que neste mundo, o impacto dele é social. Não é por causa do objeto do negócio, mas por causa das transformações e dos filhotes de inovação que podem sair a partir daí.”

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Aprendizado ao longo da vida

custos do cuidado

Envelhecimento populacional

Escala e Replicabilidade

Espaços Urbanos

Inovação Social

Necessidade de Existencia Social

Necessidade de Trabalho e Renda

Negócios de Impacto Social

Origem da Ideia

Participação Social

Politica Publica

Preconceito

Problema Social

Propósito

Resultado Social

Saúde

Segurança e Proteção

Solução Proposta

Visão

P 1 P 2 P 3 P 4 P 5

109

No que tange os problemas sociais, observa-se um acentuado direcionamento

destes negócios para resolver um problema social por eles identificados. Este

comportamento é ausente na fala do entrevistado 05, o que nos permite inferir que

o propósito deste negócio não é resolver um problema social. Contudo, este negócio

gera um resultado social para a sociedade conforme mostra o gráfico.

Em relação aos desafios sociais advindos da Revolução da Longevidade,

nota-se que o desafio “Necessidade de existência social” foi o mais evidenciado na

fala dos entrevistados. Isso pode ser percebido na fala do entrevistado E5:

“A filha tirou ela de alguns supermercados e estas coisas que ela gostava de fazer.”

Os entrevistados afirmam que a necessidade de trabalho e renda também é

uma necessidade de existência social como demonstra comentário do entrevistado

E2:

“A pessoa fica 30 anos na empresa e quando saí fica perdido, isso é muito comum e as pessoas não se preparam pra isso.”

O trabalho é uma forma de estar inserido na sociedade, é uma forma de estar

engajado com algo e não é apenas uma necessidade de renda. Para a OMS (2008),

os idosos gostariam de ter oportunidades de emprego e trabalho; porém, encontram

barreiras, por parte da sociedade, às suas participações cívicas, limitações físicas e

paradigmas culturais que dificultam a participação de idosos.

Políticas públicas é a categoria com menor quantidade de incidentes. A

ausência deste código nas fontes de evidências demonstra o sentimento destes

entrevistados com relação à mobilização pública no sentido de propor soluções para

os desafios da longevidade. Isto é demonstrado na fala da entrevistada E5:

“Porque assim você imagina, com esse espírito de ter empresas aliadas dos idosos, porque o setor público ele não atende à demanda, não dá conta.”

O desejo de contribuir para estes desafios, auxiliando o setor público nesta

empreitada, é evidenciado na fala da entrevistada 3:

“Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando este acesso através da tecnologia, como diz meu marido, isso é quase uma política pública.”

No sentido de contribuir com as políticas públicas para a longevidade, outros

atores da sociedade tiveram a iniciativa de apoiar conselhos municipais na

110

elaboração de propostas do projeto “Cidade para todas as idades”. Esta é uma das

áreas de atuação do ILC Brasil (2015).

O aspecto espaços urbanos foi mencionado na fala dos entrevistados como

um desafio social. Entende-se por espaços urbanos a arquitetura das cidades, os

espaços públicos ou de uso comum, a acessibilidade de transportes públicos,

calçadas, espaços de lazer, dentre outros. Conforme a OMS (2008), o Instituto

Mongeral Aegon (2018) e a FGV SP (2017), existem alguns itens que devem ser

levados em consideração para que uma cidade seja amiga do idoso; a saber:

ambiente limpo, espaços verdes de convivência comunitária, calçadas amigas dos

idosos para facilitar a mobilidade, acessibilidade nos espaços urbanos, prédios e

espaços de uso comum que contemplem as dificuldades dos idosos e ofereçam

rampas de acesso, escada rolante, pisos antiderrapantes, corredores amplos e

outros.

Recentemente a Prefeitura de São Paulo (2018) firmou o compromisso de

desenvolver ações para que a cidade seja uma cidade amiga do idoso. É possível

inferir que esta categoria apesar de ter sido elencada como um dos grandes desafios

da longevidade não foi atribuída como solução proposta por nenhum dos

entrevistados, pois depende consideravelmente das iniciativas públicas. Vejamos

este problema sendo evidenciado por um dos entrevistados:

E4: “Esse idoso também precisa ter uma forma de ir e voltar segura com calçada que dê pra ele andar, com ônibus que abaixe pra ele pode subir.”

O desafio da saúde foi um problema evidenciado na fala de todos os

entrevistados, conforme indica o Gráfico 2. A saúde, mental e física, é uma

necessidade global e, neste novo cenário de mudança demográfica, de acordo com

o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon/FGV (2017), é necessário garantir o

acesso aos cuidados médicos. A saúde é um investimento, diz o ILC Brasil (2015).

Para a OMS (2002), saúde física e mental influenciam, positiva ou negativamente,

todo o ciclo da vida humana.

Foi possível compreender o movimento de relação entre os códigos através

da análise de “Co-occurrence Table”. Ao analisar a Tabela de Co-ocorrência

(reproduzidas nas figuras 11, 12, 13 e 14), pode-se observar que algumas categorias

de análise não se correlacionam, ou seja, no mesmo incidente não são atribuídos

diferentes códigos, ou se relacionam em um nível muito baixo. As categorias que

111

mais se relacionam foram destacadas nas cores verde claro e escuro, sendo que o

verde escuro se refere aos maiores níveis de relação entre os códigos.

Figura 11 - Tabela de co-ocorrência - parte 01

Fonte: Elaborada pela autora,2018

112

Figura 12 - Tabela de co-ocorrência - parte 02

Fonte: Elaborada pela autora,2018

Figura 13 - Tabela de co-ocorrência - parte 03

113

Fonte: Elaborada pela autora,2018

Figura 14 - Tabela de co-ocorrência - parte 04

Fonte: Elaborada pela autora,2018

Observa-se que participação social e necessidade de existência social

possuem a maior relação entre os códigos. Participação social é o pilar 03 do

envelhecimento ativo da OMS (2002). Participar socialmente é ter um propósito na

vida, estar engajado na sociedade através de trabalho, atividade recreativa,

intelectual ou cívica e outras atividades (OMS, 2002; ILC BRASIL, 2015). A relação

entre a participação social e a necessidade de existência social demonstra o quanto

incluir o idoso na sociedade supre esta necessidade de existência social. Evidências

apontadas na fala dos entrevistados demonstram isso:

E4: “Estar engajado, ter um propósito, é muito importante.”

E5: “Além disso, o social, estar mais próximo à pessoa idosa, ver o prazer que ela tem no supermercado, no passeio de carro, numa ida ao teatro... As experiências que eu tive e que eu vejo é palpável.”

E1: “É o participar socialmente, este para mim é o maior benefício.”

114

Dentre todos os desafios da Revolução da Longevidade mencionados pelos

entrevistados, o preconceito é o que mais se relaciona com o problema social

identificado. Este problema social está também relacionado com o desafio da

necessidade de trabalho e renda, pois a dificuldade de se encontrar trabalho após

os 60 anos de idade é considerada pelos entrevistados uma forma de preconceito

pela idade. Vejamos na fala dos entrevistados:

E2: “Fundamental para quebrarmos o paradigma existente no mercado de trabalho atualmente, onde os mais velhos são vistos simplesmente como obsoletos.”

E4: “A empresa demite. As demissões dos 60 anos!”

O problema da necessidade de trabalho e renda fere o Estatuto do Idoso

(2003) que diz que o idoso tem direito ao exercício da atividade profissional e tem

direito de ter suas limitações físicas e psíquicas respeitadas. Ressaltamos que o que

vemos hoje no Brasil é uma exclusão dos trabalhadores em idade mais avançada

por serem considerados pouco produtivos ou muito caros para a empresa. A

exclusão do mercado de trabalho não é o único tipo de preconceito demonstrado

pelas evidências; a saber:

E1: “As empresas não querem ligar o nome a idoso.”

E4: “Então, você vê um monte de comunicação, um monte de abordagem na mídia, de redes sociais e tal que supervaloriza essa coisa do velho que salta de paraquedas, a velha que dança não sei aonde lindamente, a velha que se veste como uma garotinha de 30 anos... Então uma supervalorização destes idosos que conseguem reproduzir o jeito jovem de viver. Sendo que a gente olha pra nossa volta e os velhos que estão a nossa volta a gente chama de múltiplas velhices, a heterogeneidade da velhice, não existe uma única forma de ser idoso, de ser velho..”

Já a origem da ideia do NIS se dá pela identificação de um problema social

que precisa ser atendido. Isto demonstra que a gênese do negócio está na resolução

do problema em questão, como dizem os entrevistados:

E2: “Percebi que era um problema que era grande e só tendia a aumentar e então conversei com muita gente, com essas pessoas pra entender a dor deles.”

E5: “Eu percebia e me intrigava muito, era questão de piada até, a gente fazia piada disto... que os questionários de pesquisa, eles entrevistam pessoas de até 50 anos.”

Outra característica importante sobre os NIS é sua capacidade de escala, ou

seja, de ser replicado em outra situação com o propósito de se alcançar o maior

número de pessoas (MURRAY et al., 2010; BUCKLAND; MURILLO, 2013;

115

DEBRUIN; STANGL, 2013). Podemos ver esta relação de escala com a visão do

negócio na Figura 11 e como demonstra os entrevistados:

E2: “Para ajudar estas pessoas a encontrarem trabalho e a gente faz isso usando a tecnologia pra poder ser escalável.”

E3: “Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando este acesso através da tecnologia.”

Na Figura 15, pode-se observar a relação entre os principais desafios sociais

no contexto da Revolução da Longevidade (à esquerda da figura) e NIS que atuam

como agente de transformação social, uma vez que identificam o problema e

propõem soluções para resolvê-lo.

Figura 15 - Mapa conceitual

Fonte: Elaborado pela autora,2018

Vemos neste mapa conceitual que os desafios sociais “Aprendizado ao longo

da vida”, “Participação social”, “Saúde e Segurança e proteção” são categorias que

116

pertencem aos quatro pilares do envelhecimento ativo. Atendendo estas demandas

os NIS estarão promovendo o envelhecimento ativo que é a resposta da OMS para

a Revolução da Longevidade em curso (OMS, 2002; ILC BRASIL, 2015).

Nesta pesquisa o maior resultado social gerado pelos NIS identificado foi

oferecer a esta população envelhecida a oportunidade de existência social através

do aprendizado ao longo da vida e da inclusão destes idosos por meio de

participação social. Consequentemente, os pilares do envelhecimento ativo

atendidos foram os de participação social e aprendizado ao longo da vida.

Para enfrentarmos os desafios da Revolução da Longevidade é necessário o

apoio de NIS, mas, para que estes NIS sejam efetivos e gerem o resultado social

esperado, tem que haver uma melhor incidência de captação de recursos. São

necessários o fomento de órgãos governamentais, maior incentivo do Estado e o

incentivo dos investidores de impacto social. Se o NIS tiver que sair em busca de

recursos financeiros, ele vai acabar trabalhando mais em prol de captação de

receitas do que em prol do impacto social.

Se quisermos que estas instituições sejam intermediárias entre o problema

social e o resultado social, gerando transformações escaláveis, será preciso que

estas sejam financeiramente sustentáveis. Então, a possibilidade de escala e

replicabilidade está diretamente relacionada com a questão da sustentabilidade

financeira do NIS. Podemos inferir isto pela fala dos entrevistados:

E1: “Tivemos ProAC aprovado pela Secretaria de Cultura do Estado e nós conseguimos captar a verba. Então naquele ano a gente trabalhou com 38 idosos com demência.”

E2: “Só que eu não consegui fazer com que este projeto fosse alguma coisa, que fosse financeiramente viável, que fosse um negócio social. Então ele não foi pra frente.”

Desta forma é possível dizer que, no ecossistema NIS e das IS, os

intermediadores das finanças sociais possuem uma função determinante para o

desempenho de todo este ecossistema, conforme já mencionado anteriormente pelo

ICE (2018). Sendo assim, estudos futuros sobre os investimentos de impacto social

e formas de fomento público e privado são necessários para compreendermos as

dificuldades e as limitações de todo este sistema.

Estas são organizações realmente mais preocupadas com o resultado social

do que com resultado financeiro; trata-se de uma questão de propósito da

117

organização. Conforme orientação de Buckland e Murillo (2013) e Murray et al.

(2010), a iniciativa deve ser financeiramente sustentável para que possa garantir sua

sobrevivência futura e atingir um número maior de pessoas. Desta forma, os NIS,

bem como as IS, podem gerar resultado financeiro que pode ser distribuído para os

sócios ou reinvestido no negócio (YUNUS, 2018; ICE, 2015).

Todo o processo de análise dos dados, desde a codificação até as análises

de frequência dos códigos estabelecidos e a análise de correlação destes códigos,

seguiu o fluxo estabelecido para atender os objetivos desta pesquisa: ilustrar como

os NS e as IS podem trazer soluções para o desafio da crescente longevidade da

população. Observamos, assim, o resultado social, que é o propósito destes NIS e

IS conforme postulam ICE (2015), Sebrae (2017), Yunus (2018), Cloutier (2003),

Murray et al. (2010), Buckland e Murillo (2013) e Patias et al. (2015).

Pode-se observar no mapa conceitual (Figura14) que a categoria que mais é

atribuída ao resultado social é a necessidade de existência social, seguida pela

participação social. Estes são os resultados sociais evidenciados nesta pesquisa

através da fala dos entrevistados. Esta é, portanto, a forma como estes NIS mais

contribui com os desafios da crescente longevidade da população.

118

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo permitiram a identificação dos 15 principais

desafios da inversão na pirâmide demográfica relatados pelos NIS. Dentre os

desafios mencionados, sete já haviam sido identificados na fase de revisão de

literatura, os demais emergiram do corpus empírico desta pesquisa.

Para os entrevistados, o preconceito foi apontado como o maior problema

social da Revolução da Longevidade no nosso país. O Brasil era um país jovem e a

cultura do “ser jovem” permeava o comportamento da sociedade em questão. Hoje,

com a inversão da pirâmide demográfica, é preciso rever este paradigma para

darmos lugar ao novo entendimento desta sociedade que trará transformações

profundas nas estruturas econômicas e sociais e no modo de viver da sociedade.

Em relação ao resultado social gerado pelos NIS participantes desta pesquisa,

todos demonstram resultados no direcionamento de proporcionar ao indivíduo idoso

a possibilidade de existência, resolvendo assim um dos maiores problemas

evidenciados pelos entrevistados: a perda de existência social. Este problema é

ocasionado pela exclusão social destes idosos, o que foi apontado como uma

barreira cultural que temos, principalmente, nas grandes cidades do nosso país. Este

desafio engloba outros desafios como a necessidade de trabalho e renda, o

isolamento social, a participação social e o aprendizado ao longo da vida.

Este resultado social é de extrema importância, pois quando estes NIS geram

transformação social atendendo a necessidade de existência deste idoso,

contribuem para dois dos quatro pilares do envelhecimento ativo da OMS (2002): o

pilar de participação social e o de aprendizado ao longo da vida. Assim, pode-se

dizer que este resultado social contribui para combater o preconceito contra o idoso

e promove a inclusão social deste indivíduo.

Em relação à IS, dois dos cinco negócios estudados trazem em suas origens

uma proposta de IS para resolver os desafios da Revolução da Longevidade.

Contudo, a IS não é o objetivo destes negócios, mas sim uma das soluções

propostas por eles. Desta forma, pode-se dizer que IS é parte do NIS e acontece de

forma orgânica.

Além dos resultados acima mencionados, esta pesquisa contribui para os

estudos empíricos sobre os NIS e as IS quando traz o mapa conceitual que ilustra a

dinâmica do modelo de negócio e o movimento do processo do negócio na direção

119

de gerar transformação social. Esta dinâmica pode ser aplicada para NIS que

resolvam outros problemas sociais como questões ambientais, pobreza, habitação e

educação. Sendo assim, é possível dizer que não se restringe apenas aos NIS

voltados para os desafios da Revolução da Longevidade. O mapa conceitual

apresentado foi criado a partir das evidências coletadas e nos possibilita a análise

de algumas características dos NIS e das IS.

Em relação à capacidade de escala destes negócios, todos tem potencial de

escala e desejam isto para atingir um número maior de beneficiados. Porém,

conforme demonstra a Figura 15, para que estas inciativas sejam escaladas é

preciso que recebam investimentos de impacto social, seja vindo do setor público,

seja do setor privado. Sem recursos financeiros a escala é inviabilizada. O fomento

destes negócios é fator fundamental para que o resultado social seja expandido.

Finalmente, é possível dizer que esta pesquisa cumpre seu objetivo geral que

é ilustrar como os NIS e as IS podem trazer soluções para superar o desafio da

crescente longevidade da população, no Brasil e no mundo. Contudo, é importante

ressaltar que este estudo não é suficiente para ilustrar como superar estes desafios

da Revolução da Longevidade, apenas se limita a demonstração de como os NIS

podem contribuir.

Para uma discussão mais profunda sobre a resolução destes problemas

também se fazem necessários estudos futuros sobre IS no Setor Público com o

propósito de entender a movimentação do Estado para lidar com os desafios

advindos da Revolução da Longevidade. Como modelo temos hoje a cidade de

Santos no estado de São Paulo que de, acordo com o Índice de Desenvolvimento

Urbano para Longevidade do Instituto Mongeral Aegon/FGV (2017), foi considerada

a cidade mais bem preparada para a longevidade dentre as 498 cidades estudadas.

Seria importante compreender quais inciativas públicas e quais iniciativas de NIS e

IS estão sendo realizadas em uma cidade como esta.

O fato de ser evidenciada uma baixíssima frequência do código de Políticas

Públicas pode ser um indicador de que este é um dos grandes desafios da crescente

longevidade da população. Como já dito outrora, a ausência de um comportamento

pode ser mais importante do que a frequência do mesmo. Outro aspecto abordado

nas entrevistas e que requer atenção de estudos futuros diz respeito ao

120

entendimento das formas de fomento e Investimentos de Impacto destes NIS e em

como estes investimentos podem alavancar o surgimento das IS.

121

122

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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128

129

130

APÊNDICE A

Roteiro de perguntas para as entrevistas com os empreendedores de NIS:

1- Como nasceu a ideia da criação do negócio?

2- Qual a missão do seu negócio?

3- Quais são os objetivos para o futuro, qual a visão do negócio?

4- Seu negócio é uma inovação? Por quê?

5- Seu negócio atende a quais demandas e desafios da longevidade?

6- Como a sua iniciativa gera a transformação social desejada?

7- A inciativa pode ser escalada ou replicada por outros?

8- Como se dá a sustentabilidade financeira de sua empresa?

131

132

APÊNDICE B

Transcrição entrevista 01 - Negócio de Impacto Social que utiliza arte como

estimulo cognitivo em idosos com demência para gerar inclusão

Fernanda: Bom dia! Estou curiosa para saber um pouco mais sobre o Faça

Memórias, então já quero começar te perguntando: Como nasceu a ideia do

Faça Memórias?

E1: O Faça Memórias, Fernanda, ele é um projeto que ele veio decorrente do Ateliê

de Artes e Inclusão, que é um ateliê que começou lá no Mube, no Museu Brasileiro

da Escultura, em 2007. Em 2007, eu tinha terminado a [o curso de] Arte Terapia e

eu e uma amiga, a Juliana Mazo, que também é arte terapeuta, nós duas

trabalhávamos na AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente] e aí eu...

a Juliana na verdade, entrou em contato com pessoal do Mube e propôs um ateliê

de arte terapia na reabilitação pra pessoas com deficiência, isto foi em 2007.

Então, a gente tava saindo da AACD e o Mube abriu as portas pra gente ter este

ateliê lá. Aí é que começamos a trabalhar com pessoas com deficiências diversas,

diversas idades. Este ateliê acontece até hoje de terças a tarde no museu; então,

tem pessoas de vinte anos que trabalham juntas com pessoas de sessenta e poucos,

é uma coisa bem intergeracional, todos com uma questão de deficiência, e a gente

usa a arte terapia como reabilitação, cognitiva e motora. Enfim, é um ateliê muito

bacana.

Na época, em 2007, a gente estava com arte e inclusão; em 2009, eu trabalhava

num residencial de idosos no [Hospital Albert] Einstein, como arte terapeuta e aí eu

via aqueles idosos demenciados e naquele lugar que, querendo ou não, ele lembra

muito um lugar de saúde – porque assim... gente de jaleco branco pra cima e pra

baixo – e aí eu pensava assim: “Nossa, que coisa que seria você poder tirar as

pessoas dum ambiente hospitalar e levar pra um ambiente cultural, isso seria muito

importante pra eles, né.”

Aí eu comecei a pesquisar e vi que em Nova York no MoMA, o Museu de Arte

Moderna, eles tem um projeto que se chama Meet-me at MoMA que é, eles

trabalham o acervo do museu como estimulo cognitivo aos idosos com Alzheimer. É

um projeto que eles tem assim... um grande patrocínio. São encontros mensais,

133

acontece toda segunda feira e eles... Enfim, no site eles disponibilizam muitas

informações sobre como eles trabalham. Então, eu e a Juliana, na época a gente

começou a estudar isso tudo, essa forma de intervenção através da obra de arte.

Aí resolvemos propor então para o museu um projeto pra trabalhar com idosos

demenciados, aí surge naquela época a diretoria do museu... eles eram muito

empenhados em ter estes assuntos da inclusão e eles então toparam na hora e

então, em 2009, começa o Faça Memórias.

Fernanda: O que é e qual a missão da sua empresa?

E01: Então, o Faça Memórias o que que ele é? Ele é um projeto que usa a obra de

arte exposta como estímulo cognitivo aos idosos com demência. Então, como a

gente tem um ateliê muito gostoso lá no Mube, a gente na verdade moldou o projeto

pra ser do jeito que a gente acredita que devesse ser pra ter um resultado melhor

com os idosos.

Então a gente faz semanalmente os encontros; então, você vê que a gente tem as

diferenças do MoMA: primeiro que eles têm aquele acervo maravilhoso, a gente não

tem muito acervo; a gente trabalha com exposições que vem e vão e que acontece

no museu.

Fernanda: São temporárias, exposições temporárias.

E a gente tem um ateliê lá dentro muito bacana, então a gente junta o fazer artístico

na proposta. E, assim, outra grande diferença é que nós não temos a verba que eles

têm para poder manter o projeto, então o nosso curso é um curso pago. Então ele

acontece como se fosse um curso que o museu oferece e é um curso pago.

Em 2012 ou 13, se não me engano, agora não me recordo, eu sou ruim pra data... a

gente teve um ProAC [Programa de Ação Cultural] aprovado pela Secretaria de

Cultura do Estado [de São Paulo] e aí nós conseguimos captar a verba. Então

naquele ano a gente trabalhou com 38 idosos com demência e foi um ano de

exposições lindas aí no museu. Então a gente deu muita sorte de tudo ter dado muito

certo, só que o ProAC, ele tem um tempo de duração e aí quando ele acaba você

volta a ser um curso pago, porque aí você não pode mais atender gratuitamente as

pessoas.

