os desafios da escola pÚblica paranaense na … · refletir as proposições e resultados...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
PLANO DIRETOR DE TOLEDO: zoneamento urbano, especulação
imobiliária e expansão urbana
Márcio Adriano Solera1
Edson dos Santos Dias2
Resumo: O artigo, que é parte do Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná, busca refletir as proposições e resultados objetivados a partir do Projeto de Intervenção Pedagógica, intitulado Plano Diretor de Toledo: zoneamento urbano, especulação imobiliária e expansão urbana. O projeto, realizado como Produção Didático-Pedagógica, e desenvolvido com alunos do ensino médio, da rede pública do Estado do Paraná, do município de Toledo, do Colégio Estadual Senador Attílio Fontana, visava atender as linhas de estudo do PDE, no campo dos Fundamentos teórico-metodológicos da Geografia. Para tal, foi realizado um recorte nos conteúdos básicos do ensino médio, que aborda a formação e o crescimento das cidades, a dinâmica dos espaços urbanos e a urbanização recente, analisando e refletindo as escalas global, nacional e local, como forma de valorizar a realidade vivida, e os componentes locais das políticas urbanas, vinculadas ao modo de produção, consumo e reprodução da cidade de moradia da comunidade escolar. Foram considerados, nessa prática de reflexão e análise, documentos oficiais como o Plano Diretor do Município de Toledo e sua respectiva Lei de Zoneamento Urbano, além de considerações históricas a partir de fragmentos de textos e artigos que abordam a construção histórica da cidade, contemplando uma visão dialética do passado com o presente, das normas e leis que atuam sobre o zoneamento da cidade, e sobre as práticas da especulação imobiliária e da própria expansão urbana do município. Procurando compreender os conceitos de cidade pelo valor de uso e pelo valor de troca, visualizando componentes do mercado capitalista nas práticas diárias da cidade, é que se propôs tal trabalho. Palavras-Chave: Cidade. Plano diretor. Lei de zoneamento urbano. Especulação imobiliária. Expansão urbana.
1. Introdução
Considerando a realidade encontrada em uma sala de aula da rede pública de
ensino do Estado do Paraná, de um bairro de periferia do Município de Toledo, do
Colégio Estadual Senador Attílio Fontana – CESAF, é que foi proposta a reflexão
sobre um tema de enormes contrastes e desigualdades. Tomando como base o
entendimento da cidade enquanto permeada por processos de produção e
reprodução do capital, e suas práticas privadas e públicas, é que conduzimos a
abordagem do tema da moradia e do solo urbano, como parte de um contexto
fundamental de vida das famílias desses adolescentes e jovens do ensino médio, e 1 Professor PDE da Rede Pública do Estado do Paraná, Licenciado em Geografia pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, campus Marechal Cândido Rondon, e Especialista em Educação e Geografia Econômica pela mesma Instituição. 2 Professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Licenciado e Bacharel
em Geografia pela UEM, Mestre em Geografia pela UFSC, e, Doutor em Geografia pela UNESP, 2006, orientador PDE.
como retrato presente do cotidiano de alguns deles que, já tendo constituído família,
desejam a moradia como parte de um projeto de realização pessoal e familiar. Mas,
para além dessa condição individual, buscou-se o entendimento considerando os
desdobramentos políticos de intervenção urbana, na prática de organizar o espaço e
seus diversos condicionantes jurídicos, institucionais e porque não dizer, de
interesses privados conduzidos pela lógica do mercado e que possuem uma
interferência considerável quando o assunto é expansão urbana e produção de
moradias.
Diante da dialética do processo de ensino, seguindo pela Linha de Estudo em
Fundamentos teórico-metodológicos da Geografia, do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, e na busca de um embasamento mais crítico
por parte dos alunos envolvidos, e, também, do próprio professor, passou-se a
estudar o que se caracteriza enquanto políticas públicas urbanas, e entender os
espaços de representação, e como, na forma de lei, são promovidas as audiências
públicas para a elaboração e aprovação do plano diretor. Os planos diretores são
exigidos dos municípios com mais de vinte mil habitantes, mas, em geral, os temas
relacionados ao plano diretor, audiência pública, zoneamento urbano são abordados
de forma superficial, isso quando constam, nos livros didáticos do ensino médio.
Essa situação, somada às dificuldades para a execução de projetos e aulas de
campo, para contrapor com o aluno e a comunidade escolar, sua própria realidade
diante dos documentos norteadores das políticas locais e seus desdobramentos
vivenciados, é que motivou a elaboração do projeto apresentado ao programa, e que
culminou nas atividades e ações de intervenção na escola, contidas na Produção
Didático-Pedagógica desse projeto.
Cabe ressaltar que o projeto de intervenção pedagógica que embasou esse
artigo, visava atender as Diretrizes Curriculares de Geografia do Estado – DCE,
quanto aos conteúdos chamados de estruturantes, e que no Paraná se apresentam
como dimensões do espaço geográfico – dimensão política do espaço geográfico,
dimensão econômica do espaço geográfico, dimensão cultural e demográfica do
espaço geográfico, e, dimensão socioambiental do espaço geográfico. São
conteúdos básicos e específicos do Ensino Médio, tratando da formação e do
crescimento das cidades, da dinâmica dos espaços urbanos e da urbanização
recente mundial e brasileira, articulando a escala local como ponto de chegada e/ou
partida das reflexões e análises para a compreensão do tema abordado a partir dos
documentos sobre a escala local, no caso, Toledo.
Incentivar a leitura e o acesso dos alunos às informações públicas do
município, e, portanto, de interesse social, individual e coletivo, em seus diversos
âmbitos ou caráter – econômico, político, cultural, ambiental, administrativo, entre
outros -, se faz tarefa condizente com a formação de um aluno crítico, presente na
proposta político-pedagógica do colégio de implementação do projeto. Também vai
ao encontro das Diretrizes Curriculares Estaduais, que expressam que “Um sujeito é
fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é,
também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende
e como dele lhe é possível participar.” (PARANÁ, 2008, p. 14).
