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O REGISTRO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO DA CRIANÇA NA RESOLUÇÃO DO
PROBLEMA POR MEIO DO DESENHO
Mariana Palezi Valério
Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz
Maria Lydia Manara de Mello
Orientadora
Maria Alice Junqueira de Almeida
Leitora
RESUMO
Este artigo tem por finalidade discutir o desenho como ferramenta para o registro do pensamento
matemático da criança, no início do processo da alfabetização, visando investigar na prática
resoluções de situações-problema. As crianças inventam seus próprios símbolos. Isso constituí-se
uma alternativa interessante para elas. Este artigo apresenta as formas de representação, os registros
escritos como apoio dos cálculos realizados e a evolução no processo de raciocínio de três crianças
na faixa etária entre 5 e 6 anos de idade na resolução de problemas matemáticos.
Palavras-chaves: Matemática. Desenhos. Representação. Alfabetização. Resolução de problemas.
Educação Infantil
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1 INTRODUÇÃO
“Para um espírito científico todo conhecimento é unir resposta a uma pergunta. Se não existe pergunta não pode haver conhecimento científico. Nada vem sozinho, nada é dado. Tudo é construído.” Bachelard, A formação do espírito científico
Esta pesquisa teve como inspiração a leitura do livro Crianças pequenas continuam
reinventando a aritmética, de Constance Kamii. Quando o assunto é matemática, é quase unânime
certo temor pelas contas de “transportar” e “emprestar.” Por que tem de ser assim? Por que a
matemática provoca tanto pânico?
A autora defende que as crianças inventem seus próprios procedimentos para resolverem
problemas. Jean Piaget afirma que o conhecimento lógico-matemático é uma construção e resulta da
ação mental da criança sobre o mundo. O estudioso demonstrou cientificamente que o aluno
constrói o conhecimento matemático de dentro para fora, ao contrário da crença tradicional de que
os seres humanos adquirem o conhecimento de fora para dentro, ou seja, pela internalização que
dele fazem a partir do ambiente.
Piaget acredita que a aprendizagem não acontece através de conhecimentos prontos, em
uma relação na qual o professor fala e o aluno escuta. Conforme Guerra (2002 apud GOMES, 2010,
p. 15)
A concepção teórica piagetiana, de uma aquisição do conhecimento baseada na atividade do
sujeito em interação com o objeto do conhecimento, aparece também como sendo o ponto
de partida necessária para o estudo da criança confrontada com o objeto cultural que se
constitui a escrita. (Guerra 2002 apud GOMES, 2010, p. 15)
Para o pensador, a aprendizagem acontece quando o aluno participa ativamente do ato de
aprender, ou seja, é uma construção do conhecimento e não um aprendizado mecânico. Segundo
Antunes (2008 apud GOMES, 2010, p. 14)
O construtivismo é uma corrente educacional apoiada no princípio de que o conhecimento
que conquistamos não é algo que venha de fora, passando de uma pessoa a outra ou
adquirindo através de uma leitura, mas sim estimulando a partir de experiências quando das
mesmas participamos ativamente, buscando conhecer e, assim, experimentando,
pesquisando, refletindo. (Antunes 2008 apud GOMES, 2010, p. 14)
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O capítulo 2 da obra de Kamii, que discute a representação, despertou o interesse para a
realização desta pesquisa para saber como a criança pensa no momento de resolver problemas
matemáticos. Afinal, a representação não acontece somente nessa área, mas sim no cotidiano, na
vida da criança. No momento da brincadeira, por exemplo, ela representa o papel da mamãe ou do
papai. Ao brincar de ir para a escola, ela imagina ser a professora da classe. A imaginação e a
criatividade infantil vão longe.
Além das brincadeiras de faz de conta, a criança convive com a matemática diariamente,
seja nas datas comemorativas como o dia do seu aniversário, na quantidade de anos que ela já
viveu, na coleção de figurinhas ou de bonecas, nas compras do supermercado, na quantidade de
camisetas ou meias que ela tem em seu guarda-roupa, nos jogos entre outros. “O uso de situações da
vida cotidiana é uma forma de encorajar as crianças a lógico-matematizar a realidade. Problemas
matemáticos estendem o mundo físico e social das crianças para além do aqui e agora.” (KAMII,
2002, p. 147)
A aprendizagem da matemática vincula-se a diferentes ocasiões. É preciso gerar
possibilidades de raciocínio, estimular a criação de hipóteses, propor situações-problema e
desenvolver habilidades nessa área de conhecimento desde cedo. Desta forma, as crianças poderão
ter um contato significativo com atividades ligadas à matemática.
Esta pesquisa foi realizada em uma instituição localizada na zona oeste da cidade de São
Paulo. É uma escola particular, que atende desde 1984, crianças da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental I.
Além da concepção de educação se afinar com a estudada no ISE Vera Cruz, esta escola
prepara as crianças para um máximo aproveitamento de seu potencial intelectual e criativo. Sua
metodologia é centrada no jogo e no acompanhamento das etapas de evolução do brincar com o
objetivo de colocar a criança sempre diante de desafios que a levem a encontrar respostas para seus
questionamentos.
