palavra de homem - aldir blanc

Post on 25-Jun-2015

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Category:

Entertainment & Humor

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“Palavrade

Homem”

Aldir Blanc

No apartamento onde moro existe um cômodo misterioso: o escritório.

Não escrevo nele, mas lá estão os livros, o computador, a velha máquina de escrever, o fax, os discos.

... De vez em quando, peço licença e entro

lá pra apanhar alguma coisa

O lugar é dominado por minha mulher e

quatro filhas.

Uma noite, fui atrás de um livro policial com Pepe Carvalho, meu detetive favorito, e dei de cara com

as cinco me olhando.

Só o homem que vive com cinco mulheres sabe os

riscos dessa convivência.

É preciso ser o que meu amigo Mello Menezes chama

de "canalha cálido": terno, compreensivo, com apurado

senso de justiça.

Ajeita daqui, manera de lá, tentando não perder um

pedacinho sequer do imenso amor que todas sentem por mim e que eu, modéstia à

parte, mereço.

Na tal noite, que mudou minha vida, as cinco me olhavam, intensas, e pude sentir que o homem não é nada quando

mulheres tomam uma decisão.

Os olhares diziam mais ou menos assim: isso é assunto nosso, morou?

Estamos envolvendo você por consideração,

etc, mas ESSE NÃO É SEU

DEPARTAMENTO, CERTO?

Uma delas me deu uma lata de cerveja geladinha, outra me passou uma cigarrilha holandesa, botaram um disco de

jazz que eu amo na vitrola, e Isabel, a caçula, me jogou um beijinho como quem diz: coragem!

Cumprido esse preâmbulo ritualístico,

a Rainha das Amazonas anunciou:

- Tatiana está grávida.

Elas dizem que é folclore, mas eu senti direitinho a fumaça da cigarrilha saindo pelas orelhas.

Engasguei, fiz gestos estranhos, e a Patrícia suspirou:

- Eu disse que era melhor acender um troço mais forte...

Eu nasci no Estácio, pô! Qualé?

Fui criado em Vila Isabel! Não vou perder a pose mole, não!

Eu e o Bruce Willis somos duro de matar, neguinhas!

Vou mostrar pra vocês meu famoso jogo de cintura.

Quando vocês iam, eu já estava voltando, tá legal?

Parei de espernear, levantei do chão, Isabel enxugou a lourinha entornada em minha camisa, e tomei ali, na

hora, uma decisão de macho: não vou permitir que elas percebam meus verdadeiros sentimentos.

Nunca! Para o próprio bem delas, tenho que

ficar frio.

Vou fazer minha imitação de

Robert Mitchum.

Pronto. Nervos devidamente colocados no lugar, tive um acesso

de choro.

Nada de BUÁÁÁÁÁÁ e SNIFF, coisa de criança.

Sou da Zona Norte.

Foi assim: AAAMMMHHHNNNN!

Vendo que eu havia conseguido o completo domínio de minha

emoção, Mari Lúcia continuou: - São gêmeos.

-AAAIIIIIMHHNNNHHHIIIIGRFSS!

Mais lenha: - A Mariana também está grávida.

Voltei a mim, igualzinho no antigo samba, nos braços de Isabel. "Nos braços de Isabel eu sou mais homem, nos

braços de Isabel eu sou um deus...“

Afagando minha barba em desalinho,

Isabel brincou:

- Vai ser vovô...

Mari Lúcia me abanava, Mariana pingava gotinhas de Efortil dentro de outra latinha, Jung (meu bravo e fiel cão de guarda), lambia minha cara, Patrícia rezava um mantra

aprendido em Búzios e Tatiana repetia, sorridente:

- Assim a gente mata o velho...

Minha garganta emitia sons gorgolejantes.

Todas insistiam: - Fala, tenta falar. Cê vai se sentir melhor.

Consegui articular: - Tô com uma vontade louca de

comer carambola.

É isso, amigas.

Fecundado pela palavra vovô, eu estava irremediavelmente

grávido de meus netos.

Aldir Blanc

ImagensGoogle

MúsicaErnesto Cortazar

FormataçãoChristina Meirelles Neves

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