O currículo expressa objetivo de contribuir com uma sociedade justa, onde
todos possam ter oportunidades iguais, e que à escola cabe assumir um currículo
disciplinar que dê ênfase a socialização do conhecimento, para que os alunos
possam, enquanto sujeitos da Educação Básica – crianças, adolescentes, jovens e
adultos, em geral oriundos das classes assalariadas -, ter uma reflexão filosófica e
letrada do mundo que os cercam. Nesse sentido, orientamos o trabalho realizado
junto aos alunos do CESAF, diante da busca de socialização e reflexão do
conhecimento produzido historicamente pela ciência geográfica, e dos conteúdos
associados de forma presente na realidade das leis do município, e que impactam
na conformação de valores de terrenos e imóveis, possuindo relação direta com as
condições de moradia - necessidade básica de qualquer ser humano.
O projeto de intervenção pedagógica, e a produção didático-pedagógica do
PDE, ocorreu ao longo do ano de 2013, e foi implementado no primeiro semestre de
2014, no colégio CESAF.
No desenvolvimento das atividades, apresentamos aos alunos as diferenças
de valores dos metros quadrados, cobrados pelos agentes imobiliários, nos
diferentes bairros da cidade de Toledo, realizando comparativos básicos de
infraestrutura existentes, como componentes dos valores citados pelos anúncios de
imóveis da cidade, atrelados às características de aproveitamento desses imóveis
constantes do plano diretor e da respectiva lei de zoneamento urbano do município.
Foi mapeada a situação levantada pelos alunos, em grupos, divididos pelos bairros e
zoneamentos dispostos na lei, foi possível visualizar de maneira evidente, as
distintas situações de valores em Toledo, da mesma forma que permitiu um
comparativo com a realidade dos locais de moradia dos alunos e seus valores
respectivos.
A partir do levantamento dos salários pagos aos trabalhadores de Toledo,
pelas convenções coletivas de categorias (àquelas mais importantes do ponto de
vista do volume de empregos gerados, e, mais próximos da realidade dos
trabalhadores do bairro da escola), foi possível demonstrar as diferenças de valores
praticadas pelo mercado imobiliário, sendo claramente imposta aos trabalhadores
em geral, uma condição de aluguel ou longos financiamentos para a aquisição da
moradia, uma realidade já vivida pelos alunos e seus familiares.
Com a análise feita sobre o mapa do zoneamento urbano de Toledo, e a
reflexão dos grupos sobre as possibilidades de usos constantes para suas zonas
pesquisadas, foi possível vivenciar os limitadores que a lei impõe e a sua
desatualização diante do crescimento urbano intenso registrado nas últimas
décadas.
Associar a pesquisa dos valores de imóveis, realizados a partir dos sites de
imobiliárias e jornais da cidade, com o mapa do zoneamento urbano, atribuindo
localização aos imóveis sobre o mapa, e dividindo-os por níveis de valores cobrados
por metro quadrado, serviu para comparar diferentes contextos de construção dos
bairros e zonas, da mesma forma, que permitiu entender a complexidade das
políticas urbanas descritas em leis.
Ao final da implementação da intervenção pedagógica junto aos alunos, para
permitir a constatação de todos esses elementos apontados anteriormente, foi
realizada uma saída de campo pelos diversos bairros e zonas delimitadas na lei
atual de zoneamento. Foram feitas paradas técnicas para visualização dos mapas
do zoneamento e seus respectivos usos atribuídos nas leis e tabelas de
aproveitamento e coeficientes de construções. Também foi possível perceber as
conformidades e discordâncias do que preconiza a lei e aquilo que ali se encontrava
construído enquanto atividade (moradia, comércio, indústria, etc.). Enfim, serviu para
contemplar de maneira prática, a teoria das leituras e pesquisas desenvolvidas em
sala e laboratório durante o projeto.
Também passou pela socialização junto a alguns professores de Geografia da
rede pública estadual do Paraná também nesse primeiro semestre, através do
Grupo de Trabalho em Rede – GTR, que, por vezes, subsidiou e trouxe novos
elementos de reflexão para o trabalho. Essa contribuição efetiva se deu porque os
professores, em muitos casos, já haviam trabalhado com temas próximos, ou
dispunham de referências, que vieram a se somar aos autores citados no projeto e
produção.
2. Plano Diretor de Toledo: zoneamento urbano, especulação imobiliária e
expansão urbana
Não é o fato de morar, produzir e consumir na cidade que faz do cidadão um
pleno conhecedor de suas normas, leis, diretrizes, o que muitas vezes implica em
uma cidadania “parcial”, dotada de imprecisões e dificuldades cotidianas ao longo da
vida.
Assim sendo, estudar o Plano Diretor da cidade, sua Lei de Zoneamento
Urbano, buscando compreender seu processo de expansão urbana e a valorização
ou especulação imobiliária, torna-se objeto curricular relevante, visto oportunizar aos
adolescentes e jovens uma leitura fundamentada e capaz de se desdobrar em
reflexão e análise do espaço geográfico, vivenciado por eles diuturnamente.
