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Paradoxos entre o Estado Democrático e a Crise Política no Brasil e seus Reflexos na Integração Regional

Resumo:

O presente trabalho acadêmico tem como objetivo analisar a evolução da

democracia brasileira ( 1985-2017 ), através do seu processo histórico em que

os Presidentes da República tiveram suas estratégias de políticas públicas e

prioridades governamentais estabelecidas a partir do Presidencialismo de

Coalizão, característico do nosso sistema político após a retomada da

democracia depois de vinte e um anos da ditadura civil- militar de 1964.

A análise do estágio de Democracia no Brasil é fundamental para

entender as estratégias que foram priorizadas por forças políticas

conservadoras, hegemônicas e heterogêneas para consolidar um golpe político

parlamentar com apoio de segmentos com interesses específicos.

Cumpre à academia o papel de análise e compreensão desse processo

político em curso no Brasil que tem reflexos negativos para toda a América

Latina, em especial no processo de integração regional.

Palavras-chave: Presidencialismo de Coalizão – Democracia – Golpe Político –

Integração Regional

This academic work aims to analyze the evolution of Brazilian

democracy (1985-2017), through its historical process in which the Presidents

of the Republic had their strategies of public policies and governmental priorities

established from the Presidentialism of Coalition, characteristic of our Political

system after the resumption of democracy after twenty-one years of the civil-

military dictatorship of 1964.

The analysis of the stage of Democracy in Brazil is fundamental to

understand the strategies that have been prioritized by conservative,

hegemonic and heterogeneous political forces to consolidate a parliamentary

political coup with the support of segments with specific interests.

The academy plays the role of analysis and understanding of this

ongoing political process in Brazil, which has negative repercussions for all of

Latin America, especially in the process of regional integration.

Keywords: Coalition Presidentialism - Democracy - Political Coup - Regional

Integration

Paradoxos entre o Estado Democrático e a Crise Política no Brasil e seus Reflexos na Integração Regional

Sérgio Luiz Pinheiro Sant’Anna

I- INTRODUÇÃO

O fim da ditadura militar em 1985, com o triunfo no Colégio Eleitoral da

chapa Tancredo Neves – José Sarney, que acabou sendo empossado

Presidente tendo em vista o falecimento de Tancredo por diverticulite,

possibilitou a concretização da chamada transição política para a democracia,

efetivada com a eleição em 1986 dos parlamentares que iriam participar da

Assembléia Nacional Constituinte.

A eleição dos Parlamentares constituintes originários possibilitou o início

das atividades da Assembléia Nacional Constituinte, através de Comissões

Temáticas, muitos debates, defesa de lobbies, Emendas avulsas populares e o

trabalho de Sistematização, ao longo do ano de 1987 e parte de 1988, sendo

finalizado com a promulgação em 05 de outubro de 1988 da Constituição

Cidadâ pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães,

que modificaria as bases jurídico-políticas do Estado Autoritário da ditadura civil

militar de 21 anos ( 1964-1985 ) para o Estado Democrático.

Esta Constituição do Estado Democrático estava calcada em alguns

pilares principiológicos, onde poder-se-ia destacar: a) compromisso político

através do avanço da democracia representativa com o conseqüente fim de

parlamentares biônicos e a implantação da democracia participativa através de

vários instrumentos que estimulavam a participação popular; b) compromisso

com a ampliação dos direitos e garantias fundamentais através de um maior rol

de direitos a serem instrumentalizados por todo o cidadão e garantias que

objetivassem efetivá-los; e c) ampliação dos Direitos Sociais através de uma

previsão mais ampliada e sistematizada, de forma a garantir a efetivação

através do Estado e sua implementação mediante políticas públicas.

_______________

* Professor da Universidade Cândido Mendes; Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, Procurador Federal, Membro e Presidente da Comissão de Direito da Integração do Instituto dos Advogados Brasileiros e Conselheiro da OAB-RJ sergio_santanna@uol.com.br

O Professor Paulo Bonavides leciona que “ Tocante aos direitos sociais

básicos, a Constituição define princípios fundamentais, como os valores sociais

do trabalho e a livre iniciativa; estabelece objetivos fundamentais para a

república como o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da

marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e, de último,

em capítulo próprio, enuncia os direitos sociais, abrangendo genericamente a

educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados.” (

Bonavides. 339 )

Entretanto, ao longo destes quase trinta anos, a Constituição Federal

sofreu quase uma centena de Emendas fruto da acusação de

ingovernabilidade, além das críticas provenientes de grupos políticos que

tinham projetos distintos de Estado.

