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os muitos nomes do amor
Tradução de Irene Ramalho
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Prólogo
Com ela, num futuro próximo, em Brighton– Vais ajudar-me, não vais? – pergunta ela.– Se puder – respondo. Questiono-me o que pensará que alguém
que acabou de conhecer pode ajudá-la a fazer, quando tem uma fa-mília inteira na sala ao fundo do corredor às suas ordens. – Para que precisa de ajuda?
Esta mulher, a minha avó, que na verdade só entrou na minha vida há uma hora, fixa-me com um olhar determinado e um tanto assus-tador, tecido em tons de desafio. Talvez me tenha enganado. Talvez os que estão lá fora não lhe sejam tão dedicados e não lhe tenham tanta afeição como julgava. O que pretende fazer, seja lá o que for, é claramente algo que não obteria a aprovação dos restantes. Durante algum tempo não diz nada, e quanto mais me fixa com os seus olhos castanhos, a cor desvanecida pela idade, mais sinto expandir-se o nó de inquietação que me aperta o estômago. Eu não devia estar aqui a ter esta conversa com esta mulher. Devia tê-la trazido de volta ao quarto e desandado o mais depressa possível. Quanto mais tempo aqui passar, pior vão correr as coisas para o meu lado.
A longo trecho, tão longo que julguei que não ia acrescentar mais nada, ela fala. Quase a medo, aos arranques, diz:
– Chegou a minha hora. Já estou muito velha… muito doente… demasiado cansada para continuar neste mundo. – Interrompe-se, mas continua a fitar-me intensamente. – Chegou a minha hora. Quero… quero deixar esta vida. Tens de me ajudar.
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PARTE 1
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Smitty
– Menina Smittson, é um prazer tornar a vê-la.– Igualmente, Sr. Wallace – respondo. Sorrio-lhe e enfio as mãos
nos bolsos das calças militares para não ter de lhe apertar a mão. Já nos encontrámos duas vezes antes, e em ambas as ocasiões tive de o fazer e achei a mão dele quente e pegajosa. As imagens do que poderia ter estado a fazer para ficar com ela assim são um filme de terror que não me sai da cabeça.
Apertado num fato preto que já viu melhores dias, o Sr. Wallace estende-me a mão. Hesito. O resto parece seco e normal, e pergunto--me se não aceitaria antes um abraço. Evitaria tocar-lhe na mão sem parecer malcriada, e seria, no todo, bastante mais benéfico para a minha saúde mental. Ele faz um grande sorriso e estica um pouco mais o braço. Derrotada, deixo-o apertar a minha mão na dele, hú-mida e suada. O toque provoca-me um calafrio e recolho-a logo que posso, mas não tão depressa que ele possa dar por isso e ficar ofen-dido. Talvez não tenha culpa por transpirar tanto das mãos, talvez sofra de uma doença e não consiga evitá-lo. Talvez o filme de terror que imaginei não tenha qualquer cabimento e ele não se entregue a atividades repugnantes dentro do carro antes das reuniões com os clientes.
A atenção do Sr. Wallace desvia-se para a mulher mais velha de cabelo castanho e ondulado, com madeixas grisalhas, que está em silêncio ao meu lado. Faz-nos um sorriso curioso, aguardando as apresentações.
A minha mãe, que deve ter percebido a minha relutância em
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apertar a mão do agente imobiliário, agarrou-se à mala com ambas as mãos para as manter ocupadas enquanto eu os apresento.
– Sr. Wallace, apresento-lhe a minha mãe, Heather Smittson – digo eu. – Mãe, este é o agente da imobiliária que está a tratar do arrendamento.
O Sr. Wallace faz imediatamente aquela cara. Aquilo que fazem a maioria das pessoas que não conhecem a minha família: em cho-que, olha rapidamente de uma para a outra, sem saber como con-ciliar o que vê com as minhas palavras. A seguir, vem o ar perplexo e desconfiado, e a confusão apodera-se das feições dele, dando-lhe um ar carrancudo.