Quando recortamos o tema proposto para o trabalho, no ano de 2013, estava
em curso na cidade de Toledo, bem como nas demais cidades do País, a realização
da agenda nacional do Ministério das Cidades, com debate acerca da 5ª
Conferência Nacional das Cidades, cujo tema era “Quem muda a cidade somos nós:
Reforma Urbana já”. No município de Toledo foi estabelecido também como tema “A
Cidade que Queremos”, propondo participação popular em segmentos sociais
organizados diversos e representativos, mas que, na prática, não se traduzia em
realidade. Verificou-se a pouca participação popular diante da importância dos
debates, bem como, da não participação dos trabalhadores em geral das diversas
categorias, com exceção dos servidores públicos, dispensados pelo governo
municipal numa data de semana, em horário comercial, o que dificultava
concretamente a participação de outros segmentos de trabalhadores. Estudantes e
suas bandeiras não se viram nesse momento também, diante da pouca publicidade
e falta de conhecimento acerca das discussões propostas pela Conferência.
Interessante verificar que, passados pouco mais de um mês da conferência
local, eclodiram no País e na cidade, os movimentos de junho e julho de 2013 nas
ruas, com jovens, adultos, idosos, adolescentes e crianças junto aos seus pais,
vivenciando as manifestações diversas que aconteceram no Brasil, fato esse que foi
não só noticiado, mais também retratado como um possível “divisor de águas”
político do País, diante das demandas levantadas nas ruas. Apesar de possuir maior
destaque nas metrópoles e médias cidades, mesmo em cidades menores houve
manifestações com temas constantes sobre a cidade que queremos, como o
transporte público eficiente e de qualidade, melhoria dos serviços públicos
prestados, fim da corrupção, mudanças no quadro político do País, etc., que foram
abordados por muitos teóricos em diversos artigos publicados desde então.
Mesmo não tendo sido objeto do projeto ora delineado, não havia como não
incorporar os elementos das ruas na produção didático-pedagógica, já que o plano
diretor e a lei de zoneamento da cidade são diretamente ligados à concepção dos
serviços públicos e melhorias tão alarmadas nas ruas, e que indicam uma
perspectiva diversa daquela apresentada pelo poder público, quando se considera
essas políticas em conferência sem acomodar todas essas vozes das ruas.
Vale ressaltar que ao analisar os documentos se buscava entender, também,
até que ponto as leis estavam dando conta da organização espacial da cidade, seu
ordenamento territorial, social, econômico, ambiental, etc., da mesma forma que
contemplando as bandeiras das ruas, embora esse não fosse o foco do projeto.
É preciso considerar que a demanda da Carta Mundial pelo Direito a Cidade,
e as diversas análises da cidade pelo valor de uso versus a cidade pelo valor de
troca, como expõe Lefebvre (1999, p. 110), são itens de uma pauta muito antiga do
princípio da moradia e da terra como fundamentos sociais, e que, portanto, deveriam
cumprir uma função social, e não somente uma função comercial, econômica, e
expropriante das classes trabalhadoras.
2.1 O Plano Diretor e a Cidade diante das Orientações Curriculares para o
Ensino Médio
Ao iniciar os trabalhos do Programa de Desenvolvimento Educacional, após
indicar a linha de estudo da disciplina do programa, somos levados a pensar o
projeto de intervenção na escola, que por sua vez, deve refletir o trabalho da escola
e seu projeto político pedagógico, podendo ocorrer em qualquer de suas instâncias –
alunos, professores, gestores, grêmio estudantil, agentes educacionais, pais, etc.
Como havia proposto na linha de estudos de inscrição do programa - Os
Fundamentos Teórico-metodológicos da Geografia, o projeto de intervenção na
escola foi realizado com alunos do ensino médio.
Trabalhar a linha de estudo requeria uma escolha, que foi realizada a partir
dos conceitos e conteúdos da Geografia para o ensino médio, e que cumprisse com
o planejamento curricular da série de aplicação do projeto da escola e na escola.
Outra situação quanto aos pressupostos do projeto, era o atendimento às
Diretrizes Curriculares Nacionais e Estaduais para o Ensino Médio, bem como, às
Orientações Curriculares Nacionais para esta etapa da Educação Básica. Esta
última, enquanto documento da política educacional do País, em sua introdução ao
capítulo da Geografia, remete à disciplina o dever de “preparar o aluno para:
localizar, compreender e atuar no mundo complexo, problematizar a realidade,
formular proposições, reconhecer as dinâmicas existentes no espaço geográfico,
pensar e atuar criticamente em sua realidade tendo em vista a sua transformação.”
(BRASIL, 2008, p.43). Isso levou à opção pelo conteúdo da urbanização, da cidade
e, num recorte mais específico, para tratar da especulação imobiliária e expansão
urbana, levou aos documentos oficiais do plano diretor e a lei de zoneamento urbano
como diretrizes políticas desses fatos/conteúdos, e cuja análise e conhecimento
remetem ao pensar e atuar de forma crítica no local de moradia e (re)produção da
existência.
O mesmo documento das Orientações Curriculares do Ministério da
Educação (2008, p.43), provoca os professores a “proporcionar práticas e reflexões
que levem o aluno à compreensão da realidade”, alcançando objetivos
fundamentados em um corpo teórico-metodológico, baseado em conceitos da
disciplina e dimensões de análise, referenciados nos pressupostos da Geografia
como ciência.
Ressalta ainda, tais Orientações, que o objetivo da Geografia “é compreender
a dinâmica social e espacial, que produz, reproduz e transforma o espaço geográfico
nas diversas escalas (local, regional, nacional e mundial).” (BRASIL, 2008, p. 43). E
cabe aos professores, nesse processo de compreensão, “refletir e repensar sua
prática e vivências em sala de aula, com a mudança e a incorporação de novos
temas no cotidiano escolar.” (BRASIL, 2008, p.43). Isso nos motivou à escolha do
tema do projeto, dentro do conteúdo da urbanização mundial e brasileira - abordar
os documentos legais e obrigatórios de cidades como Toledo, Paraná, com mais de
cento e trinta mil habitantes: seu plano diretor e lei de zoneamento.