O processo de evolução histórica destas pouco mais de três décadas

tem alguns aspectos que merecem uma reflexão sobre momentos de avanços

e retrocessos com a tensão permanente do jogo político.

II- AVANÇOS E RETROCESSOS DA DEMOCRACIA ENTRE 1985 E 2017

O governo José Sarney ( 1985-1990 ), além da transição política,

caracterizou-se pelas dificuldades no combate à crise econômica, também

vivenciada por outros países do continente, com destaque para os altos índices

inflacionários no plano interno e a dívida externa no plano internacional,

ampliada nos governos militares. A ampliação dos Direitos Sociais possibilitou

que novas políticas públicas fossem pensadas e implementadas durante este

período, embora com várias dificuldades, caracterizando o Estado Social ou

Transformista. ( Silva )

O governo Fernando Collor de Mello ( 1991-1992 ), primeiro presidente

eleito pelo voto direto, universal e secreto em décadas, se notabilizou por

priorizar medidas que viabilizassem uma diminuição do papel do Estado na

economia com políticas de desestatização e compromisso com a iniciativa

privada. Várias políticas públicas foram comprometidas com este projeto

neoliberal, cuja matriz inspiradora inicial foi de iniciativa de Margaret Thatcher

no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos nos anos oitenta.

O governo Itamar Franco ( 1993-1994 ) foi conseqüência do processo de

Impeachment de Collor de Mello pelo Congresso Nacional, em virtude de

denúncias de corrupção. O principal mérito do seu governo foi a criação do

Plano Real que objetivou a redução da inflação e a estabilização da economia.

A decisão política de Itamar Franco pelo Plano Real possibilitou que o então

Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso tivesse projeção para chegar

à Presidência da República. Itamar Franco diminuiu o programa neoliberal de

Desestatização, mas houve continuidade em algumas áreas, além de

dificuldades de implantação de projetos sociais naquele curto período.

O governo Fernando Henrique Cardoso ( 1995-1998/ 1999-2002 ) foi de

matriz ideológica claramente neoliberal retomando o projeto de privatizações e

de diminuição do tamanho do Estado. Diversas políticas públicas tiveram corte

de verbas afetando os Direitos Sociais Fundamentais. Conseguiu junto ao

Congresso Nacional modificar a Constituição para permitir o instituto da

reeleição de mandatos do Executivo. Conseguiu se reeleger com base no

sucesso e na continuidade do projeto econômico de estabilização e na pressão

da conjuntura internacional pós-Queda do Muro de Berlim ( 1989 ) e fim da

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( 1991 ) com a hegemonia do

pensamento neoliberal do Consenso de Washington e do papel preponderante

do mercado. ( Giddens )

O governo Luiz Inácio Lula da Silva ( 2003-2006/ 2007-2010 )

interrompeu o projeto neoliberal do antecessor e ampliou as políticas públicas e

sociais definindo um papel para o Estado de fomentador e implementador de

políticas para geração de emprego e renda. Projetos sociais foram criados ou

ampliados como Fome Zero, Bolsa Família, Reune para ampliação das

Universidades Públicas, dentre outras políticas públicas.Foi reeleito e

implementou uma política externa priorizando a aproximação com os países

vizinhos e uma diretriz Sul-Sul. ( Vanzelotti )

O governo Dilma Rousseff ( 2011-2014/2015-2016 ) pegou os efeitos da

crise econômica e financeira iniciada em setembro de 2008 nos Estados

Unidos. Teve muitas dificuldades na condução do processo econômico e no

controle inflacionário, embora tivesse priorizado políticas do antecessor e

ampliado programas sociais, destacando-se o Programa Minha Casa, Minha

Vida, Ciências sem Fronteiras, dentre outros projetos. Não obstante não estar

conseguindo fazer um bom governo face ao quadro internacional repercutir no

quadro nacional, a Presidente foi vitoriosa no 2º turno da sua reeleição sendo,

posteriormente, vítima de um golpe parlamentar estimulado por diversos

segmentos da sociedade.