Estamos no parque de estacionamento de um bonito complexo de apartamentos Art Déco em tijolo claro à beira-mar, em Hove. Esta vai ser a minha nova casa, um sítio para recomeçar. Tudo o que é mau ficou a quinhentos quilómetros, num sítio chamado “passado”, e tudo o que há de bom está aqui, prestes a acontecer num novo e radioso destino chamado “futuro”. Tirando, é claro, pequenos contratempos como este homem, mais próximo da idade da minha mãe do que da minha, a brindar-nos com um olhar reprovador digno do Urso Paddington por não perceber como é que a minha mãe pode ser minha mãe, e eu, filha dela. Para ele, seguramente, tal não deveria ser possível.
De repente, a minha mãe parece precisar de qualquer coisa da mala preta de pele. Abre-a e desata a revirar o conteúdo como se não houvesse amanhã. O que procura é, sem dúvida, tão importante que o mundo pode acabar se não o encontrar IMEDIATAMENTE. Na realidade, o comportamento dela é o equivalente a tapar os ouvidos e a cantar a plenos pulmões para ignorar o que acaba de acontecer, algo que faz sempre que surge a necessidade de explicar a nossa situa-ção. Se a estratégia da mala não funcionar, começará simplesmente a deambular sem destino, fingindo não ter percebido que estávamos a meio de uma conversa.
Com a minha mãe a chafurdar dentro da meticulosamente or-ganizada mala, deixando bem claro que não prestará qualquer es-clarecimento, o Sr. Wallace volta-se novamente para mim. Cabe-me agora a tarefa de explicar a situação. Devia dizer-lhe que sou adotada,
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referir que os meus pais abraçaram o estereótipo dos pais brancos que adotam crianças negras muito antes de várias celebridades terem feito disso uma moda. Ele olha-me fixamente, eu devolvo-lhe o gesto. Quer respostas para as perguntas que não ousa articular, e eu não pretendo dar-lhas. Estou sem paciência.
Como se Alguém Lá No Alto soubesse que preciso que me tirem deste aperto, o bolso interior esquerdo do casaco do Sr. Wallace co-meça a vibrar e ouve-se o toque discreto e metálico de YMCA.
– Perdão – diz ele, e pega no telemóvel. Olha para o ecrã, faz uma careta, debate-se. – Desculpem, mas tenho mesmo de atender. É uma emergência prestes a acontecer. Importam-se?
Carrega na tecla para atender, leva o telemóvel ao ouvido sem me dar tempo sequer de reagir e afasta-se, atravessando a calçada marí-tima na direção da vedação verde-mar que separa a terra do oceano.
– Bem, que falta de educação – declara a minha mãe. Retira a ca-beça e a mão de dentro da mala e volta a fechá-la, apertando a mola de latão com um estalido sonoro. – Estávamos a meio de uma conversa.
Eu estava a meio de uma conversa, queres tu dizer, diz a pes-soa que eu sou na minha cabeça. Tu estavas: “lálálálá, isto não está a acontecer”. A pessoa que sou na realidade diz:
– Não tem importância, mãe. Assim temos oportunidade de ver bem o sítio. O que achas?
O edifício é imponente e esteticamente agradável. A parte inferior foi pintada de bege e assemelha-se, à distância, a uma saia curta num tecido acetinado, e a metade superior parece envergar uma blusa de arenito ocre. Os cantos do edifício são arredondados em vez de bi-cudos, e o andar superior parece ser um único apartamento estilo penthouse. O meu apartamento fica no primeiro andar, e quase todas as janelas têm vista para o mar. Arrendá-lo não ficou nada barato, embora tenha conseguido um grande desconto por se encontrar vago há muito tempo e os donos quererem desesperadamente arrendá-lo. Agora, porém, não quero preocupar-me com o dinheiro. Virá das mi-nhas poupanças, e é só por seis meses, até decidir o que fazer a seguir.
A minha mãe, que raramente se mostra impressionada, dá uma volta lenta sem sair do lugar e contempla o mar, que hoje é de um azul-turquesa cintilante, e o céu a condizer, com nuvens que
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parecem tufos de algodão. Enquanto ela aprecia a paisagem, retiro a minha pequena máquina fotográfica instantânea do bolso do joe-lho esquerdo das calças azuis-escuras e ligo-a. Tenho de registar este momento para poder escrever por baixo “Com a minha mãe, maio de 2015, à porta da casa nova (Brighton/Hove)”, e afixá--lo na parede do meu quarto. Uma lembrança do momento em que a minha nova vida começou.