Ainda vale ressaltar que o documento das Orientações Curriculares de
Geografia, em seu subitem sobre conteúdos e metodologias no Ensino da
Geografia, relata:
Compreender a Geografia do local em que se vive significa conhecer e apreender intelectualmente os conceitos e as categorias, tais como: o lugar, a paisagem, os fluxos de pessoas e mercadorias, as áreas de lazer, os fenômenos e objetos existentes no espaço urbano ou rural. Para ter essa compreensão, é necessário saber manejar os conceitos, saber a que eles se referem e que condução teórica expressam. Nessa perspectiva torna-se relevante compreendê-la como um lugar que abriga, produz e reproduz culturas, como modo de vida materializado cotidianamente. (BRASIL, 2008, p. 50-51).
Propiciar a compreensão e o entendimento do lugar e do mundo, prescritos
nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, e refletir os conteúdos da
urbanização mundial e brasileira, associando-os a uma apresentação da expansão
urbana do município de morada dos alunos, justifica a importância dessa proposta.
Trata-se de apresentar aos alunos os documentos e leis que historicamente
balizaram as tomadas de decisões na esfera das políticas públicas e privadas do
município, compreendendo que delas surgiram novas áreas de ocupação,
desenvolvimento econômico, social, da mesma forma que produziram carências
outras, e criaram desequilíbrios entre bairros da cidade que, de alguma forma,
afetam o cotidiano do aluno e dos seus familiares.
O Plano Diretor de Toledo é um documento legal, constante de políticas
municipais de gestão que buscam delinear regras de ocupação e aproveitamento do
espaço geográfico da cidade, e desde 2001, após o Estatuto das Cidades, colocar o
município em consonância com a legislação federal, e do próprio estado, no que diz
respeito à consolidação de planos diretores nos municípios com mais de vinte mil
habitantes.
Consta nos documentos históricos de Toledo que, desde 1969, houve
planejamento urbano que desdobraram em políticas de ordenamento territorial, o
que demonstra inserção desta questão muito antes da Constituição Federal de 1988
- e seus artigos 182 e 183 que tratam da gestão municipal de seus territórios em prol
de um bem estar social, e da criação do Estatuto das Cidades. Logo, já havia uma
preocupação com as normas de edificações, características das leis de zoneamento
urbano, código de posturas, edificações, e outras que constam nos atuais
planejamentos advindos dos modelos pós Estatuto das Cidades.
A primeira referência de planejamento urbano registrado no Município de Toledo foi o ordenamento territorial, regulamentado pela Lei nº 520 de 20/10/1969. Essa Lei criou as normas para o loteamento urbano e tratou das vias de comunicação, dos sistemas de águas sanitárias, das áreas de recreação, dos locais de uso institucionais e da proteção paisagística e monumental da cidade. Em 1974 o município implantou seu primeiro Plano Diretor, denominado na época de Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. A regulamentação deste Plano Diretor veio da necessidade de planejar a área urbana de entorno da indústria da Sadia (região Sul do município) e da Cooperativa Agropecuária Mista do Oeste Ltda. (Coopagro) (região Oeste do Município), que se tornaram regiões de forte atração populacional em função do emprego que estas empresas demandaram. Com a inauguração desta indústria e cooperativa, o município passa por intensa urbanização, advinda da migração da população rural local e de outras cidades vizinhas e da região. Este fato também atraiu investimentos no setor de comércio e de prestação de serviços, estimulando o crescimento desses setores, desencadeando o crescimento econômico de Toledo. (WILLERS, 2007, p. 186-187).
Cabe relatar, ainda, que o plano diretor de Toledo sofreu mudanças em suas
leis de zoneamento urbano, parcelamento de solo, e outras, e que, em 1993, sofreu
uma atualização. Após a consolidação do Estatuto das Cidades, em 2006, o
município novamente formulou seu Plano Diretor, que vigora até os dias de hoje,
mas que já se encontra em fase de consulta pública e reformulação, visto as
audiências abertas realizadas desde abril de 2014, abertas à comunidade, para
criação das novas redações que constarão do chamado Novo Plano Diretor de
Toledo. Este, está em vias de finalização de documentos e proposições, das
audiências intituladas "câmaras técnicas", e que retornarão à Secretaria de
Planejamento Municipal, para posterior cumprimento da legislação federal quanto às
audiências públicas do Plano Diretor, e, daí, segue para a aprovação pelo legislativo
municipal e sansão pelo executivo.
Esta tramitação do novo plano diretor, já apontada na Conferência das
Cidades de Toledo em 2013, também foi fator motivador para a escolha do tema do
projeto executado no PDE, visto que, desde então, os participantes apontaram para
a necessidade de revisão do plano diretor da cidade, antes mesmo do prazo fixado
pelo Estatuto das Cidades de dez anos, graças à expansão econômica,
populacional, social e urbana do município nos anos sequentes ao plano diretor em
vigência. Aliás, o atual plano encontra-se superado, pois apresenta dificuldades
tanto para o poder público, na concepção de novos projetos de desenvolvimento
econômico, bem como, para os agentes privados, que atuaram fortemente no
espaço geográfico da cidade nos últimos anos, e criaram uma situação de
“estrangulamento” dos limites territoriais urbanos e rurais, necessitando, assim, de
uma nova composição de áreas para atender aos níveis atuais de crescimento
populacional e econômico do município.
Refletir com os alunos o papel de cidadão que cumpre aos moradores da
cidade, nesse instante de encaminhamento de revisão do plano diretor, é essencial,
diante das perspectivas futuras desses adolescentes e jovens, futuras famílias que
necessitarão de moradia e outros serviços públicos de qualidade, e que tem, no
plano diretor, um instrumento possível para atender os anseios e necessidades das
diversas regiões da cidade e, principalmente, do bairro de inserção da escola. Além
disso, torna-se fundamental compreender que o plano diretor, enquanto lei, é
derivado de uma sociedade capitalista desigual, e que, como tal, impõe suas
desigualdades pelo território, pelo lugar. É preciso dimensionar os interesses
envolvidos, tanto dos agentes econômicos imobiliários, como do conjunto da
população e seus anseios mais diretos e reais, além do papel da administração
pública nesse processo, e a construção das diretrizes e normas consolidadas nas
leis como as contidas no plano diretor.