Importante destacar, como característica básica de todos estes

governos, que todos estes Chefes de Poder Executivo pós-democracia tiveram

algum tipo de problema com sua base de apoio no Congresso Nacional, nesta

relação definida pelos cientistas políticos como Presidencialismo de Coalizão,

que tem como principal objetivo obter uma base de apoio no Poder Legislativo

com margem de votos para aprovar as medidas de interesse do Poder

Executivo, levando-se em consideração que são necessários três quintos dos

votos para Emendar a Constituição Federal. A jovem democracia brasileira,

desta forma, conseguiu sobreviver a trinta e um anos de consolidação

institucional e de avanços nas políticas públicas ( 1985-2016 ), mesmo com a

alternância dos governos neoliberais com os governos que defendiam maior

intervenção do Estado na economia.

O fato determinante neste processo político é que o resultado eleitoral

da reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, não foi reconhecido pela oposição

que, aproveitando-se da política econômica sem dar respostas imediatas ao

processo inflacionário em curso e sem conseguir atenuar os efeitos da crise

econômico-financeira internacional no Brasil, optou em apostar no “ quanto

pior, melhor ” e inviabilizar o governo eleito, através do Parlamento e de

setores no próprio Poder Executivo.

Com dezenas de Parlamentares sendo investigados pela Polícia Federal

e pelo Ministério Público Federal nas instâncias do Poder Judiciário por ligação

com esquemas de corrupção e aproveitando-se da fragilidade da base de apoio

do Executivo no Congresso Nacional, os setores da Oposição viabilizaram com

setores da base do Governo, capitaneados pelo então Vice-Presidente do

Brasil, Michel Temer, uma estratégia para tirar a Presidenta eleita do cargo.

A estratégia foi aceitar o pedido de Impedimento, formulado por 2

juristas e uma professora de São Paulo, por parte do então Presidente da

Câmara Deputado Federal Eduardo Cunha, num claro e evidente momento de

retaliação política, para dar encaminhamento jurídico sob o argumento de que

o Governo havia gasto recursos de Bancos Oficiais para políticas públicas, o

que foi denominado como pedaladas fiscais. Tendo como base Parecer do

Tribunal de Contas da União, enquanto órgão auxiliar do Congresso Nacional

no controle das contas públicas, o frágil pedido obedeceu à uma argumentação

jurídica de criminalização do procedimento para concretizar o golpe, na medida

em que caracterizou-se nova interpretação sobre o tema. O citado Expediente,

inclusive, foi utilizado pelos ex-Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz

Inácio Lula da Silva, sem que fosse caracterizado como crime à luz da Lei de

Responsabilidade Fiscal pelo citado órgão.

O pedido de aceitação do Presidente da Câmara para abertura do

processo de Impedimento, tendo como base o parecer do Tribunal de Contas

da União e a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal pelo expediente das “

pedaladas fiscais ”, formulado por requerentes vinculados ao PSDB e,

finalmente, o acordo entre setores da oposição liderados pelo PSDB com o

Vice-Presidente do Brasil Michel Temer e o PMDB, foi a senha para que a

maior parte da Câmara dos Deputados afastasse a Presidenta eleita e

autorizasse o pedido de abertura do Processo de Impedimento pelo Senado

Federal, tudo com o silêncio do Supremo Tribunal Federal que não se

manifestou sobre inúmeras questões apontadas por então Parlamentares da

base, durante todo o processo.

A cassação do mandato de Dilma Rousseff, no alto dos seus mais de 54

milhões de votos da eleição de 2014, implicou o mais duro golpe que a

democracia teve desde a redemocratização e consolidou um retrocesso político

de cerca de três décadas na confiabilidade da democracia brasileira.

Governo ruim se modifica com o voto ou com instrumentos político-

jurídicos avançados tais como o instituto do referendo revogatório de mandato,

recall ou instrumentos assemelhados.