Durante a observação do trabalho em sala de aula com crianças de 6 anos, a educadora
responsável pela classe passou algumas atividades com problemas para os alunos resolverem. Os
problemas não tinham figuras, somente o enunciado. Eles resolveram, sem medo, fazendo desenhos
para chegarem ao resultado final, da mesma forma que a autora Kamii descreve em seu texto. “Uma
vez que as crianças podem inventar seus próprios símbolos, as figuras que elas recebem nos livros
de exercícios são desnecessárias. Se elas necessitarem de uma figura para resolver um problema,
elas desenharão suas próprias figuras.” (KAMII, 2002, p. 35)
Piaget apresenta uma definição própria para símbolos e sinais, um pouco diferente da usual.
Define os símbolos como figuras e marcas de contagem, ou seja, representações criadas pelas
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crianças. “A fonte dos símbolos é o pensamento das crianças.”
Por exemplo, as crianças podem pensar em “oito” (...) e desenhar 8 maçãs ou 8 pessoas sem nenhuma instrução. Da mesma forma, elas podem usar 8 dedos, 8 fichas e 8 marcas de contagem como símbolos para 8 maçãs. (KAMII, 2002, p. 35)
Já os sinais, representam as palavras, os números convencionais e os sinais matemáticos,
não podem ser reinventados; são sinais criados pela sociedade.
Exemplos de sinais (…) são as palavras faladas “maçã” e “oito” e o numeral escrito “8”. Os sinais não lembram os objetos representados e suas fontes são convenções criadas pelas pessoas. Em outras palavras, os sinais pertencem ao conhecimento social (convencional) e, ao contrário de figuras e marcas de contagem, os sinais não podem ser inventados pelas crianças. Os sinais são partes de sistemas, e outros exemplos destes sistemas são sinais matemáticos (como “+”), notas musicais e o código Morse, que requerem transmissão social. (KAMII, 2002, p. 35)
Terminada a atividade, a professora pediu para as crianças explicarem como haviam
resolvido os problemas. Algumas crianças desenharam na lousa para mostrar como haviam chegado
ao resultado final.
Ter de justificar o próprio raciocínio é benéfico até para uma criança que produziu uma resposta correta, porque quando temos de explicar nosso próprio pensamento, nós pensamos não apenas sobre nosso próprio pensamento, mas também em como o ouvinte está entendendo o que estamos dizendo. (KAMII, 2002, p. 152)
Kamii (2002, p. 152) afirma que “crianças que se sentem respeitadas e apoiadas são mais
confiantes em relação à sua capacidade de raciocinar. É neste momento que a educadora tem de ser
adequada e acolher a resposta, independente do quanto a solução dada pela criança possa parecer
ilógica para o adulto. “A confiança das crianças é muito importante porque quanto mais confiantes
elas são, mais elas tomam a iniciativa de pensar. E quanto mais elas pensam, mais elas desenvolvem
sua lógica.”(KAMII, 2002, p. 152)
Desse modo, considerando a representação como algo fundamental para o desenvolvimento
do raciocínio no ensino da matemática, o presente artigo traz os tipos de registros e representações
que as crianças elaboram para resolver problemas.
2 METODOLOGIA
Para realizar este estudo de caso, alguns dados foram coletados, por meio de observações, de
como são as dinâmicas das aulas de matemática. Constatou-se como as crianças lidam com
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situações-problema. Ludke (1986, p.1 e 2) ressalta que “a observação possibilita um contato pessoal
e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens.”
Para o educador, “a experiência direta é sem dúvida um melhor teste de verificação de ocorrência de
um determinado fenômeno. 'Ver para crer', diz o ditado popular.”
Complementando essas observações, a educadora da sala observada explicou como se dá o
aprendizado destas crianças na área da matemática e como são aproveitados os conhecimentos de
cada aluno. Segundo ela, “o objetivo da escola é levar as crianças a construir a noção de número, a
operar com eles e a grafar as sentenças matemáticas dentro de contextos específicos. De acordo com
a proposta da instituição, a matemática também é abordada por meio das situações de jogos, cujas
regras e consequentes situações-problema propiciam a construção de todas as noções aritméticas.
Além disso, a interpretação e a resolução de problemas são bastante discutidas e trabalhadas em
sala.”
A meta estabelecida para este trabalho é acompanhar três crianças, no decorrer do ano letivo,
para observar a evolução da representação na resolução de problemas. Como critério de escolha dos
problemas, levou-se em consideração como essas crianças representam diferentes ideias em
diferentes níveis de abstração, ou seja, do baixo ao alto nível de abstração construtiva.
Em seguida, vem uma análise de dados para a compreensão do registro do pensamento
matemático da criança, por meio do desenho, como instrumento da construção de seu pensamento
matemático no início do processo de alfabetização.
Como fundamento para as reflexões, a pesquisa utilizará autores que discutem estas ideias,
entre eles, Piaget, Constance Kamii e Cecília Parra, e o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RECNEI).
3 A CRIANÇA E A MATEMÁTICA
As crianças constroem as noções matemáticas a partir de experiências promovidas pelas
interações com o meio e pela troca com outras pessoas através dos interesses, conhecimentos e das
necessidades. Com experiências adquiridas no universo matemático e outros que lhe permitem fazer
descobertas, as crianças criam relações, organizam o pensamento, o raciocínio lógico e situam-se
espacialmente.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RECNEI), as
representações “são manifestações de competências, de aprendizagem advindas de processos
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informais, da relação individual e cooperativa da criança em diversos ambientes e situações de
diferentes naturezas, sobre as quais não se tem planejamento e controle.”