134

Foi muito legal sabe? E aí a gente vê como tem gente interessada, né... Porque muita

gente tá procurando e sabe que o idoso foi diagnosticado com Alzheimer e aí fica

desesperado procurando atividades pra eles.

A grande verdade, Fernanda, é que estes idosos, eles são completamente

esquecidos por projetos. Tanto que a gente vê que os museus eles têm muitas

atividades para idosos, mas pra idosos demenciados, até onde eu sei, é o Mube que

abre as portas. Então é assim... são idosos que eu costumo dizer que eles são o

esquecimento social, é muito maior que o esquecimento patológico.

É uma tristeza, né... Então, assim, ele já tem a doença contra ele, tirando a... não

consegue mais cuidar dos seus próprios pensamentos. Deve ser uma coisa muito

chata.

Além disso tudo, a gente tem uma sociedade que não acolhe. Então o que a gente

tenta fazer no Museu, além de dar a oportunidade de eles participarem de uma

atividade com temas relevantes – porque nós falamos de arte, nós falamos de

história da arte... Eu não tô dando Galinha Pintadinha [desenho infantil] pra ele

colorir, e isso é muito comum de se fazer com os idosos com demência, eu tô falando

de história arte, eu tô falando de Van Gogh, do holandês, eu tô falando de coisas

interessantes pra eles, eles gostam de fazer recorte do Matisse, então assim é dar

temas interessantes –, mas também dar a eles a condição da existência social.

Porque assim, eles vão perdendo a sua condição de ser um ser social, né? E é a

característica principal do ser humano, né. Nós somos seres sociais e, se a gente

perde isso, é a morte em vida. Então, é uma doença, sabe, Fernanda, que é muito

complexa, não só por ela, mas por tudo que ela envolve. Assim, você tem a doença

agindo e você tem uma sociedade que não favorece, então é muito triste isso tudo.

O Faça Memórias ele é uma oportunidade de engrandecer estes sujeitos, é você

entregar a eles condições de estarem envolvidos com coisas interessantes.

Tem gente que pensa assim: “Ah, mas pra que que você vai falar de Matisse se ele

vai esquecer?”. De fato, eu não tô preocupada com lembrar ou não lembrar, porque

eu sei que ele tem uma doença que não vai permitir que ele lembre, mas a sensação

de estar envolvido com Matisse permanece.

A mesma coisa de quando você pega idosos com demência e coloca num meio de

uma briga de família, vamos supor; quando termina a briga, o idoso está com uma

sensação horrorosa e ele não sabe dizer o porquê. Porque ele não lembra da briga,

mas ele tem a sensação com ele.

135

Eu aposto nisso. Quando eu entrego o Jardim de Monet pra ele trabalhar, eu sei que

a sensação do Jardim de Monet vai permanecer e é isso que a gente trabalha pra

isso.

Tinha uma filha de uma senhora que ela virava pra mim e falava assim: “Eu sei que

minha mãe não vai lembrar o que ela fez, mas ela saí daqui com um sorriso tão

gostoso que eu sei que tá valendo a pena, você entende?”.

Então é você apostar no momento, é você entregar a eles momentos que possam

ser engrandecedores, né, que eles possam se envolver com algo que vá trazer uma

sensação boa, que vai levar coisas positivas pra eles. Não adianta a gente falar: “Ah,

mas não vai lembrar”, têm uma doença que não registra memória recente mesmo,

mas, assim, a gente, por um lado, também tem as imagens, a imagem é muito forte

então é muito comum idoso com a doença já... não avançada, mas bastante ali

posicionada na vida dele e ele chega e fala: “Aquele é meu trabalho”. Ele sabe qual

é o trabalho dele porque ele reconhece pelo que ele fez... Então tudo isso... Sabe,

Fernanda, é um projeto muito bonito, é realmente...

Fernanda: E você, Cris, pelo que eu estou percebendo você identificou um

problema social, porque é um problema social e não apenas de saúde.

E1: Não é um problema de saúde, é um problema social muito maior, na minha

opinião, entende? Porque assim... é isso que eu falava quando eu tava no

residencial, eu falava: “Gente, eles precisam de outro espaço, porque não abrir as

portas de um espaço cultural pra receber estas pessoas pra eles irem pra algum

lugar?”. A gente vê as idosas chegando naquele ambiente que elas desconhecem,

tem idosas que estão há anos com a gente e chega lá sempre estranhando o lugar

e eles reconhecem no afeto que ali foi construído quando elas veem a gente, elas

falam: “Ah que bom, é com você que eu vou estar.”

Elas não sabem quem eu sou, mas sabem que é alguém que ela pode contar. Então

é assim, isso também é uma coisa bacana, disso de propor encontros semanais.

Existe um vínculo afetivo que é construído e que ele é maior do que a patologia,

então assim elas reconhecem o carinho, o afeto entre elas, elas não sabem o nome

de nenhuma, estão há anos juntas, mas se adoram... É muito bonito de ver a

turminha como ali funciona.

136

A turma da manhã é muito assim. A turma da tarde, elas estão mais avançadas,

então elas estão mais no mundinho delas, elas estão mais no momento de cada uma

no seu mundinho. Agora a turma da manhã é uma graça, elas têm uns carinhos umas

com as outras e isso é muito bacana.

Então assim eu acho que é um projeto que não é só porque tem a arte estimulando

cognitivamente estas pessoas, mas é um projeto que dá esta possibilidade de

existência social. Isso que eu acho que é muito, muito legal.

A gente visita as exposições de arte que acontecem, a gente faz atividade nas

exposições, então a gente tem o momento da conversa sobre uma obra de arte que

a gente elege ali pra conversar, pra debater. Eu tô falando assim... de idosos que

não conseguem manter a atenção, eles têm uma doença que tira a atenção e eu

com a obra de arte eu consigo trazer a atenção deles, porque eu vou inventando

coisas e perguntas sobre aquilo que eles estão vendo e nisso a atenção vai embora

e eu trago de volta. A gente conduz a visita, a exposição de uma maneira diferente.

O pessoal do educativo do museu, porque às vezes a gente faz as visitas com eles

juntos e eles também dão algumas dicas, e a primeira coisa que eu falo é: “Você tem

que ser claro, não adianta fazer aqueles devaneios que artista gosta, porque eu

preciso trazer eles pro aqui e agora então eu quero que eles vejam. O que se está

vendo nesta obra de arte?”. Então assim: “Descreve pra mim”. Ou, então, a gente

faz atividades mesmo, pode ser um caça ao tesouro: eu fotografo detalhes da obra,

revelo estas fotos e aí eu entrego pra eles e eles tem que procurar esse detalhe ali

na obra. Então assim, são coisas que eu trabalho pra favorecer a atenção e é sempre

muito interessante o que acontece.

Sabe, Fernanda, tem um estudo científico que se chama I know what i like, que ele

prova que a demência não tira o senso estético, então o idoso, quando olha uma

obra de arte, ele sabe o que ele gosta e o que ele não gosta. Isso, mesmo que ele

não consiga verbalizar o que ele esta sentido, mas o senso estético permanece.

Então, você mostrar obras de arte pro idoso demente é superimportante e as

pessoas não tem noção de como é importante. Ele percebendo o que esta vendo,

ele pode não verbalizar, a doença pode não permitir que ele verbalize, mas ele esta

percebendo, então é muito interessante.

Fernanda: Então, Cris, você acha que a maior transformação social que sua

iniciativa causa é qual?

137

E01: É o participar socialmente, este pra mim é o maior benefício! A gente falar de

outros, tem muitos, porque eu estou dando a oportunidade de ele exercer autonomia,

então assim ele tá numa doença que ele vai perdendo as escolhas, ele vai

perdendo... e, de repente, eu pergunto pra ele: “Qual cor você quer usar?”.

É claro que eu não vou dar a caixa de tintas pra ele escolher, porque senão ele vai

ficar perdido. Mas se eu pegar duas ou três e falar: “Dentre estas, qual cor você

quer?”. Dar a opção de ele fazer do jeito que ele quer.

E, outra coisa, pra mim não interessa o que a doença tirou, então não vou ficar

batendo em porta que esta fechada, eu tento achar onde eu posso entrar, onde tem

uma porta aberta pra eu ir... Então assim, se ele tem problema de coordenação

motora fina ele vai pintar com uma esponja, com um pincel de barba.

Então a gente vai dando condições de ele realizar alguma coisa da maneira que ele

consegue, que ele pode, então é assim tem uma hora que eles não tem mais... eles

não entendem mais o contorno pra pintar naquele espaço, então é assim, uma

página de uma flor de repente ele tá pintando a mesa, tá pintando a bandejinha de

isopor com a tinta, você entende? E eu o trago de volta.

Porque assim... a doença tá agindo, ele está com um cérebro com problema, que já

não pensa como a gente pensa, como ele pensava, agora não isso que vai impedir

de ele fazer alguma coisa não.

E eles fazem coisas muito interessantes e isso é muito legal, porque pensa num filho

que vê sua mãe se perdendo na doença e, de repente, ela traz um prato de porcelana

que ela pintou; do jeito dela, mas ela pintou. Então é como se você pudesse afirmar

que eles são capazes de fazer coisas; eles são capazes e o que a gente precisa é

dar condições que eles façam.

O impacto é total na família. Fernanda, é assim, é um projeto que ele é muito

encantador pelos resultados e percebe o que os cuidadores relatam na qualidade de

vida. Então assim, a gente tem uma senhorinha que ela já tá avançada na doença,

mas ela, quando acontece um feriado de segunda feira ela pergunta pra filha: “Não

vamos na aulinha?” [risos].

Então assim, ela sabe que ela tem o dia que ela vai ali fazer coisas e é muito

interessante a gente dando recortes de Matisse, elas adoram recorte, é uma coisa

impressionante como gosta de recortar, e recorta e recorta e recorta e esta senhora

é uma que saí recortando tudo. A gente tenta ficar de olho porque você dá o start e

138

ela não para, ela vai, vai, vai... e isso a gente tira a tesoura dela [risos]. Agora ela já

tem.

E assim a gente vai dando condições dela fazer o recorte do jeito que ela pode. Então

é interessante, a gente vê coisas acontecendo e é muito muito legal. É um projeto

muito bacana que acabou indo pro meu mestrado, mestrado que eu fiz na PUC, eu

falo da metodologia que eu uso...

Fernanda: Você fez o mestrado em Gerontologia na PUC?

E01: Isso, na PUC. A PUC é uma delícia, muito gostosa, eu fiz sobre isso, sobre arte

terapia pras velhices e eu acabo falando da questão da demência, acabo falando da

questão da vulnerabilidade social que é um... Me encontrei com um Centro-dia

[serviço social previsto na Política Nacional do Idoso que atende pessoas com mais

de 60 anos que necessitam de cuidados durante o dia] que eu trabalho desde o início

e lá também é feito um projeto muito bacana de arte terapia com história da arte para

empoderar aqueles velhos do conhecimento.

Eu percebo que se fala tanto de empoderamento e a melhor forma de você entregar

isso a eles é dar a condição de eles aprenderem coisas. Isso tira os idosos da

condição de vulnerabilidade social e estar conversando sobre os impressionistas,

estar conversando sobre assuntos de história da arte é muito importante, eles se

sentem empoderados, que é o que muito se fala hoje em dia.

Eu fui com pessoal do Centro-dia pra visitar o acervo do Masp e você não acredita

aqueles idosos que tiveram uma condição de vida supersimples, socialmente

falando, sempre com muitas dificuldades e, de repente, estão ali no acervo do Masp

e me falando tudo do movimento impressionista, porque eles aprenderam.

É uma delícia, Fernanda, é uma delícia. No fim, eu acabei fazendo produtos pra

idosos com demência, que eu chamo de “Faça Memórias em Casa”.

Depois dá uma olhadinha no site, é facamemóriasemcasa.com.br. Neste site eu

disponibilizo aulas de história da arte como estimulo cognitivo pra idosos com

demência. O cuidador que quiser fazer uma atividade com ele em casa pode assistir,

por exemplo, a aula de girassóis de Van Gogh que eu faço; a aula que eu apresento

é exatamente o que eu faço no Museu, eu faço perguntas: “O que que você está

vendo?”. Sabe, eu vou dando um norte pro cuidador poder trabalhar com idoso e aí

no fim se ele quiser o “Fazer artístico” tem os kits que eu ofereço. Mas o legal desta

história toda é você poder usar a história da arte como uma ferramenta.

139

Fernanda: Falando em ferramenta, usando a internet é uma forma de você

alcançar mais pessoas?

E01: Pois é, essa é a minha ideia, sabe, Fernanda? Quando tivemos o ProAC e a

gente trabalhou com 38 idosos, foi muito gratificante, você ter, você poder oferecer

um projeto desses que é tão modificador pra vida destes velhos e você oferecer pra

mais gente. De repente, quando termina o ProAC você vira um curso pago e o pais

na situação que tá, você vê que as pessoas não tem....eu tô falando de um público

que tem muitos gastos e tem o acompanhante, tem que ter alguém que fique com

eles no museu , tem que ter alguém que leve eles ao museu e tudo isso não é fácil.

É lamentável a gente não viver num pais que possa oferecer isso tudo gratuitamente,

a gente pensa até nos museus de São Paulo, o Mube ele não é um museu do

governo, nem da prefeitura, é um museu que ele tem que se bancar por ele.

É difícil a gente falar. Querer fazer projeto social todo mundo quer, mas, e aí, que

condições que nós temos nesse pais de poder investir em cultura gratuitamente pras

pessoas? Deveria ser uma condição básica, mas não é, infelizmente. Pelo menos

com o Faça Memórias em Casa eu tô tentando levar isso pra mais pessoas, aí vem

essa parceria com a Plug Care que acabou atrapalhando nosso almoço, mas é por

conta disto, é uma plataforma muito grande pra cuidador e eles estão mostrando

esse trabalho, entendeu?

Deus queira que outros idosos venham a se favorecer disso pra gente não ficar

restrito a só aquelas pessoas que conseguem estar lá no museu com a gente de

segunda-feira.

Fernanda: Cris, você acha que o seu projeto vai ao encontro de quais

necessidades destes indivíduos envelhecidos?

E01: Atende todas, todas... Eu tô tentando ser humilde em escolher uma ou outra

mas, na verdade, são todas, desde a necessidade social de existência, então na

sociedade.

Da dificuldade cognitiva, ele ajuda extremamente, porque uma coisa é você tomar o

remédio pro Alzheimer – porque ninguém tá descartando a medicação – porque uma

coisa é você tomar seu remédio, dar o remédio pro idoso e deixar ele com uma

televisão ligada o dia inteiro e uma coisa é você fazer a intervenção medicamentosa

140

e você dar estímulos cognitivos; o efeito é outro, você potencializa a medicação

quando você faz isso.

Eu tô propondo uma intervenção não medicamentosa pra tratar o Alzheimer porque

o Alzheimer não tem cura, mas ele tem tratamento. Então, o que eu proponho é isso,

ele tá ali trabalhando e, quanto mais a gente estimula, maior a chance que a gente

tem de brecar a doença. Isso é provado. O estimulo cognitivo pela arte junto com a

medicação é um casamento perfeito.

A condição social, a condição física, eles tem as dificuldades do ir e vir, o Mube é

um museu acessível, então eu consigo receber esses idosos e uma coisa que é

muito legal é que tem acessibilidade que é uma coisa que não se fala muito, mas é

uma acessibilidade de pensamento. Às vezes tem exposições que elas são muito

barulhentas e tem umas coisas que atordoam os idosos e eu consigo lá no Mube

falar: “Não, não liga... desliga isso.”. Eu sei que a arte moderna, a gente fala, tem de

tudo e às vezes eu sei que aquilo vai atordoar e não vai. Então eu peço para os

monitores desligarem quando eu tô com os idosos, então eu consigo respeitar a

condição dele.

E o que é importante, Fernanda, quando a gente trabalha com idosos com demência,

a gente poder olhar o sujeito além da patologia e tem um sujeito histórico, ali tem

alguém que viveu uma vida e que tem uma história que precisa ser respeitada.

Então não adianta dizer pra mim: “Ah, ela não sabe mais quem ela é.” Mas eu tenho

que respeitar aquela pessoa que tá ali, que existiu, mas ela existe porque o pessoal

fala: “Existiu, mas não existe mais”. Não, a essência daquela pessoa tá ali, em algum

lugar ela está, então se eu respeito aquela pessoa. É um respeito que tem que ir

além da doença, ali eu tô dando condições de existência,

Até a coisa da família, o acolhimento da família que a gente acaba acolhendo nas

conversas que a gente tem com os cuidadores que vão levar; eles mesmo, eles ficam

numa sala ao lado, no momento do fazer artístico a gente não quer cuidador perto,

eles tem que ser eles ali.

Eles têm que tá perto pra se precisar ir no banheiro ou qualquer coisa, porque são

idosos que podem se perder ali, então os cuidadores ficam numa sala ao lado e é

interessante como, entre eles, eles também desenvolvem um grupo de apoio, sabe?

É muito legal de ver. O ideal seria que tivesse uma arte terapia para o cuidador

enquanto tivesse, mas ainda não consegui chegar ai.

141

Mas é assim, então é assim, a gente atinge diversos níveis. Eu fico meio assim de

falar, mas atinge todos estas necessidades, é um cuidar muito amplo que a gente

oferece através da arte.

Fernanda: Você acha que o que você fez foi inovador? O Faça Memórias inova?

Por quê?

E01: Eu pesquisei no Brasil e não encontrei nada, pra idoso com demência, nada,

nada, nada... Só o MoMA em Nova York. Foi um projeto inovador com certeza e isso

é triste. É triste porque já aconteceu de eu mostrar esse projeto pra outros lugares e

eu ouvir: “Olha, nós não temos interesse nesses idosos, eu quero idoso ativo”.

Porque é muito lindo a gente mostrar idoso tatuado que pula de paraquedas, então

assim a mídia tá querendo fazer a gente engolir este tipo de velhice e ela descarta...

Quando ela valoriza um tipo de velhice, ela tá descartando todos os outros.

Outra coisa, o interessante da velhice quando a gente entra na gerontologia é o que

encanta é essa multiplicidade, então eu não posso só favorecer o cara que... a

velhice ativa. Pra mim, os meus velhos do Faça Memórias são ativos.

Eles estão ali com uma doença que não favorece eles, mas estão vivendo a vida

deles. São pessoas que elas têm a sorte de ter filhos esclarecidos porque a gente,

na verdade, a gente conta com esses acompanhamentos, porque eles que tem que

ter o entendimento e saber que precisa expor as pessoas na vida e não tirar de cena.

Porque é muito comum tirar seu pai de cena, tirar sua mãe de cena porque ela fala

besteira... Então assim... tira de cena que é melhor. A gente conta com filhos e filhas

que são diferenciados, que entendem a arte como uma intervenção. E eles vão e

levam.

Essa senhora que eu falei que saí recortando tudo, a filha dela é assim sensacional,

uma filha daquelas, ela faz a diferença na vida do idoso, porque essa filha leva a

mãe pra participar da vida. Outro dia, a gente foi numa ópera de um maestro cuja

mãe vem no Faça Memórias e ele deu entradas pra gente. Estava ela lá com a mãe.

Você imagina, a mãe com Alzheimer já avançado, mas assistindo a ópera. E aí você

fala: “Ah, mas será que ela fica confusa?”. Não, ela tava tão feliz de estar ali

participando. Então, assim, é não tirar de cena, é você não esconder. Não é

vergonha, gente; eles têm uma doença, ninguém pede pra ter isso.

142

A gente vive num pais que a maioria das pessoas fala: “Ah, não fala Alzheimer”; e,

assim, é uma doença, gente, que ela pode dar em qualquer um, infelizmente.

Fernanda: E se a gente não aceita, a gente não transforma, né, Cris?

Não transforma. E, Fernanda, tem uma coisa nessas velhices que não são velhices

sedutoras. Então é muito mais fácil eu tirar da minha frente o que eu não quero pra

mim e, às vezes, a gente faz isso inconsciente, como no Ateliê de arte e inclusão

que eu lido com as pessoas com deficiência.

Na verdade, eu tive uma escola poderosa na reabilitação que foi minha professora

Ana Alice Francisquete e ela foi a percursora da arte terapia na reabilitação; foi com

ela que eu aprendi tudo. E eu me lembro que, quando eu trabalhava com ela, ela

chegava e falava assim: “Cris, vai chegar alguém da clínica e eu quero que você

controle o seu olhar”. Porque as vezes você fica “Nossa...”, sabe? Por curiosidade,

porque é muito diferente; e ela falava isso.

Quando a pessoa chegava, eu fui muito treinada a receber estas diferentes, estas

diferenças todas de uma maneira muito próxima, e é isso que a gente tem que fazer:

a gente tem que expor essas pessoas, incluir essas pessoas... Eu não tô trabalhando

pra deixar elas num cantinho, eu quero a inclusão mesmo. Quero que as pessoas

vivam com esses idosos pra saber lidar com isso, né, de uma forma natural, porque

é natural, é uma velhice que acontece.

Acho que eu tô fazendo a minha parte sabe, Fernanda? Eu abro as portas pra eles

e eu acho bacana o museu, porque o museu, quando ele opta por receber esses

idosos, ele rá fazendo claramente a opção pela vida e não pela doença. Eu acho que

é isso que os outros museus ainda não entendem, ou assim, às vezes, não entendem

e não querem e às vezes não tem equipe pra isso, porque é diferente. Você precisa

estudar o tema pra você poder se aventurar nisso.

Então assim, você não pode pegar qualquer monitor de arte e falar pra ele trabalhar

com idoso com demência. São anos de estrada pra eu poder estar aqui, é um

caminhar que a gente tem que ir dando, passo a passo; mas acho que é importante

a gente dar o primeiro passo, porque senão nunca muda nada. Eu fico feliz que a

gente está fazendo uma pequeníssima parte, mas eu tô tentando.

Fernanda: E você acha que esta inciativa pode ser replicada por outros?

143

E01: Ela não só pode como deveria urgentemente ser replicada e o que eu puder

ajudar para replica-la, eu ajudarei com muito gosto, porque pela experiência que eu

tenho, pela vivência que eu já tenho, talvez eu possa ajudar a dar dicas a replicar

porque precisa mesmo. Onde já se viu, um pais como o nosso, com tantos idosos

que envelhecem, tantos idosos com demência e, até onde eu sei, é só o Mube que

recebe esses idosos, cadê as atividades sociais pra esse grupo de pessoas? Cadê?

Por que que não tem?

Aí, Fernanda, tem uma triste realidade que eu pude perceber na época da captação,

na verdade teve um captador de recursos e tal... mas isso ficou claro e é muito triste.

Aliás, eu nem gosto de falar nisso mas eu preciso te dizer já que você tá pesquisando

isso: as empresas não querem ligar o nome a idoso com demência!

Fernanda: Que coisa!

E01: É triste... é triste eu falar pra você que a empresa que doou pro Faça Memórias

na época do ProAC não quis aparecer, ela falou que podíamos usar o dinheiro e

fazer o nosso projeto, mas não era pra botar o nome dela! É triste, mais do que

loucura é uma grande tristeza!

