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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
A RELAÇÃO ENTRE O CONSUMO E SUA INFLUÊNCIA NA VIDA DOS EDUCANDOS
Maria Mathilde Keller1 Marcos Clair Bovo2 Resumo: O consumo exerce grande influência na economia mundial, já que consumir gera demanda, e gera também maior produção por parte das indústrias. Dessa forma todos os cidadãos, inclusive os adolescentes são transformados em simples consumidores que são movidos de acordo com os interesses do capital, pois estes são influenciados pelo imediatismo, ou seja, a felicidade está contida no ato de consumir, ou simplesmente no prazer de consumir. Essa cultura de consumo permeia diferentes faixas etárias da sociedade ela vai desde fase da infância até a terceira idade. Diante dessa situação o artigo tem por objetivo compreender a relação entre consumo e mídia na vida dos educandos. A pesquisa segue a linha teórica do materialismo histórico dialético pautado na metodologia de pesquisa-ação. Dentre as estratégias de ação destacam-se: leitura e produção de textos, debates, análise de músicas e poesias, charges, documentários e pesquisa de campo. Dentre os resultados alcançados destacam-se: a conscientização dos educandos em relação ao consumismo; a compreensão das mensagens da publicidade e estratégias da mídia e sua influência na vida dos educandos, bem como as vantagens e desvantagens do sistema de crédito e a organização de orçamentos. Palavras-chave: Consumo; Mídia; Modo de Produção; Educandos.
Introdução
A crescente busca pelo consumo é uma realidade que não podemos ignorar,
pois são fatores que falsamente tentam minimizar os conflitos emocionais, sociais e
econômicos que as pessoas estão vivendo. Um fator preponderante é a mídia, que
por meio de inúmeras propagandas através dos meios de comunicação, televisão,
rádio, revistas, jornais, outdoors, influenciam fortemente os pensamentos e desejos
de consumir.
Para que o ato do consumo seja realizado de maneira consciente, é
necessário que o futuro comprador, criança ou adolescente, se posicione
criticamente diante das propagandas, aliando força econômica e força intelectual, o
que pode e deve ser feito com o auxílio dos pais. Muitas vezes os próprios pais
fazem parte da massa capitalista altamente consumista, agindo de maneira
impensada, fazendo dívidas sem ter condições, nessa situação, a escola também
pode ser um instrumento de ajuda e mudança de comportamento para os pais.
1 -Professora da Rede Estadual da Educação Básica do Paraná.
2 - Professor da Universidade Estadual do Paraná- Campus de Campo Mourão.
No decorrer do desenvolvimento do modo de produção capitalista, diversas
formas de produção, reprodução e acumulação do capital foram desenvolvidas. É
neste contexto que surge a sociedade do consumo como resposta ao
desenvolvimento da economia de mercado. Dessa forma os cidadãos são
transformados em simples consumidores de acordo com os interesses do capital,
que atribuem ao indivíduo o imediatismo, ou seja, a felicidade está contida em
consumir mercadorias ou simplesmente no ato de consumir.
Diante das considerações feitas, o presente artigo tem por objetivo
compreender a relação entre consumo e mídia na vida dos educandos do Colégio
Estadual Santos Dummont em São Tomé (PR). Desta forma buscamos estabelecer
a relação entre consumo e mídia na vida dos educandos.
Reflexão sobre o consumo na sociedade capitalista: o adolescente x a
propaganda
O consumo é tema de diversas pesquisas em diferentes áreas do
conhecimento. Dentre elas podemos destacar a geografia, a economia, a sociologia
e também a psicologia. O desenvolvimento do modo de produção capitalista tem
gerado não apenas lucro, mas também uma infinidade de necessidades materiais
que tem levado a sociedade e principalmente os adolescentes a uma cultura de
consumo. Essa cultura pelo consumo torna-se evidente no final do século XX e
nesse início do século XXI.
Dessa forma o espaço geográfico é socialmente produzido e reproduzido
pelas relações dominantes de produção. Para Soja (1993, p.115):
[...] são reproduzidas numa espacialidade concretizada e criada, que tem sido progressivamente ocupada por um capitalismo que avança, fragmenta espaços, homogeneíza em mercadorias distintas, organizadas em posições de controle e ampliada para a escala global.