Todavia, para dar continuidade a essa aprendizagem, principalmente na área da matemática,
é preciso intencionalidade, planejamento e participação ativa do professor. Sua importância nesse
processo é imprescindível para reconhecer o potencial da criança, adequar situações de
aprendizagens, tecer comentários, formular perguntas, elaborar desafios e incentivar diálogos e
reflexões.
Para o psicólogo Lev Vygotsky (2009, p. 93), o papel do adulto como mediador é essencial
no desenvolvimento da criança. “O primeiro contato com novas atividades, habilidades ou
informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança se
apropria dele, tornando-o voluntário e independente. Isso torna o papel do ensino e do educador
mais ativo e determinante.” O estudioso afirma ainda que “o aprendizado não se subordina
totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro,
provocando saltos de nível de conhecimento.”
Na Educação Infantil, a criança apresenta possibilidades de estabelecer relações,
comparações, quantidades, representações mentais, escritas e gestuais, e deslocamentos no espaço.
Quando crescem, elas conquistam maior autonomia e levam adiante ações que tenham uma
finalidade como atividades e jogos. Formulam hipóteses, aprendem a trabalhar situações-problema,
desenvolvem estratégias, inventam regras, reconsideram o que já fizeram e discutem propostas
diferentes. Além disso, as crianças vão ficando mais confiantes na própria capacidade de lidar com
situações matemáticas novas, utilizando seus conhecimentos prévios.
Diversas ações intervêm na construção dos conhecimentos matemáticos, como recitar a seu modo a sequência numérica, fazer comparações entre quantidades e entre notações numéricas e localizar-se espacialmente. Essas ações ocorrem fundamentalmente no convívio social e no contato das crianças com histórias, contos, músicas, jogos, brincadeiras etc (RECNEI, 1998, v. 3, p.213)
Piaget (1967/1971) apud Kamii (2005, p.12) estudou cientificamente a origem e o
desenvolvimento do conhecimento a partir de como a humanidade construiu a matemática e a
ciência desde os tempos pré-históricos. Na época dos gregos, as principais correntes do
conhecimento eram o empirismo e o racionalismo. Os empiristas Locke, Berkeley e Hume
defendiam que a fonte de conhecimento era exterior ao indivíduo e o conhecimento era adquirido
pela internalização produzida por meio de nossos sentidos. Ao contrário dos racionalistas, tais como
Descartes, Spinoza e Kant, que acreditavam que a razão era mais importante e poderosa do que a
informação dos sentidos. Para eles, as experiências dos sentidos não eram confiáveis. O rigor, a
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precisão e a certeza da matemática foram provas suficientes para o poder da razão.
Para Piaget, existiam elementos verdadeiros e não verdadeiros nessas correntes, mas recusou
essas crenças que se baseavam somente na filosofia. A partir dai, aproveitou seu conhecimento
biológico e foi pesquisar o desenvolvimento do conhecimento empírico e da razão nas crianças.
O estudioso identificou três tipos de conhecimentos: físico, social e lógico-matemático. O
físico é o conhecimento dos objetos do mundo exterior. Sua principal fonte está parcialmente nos
objetos podendo ser adquirido empiricamente por meio da experiência e da observação. O
conhecimento social são as convenções criadas pelas pessoas. Unidades-padrão de medida,
polegadas ou centímetros e as regras sociais são exemplos de conhecimento social. Essa
transmissão é necessária para que as crianças adquiram tal conhecimento. O conhecimento lógico-
matemático consiste em relações mentais e, a principal fonte dessas relações é a mente de cada
indivíduo. Ele pode pensar nas coisas que vê, por exemplo, como sendo diferentes, semelhantes ou
pensar em quantidades.
As crianças constroem o conhecimento lógico-matemático sujeitando relações já feitas a novas relações. Por exemplo, coordenando as relações de “mesmo” e “diferente”, que inicialmente criaram entre dois objetos, as crianças começam a produzir classe e subclasses (INHELDER E PIAGET, 1959/1964 apud KAMII, 2005, p. 13). Quando são capazes de criar classes e subclasses, elas passam a deduzir logicamente que há mais animais (em geral) no mundo do que há cachorros, sem ter que contar empiricamente todos os animais do mundo. Da mesma forma, ao colocar quatro “dois” em relação, elas passam a deduzir que 2 + 2 + 2 + 2 =8, que 4 x 2 = 8 e que se 4x = 8, x deve ser 2. (KAMII, 2005, p. 13 e 14)
Piaget conclui que existem fontes externas e internas de conhecimento. Físico e social são
fontes parcialmente externas ao indivíduo e o conhecimento lógico-matematico advém de fontes
internas.
4 A CRIANÇA E O DESENHO
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 85), os
desenhos expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos, pensamentos e
realidade por meio da organização de linhas, formas, pontos, tanto bidimensionais como
tridimensionais, além de volume, espaço, cor e luz na pintura, no desenho, na escultura. A
integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, intuitivos, estéticos e cognitivos, assim como a
promoção de interação e comunicação social, conferem caráter significativo às Artes Visuais.