III- CRISE POLÍTICA, GOLPE PARLAMENTAR E RETROCESSOS NAS

POLÍTICAS PÚBLICAS

O golpe político simbolizando o acordo do Parlamento brasileiro entre

forças conservadoras do Congresso Nacional capitaneadas por PSDB e

PMDB, setores do empresariado, mídia detentora do monopólio da informação,

Organizações Não Governamentais bancadas por capital estrangeiro e setores

da classe média teve diversos objetivos destacando-se a impunidade, a

possibilidade de enfraquecer órgãos de controle e processos que investigam

corrupção; a adoção de reformas não referendadas pelas urnas, mas que

constam do programa da oposição; mudança das anteriores diretrizes e

prioridades de governo, claramente sociais, em detrimento de políticas

neoliberais, direcionadas e em benefício de capitais e grupos privados,

destacando-se reforma trabalhista, reforma previdenciária, reforma do Ensino

Médio, dentre outras, além de um suposto combate à corrupção tendo em vista

a ampla repercussão direcionada da mídia em relação à Operação Lava Jato.

O quadro delineado ao longo do ano de 2016 e em curso durante o ano

de 2017 retrata duas realidades distintas, o enorme retrocesso na área social e

na área das políticas públicas, ao mesmo tempo que o governo de Michel

Temer avança em inúmeros projetos de privatização, de benefício das

empresas privadas, inclusive internacionais, e dos projetos de liberação dos

recursos naturais e minerais estratégicos.

Sendo assim, o longo percurso de avanços democráticos percorridos

entre 1985 e início de 2016 estão sendo desmantelados por um governo

claramente pautado num projeto desnacional de Estado, de diminuição e

descompromisso com as políticas públicas, de desmantelamento dos pilares

democráticos, dos direitos e garantias fundamentais e dos direitos sociais, que

foram a marca da Constituição Federal de 1988.

A crise política do Brasil chegou a uma dimensão inimaginável a ponto

dos parlamentares fisiológicos e conservadores optarem pela saída de Dilma

Rousseff por uma motivação jurídica frágil e sem fundamento. A situação

gravíssima e atípica demonstra a falência do modelo pós-Constituição Federal

de 1988 consagrado como Presidencialismo de Coalizão, onde o Presidente

sempre busca cooptar os Parlamentares e seus respectivos Partidos que

compõe a base do Governo. Inúmeras pesquisas demonstram que ao longo

destas três décadas a partir de José Sarney, as votações são variáveis e nem

sempre a base do Governo acompanha os interesses do Executivo,

literalmente “ vendendo” o seu apoio de forma variável e mediante contra-

partidas.

O caso de Dilma Rousseff é o mais emblemático porque, além de pouca

disposição para o diálogo com os Partidos e a base do Governo, a Presidenta

demonstrava pouca capacidade de diálogo institucional com o Poder

Legislativo e ao jogo característico do Presidencialismo de Coalizão.

A Constituição Federal de 1988 valorizou bastante a competência e

importância do Poder Legislativo, levando-se em conta a total submissão do

Parlamento ao Executivo durante o regime militar, a violação da vida partidária

com a extinção dos Partidos existentes com a permissão de funcionamento de

um sistema bipartidário sem força e a necessidade de valorização da atividade

política com a retomada do regime democrático e o retorno dos cassados pelo

regime militar através da Lei da Anistia.

É comum definir que a atual legislatura ( 2014-2018 ) é a pior da história

do Congresso Nacional, mas esta definição parece ser equivocada. O

Legislativo é a síntese da sociedade brasileira e embora com um sistema

político eleitoral injusto e desigual, todas as composições do Legislativo usaram

o seu poder de barganha para conseguirem vantagens menores, seja

indicações políticas para cargos na Administração Pública Federal Direta ou

Indireta, aprovação de Emendas Parlamentares ou quaisquer outras vantagens

com uma posição de destaque para pretensões eleitorais futuras. A mudança

dessa matriz depende de uma Reforma Política radical com transformações

profundas que mudariam o sistema que beneficia os atuais detentores de

mandato. A atual composição parlamentar tem duas características

fundamentais para compreender o desrespeito ao resultado eleitoral de 2014.