Diante das considerações apresentadas por Soja (1993), entendemos que o
consumo exerce grande influência na economia mundial, já que consumir gera
demanda, e gera também maior produção por parte das indústrias. Dessa forma
todos os cidadãos, inclusive os adolescentes são transformados em simples
consumidores que são movidos de acordo com os interesses do capital, pois estes
são influenciados pelo imediatismo, ou seja, a felicidade está contida no consumir,
ou simplesmente no prazer do ato de consumir.
Essa cultura de consumo permeia diferentes faixas etárias da sociedade ela
vai desde a criança até a terceira idade, cria um desejo de compra que resulta no
aumento do consumo, sendo assim não é uma característica específica de uma
determinada faixa etária.
Para Padilha (2006, p. 101) a publicidade é a âncora da sociedade do
consumo, pois esta “baseia-se em ideias falsas que vendem objetos mutáveis e
consumíveis massivamente como se fossem únicos. E na maioria das vezes, como
se fossem a fórmula mágica para a realização de um sonho”.
É neste contexto que o sistema capitalista age por meio da globalização
provocando mudanças na sociedade que passa a tratar o ato de consumir de
maneira cada vez mais diferenciada. O consumo para o jovem torna-se cada vez
mais interessante, mas não somente para o que é essencial para a sua
sobrevivência, mas também para o que é supérfluo.
Diante das ideias apresentadas levantamos o seguinte questionamento:
Como os fatores culturais, sociais, psicológicos e pessoais têm influenciado o
comportamento de consumo entre crianças e adolescentes na atualidade?
Vários pesquisadores ressaltam que os fatores culturais são subdivididos em
cultura. Santos (1994, p. 7) “diz respeito às maneiras de conceber e organizar a vida
social e seus aspectos materiais, o modo de produzir para garantir a sobrevivência e
o modo de ver o mundo”, ou seja, a subcultura que se encontra implícita nas
nacionalidades, regiões geográficas, grupos raciais, que servem de identificação e
socialização para os seus membros. Para Kotler (2000) é a classe socioeconômica
que indica a posição social do indivíduo perante seus pares e diante da sociedade
de consumo. Dessa forma os consumidores associam marcas de produtos e
serviços a classes socioeconômicas específicas.
Segundo Kotler (2000), são considerados fatores sociais os grupos de
referência e a família que exerce posições sociais e status, estes acabam por
influenciar o comportamento de compra do consumidor. Para o autor os grupos de
referência são “aqueles que exercem uma influência direta (face a face), ou indireta
sobre as atitudes ou comportamento dessa pessoa”. Esses grupos de referência não
dizem diretamente aos consumidores o que fazer, contudo o indivíduo tende a se
deixar influenciar pela opinião do grupo por se preocuparem com os sentimentos dos
seus membros.
Segundo Dias (2003), o comportamento do ser humano é baseado na
aprendizagem propiciada pelas interações sociais entre as pessoas, inseridas num
mesmo grupo. Para o autor é:
Na infância, a família, um dos grupos de maior influência sobre o comportamento de compra, transmite um com junto de valores que molda a preferência e cria hábitos de consumo. Mais tarde a criança, em contatos com os colegas, parentes e grupos, aprende e adquiri, experimentam novos produtos, requalificando-os e até toma novas decisões a respeito do seu comportamento. Na idade adulta, novos grupos passam a exercer novas influências sobre as pessoas; os amigos da faculdade, os colegas de trabalho, o pessoal do clube e assim por diante (DIAS, 2003, p.60).
Já as características pessoais também influenciam as decisões de compra
dos indivíduos. Para Kotler (2000), existem cinco elementos que interferem nos
fatores pessoais, ou seja, a idade é estágio do ciclo da vida, ocupação, condições
econômica, estilo de vida e personalidade e auto-imagem.
Quanto aos fatores psicológicos Kotler (2000), destaca quatro importantes
fatores que influenciam nas escolhas dos consumidores: motivação, percepção,
aprendizagem e crenças e atitudes.
