o professor de língua inglesa e a formação continuada · 1 professor colaborador do curso de...
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o professor de língua inglesa e a formação continuada
Rodrigo Smaha Lopes (UNIOESTE)1
Carmen Teresinha Baumgartner (UNIOESTE)2
Resumo: A língua inglesa pode fornecer várias oportunidades em um mundo globalizado, onde
as distâncias temporal e espacial estão diminuindo e as fronteiras estão desaparecendo.
Todavia, quando nos voltamos à escola pública, há uma crença recorrente de que não é possível
aprender o idioma. Um dos bodes para tal fato advém da própria formação dos professores,
orientada por uma ênfase aos aspectos teóricos da aprendizagem e às técnicas de ensino, em
que pouco ou nada se fala em termos de reflexão sobre a natureza e a função social dessa
prática. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apontar a formação continuada como uma
alternativa para que o professor possa se aprimorar profissionalmente, atualizar-se, expandir
seu conhecimento teórico-prático e melhorar seu desempenho linguístico. Com isto em mente,
a pesquisa-ação crítico-colaborativa pode possibilitar um espaço de reflexão, crítica e
negociação sobre as práticas, traçando estratégias para lidar com os problemas identificados e
contribuindo com possibilidades significativas para um trabalho com a língua estrangeira, ao
ouvir os professores no que tange as suas necessidades de conhecimentos, dificuldades de
ensino e experiências no processo educativo.
Palavras-chave: Língua Inglesa; Escola Pública; Formação Continuada; Pesquisa-ação
Crítico-colaborativa.
Abstract: The English language can provide many opportunities in a globalized world where
temporal and spatial distances are diminishing and boundaries are disappearing. However,
when it comes to public schools, there is a recurring belief that it is not possible to learn the
language in there. One of the scapegoats comes from teacher training itself, guided by an
emphasis on theoretical principles of learning and teaching techniques, where little or nothing
is said in terms of reflection on nature and social function of the practical. In this sense, this
article aims at showing how continuous education can be an alternative so that the teacher can
improve professionally, keep him/herself updated, expand his/her theoretical-practical
knowledge and improve his/her linguistic performance. With that in mind, a critical-
collaborative action research may provide a space for reflection, criticism and negotiation about
practices, by tracing strategies to deal with identified problems and contributing with
significant possibilities for working with a foreign language, by listening to teachers regarding
their knowledge needs, teaching difficulties and experiences in the educational process.
Keywords: English language; Public school; Continuing Education; Critical-collaborative
action research.
1 Professor Colaborador do curso de Secretariado Executivo da Unioeste, campus de Toledo. Doutorando em
Letras, Linguagem: Práticas Linguísticas, Culturais e de Ensino, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
campus de Cascavel. E-mail: Rodrigosmaha@hotmail.com. 2 Doutora em Estudos da Linguagem. Docente dos Cursos de Graduação em Letras, e dos Programas de Mestrado
e Doutorado em Letras - PPGL, e Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS, da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná - UNIOESTE, campus de Cascavel/PR. Líder do Grupo de Pesquisa em Linguagem, Discurso
e Ensino. Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail: Carmen.baumgartner@yahoo.com.br
Introdução
A língua inglesa pode fornecer várias oportunidades em um mundo onde as distâncias
temporal e espacial estão diminuindo e as fronteiras estão desaparecendo
(KUMARAVADIVELU, 2006), transformado aqueles que a aprendem em cidadãos do mundo.
Contudo, há uma crença recorrente de que não é possível aprender inglês na escola pública,
que “[...] desacredita com força crucial o ensino público e tem provocado uma elitização da
aprendizagem de inglês, além de fazer parecer que só o ensino privado dessa língua é eficaz.”
(CARVALHO, 2010, p. 35).
Há pouco, como discente universitário, realizei estágios em escolas públicas de ensino
fundamental e médio. Percebi, nas observações, que o ensino de língua inglesa estava
desvinculado do contexto de uso global e local dos alunos e algumas metodologias utilizadas
se apoiavam em concepções de educação positivista e prescritiva e voltado à tradução e a
competência gramatical. Assisti, além disto, professores, com anos de experiência, com um
nível de inglês baixo e que aparentavam não ter conhecimento do conteúdo dos documentos
nacionais de ensino e das concepções contemporâneas do ensino de línguas.