O primeiro é a quantidade significativa de parlamentares do chamado “ baixo

clero ”, que tinham como principal liderança o Deputado Federal Eduardo

Cunha, não por acaso eleito de forma avassaladora para ocupar o cargo de

Presidente da Câmara dos Deputados, ou seja, o terceiro cargo na linha

sucessória.

Muitos destes parlamentares além de praticarem a baixa política de

conteúdo fisiológico e clientelista, está sendo objeto de processo judicial ou

mesmo investigação pela Polícia Federal, Ministério Público e outros órgãos de

controle, tendo total interesse em que o Executivo use todos os instrumentos

possíveis para conseguir evitar o prosseguimento destes processos,

concomitantemente a se beneficiar de indicações e vantagens.

A segunda característica é que esta base parlamentar fisiológica se uniu

à articulação entre oposição liderada pelo PSDB e setores da base do governo

liderados pelo PMDB, tendo como principais fiadores Fernando Henrique

Cardoso, Aécio Neves, Michel Temer e alguns dos principais atores políticos

deste círculo.

Com estes fatores decisivos, a tentativa de buscar o asfixiamento dos

diversos processos investigativos dos órgãos de controle e a possibilidade

efetiva de um acordo político da Oposição com setores do Governo liderados

pelo PMDB para implementar uma agenda neoliberal e conservadora de

reformas com mudanças estruturais nas relações de produção e de

desenvolvimento, concretizou-se o chamado golpe parlamentar que não seria

possível somente com setores de fora do círculo Legislativo-Executivo.

Importante registrar a criação de um ambiente de crise política, que não

teve resultado com o Mensalão na época da reeleição do Lula, mas teve

reflexo no movimento iniciado pelas passeatas de junho de 2013, na qual a

sociedade foi convocada através de meios sociais para protestar contra

inúmeras obras inflacionadas para a Copa do Mundo de 2014. Embora iniciado

com protestos na alçada municipal contra o aumento de passagens em vinte

centavos, estes protestos sem convocação direta dos Partidos Políticos,

Sindicatos, Organizações Não Governamentais ou Movimentos Sociais foi

canalizado para uma ampliação de reivindicações que extrapolaram Municípios

e Estados para a responsabilização direta do Governo Federal.

O desgaste destas passeatas em 2013 e a realização da Copa do

Mundo em 2014 não foi o suficiente para impedir a reeleição de Dilma

Rousseff, mas com a votação próxima do 2º colocado em decorrência de um

processo eleitoral muito acirrado aliado ao início das denúncias de corrupção

da Petrobrás, levaram a um inconformismo de setores da Oposição, em

particular PSDB e DEM, que tentaram inviabilizar a continuidade da ação de

governo utilizando todos os instrumentos políticos e jurídicos possíveis e

imagináveis, inclusive tentativa de cassação do registro junto ao Tribunal

Superior Eleitoral.

Dilma Rousseff não conseguiu governar ao longo do segundo mandato,

através da ação do Poder Legislativo que pautou temas denominados de

pauta-bomba com total distanciamento dos projetos oriundos do Executivo,

fragmentando a relação estabelecida no sistema do Presidencialismo de

Coalizão.

Por outro lado, o papel da mídia insuflando uma revolta coletiva com

base em informações privilegiadas e direcionadas da Operação Lava Jato, foi

fundamental para criar um clima de revolta contra a corrupção junto a setores

da opinião pública, em especial da classe média. Os meios de comunicação,

dominados por poucas famílias, passaram a sistematicamente fazer uma

alusão ao governo federal como corrupto de forma sistemática e continuada.

Outro elemento fundamental para o sucesso do golpe político

parlamentar foi o apoio da FIESP e do grande empresariado nacional, na

medida em que as reformas seriam ponto fundamental deste governo liderado

pelo Michel Temer, em especial comprometendo-se com Redução de Gastos

Sociais, Diminuição dos Direitos Trabalhistas, Direito Previdenciário, dentre

outras medidas impactantes.