Para Gade (1998, p.189), é na adolescência que a pessoa começa a decidir
pelo consumo independente da vontade dos pais, já que “a necessidade de auto-
afirmação e conformidade ao grupo faz o jovem se afastar dos padrões de consumo
familiar”. Muitas vezes consomem produtos e marcas nas quais se podem confiar
“estar fazendo a coisa certa”, o que permite escamotear sua insegurança. Diante
disso as normas para o consumo jovem são ditadas pelos grupos de convivência e
pelos pais, mas o nível de influencia é diferente entre os/as adolescentes.
Diante dessa situação muitos adolescentes demonstram também um
comportamento de comprar algo que não necessita, descarta rapidamente ou utiliza
poucas vezes. Esse comportamento é motivado “por insegurança e uso para
satisfazer o ego, para minimizar as frustrações próprias da idade, [...] em outros
casos as compras são motivadas pelos desejos de status intra e extra grupo”,
conforme afirma Gade (1998, p. 192). O jovem mantém uma postura de consumo
hedonista, de irresponsabilidade e procura gratificações imediatas.
Para Mancebo (2008), é importante entendermos a diferença existente entre o
consumismo dos séculos anteriores e desta geração é que, antes se consumia para
viver, hoje, vive-se para consumir. Dessa forma o consumo não é motivado por
necessidades reais, mas pelo simples prazer e pela perspectiva da aceitação pelo
grupo social. Hoje as circunstâncias históricas revelam um comportamento de
consumo diferente do que foi em séculos passados. O que no passado era tido e
mantido apenas como relação de troca, hoje como comportamento de consumo,
configura-se como um elemento fortemente ligado à felicidade.
É neste contexto, que o comportamento de consumo do adolescente precisa
ser observado, pois vivemos num tempo de mudanças rápidas. Para Outeiral (2001,
p. 113): “O tempo das crianças e dos adolescentes é muito mais rápido do que o
tempo dos adultos”. Para este autor, o enfoque são as mudanças subjetivas. Ele
ainda afirma que essas mudanças trazem profundas rupturas de ideias e de valores.
Outra característica desse tempo é a cultura do descartável, [...] “a modernidade
busca a permanência e a pós-modernidade, o descartável”.
Segundo Conte (2005) ao consumir os adolescentes exibe artigos de tal
qualidade, elogiado, valorizado e comentado pelo grupo, sob a percepção, da
estreita relação entre o objeto de consumo e sua maior influência entre seus iguais
na busca não declarada e definida da felicidade. Porém, hoje vivenciamos o advento
das vitrines e as estratégias de venda, a visualização das mercadorias se expandiu,
desencadeando sentimentos que expressavam elementos subjetivos da
personalidade, revelando uma estreita ligação emocional do sujeito com o objeto a
ser comprado.
Diante dessa situação, entendemos que os adolescentes ficam condicionados
ao consumo criando necessidades que na verdade são impostas pela mídia e pelo
marketing. Para Santos (2003, p. 127) o ato de “consumir não mais por necessidade,
mas por ansiedade.”
É neste contexto que Bauman (2008) denomina a sociedade capitalista de
“Sociedade do Consumo”, que tem como valor mais característico e supremo ter
uma vida feliz, e isso se baseia em grande parte no consumir. Para o autor,
consumir não é sinônimo de ter felicidade, visto que pesquisas em países mais
desenvolvidos e de sociedade mais capitalizada, não indicam maior felicidade
nessas pessoas do que aquelas que vivem em países subdesenvolvidos.
Para Marchesini Junior (2009) a sociedade do consumo apresenta as
seguintes características:
-Para a maioria dos bens, a sua oferta excede a procura, levando a que as empresas recorram a estratégias de marketing agressivas e sedutoras que induzem o consumidor a consumir, permitindo-lhes escoar a produção. Esta
é uma questão como já disse controversa e defendida por econômicas que precisam ser citados. -Alguns produtos e serviços estão normatizados, os seus métodos de fabricação baseiam-se na produção em série e recorre-se a estratégias de obsolescência programada que permite o escoamento permanente dos produtos e serviços. -Os padrões de consumo estão cada vez mais massificados, e o consumo assume as características de consumo de massas, em que se consome o que está na moda apenas como forma de integração social. -Existe uma tendência para o consumismo (um tipo de consumo impulsivo, descontrolado, irresponsável e muitas vezes irracional), justamente pelo processo de valorização do capital pela publicidade e marketing (JUNIOR, 2009, p. 5-6).
