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OFICINA DE MAQUETE COMO RECURSO DIDÁTICO PARA ABORDAR A
CONSTRUÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE
Gabriela Fernandes Jordão
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
gabriela.jordaof@gmail.com
INTRODUÇÃO
Mapas e maquetes são utilizados como recursos didáticos na representação,
interpretação e visualização do espaço geográfico. Através da análise destes recursos,
problemas econômicos, ambientais e sociais podem ser compreendidos com maior
facilidade do que quando há apenas a exposição do conhecimento feita em sala de aula.
Aliado a isso, sabemosdacontextualização rasa e desarticulada entre teoria e
prática dentro da Cartografia Escolar, na qual o ensino do/pelo mapa ainda apresenta-se
como prática desafiadora, já que este, sendo símbolo representativo da ciência
geográfica, é utilizado frequentemente, segundo Almeida (2001), apenas para ilustrar ou
mostrar onde as localidades ou ocorrências estão, não reconhecendo, as potencialidades
do ensino do mapa, resumindo seu uso apenas para a localização, mesmo que, como
afirma Richter (2012, p. 05), estatarefa seja de suma importância para a função do
mapa, mas que acaba restringindo a interpretação sobre diversos contextos envolvidos,
tornando-se esta uma situação preocupante,
pois desenvolver uma compreensão daleitura de mundo, a partir da
representação gráfica como o mapa, significa a formaçãode um aluno
mais atento as transformações e permanências do espaço e possibilita que
esse indivíduo entenda o mundo sob diferentes perspectivas, o que resulta
numa análisemais complexa da realidade. Portanto, a atividade de
localizar, orientar, identificaritinerários, ter noções de escala, ler as
informações e símbolos presentes num mapa,saber representar os
elementos e fatos do cotidiano por meio da linguagem cartográficasão
competências que precisam ser ensinadas na escola. Negligenciar
odesenvolvimento destas competências é excluir os alunos ao acesso de
conhecimentos ehabilidades fundamentais para compreender e atuar na
sociedade. (RICHTER, 2012, p. 05)
Assim, a proposta da oficina de maquetes surgiu como possibilidade, conforme
afirma Francischett (2011, p.80), de construir os conhecimentos da linguagem
cartográfica, a fim de compreender a dimensão social do espaço, assim como das
relações que nele ocorrem, visto que
as maquetes geográficas temáticas reproduzem temas geográficos
espacio-locais através da Cartografia com o fim de representar os
fenômenos físicos, ecológicos, socioeconômicos de maneira qualitativa e
quantitativa, tendo na informação planialtimétrica, o suporte cartográfico
necessário. (FRANCISCHETT, 2011, p. 141).
Dessa forma, ao escolhermos trabalhar com a Oficina de Maquetes na Escola
Estadual Felipe Cantusio, localizada na cidade de Campinas, na qual o PIBID-Geografia
da UNICAMP desenvolve atividades, propomos representar tridimensional o espaço, a
fim de se produzir e transmitir informações, transformando a maqueteem projeto
interdisciplinar, muito além de objeto de reprodução, além de trazer a possibilidade de
comunicação, diminuindo a distância entre os elementos da linguagem cartográfica, e
principalmente em relação à tridimensionalidade e às perspectivas.Além disso, essa
metodologia se contrapôs a fragmentação do ensino-aprendizagem e o abismo que há
entre teoria-prática no processo educacional já citado.
Porém, após a decisão de trabalhar com os mapas e maquetes, com o objetivo de
reforçar o ensino da Cartografia Escolar, precisávamos selecionar o tema a ser aplicado
e estudado juntamente com os alunos. E este surgiu após uma visita organizada pela
própria escola a uma exposição em um centro cultural na cidade, cujo tema central era
“Energia”. Nesta, os alunos puderam perceber que o discurso, instituído pelo guia e pela
própria exposição, validava a energia hidrelétrica como uma energia limpa e sem
impactos. Essa questão mostrou-se como uma oportunidade de unir a oficina de
maquete ao tema energia.