Dentro do bolso do joelho direito, o meu telemóvel começa a zumbir, provavelmente pela quinquagésima vez hoje. Ignoro-o e tiro a fotografia, capturando a nossa proximidade ao mar, bem como o aspeto do edifício.
– Quem é que está sempre a mandar-te mensagens? – pergunta a minha mãe, incapaz de continuar a ignorar a situação. Esteve todo o dia a conter-se, mas esta SMS deve ter sido a gota de água. Parece tão irritada que quem a ouvisse pensaria que foi ela quem passou o dia inteiro a receber SMS pelo menos seis vezes por hora. A minha mãe perde as estribeiras quando alguém usa “tecla” como verbo. (Vale a pena fazê-lo só para a ver de narinas frementes e olhos cor-tantes como lasers azuis a tentar queimar-nos a língua por um ato tão vil.) – Passaste a viagem a receber mensagens e continuas a re-cebê-las, mesmo não tendo respondido. Quem é?
– Quem é que tu achas que é? – respondo, mais insolente do que seria necessário.
– Não lhe disseste que não queres continuar a vê-lo? – pergunta ela.
Fala como se se tratasse de um namorico incipiente e não de uma relação de doze anos de vida em comum, que para ele já deve-ria estar mais do que morta e enterrada.
– E então, disseste-lhe ou não? – insiste ela perante o meu silêncio.– Disse, claro que disse.– Então, porque continua ele a mandar-te mensagens?Pelo mesmo motivo que me leva a lê-las: queria que a relação não
tivesse terminado; que nada disto tivesse acontecido. Queria ainda viver em Leeds com os nossos planos para o futuro, de olho naquela loja no Bairro Vitória. Queria continuar a fazer joias, a ter discus-sões com ele por ser tão desorganizada e a planear fins de semana na
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nossa caravana. Quero a vida que me foi prometida e que imaginei viver antes de tudo isto ter acontecido, e calculo que ele sinta o mesmo.
Não posso conversar sobre isto com ninguém, muito menos com ela, que ao longo dos anos sempre mostrou ter muito pouca consideração por ele.
– Não sei porque continua a mandar SMS, mãe. – Com a preci-são de um relógio suíço, o olhar dela endurece e as narinas fremem--lhe de irritação ao ouvir o neologismo. – Provavelmente acha que consegue fazer-me mudar de ideias se continuar a insistir.
– Típico – resmunga ela sem rebuço. – Nunca me agradou aquele feitio dele, sempre tão seguro de si e confiante.
– A sério? – replico. – Eu cá sempre adorei essa faceta dele.– E de muito te serviu – retruca a minha mãe. Apanhada de sur-
presa, dou um passo atrás. Não costuma ser tão rancorosa. Nor-malmente fala com azedume, mas isto atingiu-me como uma farpa envenenada em cheio no peito, mesmo na zona do coração, que é onde dói mais neste momento.
Apesar de ter visto a minha reação, e notado que me afastei dela, continua a observar-me sem sombra de remorsos.
Sinto as lágrimas a assomarem-me aos olhos. Só me apetece di-zer-lhe mete-te na tua vida. Recuo mais um passo e viro a cara para o lado, pois desconfio que insultar a minha mãe ou chorar à frente dela só iria piorar as coisas.
Com o Seth e o Dylan, novembro de 1996, Liverpool– Posso oferecer-te um copo?O homem que me dirigiu esta pergunta parecia-me vagamente
familiar, apenas mais um neste mundo académico de rostos parcial-mente relembrados.
Tinha vindo sentar-se do outro lado da mesa, na zona do bar aca-démico onde o Dylan, o amor da minha vida, tinha assentado arraiais nas poucas semanas desde o início das aulas. O Dylan era uma espé-cie de polo magnético, uma vez que tendia a atrair as pessoas, que se aglomeravam perto dele como fãs à volta de uma estrela de rock, e pa-reciam não se importar se ele não chegasse efetivamente a dirigir-lhes a palavra enquanto conviviam no bar. Hoje era uma daquelas raras
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ocasiões em que estávamos só eu e ele a tomar um copo ao fim da tarde, após uma aula de uma cadeira opcional à qual tínhamos sido os únicos a assistir. Havia outras aulas prestes a começar ou a terminar, e nesse interregno tive a sorte de o ter só para mim. E estava a sabo-rear cada segundo… até ter aparecido este paspalho.