A criança, quando rabisca, descobre formas. E quaisquer que sejam essas formas (redonda,
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quadrada, retangular, pequena, comprida, vazia) preenchem um horizonte de significados. De
acordo com a artista plática Edith Derdyk (1990, p. 100), “qualquer pretexto gráfico é o alvo de um
campo de representações. Bichos, plantas, carros, prédios, casas, sóis, árvores, gente. A criança vai
formando um repertório gráfico como num grande quebra-cabeça.” Para a educadora, essas
representações são construções de uma paisagem que garantem seu ser para ela flutuar neste mundo
de sensações.
O gesto gráfico é o exercício da sensibilidade, afinada com as pontas de instrumentos hábeis em marcar as diversas superfícies: energia pura sedimentada em formas. A mão e o instrumento agem em solidariedade. Desde pequenininha, a criança descobre nas pontas dos dedos o seu impulso de vida. Mais tarde, a criança já percebe que suas mãos seguram um objeto capaz de imprimir marcas sobre qualquer superfície: o muro, a areia, o barro, o papel. O signo gráfico é resultante de uma ação carregada de uma intencionalidade ainda não totalmente expressa. O olho, espectador dessa conversa entre a mão, o gesto e o instrumento, percebe formas. (DERDYK, 1990, p. 101)
Figura 1 – Matheus (3 anos)
Fonte: Escola Criarte, 2010 Figura 2 – João Vitor (3 anos) e Valentina (3 anos)
Fonte: Escola Criarte, 2010
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Figura 3 – Clara (5 anos)
Fonte: Escola Vera Cruz, 2001
A operação natural de perceber a diferença e fazer associações é um mecanismo que a
criança percebe e vai desenvolvendo no decorrer do tempo. Segundo Derdyk, “a construção dos
elementos gráficos vai formando configurações, mesmos que estas não tenham correspondência
com o mundo concreto, mesmo que seus atributos significativos sejam móveis.”
Tal como a apreensão da forma depende da consistência e da sinalização de suas fronteiras, para a criança a consciência de si depende da percepção de um eu que se distingue de um outro. Qual é a fronteira entre o eu e o mundo exterior, para a criança? A criança confunde essas divisórias, promovendo uma fusão contínua entre o dentro e o fora, entre o psíquico e o físico, confirmando a ausência de um dualismo que instrumentalize o recorte de sua figura no mundo. (DERDYK, 1990, p. 104)
O psicólogo Wallon (2009, p. 74) foi o primeiro a levar não só o corpo da criança, mas
também as suas emoções para dentro da sala de aula. Fundamentou suas ideias em quatro elementos
básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do
eu como pessoa. Para o estudioso, as emoções têm papel preponderante no desenvolvimento da
pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e suas vontades.
Além disso, Wallon (apud Galvão, 2001, p. 81) “identifica o sincretismo como a principal
característica do pensamento infantil” (…) “no sincretismo, tudo pode se ligar a tudo, as
representações do real - ideias, imagens - se combinam das formas mais variadas e inusitadas, numa
dinâmica que mais se aproxima das associações livres da poesia do que da lógica formal.”
O percurso individual da criança pode ser enriquecido pela ação educativa intencional, mas
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a criação de um desenho é um ato exclusivo dela. É nesse processo de criação que o prazer e o
domínio do gesto e da visualidade evoluem para o prazer e o domínio do próprio fazer artístico, da
simbolização e da leitura de imagens. Operar no mundo dos símbolos é perceber e interpretar
elementos que se referem a alguma coisa que está fora dos próprios objetos. Os símbolos
reapresentam o mundo a partir das relações que a criança estabelece consigo mesma, com as outras
pessoas, com a imaginação e com a cultura.
Segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RECNEI), o
desenvolvimento progressivo do desenho implica mudanças significativas que, no início, dizem
respeito à passagem dos rabiscos iniciais da garatuja para construções cada vez mais ordenadas,
fazendo surgir os primeiros símbolos. Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é
simplesmente uma ação sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos visuais que a
ação produziu. A percepção de que os gestos produzem, progressivamente, marcas e representações
mais organizadas, permite à criança o reconhecimento dos seus registros.
Na Educação Infantil, o desenho é muito utilizado pelo envolvimento natural das crianças. O
educador deve observar, incentivar, questionar, ampliando as experiências dos alunos com a arte. A
partir dessas experiências, a criança adquire mais técnicas e maior noção espacial em suas
representações. Além disso, a criatividade é muito notada nos desenhos das crianças e ser criativo
requer tempo e imaginação que é disponível para a maioria das crianças.
Figura 4 – Bernardo (6 anos)
Fonte: Escola Vera Cruz, 2001
5 REPRESENTAÇÃO DAS CRIANÇAS
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Abaixo, exemplos de representações de crianças entre 5 e 6 anos de idade.
A-) Se uma bicicleta tem duas rodas, quantas rodas terão 15 bicicletas juntas?
A.1 NICOLAS
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A.2 GABRIEL
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A.3 MATIAS
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A.4 ROMEU
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A.5 DANILO
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B-) Lúcia tinha 8 bombons guardados no armário. Sua mãe lhe deu mais 7. Com
quantos bombons ela ficou?