Diante da citação anterior podemos analisar a expressão “Sociedade de
Consumo” referindo-se a uma sociedade característica do mundo desenvolvido
atual, que vive a “intensificação do moderno, conforme afirma Rodrigues (1998).
Para autora o mercado tem produtos e padrões de consumo cada vez mais
normatizados, e que se renovam a uma velocidade extrema. Também deparamos
como excesso de oferta, aliado a uma enorme profusão de bens colocados no
mercado, levou ao desenvolvimento de estratégias de marketing extremamente
agressivas, que procuram impor tal padrão de consumo, aliado ao que chamamos
de obsolescência programada, que é o nome dado a vida curta de um bem ou
produto projetado de forma que sua durabilidade ou funcionamento se dê apenas
por um período reduzido, é um processo de certa forma característico do capitalismo
na segunda metade do século passado. Vivemos dessa forma em uma sociedade
utópica onde o consumismo tornou-se sinônimo de felicidade.
Metodologia
O presente artigo é resultado das ações desenvolvidas do projeto de
intervenção didático pedagógico que teve por base a pedagogia histórica-crítica,
utilizando o método histórico dialético, sendo este desenvolvido em duas turmas de
3° ano, diurno e noturno, do município de São Tomé, Paraná.
Inicialmente, a professora e realizou pesquisas bibliográficas a fim de obter
subsídios de conhecimento sobre: a interferência do consumo na vida das pessoas,
a influência da mídia, as consequências do consumo impensado, a valorização pela
aparência e status, a necessidade de adquirir produtos para serem aceitos na
sociedade.
Na sequência, foi elaborado o material didático pedagógico, com atividades
referentes ao estudo sobre o consumismo, permitindo que o aluno reflita sobre o seu
conhecimento prévio e possa adquirir novos conhecimentos por meio da realização
das atividades, possibilitando uma nova postura comportamental.
A etapa final constitui o desenvolvimento de atividades na escola em conjunto
com os educandos, ou seja, a implementação do projeto, que foi realizada por meio
de questionários, análise de documentários, leitura e interpretação de textos,
pesquisas em internet, revistas, jornais e livros para elaboração de charges e
apresentação, análise e discussão de imagens, músicas e poesias, debates em
grupo e formação de textos.
Análise dos resultados
A geografia como disciplina possibilita ao aluno compreender as relações de
produção capitalista que envolve o consumismo e que acaba sendo materializadas
no espaço geográfico ocasionando vários problemas socioambientais. Fazendo esta
análise o aluno constrói esse espaço e é preciso dar suporte para que este seja
inserido dentro de sua realidade, para poder agir conscientemente não fazendo de
sua impulsividade desajustes na sua organização de orçamentos e entendendo as
vantagens e desvantagens do crédito. Diante das análises apresentadas a seguir
têm como parâmetros as reflexões realizadas sobre o consumo com os alunos do
terceiro ano do ensino médio dos períodos matutino e noturno do colégio
selecionado para a realização do projeto.
Iniciamos nossa investigação por meio da sondagem inicial onde os alunos
foram estimulados a responderem questões a respeito do consumo indicando “sim”
ou “não”. As questões propostas pela professora pesquisadora foram: a) Você
costuma comprar só o que necessita? Você se pergunta antes de comprar: é
preciso? É útil? Eu posso pagar? b) As propagandas levam você às compras? c)
Você costuma juntar dinheiro para comprar o que precisa à vista? d) O parcelamento
ou às compras pelo cartão de crédito faz parte de sua rotina? e) Você faz as contas
de quanto é o produto que adquire a vista ou em “suaves” prestações? f) Sua
postura financeira é colocar gastos mensais pré-fixados no papel para ver quanto
você tem de disponibilidade de dinheiro? g) Consegue guardar algum dinheiro para
imprevistos que podem surgir? h) Você acha que às compras levam à felicidade? I)
Você já adquiriu produtos fora do seu orçamento? j) Quando consome por impulso e
não consegue pagar altera sua rotina: sono, alimentação, etc? Todos esses
questionamentos serão retomados no final da pesquisa.