Assim, é uma coisa que eu não posso nem falar que me dá vontade de chorar,

acredita? Porque eu acho desumano, porque as vezes a gente vai toda belizenha

mostrar um projeto lindo como é esse e é isso que a gente escuta.

Para longevidade as pessoas estão começando a ver que ali pode ter algum lucro,

agora idoso com demência é complicado.

Eu tenho um amigo da gerontologia Willians Fiore; Willians ele é um cara fantástico

e ele se refere aos idosos, quando eles não têm a doença ele fala os idosos

“cremosos e cheirosos”. [risos]

Então assim, os idosos com demências pras empresas não são idosos cremosos e

cheirosos [risos]... Então é assim, é a verdade, Fernanda; é difícil, mas é a verdade.

Não querem se envolver, não querem seus nomes vinculados a esta velhice. Eu juro

por Deus eu tenho vontade de pegar na jugular de quem fala essas coisas, eu fico

muito triste.

Quando a gente teve o ProAC, eu não posso falar o nome da empresa porque seria

antiético, mas pessoa queria a contra partida pra criança e eu falei: “Pra criança eu

não faço, meu trabalho é com idoso”. No fim não rolou a contrapartida, então só pra

144

você ver o nível de loucura que as empresas chegam. Elas querem amarrar o nome

com coisas bonitinhas... como se não fosse bonito o que o Faça Memórias faz. Nossa

você dar existência a essas pessoas que estão se perdendo em meio a uma doença

que é terrível, dar a condição de ela existir.

Agora eu não sei o que fazer, eu tenho muita dificuldade dessa coisa infelizmente,

se eu fosse uma melhor vendedora talvez o Faça Memórias atingisse mais pessoas,

mas pra mim é muito difícil lidar com isso, eu acho que é muito estranho. Precisavam

todos de uma Ana Alice Francisquete que fale: “Controle o olhar, olhe com

igualdade”. Acho que é isso que o pessoal das empresas precisava, e elas não saem

desse mundo de faz de conta... Ah, é uma loucura... Eu tenho sérios problemas com

isso.

Espero que você com seu trabalho, com sua pesquisa consiga dar uma chacoalhada

nessa turma. Precisa viu, Fernanda? Eles estão precisando urgente de uma

chacoalhada.

Fernanda: Hoje a sustentabilidade financeira da sua iniciativa, os recursos vêm

todos do recebimento dos cursos?

E01: Exatamente, os familiares que pagam; o Museu recebe e eu recebo. Na

verdade, é assim: eu recebo como RPA [Recibo de Pagamento Autônomo] e o Faça

Memórias em Casa tem um [registro de] MEI [Microempreendedor Individual]. Eu tô

pra abrir uma empresa, eu quero primeiro acontecendo... O Faça Memórias em Casa

é uma coisa recente, comecei agora em abril; estou começando as parcerias agora,

inclusive kits em atividade artística pra idosos com demência em grupos. Percebo

que tem muitos voluntários que vai nos lugares fazer uma atividade e não sabe o

que fazer.

Então aí que acontece de dar a Galinha Pintadinha pra ele pintar. Então, pelo amor

de Deus, eu tô preparando um kit pra trabalhar com grupo de idosos, eu quero

trabalhar com coisas interessantes, porque não existe isso no mercado.

A minha ideia é isso tudo, mas, enquanto isso não acontece, eu ainda não abri a

empresa.

Fernanda: Eu ia perguntar quais são seus planos para futuro, sua visão?

E01: Meus planos é realmente fazer o Faça Memórias em Casa decolar. Eu gostaria

muito, eu ia me realizar demais, porque às vezes é muito frustrante você ter uma

145

coisa tão linda na sua mão – e eu sei que eu tenho, sem modéstia nenhuma – e ela

atinge tão pouca gente.

Então assim, a ideia do Faça Memórias em Casa é uma ideia que eu tenho já há

algum tempo, eu parei por causa do mestrado. Quando a gente faz mestrado não

consegue fazer mais nada; então assim, ou eu fazia o mestrado ou eu pensava este

projeto.

Quando o mestrado terminou, eu falei que agora queria fazer isso acontecer,

inclusive porque me estruturei, estruturei tudo dentro da minha dissertação, ficou

tudo tão fechado na minha cabeça: o que eu queria e pra onde eu tinha que ir.

O Faça Memórias em Casa é meu plano pro futuro, pra poder atingir mais, um

número maior de pessoas... Por que deve ser, como foi o ProAC quando eu trabalhei

com 38 idosos. É muito gratificante você perceber uma ideia sua, uma proposta sua,

que você sabe que vai engrandecer, aquela pessoa atingindo mais gente.

Meus esforços estão pro Faça Memórias em Casa e, claro, sempre pensando em

possibilidades de expandir o Faça Memórias.

Fernanda: Cris é muito lindo, bastante transformador. Muitíssimo obrigada. Eu

acho que seu projeto une duas coisas que a gente valoriza muito pouco no

Brasil que é a velhice e a arte e história.

146

147

APÊNDICE C

Transcrição entrevista 02 - Negócio de Impacto Social voltado para

recolocação profissional e desenvolvimento dos 50 +

Fernanda: Obrigada por me receber, Morris! Em primeiro lugar, quero te

perguntar: qual a missão do seu negócio?

E02: A Maturijobs é uma plataforma de trabalho e desenvolvimento para pessoas

acima de 50 anos. Ela começou focada no trabalho, não só emprego, nunca foi só

emprego nosso foco. A gente também traz outras formas de trabalho para os nossos

usuários, desde trabalho voluntario até freelancer, consultoria, trabalho meio

período... a gente fala de empreendedorismo também e por aí vai. É trabalho.

E a questão de desenvolvimento foi uma demanda que foi surgindo naturalmente de

nossos cadastrados por orientação, atualização e reinvenção também, porque eles

chegam nesta fase que está perdido e, às vezes, o que fazia antes ou não quer fazer

mais ou não se faz mais da mesma forma. Estas pessoas precisam se reinventar e,

principalmente, se adaptar a tecnologia.

Muita gente vai pro empreendedorismo nesta idade, nesta fase, porque se recolocar

é muito difícil. Então a gente tem feito palestras sobre vários temas, desde falar sobre

economia compartilhada, empreendedorismo e de orientação de currículo também.

No começo, eu não pensava nisso, surgiu naturalmente, mas hoje já tá, desde o

meio do ano passado, já fazendo isso e até autoconhecimento, como eu falei.

A missão da Maturijobs é ser realmente uma referência pra as pessoas acima de 50

anos encontrarem, terem um lugar onde possa ser uma fonte de recursos pra se

desenvolver e pra encontrar trabalho, então faz parte disso o networking. Então, a

gente, além de promover eventos presenciais, a gente tem uma comunidade online

que faz com que estas pessoas se conheçam, troquem experiências, debatam entre

si. Primeiro, para verem que não estão sozinhas nesta situação, muitas vezes difícil,

né, de estar fora do mercado e também de eventualmente estarem fazendo projetos

juntos e enfim.

Então, o networking acaba sendo um pilar também que a gente foca bastante, nossa

comunidade virtual hoje é um grupo no Facebook, chama-se Comunidade

148

Maturijobs, já tem quase oito mil pessoas que estão lá diariamente debatendo

assuntos, é um grupo aberto.

E a gente, pelo menos por enquanto, por aqui em São Paulo, sempre costuma fazer

eventos pra também estimular a interação entre eles e aí a gente faz tanto eventos

gratuitos como palestras e workshops e também cursos pagos.

A gente acabou de começar a turma de um curso que chama Life Design que é um

curso de autoconhecimento, é quase que um coaching em grupo para pessoas que

estão mais perdias poderem entender o que que elas querem fazer, o que que

realmente gostam, pra saírem com um plano de ação mais concreto assim.

Fernanda: Acho que neste ponto as pessoas sabem o que elas não querem

fazer, mas o que querem fazer elas não sabem.

E02: É, e tem muita gente que fala: “Eu tô perdido, eu tenho um monte de

experiência, mas eu não sei o que fazer”. E é engraçado que muita gente começa

neste curso pensando em procurar emprego ou procurando emprego e sai do curso

pensando em empreender e fazer várias outras coisas, ser autônomo.

Fernanda: Seu negócio atende a quais demandas destes indivíduos mais

velhos?

E02: É super comum, acontece cada vez mais, a pessoa fica 30 anos na empresa e

quando sai fica perdido, isso é super comum e as pessoas não se preparam pra isso.

Então, principalmente os homens, os homens acabam sofrendo mais, porque a

mulher, até por uma questão de maternidade e tal, ela tem mais facilidade de se abrir

pra outras possibilidades, de ir procurar novas alternativas e tal... Os homens não. A

gente vê que, quando a gente faz evento presencial, 70 ou 80% é feminino o público.

Estes cursos de alto conhecimento também são muito difícil de levar homens e,

quando eles vão, a gente vê que eles aproveitam muito.

A gente percebe que as mulheres também estão perdidas, mas o homem,

principalmente esta geração, tem uma questão de orgulho maior. Normalmente, o

homem se aposenta com um cargo alto, às vezes mais alto do que as mulheres em

média, perde status, o que acaba sendo, ele ficou muitos anos na empresa e o nome

da empresa acaba quase que virando o sobrenome dele.

Então ele não sabe o que que é não ter isso: “O Fulano de não sei aonde”, e ficar

em casa o dia inteiro. Tanto que a gente vê muitos casos de divórcio na

149

aposentadoria, porque o marido e mulher não sabem o que é ficarem juntos na

mesma casa o dia inteiro [risos]. Eles brigam, é interessante isso.

Fernanda: Como nasceu a ideia?

E02: Bom, é... eu comecei a me interessar pelo assunto em 2011, quando eu fiz um

trabalho voluntário, que num... nesta época ainda se falava asilo, que é um, não sei

se você conhece, chama-se Lar Santana e ele pertence a uma ONG que chama Liga

Solidária.

Fernanda: Conheço a Liga solidária.

E02: E aí a Liga Solidária tem várias frentes que eles atuam e esse asilo lá ele é

pago, bem pago, ele é caro e fica na Vila Madalena e ele é um provedor de recursos

pra instituição, entendeu?

Mas mesmo assim tem voluntários lá e, como eu morava perto, eu acabei indo pra

lá meio que sem querer assim, porque eu tinha vontade de fazer trabalho voluntário

e aí encontrei esta organização que é antiga, super séria e realmente muito boa e,

quando eu fui começar, a pessoa que me atendeu lá perguntou: “ E aí , o que que

você quer fazer?”. Eu falei: “Ah, eu não sei, trabalhar com criança”.

Isso é algo que a gente pensa mais automaticamente, aí ela falou: “Olha, a gente

tem coisas com criança, só que fica longe, por onde você mora tem esse, essa casa

onde os idosos moram que talvez seja uma boa você conhecer, porque você vai ter

que se comprometer e tal”. Então... aí fui e adorei, gostei muito, porque é um lugar

muito bom assim, como eu falei, é pago, então as pessoas que tão lá é... tão bem,

são pessoas cultas, tem um certo nível de independência ainda, então dava pra

conversar muito com eles.

A princípio, eu ia lá muito ajudar a mexer no computador, internet e estas coisas,

mas eu conversava muito com eles; então ouvia histórias de vida incríveis, muitos

eram imigrantes. Só que quando eu ia lá aos sábados, que eles não tinham tantas

atividades quanto durante a semana, então ficavam praticamente o dia todo vendo

TV, e era pra receber visita de família e poucos recebiam visitas da família de fato.

Então eu comecei a ficar sensibilizado com isso de eles terem uma super

experiência, histórias incríveis e não passaram isso pra frente. Isso foi entre 2011 e

2012.

150

Aí, em 2012, a empresa que eu trabalhava com meu pai foi vendida, a gente

trabalhava com tecnologia. Ainda fiquei lá mais alguns anos, mas aí já comecei a

pensar o que que eu ia fazer quando saísse de lá e já tava buscando alguma coisa

que fizesse mais sentido, que não fosse só pelo dinheiro. Alguma coisa com

propósito. Aí que eu conheci este mundo de NS, empreendedorismo social que até

então eu não conhecia, me apaixonei pela ideia de trabalhar.

Em 2013, eu já imaginei que eu ia sair de fato da empresa, porque, apesar que eu

continuei lá por mais um tempo, justamente depois desta venda que começou um

clima mais corporativo, de competição, de pressão, resultado a qualquer custo e eu

vi que não era isso que eu queria pra mim, uma coisa só visando lucro. E aí, neste

mesmo, 2013, faleceu minha avó paterna.

Ela foi uma das grandes inspirações, porque ela trabalhou até os 82 anos, era

superativa assim, fazia trabalhos voluntários, ajudava a família e assim... nesta idade

ela trabalhava numa importadora, ela atravessava a cidade de ônibus sozinha e fazia

traduções, era secretaria lá, principalmente traduções ela fazia. Um dia, indo pro

trabalho ela caiu na calçada, se machucou e resolveu parar de trabalhar.

Fernanda: E você acha que ela ter trabalhado até esta idade ajudou a manter

ela ativa?

E02: Com certeza! Então, porque ela tava super bem até então, aí quando ela parou

de trabalhar e foi uma coisa que não foi planejada e ela passou assim, de um dia pro

outro, a ficar em casa e sem fazer nada; de um dia pro outro a saúde dela declinou

muito rápido. Ela desenvolveu Alzheimer. Então ela faleceu com 91 anos em 2013,

então, tudo bem levaram nove anos este processo, mas mesmo assim a saúde dela

se deteriorou muito rápido. Então, isso foi uma coisa que eu acompanhei e também

e quando ela faleceu eu refleti muito sobre isso.

Tem muitos que nestas quedas, ela não chegou a quebrar fêmur, estas coisas, mas

ela machucou o rosto e tal e resolveu parar, porque não precisava mais trabalhar e

enfim...

Em 2014, eu vi um projeto do CNA, não sei se você conheceu, que chama-se Pick

Exchange. Eles colocaram jovens da escola de inglês aqui pra conversar com idosos

que moravam num asilo nos Estados Unidos pra praticar o inglês e este projeto nesta

época bombou. Começo de 2014, eles ganharam prêmios em Cannes, porque foi

uma coisa muito humana, intergeracional, super legal e eles fizeram um vídeo bem

151

emocionante das conversas; é bem legal, vale a pena buscar. Só que parou , não

sei por que não continuou.

E, quando eu vi isso, eu tive um insight, eu falei: “Poxa, eu podia fazer alguma coisa

parecida com essa”. Mas, pensando no trabalho voluntário que eu tinha feito no asilo

pra colocar jovens em contato com idosos via internet, por Skype. Porque quando eu

fazia trabalho voluntário lá muitos amigos meus falavam que tinham vontade de fazer

isso, mas não tinham tempo. Então, aí eu tive essa ideia, essa vontade de fazer isso

e aí que eu fiz meu primeiro projeto no Social Good Brasil, foi em 2014, no Lab, que

é o programa deles que ajuda projetos de impacto social que usam tecnologia a tirar

a ideia do papel, então, primeiramente, era só uma ideia.

Então, neste programa, eu comecei a testar esta ideia e lá com todas as

metodologias que eu passei a conhecer de design thinking, startups, Canvas e etc.,

comecei a testar esta ideia e foi super legal assim, coloquei um monte de amigos

meus e outras pessoas pra conversar com estas pessoas, não só do Lar Santana,

mas de outros lugares também via Skype e foi incrível, as conversas foram super

boas e duravam bastante, rolava uma empatia.

Eu lembro de um caso especifico de um senhor lá do Lar Santana que a psicóloga

lá falou: “Ah, ele nunca fala sobre a ex-mulher dele”. E aí ele conversou com uma

amiga minha que é coaching, isto é bem sensível, e com ela ele conversou sobre a

ex-mulher dele abertamente.

Então deu pra ver que tinha um resultado, só que este projeto se chamava

Conectando Gerações, que a ideia era justamente esta. Só que eu não consegui

fazer com que este projeto fosse alguma coisa, que fosse financeiramente viável,

que fosse um negócio social.

Aí ele não foi pra frente, mas foi através dele que eu entrei de cabeça nesse mundo,

comecei a ir em eventos sobre envelhecimento e longevidade, comecei a realmente

estudar o assunto.

Foi quando eu resolvi abraçar esta causa, aí que eu entendi que o Brasil esta

envelhecendo e pouca gente estava olhando pra isso. Comecei então a participar de

grupos e eventos e esse projeto, mesmo não dando certo, eu resolvi que eu ia

empreender nesta área.

E aí, no começo de 2015, foi quando eu saí definitivamente da outra empresa e aí

por, nestes eventos que eu ia, comecei a perceber que a questão de trabalho era um

152

assunto cada vez mais recorrente, principalmente por causa da falta de

oportunidades que estas pessoas tinham. Porque aí também tava no auge da crise,

quando estourou a crise econômica e as pessoas estavam mais sendo mandada

embora do que sendo contratadas. E os primeiros que estavam sendo mandados

embora são os mais velhos, porque são os que estão há mais tempo e são mais

caros.

Percebi que era um problema que era grande e só tendia a aumentar e então

conversei com muita gente, com essas pessoas pra entender a dor deles. Conversei

com pessoas de RH [Recursos Humanos] de empresas pra entender porque que

contratavam ou porque que não contratavam.

Foi assim que começou a Maturijobs, quando eu vi que esta questão de trabalho era

uma oportunidade de negócio, porque ninguém estava olhando pra isso, não achei

nada sendo feito; e de impacto, porque geri um problema grande de trabalho.

Fernanda: E como sua empresa gera a transformação desejada na sociedade?

E02: Eu não tinha formatado muito na minha cabeça qual seria a solução pra isso,

mais identifiquei um problema e fui atrás pra entender o problema, entender a dor

das pessoas e comecei. Fiz a primeira página bem simples, me propus a ajudar as

pessoas acima de cinquenta anos a se recolocarem, sem dizer como... pra ver se ia

haver interesse das pessoas em participar disso.

Logo de cara bombou, muita gente interessada, a gente começou a receber

mensagens de pessoas falando: “Ah, agora eu tenho esperança”, este tipo de coisa.

153

Fernanda: E como seu negócio se financia? Como é a sustentabilidade

financeira?

E02: Foram recursos próprios, até hoje. Agora eu tenho uma sócia também, a

Stephanie, que ela até ia estar aqui, mas ela não conseguiu vir hoje; mas ela entrou

no final do ano passado. Começou a trabalhar comigo no final do ano passado,

entrou na sociedade mesmo no começo deste ano.

Então os recursos são todos próprios, a gente tá com, conversando com possíveis

investidores, a gente tá passando por plano de aceleração e tal, mas, como a gente

ainda tá validando o modelo de negócio que vai ser escalável mais pra longo prazo

e com receita recorrente, a gente tá agora focando em achar este modelo, porque a

gente ficou um bom tempo sem cobrar nada de ninguém.

Até setembro, outubro de 2016, ninguém precisava pagar nada, hoje em dia os

usuários dos 50 + não pagam nada, mas as empresas também podem colocar as

vagas de graça, mas para as empresas a gente oferece outros serviços, se ela quiser

que a vaga dela tenha destaque, mais divulgação, ou se ela quiser uma ajuda na

seleção das pessoas, é... enfim, uma triagem, a gente ainda dá uma consultoria,

porque tem empresas que falam: “Ah quero fazer um programa de contratação de

50+, mas eu não sei como integrar estas pessoas, como contratar estas pessoas.”

Então, tem toda uma questão de integração intergeracional dentro das equipes,

porque tem que saber aproveitar este profissional porque senão... A gente tem

parceiros que são mais especialistas em questões mais específicas, estudiosos e tal

que ajudam a gente nestas coisas de consultoria.

O profissional sabe que nesta fase ele vai ganhar menos do que ganhava, quase

sempre tem um downgrade de função, de salário e a gente tem muito mais vagas de

trabalho operacional do que gerencial na Maturijobs. Justamente por isso que esta

questão da integração intergeracional é muito importante, porque, às vezes, muitas

vezes, as pessoas de 50 anos + vão ter chefes de 30, 40 no máximo, então isso é

difícil pros dois. Tem barreiras que precisam ser quebradas dos dois lados.

Os 50+ muitas vezes eles têm questões de, por ele achar que, por ele ter mais

experiência, ele sabe tudo, pra ele é mais difícil às vezes ter um chefe da idade do

filho dele e tal e vice e versa. O mais novo tem que saber que o mais velho não é

obsoleto, ele também tem coisas, vivencia e enfim... Então a gente fala para as

empresas que não é só contratar, não é tão simples assim.

154

É preciso gerir isso, porque senão é bem provável que não dê certo, a gente tem

cases que deram certo e os que não deram. A gente tenta monitorar, dentro do

possível, como estão indo as contratações. Nem todos a gente fica sabendo, a partir

do momento que eles têm contato direto, né.

A Maturijobs é um site que tem vagas de trabalho de todos os tipos para as pessoas

acima de 50 anos e conteúdo de desenvolvimento, a gente não é uma empresa de

RH, uma agência de emprego. A gente tem casos pontuais onde a gente faz a

seleção pra empresa. Normalmente a empresa ela abre a vaga e vai receber os

currículos direto pra ela fazer a seleção, são poucos os que a gente faz isso pra

empresa.

Então a gente foca em diferenciais: primeiro, foco exclusivo dos 50 +; e esta questão

de comunidade e desenvolvimento, pensando em desenvolvimento também focado

pra profissionais maduros. Nós temos especialistas em todas as áreas de

conhecimento, de tecnologia, de empreendedorismo, que a gente desenvolve junto

com eles o conteúdo voltado para pessoas mais maduras.

Aí a gente tem cursos pagos, de vez em quando a gente tem palestras gratuitas

também; algumas são online, outras presenciais.

Fernanda: Então, em termos de recursos financeiros vocês estão encontrando

um balanceamento?

E02: Então... hoje em dia o negócio ele se paga, ele não dá lucro, mas a operação

se paga, mas a gente...

A Maturijobs hoje são cinco pessoas, eu, minha sócia e mais três; e destes três, que

seriam os funcionários, dois são matures, são 50+, que é a Judith que tem 58 anos

e o Antônio com 59, e eles trabalham meio período pra gente. A Judith faz home

office, o Antônio vem de manhã.

Por enquanto a gente ainda não tem lucro nem pra retirar e nem pra investir [risos]...

A ideia é ser uma empresa democrática e onde parte do lucro a gente reinvista e

outra parte a gente distribua entre sócios. Enfim, a gente tá passando agora por um

aceleração da Yunus Negócios Sociais, eles tem uma aceleradora, mas a gente,

enquanto esta passando pela aceleração, a gente não tem que estar dentro desta

tese da Yunus, não é nosso objetivo.

155

Hoje assim, eu e minha sócia, a gente não tira dinheiro nenhum, então a gente ainda

investe no sentido de que pra eu me manter. Eu tenho minha reserva, mas a

operação pelo menos já se paga.

Fernanda: A Maturijobs inova? Como?