O que chamou atenção, também, foi o fato de muitos daqueles – e outros que tive
contato por meio de eventos na área – reclamarem da falta de espaços para praticarem o idioma
fora da sala de aula onde atuam, por mais que, na teoria, a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL,
1996, s.p.) determine que “[...] Os institutos superiores de educação manterão: [...] programas
de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis [...]”, e que “[...]
os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-
lhes [...] período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho.”.
Logo, horas de planejamento e desenvolvimento profissional seriam/são de
fundamental importância para que o professor pudesse/possa expandir seu conhecimento
teórico-prático e melhorar seu desempenho linguístico, combatendo os problemas acima
referidos. Todavia, conforme pontua Turbin (2010, p. 22), na prática, as horas se voltam à
[...] tarefas triviais tais como correções de provas, reprodução de
programas e preparação de materiais. Raras são as escolas nas quais essa
determinação legal é posta em prática, a serviço da escola e do profissional
de ensino, restando àqueles efetivamente interessados buscar, em horários
livres, quando existirem, situações de aprimoramento profissional.
Costumeiramente, muitas pesquisas se voltam a “criar bodes” – o que apontaria, após
anos de pesquisa, culpados aqui ou acolá, na esperança de que isto, em última instância,
resolvesse os problemas – o que, comprovadamente, “[...] tem sido a estratégia menos eficaz,
na medida em que, pelo menos na escola pública, cria o conflito sem resolvê-lo e tudo acaba
ficando por isto mesmo.” (LEFFA apud LIMA, 2011, p. 31).
Assim, longe de denunciar – ou “espinafrar” (TELLES, 2002) – o professor e sua
prática, as pesquisas deveriam contribuir com possibilidades significativas para um trabalho
com a língua inglesa. Os professores deveriam ser ouvidos no que tange às suas necessidades
de conhecimentos, dificuldades de ensino e experiências no processo educativo. Até mesmo
pois, conforme Nunan (1998 apud BARBOZA, 2009, p. 21),
[...] os eventos da sala de aula não podem ser compreendidos a menos que a
perspectiva do professor seja considerada, haja vista que professores possuem
estilos pessoais, conhecimentos, crenças e competências distintas em relação
ao processo de ensino/aprendizagem de língua estrangeira (LE). Esses
aspectos estão presentes no seu desempenho enquanto aprendizes em cursos
de formação de professores e, posteriormente, na sua prática de sala de aula,
e, portanto, necessitam ser investigados.
Formação continuada e linguística aplicada
Inúmeras pesquisas têm tratado da formação continuada de professores (ANDRADE,
2017; CRUVINEL, 2016; SILVA, 2016; GUADALINI, 2013; SANTOS, 2013; JAMOUSSI,
2013; TURCATO, 2012; e MAGALHÃES; FIDALGO, 2008, para citar alguns), que, inserida
no espaço educacional em que os professores atuam, possibilita “[...] uma investigação,
reflexão e crítica de suas próprias práticas em sala de aula e sua relação com contextos sociais
mais amplos [...]” (MAGALHÃES, 2002, p. 39), melhorando, consequentemente, a qualidade
da educação. Isto, tendo em vista que
[...] a sala de aula não é redoma de vidro, isolada do mundo, e o que
acontece dentro dela está condicionado pelo que acontece lá fora. Os fatores
que determinam o perfil do profissional de línguas dependem das ações,
menos ou mais explícitas, conduzidas fora do ambiente estritamente
acadêmico e que afetam o trabalho do professor (LEFFA, 2001, p. 334).
É necessário, pois, que haja uma conexão entre o que é ensinado e o que acontece fora
dos bancos escolares, a fim de possibilitar ao aprendiz intervir no meio em que vive. Logo, o
professor tem de estar antenado com os acontecimentos sociais, locais e globais, e com as
discussões sobre sua área de formação, com o objetivo de melhorar sua prática pedagógica e
cumprir, como aponta Celani (2001), seu papel com o aluno, a sociedade e consigo mesmo.
Sabemos, todavia, que
No dia-a-dia da sala de aula (de línguas) há tantas questões urgentes e
emergentes que o professor, geralmente, não tem tempo para observar o que
acontece e muito menos a sua prática. Problemas surgem, são contornados da
melhor forma possível, nada é registrado e a vida segue. É como caminhar
todos os dias na mesma rua. Acabo não vendo a flor que acabou de nascer, e
só me dou conta da pedra no meu caminho quando tropeço e, quem sabe, caio
(CAVALCANTI, 1999, p. 180).