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B.1 REBECA
B.2 LORENA
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B.3 RAFAEL
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B.4 LUIZA
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C-) Maria foi à feira com uma lista de frutas para comprar. Ela comprou duas maçãs,
três peras, uma melancia e seis bananas. Quantas frutas Maria comprou?
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C.1 FELIPE
C.2 ANDRÉ
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C.3 REBECA
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C.4 LORENA
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C.5 RAFAEL
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C.6 LUIZA
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6 TIPOS DE REPRESENTAÇÃO
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A aprendizagem, de acordo com Weisz (2006, cap. 7), deve ser vista pelo educador como
uma reconstrução que o aluno tem de fazer dos seus esquemas interpretativos. Além disso, ele deve
ter em mente que esse processo é muito mais complexo do que o simples “aprendeu ou não
aprendeu”.
Para isso, é preciso ter claro o que o aprendiz já sabe no momento em que lhe é apresentado
um novo assunto. “O conhecimento a ser construído por ele é, na verdade, uma reconstrução que se
apoia no conhecimento prévio de que dispõe.”
O conhecimento prévio é o conjunto de ideias, representações e informações que servem de sustentação para essa nova aprendizagem, ainda que não tenham, necessariamente, uma relação direta com o conteúdo que se quer ensinar. (…) Investigar e explorar essas ideias e representações prévias é importante porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que queremos que aconteça. Conhecer essas ideias e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe. (WEISZ, 2006, cap.7)
Na matemática, essa construção de aprendizagem não é diferente. Atividades como
problemas matemáticos podem trazer vários dados de informações para o educador ter um ponto de
partida. Afinal, o objetivo maior é a aprendizagem. E quanto mais informação o educador tiver,
melhor.
Problemas matemáticos
Os problemas matemáticos são dados com linguagem. As crianças devem representar para si
mesmas suas interpretações da linguagem. Para resolver problemas, as crianças preferem desenhar
no papel suas próprias ideias. Geralmente, elas representam os objetos nos quais estava pensando no
momento da resolução. As crianças mais avançadas desenham marcas de contagem que representam
unidades, ou seja, os números.
Kamii (2002, p.35) afirma que tanto conservadores como não conservadores têm objetos
concretos na frente deles. O que são os conservadores? São aqueles alunos que já têm uma noção
dos números, como por exemplo 8 + 7. O conservador começa a contar a partir do número 8 (8, 9,
10) para chegar ao resultado final. “Os conservadores conservam, porque eles estão em um nível
mais elevado de abstração, ou seja, abstração construtiva. Os que não conservam não o fazem,
porque não têm conceitos numéricos em suas mentes.”(KAMII, 2002, p. 35)
Os números, isoladamente, são sempre abstratos porque cada criança os constrói através de
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abstração construtiva. Eles são conhecimentos lógico-matemático e não podem ser concretos nem
observáveis.
No material apresentado acima, sobre as resoluções de problemas de crianças entre 5 e 6
anos, observa-se a grande variedade de representações gráficas. Quando é apresentado um problema
de matemática e uma folha de papel para uma criança nessa idade, ela externaliza suas próprias
ideias, usando estas representações como instrumentos.
Alguns tipos de representações usado pelas crianças
A maioria das crianças representou os objetos nos quais estava pensando, de acordo com o
enunciado do problema. Algumas desenharam marcas de contagem como “X”, “/” e figuras
geométricas representando assim unidades ou números. Bicicletas, bombons e frutas, por exemplos,
são conteúdos, mas números como unidades são sem conteúdo. Algumas crianças apresentaram
maior detalhamento em suas representações como rodas da bicicleta, bombons com olhos e boca e
bombons embrulhados em papel.
Esta pesquisa apresenta como as crianças pequenas representam diferentes ideias em
diferentes níveis de abstração. Segundo Kamii (2002), existem seis tipos de notações usados pelas
crianças:
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1. Representação global da quantidade
Um exemplo deste tipo é “/////” para 3 bolas e “/////” para 2 bolas. As crianças inventam
outros símbolos como apoio. As que usam esses símbolos estão representando uma vaga ideia
quantitativa de “muito”, “um punhado” ou “mais de um”.
2. Representação do tipo de objeto
Essas notações enfocam mais o aspecto qualitativo do que o aspecto quantitativo de cada
conjunto. Um exemplo disso seria a letra B para representar 3 bolas ou 2 bolas e o desenho de uma
casa para representar 5 casas.
3. Correspondência termo a termo com símbolos (“símbolos” no sentido piagetiano).
Algumas crianças inventam símbolos para representar o número correto e outras usam letras
convencionais como símbolos para representar objetos, como por exemplo “TIL” e “AEI”, que não
são palavras. Este é o primeiro tipo no qual ideias numéricas precisas aparecem.
4. Correspondência termo a termo com numerais
Um exemplo para 3 bolas é “123”, e um outro exemplo é “333”. As crianças que escrevem
esses numerais sentiram a necessidade de representar cada objeto ou suas ações de contagem.
5. Somente valor cardinal
Quando a criança escreve “3” para representar 3 bolas e “5” para representar 5 casas, por
exemplo.
6. Valor cardinal e tipo de objeto
Estas representações mostram um foco simultâneo nos aspectos quantitativos e qualitativos
de cada conjunto, como por exemplo “4 lápis” e “5 casas”.