E02: Sim, com certeza. Primeiro porque a gente criou a Maturijobs porque não existia

nenhum site ou empresa que focasse exclusivamente no público acima de 50 anos

pra ajudar estas pessoas a encontrarem trabalho e a gente faz isso de uma forma...

usando a tecnologia pra poder ser escalável; então a gente tem usuários no Brasil

inteiro e acho que praticamente todos os estados.

A gente tem hoje mais de 48 mil pessoas cadastradas no site, sendo que 60% é São

Paulo, depois 15%, Rio [de Janeiro] e depois outros estados. Então a gente foca em

São Paulo por estar aqui presencialmente, então nossos eventos a gente acaba

fazendo aqui, mas a divulgação ela não tem limite geográfico.

As vagas a grande maioria é São Paulo, mas a gente já teve vagas em vários outros

estados e cidades, então a gente não limita, né. A gente só não faz ainda muito

esforço pra atuar em outras regiões. Isso acaba acontecendo naturalmente, até

porque a gente tem estado muito na mídia, essa questão da reforma da previdência

de certa forma trouxe esse assunto pro debate.

A mídia acabou chegando naturalmente em nós e aí saiu na Globo, em vários jornais,

revistas e tal e isso ajudou muito dar uma visibilidade nacional pra Maturijobs e

crescer essa base de dados no nosso arquivo foi toda orgânica.

Fernanda: A própria ferramenta de vocês, que é uma base tecnológica

possibilita esta questão da escala.

E02: Eu acho que Maturijobs é um serviço, não sei se é uma nova forma de atender,

mas o fato que termos o foco exclusivo nos 50 + é uma nova forma de, é... uma nova

forma que não existia, isto é novo. A forma como ele funciona até aí não é nada de

muito novo, as pessoas se candidatam pras vagas, mandam currículo e tem a parte

de desenvolvimento também, que outras empresas fazem.

Em relação a focar só neste público, isto é um fato, mas não dá pra dizer que é uma

forma nova de fazer alguma coisa, só o segmento; então é um novo tipo de serviço.

156

A gente existe pra suprir uma falha, porque a gente viu que tinha muita gente que

tinha essa dor, está dificuldade e ninguém estava atendendo.

Nós temos um potencial de escala global. Hoje estamos no Brasil, mas a gente

pretende atuar globalmente; até porque a gente já pesquisou muito fora do Brasil

também e não achamos nenhum player internacional que tenha se destacado

fazendo isso. Nós vimos iniciativas nos Estados Unidos, na Europa, no Japão que

funcionam localmente e a gente vê que tem um potencial global. A gente tem

recebido muito contato de Portugal, de pessoas querendo levar a Maturijobs pra lá,

o que seria muito fácil de fazer, a gente só não fez por uma questão de foco.

É estranho de pensar, por um lado é estranho e por outro lado a gente entende,

porque o Brasil já está envelhecendo, a gente já está neste processo, não é uma

coisa nova; logo, logo o Brasil vai ser um país envelhecido, mas, diferente dos países

ricos que o processo de envelhecimento aconteceu quando o pais já estava

enriquecendo. Então, a Europa, primeiro eles enriqueceram pra depois envelhecer;

já o Brasil não, continua sendo um país pobre e tá envelhecendo.

E o Brasil tem muitos problemas estruturais pra resolver, inclusive com jovens. Então

isso não era prioridade hoje, mas daqui a dez ou vinte anos o Brasil vai ser um pais

de velhos e vai vir como um... O [médico especialista em envelhecimento e

longevidade Alexandre] Kalache que fala que vai ser um tsunami na sociedade

brasileira, porque acho que vai ser um dos países com mais idoso no mundo logo,

logo. Então realmente é incrível que tem pouca gente que tá olhando pra isso, na

Academia, no Governo e nas empresas.

Nós estamos chegando a 49 mil pessoas cadastradas, número de pessoas

impactadas é muito maior. A grande maioria dos usuários estão entre 50 e 60 anos,

só 30% já está aposentado. São pessoas que estão desesperadas porque não tão

aposentadas, não tão empregadas, 80% da nossa base não esta empregada. Muitos

destes não tem uma outra fonte de renda; estão superativos, tem muita experiência,

mas não conseguem se recolocar. A questão econômica atrapalha além da questão

da idade.

A gente estima hoje mais ou menos 200 recolocações profissionais feitas

diretamente pela Maturijobs. Por que diretamente? Porque a gente sabe de pessoas

que se recolocaram depois de fazer nossos cursos, de assistir palestras, pessoas

que empreenderam e aí não foi uma recolocação direta de vagas da Maturijobs.

157

A gente já teve... estes números que eu tô falando de vagas, de recolocações e de

empresas ele é de um pouco mais de um ano, começou em 2015, mas a plataforma

online a gente colocou no ar em maio de 2016, que aí que começou isso de forma

mais sistematizada. Então a gente tem cerca de 540 empresas, organizações como

um todo, porque tem até ONGs também.

São 540 empresas que já publicaram vagas na Maturijobs, organizações porque

também não foram só empresas, e aí, é isso. Desde então, as vagas vão vencendo,

as empresa colocam vagas novas pra pessoas e pronto.

A gente recebeu... Ano passado, a gente participou do SGB Camp, que é, ele é pra

negócios que já existem, então diferente do Lab que é pra ideias, Camp é pra

negócios que já existam, mas que esteja num estagio em crescimento, tem muito a

ver com estágio que a gente tá. Aí a gente participou deste programa que é um

programa, tem duração de quatro dias com dez empresas, etc. e a Maturijobs foi

vencedora, recebemos o prêmio de R$ 10.000,00 e foi, tinha uma mesa de jurados

de várias organizações sociais, aceleradores, investidores e etc. que escolheram a

Maturijobs. Aí, a partir daí, a gente foi convidado pela Yunus pra participar da

aceleração deles.

Fernanda: Quais os objetivos da Maturijobs para o futuro?

E02: Que seja um grande negócio de impacto social, se transformando numa

multinacional, ajudando pessoas acima de 50 anos a se manterem atualizadas,

conectadas e encontrando possibilidades de renda e ocupação ao redor do mundo,

com inovação juntando tecnologia e presença offline.

158

159

APÊNDICE D

Transcrição entrevista 03 - Negócio de Impacto Social voltado para fomentação

do debate sobre o cuidador familiar e os custos do cuidado

Fernanda: Marta é um prazer falar com você, obrigada por me atender! Marta,

seu negócio é um dos mais conhecidos nesta área de impacto social para

longevidade. Como nasceu a ideia?

E03: Eu me deparei pessoalmente com este exemplo, né, da minha babá que ficou

lá em casa, né, e que poderia ter tido um final de vida muito muito indigno se não

tivesse laços de afeto comigo; porque nada que eu faço eu faço por

responsabilidade, eu faço por afeto e também por meu pai ter me deixado alguma

possibilidade financeira de fazer isso, porque sou professora federal aposentada.

Então, pra eu cuidar dela, eu teria que descuidar de mim e passar a conta adiante

pras minhas filhas.

Então eu focava nisso aí e neste aspecto do, eu tinha esta pergunta: Como é que

vai ser quando eu envelhecer e não tiver estas condições que Nenê [a babá] tem? E

aí é um mundo rico pra negócios de impacto social.

Como minha formação é toda em tecnologia, nada em negócio, minha formação é

em tecnologia e eu, sei lá... Fiz MBA na área de negócios e tudo, mas eu não sou

aquela pessoa que o sonho da vida é ter um negócio, entendeu? Não era por aí. Eu

até ensaiei, porque, eu digo, alguém tem que começar a fazer alguma coisa com

impacto social.

Minha primeira ideia foi fazer aquele guia do Mundo Prateado, que fosse uma

espécie de trip adviser do mundo do cuidado, para atender a necessidade do

cuidador familiar, que é a pessoa mais solitária nessa arena de dificuldades da

velhice.

A ideia do Mundo Prateado foi assim, quando mudou a fase, quando Nenê realmente

começou precisar de cuidados 24 horas. Eu aqui no Rio e ela em João Pessoa, então

eu comecei a ler sobre Silver Economy, comecei a ler sobre e comecei a buscar

informações e há cinco anos até a informação era mais escassa; hoje não, tem.

Eu não sou da área de produção de conteúdo, eu não sou uma pessoa, não sou da

área de comunicação, fiz o blog e da minha cabeça e estudei estas coisas, mas...

160

Enfim, no começo a gente foi achado por uma, pelo Aging 2.0, você deve conhecer

e o Aging até que tentou dar esta... “Vamos lá, vocês querem investidores?”, mas eu

tinha sempre uma parceira que, na época, ela tinha uma outra visão disto aí e, enfim,

eu esperei ela se aposentar pra gente fazer o guia. Aí depois eu tinha também uma

coisa que eu chamava, assim ironicamente e muito politicamente incorreto, eu

chamava de “a Catho dos velhos”.

A Catho você sabe o que que é, aquela empresa que faz recolocação no mercado,

que procura emprego. Aí eu chamava “a Catho dos velhos” porque eu preciso me

recolocar no mercado. Aí o Morris da Maturijobs fez na frente e depois eu tinha uma

plataforma e coisa e tal; depois eu pensava o seguinte: “Não preciso fazer, tem gente

nova que vai fazer direito” e coisa e tal, eu preciso continuar a tentar responder uma

coisa que é, que eu acho que é um nicho onde as pessoas não tem tanto interesse

em responder que é o seguinte, eu parto desta premissa: só a tecnologia vai poder

baratear os custos do cuidado e só a tecnologia vai poder fazer com que eu viva uma

velhice sem isolamento social. Este é meu tema.

Então, eu acho que a primeira fase do Mundo Prateado falava muito desta coisa do

cuidado, agora estou repensando, tô pensando em... A minha amiga quer fazer do

Mundo Prateado um negócio convencional e eu tô deixando pra ela: “Então tá bom,

você compra minha parte”, e eu tô pensando em abrir uma consultoria em trabalhar

neste tema.

Eu não sei fazer negócio, mas eu sou boa de processo, sou boa de desenho de

serviço. Não tenho formação, mas como tenho experiência de vinte anos, né... Então

saio pedindo as coisas; por exemplo, eu tenho um ex-aluno que é professor da

[Universidade] Federal da Paraíba e também tenho um laboratório na [Universidade]

Federal do Rio Grande do Norte e, através deles, eu já sou aposentada há muitos

anos, eu conheci alguns alunos lá e eles toparam fazer aquele sisteminha de

telepresença que está na palestra, aquele robozinho. E eu fico implicando, fico

insistindo, digo: “Olha, se vocês quiserem, eu pego dinheiro das minhas economias

de aposentado, ponho na empresa de vocês”. Então eu fico ali, pois acho que tem

um mundo, eu nem vejo como um mundo do mercado, porque eu não sou uma

pessoa de mundo de negócios; eu vejo como um mundo de necessidades.

As vezes que eu participei das palestras do Fórum de, que o Kalache promove aqui

no Rio, nem preciso falar disso. Então eu tenho sempre uma lista de pedidos pra

plateia e coisa que eu preciso. Então é isso, eu me proponho a ousar, a opinar;

161

consultoria é uma coisa que a gente faz na universidade e eu trabalhei a vida inteira

neste projeto de internet acadêmica, a gente acaba aprendendo a fazer.

Então eu acho que qualquer solução que passe neste primeiro momento pra meu

interesse nesta pergunta: Como é que o custo do cuidado vai ficar acessível pra mais

gente?

Não tem jeito, tem que passar por dois eixos: Negócios de Impacto Social e

Tecnologia.

Adoro ver você, Fernanda, estudando isso.

Fernanda: E esta ideia do Mundo Prateado foi em que ano?

E03: Então, a gente tá em 2018, né... 2013 foi o ano chave na minha vida, porque

foi o ano em que Nenê caiu e, como eu digo lá na palestra, a queda muda a vida de

todo velho. E ela começou a precisar de cuidados 24 horas e coincidiu com período

em que eu tive o segundo câncer, eu tive dois câncer. Então em 2013 eu pensava

assim: “bom eu tenho que fazer alguma coisa, achar alguma coisa, criar uma rede

de apoio, porque, se eu morrer antes de Nenê, ela tá frita”, então começou daí.

Então o primeiro passo que eu pensei foi seguinte: eu vou falar sobre isso, vou fazer

aquilo que eu sei fazer, vou fazer um blog, vou falar sobre isso, vou começar a

sensibilizar pessoas. E quando eu fiz o MBA eu não consegui sensibilizar ninguém

da turma, nem pra fazer um, naquela época eu falava já naquilo, mas eram pessoas

muito novas, eu só consegui... Aí depois eu consegui trazer pro mundo inicial do

Mundo Prateado três amigas, mas aí todas elas tinha problemas, não tinham dinheiro

e não tinham o tempo, né.

Eu tinha algum tempo porque pra mim era mais simples trabalhar com este negócio

de fazer um blog, pra mim não era simples o mundo do conteúdo; mas aí como eu

tinha que fazer e esta minha outra amiga que é jornalista ela dizia pra eu ficar

tranquila dizendo que meus textos são claros, são bem escritos e aí eu fui perdendo

a vergonha.

Ela sempre teve, nasceu sem fins lucrativos, tanto que a gente não tem nem empresa

formalizada, a única coisa que eu tinha quando chamei as pessoas era o registro da

marca porque naquela época Silver Economy era uma coisa que era falada há cinco

anos atrás. Hoje quando você fala de economia prateada todo mundo sabe o que é,

mas eu quando fui convidar as pessoas pra fazerem isso eu tinha que dizer o

162

seguinte: “Eu não sei direito o que que é, mas agora está na moda esse negócio de

movimento, todo mundo que quer falar de alguma coisa faz um movimento. Não é

uma empresa, não será uma empresa porque eu não tenho este perfil de negócio,

não me imagino sendo responsável por uma folha de pagamento... eu sou professora

universitária, isso não é pra mim”.

Foi um projeto e a minha amiga não, ela tinha um plano que era se aposentar, sair

da Rede Globo, ela trabalhava com produção de novela e o plano dela era outro. Ela

é dez anos mais nova que eu, eu tenho 65 e Maristela deve ter 54, o plano dela era

um negócio convencional.

Aí ela começou a aprender sobre este mundo da longevidade e um dia eu falei pra

ela: “Maristela, se a gente fosse uma empresa do jeito que eu quero ser, a gente ia

participar desta chamada do Aging 2.0”, e ela disse: “Por que que a gente não

participa?”. Eu falei: “Porque a gente não é uma startup, a gente é uma ideia ainda,

startup tem que ser assim, coisa e tal.”

E ela insistiu e a gente participou da seleção aqui e quando foi pra ir pro concurso

mundial eu mandei um e-mail pra Aging 2.0 e eu disse que não éramos uma startup,

não temos um CNPJ, não temos ainda, e ele disse o seguinte, que se entrássemos

na seleção do público estaríamos lá, pois mesmo sem ser uma empresa é uma ideia

que pode, alguém pode pegar e fazer.

Então fomos pra lá, eu fui na maior cara de pau pra São Francisco apresentar, fazer

um PIT (Uma breve apresentação). Eu dizia que sim, sei qual meu papel. Meu papel

é uma história, o mundo da startup precisa disto aí, precisa de uma história, e eu

tinha uma história muito boa, era uma pessoa idosa querendo fazer um negócio de

impacto social voltado pra idoso e isto eram um exemplo clássico de uma startup

que poderia dar certo. Então era uma história boa, mas dentro de mim eu sabia que

não era uma startup e sabia que negócio mesmo sendo de impacto social é um

negócio.

Pessoal às vezes não distribui lucro para acionistas, mas você pede dinheiro

emprestado e você vai ter que pagar, tem que devolver pro investidor; então, eu tinha

medo disto.

Então, várias vezes pessoas me chamam pra fazer palestra sobre

empreendedorismo na terceira idade e isso eu não faço, porque eu sei que o

ambiente de negócios no Brasil é muito hostil mais ainda pra Negócios de Impacto

163

Social e eu não acho que seja prudente incentivar as pessoas a pegarem suas

economias ou se endividarem depois dos cinquenta anos.

E sempre deixo claro o Mundo Prateado não tem um CNPJ, é um movimento, mas

tem impacto social, teve muito impacto, pessoal teve muito impacto. Eu era muito

crítica a respeito de muitas coisas, eu achava quem quer saber de uma história boba,

comum... e a quantidade de e-mails que eu recebi dizendo que o livro tinha trazido

um olhar diferente; porque a mensagem era esta, não é fácil mas é possível, é

possível se você formar uma rede e hoje você só forma uma rede de pessoas bem

formada, ela será tão mais bem formada quanto for sua capacidade de comunicação

e tudo isso passa pela tecnologia. Como eu sou desta área, eu brinco dizendo que

qualquer coisa que eu não possa fazer pela internet é uma coisa que não me

interessa.

Se eu tiver que comprar uma coisa e não puder ser pela internet não me interessa e

aí no Brasil é difícil, mas enfim.

Fernanda: Você falou um ponto chave, Tecnologia, pois como é difícil, é

trabalhoso este cuidado com idoso e é uma responsabilidade muito grande a

gente fica sempre pensando porque quem tem condições financeiras é uma

coisa, mas e uma família que passa por isso numa situação financeira

problemática? Então, de repente, a Internet pode ser uma forma de facilitar isto,

pensar em formas alternativas.

E03: Eu tenho muita coisa escrita, ainda penso em lançar alguma coisa que toque

neste ponto, né. Cuidado é possível e hoje é tão caro; e ele pode ser mais barato e

como é que pode ser isto?

Porque eu fico vendo a infraestrutura que eu tenho de Nenê em João Pessoa, ela

mora em um apartamento de três quartos e só ocupa dois, é um belo apartamento,

espaçoso, está a beira mar quase, na segunda rua. E eu fico pensando assim: se eu

tivesse lá, se eu tivesse um pouco mais de tempo eu ia fazer assim: aqui vai morar

uma menina que venha do interior e que vai fazer enfermagem ou alguma outra

coisa, ela não tem obrigação aqui, ela não paga nada, a obrigação que ela tem é

conversar meia hora com Nenê, é contar “Hoje eu fui pra aula, fiz isso e coisa” e tal;

ela não tem... o papel dela é só companhia. No outro quarto, eu ia fazer esta

experiência, porque aquela infraestrutura que eu montei atenderia a mais quatro

164

idosos com mesmo padrão de autonomia de Nenê, atenderia numa boa. Agora, pra

isso você tem que fazer um trabalho de reformulação da cultura. Aqui no Rio [de

Janeiro] seria impossível, as pessoas são muito apegadas a sua privacidade. Elas

acham o máximo estarem sozinhas, as velhas não têm condições de viverem

acompanhadas e quanto mais sozinhas, mas acham que devem ser assim.

Ainda acho o paulista mais sociável do que o carioca, carioca é terrível, é conversa

de elevador muito rápido. Se você tiver em algum lugar, ontem eu fiz esta

experiência, fiquei um mês em São Paulo porque minha filha teve um bebê

prematuro e eu fiquei aí desde o início de maio, ela mora em Pinheiros, ali naquela

rua eu fico impressionada porque eu vou na quitanda e converso com alguém; se eu

fizer um comentário: “Nossa , que uva cara”, alguém me responde. Aqui no Rio,

ontem eu fui no banco resolver uma coisa do celular e eu fiz um comentário dizendo

“Que espera, né? Esta agência aqui é a agência demora demais”, a pessoa

nitidamente ficou incomodada porque eu me dirigi a ela pra fazer um comentário.

A vida do velho, do cuidado do velho passa por esta reformulação de que você

precisa de uma rede social de sustentação, e esta rede social é muito difícil de

construir em algumas cidades grandes.

Fernanda: No nascimento da ideia, qual era o objetivo, qual era a missão do

Mundo Prateado?

E03: O objetivo era falar sobre, falar de um jeito delicado, porque se você falasse

assim: “Ah, eu quero falar sobre o problema da dificuldade de cuidar do idoso”,

ninguém quer saber e não adianta, você tem que reformular a frase. É resgatar o

respeito ao idoso, é falar do cuidado, da vida ativa e coisa e tal.

O que eu queria era levantar questões, tipo assim: Você é um cuidador familiar, como

que é, é tudo com você? As relações familiares com seus irmãos, elas se

desgastaram por causa do cuidado com o idoso? Você se sente culpado porque você

mora em Niterói e seu pai mora na Barra e você não consegue vê-lo uma vez por

mês? Você gera muita angústia você ter quarenta anos, filhos de dez anos e não ter

dinheiro e nem tempo pra cuidar do seu pai que você sabe que está assim?

Seu pai tem condições de morar sozinho?

A resposta é não ou sim; sim se tiver um sistema de câmeras, sim se eu puder

compartilhar cuidadoras com a vizinhança.

165

Então era levantar estas questões, era fazer as pessoas pensarem que não adianta

botar o problema debaixo do tapete porque o custo pra família de não querer trazer

pra si a responsabilidade do cuidado é um custo altíssimo, lá na frente esta culpa vai

estourar e se transformar em doença, em relações... e sozinha fazer isto é muito

pesado.

Eu só consegui fazer isso a distância porque eu consegui formar uma rede, onde

tem coisas que eu não consigo transferir; por exemplo, a gestão desta rede eu não

posso transferir pra ninguém, sou eu que tenho que dizer que a menina que vai tocar

acordeão pra Nenê no sábado, ela precisa falar com a fonoaudióloga, são uma

porção de cosias que eu que preciso fazer, mas é diferente porque eu não estou só.

Se eu faltar, vai fazer muita falta, mas era pior se eu faltasse e não tivesse mais

ninguém do meu lado.

Eu consegui convence-la a sair da casa do meu pai, que era uma casa grande, longe

da praia, aluguei um apartamento onde tem duas primas que moram lá, eu combino

com as filhas das minhas primas de dez anos de idade, todo aniversário de boneca

é pra fazer lá na casa de Nenê, então tem um fundo lá pra festa.

Porque, além do mais, Nenê era uma empregada doméstica, é uma pessoa que

nunca aprendeu a ler porque tinha problema de dislexia; então, a solidão dela tende

a ser maior do que de qualquer idoso. Quando, por exemplo, quando eu estou lá, eu

chamo amigas e mães delas pra irem lá em casa, faço um café, mas se eu não for,

as mães delas não vão.

Aí você diz: não é preconceito? Não, é falta de assunto mesmo, o que que uma

mulher de oitenta anos que nunca foi empregada doméstica vai conversar com uma

pessoa de quase noventa e analfabeta, é natural, não é preconceito não.

Fernanda: A sua ideia foi uma Inovação?

E03: Pois é... Como eu sou da área de tecnologia, inovação é um conceito tão mais

estrito. O que eu pensava, eu queria conversar com as pessoas e não sei, por

exemplo, se eu quisesse fazer uma dieta vegana, tinha blogs, fóruns de discussão e

tinha isso tudo, naquela época em 2013. Antes mesmo de Nenê cair não tinha isso

não.