Setores da classe média foram estimulados pela mídia e determinadas

redes sociais a saírem às ruas aos domingos para protestar contra a corrupção

vestindo camisa da CBF e invocando as cores da bandeira brasileira, liderados

por Organizações como Revoltados OnLine, Movimento Brasil Livre, dentre

outros, que, inclusive, tem financiamento de fonte desconhecida e pouco

transparente.

A decisão final do Impeachment de Dilma Rousseff pelo Senado da

República foi uma página lamentável da história política do Brasil, com a

democracia brasileira tendo um retrocesso de cerca de três décadas.

Concretizada a estratégia parlamentar acima discriminada, passou a ser

vivenciado no Brasil um período de gravíssimos retrocessos em todas as áreas

sociais, de políticas públicas, de direitos fundamentais e de defesa dos direitos

sociais já que não existe uma continuidade da aplicação das políticas públicas

do governo eleito, mas medidas ortodoxas de fundamento neoliberal,

justamente do candidato derrotado no 2º turno. A preocupante estratégia deste

governo desprovido de respaldo popular e do sufrágio universal manifestado

pelas urnas, tem inúmeros desdobramentos no plano interno e no plano

externo.

No plano interno, destaca-se a mudança na Constituição que reduziu o

investimento em gastos sociais através de Emenda, a Medida Provisória para

modificação da estrutura do Ensino Médio e Fundamental, fim do Ciências sem

Fronteiras, além da chamada Reforma Trabalhista. Estão em curso a Reforma

da Previdência, abertura de área na Amazônia para exploração por

mineradoras estrangeiras, amplo Programa de Privatização incluindo Casa da

Moeda, portos, aeroportos e outros ativos importantes, pagamento de

mensalidade nas Universidades Públicas, mudança nos programas sociais em

curso, dentre outras medidas com forte impacto social com reflexo nas

camadas mais desfavorecidas da sociedade.

No plano externo, todas as prioridades consolidadas no período Lula e

Dilma, tais como uma estratégia Sul-Sul, valorização de relação estável com os

vizinhos e maior inserção na geopolítica internacional foi abandonada neste

novo projeto.

IV- PARALISIA NOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL

Os efeitos no plano externo tem sido de grande intensidade. Os

governos Lula e Dilma se notabilizaram pela mudança do enfoque tradicional

da política externa brasileira, sempre direcionando para o Norte, com prioridade

para os Estados Unidos e a União Européia.

Lula da Silva, em sua primeira viagem internacional aos Estados Unidos,

proferiu discurso na Casa Branca assinalando que prioridade da política

externa seria o Mercosul e a relação com os países vizinhos.

O Brasil de 2003 a 2016, até a queda da Dilma, pode estabelecer

diretrizes conjuntas nesta perspectiva onde se pode destacar a intensificação

do Mercosul do plano meramente comercial para o plano político e institucional

e a criação de processos de integração norteados pela visão de irmandade que

caracterizou este início de século na América do Sul, em maior escala, e

América Latina.

Processos de integração como a criação da União das Nações Sul-

Americanas, reunindo todos os países da América do Sul e se propondo a ser

um espaço de diálogo, integração e concertação política, e a criação da

Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe ( CELAC ), reunindo

os países da América do Sul, América Central e Caribe, se constituem em foros

estratégicos de decisão e articulação de temas comuns, sem a ingerência dos

Estados Unidos.

Na perspectiva Sul-Sul, alguns espaços foram abertos e outros foram

ampliados. O Brasil passou a ter uma participação mais intensa junto aos

países africanos, através da abertura de Embaixadas e Consulados, além dos

países caribenhos, fortalecendo laços políticos, econômicos e comerciais.

A participação em foros importantes como os BRIC’s, reunindo Brasil,

Rússia, Índia, China e África do Sul, vem proporcionando medidas concretas

como pedido de ampliação de cotas no Fundo Monetário Internacional, por

parte de Brasil e China, sem resposta até o presente momento, a criação do

Banco dos Bric’s e do Fundo de Contingência para investimentos

movimentando recursos de mais de U$ 100 bilhões de dólares cada um.

Estas estratégias mudaram a perspectiva tradicional da diplomacia

brasileira e inseriram o Brasil como um “ player ” na arena geopolítica global,

adquirindo todas as condições para o seu reconhecimento como líder regional.