Após ter respondido “sim ou “não” em todas as questões anteriores os alunos
tiveram que responder o seguinte questionamento. Você é consumista? Sim ou não?
Justifique.
Após a aplicação dessa questão a professora pesquisadora obteve os
seguintes resultados, dos 25 alunos do período matutino apenas quatro costumam
juntar dinheiro para comprar o que necessitam e 21 compram em “suaves”
prestações mesmo que no final o produto encareça três ou quatro vezes mais do
que o preço à vista.
Em contrapartida os 35 alunos do período noturno responderam que são
consumistas e acabam pagando caro por ter atitudes impensadas como “perda de
sono” e dificuldades em se alimentar devido à preocupação com as prestações a
serem pagas.
Diante dessa situação constatamos que os alunos do período noturno são
mais consumistas em relação aos alunos do período matutino. Também agem por
impulso na hora das compras, pagando muito caro por essa atitude impensada,
além de não resistirem às prestações, não calculando o quanto isso encarece o
produto.
Dando continuidade na investigação a respeito do consumo a professora
pesquisadora, com intuito de estimular o conhecimento dos alunos passou o
documentário “Butão o país da felicidade”. Ao iniciar a apresentação do
documentário fez uma breve apresentação a respeito desse país asiático localizado
ao sul da China. Destacou que o país tornou-se referência nas políticas públicas de
bem estar social que levam a felicidade dos cidadãos. Também enfatizou que eles
utilizam o Índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) que é hoje a realidade mais
concreta de indicadores que medem o desenvolvimento a partir da felicidade
demonstrada pelas pessoas, a partir da garantia de seus direitos sociais. Paralelo a
isso, utilizou o seguinte fragmento de texto:
É em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo. A produção de bens e serviços, os meios de comunicação social, as atividades de lazer, a educação, o planejamento urbano, tudo é pensado e criado em princípio tendo em vista nossa felicidade. Nesse contexto abundam os manuais e métodos para viver melhor, a televisão, os jornais, destila conselhos sobre a saúde e manutenção da forma, os psiquiatras ajudam os pais e os casais em dificuldades, são cada vez mais os gurus que prometem a plenitude. Cuidar da alimentação, dormir, seduzir, relaxar,
fazer amor, se comunicar com os filhos, mantermo-nos dinâmicos: que esfera escapa ainda as receitas da felicidade? Passamos do mundo fechado ao universo de possibilidades infinitas para ser feliz (LIPOVETSAKY, 2007, p. 288).
Após a apresentação do documentário “Butão país da felicidade” e do texto os
alunos tanto do período matutino quanto do período noturno, estabeleceram
paralelos entre o mundo capitalista e o Butão totalmente anticapitalista. E destacam
que era desconhecido por todos da turma do matutino e do noturno, que a felicidade
existe no meio de tanta simplicidade como no Butão, onde o consumo e a força do
capitalismo são subjugados a uma valorização ínfima. Os educandos também
observaram que em países capitalistas, os seres humanos valem pelo poder
aquisitivo e mesmo os que têm alto poder aquisitivo não tem garantido estabilidade e
principalmente segurança.
Dando sequência no desenvolvimento da pesquisa a professora pesquisadora
trouxe para reflexão sobre o consumo o seguinte fragmento do texto intitulado “As
minhas aquisições”.
Com a necessidade que temos de substituir cada vez mais rapidamente as coisas que nos cercam neste mundo, não podemos permitir-nos utilizá-las, respeitar a sua inerente durabilidade; precisamos consumir devorar por assim dizer, as nossas casas, os nossos móveis, os nossos carros, como se tratasse de “coisas boas” da natureza que se deterioram, inevitavelmente, a menos que entrem sem demora no ciclo incessante do metabolismo humano (SANTOS, 1999, p. 126).
Após o debate e a reflexão sobre essa problemática relacionada ao consumo
desenfreado e o desperdício da sociedade os alunos do período matutino e noturno
foram orientado pela professora pesquisadora a fazerem uma listagem de coisas
úteis e inutilizadas que possuíam, sendo estes separados em bens duráveis e não
duráveis (roupas e calçados, entre outros) que possuíam.