Tal como acontecia com a maioria das pessoas que conhecia da faculdade, não sabia bem se se tratava apenas de alguém com quem costumava cruzar-me – nos corredores, na biblioteca ou mesmo ali, no bar – ou se o teria conhecido antes de ingressar no curso de Ciências Políticas da Universidade de Liverpool.
– Eu cá bebo uma cerveja, se fores tu a pagar – respondeu-lhe o Dylan.
– Não estava a falar contigo – disse o recém-chegado, de bom humor. – Estava a oferecer um copo aqui à tua amiga.
Apontei para mim própria, surpreendida.– A mim? – Ninguém, fosse homem ou mulher, reparava em mim
quando estava com o Dylan, com aquele seu carisma de estrela do rock.
– Sim – disse ele.– Não. Agradeço, mas não.– Aproveita enquanto podes – comentou o Dylan, risonho.
– O Seth não é propriamente conhecido por ser um mãos largas.– Deves estar a confundir-me com um espelho, bacano – repli-
cou o outro, o tal Seth. – E é por isso que não me ofereço para te pagar um copo. Estás a dever-me aí uns dois mil.
O Dylan riu-se de novo.– A tua mãe não será, por acaso, fã das novelas da ITV? – per-
guntei. Podia ter um interesse especial por nomes bíblicos ou mito-lógicos, mas queria-me parecer que a cultura televisiva dos nossos dias era mais a coisa dela. O Seth anuiu com um gesto lento.
– E eu até tive sorte – disse ele, e riu-se. Quando se ria, os lábios rosados davam o palco a uma dentição alva e perfeita e os olhos verde avelã ganhavam um brilho divertido e afável. – O meu irmão chama-se Sugden. Como já havia Alan e Jack na família, calhou-lhe a ele chamar-se Sugden.
– Brincas – escarneci.
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– Podes acreditar – disse o Dylan. – Conheço o Seth desde o in-fantário. Crescemos relativamente perto um do outro. E agora, apa-rentemente, também veio para cá estudar Ciências Políticas. Não há maneira de me livrar dele, pelos vistos. Mas sim, o irmão chama-se mesmo Sugden. Com uma família tão distinta e ilustre, seria de es-perar que a mãe tivesse um pouco de vergonha, mas não.
O Seth concordou com um aceno de cabeça.– Seth – disse eu, contemplativa.– Sim?– Nada, estava só a experimentar o nome. Creio que nunca
o tinha dito antes.Pelo canto do olho vi o Dylan a franzir-me o sobrolho.– E tu, como te chamas? – perguntou o Seth.– Clemency Smittson. Só te digo o meu sobrenome porque os
meus amigos me chamam Smitty. Foi o meu pai quem começou, tinha eu uns doze anos. Fazia a minha mãe trepar pelas paredes, mas acabou por pegar.
– Estou a ver – disse ele com um aceno de cabeça. – Agora, para mim a questão é: tens mais cara de Smitty ou de Clem? – Foi a vez de o Seth receber um olhar carrancudo e desconfiado do Dylan, mas ele pareceu não dar por isso. Ou se deu, não quis saber. Levantou-se, sempre sem tirar os olhos de mim. – Ponderarei a questão enquanto vou ali ao bar. Tens a certeza de que não te apetece nada?
– Pensando melhor, já bebia qualquer coisa. Meia cerveja com lima, por favor.
– Sai uma meia com lima.Quando o Seth se afastou da mesa, o Dylan encostou-se para
trás, descaindo um pouco contra o braço do sofá de canto de que nos tínhamos apoderado, e pôs-se a olhar para mim com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado, como que a tirar-me as medidas. Ao ver-me a observar o Seth ao balcão do bar, disse-me:
– Nem penses nisso, Smitty.– Em quê? – perguntei.– Sabes muito bem – murmurou ele, irritado. – Não fiques com
ideias. Com ele, não.– E porquê?