Além do aspecto da cidadania, os conteúdos trabalhados relacionam-se com
os usos institucionais realizados dos conceitos, aplicados nas leis, e que são
dotados de significados históricos e científicos, objetos de análise de diversas
ciências ou áreas, como no caso das concepções de "urbano" e "rural" presente nos
planos diretores. Ao verificamos a maneira como o mapa representa a separação
entre esses dois meios, o urbano e o rural, percebemos que precisamos aprofundar
as leituras e análises decorrentes deles. Ao traçar sobre o mapa áreas da chamada
transição urbano/rural, é preciso considerar os processos produtivos de inserção
desse rural no modo de vida típico urbano, como a aplicação de recursos obtidos no
setor primário para a aquisição de imóveis e especulação futura na cidade. Por outro
lado, temos os avanços infraestruturais e tecnológicos que provocaram
industrialização e prestação de serviços crescentes nos distritos e áreas rurais do
município, levando, recentemente, à criação de uma nova lei (LEI Nº 2.180, de 9 de
outubro de 2014, que altera a legislação que dispõe sobre o zoneamento do uso e
da ocupação do solo urbano no Município de Toledo), para tratar especificamente
desta demanda - a ampliação de industrialização e serviços, em áreas que até
pouco tempo, eram tidas apenas no plano diretor e lei de zoneamento, como áreas
de atividades ligadas ao campo, ao rural.
Sobre expansão urbana, especulação imobiliária e zoneamento urbano, cabe
enfatizar que o processo histórico de expansão da cidade de Toledo já foi
mencionado no processo de encaminhamento do primeiro plano diretor, por conta
das atividades econômicas industriais e cooperativas, num primeiro momento.
Posteriormente, com a expansão dos cursos universitários na cidade e novos
investimentos industriais nas regiões Norte e Oeste do município viveram um
momento de expansão da malha urbana, decorrente de investimentos realizados
pelo poder público em infraestrutura e criação de áreas destinadas a tais atividades,
e que atraíram milhares de pessoas para seu entorno, e que atualmente são áreas
dos polos universitários e industriais de Toledo.
Toledo passa pela ampliação de investimentos públicos, como aquisição de
áreas para implantação de parques industriais, asfaltamento e demais ações
infraestruturais, além de criação de áreas de lazer e paisagismos urbanos próximos,
como o Lago Municipal Diva Paim Barth, e o novo Parque do Povo em fase de
execução. Estes investimentos só foram possíveis, graças ao planejamento urbano
da cidade, e que amparado pela lei de zoneamento, foram permissíveis a
implantação de tais atividades nos lugares onde se instalaram, decorrendo a partir
deles, um intenso fluxo de capitais para aquisição de terrenos em suas
proximidades. Isso permitiu ganhos consideráveis aos proprietários destes terrenos,
que acabaram por promover uma intensa especulação imobiliária nessas áreas
urbanas, diante de um cenário de contrapartidas públicas de investimentos e de
instalação de grandes empresas industriais e de serviços, como a Cervejaria
Colônia, a Pratti-Donaduzzi medicamentos, a Unipar, a Pontifícia Universidade
Católica – PUC, a Faculdade Sul Brasil – FASUL, a Universidade Tecnológica
Federal do Paraná – UTFPR, a Unopar, além da já instalada Universidade Estadual
do Oeste do Paraná – UNIOESTE, e de outras empresas como a Fiasul, I-Riedi,
Coamo e outras.
Trata-se de um processo que continua em curso, diante dos atuais
investimentos públicos em serviços médico-hospitalares e de cultura, com a
construção, na parte oeste da cidade, do Hospital Regional, da Unidade de Pronto
Atendimento da cidade – UPA, e do novo museu histórico da cidade, todos em fase
de implantação de equipamentos, e que se tornam objetos de especulação pelos
agentes imobiliários. Essa situação revela como a ação pública compromete, através
de suas decisões, a planta de valores e de acumulação de capital por agentes
privados, em detrimento de outras regiões da cidade, carentes de investimentos e
valorização.
Para Zschornack (2010), ao avaliar diversos indicadores de renda e comparar
através de pesquisa com o custo do metro quadrado nos diversos bairros de Toledo,
assim conclui:
Essa pesquisa mostra que os bairros que apresentam maior valorização imobiliária no Município de Toledo, foram: o Jardim Bressan, Jardim Gisella, Jardim Santa Maria, Panorama, Vila Operária, Centro, Vila Becker, Vila Industrial e Pancera. Essas áreas com maior valorização ocorreram devido a indústrias instaladas, Universidades e do comércio em geral localizado no centro da cidade onde há uma maior concentração urbana e atrativos econômicos. (ZSCHORNACK, 2010, p. 47).
Os bairros apresentados por Zschornack (2010) localizam-se, de forma
predominante, nas regiões Oeste e Norte da cidade, e colaboram no entendimento
dos investimentos públicos e privados decorrentes do plano diretor, na valorização e
expansão de áreas apropriadas pelo capital e conduzidas pelo processo de
especulação imobiliária no município. Esse contexto estratégico, geralmente restrito
a algumas pessoas diretamente interessadas, precisa ser analisado e refletido pelos
demais munícipes, diante da perspectiva de um novo plano diretor em construção, e
que no tocante aos alunos do projeto e escola, foram provocados a pensar sobre os
casos de abandono ou baixos investimentos e valorização no seu local de moradia -
o bairro Pioneiro, que não é apontado como área prioritária ou de alto investimento e
valorização na cidade.