Para contornar essa alienação, muitas vezes imposta pelo ritmo de trabalho, atualizar-
se e compartilhar experiências, positivas ou não, uma saída são os cursos de formação
continuada que devem, conforme aponta Vasconcelos (1996, p. 31), possibilitar ao professor
“[...] o tempo, absolutamente indispensável, para ‘pensar’ a educação [...]”. Contudo essa
formação não deve ser vista
[...] como um ‘elixir para combater todos os males’, muito pelo contrário,
deve-se levar em conta, que o professor convive com situações sempre novas
para as quais, muitas vezes, não consegue reorganizar estratégias para
desenvolver seu trabalho e atingir seus objetivos. Portanto, é imprescindível
aproveitar esses momentos propostos pelos cursos de formação, para ouvir e
discutir as dificuldades trazidas pelos professores, criando, assim, uma cultura
de participação eficaz, colaborativa e permanente, entre todos os envolvidos
no processo de ensino (IMBERNÓN, 2005 apud TURCATO, 2011, p. 13).
Esse processo de ensino e aprendizagem de línguas tem sido objeto de pesquisa em
visível crescimento3, afinal, conhecer línguas “[...] é condição sine qua non não apenas para
uma ampla acessibilidade ao conhecimento instituído, formalizado ou não, mas também às
possibilidades de construir novos conhecimentos através do contato, da interação, das ciências
e veiculá-los pelo instrumento linguístico [...]” (DAY; SAVEDRA, 2015, p. 561).
3 Para se ter uma ideia, uma busca no banco de teses e dissertações da Capes, por meio dos descritores “ensino e
aprendizagem de línguas”, “ensino e aprendizagem de língua estrangeira”, “ensino de línguas”, “ensino de língua
estrangeira”, “aprendizagem de línguas” e “aprendizagem de língua estrangeira”, resulta em 59084 trabalhos. Se
refinarmos a pesquisa por ano, temos em 2000 (1341 trabalhos), 2001 (1613), 2002 (1876), 2003 (2020), 2004
(2176), 2005 (2414), 2006 (2632), 2007 (2921), 2008 (3082), 2009 (3263), 2010 (2992), 2011 (3409), 2012
(3679), 2013 (4121), 2014 (4347), 2015 (4441) e 2016 (4336).
Nessa direção, a Linguística Aplicada (LA) – um fenômeno relativamente moderno
(WEIDMANN, 1998), ainda mais no Brasil, considerando que os primeiros cursos de Pós-
graduação foram implantados, principalmente, na década de 70 – tem procurado se articular no
sentido de não ser considerada uma ciência prescritiva, isto é, uma ciência que articule e/ou
pregue maneiras corretas de se ensinar e aprender uma língua. Assim, a LA é uma área que
contribui4 com a prática pedagógica ao minimizar a lacuna entre teoria e o processo de ensino
e aprendizagem e ao fazer com que o professor reflita criticamente sobre sua própria prática –
uma prática reflexiva5 que, conforme alguns estudiosos (ALMEIDA FILHO, 1993;
CAVALCANTI, 1999; DUTRA; MELO, 2001; e OLIVEIRA, 2002), não é comum dentre os
professores no Brasil.
Celani (2002), por exemplo, aponta que há um quadro de carência em todos os tipos de
escola, principalmente na escola pública, que advém da própria formação dos professores,
orientada por uma ênfase aos aspectos teóricos da aprendizagem e às técnicas de ensino, em
que pouco ou nada se fala em termos de reflexão sobre a natureza e a função social dessa
prática. Na mesma linha de raciocínio, Carvalho (2010, p. 38), após breve estudo do percurso
do ensino da língua inglesa no Brasil, nos diz que “[...] Hoje, torna-se difícil visualizar uma
situação com um presente satisfatório para o ensino de inglês, principalmente por causa do
sucateamento pelo qual passam as escolas e pelo despreparo docente”.
Essa falta de preparo dos professores é um dos motivos que, conforme Celani (2010),
levou os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) de Língua Estrangeira, a
priorizarem leitura e escrita, dentre as macro-habilidades – porém, sem negligenciar as demais
–, considerando as situações do contexto brasileiro, que tem tais práticas como uma
necessidade social. A essa decisão, pode-se atrelar, também, a “[...] ausência ou ineficiência de
recursos didáticos que possibilitem o desenvolvimento das quatro habilidades de forma
integrada.” (SOARES, 2010, p. 88), isto é, da leitura, escrita, fala e compreensão oral.