Assim sendo, a oficina, que ocorreu todas as quartas-feiras no período da tarde
no laboratório da Escola acima apontada, iniciou-se no final do primeiro semestre de
2013 e estendeu-se por todo o segundo semestre, finalizando em meados de novembro,
contando com a participação de alunos do Ensino Médio (2º e 3º anos), tendo como
foco a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, tema muito presente na
mídia,atentando-nos principalmente à discussão sobre os impactos socioambientais da
construção, nada abordados na exposição.
Figura 1 - fotografia de uma maquete de sistema hidrelétrico, constante na exposição. Foto de Kédima,
2013.
OBJETIVOS
Os objetivos gerais dessa oficina foram permitir aos alunos entrar em contato
com a temática dos impactos ambientais da UHE Belo Monte por meio da análise
cartográfica e da construção de maquetes. Ao mesmo tempo, permearam nessa proposta
a apreensão de conceitos da área da cartografia, como os elementos do mapa e modelos
tridimensionais de representação do espaço.
Além disso, tornou-se foco da oficina a formação do aluno para a vida, e
principalmente para o exercício de sua cidadania, ajudando-o a compreender o mundo e
a desenvolver sua própria opinião acerca do assunto, tornando-o crítico e participante
ativo.
METODOLOGIA
Durante a oficina trabalhamos, primeiramente, conteúdos cartográficos, como a
leitura e interpretação de cartas hipsométricas que representam o relevo de determinada
área, fazendo com que “a maquete apareça como o processo de restituição do ‘concreto’
(relevo) a partir de uma ‘abstração’ (curvas de nível), centrando-se aí sua real utilidade,
complementada com os diversos usos deste modelo concreto trabalhado pelos alunos
(SIMIELII apud OLIVEIRAet al 2008, p. 230). Posteriormente, métodos de
representação da cartografia temática foram utilizados para as representações na
maquete e por fim limites e possibilidades econômicas, sociais e ecológicas da energia
elétrica aplicada ao caso da UHE Belo Monte.
Além disso, fez-se necessário a abordagem de conceitos de geomorfologia,
sobretudo as formas de relevo existentes na área a ser representada, para que houvesse
um entendimento efetivo dos impactos causados pela inundação da área da UHE Belo
Monte.
Procedimentos
1) Introdução a conceitos básicos de cartografia e relevo
Nesta primeira etapa diferenciamos as relações entre os mapas e as maquetes,
apresentando seus principais elementos e suas respectivas leituras, atentando-se a
apontar elementos e relações entre a representação tridimensional na maquete e a
bidimensional do mapa.
Como início dessa atividade, fizemos a verificação dos conhecimentos prévios
que os alunos possuíam a respeito do conceito “Relevo”. Dessa forma, pedimos que eles
dissessem o que lhes vinha à mente quando pensavam nesse conceito, conforme eles
falavam, anotávamos na lousa as palavras(Imagem2). Esse procedimento foi importante
porque serviu como um diagnóstico demonstrando o quanto os alunos dominavam o
conteúdo, sendo base para decidirmos o que considerar com eles na próxima etapa.
Figura 2 - Verificação de conhecimentos prévios dos alunos sobre o conceito de relevo. Foto de Giovanna
Ermani, 2013.
A fim de tornar o procedimento mais claro aos alunos, utilizamos um modelo de
relevo (Figura 3), construído antecipadamentepara que eles pudessem observar como
são construídas as cartas topográficas e entendessem completamente o procedimento
que iriam utilizar para a construção da maquete.
Figura 3 - Modelos de relevo construídos para facilitar o entendimento e a leitura de cartas topográficas.
Foto de GiovannaErmani, 2013.
O modelo de relevo tridimensional possibilitou que os alunos entendessem como
se dá a transposição do sistema tridimensional para o bidimensional. Como observado
na figura, o modelo representa um relevo acidentado, onde várias curvas de níveis
cortadas são pintadas de cores diferentes. Além disso, são desenhadas, na base branca
que sustenta o modelo de relevo, as curvas de níveis que correspondem a cada cor. O
modelo tornou mais fácil a leitura da carta topográfica.