2.2 A cidade pelo valor de uso e a cidade pelo valor de troca
Refletir sobre a ciência geográfica, enquanto conteúdo escolar, não se realiza
enquanto tarefa fácil, porém torna-se necessária, diante da dinamicidade da
sociedade contemporânea globalizada. Seus conceitos, práticas e estudos
contemplam um enorme viés de leituras e acenos, para as relações de ensino-
aprendizagem nas escolas.
Segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009, p. 25-26):
A Geografia, como ciência, avançou em seus vários ramos, e deveria ter havido uma contribuição maior para seu ensino e aprendizagem. No entanto, é preciso lembrar que o movimento e o ritmo de mudanças nas sociedades se alteraram, as relações internacionais se mundializaram e se globalizaram, o neoliberalismo se expandiu e vem, de forma profunda, interferindo no cotidiano de nossas vidas e também no cotidiano escolar. Na atualidade, tais transformações exigem urgentemente a criação de respostas com novos conteúdos. Os conteúdos convencionais intrínsecos à Geografia precisam ser vistos por novos prismas.
Conforme as autoras o nosso trabalho pedagógico enquanto professores de
Geografia, “[...] precisa permitir ao aluno assumir posições diante dos problemas
enfrentados na família, no trabalho, na escola e nas instituições de que participa ou
poderá vir a participar.” (2009, p. 26), permitindo a ele um maior nível de consciência
sobre suas responsabilidades, seus direitos sociais, sendo efetivamente agente de
mudanças desejáveis para a sociedade. (2009). Isto implica conhecer seu espaço
geográfico, o que permite as diferentes leituras do conceito de cidade, e mais ainda,
do enfoque dos seus usos e desusos, diante do valor econômico, da especulação
sobre o solo urbano, seus vazios e possibilidades diante das leis, diretrizes e normas
contempladas historicamente no município.
Desta forma, introduzir a reflexão sobre a cidade, antes mesmo dos
desdobramentos do conceito, e das possibilidades de compreensão de suas
análises, como o valor de troca e uso, são opções interessantes diante desses
novos conteúdos da Geografia. Principalmente no aprofundamento das leituras
históricas de confrontação de um meio urbano e rural, diante de uma sociedade
brasileira que atinge 85% de população vivendo em cidades conforme o IBGE, e que
preconizam uma condição de urbanização rápida e problemática do ponto de vista
das exclusões sociais, políticas e econômicas.
O conhecimento produzido na universidade, fundamentado em pesquisas de campo, de laboratório e de bibliografia e dominado pelo professor, deve constituir o instrumental teórico a ser elaborado, recriado, para transformar-se em saber escolar, ou seja, em saber a ser ensinado. [...] Com essa perspectiva, o professor precisa preparar-se para participar de projetos na escola que visem a reflexões participativas, viáveis para o momento vivido, e sejam adequados às condições e à complexidade da sociedade atual neste início de século XXI. Os docentes precisarão estar sempre atentos a questões do mundo contemporâneo, como a distribuição mais justa da renda, a conservação da natureza, a valorização do trabalho humano, as relações comerciais no mundo e a interferência na vida da escola e de seus alunos. (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009, p. 26-27).
Acreditando contribuir com essa discussão da realidade próxima do aluno,
nunca delimitando apenas os elementos do lugar como totalidade, e sim como parte
de contextos dialéticos históricos de construção social, em seus mais variados
aspectos, é que identificamos nos documentos que norteiam as políticas urbanas do
município, um importante rol de elementos para aprofundar as análises e reflexões
acerca dos conteúdos da urbanização mundial e brasileira, da mesma forma, que
permitem a compreensão imediata do espaço geográfico enquanto norteador dos
debates, e seus mais variados conceitos – lugar, paisagem, território, rede, etc.
Como aponta Rua (et al., 2005), relatando sobre a importância da
compreensão do espaço vivido diante de uma complexa sociedade capitalista,
concentradora tanto em nível social quanto espacial:
[...] Fazer o aluno compreender o porquê da existência de bairros ricos e pobres e a funcionalidade dessa segregação social no espaço, é fundamental para qualquer habitante das cidades. Este, para ser cidadão pleno, tem de adquirir consciência das limitações/contradições que caracterizam o seu espaço vivido. (RUA et al., 2005, p. 86-87).
Precisamos aqui compreender, que historicamente a sociedade e o espaço
estão em constante organização e reorganização.
É preciso levar em conta que o conjunto de leis independente da sua esfera
de influência (municipal, estadual ou federal) é resultante sempre de uma relação
tensa, vinculada aos interesses de grupos políticos, associados a frações de
classes, com especial atuação daquela que se apropria diretamente do urbano como
negócio.
Como diz Lefebvre (1999, p. 110):
Enquanto ligada às forças produtivas, e sendo ela própria força produtiva, a cidade é a sede do econômico e de sua monstruosa potência. Nela, no curso da história (a sua), o valor de troca venceu lentamente o valor de uso; esta luta se escreveu sobre as muralhas das cidades, sobre os edifícios, nas ruas; as cidades trazem seu vestígio, testemunham-na. Do mesmo modo, a cidade é a sede do poder político que garante o poder econômico do capital, que protege a propriedade (burguesa) dos meios de produção e organiza-o proibindo-lhe os excessos e a violência.
Diante de tal complexidade, nos provoca, a saber, como se inscreve o
planejamento e a valorização desse lugar, e como os agentes ou grupos se
apropriam dele para especular e multiplicar capital.
Da mesma forma, nos provoca a entender como os diferentes segmentos
sociais se inserem nos debates e gestões dos planejamentos urbanos e suas leis,
como procura conciliar, ou não, o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento
social, cultural, ambiental.