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– Porque não, OK? – Olhou de relance para o Seth, o que me fez olhar também. – Ainda somos todos muito novos, acabámos de entrar na faculdade… Não te envolvas com tipos como ele.
– Porquê? É assim tão sacana?– Ná… é bom rapaz. Mas se fores para a cama com ele ainda te
apaixonas, ou qualquer outra coisa igualmente estúpida, e ele, por ti, que é o mais certo. É muito cedo para relacionamentos sérios.
– Deves estar a gozar comigo – disse-lhe eu. Mal podia acreditar no que ouvia.
– Não, não estou. Longe disso. Só acho que… Olha, para ser sin-cero, eu não ia gostar. Eu é que sou teu amigo, não ele.
O Dylan e eu tornámo-nos “amigos” na primeira semana de aulas na faculdade, quando me sentei ao lado dele numa aula de Funda-mentos da Política. Voltei-me para o lado para perguntar a que horas terminava a palestra e fiquei de queixo caído. Era pura e simples-mente o homem mais bonito que alguma vez tinha visto. Apaixonei--me logo por aquele tom de pele rico, cor de azeitona, o cabelo preto muito curto, os enormes olhos castanhos e o sorriso fresco e sincero. Era impossível ficar-lhe indiferente. Ao longo das aulas seguintes descobrimos que tínhamos o mesmo sentido de humor e que gostá-vamos da mesma música e dos mesmos filmes, e quase sem dar por isso passei a ser uma das fãs dele, o que não me incomodava grande-mente porque poucas das outras frequentavam as mesmas cadeiras que o Dylan e, por isso, não passavam tanto tempo com ele dentro e fora das aulas como eu.
O que ele agora me estava a querer dizer, porém, é que eu es-tava um degrau acima da comitiva de mulheres bonitas que parecia despertar-lhe o interesse; que era diferente. Que ficaria aborrecido se eu dormisse com outro.
– Estarás mesmo a dizer-me que não queres que eu namore com o Seth por ele ser um tipo às direitas? – perguntei-lhe.
– Namorar? – disse o Dylan, a desesperar. – Smitty, ainda agora conheceste o tipo. Só estou a dizer que devias pensar melhor, está bem? – Encolheu os ombros. – Por favor. Conheço-o há muito tempo, somos bons amigos. E tu e eu temos… bem, adiante. Só não vás por aí.
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– É muito gentil da tua parte preocupares-te tanto com os meus sentimentos – repliquei com fingida indiferença. Mas por dentro… por dentro sentia os órgãos vitais a fazerem piruetas: o Dylan gos-tava de mim a ponto de sentir ciúmes.
– Refleti muito sobre o assunto – declarou o Seth. Depositou as nossas bebidas na mesa, ignorando os queixumes do Dylan, que se sentia posto de lado, e concentrou-se em mim. – Decidi passar a cha-mar-te Smitty. Importas-te que te chame Smitty?
O meu sorriso apanhou-o de surpresa. Tinha-me feito um favor colossal: tornara-me interessante e desejável aos olhos do Dylan. O Dylan gostava de mim! Nunca me tinha passado pela cabeça que tal pudesse acontecer. Nunca.
– Claro que podes chamar-me Smitty. Na verdade, ficaria ofen-dida se não o fizesses.
– Excelente – respondeu o Seth.Nem imaginas como, pensei eu ao mesmo tempo que o Dylan
se endireitava no sofá. Com uma mão pegou no copo praticamente vazio e bebeu um trago, enquanto por baixo da mesa a outra mão repousava possessivamente na minha coxa. Mesmo, mesmo excelente.
O Sr. Wallace conclui a chamada e prepara-se para voltar para junto de nós. Estou a tentar desesperadamente reter as lágrimas e afastar a dor que as palavras da minha mãe causaram, e pouco a pouco a agonia começa a retroceder e a calma regressa. A minha mãe continua a olhar-me fixamente, mas eu ignoro-a e concentro-me no Sr. Wallace e em não mostrar que conseguiu atingir-me.
– Peço imensa desculpa pela interrupção – diz ele. – Agora, se fizerem o favor de vir comigo, vou mostrar-vos a vossa casa nova.
Sim, é verdade. Como se já não tivesse problemas que cheguem, a minha mãe vem viver comigo.
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