7 DADOS COLETADOS
Maio/2013
7.1 AUGUSTO
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Neste problema, Augusto apresenta um desenho bem detalhado. A primeira bicicleta está
completa: um rapaz com olhos, boca e braços, sentado, pilotando o veículo com rodas pintadas. Na
segunda bicicleta, ele simplificou o desenho; tirou o condutor do veículo e sua pintura, mas deixou
a cadeira e as rodas. Em seguida, foi eliminando outros detalhes até desenhar a última bicicleta, que
ficou bem simples.
Apesar dos detalhes aqui serem irrelevantes ao problema, para a criança que os desenhou é
bastante relevante porque representou os objetos nos quais ele estava pensando, ou seja, em pessoas
e bicicletas. Ele inventou seus próprios símbolos para chegar ao resultado. De acordo com Kamii
(2002, p. 37), esta é uma representação por correspondência termo a termo com símbolos. A
resposta foi correta e escrita em números, portanto, é o tipo de representação no qual ideias
numéricas precisas aparecem.
Em relação às três crianças observadas, o índice de abstração do Augusto é menor, mas isso
não significa que ele seja uma criança atrasada ou que tenha dificuldades. Significa que ele precisa
de um tempo maior para chegar a um grau superior de abstração. Além disso, o educador tem um
papel importante neste processo e precisa estar preparado para propor novos desafios para este
aluno.
Segundo Kamii (2002), essa progressão é gradual e as crianças caminham para frente e para
trás. Em dias alternados, ela pode desenhar marcas de contagem ou figuras que não sejam tão
relevantes para um problema matemático. Por exemplo, um dia ela faz um desenho detalhado e no
outro dia, a mesma criança desenha apenas traços, figuras geométricas ou dependendo do seu nível
de abstração, ela usa diretamente os números para resolver o problema.
7.2 TOM
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Tom apresenta um desenho mais objetivo. O enunciando do problema pergunta “quantas
rodas terão 15 bicicletas juntas?”, o aluno representou apenas as rodas do veículo. Ele teve a
preocupação de desenhar essas rodas bem detalhadas, com aros e pintadas, mas achou que não seria
tão relevante desenhar as bicicletas completas.
Esta também é uma representação por correspondência termo a termo com símbolos. De
acordo com Kamii (2002, p. 37), ideias numéricas aparecem. A criança chegou à resposta exata do
problema.
O índice de abstração do Tom, em relação às três crianças analisadas, é maior do que o nível
do Augusto. Ele encontra-se em um nível de abstração empírica dentro de uma estrutura lógico-
matemático, que ainda é baseado no concreto, na sua experiência, no que é visivel para ele.
7.3 THOMAS
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Thomas encontra-se em um nível de abstração maior, em relação ao Tom e ao Augusto. Ele
começa desenhando as rodas, mas no meio do caminho ele apaga e desenha marcas de contagem,
neste caso o “X”. Este “X” está representando os números. O símbolo não representa conteúdo e
sim, unidades ou números. Isso é resultado da construção abstrativa.
Esta também é uma representação por correspondência termo a termo com símbolos.
Segundo Kamii (2002, p. 165), “a lógico-matematização da realidade nunca é problema para
as crianças avançadas.” (…) “A diferença entre os mais avançados e os menos avançados não está
na lógica, mas no pensamento numérico.” O mesmo problema foi dado para as três crianças
resolverem. Elas abordaram o problema logicamente e todos deram a resposta correta de 30 rodas,
usando números. Ou seja, os três estão começando a usar numerais para dar o resultado do
problema. Entretanto, as crianças Augusto e Tom desenharam bicicletas ou suas rodas
detalhadamente e Thomas desenhou marcas de contagem como um“X” para apoiar-se e chegar no
resultado final.
Agosto/2013
7.4 AUGUSTO
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Neste problema, Augusto optou por não usar nenhuma forma de representação gráfica. Ele
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preferiu contar pessoalmente. Pediu para os colegas de classe, incluindo a professora, para apoiarem
as mãos em cima das mesas. O aluno contou, em voz baixa, o número de mãos dos alunos do 1º ano
e anotou o resultado final na folha de papel.
Este também é um caso de correspondência termo a termo com símbolos, de acordo com
Kamii (2002, p. 37), porém, ao invés de desenhar no papel, ele usou as próprias mãos das crianças
para fazer sua contagem e chegar na resposta final.
Na década de 1990, surgiu uma nova tendência chamada “manipuláveis”. Para Kamii (2002,
p.38), “a razão para o termo 'materiais manipuláveis' permanece vaga, parecendo originar-se da
crença de que as crianças passam do 'concreto' para o 'semiconcreto' e então para o 'abstrato'.
Portanto, acredita-se que esses materiais dão uma melhor base para o entendimento de sinais
matemáticos.
Em geral acredita-se que as fichas sejam materiais manipuláveis, mas é teoricamente mais correto pensar nelas como símbolos. Como qualquer outro símbolo e sinal, as fichas podem ser usadas em um nível alto ou baixo de abstração. Cartas de baralho podem ser manipuladas, também, mas envolvem símbolos (como 3 corações) e sinais (como o numeral “3”). Muitos acreditam que os blocos de base 10 representam “unidades”, “dezenas” e assim por diante, mas essa crença está baseada na pressuposição errônea de que objetos podem representar unidades, dezenas e assim por diante. (KAMII, 2002, p. 38)
Kamii (2002, p. 38) afirma que “os materiais manipuláveis não são úteis ou inúteis por si
próprios. A utilidade deles depende das relações que as crianças podem fazer, por meio de abstração
construtiva.”