Aí depois, quando eu achei, “se não tiver tudo bem, se ninguém falar, eu falo

sozinha”; aí depois disso eu comecei a ver que tinha alguns blogs, tinha o Portal do

Envelhecimento, tinha dois ou três blogs assim... Mas eles se estruturavam de um

166

jeito que era nitidamente mais profissional, eles tinham propagandas inseridas nos

posts, eles tinham uma equipe, e eu não tinha nada.

Eu comecei a postar, eu mesma; dizia assim... Depois eu conheci a Marisa Tavares

do Longevidade Modo de Usar, quando ela ainda não tinha este blog... Depois eu a

conheci e ela disse: “Ah, eu achei interessante, porque às vezes eu vou fazer alguma

coisa no meu blog e aí vou dar uma olhada nas postagens do Facebook do Mundo

Prateado e eu fico espantada. Por exemplo, você falou deste assunto testamento

vital quatro anos antes de mim e eu sou uma jornalista. Como é que foi isto?”. Eu

digo: “É isso, é que quando você cuida do idoso, aquilo ali é seu espelho, né? Então

você começa a cair naquele mundo e você diz: ‘Eu não quero ficar numa UTI pra dar

lucro ou coisa assim, quero fazer um testamento vital’”.

Então, eu não achava que era inovação não, eu achava que... porque eu tenho este

viés de tecnologia, às vezes as pessoas dizem assim: “Ah, que inovador este

robozinho!”; eu digo: “Não, isso não é inovador, isto é um sistema de telepresença,

não tem um sistema de inteligência artificial embarcada, tem isso pra todo lado já, o

que não tem é mercado”. Qualquer pessoa que queira... Por exemplo, se eu fosse

Abílio Diniz, eu veria aquilo ali e diria: “Ok, então vamos fazer uma pesquisa de

mercado. Vamos concluir que não tem mercado, mas eu vou financiar o uso, porque

eu vou abrir mercado”. Se eu fosse ele eu faria isso [risos]... mas é meu gosto.

Então às vezes a inovação esta no uso, às vezes a inovação tá forma como você

quer abordar. Eu nem poderia dizer que eu defendo que você precisa criar uma rede

social de apoio e fazer isso com inovação. Eu não sei dizer se isso é inovação, mas

eu acho que é um jeito tão natural, que todo mundo vai pensar assim.

Talvez a coisa que possa ser vista como um valor é a trajetória de um cuidador

familiar que transformou a sua experiência, que sistematizou sua experiência, que a

partir dali poderia ter sido um negócio de impacto social. Nem todo cuidador familiar

faz isso. A maioria dos cuidadores familiares ou se queixam, ou brigam com seus

irmãos, ou transferem responsabilidades, ou acabam com suas economias, com sua

saúde; eu conheço vários.

Acho que talvez o valor do social desta minha experiência foi isso, foi mostrar para

as pessoas que você não precisa deixar de viver pra cuidar do seu pai, nem acabar

com seu patrimônio, nem ao sentar e conversar com as pessoas você só ter queixas

a fazer, porque... Nenê é um bom exemplo, Nenê tinha tudo pra – desculpa a palavra,

porque eu vou ficando intima e vou soltando palavrão [risos] –, Nenê tinha tudo pra

167

ter se fudido [sic]. Claro, ela tinha tudo e eu tinha tudo pra dizer: “Eu faço isso porque

é minha formação, meus valores nordestinos são assim. Ela ficou aqui, fez parte da

família e não se coloca uma pessoa da família no asilo”.

Achar aquilo um estorvo, achar que era complicado? Não, eu fiz daquilo uma

oportunidade de aprendizado e hoje eu olho e digo assim: “Se não fosse Nenê e se

eu não tivesse este olhar de professor e tudo quisesse transformar num paper ou

numa experiência ou num projeto...”. Nenê rende assuntos, Nenê rendeu pra mim

um aprendizado no mundo que eu só poderia ter feito se eu fosse fazer um

doutorado, que eu não quero mais. Agora eu recuso. Tem gente que fica dizendo

“Marta, sua tese tá pronta”; eu falo: “Gente, eu tenho 65 anos, sou aposentada da

Universidade, que que eu vou fazer com um título de doutorado?”. Aí dizem: “Você

vai fazer palestra”; mas eu não preciso disso, tem palestra que aceita pessoas que

tem títulos em outra área e fala de experiências.

Em três anos, eu brinco, eu tive nos principais palcos de longevidade aqui no Brasil;

eu tive Kalache prefaciando livro de uma pessoa que nem era especialista, não sou

da área de saúde, né; qualquer coisa que eu falar: “Kalache, vamos fazer assim

neste sentido” – principalmente se for no mundo da tecnologia –, ele topa, ele tem

respeito pela experiência, entendeu?

E ele sabe que eu tenho este olhar. Kalache não é um empresário, ele é também um

acadêmico. Como ele sabe que eu tenho esse viés ele acha que... Porque as

pessoas do mundo dos negócios, elas me olham... O Sérgio Duque Estrada que é

do Aging – você conhece aí em São Paulo –, Sérgio é embaixador do Aging. Sérgio

olha pra mim e diz assim: “Ah que pena que você não tem o perfil empreendedor”.

Eu digo: “Eu não lamento não, porque se for preciso eu terei perfil empreendedor. O

perfil não é uma dádiva divina, você pode desenvolver”.

Mas acho que tem espaço pra todo mundo, tem espaço pra alguém que vai fazer

coisas que não geram valor financeiro. Eu gosto da abordagem do Yunus, gosto da

abordagem dele, e a primeira vez que eu vi aquela palestra, eu disse: “Bom, eu nem

chamaria de negócio de impacto social, todo negócio tem um impacto social”.

Acho que isto é uma maneira... O ser humano sempre procura reclassificações,

porque ele gosta de se vê melhor do que o outro. “Ah eu faço um negócio, mas eu

não vendo empada, eu vendo uma coisa que é um valor pessoal”. Eu não gosto

168

muito desta terminologia de negócio social não, acho que é... Qual negócio que não

é?

Gera impacto, ruim ou não, pra sociedade. Acho que é um discurso meio

envergonhado, é como se o Brasil – aqui no Brasil teve muito impacto isto aí – eu

não sou desta área, mas tenho um amigo que me diz o seguinte: “O país que mais

prosperou as ONGs, o modelo de ONG e tem uma controvérsia muito grande porque

diz que ONG que gera emprego, que gera escala, é as grandes organizações, não

são as pequenas”. Mas é como se o brasileiro não quisesse admitir que a gente

precisa de dinheiro pra viver. Tá, dinheiro. Vamos trabalhar e ganhar dinheiro, vamos

deixar de ser pobres? Não, brasileiro ele romantiza a pobreza e gosta de pensar que

a gente vai atingir uma estabilidade social e que todo mundo vai ter uma vida digna

sem o suporte financeiro, e não da pra ser assim; por isso que eu não gosto muito

deste termo de Negócios Sociais não.

Eu gosto de negócios, o que que você está fazendo? Tô fazendo negócios no mundo

da longevidade. Longevidade é uma coisa que eu concedo, porque quando você diz

meu negócio é velhice, aí você vai, você segmenta o mercado e você diz: “Eu estou

nesta área cascuda de desenhar produto e serviço ainda não desenhado e de muita

utilidade”, porque é como se a pessoa estivesse... Você não fala o negócio da

doença, fala o negócio da saúde.

Então, não sei sinceramente se isso é um posicionamento de marketing ou se isso

muda as coisas, mas no fundo são negócios da longevidade. A gente tá fazendo

negócios, porque eles têm que ser sustentáveis, são lucrativos; quem fica com esse

lucro não importa, mas alguém vai ficar com esse lucro financeiro.

Fernanda: Como sua iniciativa gera transformação social?

E03: Aquilo que eu chamo do ecossistema do idoso. Porque tem a geração

sanduiche que é a geração que se prejudica, o velho não vive só, tem todo o sistema

de... Os médicos tem que se reposicionar, os médicos tem que aprender a se

relacionar de uma forma diferente com os cuidadores familiares; as empresas serão

forçadas a ouvir, porque senão quem cuida do velho vai procurar as suas próprias

soluções; então é um mundo. O idoso é um ator, mas tem todo um ecossistema.

Pode sair inovações e tremendas inovações, quem souber juntar e tenha esse perfil

de juntar tecnologia com o novo uso da tecnologia para estas coisas aí é fantástico.

169

E são coisas simples. Eu passei um mês no Japão e eu não posso dizer a Nenê que

eu viajo, que saio do Rio, porque ela fica muito ansiosa. Então, como ela não lê, ela

não sabe me rastrear na internet. Eu queria – porque se eu sair daqui e ver um

cachorro com guarda chuva e capa de chuva eu faço uma foto e mando pra ela, ela

acha isso uma maravilha. Então eu não queria ficar filmando as coisas que eu tivesse

vendo lá, mas eu queria fazer uma foto quando chegasse no hotel às 20h era 8h da

manhã em João Pessoa; eu queria dizer assim: “Olha só, Nenê, eu vim aqui neste

palácio”, não ia dizer que era no Japão, “é um palácio que é todo de madeira, veja

como é interessante. Aqui viviam os samurais”. Pra ela a história já estava boa, então

eu queria um álbum falado. Eu queria legendar com som uma foto, pensei que era

simples, né. Eu programei internet nos anos 70, esses meninos agora devem fazer

tudo; e não tem.

Achei um aplicativo horroroso, complicado e, pra você fazer isso que eu tô dizendo

que não devia levar mais que dois minutos, leva uma vida. E quando eu vou

conversar com os meninos que estão fazendo robô, eu digo: “Vem cá, vocês podem

fazer, além disso, fazer um álbum falado, não?”.

Tudo simples, mas porque não saí? Por que quem usa... É o seguinte, é como se

todo cuidador familiar, 100% dele, não fosse familiarizado com tecnologia; e, de

repente, eu penso que pode ser isso mesmo, porque a faixa etária do cuidador

familiar é essa daí. O cara que tá segurando a onda de um pai com Alzheimer deve

ter mais de cinquenta anos, no máximo a idade que eu tenho, mas nem todo mundo

estudou computação na década de 70.

Pra mim isso é fácil, mas pra alguém que fez medicina ou qualquer outra coisa e só

recentemente entrou de cara neste mundo da comunicação, às vezes a pessoa não

tem essa facilidade. Então, acho que este mundo, o impacto dele é social não é por

causa do objeto do negócio, mas por causa das transformações e dos filhotes de

inovação que podem sair a partir daí.

É um mundo onde tem muita coisa pra ser feita e tem espaço não só em qualidade

como também em quantidade, não é só que começaram a aparecer os problemas

da velhice, temos mil velhos no país... Não, começaram a aparecer os problemas da

velhice e são muitos os velhos. Então, é um bando de usuário, pra não chamar de

cliente, porque o negócio social nem pode se chamar de cliente.

170

E aí, o que eu vejo aqui no Brasil é uma síndrome... É uma coisa que a gente vê no

político, todo político diz, sabe direitinho o que deve fazer pra este país, ele tem a

lista do que fazer.

Agora o “como” ninguém gosta, né? Acho que esta discussão do envelhecimento

populacional aqui no Brasil – é assim, toda discussão começa: “somos não sei

quantos milhões de idosos... Daqui alguns anos... enfim, aquilo que falei no começo

da palestra –, esta coisa é um chavão repetido em todo canto, né? Aí fico pensado:

“Tá bom, a gente já sabe que envelheceu e que temos um problema pela frente.

Vamos agora nos dividir e cada um fala sobre uma coisa, sobre algo que precise de

solução”. É como se as pessoas gostassem muito de falar sobre o envelhecimento,

mas muito pouco sobre as soluções que este envelhecimento vai demandar.

Fernanda: Minha pergunta de pesquisa é exatamente este “Como”. [risos]

E03: E o como, ele ficou na mão de cada pessoa que tem o seu problema pra

resolver. Por exemplo, eu preciso ir para João Pessoa três ou quatro vezes por ano,

pois minha presença lá é importante. Eu tenho uma parceria com as cuidadoras, elas

se sentem parte de uma equipe, elas sabem que são. Eu consegui fazer com que

Nenê fosse uma bandeira que todos nós seguramos e elas se preocupam; por

exemplo, na época que faltou gasolina agora, elas deram um jeito de conseguir

carona pra irem ao trabalho. Eu tava lá na UTI, meu neto na UTI Neonatal e eu só

recebi informações de uma solução que tinha sido feita.

Eu preciso ir lá quatro vezes por ano, no mínimo, pra fazer meu trabalho de gestão

dessa rede, esta rede tem que ser alimentada com minha presença. Agora, tem

outras situações que eu precisaria ir, eu tenho um custo alto de passagem quando

Nenê tinha algum problema e eu tinha que ir pra um médico novo; um médico novo

é um exemplo típico. Eu não sei se você chegou a ver o vídeo de uma consulta

médica dela com robôs.

Fernanda: Vi , eu vi, você pode ir virtualmente.

E03: Isso, aquilo ali era uma consulta vital pra Nenê. Aquele médico, que eu não

conhecia, ele tinha pedido uma biópsia de tireoide, achava que Nenê estava com

câncer de tireoide e eu tinha que, era um caso típico, eu tinha que ir lá. E João

Pessoa é o destino do Nordeste mais caro que tem, economizei mil reais. Então

171

aquilo ali é o “como”, como você vai baratear. E eu pego o pior caso que é assim,

cuidar a distância, que é muito mais caro.

E aí, é isso que eu digo, fica pra cada pessoa, cada pessoa fica responsável por

desenhar sua solução, ou com tecnologia ou sem tecnologia e aí precisa de... É o

que eu digo, a gente precisa se encontrar; quem precisa dos serviços precisa se

encontrar e, principalmente, precisa encontrar quem quer fazer disso um negócio.

Fernanda: Seu negócio atende quais demandas, o Mundo Prateado vai ao

encontro de quais necessidades da população envelhecida?

E03: Existia muito a necessidade de falar sobre o problema, era necessidade da

comunicação sobre, então esta foi a primeira ideia, se eu começo a falar eu consigo

achar minha turma.

E quem é minha turma? É a turma que acha que a velhice tem que ser cuidada, ou

pelo filho, ou pelo amigo, ou pelo cuidador, mas a velhice tem que ser cuidada. Então

acho que vai ao encontro desta necessidade de você ter a consciência de que a

velhice é um problema que precisa ser resolvido e não vai ser resolvido por um só.

Então, é isso aí, era minha visão de que era preciso criar uma rede de cuidados.

Esta rede existia; naquela palestra, eu dizia que ela existia quando eu era criança,

ela ia se formando; os netos tinham que dedicar tempo conversando com avô, a

vizinha tinha que bater duas horas de papo com o velho; o velho era uma coisa que

todo mundo achava que tinha mais ou menos responsabilidade, mas achava que

tinha. Isto hoje se perdeu, se perdeu em detrimento, em razão deste gosto pela

privacidade, esta família nuclear de pai e mãe e dois filhos viverem isolados num

apartamento sem conhecer ninguém. Isso só funciona quando se é jovem, saudável

e tem dinheiro. Se faltar alguma destas coisas, você tá lascado [sic].

A configuração da família foi mudando, é muito difícil. Hoje eu leio coisas assim que

eu simpatizo muito, pois eu vi muito lá em João Pessoa. Meus tios, que eram casados

com tias, eles compravam um terreno, faziam sua casa na fase da vida onde os filhos

já iam ficar adolescentes e os pais começavam a envelhecer e, neste mesmo terreno,

eles faziam uma casa pra um pai. Na minha família tinha três ou quatro exemplos

disto aí.

Aí eu fico pensando, hoje se eu quisesse diminuir minha estrutura aqui e ficar perto

de um filho, como é que eu ia fazer? Minha filha mora em Pinheiros, num

172

apartamento de dois quartos que agora eu fico pensando assim, “Bruna esse

apartamento não cabe seu filho, tem que ir para um maior [risos]”. Agora imagina se

ela tivesse que enfiar ali dentro uma mãe com problemas da velhice, não tinha

condições [risos]... Então brinco com minha filha que mora em Brasília, esta que é

antropóloga e mora em Brasília... O jeito de viver é completamente diferente, é um

terreno com um riacho que passa na frente. Eu digo pra Priscila: “Priscila, eu acho

que vou fazer minha time house aí na sua casa [risos]... Eu mudo; hora eu fico

olhando pro terreno, hora eu pego a cadeira com rodinhas e vou passear no

condomínio” [risos].

Mas, é isso aí... Acho que a configuração arquitetônica das grandes cidades, ela

dificulta; aqui na Gávea, eu moro na Gávea e conheço várias pessoas, e tem uma

senhora que conheci através do blog, porque ia lá me aproximava, dizia que cuidava

de uma pessoa idosa e coisa e tal. Então, no blog tem Maria Elisa Carrasone, que

eu conheci deste jeito, uma velhinha que passava aqui na Gávea e eu pensava:

“Nossa, como essa velha é bonita, elegante”. Fui eu lá falar com ela.

Ela tinha sido diretora do museu Belas Artes, dos 70 aos 80 tomou conta de uma

irmã que tinha mal de Parkinson. De vez em quando, ela me convida e a gente vai

tomar um café, mas agora ultimamente ela está presa num apartamento, não pode

sair porque o nível de segurança baixou e, depois, ela tem 88 anos. Ela já começou

a dizer que não consegue mais ver os buracos da calçada. Eu fico pensando...

pensando assim... acho que vou ter que parar de trabalhar. No momento eu estou

na Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas eu vou parar de trabalhar porque eu vou

aqui pra associação de moradores da Gávea e eu vou propor o seguinte: “Vamos

fazer um projeto, um pilotinho que é a calçada da Maria Elisa?”. Porque são duzentos

metros de calçadas, que vão sair da porta do prédio dela e vão chegar no mercado,

e esta calçada é de Maria Elisa e dos bebês, porque os carrinhos têm hora que não

passa.

Eu fico pensando, é um pilotinho, se você faz 100 metros de calçadas de repente

você inspira, aí você diz: isso é inovação? Claro que não é inovação, você vai pra...

Um período que eu vivi na Dinamarca, vendo como os velhos vivem lá, tem todas as

calçadas, todas são pra velhos e pra... Isso é querer fazer.

Eu agora na Secretaria, eu digo pra eles que só fico lá porque eles têm um projeto

de cidades inteligentes e perereparara [sic] e é um monte de gente com 40 anos e

173

eu digo que, na minha opinião, uma cidade inteligente é uma cidade que é inteligente

pra todo mundo. Cadê os velhos aí?

Então os velhos, eu digo, a Secretaria de Ciência e Tecnologia é um vetor de

transformação social e de soluções de problemas pra esta área. Agora, é um Estado

falido; mas, pelo menos, a gente escreve, bota no papel e uma hora quando tiver

dinheiro alguém chega e diz: “Olha aqui o como”.

Fernanda: A iniciativa do Mundo Prateado pode ser replicada por outros?

E03: Claro, perfeitamente possível. Agora vou dizer algo que é extremamente

[risos]... extremamente engraçado. Eu falo, quando, mês passado eu disse o Mundo

Prateado pode encerrar suas atividades, porque agora não preciso fazer mais o que

faço, porque tem gente que está fazendo isso da melhor forma, sabe quem está

fazendo isso? O Abílio Diniz. Ele tem aquela plataforma, a Plenae, que ele lançou

com pompas e circunstancias aí.

Ela foi lançada em São Paulo agora em maio, o mais simplesinho que estava lá era

o Kalache. Então o cara é velho, tem dinheiro, quer dizer como é que quer

envelhecer, acabou.

Eu disse pra minha amiga, olha Mundo Prateado não precisa mais de mim e agora

o que precisa existir? Precisa existir alguém que fique dizendo: “Olha, meu tema é

tecnologia e envelhecimento, alguém quer trabalhar com isso aí?”.

Não vou começar fazendo outra vez um portal, mas eu acho que dizer: “Eu faço

consultoria em tecnologia e envelhecimento. Precisa de alguma opinião? Precisa

entender qual é a necessidade do usuário e como ela pode ser atendida usando

tecnologia? Fale comigo, eu nem vou cobrar caro”.

Fernanda: Estes então são os objetivos pro futuro?

E03: São meus planos pra este ano. Ontem conversei com Maristela e disse que, se

ela quiser continuar com portal, tudo bem, eu colaboro e coisa e tal, mas eu preciso

me desligar pra ter tempo de pensar nesta outra coisa; “Pode tocar o Mundo

Prateado, se quiser me tirar, mudar a linha editorial...”.

Pois ela se queixa muito que o tema é muito árido, que ela gostaria de falar sobre a

velhice com mais leveza, eu digo: “Você pode mudar a linha editorial a hora que você

quiser, pode ficar com nome – porque o Mundo Prateado é o registro da marca no

174

INPI, que é no meu nome, posso transferir pra ela... – e as ideias”. Eu não quero que

feche; se ela puder tocar pra frente, é ótimo, continua tocando sobre o tema. Quer

conversar sobre coisas mais leves e alegres? Ótimo, tem espaço pra tudo. Se ela

quiser dar uma configuração de negócios...

O que eu digo pra ela é o seguinte: eu tenho pouco tempo, tenho 65 e minha saúde

é uma porcaria; então, eu quero insistir neste ponto, em como tornar, como escalar

o cuidado, como é que eu vou fazer; porque este modelo tradicional, de um cuidador

pra um idoso, esse modelo não é viável financeiramente num país pobre, porque não

dá. Pra cada idoso um cuidador, não dá. Que que vai acontecer? Alguns ficarão sem

cuidado, não é sustentável. Então eu quero... Eu não sei como eu vou fazer isso,

mas eu vou fazer, porque também eu não sabia quando comecei o Mundo Prateado;

eu dizia: “Eu quero falar sobre o tema”. Agora eu digo: “Eu quero retomar, entender,

falar, fazer esta pergunta e chamar pessoas pra dizer: vamos pensar no como?

Como vamos baratear o cuidado?”.

175

Fernanda: A inquietação é o mais importante.

E03: Eu até falei com Maristela, acho que chegou a hora de eu não ter mais um

contrato formal de trabalho; termina as eleições, eu não tenho vinculação política, eu

tô como técnica, então certamente virá outro secretário e encerra. Tô pensando em

ter uma casa em São Paulo. Aliás, eu tenho uma, mas esta alugada [risos]... Vou

trocar o flat que tenho e ficar ali.

Engraçado, ali em Pinheiros eu vi tanta gente que trabalha com esse negócio. Tem

o Impact Hub; tem a, o pessoal do Lab 60+ está ali atrás; tem um outro menino que

é de tecnologia e fica me chamando... Pensei: “Vou trabalhar um pouco em São

Paulo”. São Paulo eu acho que tá mais aberto, porque o Rio tem essa narrativa, aqui

é uma cidade da juventude, da praia, do esporte. Tem uma narrativa aqui de que nós

somos jovens, qualquer pessoa de sessenta e cinco anos aqui parece ter trinta e

cinco; quando se vira, você não sabe mais a idade por causa da cirurgia plástica,

mas...