Quanto aos alunos do período matutino 20 relataram que possuem grande
quantidade de roupas, e destacaram que são influenciados pelas modas lançadas
nos meios de comunicação. Apenas cinco alunos destacaram possuir poucas
roupas. Com relação aos calçados os alunos acreditam ter poucos, o tênis, por
exemplo, bastante utilizado, geralmente tem um valor considerado elevado e por
isso a maioria tem apenas um.
Os alunos do período noturno procederam da mesma forma dos alunos do
período matutino fazendo a listagem de coisas úteis e inutilizadas separadas em
roupas, calçados, bens duráveis e outros itens em suas casas. Esses produtos
foram separados em roupas, calçados, bens duráveis e outros itens presentes em
suas casas. Os itens inutilizados foram doados para o Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS) no município de São Tomé.
Os alunos relataram que chegaram à conclusão que precisam de menos
mercadorias para se viver, além de observarem que compram muitos objetos, dentre
eles: roupas e calçados, atraídos pela mídia sem terem real necessidade, são itens
que usam pouco e depois acabam ficam de lado.
Desta forma entendemos que os jovens estão sujeitos a influências de todo
lado. Ora são influenciados pelos amigos, pelos pais, pela televisão e principalmente
pela publicidade por meio das propagandas que estimulam o consumismo.
Para introduzir a atividade “A força da propaganda”, a professora
pesquisadora entregou o texto: A publicidade, o crédito e a explosão do consumo
(BOLIGIAN; ALVES, 2010), que foi comentado e discutido como a propaganda
interfere no consumo e que muitas vezes leva as pessoas a adquirirem mercadorias
dispensáveis, ou seja, são impulsionados pelo simples desejo de comprar algo que
na realidade não necessitam.
Na sequência os alunos realizaram pesquisas referentes às propagandas em
jornal, internet, outdoor, revista, televisão e rádio. Essas pesquisas (figura 1) foram
analisadas e após responderam uma série de questionamentos refletiram sobre as
intencionalidades de cada meio de comunicação.
As análises feitas serviram para que todos se conscientizem de como a mídia
age para atingir o público alvo e como a sutileza é usada para fazer com que as
compras ocorram devido ao incentivo que estas oferecem.
Figura 1: Propaganda retirada de um outdoor.
Fonte: Material produzido pelos alunos.
Dessa forma entendemos que as propagandas são direcionadas
principalmente aos públicos infantis e os adolescentes. Essas são exibidas nos
horários de grande audiência desse público e muitas vezes os pais cedem aos
desejos dos filhos mesmo sem terem poder aquisitivo por saber que se dedicam
pouco tempo aos filhos, tendo esse tipo de comportamento como forma de suprir a
ausência.
A discussão da relação entre cidadania e consumo foi um momento de
grande reflexão entre a professora pesquisadora e os alunos do período matutino e
noturno. A pesquisadora teve como ponto de partida a reflexão do texto de
Cavalcanti (2002, p.64-65), que problematiza:
O consumo é ingrediente da cidadania, ao consumir o indivíduo constrói sua cidadania, mas esse consumo não pode ser entendido apenas do ponto de vista das necessidades individuais e superficiais, pois o consumo integra a prática cotidiana da vida, do ponto de vista cultural, material e social. Nesse sentido, é direito do cidadão consumir, usar, usufruir material e espiritualmente de sua cidade, de tudo que ela tem apreciar seus lugares, ter condições para apreciar paisagens, além de ter direito de consumir na cidade, consumir de fato seus objetivos (nas lojas, supermercados, área de lazer, cinema e museus).
Após a reflexão e debate acerca das ideias implícitas nesta citação a
professora pesquisadora propôs a leitura e discussão do texto “A gente se vê no
shopping?” da autora Gisele Zambone. Esse texto ajudou os alunos a compreender
como o espaço local está inserido no consumo e no lazer. Também enfatizaram que
embora esses espaços sejam livres para a circulação de pessoas, é necessário ter
dinheiro para consumir, roupas, calçados, irem ao cinema ou ainda comprar pipoca
na praça, um lanche ou uma bebida, comer uma pizza, etc. Finalizando essa etapa
os alunos realizaram uma pesquisa na pequena cidade de São Tomé identificando
os principais espaços de consumo. Dentre eles estão bar, pizzaria, pastelaria, etc.