No caso do Augusto, a professora não ofereceu nenhum tipo de material manipulável. Ele
optou em usar os dedos para fazer a contagem de quantas mãos haviam na brincadeira. O uso das
mãos e dos dedos é natural e espontâneo da criança. Esta é uma forma recorrente em crianças nessa
faixa etária. Além do aluno ter optado em não fazer desenhos, criando assim uma nova forma para
fazer cálculos, ele apoiou-se no uso dos dedos para não se perder no momento da contagem.
7.5 TOM
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Ao contrário de Augusto, Tom optou por fazer uma representação gráfica, apresentando um
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desenho bem detalhado. Fez os dedos e usou a forma geométrica quadrado para representar as mãos
dos colegas da sala.
Esta também é uma representação por correspondência termo a termo com símbolos.
Observa-se que cada mão possui 5 dedos, exceto 4 delas que o menino, provavelmente, esqueceu de
colocar ou no momento da contagem, pulou sem querer. Uma outra mão possui 6 dedos. Ou seja,
ideias numéricas aparecem na representação do aluno. Porém, o número de mãos desenhadas pelo
aluno, 18, não condiz com o resultado que ele colocou, 20.
Comparando esta representação com a anterior, das bicicletas, parece não ter havido
alterações nem avanços, ao contrário de Augusto, que usou uma outra tática para chegar na resposta
do problema.
7.6 THOMAS
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Como o aluno Tom, Thomas também desenhou as mãos, mas preocupou-se em detalhar
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também os braços das 9 crianças do 1º ano. Fez os dedos, não tão detalhados como a representação
gráfica do Tom, usando 5 dedos em cada mão. Reparo que no primeiro braço ele fez uma bolinha
dos primeiros dedos representando as unhas. Parece ter desistido de continuar a fazê-las, o que é um
pequeno indício da percepção da não necessidade das mesmas para a resolução do problema.
O curioso é que ele começou o desenho dos braços e, no meio do caminho, parou de
desenhar. Ou seja, parece que esta criança conseguiu fazer uma relação de parte-todo em sua mente,
através de abstração construtiva, e chegou ao resultado correto do problema. Sua resposta é 18 e na
representação das mãos, ele desenhou apenas 12.
Nos problemas do Augusto e do Tom, as respostas de ambos foram 20 mãos. Thomas somou
18. Os dois meninos também calcularam, como pertencente ao 1º ano, as mãos da professora. E
Thomas não.
O índice de abstração de Thomas, em relação ao Tom e ao Augusto, continua maior. Ele
começa desenhando as mãos, mas no meio do caminho ele acha não ter mais necessidade de
continuar. O mesmo caso aconteceu no problema das rodas da bicicleta. Ele também começa
desenhando e para. O símbolo não representa conteúdo e sim, unidades ou números. Isso é resultado
da construção abstrativa.
Outubro/2013
7.7 AUGUSTO
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Como no problema das rodas de bicicleta, Augusto preocupou-se em fazer uma
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representação detalhada. O enunciado diz que o 1º ano dividirá a sala em dois times para jogar
futebol e um aluno será o juiz. Na folha de papel, o menino desenhou os times fazendo uma
marcação para separá-los, 4 crianças de cada lado. Essas crianças estão com olhos, boca e corpo.
Ele não sentiu necessidade em desenhar o aluno que foi escolhido para ser juiz. Em cima do
desenho, ele marcou o resultado de quantos jogadores têm em cada lado.
Augusto já tem noção dos números. Neste caso, a representação é por correspondência
termo a termo com símbolos e com numerais. No caso de correspondência termo a termo com
numerais, a criança, que também escreveu os numerais na sua representação, sentiu necessidade de
representar cada objeto ou suas ações de contagem.
7.8 TOM
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Tom, assim como Augusto, estão no mesmo nível de abstração. A representação dos dois
meninos é sempre detalhada, com personagens com braços, pernas, olhos e bocas. De acordo com
os problemas analisados acima, eles não tiveram muito progresso em relação a abstração
construtiva.
No desenho de Tom, ele representou o 1º ano feliz, pois todos estão sorrindo. Deve ser um
dos momentos na escola que a classe mais gosta. Além disso, também dividiu os times, um embaixo
do outro, e fez questão de desenhar o juiz, ao contrário do Augusto. Ele preocupou-se em nomear os
times: time 1, time 2 e juiz.
De acordo com Kamii (2002, p.38), quando as crianças constroem números neste idade,
entre 5 e 6 anos, elas tendem a fazer estes tipos de representações. “Elas pensam nos objetos com
precisão numérica, mas ainda pensam em cada objeto. Estas representações são significativas para
eles porque mostram que mesmo quando já adquiriram o conhecimento social de numerais escritos,
eles usam esse conhecimento em seus respectivos níveis de abstração.”
Conclui-se que essas representações são também de correspondência termo a termo com
símbolos e com numerais.