Eu acho que tem 90% de chance... Eu só preciso dizer que não quero mais contrato

de trabalho com ninguém, que vou enveredar por este mundo aí da consultoria. É

fácil fazer isso, porque quando você tem custo fixo pra pagar e não tem dinheiro pra

cobrir este custo fixo não dá pra ser consultor.

Internet faz parte da minha vida, a coisa que eu quero é sempre nesse mundo, aí as

pessoas dizem: “Ah, mais tecnologia; você gosta de programar?”. Eu digo: “Não, eu

gosto de tecnologia da informação”. Eu gosto de uso, se você me mandar fazer um

aplicativo eu vou ficar arrepiada, porque eu não quero mais sentar e aprender a

desenvolver aplicativo.

Esta fase é uma fase fácil, porque quando a pessoa se propõe a fazer um negócio,

aí tem uma carga de estresse, de pressão, que eu não tenho. Eu vou pra isso como

eu sempre fui pra vida, eu vou estudar. Só precisa achar a turma; “Ah, você tá

fazendo negócios de Impacto Social no mundo da Longevidade? Beleza!”, “Ah, eu

tô fazendo plataforma de ensino. Ah, não. Isso aí é bom, é importante, mas não é

disto que eu quero falar”. Eu quero falar de escalar o acesso ao cuidado barateando

este acesso através da tecnologia. Como diz meu marido, isso é quase uma política

pública [risos].

Quando se fala em escalar, se pensa em tecnologia, nem que seja tecnologia social,

que é mais difícil. Pra mim, por exemplo, eu gosto muito de, daquele projeto Vilage

176

to Vilage que eu fico sempre. É uma coisa que eu concordo inteiramente, a base

daquilo aí... eles dizem que... aquele ditado que diz que é preciso uma vila pra criar

uma criança. Então eu pensei: não é só pra criar uma criança, pra criar um idoso

também.

E este Vilage to Vilage é uma iniciativa que acho fantástica , porque eu detesto a

ideia de você criar condomínios de idoso, eu chamo campo de concentração. Eu não

quero ir pra um deles, nem que seja naqueles da Florida com aquelas super casas.

Eu quero ficar aqui na Gávea, eu quero poder ir a padaria, eu quero ver gente nova,

eu quero ver criança, eu quero estar inserida na sociedade, eu quero que este

ambiente contribua para meu bem estar e quero poder contribuir de alguma maneira.

Eles fazem isso, eles criam associações sem fins lucrativos que vai gerindo esta vida

comunitária de apoio ao idoso. Isto é difícil no Brasil, porque a gente não tem uma

tradição de trabalho voluntário. Quando eu vejo... Por exemplo, eu fui a Nova York e

lá no Brooklyn muitos idosos que não saem dos seus apartamentos, porque não

podem mais descer. A comida chega lá, o médico chega lá e todo dia uma pessoa

diferente que vai fazer a comida, pois é um aluno da universidade que tem duas

horas por dia pra fazer um trabalho voluntário.

Outra coisa que eu fico com maior vontade de fazer é o problema da solidão, que

não precisa ser desse jeito. Todo velho é grudado numa televisão, aquilo podia ser

o parque, o bar que ele vai pra conversar, a sala de visita do amigo, não precisa ser

desse jeito. Tem tecnologia pra isso, o que não tem... Eu até pensei nisso, porque

tenho um aluno que desenvolveu uma caixinha, essa como da NET, pra canais e,

como era da universidade, ela venceu pro Programa Bolsa Família e distribuiu com

as famílias de baixa renda. É uma caixinha como se fosse a internet, a NET dos

pobres, a Netflix dos pobres, eles ganham aquela caixinha e usam. Não deu certo

porque sabe como são estes programas sociais do governo... Mas eu falei com ele:

“Vamos fazer o Netflix do Mundo Prateado, porque não precisa muita programação,

porque velho não quer muita variedade, ele quer ver sempre a mesma coisa”.

Eu sempre dizia que se Nenê tivesse um controle remoto que saísse do programa e

eu aparecesse na televisão do mesmo jeito estava uma maravilha, tem tecnologia

pra isso, mas precisa de alguém com perfil de negócio pra fazer acordos, articular.

Fernanda: Obrigada, Marta. Foi um prazer.

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E03: Fernanda, fico feliz, fico feliz você estudando isso. Quando for a São Paulo,

vamos marcar um encontro.

Fernanda: Com certeza! Obrigada

178

179

APÊNDICE E

Transcrição entrevista 04 - Negócio de Impacto Social voltado para pesquisa

de mercado, marketing, processos de inovação e consultoria de projetos para

o target 60+

Fernanda: Gabi, qual a missão, qual a proposta do seu negócio?

E04: Raízes é a empresa que, na verdade, junta um pouquinho todo o meu histórico

profissional e todos os meus novos conhecimentos. Então, Raízes, tem até um

textinho na primeira página que fala que Raízes é múltipla, ampla e diversa, profunda

em tudo que faz... e acho que busca um pouquinho de multiplicidade de coisas e que

o principal objetivo hoje de Raízes é oferecer uma assessoria, uma consultoria de

marketing e negócios para as empresas que querem mergulhar no target 60+. Seja

para desenvolver produtos e serviços, seja pra adaptar produtos e serviços que já

existem a este target.

Então eu levo esse know how, este conhecimento, tanto de pesquisa de mercado,

que eu trabalho de pesquisa há mais de 22 anos; inovação; processos de inovação,

baseado em design thinking, em teoria do U, estas técnicas todas. Trabalho com isso

há mais de dez anos e o mestrado em gerontologia que abriu esta porta pro target

pra mim. Então juntando estas coisas eu consigo oferecer esta consultoria, este

serviço através de Raízes.

Dentro de Raízes tem também... Eu sou uma pessoa muito inquieta, cheia de ideias

e projetos, então por isso que eu gosto muito deste nome Raízes, que eu acho que

Raízes tem esta multiplicidade de oferecer coisas, né. Então tem um outro projeto

dentro de Raízes que se chama Histórias Contadas, que eu chamo de cerejinha do

bolo, porque ele é um projeto de escrita biográfica sobre vidas de pessoas idosas ou

não e famílias.

Então eu ofereço o Histórias Contadas tanto pra pessoas físicas, pra escrever um

livro biográfico sobre a vida de idosos ou das famílias, ou vendo também para

empresas para escrever sobre a trajetória da marca, de executivos, trajetória da

própria empresa; e é incrível. A gente já está escrevendo o terceiro livro em Histórias

Contadas, neste projeto. É incrível como este projeto é transformador, seja pra dar

voz aos idosos, seja pra valorizar esta trajetória, esta vivência, esta experiência

180

quanto também é um trabalho de autoconhecimento, de revisão desta trajetória pro

próprio idoso. Então a gente criou este projeto muito pensando: “Poxa vamos deixar

isso registrado para as próximas gerações e tal, deixar esta herança desta história,

deste percurso vivido”. Mas, nossa, os ganhos pro próprio entrevistado são

riquíssimos assim. Eles se sentem extremamente valorizados, isto traz uma

atividade maior, uma empolgação pra vida mesmo, parece até que dá mais sentido

pra vida, sabe?

Estar engajado, ter um propósito, é muito importante. Quando ele conta a história

parece que a vida começa a fazer mais sentido, sabe?, do porquê que eu tô aqui,

olha o que eu construí. Então este projeto, Histórias Contadas, é lindo mesmo. Além

do que pra mim, pra gente que faz o trabalho, é extremamente enriquecedor, porque

na história do outro você também encontra a sua. E ali você aprende, você também

se transforma, então são estas duas frentes em Raízes, que é o projeto Histórias

Contadas e o projeto de consultoria.

Fernanda: Como nasceu a ideia do Raízes e História Contada?

E03: Foi um parto, o mais difícil de todos os três partos que eu tive [risos]. Nasceu

no mestrado de gerontologia, é... na verdade, nasceu um pouco antes, enquanto eu

trabalhava com pesquisa de mercado em instituto de pesquisas, dentro das

empresas e tal. Eu percebia e me intrigava muito, era questão de piada até, a gente

fazia piada disto... que os questionários de pesquisa, eles entrevistam pessoas de

até 50 anos. No questionário tem lá a pergunta: “Você tem 50 anos ou mais?

Encerre”. É sempre assim e a gente brincava nos institutos: “Olha, daqui a pouco

você já tá fora”. É muito curto esta linha de corte.

Fernanda: E isto ocorre na maioria das pesquisas?

E04: Isso acontece em 90 e tantos por cento das pesquisas, né? E isso sempre me

intrigou.

Eu também sempre tive uma conexão, não sei se é por conta da curiosidade em

relação ao envelhecimento, a morte que a gente tem, eu tenho uma sensibilidade e

um ouvido, sempre gostei de ouvir a história de idosos da família.

Então tudo isso me aproximou, me aproxima deste target.

Já tinha estes pontos. Quando eu engravidei do meu segundo filho, depois de 11

anos do primeiro, aí eu saí da empresa e eu falei: “Tô grávida, eu vou fazer alguma

181

outra coisa”. Como se gerir um filho já não fosse trabalho de mais [risos]. Vou então

fazer o mestrado, que eu sempre quis; e comecei a procurar cursos na área de

marketing, comunicação, que eram as minhas áreas de atuação profissional. Aí eu

achei este curso, pois, como eu não ia sair de São Paulo, eu pensei em limitar meu

mestrado em São Paulo; olhei as faculdades que me interessavam aqui em São

Paulo, o que elas tinham pra oferecer.

Achei este curso, aqui. Na hora que eu olhei, eu falei: “Não gente, não acredito que

tem um curso deste!”. Gerontologia Social, não é Gerontologia voltada pra área da

saúde, que a maioria dos cursos são voltados pra área da saúde. Quando eu olhei

esse da Gerontologia Social eu falei: “Vai dar pra eu aprender muito aqui sobre este

target”. E vim fazer o mestrado. Fiquei dois anos fazendo; tive mais um filho no meio

do caminho, como eu tinha te contado, e, dentro deste mestrado, eu fui ligando estes

pauzinhos da minha vida, estes conhecimentos da minha vida; então eu fui criando

Raízes.

Então, eu fui vendo quanto que a pesquisa, que era meu know how, minha expertise

profissional poderia ser um super instrumento de conhecimento deste target, que as

empresas pouquíssimo conhecem. O processo de inovação também trabalho há dez

anos, venho fazendo estas oficinas de inovação – que é assim que eu chamo o

produto –, também é um super instrumento nesta consultoria; ir junto com as

empresas tentar descobrir as melhores formas de fazer o idoso estar mais inserido

no mercado de consumo, poder fazer mais parte deste mercado, poder atuar melhor

neste mercado com produtos e serviços que melhor atendam estas pessoas desta

idade com necessidades específicas, sim. Tem necessidades específicas, sim.

Então, a coisa veio construindo e hoje quando eu falo que eu tenho esta consultoria.

Pra mim é obvio, é como se ela sempre tivesse existido [risos].

Fernanda: É como um filho, ela... houve uma gestação e nasceu.

E04: Sim, e parece que tudo que eu fiz até aqui, eu venho fazendo, foi pra hoje eu

ter o know how de oferecer este, isto desta forma. Então foi isso, mas acho que o

mestrado foi o grande impulsionador desta empresa e do projeto Histórias Contadas

também.

182

Fernanda: Seu negócio atende a quais demandas e necessidades desta

população envelhecida?

E04: Até escrevi um texto que fala sobre isso, que vai sair num evento da ESPM. Ah,

tem também um no blog do Portal do Envelhecimento, um último texto que eu botei

lá fala sobre isso, é um blog de mercado de consumo pra terceira idade. O que eu

falo é exatamente isso, tem muitas empresas que nem sabem da inversão da

pirâmide nos próximos anos. Por outro lado, tem empresas que, sim; que já estão aí

trabalhando e tal. As empresas que mais estão atuando são empresas da área da

saúde, do turismo, do entretenimento, alguma da alimentação, alguma empresa

também de estética e tal.

Por que que estas empresas? Porque, o que existe... A gente tem um sistema de

mercado do ser jovem, a gente vive numa sociedade onde o ser jovem é o que a

gente tem que ser, porque o Brasil era um país jovem, era quem tinha dinheiro, era

quem comprava, era quem consumia. Então o mercado de consumo, ele foi

sistematizado dentro desta lógica, eu vou criar meu consumo pra quem consome,

onde tá o dinheiro.

Na hora que começa a ter uma pirâmide que tá invertendo, o seu dinheiro deixa de

estar ali dentro só dos jovens, então pra isso que as empresas têm que olhar. E aí,

qual que é o primeiro movimento que eu vejo que as empresas estão fazendo e por

isso que são estas indústrias que são as primeiras que estão abraçando a causa

idosa. Porque o padrão é pegar os idosos, pegar os velhos que estão aí

envelhecendo com mais saúde, mais disposição, com mais vontade de participar,

vivendo mais tempo, com mais qualidade de vida neste tempo e também se

transformando como consumidores, uma vez a que a vida deles tem mais vida.

Então a indústria tem as comunicações, as mídias, o discurso médico; então eles

pegam estes idosos, inserem estes idosos neste sistema do ser jovem. “Então tá,

temos novos consumidores, só que estes novos consumidores têm agora 70, 80

anos. Ok, então vamos trazer eles pra este sistema de ser jovem”. Então, você vê

um monte de comunicação, um monte de abordagem na mídia, de redes sociais e

tal que supervaloriza essa coisa do velho que salta de paraquedas, a velha que

dança não sei aonde lindamente, a velha que se veste como uma garotinha de 30

anos... Então uma supervalorização destes idosos que conseguem reproduzir o jeito

jovem de viver. Sendo que a gente olha pra nossa volta e os velhos que estão a

183

nossa volta a gente chama de múltiplas velhices, a heterogeneidade da velhice, não

existe uma única forma de ser idoso, de ser velho.

Eu acho que... Essa dinâmica que o mercado está construindo, eu acho que é muito

burra, eu acho que é burra, é limitada, porque, agindo assim, você como indústria,

você consegue falar só com uma parcela destes múltiplos idosos. E os outros que

não se identificam com este jeito jovem de ser? Eles não se identificam por isso, eles

não são alcançados por esta comunicação, eles não encontram um lugar pra eles

neste mercado. E o que as empresas conseguem com isso é perder consumidor e

não ganhar consumidor, incluir consumidor nos seus negócios. Então acho que a

proposta é: vamos conhecer esta multiplicidade de velhice pra gente poder atender

estas demandas diferenciadas ao máximo. Deixando de ter este único discursinho

de ser jovem como um único modelo de falar e incluir a terceira idade.

Então, acho que, Histórias Contadas, ele vem dar ouvidos pra terceira idade, acho

que ele abre uma porta, um espaço; dá uma importância pra essa histórias, pra essa

fala, pra essa voz da terceira idade. E isso, como eu falei pra você anteriormente no

começo da gravação, isto é transformador, porque dá um empoderamento – não

gosto muito desta palavra [risos], mas acho que pra agora é isso mesmo. O idoso

depois das entrevistas que a gente faz... gente! É incrível, é revigorante de ver.

“Nossa, olha que eu construí e olha o que eu ainda posso construir”. E também mexe

no lugar da família, no lugar deste idoso na família, você traz uma importância pra

ele dentro da família.

Então, você percebe que algumas relações também se transformam, na própria

família, porque as relações são revisitadas, né? Então um filho que agora tá cuidando

muito do pai, a hora que ele lê aquela história e ele vê quanto que o pai cuidou muito

mais dele do que nesses últimos anos que ele vem cuidando do pai.

Eu percebo, ainda não tenho tempo pra te dizer o quanto isso dura [risos], mas num

primeiro momento eu digo que é muito revitalizante, é lindo.

184

Fernanda: Esta é uma das transformações sociais que seu negócio gera?

E04: Esta transformação está dentro da família do idoso: primeiro, o idoso com ele

mesmo; segundo, o idoso com a família. E eu acho que o volume destas histórias

pode trazer um lugar social em que estas histórias vão fazer parte, vão pertencer,

vão começar a existir, a ser contadas. Este exercício de relembrar, este exercício....

e não é fácil, a gente precisa também ter um tato pra trazer estas lembranças. Já

teve idoso que falou: “Não, agora não quero mais”. Mas acho que Histórias Contadas

é isso.

O Raízes é o grande objetivo ajudar as empresas a ter um olhar múltiplo pra estes

idosos, é tentar fazer... Uma vez que o envelhecimento ainda vai acontecer no Brasil

– a gente ainda está se tornando um país velho e eu vou ser, vou fazer parte da

primeira geração [risos] destes idosos, sendo maioria da população –, eu acho que

eu posso contribuir pra que a gente tenha um sistema social mais honesto com a

multiplicidade de velhices, né. Então acho que Raízes vem buscar isso. Uma

honestidade maior em aceitar e incluir as múltiplas velhices existentes. Acho que é

pra gerar possibilidades, porque, se eu quero ser uma vovó que ficou em casa

fazendo bolo e cuidando dos netos, eu tenho que poder ser da melhor forma

possível.

Se quero ser um vovô que fica em casa sentado assistindo todos os programas de

TV que me agradam a tarde, eu tenho que fazer isso da melhor forma possível. Se

eu quero fica sozinha porque eu não quero ter cuidador em casa, eu tenho que ter

todas as condições desta casa e dos meus familiares poderem estar seguros de que

eu posso ficar ali dentro sozinho e de que eu tô amparado, se eu cair eu terei cuidado

logo, entendeu? Eu vou tá seguro de todas as maneiras ali.

Fernanda: Verdade, porque a segurança é pra ele e pra família.

E04: Então eu acho que é pensar em todas estas situações. Eu não tô falando só do

idoso que quer sair e quer ver show de teatro e tal; esse idoso também precisa ter

uma forma de ir e voltar segura, com calçada que dê pra ele andar, com ônibus que

abaixe pra ele pode subir. Eu acho que tem que pensar em todas as velhices

possíveis.

185

Fernanda: De certa forma o que o Raízes acaba fazendo, que você faz, é um

trabalho de conscientização?

E04: Sim, junto às empresas, este é o desejo. A empresa demite, as demissões dos

60 anos... Eu tenho uma amiga que entregou mestrado essa semana, Thaís Araújo,

se você quiser falar com ela. Ela escreveu sobre isso e isso ainda é um fato, a gente

tem estatísticas que nos mostram que as crises de depressão, do que o idoso vai

fazer depois dessa demissão dos sessenta anos é uma das causas mais graves das

depressões, da queda da vitalidade dos 60 +... São as depressões que vem nesta

idade por conta das demissões.

Fernanda: Já ouviu falar da Maturijobs?

E04: Sim, o Morris.

Fernanda: Falei com Morris e ele fala inclusive que pro homem é mais pesado

ainda.

E04: Sim, é como para o homem parar de dirigir; pra mulher não é fácil, mas é mais

fácil do que pro homem. O homem se você tirar a carteira de habilitação é tirar aquela

parte dele, da virilidade, do poder; mexe muito. E o emprego também, pro homem,

porque a gente ainda cria estes homens, ainda está nesta geração em que os

homens são mais feitos pra trabalhar. Então eles ainda sofrem mais com isso.

Por exemplo, em todas as empresas que eu tenho ido, eu acabo indo pra falar do

meu trabalho de pesquisa de mercado, porque são assim que as pessoas dentro das

empresas me conhecem. E aí eu chego lá com essa novidade dos 60+ e aí eu tenho

lá uns quinze slides que eu falo com dados sobre isso e tal. Esse aumento da

população, a grana que estes caras têm, a renda disponível, né... Porque existe

mercado de consumo. E que a gente tá limitado na forma como se está falando.

A empresa fica assim: [BOCA ABERTA]. Juro pra você! As pessoas de marketing de

negócios ficam com dois olhões arregalados pra mim. Primeiro porque a primeira

informação de que a pirâmide vai mudar é novidade pra muitos. Então, as próximas

quinze páginas que eu vou falar, você não imagina o tanto de novidade que eu não

vou falar.

É super novidade, por exemplo, na Vivo, que eu fui falar. Falei pro VP [vice-

presidnete] de marketing, super legal e tararara [sic], aí na hora ele falou: “Pô, a

186

gente tem que pensar também no RH, como estão as empresas”. A pessoa na hora

começa a pensar: “Poxa, e os meus funcionários? O que eu tô fazendo pros meus,

pras pessoas que trabalham aqui?”.

Na minha consultoria, o passo a passo, a primeira parte que é a parte da

investigação, uma das coisas é entrevistar os 60+ de dentro da empresa, a gente

não precisa ir pra fora, a gente tem gente aqui dentro que já é consumidor. Então...

Tem uma primeira etapa que é uma imersão no target que eu chamo e aí tem

pesquisa; tem algumas experiências que eu chamo de “laboratórios de

experiências”, são algumas vivências com target. Então, dependendo da indústria,

eu passo tarefas pras pessoas vivenciarem coisas com o target, pra estar ali, vivendo

aquilo ali junto. Aí uma das coisas é conversar com os 60+, ouvir os 60+ que

trabalham dentro desta empresa.

Fernanda: Seu negócio Inova?

E04: Pesquisa de mercado não é inovador, existe há não sei quantos mil anos [risos].

Oficina de inovação não é inovador, está todo mundo fazendo nos quatro cantos;

agora é design thinking, teoria do U... Está crescendo, mas já tem um monte de gente

fazendo. E consultoria de negócios tem um monte. O que que é inovador? É pegar

tudo isso e pegar pra conhecer os 60+.

Tem acho que mais uma empresa que faz isso também, que é a ERA... minha

concorrente [risos], que é a RAEP 60+, não sei se você já ouviu falar, eles estão

inclusive mais adiantados do que eu [risos], estão fazendo várias coisas, lançaram

relatório de pesquisa há uns três meses atrás , de uma pesquisa que eles fizeram

junto com Maturijobs inclusive. Mas também tão começando assim; mas eles tem

uma equipe maior, eles tem... mas acho que somos nós. E tem um ou outro consultor

que também faz isso, acho que empresa mesmo sou eu e eles.

Fernanda: Então sua iniciativa pode ser replicada por outros?

E04: Já está sendo replicada por outros.

Fernanda: E quais são os objetivos do Raízes para o futuro?

E04: Então, eu acho que tudo isso que a gente tá querendo está sendo tudo tão novo

e tem ainda pouquíssima demanda. Eu falo pra, com as empresas, todo mundo acha

lindo, todo mundo fala: "Uau, que legal!”, chama atenção, e: "Então, vamos lá fazer

187

a oficina que vai acontecer em agosto, então vamos lá contratar uma consultoria,

vamos lá fazer uma pesquisa?”. Não, eles ainda não tem dinheiro pra isso, ainda o

dinheiro esta direcionado até os 50, que é que eles acham que é... Neste texto que

eu te falei do blog, você vai ver, eu fiz uma tabela com os argumentos que eles dão

pra não trabalharem com isso e aí eu contra-argumentei cada um destes

documentos.