Para introduzir a próxima atividade, “Marcas, signos de uma linguagem
mundial”, a professora pesquisadora trouxe para reflexão o texto abaixo, retirado da
Folha de São Paulo:
A Nike é acusada de vender tênis produzidos em países asiáticos por mão-de-obra aviltada. Um levantamento feito junto a quatro mil trabalhadores de nove das 25 fábricas que servem à empresa na Indonésia revelou que 56% dos trabalhadores queixam-se de insultos verbais, 15,7% das mulheres reclamam de assédio sexual e 13,7% contam que sofreram coerção física no serviço. Esse estudo foi realizado sob o co-patrocínio da própria Nike. Outro levantamento, feito no Vietnã, mostrou que os trabalhadores ganham US$ 1,60 por dia e teriam que gastar US$ 2,10 para fazer três refeições diárias. Banheiros, só uma vez por dia. Água, duas vezes. O descumprimento das normas de uso do uniforme é punido com corridas compulsórias. Em outros casos, o trabalhador é obrigado a ficar de castigo, ajoelhado. A fábrica da localidade de Sam Yang funciona 20
horas por dia, tem seis mil empregados, mas o expediente do médico é de apenas duas horas diárias. (Elio Gaspari, “O micreiro do MIT pegou a Nike”, Folha de S. Paulo, 4/3/2001.)
Após a reflexão, cada aluno relatou, oralmente, como se sente consumindo
produtos da Nike sabendo como é a produção desses bens de consumo. Dando
continuidade a professora pesquisadora organizou equipes e orientou os alunos do
período matutino e noturno a desenvolvem pesquisas sobre três produtos: coca-
cola, Mc Donalds e Nike. Na sequência realizou-se exposição das pesquisas no
período matutino e noturno. Diante das análises dos trabalhos referentes às três
marcas pesquisadas pelos alunos a professora constatou que alguns grupos
apresentaram os seguintes desempenhos: excelente, bom e regular.
Regular- Nike: ficou muito a desejar, pois não mencionaram como as crianças são
exploradas nesse trabalho e nem as condições de trabalho de uma forma geral.
Bom- Mc Donald’s: relataram bem sobre o histórico dessa rede, mas faltou abordar
a contribuição que esse alimento trás para a obesidade, já que a preocupação é só
consumir para lucrar rápido e não alimentar por uma questão de saúde.
Excelente- Coca-cola: foi bem fundamentada ao colocar o histórico, a expansão
pelo mundo e o crescente consumo, além das cifras altas que giram ao redor desse
negócio, já que é o refrigerante mais consumido do mundo.
A disponibilidade e interesse em obter essas informações, sobre o
funcionamento e modo de produção das marcas, conhecidas mundialmente, traz a
tona a realidade e mostra como a sociedade foi se desenvolvendo.
Para finalizar essa etapa a professora pesquisadora explorou “Criticidade e
conhecimento”, os alunos fizeram uma charge (figura 2) na qual o tema consumo foi
abordado com criatividade, enfatizando como a propaganda manipula e faz com que
as compras sejam essenciais para que a produção e o lucro se solidifiquem. No
período matutino, todos alcançaram os objetivos propostos. As charges foram
expostas no mural da escola. No período noturno, os alunos apresentaram
desempenho satisfatório atendendo parcialmente o que foi solicitado pela professora
pesquisadora.
Figura 3: Exemplos de charges.
Fonte: Trabalho realizado pelos alunos.
A fim de alcançar uma mudança cognitiva e comportamental a respeito do
consumo a atividade intitulada “Conscientização e transformação”, teve como
propósito a confecção de um livreto. Para a Motivação foi realizada a leitura da
poesia Eu, etiqueta de Carlos Drummond de Andrade:
“Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta...”
Dessa forma os alunos puderam escolher o assunto que seria abordado,
inserido na temática proposta, sendo assim, alguns optaram pelos seguintes temas:
marca de produtos, consumismo, mídia, excesso de consumo e suas consequências
entre outros.
Após um debate, chegou-se a seguinte conclusão: estamos todos tão
hipnotizados pela sedução das marcas que estão no tênis, calça, camiseta, que
acabamos virando uma alegoria de acessórios visuais, e quem observa
normalmente admira e inveja quem está assim. Em seguida, os alunos ouviram a
música Televisão dos Titãs:
A televisão me deixou burro muito burro demais agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais o sorvete me deixou gripado pelo resto da vida...