7.9 THOMAS
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Thomas desenhou apenas uma bola dividida ao meio, representando cada time. E, logo
abaixo, colocou a resposta do problema, 4.
Este é um caso de representação de valor cardinal e tipo de objeto. Esta representação
mostra um foco simultâneo nos aspectos quantitativos e qualitativos de cada conjunto. Kamii (2002,
p.38) afirma que “este tipo de representação reflete ainda mais a capacidade da criança de pensar
simultaneamente na quantidade numérica e no tipo de objeto.” Ou seja, ele apenas desenhou a bola,
que é o instrumento principal num jogo de futebol.
Mais uma vez, Thomas mostrou-se estar um nível mais elevado que Tom e Augusto.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a preocupação dos pais e das escolas fazer com que a criança aprenda, o mais rápido, a
ler, a escrever e a calcular, pensando principalmente no futuro profissional, várias etapas da infância
estão sendo deixadas de lado. É possível alfabetizar muito cedo uma criança. Como estudante de
pedagogia, passei por várias escolas para realizar estágios de observação e pude comprovar que as
crianças estão sendo alfabetizadas cada vez mais cedo, com menos de 6, 5 ou até 4 anos de idade.
Mas qual é o ganho efetivo para elas?
Muitos de nós, educadores, já ouvimos que o brincar de uma criança é apenas um
passatempo, exceto quando se envolve jogos de raciocínio (ou a matemática). Ou seja, a
matemática, para muitos, é e continua sendo uma tarefa, uma atividade que envolve certo
sofrimento ou aborrecimento porque não é “brincadeira”.
Alguns consideram importante preparar o seu filho para a vida: competição do mundo,
profissão que traz felicidade e dinheiro. No entanto, ao observarmos uma criança brincar, ela cria
um universo muito particular, no qual desenvolve capacidades e confiança que, muitas vezes, não
encontramos no universo dos adultos “preparados para enfrentar as competições do mundo”.
Para uma criança pequena, o alfabeto é abstrato e desconhecido. Não representa nada. Já o
desenho representa, significativamente, as suas vivências. A representação gráfica é uma forma de
comunicação natural, semelhante aos antigos egípcios, que representavam suas visões de mundo
sensório através dos desenhos. No universo infantil, esta representação é o código que encontraram
para dizer como veem o mundo.
E na matemática isto não é diferente. As criança pequenas, quando se deparam com um
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problema, precisam encontrar formas para resolvê-lo. O desenho é, naturalmente, o mais usado.
É pelo desenho que tudo se inicia antes de chegar na etapa da alfabetização. Afinal, o
desenho e a pintura também são formas de comunicação, tão importantes quanto nossa linguagem
escrita.
E por que não aprender a matemática desenhando? A criança usa a imaginação e a
criatividade para representar o que foi pedido em um problema, por exemplo. De acordo com o seu
ritmo, a criança vai desenvolvendo a melhor maneira, ou a forma mais significativa para ela tentar
chegar na solução de uma situação. Isso faz parte do seu aprendizado sobre o mundo e sobre si
mesma. Aprender matemática não precisa ser um martírio.
De acordo com minhas observações, as crianças analisadas têm prazer em resolver
problemas matemáticos dessa forma, brincando. Na grande maioria das atividades, os alunos
chegaram à resposta certa do problema desenhando. E desenhar nada mais é do que brincar.
E esse processo deve ser lento e gradual para que as crianças cheguem em um alto de nível
de abstração e não sintam mais a necessidade de fazer representações gráficas para concluírem um
problema. Com estímulos e práticas contínuas, os avanços são claros conforme vimos nas análises.
O papel do educador foi fundamental porque sempre respeitou a individualidade de cada criança e a
forma como cada uma delas resolveu seus problemas.
O brincar representa o princípio lúdico que fundamenta atividades dinâmicas e artísticas e
também orienta toda a prática docente. Além disso, o brincar dá significado ao ensino-aprendizado,
porque expressa o motivo, assim como o vínculo afetivo com o professor e com o conteúdo.
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Educação Infantil. V. 3. Brasília, 1998.
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GALVÃO, Izabel. Henri Wallon – Uma Concepção Dialética do Desenvolvimento Infantil. 9ª
52
edição. Ed. Vozes. Petrópolis, 2001.
GOMES, Ivone Alvino de Barros. Dificuldade de aprendizagem nas series iniciais. Monografia,
2010. Disponível em: <http://www.esab.edu.br/arquivos/monografias/monografia%203%20-
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KAMII, Constance; DeClark, Georgia. Reinventando a aritmética: Implicações da teoria de
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KAMII, Constance; JOSEPH, Linda. Crianças pequenas continuam reinventando a aritmética:
implicações da teoria de Piaget: séries iniciais. 2ª edição. Ed. Artmed. Porto Alegre, 2005.
LUDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. EPU. São Paulo,1986.
PARRA, C., SAIZ, I. Didática da Matemática: Reflexões Psicopedagógicas. Ed. Artes Médicas.
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MÁRCIA REGINA FERREIRA BRITO. Solução de Problemas e a Matemática Escolar.
Capítulo 3. Ed. Alínea. Campinas, 2006.
SOARES, Eduardo Sarquis. Ensinar Matemática – desafios e possibilidades. 1ª edição. Ed.
Dimensão. Belo Horizonte, 2009.
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