E mais, além dessas provocações, vale ainda retratar o momento histórico de
suas concepções, e observar como aponta Souza (2004, p. 156-157) o
esvaziamento das propostas e lutas do Movimento Nacional pela Reforma Urbana
(MNRU), que havia se fortalecido desde os meados da década de 1960, ante uma
também proferida reforma agrária, que naquele momento eclodia e ressoava mais
no temário nacional, mas, que apesar do período militar no país, não teve esvaziado
a pauta da reforma. Pelo contrário, em meados dos anos 1980 e naquela década, é
fato consumado uma sociedade urbana brasileira, visto o êxodo ocorrido entre os
anos 1950 e 1980 por diversos motivos, como o processo de modernização agrícola
e a industrialização, e que por falta de políticas públicas consistentes e duradouras
no espaço urbano, denotaram nos anos 1980 uma força política de caráter
mobilizadora em prol da reforma urbana, destacando aí a constituição do MNRU.
Muito mais que planos diretores, o movimento levou ao Congresso Nacional
uma emenda popular de reforma urbana, mas que foi ao longo dos debates e
votações no Congresso, perdendo seu teor construtivo. “Por exemplo, foram
suprimidas as proposições referentes aos transportes coletivos e serviços públicos e
foram excluídos os terrenos públicos da aplicação do instrumento usucapião.”
(GUIMARÃES apud SOUZA, 2004, p. 159).
Cabe relatar, que nesse momento do fim da década de 1980, amadureceu a
concepção progressista de reforma urbana, e que era:
[...] caracterizada como um conjunto articulado de políticas públicas, de caráter redistributivista e universalista, voltado para o atendimento do seguinte objetivo primário: reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover uma maior democratização do planejamento e da gestão das cidades (objetivos auxiliares ou complementares, como a coibição da especulação imobiliária, foram e são, também, muito enfatizados). Dessa forma, a reforma urbana diferencia-se, claramente, de simples intervenções urbanísticas, mais preocupadas com a funcionalidade, a estética e a “ordem” que com a justiça social (ou, fantasiosamente, imaginando que uma remodelação espacial trará, por si só, “harmonia social”), não obstante ela conter uma óbvia e essencial dimensão espacial. (SOUZA, 2004, p. 158).
Diante da não obrigação de incorporar o texto popular, da emenda sugerida
então pelo MNRU, o Congresso Nacional promulgou na Constituição Federal de
1988, um conteúdo considerado diluído e modificado presente nos artigos 182 e
183. Apesar de constar como objetivo do Poder Público Municipal o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus
habitantes, não há avanços na conclusão do que relata a própria Constituição, nem
mesmo nos debates sugeridos por ela, bem como, na agenda da reforma urbana
modificada.
Fica evidente, segundo Souza (2004, p. 168), o sintomático debate proposto
em 1998, no VII Encontro do Fórum Nacional de Reforma Urbana, da resolução que
trata da necessidade de recriação do discurso da reforma urbana, que na proposta
do autor ainda viria dentro de uma proposta mais radical, contextualizada diante da
atual agenda de discussões.
Podemos transpor tal discurso para os fatos recentes3 das ruas brasileiras,
onde apesar de existirem bandeiras diversas nas mobilizações, verificam-se fortes
laços de reflexão e proposição, como a demanda pela mobilidade urbana, transporte
público coletivo e de qualidade, escola e saúde (que não são exclusivos das
cidades, mas que aí ganham proporções gigantescas de reivindicações vistas à
demanda oprimida e reprimida destes setores nas políticas públicas).
Mais do que tratar apenas das questões políticas acerca do tema, vale
ressaltar algumas referências para a compreensão do problema e objetivo deste
trabalho, teorizando de maneira mais lúcida a questão do espaço urbano, onde se
dão os processos de valorização e especulação imobiliária, bem como, se efetiva o
planejamento urbano através do plano diretor e lei de zoneamento urbano, entre
outras.
Para Corrêa, o espaço urbano é “[...] fragmentado e articulado, reflexo e
condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas, (...) a própria
sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas
formas espaciais.” (CORRÊA, 2000, p. 10). Essa situação implica em um espaço da
cidade – o espaço urbano -, que se configura como “[...] cenário e objeto de lutas
sociais, uma vez que estas visam ao direito à cidade e à cidadania plena e igual
para todos.” (FERRARI, 2009, p. 21).
3 Nas últimas semanas do mês de Junho de 2013, uma série de mobilizações e manifestações
ocorreram nas ruas das cidades brasileiras, em especial nas capitais, onde diversas bandeiras foram levantadas pelos manifestantes, tendo início com a reivindicação da imediata redução das passagens do transporte urbano e desdobrou-se em muitas outras.
Diante dessa visão de espaço urbano e cidade, como área de interesses
sociais difusos, e “palco” de produção e reprodução do capital, dentro de uma
sociedade capitalista e desigual, a terra urbana e seu entorno passa a ser palco
também de interesses distintos. Estes, em muitos casos, convergem apenas para o
que chamamos de especulação imobiliária, assim entendida como “[...] uma forma
pela qual os proprietários de terra recebem uma renda transferida dos outros setores
produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na
infraestrutura e serviços urbanos.” (CAMPOS FILHO, 2001, p. 48).
Vale ressaltar que esse processo pode atingir diversas regiões de uma
mesma cidade, e “[...] a terra acaba perdendo seu valor social, de assentamento,
pois o valor mercantil e a busca pelo lucro passam a ser os interesses principais por
parte dos agentes imobiliários” (FERRARI, 2009, p. 24), o que prejudica os
moradores e àqueles que buscam acesso a moradia, afetando toda a estrutura
urbana por conta disso.