Na sequência a professora pesquisadora fez os seguintes questionamentos
“A televisão realmente deixa as pessoas mais alienadas?” Alguns disseram que a
maioria dos programas aliena sim, deixando as pessoas iludidas, fora da realidade;
outros disseram que há programas que cumprem a sua função social, porém são
poucos.
Após esse momento de reflexão iniciou-se a confecção dos livretos com os
seguintes os tópicos, introdução, desenvolvimento e conclusão (figura 3). Para isso,
puderam utilizar argumentos tirados de documentários, depoimentos pessoais,
sendo que o objetivo era ver até onde eles se apropriaram do projeto. Dos 25 alunos
da turma matutina, apenas dois tiveram participação mediana na preparação do
livro, o restante se empenhou ao máximo. No período noturno, a confecção do livro
foi realizada em trio para haver uma divisão melhor de trabalho já que eles não têm
tempo para fazer em casa, pois trabalham durante o dia.
Figura 3: livretos confeccionados pelos alunos.
Fonte: Trabalhos realizados pelos alunos.
Diferentemente dos alunos da manhã, os livretos (figura 4) não ficaram tão
coerentes, pois na divisão da confecção surgiram discussões, pois enquanto um
preparava a capa, outro a introdução e assim por diante, gerando discordância entre
eles. De uma maneira geral, o resultado foi satisfatório já que todos se empenharam
e fizeram o que compreenderam sobre o tema trabalhado.
Figura 4: livretos confeccionados pelos alunos.
Fonte: Trabalhos realizados pelos alunos.
Para finalizar o projeto a professora pesquisadora aplicou a sondagem final
consistiu na entrega do mesmo questionário utilizado na 1ª atividade. Os alunos da
manhã responderam que hoje refletem mais para pedir aos pais para adquirir um
produto, comprando quando precisam e fugindo das prestações. No período
noturno, verificou-se que houve uma mudança de postura muito significativa e
apenas dois alunos colocaram que ainda não conseguiram colocar um fim nas
“suaves prestações” mesmo sabendo que existem altos juros embutidos, porém irão
pensar mais ao realizar uma compra.
Considerações Finais
Este artigo é resultado de parte das pesquisas, reflexões e implementação da
unidade didática produzida durante o Programa de Desenvolvimento de Educação –
PDE 2014-2015, que permitiram a ampliação da abordagem sobre o consumo e
todas as consequências que nele está inserido.
Entender que o consumo pode fazer parte da nossa vida, mas de maneira
saudável, conseguindo se defender das articulações da mídia e até mesmo da
sociedade é de fundamental importância para a qualidade de vida de todos,
principalmente os jovens.
Ao fim desse trabalho notamos que os alunos do período da manhã, embora
realizassem melhores atividades, a conscientização sobre o consumo ficou mais ao
nível de reflexão, pois os alunos não trabalham e utilizam o dinheiro dos pais, já no
período noturno, em que todos trabalham, a mudança comportamental foi
extremamente positiva, ficando explícita por meio dos vários depoimentos que os
alunos relataram.
Ao término desta implementação, ficou a certeza de que se fosse investido
mais em valores essencias para a felicidade do ser humano, a sociedade não estaria
tão carente de sentimentos nem o meio ambiente estaria tão comprometido. A
corrida pela busca do dinheiro para se consumir mais e mais deveria ficar em
segundo plano para que o ser humano não estivesse tão comprometido e
desequilibrado caminhando para um verdadeiro precipício.
Fica a certeza de que o conhecimento pleno, desprovido de interesses
financeiros, é o que deveria mover todos os segmentos sociais em uma busca
constante de mais saberes, para só assim, as emoções como ver uma criança
saltitando com brincadeiras saudáveis, longe da televisão, um jovem lutando para
alcançar seus ideais e não investindo só em seu visual e um idoso reconhecido por
seu papel importante na sociedade, proporcionem uma visão de que todo o ser
humano pode chegar tranquilo a esse estágio da vida e isto não se compra, nem se
consome, mas se conquista e se perpetua.
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