Então ainda é novo este espaço dentro das empresas, eles ainda não tiram dinheiro

e botam na mesa pra isso, a não ser algumas empresas especificas e tal. Tem

empresa que já tá focada, que já esta se movimentando, mas é uma minoria. A

grande maioria acha lindo, mas ainda não... Então é difícil pensar em projetos mais

adiante, porque acho que este é um projeto que há dois anos atrás já era bem

adiante.

O que eu busco pra mim, pessoalmente, é ter cada vez mais um know how sobre

este target pra poder contribuir cada vez mais com essa, com essa expertise. E pra

Raízes eu gostaria que ela fosse vista como uma empresa transformadora desta

dinâmica do mercado de consumo, de ser uma das empresas que façam as

empresas olharem pros idosos de forma múltipla. Acho que esta é a grande meta, a

grande busca.

Fernanda: Como sua empresa se financia?

E04: Financiamento próprio, com cara e coragem. Eu tinha me resguardado e aí

chegou o momento.

188

189

APÊNDICE F

Transcrição entrevista 05 - Negócio de Impacto Social voltado para prevenir e

reportar acidentes e auxiliar no pronto atendimento das vítimas idosas.

Fernanda: Fátima, como nasceu a ideia do negócio?

E05: Quando eu me aposentei com 55 anos, hoje eu tenho 62, então eu falei: “Bom...

O que que eu vou fazer?”. Era muito nova para parar de trabalhar e, mesmo porque,

o salário da administração pública não é um salário que te deixa confortável. Como

para qualquer pessoa que se aposenta, não é suficiente, apesar de eu ter

conseguido com recursos jurídicos retomar o valor que eu recebia por direito; porque

o Estado, ele não paga os seus direitos, você tem que entrar no jurídico para

conseguir seus direitos, é triste e enfim. Eu estou em uma situação em que eu

consigo viver sem nenhuma grande extravagância, atende às necessidades, tenho

uma vida normal; mas eu sempre tive vontade de empreender. Então, quando eu me

aposentei e algumas outras amigas tinham se aposentado na época, a gente ficou

pensando no que fazer, as três.

Quando eu estava na área pública, exercendo minha carreira, eu conheci a mãe de

uma amiga e, logo em seguida que eu tinha perdido minha mãe – eu perdi minha

mãe faz 11 anos e logo eu conheci essa senhorinha e ela estava super saudável e

era mãe de uma amiga minha – e ela estava com alguns problemas de ordem

administrativa, com salário dela, com pensão e estas coisas. E ela é uma pessoa

que tem e tinha vários comprometimentos de saúde e ela tinha direito a receber, a

não pagar imposto de renda – você sabe que o idoso, se tiver um problema grave

de saúde, ele não paga imposto de renda.

Ela me pediu isso pra eu fazer: deu um certo problema que fez; quer dizer, hoje em

dia você tem que tomar muito cuidado com quem você contrata, né? E aí um

advogado acabou não fazendo o que deveria fazer e cobrou por isso. Foi um

processo complicado, porque eu também estava na atividade minha profissional e

não poderia estar full time; mas o fato é que ela conseguiu recuperar em torno de

100 mil [reais], conseguiu não pagar mais imposto de renda e isto já tem mais de

sete anos. E ela pagava em torno de 2 mil [reais] por mês; quer dizer, 7 anos vezes

12 dá... Deixa eu fazer os cálculos para você. Eu acho que isso é importante, é

190

importante a gente quantificar as coisas pra saber o impacto do que foi feito, da coisa.

Vamos lá, olha só... Então, eu consegui reverter pra ela, vezes sete anos que eu fiz

isso, então vamos lá... Porque essa senhora ela tinha... Vamos lá, 7x12 = 84x2 =

168 mil [reais] do imposto de renda que ela pagava, ela não está pagando mais; mais

uns 100 mil [reais] que ela recebeu; só nisso foi 268 mil [reais], certo? E aí eu também

consegui pra ela antecipar um dinheiro que ela tinha pra receber de um precatório

dela, mais 60 mil [reais]. E também eu consegui, ela tinha um segundo companheiro

que faleceu fazia uns cinco anos e eu consegui que ela recebesse o salário dele que

era 2 mil [reais]. Até agora são 328 mil [reais], dois mil vezes... Ué, não tô

conseguindo fazer... São 60 meses, 60 meses x 2 mil [reais] são 120 mil [reais];

então, 368 [mil reais] mais 120 mil [reais], eu recuperei pra ela 488 mil [reais], certo?

Então você veja que...

Aí bom, ao longo destes anos, fora todas as coisas que ela quis e precisou fazer eu

fiz pra ela. Aí eu fui aumentando; digamos assim, ela foi aumentando a confiança em

mim e ela foi cada vez mais pedindo coisas e, ao mesmo tempo, ela ia piorando a

sua saúde e eu fui acompanhando tudo isso e fui levando em médico e levando a

questão de médicos. Ela teve três vezes um AVC e eu socorri, porque ela como foi

uma senhorinha bipolar, ela teve a vida muito difícil com os filhos, então a relação

com os filhos é muito difícil e ela tinha esse distanciamento, com exceção de uma

filha, certo? Então, eu fui acompanhando a vida dela até hoje.

Isto tem uns 10 anos, eu perdi a minha mãe tem uns 11 anos e fazia um ano, nós

estamos em que ano? 2018? Foi em 2008 ou 2009, não tenho muita lembrança; mas

foi por aí, 2008 ou 2009, certo? E aí naturalmente a gente transfere um pouco deste

afeto e amor que a gente tem pela mãe, a gente transfere porque ela tinha as

características muito da minha mãe e, obviamente, eu não sou nenhuma criança, né.

Eu sei perfeitamente porque a gente transfere, além de ter uma paciência muito

grande – sempre tive com a pessoa idosa – e compaixão – eu não tenho pena, eu

tenho compaixão, eu tenho uma relação com a pessoa idosa muito saudável, de

empatia porque eu acho que é uma fase da vida que todos nós, se vivermos,

passaremos.

E, aí depois de dois anos depois que eu me formei, eu passei um ano, o primeiro

ano viajando; fui pro Ceará, porque eu sou do Ceará, fui pra outros lugares, viajei

pra outros lugares e, depois de um ano sabático, eu comecei a pensar no que fazer.

191

Neste ínterim, um filho dela me perguntou o que que eu tinha feito para a mãe e eu

fiz um relatório pra ele do que eu tinha feito pra dona Terezinha e quando eu fiz foi

um relatório sucinto de 8 páginas. Quando eu terminei, eu falei: “Está aqui o que eu

vou fazer!”. Foi assim que nasceu a ideia da Filha e Companhia. Pesquisei durante

um ano, estudei o mercado, então montei a empresa.

Fernanda: Impressionante, foi de uma coisa completamente... Surgiu

naturalmente de um ato de cidadania.

E05: Isto mesmo, surgiu. Indiretamente o filho dela tem participação nisto, entendeu?

Fernanda: O que você acabou fazendo com ela não era diretamente a intenção

exata, mas foi uma assessoria.

E05: Exatamente. Eu fui uma aliada dela então a gente saía todo sábado e domingo,

eu a levava pra passear, jantávamos fora, ela era uma pessoa muito da noite, ela

era viva assim. E ela tinha as crises de bipolaridades dela, ela era artista plástica, eu

fiz uma exposição pra ela, porque eu também mexo com cultura e sempre mexi.

Na época que eu trabalhava no setor público, eu fiz vários projetos nesta área

cultural, envolvendo a área pública, e então eu tive uma grande experiência. Eu

também fui do Conselho da Pessoa Portadora de Deficiência, representando a

Secretaria dos Transportes Metropolitanos por oito anos e fiz um projeto com

pessoas portadoras de deficiência e não portadoras de deficiência para incluir as

pessoas, para chamar a atenção da sociedade para a causa. Também na Secretaria

a gente criou um Conselho de Acessibilidade das Empresas porque a Secretaria dos

Transportes Metropolitanos tem Metrô, CPTM, EMTU e tinha Emplaza. Então a gente

criou o Conselho com os representantes destas empresas pra estudar acessibilidade

e acessibilidade nos transportes públicos, então significa elevadores, significa uma

série de procedimentos que hoje são adotados por estas empresas.

A gente teve contato com as normas da ABNT. Era um conselho que tinha muitos

representantes da sociedade civil e pública para resolver a questão da acessibilidade

em São Paulo. A gente também fez um projeto de rua acessível, então... Eu tive na

minha vida profissional, eu tive, digamos assim, eu margeei várias áreas que me

deram conhecimento para poder atuar, para me sentir apta para ter esta empresa.

192

Fernanda: Parece que, de certa forma, a vida vai abrindo os caminhos, né?

E05: A vida foi me levando e eu, quando criança, meus avós tiveram vida longeva e

eu adorava a companhia deles e eu acho que eles eram pessoas muito especiais

como todos os avós e a gente tem esta afinidade. Se você durante a vida teve uma

relação difícil com seus idosos, seja ela porque eles têm doença muito precoce –

porque aí fica meio difícil – ou porque são pessoas distantes; se você tem, que foi

meu caso, uma relação próxima, de respeito, de carinho, de admiração pelos meus

avós; talvez eu não tivesse criado esta empatia. Então foi tudo naturalmente.

Meus pais também tiveram uma vida longa, meu pai 92 [anos] e minha mãe 82. Quer

dizer, não foi tão longa, ela morreu rapidamente, mas ela teria ainda este tempo de

vida, se ela não tivesse tido um infarto. Então, isto tudo a vida foi me dando.

Eu já fui aconselhada a fazer o curso de Gerontologia, aqueles que você faz; mas,

assim, ou eu trabalho ou eu faço o curso. E então eu, voltando um pouco, logo que

eu criei a empresa eu pensei em praticar os serviços que eu prestei pra Dona

Terezinha.

Fernanda: O que faz a sua empresa, qual o propósito dela?

E05: Logo depois, a filha dela me passou uma informação de uma empresa no Rio

Grande do Sul que estava implantando serviço de tele assistência, certo? – que é

este serviço que eu presto. E aí eu entrei em contato com eles e fui para o Rio Grande

do Sul. Isto foi em uma semana e voltei com a representação. Então, a partir daí, eu

venho trabalhando também com a tele assistência e hoje tenho muito mais clientes

nesta área de tele assistência do que na área de acompanhamento, porque é uma

área que é de direito, esta área do administrativo. Eu tenho clientes sim, mas não

tanto quanto eu tenho de tele assistência.

Fernanda: O que você faz na tele assistência?

E05: Eu vou mostrar pra você, a gente tem vários equipamentos. O primeiro

equipamento que a gente teve foi esse aqui (MOSTRA O EQUIPAMENTO); este

equipamento, como é que ele funciona? Ele é antiguinho e eu tenho aqui e depois a

gente tem mais modernos, e como é que funciona? A gente usa uma pulseira, o

usuário usa uma pulseirinha; quando a gente instala este equipamento é instalado

junto ao telefone fixo e à tomada, ele é acoplado ao telefone fixo; a gente faz um

plano de ação, este plano de ação... Eu vou pegar minha pulseirinha.

193

Então é o seguinte, tem esta pulseirinha aqui que a pessoa idosa usa, ele [o

equipamento] funciona pra dentro de casa certo? Então, em uma situação de

emergência, ele aciona. A gente aciona aqui (APERTOU O BOTÃO) e ele chama a

emergência e minha central de relacionamento entra em contato comigo.

Porque quando eu faço a instalação eu faço um plano de ação, neste plano de ação

eu coloco todos os dados do usuário, todos os dados da família.

Agora eu vou informar para pessoas aqui que é um teste, senão vão ficar me ligando.

Então veja só, e aqui você vai ver no meu celular, tem a informação que foi feito uma

chamada de emergência.

Agora este é o antigo, então como é que eu faço? Logo eu vou na casa da cliente,

como eu te falei, e faço o plano de ação [em] que consta os dados da pessoa, do

usuário, medicação que toma, os seus dados pessoais, plano de saúde, quais as

deficiências, a data de nascimento e todo histórico, se ela tem alguma deficiência

física. A gente tem todos os contatos por ordem de prioridade das pessoas que

querem ser acionadas em caso de emergência que normalmente são os filhos, os

irmãos, enfim...

Muito bem, quando isso acontece, se ela não atender o telefone, se ela não falar

como eu falei com você. Então, se eu não responder, ou então se eu responder que

eu estou precisando de ajuda, além desta mensagem que imediatamente vai pra

todas as pessoas que estão no plano, esta mensagem que você vê, se não

responder eles ligam pros familiares. Ou, se eu responder, eles ligam para os

familiares pra pessoa ser socorrida rapidamente.

Recentemente eu tive um caso de uma amiga minha com pai dela que já tinha tido

um AVC e aí ele, e ele era chato pra usar, chato, chato, chato; e as 05h da manhã

ele apertou o botão e foi socorrido. Deu tempo e não teve nenhuma sequela, pois o

problema do AVC é a demora no atendimento; então se você for atendido em 15

minutos ou meia hora, você praticamente não tem nenhuma sequela; agora se você

demorar ser atendida... aí você tem sequelas absurdas. Eu tinha um cliente que ele

teve um AVC assistindo televisão e a filha ao lado e ela não percebeu, achava que

ele estava dormindo, então ele ficou absolutamente comprometido, então esta é a

função.

Este processo, ele já existe no mundo a mais de 30 anos e no Brasil já tem uma

outra empresa – minha concorrente. Eu não vou falar mal desta empresa, porque a

194

gente não deve, por uma questão de ética, falar mal, mas é uma empresa é uma

empresa que o interesse dela é criar, crescer muito e falha no atendimento

entendeu?, o objetivo é diferente do meu.

Fernanda: Mas quando você conheceu este trabalho foi com esta empresa?

E05: Não, foi com esta empresa que ainda hoje eu sou parceira, empresa do Rio

Grande do Sul, chamada Tecno Sênior. São duas empresas, Tecno Sênior e Iris

Sênior – depois eu vou te falar da evolução toda–, uma nos fornece o equipamento

e a outras nos fornece o monitoramento, ou seja, a central de monitoramento, certo?

E com o passar do tempo estes equipamentos vão sendo aprimorado. Então, por

exemplo, o mesmo sistema, funciona exatamente do mesmo jeito, só que tem este

aqui (APONTOU O PRODUTO) que é um pingente de quedas. Então, se você cair

de qualquer altura, ele chama, ele faz a chamada, é um sensor de quedas.

Este aqui (APONTOU O PRODUTO) é um mais moderno, mais bonitinho; é

exatamente a mesma função, mas mais bonitinho. Nós temos também o outro que

por acaso como, eu viajei, acabou meu estoque e eu não trouxe ainda, que é

parecido com este, que é também muito parecido – vou te mostrar a foto –, é um

Mini GPS. Estes que eu te mostrei são para dentro de casa, mas pra fora de casa

você não tinha, mas agora nós já temos; quer dizer, não tinha quando eu entrei, mas

agora já temos. Ele funciona como um mini-rastreador, ele tem um chip de celular e

ele também tem um telefone e, se ela cair, ele também chama; a pessoa aperta e

ele também chama. Este aqui a gente esta fazendo um este com ele, está sem

bateria. Então você pode usá-lo como relógio, no bolso pra homem, encaixado como

um celular, ele tem aqui um carregador pra carregar.

Fernanda: Mas, como você disse lá fora, isso já existia, mas, no Brasil, não

existia este tipo de serviço aqui?

E05: Quando eu comecei, ela já existia esta empresa que eu te falei, esta empresa,

Tecno Sênior, que é a empresa que fornece os equipamentos. Ela vai todo ano a

duas ou três feiras internacionais em busca de equipamentos. Então, olha aqui, deixa

eu te mostrar o sensor, o outro. Este aqui é o que eu te falei que a pessoa usa no

pescoço. Você aperta no SOS. Como é que ele funciona? Ele tem um chip de celular

que a gente implanta nele e aí faz a configuração com três números de telefones,

certo? Estes três números quando você aperta vai uma mensagem pra estes três

195

números dizendo “Help me” e diz exatamente onde você está, por isso que ele é pra

dentro e pra fora de casa. Aí ele tem N possibilidades, ele tem uma grande, uma

cerca de proteção, digamos assim, principalmente para pessoas com Alzheimer, que

está no início do Alzheimer. Então assim, a pessoa está começando com o

Alzheimer, ela sai geralmente sozinha e às vezes se perde. Então isto aqui é

fantástico, a pessoa não precisa sequer apertar o botão. Você pode localizar ela a

qualquer momento. Aí você pode por uma cerca; por exemplo, você fala assim: “Se,

dentro de cinco quilômetros de cerca, ela ultrapassar, eu quero que dispare” e

também é um sensor de quedas, se cair você pode pôr uma cerca; se aumentar a

velocidade a 80 quilômetros por hora do carro, eu quero que ele informe.

Você apertou e ele manda “Help me” para os números, manda pro primeiro; o

primeiro não atende e vai pro segundo; o segundo não atendeu, vai pro terceiro e

fala viva voz. Ele não precisa fazer nada, apertou e já vai fazer a ligação. Aqui, do

lado dele, tem um botãozinho que a pessoa quer falar. Você define um dos três

números que você queira fazer uma ligação direta. Aqui do lado no botãozinho, você

aperta e faz uma ligação direta, entendeu?

E tem uma outra coisa também, que você pode, por exemplo, – e vou já fazer esta

ligação – você pode deixar que qualquer pessoa ligue no telefone dele ou você pode

fechar só pra estas três pessoas. Por que que a gente deixa fechado? Porque

telefone hoje em dia todo mundo liga e tem muita chamada de propaganda; então a

gente deixa só pros três números, certo?

Enfim, ele tem hora, tem tudo; ele é completo. Qual a desvantagem dele? A

desvantagem é que às vezes, dependendo do lugar – ele funciona via satélite –,

dependendo do lugar o chip pode falhar. Então se você está no interior do Mato

Grosso que não funciona, ele só funciona com a Vivo, os outros telefones não foram

aprovados... porque a Tecno Sênior só lança no mercado um produto quando ela faz

teste; muitas vezes, pelo menos um ano.

Todos os nossos produtos são aprovados pela Anatel, tá certo? Então a gente não

lança no mercado algo que não foi testado e aprovado. Eles são produtos

importados, são produtos caros, é um investimento caro, não é um investimento fácil,

ainda estou pagando este investimento.

Eu quero te mostrar este que está carregando, ele é a junção do Pers, que funciona

dentro de casa; te falei também do pingente de quedas que também funciona da

196

mesma forma só que você não precisa apertar; te falei do IGo que é pra fora de casa.

Este [APONTOU O PRODUTO], estamos em teste com ele; este é um aparelho que

ele funciona pra dentro de casa e pra fora de casa, ele é uma junção dos dois. Por

que que é uma junção? Porque ele pode, aqui quem nos atende é uma central de

monitoramento certo? Aqui no IGo quem nos atende são os familiares, ok?

Normalmente são dois familiares e eu; eu também estou no processo.

Então, se algum cliente meu aciona, eu sei que ele me acionou, por quê? Eu vou te

mostrar. Então aqui eu tenho o IGo, um aplicativo, aqui que eu faço a configuração

de todos os clientes. Eu tenho alguns clientes, outros não. Mas alguns clientes eu

tenho que, eu sou a terceira pessoa. Então, quando um deles toca, eu sou acionada,

eu sou a terceira pessoa. Eu faço parte do processo porque, caso a família não possa

comparecer, eu me comprometo. Agora, o que que acontece quando eu faço o

atendimento? Eu sei que a pessoa tá precisando de socorro, né. Eu identifico. Mas

se eu for à casa da pessoa este é um serviço à parte; então eu cobro à parte,

entendeu?

197

Fernanda: O que você espera a longo prazo do seu negócio?

E05: Então, por exemplo, um serviço que eu faço que é muito legal, que eu gosto é

de levar pessoas idosas ou pra ir fazer tratamento ou pra ir a médico ou pra

entretenimento, cinema, teatro. Eu faço um trabalho exclusivo, eu vou quando é

cliente novo e eu tenho uma equipe que eu posso contar com ela, mas normalmente

o primeiro contato sou eu que faço, sou eu que vou, todos os clientes que eu tenho.

Eu já instalei mais de 100 equipamentos. Eu tenho é pouco, eu queria ter mil clientes.

Por mais que você ache “é um produto fantástico este”, e é um produto fantástico,

mas as pessoas não conhecem e aí quando não conhecem, não compram. E pra

gente fazer uma propaganda de massa é muito difícil, é muito caro. Então a gente

usa a internet. Eu tenho uma diretora de marketing que faz todo meu marketing, ela

publica nas redes sociais, e eu também pago o Google, mas é difícil, não é fácil.

O mercado estava muito bom em 2016, ele estava em ascensão, e depois de 2016

ele caiu, porque as pessoas estão sem dinheiro, mas, de qualquer forma, ainda é

muito útil porque, por exemplo, agora eu tive muitas demandas com esta crise de

gasolina, porque as pessoas não podem levar seus pais aos médicos. Às vezes

moram fora da cidade de São Paulo, então me procuram pra eu pegar e levar e eu

tenho muito carinho, é sempre uma pessoa nova cheia de informações. Um idoso,

ele tem muita informação pra te passar, né?

Outro dia eu tive uma cliente que ela era de Praga e eu acabei de conhecer Praga o

ano passado e me encantei. Então a gente conversou horas e foi um mês que

acompanhei ela e, na hora de ir embora ela chorou, porque eu poderia ter pedido pra

filha “Olha, deixa eu acompanhar”, pois a filha tirou ela de alguns supermercados e

estas coisas que ela gostava de fazer. Mas aí você interferir na rotina do idoso

quando a família determina é uma coisa complicada, então você mantém a distância.

Mas é gostoso, pois o que você troca de informação... O idoso, quando ele ainda

está bem, pois a nossa proposta é trabalhar com idoso que ainda esteja bem, não

adianta eu colocar um aparelho deste num idoso que está com Alzheimer em terceiro

grau que não saí mais de casa, não adianta, é perda de tempo, porque ele já vai

estar com cuidador.

Este, por outro lado, é um produto que faz com que a família economize muito

dinheiro por um bom tempo. Porque, quando a família decide que o idoso está só e

não é legal ele morar sozinho, ele vai querer pagar uma pessoa. Hoje em dia, uma

198

cuidadora não saí por menos de R$ 3500,00 com os encargos. Não é fácil pra uma

família; principalmente o idoso de classe média que tem, é raro aquele idoso que

tem uma boa aposentadoria.

Os idosos têm resistência em relação à tecnologia, é um desafio, então é muito difícil.

Agora estamos em estudo em duas possibilidades, uma delas é de agregar também

a oferta do cuidador. A gente está estudando isto há uns três, quatro meses, porque

eu tenho muita demanda e eu sempre indiquei cuidadores. Por exemplo, com a dona

Terezinha eu montei uma equipe de cuidadores e isto também eu fiz, pois os filhos

continuam ausentes, e eu montei uma equipe de cuidador e ela passou por todos os

processos.

Ela [dona Terezinha] passou pelo processo da empregada doméstica que virou

cuidador, que se aproveitou, que extorquiu, que fez refém. Quando os filhos são

ausentes, os empregados fazem o idoso refém, porque, quando o filho não pode

cuidar, ele prefere que outro faça mesmo que este abuse, faça extorsão, abuse, seja

grosseiro, mas tudo isso porque ela quer ficar livre.