2) Pesquisa sobre o tema
Utilizando o laboratório de informática da escola na qual o PIBID-Geografia
atua, promovemos a pesquisa do tema a ser aplicado à maquete problematizando a
importância das discussões sobre a construção da UHE Belo Monte no cenário nacional
e regional e inculcando questões, investigações e verificações sobre os malefícios e
benefícios dessa obra.
Essa questão é fundamental,pois
acreditamos que, para construir a maquete, é necessário e importante que
ela seja um acontecimento construto de conhecimento, que façamos uma
observação cuidadosa do local a ser representado, que os fatos observados
se integrem, que façamos a relação com a visão global do mundo.
(FRANCISCHETT, 2011, p.144).
Para que essa relação se constituísse de forma efetiva, os alunos tiveram
autonomia para pesquisar no site que desejassem, tendo os bolsistas apenas como
auxiliaresnas reflexões relacionadas à origem do conteúdo. Nesse sentido, algumas
questões interessantes permearam esta fase do projeto, uma vez que os alunos passaram
a refletir sobre a origem do que encontram disponível na internet e a perceber que todas
as matérias são oriundas de um posicionamento acerca do assunto, sendo necessário que
o leitor esteja preparado para perceber isso.
Dessa forma, com este aprofundamento sobre o assunto, os alunos, contando
com o auxílio e mediação dos bolsistas, puderam escolher o que seria mais relevante
representar na maquete de acordo com nossos objetivos, dando ao aluno “por ser agente
no processo da aprendizagem [...], a postura de sujeito científico, [fazendo] a razão
educativa aparecer na habilidade de motivá-lo para o ensino-aprendizagem
emancipatório, crítico e criativo”. (FRANCISCHETT, 2011, p.165).
3) Confecção da maquete
Com a carta topográfica da região na escala 1: 125.000 em mãos iniciamos a
confecção da maquete traçando as diferentes cotas com canetas coloridas (uma cor para
cada cota). Em seguida, para passar as cotas altimétricas (de 100 em 100m) para o
isopor, utilizamos papel carbono entre a carta e a placa de isopor, furando cada cota
com agulha em uma placa diferente.
No próximo passo iniciamos a montagem da base tridimensional da maquete,
colando as cotas com cola de isopor sobre a nossa base, sobrepondo-as; começando com
a de menor para a de maior altitude. Terminada essa fase, cobrimos toda a maquete com
guardanapos de papel e cola branca a fim de suavizar as feições. Para finalizar,
pintamos com tinta guache os elementos selecionados durante a fase de pesquisa a
seremexpostos de acordo com as técnicas de representação gráfica, como o rio Xingu, a
área urbana da cidade de Altamira/PA, as estradas Transamazônica, Transassurini e PA-
415, as Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu e os Povoados
do município de Altamira, todos ligados a construção da UHE.
Imagem 4 - Alunas colorindo as curvas de
nível. Foto de Rafael Rigamonte, 2013.
Alunos furando as cotas altimétricassobre a
Imagem 5 - Alunos furando as cotas
altimétricas. Foto de Rafael Rigamonte, 2013.
Alunos furando as cotas altimétricassobre a
Figura 6 – Pintura da Maquete. Foto de Pedro de Oliveira, 2013.
4) Discussões a cerca da UHE Belo Monte
Com as maquetes finalizada (figura 7), apresentamos o documentário “Belo
Monte – Anúncio de uma Guerra”1(figura 8) com o objetivo de fomentaropiniões e
posições sobre o assunto, uma vez que o filme introduz questões que não são
apresentadas pela grande mídia. Nesse sentido, buscamos provocar um debate com os
alunos para que eles pudessem trocar ideias a cerca de diversos aspectos relacionados à
construção da UHE Belo Monte, e a partir disso, fossem capazes de se posicionar sobre
o assunto.
Durante a realização do debate (figura 9), usamos a maquete como base das
discussões. Ao retornar e analisar cada questão levantada pelos moradores locais,
índios, empresários, e demais agentes relacionados à Usina, procurávamos examinar
como isso se materializava no espaço, por meio da maquete. Isso foi de importância
especial quando consideramos a inundação da “cota 100” amplamente difundida nas
pesquisas realizadas antes da elaboração da maquete, bem como no próprio
documentário.