Algumas conseqüências importantes foram a ampliação do G7 + Rússia para

G20 e a discussão de temas da agenda multilateral como Meio-Ambiente,

Combate à Fome, Cumprimento de Metas do Milênio, dentre outros temas

sensíveis.

A política de maior interlocução com os países vizinhos, seja no âmbito

do Mercosul, seja no âmbito da Unasul, possibilitou um maior credenciamento

no papel de liderança regional, o que permitiu que o Brasil se credenciasse a

apresentar propostas consensuais dos outros países nestes foros de

discussão.

Até no conflito relacionado ao uso de armas químicas pelo Irã, o Brasil e

a Turquia, através dos seus representantes Luiz Inácio Lula da Silva e Recep

Tayyp Erdogan, tiveram papel de protagonismo ao obter um acordo com o Irã,

não reconhecido posteriormente pelos Estados Unidos.

Este protagonismo maior na arena internacional acabou rendendo

alguns frutos tais como a marcação da Rio+ 20, enquanto evento fundamental

para o desdobramento do Acordo do Clima e da Biodiversidade discutido em

várias COP’s, a indicação do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Pan-

americanos em 2007, a indicação do Brasil como sede da Copa do Mundo de

2014, a indicação do Rio como sede das Olimpíadas de 2016, a nomeação de

José Graziano como Presidente da FAO, a eleição e reeleição do Embaixador

Roberto Carvalho de Azevedo como Diretor-Geral da Organização Mundial do

Comércio ( OMC ), dentre outros avanços.

No plano institucional, além da ampliação das cotas já citadas, a criação

de Agências de Desenvolvimento esteve na pauta, em particular o Banco do

Sul, no âmbito da Unasul, e o Banco dos Brics, no âmbito dos Brics, além de

inúmeros órgãos, espaços e estruturas integracionistas que foram criadas.

Outra importante e significativa iniciativa foi o aporte de recursos

financeiros para financiar obras de infra-estrutura que pudessem alavancar as

políticas implementadas pelos Estados Nacionais.

Em síntese, após a saída de Dilma Rousseff todos estes projetos,

prioridades e iniciativas encontram-se paralisadas ou em compasso de espera,

simplesmente porque o grupo hegemônico não tem como objetivo o

estreitamento de laços com países sul-americanos, não acredita no projeto Sul-

Sul, já que o seu eixo tradicional é com o Norte, em especial Estados Unidos e

União Européia e, finalmente, não tem projeto para ser uma liderança regional

ou mesmo ser protagonista de projetos de Estado. A indicação dos Senadores

José Serra e Aloísio Nunes, ambos do PSDB/SP, constitui-se em inacreditável

retrocesso e total falta de compromisso com todos os avanços obtidos até a

presente data.

Depreende-se que todos estes projetos iniciados ou retomados no início

do século, tais como Mercosul político e institucional ao invés de comercial,

Unasul, Celac, Bric’s, Ibas, dentre outros, não serão prioridades cabendo à

sociedade civil, à academia e aos grupos que defendem e acreditam neste

projeto, buscar mantê-los na agenda de atividades e na pauta de debates.

V- CONCLUSÃO

O golpe político parlamentar organizado por setores da oposição

inconformados com a derrota nas urnas aliado ao principal partido político de

sustentação no Parlamento com apoio dos setores já citados e alguns agentes

do Estado em posições estratégicas em órgãos do próprio Estado, destacando-

se Poder Judiciário Federal, Ministério Público Federal, Polícia Federal e

Tribunal de Contas da União, constituiu-se numa decisão política clara de

interromper um projeto de poder pautado nas políticas públicas sociais de

combate à fome e à miséria aliado a políticas de estado de conteúdo

desenvolvimentista.

Embora muitos parlamentares tivessem como principal objetivo o

fisiologismo e o fim das investigações de denúncias de corrupção, a

intermediação política no Parlamento foi comandada pelo então Presidente da

Câmara dos Deputados que tinha o total comando do chamado “ baixo clero ”,

onde situa-se boa parte dos parlamentares da atual legislatura. Estes

Deputados pouco aparecem, não tem protagonismo, não são formuladores ou

base pensante dos principais projetos de lei ou propostas de emenda à

Constituição, mas integram a maior parte das bancadas que compõe a Câmara

dos Deputados e o Senado Federal, sendo conseqüência da falta de

representatividade, pouco compromisso do eleitor com o voto consciente e

ainda reflexo do financiamento privado e empresarial das campanhas eleitorais.