Foi o que aconteceu com ela. Então ela passou por todos estes processos até uma

das filhas se aproximar mais, ver o que estava acontecendo. Pusemos câmera e

então a gente conseguiu durante um ano, uns quatro meses mudar toda equipe e

colocar uma equipe legal, pois neste processo de quatro meses entrou umas trinta

cuidadoras, é uma invasão. Hoje em dia estamos com três cuidadores fixos e uma

aos finais de semana.

Então, funciona assim: durante o dia é uma pessoa que cuida da casa e administra

a casa e uma cuidadora e a noite uma cuidadora e aos finais de semana fica uma

cuidadora e uma outra que fica no final de semana com ela, certo. Tem que ter uma

equipe, é uma staff. Hoje ela tem um problema de saúde de infecção urinária e uma

diarreia crônica; esta diarreia sempre teve, ela tá com 86 anos e vira e mexe ela se

hospitaliza, né, porque baixa o magnésio, baixa o potássio.

Ela é uma artista plástica famosa, estes [APONTOU PARA QUADROS NA PAREDE]

são dela. Ela é linda – vou te mostrar uma foto dela – ela continua lindíssima. Ela

teve uma vida muito difícil por conta da doença dela, ela teve uma doença muito

séria que foi a bipolaridade e é uma doença que afeta o social e afasta muita gente.

Ela adora se maquiar, se pentear, ela ainda todos os dias, ela... as cuidadoras. Ela

escolhe qual a roupa que vai vestir, qual o brinco e a pulseira que vai usar, o anel

que vai usar, mas se encaminha para a finitude, né, assim como todos nós. À medida

199

que a gente vai envelhecendo a gente vai pra finitude. Mas eu tenho uma alegria de

ter tornado a vida dela, os últimos dez anos mais amenos, né...

Então, até há pouco tempo, por conta de falha no atendimento dela, pois ela

precisava de uma fonoaudióloga e os filhos não puseram. Então ela perdeu a

deglutição, então ela está se alimentando por isto aqui, uma sonda. Ela era uma

pessoa que comia muito bem e quando você perde a deglutição fica ruim, mas a

fonoaudióloga esta inserindo novamente. Então aos poucos ela vai voltar a deglutir

um pouco de doce que ela gostava, algumas coisinhas que ela gostava, papinha de

maçã, estas coisas, né.

Ela tava num momento... Eu cheguei segunda-feira, hoje é quarta, né? Cheguei

segunda-feira e, quando liguei, as cuidadoras estavam levando ela pro hospital,

porque agora ela tem HomeCare não de cuidadoras, mas médicos, fonoaudiólogas,

fisioterapeutas, equipe médica que dá assistência e ela está sendo, a minha alegria

é que ela está sendo muito bem cuidada. Então ela é bem assim, ela é uma pessoa

que se impõe ainda hoje. Quando ela percebe que fazem o que ela não quer, ela

briga resmunga, mesmo que não tem mais a fala, ela olha pra você e você já sabe

que ela tá brava [risos], entendeu? Mas é isso, com ela eu aprendi e coloquei a Filha

e Companhia pra funcionar; então sou grata a ela.

O meu site, ele já teve algumas mudanças porque, às vezes, um profissional começa

e tem que interromper e vai pro outro. A outra cobra caríssimo e a gente não pode

pagar, e aí vai pra um terceiro. Então a gente acabou modificando algumas coisas.

Mas eu tinha um agradecimento muito grande a ela, porque é um negócio que a

gente criou em cima de uma demanda que ela me mostrou. Então é isso.

Hoje eu tenho uma equipe, minha equipe é toda externa. Eu tenho uma pessoa que

me ajuda aqui quando eu preciso, ela não está toda hora, ela vem duas ou três vezes

por semana. Mas aí você fala: “Fátima, não é muita demanda?”. É muita demanda,

mas o que que acontece. As minhas empresas que me dão o suporte maior. Eu

tenho o equipamento e monitoramento e eu preciso de pessoas pra fazer a

instalação e para fazer acompanhamento aos idosos. Então estas pessoas não

precisam ficar aqui, são externas; quando eu tenho uma demanda, eu aciono.

Ontem, eu tive... Eu tenho uma equipe de enfermagem que a gente tá montando. A

gente tá fazendo um trabalho de criação de equipe de cuidadores, porque, como eu

estava contando pra você as pessoas me ligavam e eu cedia: “Olha, eu tenho

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cuidador sim. Assim, assado”, todas, já que eu conheço – porque eu não indico

ninguém que eu não tenha... por que é muito sério você colocar um cuidador na casa

de outra pessoa.

Primeiro, você tem a questão de segurança. Eu sempre aconselho a ter câmeras.

Quando chega nessa fase, eu aconselho a colocar câmeras, porque você não sabe

quem é que tá. Você olha uma pessoa, a gente não vê, você tem que ver, tem que

ouvir. A dona Tereza não tem só o vídeo, como eu tenho o áudio e elas não sabem

que eu tenho o áudio, então, eu e as outras duas filhas tem áudio, certo? Então, a

gente tem todo esse cuidado e eu aconselho a toda família a fazer isso.

Então, assim, a gente tá montando essa equipe, uma segunda fase, isto pro segundo

semestre, uma equipe de cuidadoras. A gente vai fazer trabalhos de testes e de

entrevistas, entendeu? Até também para ela me ajudar na venda dos meus

equipamentos. Então a gente tá estudando isso e também – eu vi agora em

Fortaleza, eu fui ver algumas confecções de jaleco e –, talvez a gente lance o ano

que vem o Jaleco na Filha e Companhia, bem personalizado; mas são ideias que a

gente tá tendo.

Fernanda: Qual a missão, qual o objetivo do seu negócio?

E05: Continuar crescendo sem perder a qualidade. Acho que a característica

principal do meu negócio é ser uma aliada ao idoso e à família do idoso, com

compaixão. Você ter a compaixão, não a compaixão da pieguice, mas sim fazer com

paixão. Então eu quero ser uma aliada da pessoa idosa nas suas necessidades, ser

companheira dela nas suas atividades que ainda possa fazer com compaixão, ou

seja, fazer com afeto, fazer com carinho sem ser piegas. Eu não quero de forma

alguma ser piegas, não é essa a intenção.

Então eu jamais vou falar meus idosos, eu não tenho idosos, eu tenho pessoas

idosas que são meus clientes. Eu os vejo como clientes e quero ter uma relação de

profissional com afeto. Então, assim, eu conheço todos os meus clientes, a gente

liga uma vez por mês pra todos os clientes. Poderia estar ligando toda semana, mas

acho isso uma invasão; então eu ligo todo mês pras pessoas e a gente tem várias

ideias de fazer eventos com essas pessoas, interagir entre eles, mas São Paulo é

uma cidade muito difícil de fazer isso. É uma cidade que o trânsito não permite. Eu

tenho cliente em Jundiaí, em Campinas, eu tenho cliente no ABC. Então fica difícil

201

de você está conciliando estes clientes todos. Tenho clientes no Jabaquara, em

Santana, no Embu, então como é que você vai fazer isso, juntar?

Fernanda: Mas é uma coisa que, de repente, você acha que seria importante.

E05: Acho que seria legal, a gente tá estudando. Aliás, faz um ano que a gente tá

com essa ideia na cabeça. Agora eu vou receber uma pessoa que eu recebo, já tive

várias pessoas que quiseram levar a Filha e Companhia pra seus Estados, e aí elas

vêm aqui, eu explico todo processo Me ocorreu já de fazer uma franquia, tem uma

pessoa agora que me procurou de Brasília, veio pessoas de Brasília, veio gente de

Minas. Aí. quando chega, eu explico todo processo como é, aí ela diz assim: “Ah, tá

ótimo, obrigada”. Aí ela vai colocar, porque ela não precisa da Filha e Companhia

pra colocar, entendeu? Porque ela já tem o fornecedor dos equipamentos, ela monta

uma pra ela.

E eu não acho ruim, aliás, como é que nós funcionamos, nosso grupo? Nós temos

representantes em todos os estados do Brasil, na maioria dos estados brasileiros,

nas Grandes Capitais, e todos eles estão implantando o que eu implantei na Filha e

Companhia. Estão agregando serviços com seus nomes respectivamente, empresas

diferentes, mas aí eles... A do Rio implantou tudo que eu tenho e faz hoje melhor do

que eu.

Fernanda: Você acha que que a sua iniciativa pode ser replicada por outros?

E05: Já está sendo replicada e meu grande sonho seria ter uma Filha e Companhia

em todas as cidades brasileira, ou várias Filha e Companhia em todas as cidades

brasileiras. Porque assim, você imagina, com esse espírito de ter empresas aliadas

dos idosos, porque o setor público ele não atende a demanda, não dá conta; então,

a população tá envelhecendo, é necessário.

Eu tenho amigos traíras também [risos]. Eu tenho um amigo que eu encontrei com

ele, ele era amigo de uma cliente que eu fui fazer demonstração e encontrei com ele

na rua aí eu expliquei: “Olha eu tô fazendo isso”. Eu trabalhei com ele há muitos anos

e aí ele disse: “Ah que legal Fátima”. Ele trabalhava com governador, estava

apressado pra ir trabalhar, e ele se aposentou e, como todo mundo, envelheceu,

caiu, ficou quatro horas sozinho numa casa imensa e aí só depois de quatro horas

foi que descobriam ele. Então ele ficou muito aflito, os filhos colocaram.

202

Aí eu tenho uma amiga que a irmã dela foi viajar pros Estados Unidos e ela ficou

morrendo de medo de ficar sozinha e falou: “Fátima, eu quero colocar o IGo”, porque

eu passeio com as cachorras, já caí”. Eu disse: “Tá bom, eu não vou te vender não,

vou te emprestar porque você usa, ela tá meio apertada, você fica usando sem

problemas”, e aí ela disse: “Fátima , eu vou falar pro Sales. Muito legal isso”. Quando

ligou pro Sales, foi encontrar com ele, ele já estava com um e deste meu reloginho

do concorrente, eu fiquei bravíssima [risos]... Aí eu peguei, pedi o telefone dele,

mandei pra ele as informações, ele disse que tem vários amigos que querem e eu

disse: “Veja se você indica a Filha e Companhia”.

Então é isso e tem uma coisa de boca a boca. Agora, é de fato quando você pensa

numa despesa recorrente. Por que que esse é um negócio bom? É uma receita

recorrente, todo mês quer faça chuva ou faça sol nós temos aquela receita, nós

pagamos a central e monitoramento, que não é um terço da receita bruta, e a gente

tem aquela receita. Então é um bom negócio porque é uma receita recorrente, ok?

Além de eu vender os produtos, eu tenho uma receita recorrente, porque o IGo eu

tanto vendo como também eu faço por locação; então tudo é locação, a pessoa me

paga por mês. E eu acho que é caro o que se paga por mês, para uma pessoa de

classe média, é caro.

Fernanda: Quanto mais ou menos?

E05: É cento e, eu aumentei esse mês, é cento e setenta e oito reais, mas não é

uma despesa barata, classe média; dez reais por mês a mais é significativo. Eu

aumentei esse mês, todos os meus parceiros já vendem a cento e oitenta e cinco,

eu digo, este mais simples. O IGo é duzentos e quinze [reais]; o sensor de quedas

também fica duzentos e quinze [reais] por mês; este outro, o IHelp, vai em torno de

duzentos e quinze [reais], mas eu sou a que vendo mais barato.

Por exemplo, eu tô fazendo para alguns clientes antigos que estão migrando pro IGo.

Tenho alguns problemas, por exemplo: se a linha de telefone não for boa, dá

problema, porque tem que funcionar. É muito sensível este aparelho. Então, alguns

estão migrando, então não vou cobrar duzentos e quinze, porque ele pagava cento

e setenta; então eu faço pelo mesmo preço. Então eu sou a que ganha menos com

a mesma quantidade de produtos, porque eu vendo mais barato.

A gente faz testes, eu só instalo depois que faço testes. Este aparelho tem uma coisa

super legal também, ele tem várias outras funções, por exemplo, você pode atender

203

o telefone. Vamos imaginar que você esta longe do telefone, certo? Aí ele toca, você

aciona o botão e você fala, ou seja, você atende o telefone no viva voz e aí a família

pode entrar em contato. Vamos imaginar que a família ligou pra casa do cliente e

não conseguiu falar com cliente, ficou super apreensivo; ela pode entrar viva voz

sem a pessoa precisar atender o telefone. Então é genial, tem muitas coisas

interessantes.

Fernanda: E esta empresa que é seu fornecedor, eles que desenvolveram? Eles

têm uma patente ou alguma coisa assim?

E05: Não, não, isto é um produto, como eu te falei, que já existe nos Estados Unidos

e na Europa, há muitos anos, há mais de trinta anos. Nós trouxemos estes

equipamentos pro Brasil e nós fizemos um ano de teste com Anatel e conseguimos,

digamos, o nosso diferencial porque todos os nossos produtos são aprovados, tem

aprovação da Anatel.

Então, a gente não chega e importa um produto qualquer, porque o mercado está

cheio de tecnologia nova, e a gente implanta aqui. Nós não temos uma reclamação

no Google, a gente não tem uma reclamação. A gente prima por atender porque,

você imagina, o cliente paga a vida inteira um negócio desse e quando precisa usar

não funciona. A pessoa pode morrer, é muito sério. Então por isso que todo mês a

gente faz testes e ele tem uma outra coisa: por exemplo, se ele tiver, se este produto

a bateria tiver baixa, ele nos avisa, eu sei dois, três meses antes.

A nossa central de monitoramento manda pra gente a informação dos equipamentos

que precisam mudar a bateria, tanto da bateria do pingente quando a bateria do

aparelho. Se acaba a energia, ele tem trinta horas de bateria, certo? E isso é a nossa

garantia. O IGo, por exemplo, se ele está com bateria baixa, porque ele funciona

como um celular, nós somos avisados e aí a gente entra em contato com usuário e

diz: “Liga o produto, liga a bateria”. Entendeu? Então a gente tem que ter. Estes

produtos não é só você colocar no mercado, você tem que colocar no mercado pra

dar segurança aos filhos, os familiares daquela família do idoso, tem que cumprir o

objetivo. Então a gente tem muito cuidado porque é muito sério.

Fernanda: Quais demandas da longevidade o seu negócio atende?

204

E05: A maior demanda nossa é atendida pela tecnologia, com a tele assistência,

mas eu gostaria muito, eu queria muito que fosse meio a meio, a tele assistência e

o acompanhamento à pessoa idosa nos seus afazeres, digamos assim, entendeu?

Por exemplo, eu quero fazer um supermercado e não tenho mais condições de ir só.

A Filha e Companhia pode acompanhar, porque isso é um prazer, fazer um

supermercado. Eu quero ir a um cinema e não posso ir só, a Filha e Companhia

poder levar. Eu preciso fazer um exame, eu já fiz isso, já acompanhei em hospitais,

já acompanhei. Já vivi todas estas experiências, de levar pro entretenimento, de

levar... então eu sei o quanto é importante.

Um passeio de carro... Eu gostaria que esta demanda fosse a mais usada, mas eu

tenho mais clientes na tele assistência. Eu gostaria que fosse meio a meio,

entendeu?, que eu pudesse ter esta demanda, que tivéssemos mais clientes que a

gente pudesse atender no seu, digamos assim, é ... na sua alegria , entendeu? No

seu prazer, no seu divertimento, no seu social.

A tele assistência acaba atendendo uma demanda física, de uma debilidade física,

ela pode salvar vidas. Eu já tenho experiências de que ela salva vidas, traz

segurança. O familiar fica seguro, a palavra é essa, e pode salvar vidas.

Além disso, o social, estar mais próximo a pessoa idosa, ver o prazer que ela tem no

supermercado, no passeio de carro, numa ida ao teatro, numa ida ao circo. As

experiências que eu tive e eu vejo, é palpável quando eu exerço este trabalho, é

muito gratificante. Eu volto pra casa feliz da vida. Então, por exemplo, já tive clientes

que levei ao Cauby Peixoto, vi Circo de Solei, teatro da Bibi Ferreira. A gente vê,

passear de carro, comer um lanche na Ofner, é “o evento”. Passear de carro aqui

por São Paulo, pelos lugares que ela sempre foi, isso é fantástico.

205

Fernanda: O seu negócio inova? Como?

E05:Eu acho que eu inovei. Não existia nada igual; quando eu criei a Filha e

Companhia, não existia nada igual. Hoje já existe os parceiros, são parceiros de

causa. Eu não abri uma franquia porque eu acho que uma franquia ela tem... Por

que que eu não abri uma franquia, Fernanda? Porque como é que eu posso é...

Quando você abre uma franquia de um produto, você pode fabricar aquele produto,

você tem a receita do bolo e você pode fazer um trabalho de qualidade e você pode

medir a qualidade do produto que vai ser entregue. Mas quando você faz um serviço

como o meu, como o da Filha e Companhia, por mais que você treine a pessoa, você

não vai saber se na ponta vai existir isso, entendeu?

Então é um risco e, de repente, a Filha e Companhia, ela tem que, continuo

pensando, talvez ano que vem eu amadureça mais, veja se vale a pena, mas eu

temo. Tenho esta preocupação de que o trabalho da Filha e Companhia tenha essa

qualidade, a qualidade que eu passo.

O dinheiro pra mim é o menos, eu acho. Se eu for dizer pra você, realmente, a gente

precisa do dinheiro , mas meu negócio não é movido pelo dinheiro, é movido pelo

prazer mesmo de atender a pessoa idosa. Então, ontem mesmo, eu estava em

Fortaleza, que eu passei dez dias, e aí uma filha de uma cliente me ligou.

Quando ele instalou, os filhos instalaram o equipamento, já faz dois anos, o genro, o

filho – eu já não me lembro mais– me deu um cheque, porque a gente cobra uma

taxa de adesão. E aí depositei este cheque normalmente e depois, quando eu

depositei, eles informaram que era um cheque que a conta já tinha sido cancelada.

Aí eu falei: “Não tem problema. Faz o seguinte, deposita o dinheiro, eu recolho o

cheque e não tem problema”.

Vou te dar dois exemplos.

Eles me pagaram e eu perguntei: “O que vocês querem que eu faça, querem que eu

mande o cheque pra você?”. “Não Fátima, faz o seguinte, rasga, pica ele” e eu piquei.

E eu achei muito interessante esta confiança que eles tiveram, eu piquei e quando

foi na sexta-feira eles me ligaram desesperados dizendo: “Fátima, eu preciso

daquele cheque, porque eu abri uma conta, nós vendemos um bem da minha mãe e

o banco dela não nos dá cheque, porque tem aquele cheque do Banco Itaú que a

gente deu e o Banco Itaú não libera” e eu falei: “Não tem problema, eu vou procurar,

mas eu tenho uma leve lembrança que o Ricardo me disse que era pra eu picar”. Eu

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não quis dizer diretamente, aí eu: “Vou fazer o seguinte, isto já aconteceu comigo,

eu vou fazer uma carta endereçada ao banco dizendo o que aconteceu e que eu

piquei o cheque e aí dá tudo certo”. “Aí Fátima, super obrigada”. Ela me ligou umas

dez vezes, aflitíssima, e aí eu falei com Ricardo e ele me disse que lembra

perfeitamente quando pediu pra eu picar, “desculpe o incômodo”. E aí eu fiz a carta

ele veio buscar e, enfim, deu tudo certo.

Uma outra cliente, ela passou uns três, quatro meses sem pagar, porque, assim, nós

temos um contrato, obviamente. Este contrato ele diz que no segundo mês a gente

pode desligar se não pagar, mas eu nunca fiz isso e nem vou fazer. Mas ela deixou

quatro, cinco meses sem pagar e aí eu nunca cortei o serviço; e aí um dia ela me

ligou: “Fátima, eu quero lhe pedir desculpas porque eu não tô pagando, mas eu não

tô pagando porque meu pai teve um problema no INSS e a gente ficou sem receber

o salário dele este período, mas agora a gente já resolveu e eu queria pagar. Você

pode parcelar?” Eu falei: “Eu vou parcelar, mas eu vou fazer diferente. Eu vou

parcelar e vou te dar um desconto”. E aí eu dei um desconto pra ela, ao invés de

cobrar juros, e parcelei.

Eu nunca cobrei juros, nunca cobrei taxas, eu sou absolutamente contra tudo isso e

tem uma coisa também que eu faço que é uma questão de principio mesmo, né... Se

a pessoa não pode pagar, eu não vou cobrar uma taxa por dois, três, quatro ou cinco

dias. Se ela não pode pagar o serviço essencial na vida dela é porque ela não pode.

Então eu deixo, digo olha... “Ah, Fátima, eu esqueci de pagar, como é que eu faço?.

Ela poderia pagar, ir no banco, pagaria juros, mas aí eu digo: ”Não paga, deposita

sem juros sem correção e nem nada”. Eu tenho meu controle, né.

Fernanda: E como seu negócio se financia?

E05: Recursos próprios, eu investi. Conto com os parceiros, conto com as

colaboradoras. Eu não tenho mais, não quero mais ter funcionários. Eu já tive, mas

não deu certo; tive algumas perdas bem grandes assim com funcionário fixo. Porque

funcionário eu tive, eu contratei uma pessoa que estava numa dificuldade muito

grande e contratei; e aí essa pessoa depois saiu e eu tive um prejuízo sério com ela.

Então, eu prefiro hoje trabalhar com parceiros, mesmo que eu pague mais, eu dê

uma comissão maior. Então a gente trabalha com contratos, né, de parcerias e eu

não tenho nenhum vínculo empregatício, esta é a minha proposta. Eu acho que o

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empreendedorismo ele é importante quando todo mundo ganha, eu sempre digo

para pessoas.

Como eu talvez eu seja a pessoa que pague melhor aos parceiros e seja, dentro de

todos os meus parceiros de venda no Brasil inteiro, eu seja a que cobre menos dos

clientes – porque eu acho que você não pode, as pessoas ficam horrorizadas –, eu

pago tudo isso porque eu não quero ganhar sozinha. Esta mentalidade do

empresariado brasileiro é ganhar pouco, é ganhar muito em pouco tempo e por

pouco produto. Então, o que a gente viu agora, que não é a lei da oferta e da procura

e você sabe disso; esse abuso de preços da falta, isso não é lei de oferta e procura,

isso é bandidismo; não é lei da oferta e procura, é outra história. Falta de caráter,

isso é falta de compaixão, de solidariedade.

Então eu não quero mais, a essa altura do campeonato da minha vida, me tornar

uma pessoa milionária; a menos que eu ganhe na MegaSena, não é esta minha

intenção. Eu tenho, assim, eu acho que eu tenho, sem falsa modéstia, um trabalho

de ordem social relevante na minha vida e quero continuar assim, eu quero saber

que eu fiz alguma diferença. É um negócio, é uma empresa, mas eu atendo uma

demanda social.

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