1http://catarse.me/pt/projects/459-belo-monte-anuncio-de-uma-guerra. Acessado em agosto de 2012.
Figura 7 – Maquetes finalizadas. Foto de Gabriela Jordão, 2013.
Figura 8 - Alunos assistindo ao documentário “Belo Monte – Anúncio de uma Guerra”.
Foto de Pedro Oliveira, 2013.
Figura 9 – Discussão dos bolsistas PIBID e alunos sobre a construção da UHE Belo Monte.
Foto de Pedro Oliveira, 2013.
RESULTADOS
Ao longo da oficina de maquetes foi possível com que os alunos produzissem
conhecimento, tanto em relação à cartografia como à temática escolhida, a Usina
Hidrelétrica de Belo Monte, já que, de acordo com Simielli (1991, pp. 18-19) “[...] essa
produção se faz a partir das informações que os elementos da maquete em si traduzem,
assim como de informações que possam ser sobrepostas à maquete e trabalhadas para a
elaboração de conceitos e fenômenos”.
Dessa forma, ao trabalhar com os elementos da cartografia, segundo
Franchischett (2001, p. 188) o entendimento da complexidade do real, integra-se,
transforma-se, possibilitando que a maquete diminua “a distância entre oselementos de
comunicação, estabelecendo-se melhor decodificação dos pontos, linhas,áreas, símbolos
e signos, principalmente em relação à tridimensionalidade”. (FRANCISCHETT, 2001,
p. 188).
Nessa proposta, onde o ensino se dá por meio da construção da maquete,
diferentemente do seu uso mais comum, que “têm enquanto fim apenas aprópria
representação e não a função de estar representando um espaço para estudo oupesquisa,
ou como resultado disso” (FRANCISCHETT, 2001, p. 193), a maquete não encerra em
si, conforme afirma Simielli (1991, p. 18), as informações, mas serve como ponte entre
vários objetos de estudo geográficos, como foi realizado na oficina apresentada.
Além disso, vale recordar que tal proposta tem o objetivo de anular o corrente
abismo existente entre teoria e prática, caracterizando a maquete como recurso didático
de alfabetização cartográfica e de análise geográfica.
Pode-se, portanto, ao fim da oficina, perceber que, por meio da construção e
análise da maquetee pesquisa e discussão sobrea UHE de Belo Monte, os alunos
puderam formar suas próprias opiniões acerca do tema com argumentos fundamentados,
alcançando, assim, um dos objetivos iniciais da oficina: colaborar com construção de
cidadãos, tornando-os críticos e participantes ativos da sua comunidade, capacitando-os
a entender como se configuram as relações políticas e sociais no meio em que vive.
Além disso, como já evidenciado, a construção da maquete, foi fundamental para a
compreensão do assunto, possibilitando uma melhor visualização dos impactos sociais e
ambientais da construção da Usina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica naescola.
São Paulo: Contexto, 2001.
OLIVEIRA, Bárbara Renata de; MALANSKI, Lawrence Mayer. O Uso da Maquete no
Ensino de Geografia.Extensão em Foco, [S.l.], n. 2, Nov. 2011. ISSN 1982-4432.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/extensao/article/
view/24783/16618>. Acesso em: 22 Out. 2013.
FRANCISCHETT, Mafalda Nesi. A Cartografia no Ensino de Geografia: a
aprendizagem mediada, na Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP - Campus
de Presidente Prudente: [s.n.], 2001.
RICHTER, D. . A Cartografia Escolar na formação inicial da Pedagogia. In:
Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, 2012, Campinas/SP. XVI ENDIPE
- Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino. Araraquara/SP: Junqueira&Marin
Editores, 2012. p. 2-13.
SIMIELLI, M. E. R. et al. Do plano ao tridimensional: amaquete como recurso didático.
In:Boletim Paulista deGeografia, nº 70, AGB, São Paulo, 1991, p. 5-21.
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