os lusíadas despedidas em belém, canto iv, 84-93 · 2ª parte (estrofe 87 à estrofe 92)
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Os Lusíadas
Despedidas em Belém, Canto IV, 84-93
•Vasco da Gama continua o seu relato ao Rei de Melinde;
•Nesta altura, Gama torna-se também personagem e narra a
preparação da partida da armada e o ambiente vivido durante
as despedidas em Belém.
Partiram no dia 8 de Julho de 1497
1ª Parte (estrofe 84 à estrofe 86)
Localização da ação no tempo e no espaço (Reinado de D.
Manuel I; Lisboa);
Preparação das naus / vista geral da praia;
Preparação espiritual dos marinheiros (oração e pedido de
auxílio).
84
E já no porto da ínclita Ulisseia
Cum alvoroço nobre e cum desejo,
(Onde o licor mistura e branca areia
Co salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente marítima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda parte.
Já no porto de Lisboa, onde o Tejo mistura as suas águas e areias
com as do oceano, estavam prestes as naus e os homens,
alvoroçados e animados de um nobre desejo. Nenhum receio
entravava o atrevimento juvenil. Soldados e marinheiros (“gente
marítima e a de Marte”) estão prontos a seguir o Gama para onde
quer que seja.
85
Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados
Pera buscar do mundo novas partes. (objetivo da viagem)
Nas fortes naus os ventos sossegados
Ondeiam os aéreos estandartes;
Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas como a de Argos.
Vêm os soldados pelas praias, vestidos de cores e feitios
diversos, preparados para buscar novas regiões do mundo. A
brisa faz ondear as bandeiras das naus, que estão destinadas,
pela sua grande viagem, a subir ao céu, como a dos
Argonautas.
86
Despois de aparelhados desta sorte
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhámos a alma para a morte, (ouvimos missa e comungámos)
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder que a etérea Corte
Sustenta só coa vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse. (auxiliasse)
Depois dos preparativos para viagem, prepararam a alma para
a morte, que anda sempre diante dos olhos dos marinheiros.
Imploraram o favor de Deus para que favorecesse os começos
da viagem.
2ª Parte (estrofe 87 à estrofe 92)
Descrição da “procissão solene” até às naus.
Reações das pessoas que assistem à partida ( a gente da
cidade, as gentes, as mulheres, mães,esposas e irmãs, os
homens, velhos e mininos...)
Reações da Natureza à partida dos marinheiros (“...respondiam,
quase movidos de alta piedade”)
87
Partimo-nos assim do santo templo (Ermida de Nossa Srª de Belém)
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, pera exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
Assim partiram do templo de Belém, que está à beira da
água. Quando pensa nesta partida, Vasco da Gama mal
pode reter as lágrimas.
Belém é o nome da terra onde nasceu Cristo. O mesmo
nome foi dado a uma capela, depois substituída pelo
Mosteiro dos Jerónimos.
88
A gente da cidade aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes.
E nós co a virtuosa companhia
De mil religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
Para os batéis viemos caminhando.
Vinha gente da cidade por causa de amigos os parentes ou só
para ver, saudosos e tristes. Eles, acompanhados de muitos
frades, em procissão solene avançaram rezando para os batéis.
89
Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam,
As mulheres cum choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
As gentes davam-nos já por perdidos, tratando-se de uma
viagem tão longa e incerta. As mulheres choravam, os
homens suspiravam de maneira comovente. Nas mães,
esposas e irmãs era maior ainda o desespero e o medo.
90
Qual vai dizendo: -”Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mi te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento, (pleonasmo)
Onde sejas de pexes mantimento?”
Uma fala ao filho, queixando-se de que ele a deixa
desamparada na velhice para ser comido pelos peixes.
91
Qual em cabelo: -”Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Por que is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha, e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?”
Outra, com o cabelo descoberto, fala ao marido, mostrando-se
magoada por ele ir arriscar ao mar uma vida que lhe pertence (a
ela) e trocar o amor entre ambos pela incerteza.
92
Nestas e outras palavras que diziam
De amor e de piedosa humanidade,
Os velhos e os mininos os seguiam,
Em quem menos esforço põe a idade.
Os montes de mais perto respondiam,
Quase movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.
3ª Parte (estrofe 93)
Embarque / partida para a Índia sem as despedidas habituais.
“Determinei de assi nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado”
***
93
Nós outros sem a vista alevantarmos
Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado,
Determinei de assi nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
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