Finalmente, estes parlamentares tem postura paroquial e estão pouco

preparados ou interessados na discussão dos grandes temas nacionais. Se

não estão preparados para debater os grandes temas nacionais, o que dizer de

temas internacionais? Esse grupo que, majoritariamente, votou a favor do

impeachment, mesmo com frágeis argumentos, sob a liderança de Eduardo

Cunha, não dimensiona o que significa um processo de integração com a

dinâmica que passou a ter o Mercosul após 2003, tampouco estão

interessados em debater a importância de se direcionar como política de

Estado, uma estratégia Sul-Sul, ampliando o leque de novos mercados,

posicionando-se em grandes temas de uma agenda multilateral e tendo maior

relevo na geopolítica internacional, ao invés de praticar uma política externa

sem protagonismo e de clara dependência.

Em conclusão, constata-se que o movimento político que culminou com

o golpe político não apresenta qualquer vantagem para a população eis que

afetada por um conjunto de medidas desfavoráveis em termos de políticas

públicas. O empresariado ainda vai sofrer os reflexos de sua opção equivocada

porque as medidas implementadas pelo Ministro da Fazenda Henrique

Meirelles, totalmente compromissado com o sistema financeiro, são de

conteúdo ortodoxo e não tem o objetivo de dinamizar a economia ou retomar

os níveis de emprego e renda do período anterior, mas sim ampliar a recessão

com a retirada do excesso de moeda circulante. Mesmo com medidas

recessivas, o déficit público continua aumentando e não existe possibilidade de

melhora no curto prazo.

Ao se afastar das prioridades dos Governos de 2003-2016, interrompeu-

se obras de infra-estrutura que poderiam se beneficiar de Bancos de Fomento

e Desenvolvimento como Banco do Sul e Banco dos Bric’s, na medida em que

incentivaria a retomada da atividade econômica. O quadro se deteriorou

também graças a Operação Lava Jato que teve grande repercussão da mídia e

contribuiu para acabar com milhares de empregos diretos e indiretos na

construção naval, Off-Shores, encomendas de navios e outras atividades

secundárias que se beneficiavam do círculo virtuoso de desenvolvimento.

VI-OBRAS CITADAS

ABRANCHES, Sérgio., 1988, “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”. Dados, v. 31, n.1, p.5-38, 1988.; BONAVIDES, Paulo “ Curso de Direito Constitucional ” - Malheiros Editora 27ª Edição atualizada, 2017

GIDDENS, A. The transition to the late modern societ. International Sociology,volume 13. n. 1, março 1998. LIMONGI, F., 2006, “A democracia no Brasil Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório”., Novos Estudos CEBRAP , 76, São Paulo, 2006 MOISÉS, José Alvaro “ O DESEMPENHO DO CONGRESSO NACIONAL NO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO (1995-2006)” in “ O papel do Congresso

Nacional no Presidencialismo de Coalizão, Mosés, José Alvaro ( organizador ) Konrad Adenauer Stiftung

SANTOS, Theotônio dos. Do Terror à Esperança – auge e declínio do neoliberalismo. Aparecida: Editora Idéias e Letras, 2004. _______________. Economia Mundial: Integração Regional e Desenvolvimento Sustentável, Petrópolis: Editora Vozes, 1999. SILVA, José Afonso da “ Curso de Direito Constitucional Positivo “ - Malheiros Editora 40ª Edição, 2017

GT nº 2: Integração Política: convergências e divergências

APRESENTAÇÃO DO AUTOR

SÉRGIO LUIZ PINHEIRO SANT’ANNA, Professor da Universidade Cândido Mendes; Procurador Federal; Presidente

da Comissão de Direito da Integração do IAB; Doutor em Ciência Política pela UFF; Conselheiro da OAB-RJ,

sergio_santanna@uol.com.br

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