Quanto ao processo de valorização da terra urbana, lemos em Ferrari a
seguinte definição: “[...] a palavra valor, [...], tem significados diferentes. Algumas
vezes, expressa a utilidade de algum objeto particular e, outras, o poder de compra
de outros bens que a posse deste objeto transmite. O primeiro pode ser chamado
„valor de uso‟, e o segundo, „valor de troca‟.” (FERRARI, 2009, p. 24).
Ainda neste entendimento, Smith relata que “As coisas de grande valor de
uso têm, frequentemente, pequenas ou nenhum valor de troca; e, ao contrário, as de
grande valor de troca têm, frequentemente, pequenos ou nenhum valor de uso.”
(SMITH apud HARVEY, 1980, p. 31), o que nos propõe profundas reflexões sobre a
especulação imobiliária e os vazios urbanos das nossas cidades.
Observa-se ainda, que a localização geográfica é profundamente incorporada
à valorização dos terrenos, e, por conseguinte, à especulação imobiliária também.
Villaça coloca a localização como a mais importante mercadoria do mercado
imobiliário urbano, graças às benfeitorias nos lotes que possuem seus valores
estipulados. (VILLAÇA, 1978, p. 14).
Ferrari por sua vez, vai expor que:
Nas economias de mercado, um terreno incorpora dois bens, ou duas mercadorias: uma parcela de terra e uma localização. O primeiro é estático e varia pouco ou nada ao longo do tempo; caracteriza-se pelas dimensões e forma do lote, sua topografia e as características físicas (importantes, no caso da terra urbana) – só o proprietário atua sobre ele. O segundo, a
localização, varia violentamente ao longo do tempo, especialmente nas cidades que estão em rápido crescimento. Mais ainda, tais atributos, num terreno, estão menos sujeitos à modificação determinada pela ação de seu proprietário do que pela de proprietários de outros terrenos. (FERRARI, 2009, p. 25).
Vários outros elementos poderiam ser citados aqui como fatores relevantes
de valorização urbana e especulação imobiliária, mas podemos verificar que diante
de um modelo imposto por lei federal, via planejamento estratégico das prefeituras, e
seus planos diretores, normatizados pelas leis, como a de zoneamento urbano e
código e obras, entre outras, fez-se relevante observar no município de Toledo, se
esses elementos ora citados, são verificados na paisagem urbana da cidade, bem
como do bairro de inserção da escola.
Nosso esforço foi no sentido de aproximar esses conceitos do cotidiano de
nossos alunos, para propiciar uma maior elucidação sobre os processos sociais que
envolvem a cidade e o espaço urbano.
3. Considerações finais
Compreender de maneira introdutória os planos diretores, as leis de
zoneamento e demais leis decorrentes, serviu para analisar aspectos de
especulação imobiliária e valorização de imóveis em determinados bairros, da
mesma forma que possibilitou evidenciar o uso de recursos públicos em detrimento
de interesses privados, visto as valorizações de áreas do município e que foram
alavancadas com o planejamento urbano e as obras de infraestrutura realizadas
pelo poder público.
Os objetivos propostos neste trabalho foram alcançados de forma satisfatória.
No entanto, cumpre mencionar dificuldades que comprometeram parte do tempo
previsto e consequente aplicação da metodologia, como mobilizações da categoria
profissional e greve, mudanças de calendário por conta dessas mobilizações,
alterações decorrentes do calendário da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, e
outras situações mais específicas do próprio estabelecimento escolar.
Ao estimularmos as reflexões sobre o assunto, buscamos ampliar a leitura do
espaço geográfico produzido diariamente pelos alunos e pela comunidade, com o
objetivo de aproximar os conteúdos geográficos que pareciam distantes da realidade
compartilhada pelos adolescentes e jovens em seus movimentos diários. Buscamos
enfatizar esse contexto do espaço vivido, visto que muitos deles já estão inseridos
no mundo do trabalho, e convivem com a realidade de uma cidade de grandes
atividades associadas à produção rural, mas que se encontra cada vez mais
conectada ao urbano, diante da intensidade de relações e especificidades
constantes nelas.
4. Referências BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio. Ciências humanas e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da Educação, 2008. CAMPOS FILHO, Cândido Malta. Cidades brasileiras: seu controle ou o caos. O que os cidadãos devem fazer para a humanização das cidades no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Nobel, 2001. CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 4ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2000. FERRARI, Walter Junior. A expansão territorial urbana de Marechal Cândido Rondon – PR: a produção da cidade a partir do campo. Dissertação (Mestrado em
Geografia), Dourados, MS: UFGD, 2009. HARVEY, D. A Justiça Social e a Cidade. São Paulo: Editora Hucitec, 1980. LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. Trad. Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Editora Moraes Ltda., 1991. _______________. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
PARANÁ (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes curriculares da educação básica do Estado do Paraná: Geografia. Curitiba, SEED, 2008. PONTUSCHKA, Nídia Nacib; PAGANELLI, Tomoko Iyda; CACETE, Núria Hanglei. Para ensinar e aprender Geografia. 3ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2009.
RUA, João et al. Para ensinar geografia. Rio de Janeiro: Access, 2005.
SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Trad. Ernani F. da F.
Rosa, Porto Alegre: Artmed, 2000. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil Ltda., 2004. VILLAÇA, Flavio. Uso do Solo urbano. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima, 1978.
ZSCHORNACK, Adriana Rossatto. A valorização dos imóveis no Município de Toledo no período de 2000 a 2010. 2010. 50 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Ciências Econômicas) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo, 2010. WILLERS, Ednilse Maria. Planejamento Urbano e Valorização Imobiliária: o caso do Município de Toledo – PR. Revista Expectativa: Unioeste, Toledo, v. 6, nº 06, p.
177-195, 2007.
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