Entretanto, conforme Barboza (2009, p. 22), mesmo “A proposta de um trabalho mais
ligado à realidade do aluno no sentido de incentivar o ensino de língua inglesa para fins
específicos [...], principalmente a modalidade de leitura instrumental que foi sugerida nos
4 Para mais contribuições da LA, conferir: GIMENEZ, T. Desafios contemporâneos na formação de professores
de línguas: contribuições da linguística aplicada. In: FREIRE M. M.; ABRAHÃO, M. H. V.; BARCELOS, A. M.
F. (Org.). Linguistica Aplicada e Contemporaneidade. Campinas e São Paulo: Pontes Editores e ALAB, 2005. v.
1. p. 183-201. 5 De acordo com Pimenta (2002), na prática pedagógica reflexiva, o principal papel das teorias de ensino e
aprendizagem é fornecer subsídios e ferramentas para análises de problemáticas frente aos diversos contextos
histórico-sociais, culturais e organizacionais do trabalho docente.
PCN’s, parece ter sido pouco divulgada [...]”. Ainda, segundo Carvalho (2010, p. 40), embora
os Parâmetros sejam uma ferramenta que auxilia tanto na formação acadêmica, como nas
atividades profissionais e/ou pessoais, e tenham sido criados objetivando fortalecer o ensino,
“[...] os professores não foram devidamente orientados para a melhor maneira de utilizá-los e,
ainda hoje, o ensino de inglês continua apresentando lacunas que são perceptíveis na
aprendizagem do aluno.”.
Esse distanciamento dos professores e as teorias linguísticas, exposto nas citações
acima, envolvem vários fatores, dentre eles está o fato das decisões serem tomadas em
instâncias superiores – leia-se governos federal e estadual, Ministério da Educação, Secretarias
de Educação –, o que, em teoria, mostra uma preocupação e compreensão da realidade
brasileira, porém na hora de implantar tais mudanças, há pouco – ou quase nenhum –
incentivo/fomento à atualização do professor e acompanhamento de sua prática pedagógica.
Assim, o Estado lava as mãos ao fornecer a teoria, porém deixa a prática por conta dos docentes.
Aqueles que conseguem desprender horas extraclasse para apreender o que está nos
documentos oficiais, aplicam-nos como querem/entendem, ou simplesmente ignoram e
continuam a lecionar da sua maneira, pela falta de formação e de condições de trabalho
adequados. O professor continua sendo, pois, na visão de muitos, o (ir)responsável pela
educação, pois foi ele quem não aplicou o que foi proposto. Resumindo, o Estado impõe, mas
não investe na formação, e o professor, com problemas em sua formação, aplica subjetivamente
ou, simplesmente, ignora.
Ainda, esse distanciamento se volta, como aponta Oliveira (2014), ao fato: das reflexões
circularem de maneira dispersa; dos professores lerem poucos livros e poucas revistas
especializadas, devido aos preços, e das bibliotecas serem mal municiadas; da não (ou pouca)
participação em eventos da área, pelos custos; falta de divulgação, tempo, vontade; etc. – eis a
importância da formação continuada, mesmo àqueles recém-formados
Nesse sentido, a formação continuada é essencial – uma vez que “[...] a formação
completa de um professor não acontece somente durante o período da graduação, mas é um
processo contínuo de aprendizagem [...]” (DUTRA; MELLO, 2004, p. 31) –, preparando o
professor para se enxergar, enquanto aprendiz e docente, e atuar como um pesquisador da
própria prática, que se tornará mais significativa e produtiva.
Contudo, as inúmeras crenças sobre o ensino de línguas – como a de que não seja
possível aprender inglês em escolas públicas, inicialmente abordada, – são oriundas dos mais
diversos segmentos sociais, e o professor não é o único culpabilizado:
Dentre as razões que determinariam o fracasso da disciplina língua
estrangeira na escola, indicam-se ora os professores e sua formação teórico-
prática ineficiente e inadequada, o não domínio da língua, as práticas
tradicionais e pouco motivadoras; ora as condições da escola, o grande
número de alunos por sala, a ausência de materiais didáticos e de suportes
tecnológicos, o tempo destinado à disciplina; ora a desmotivação do aluno
por falta de ‘bagagem cultural’ e ‘conhecimento de mundo’ (DAY;
SAVEDRA, 2015, p. 562, grifos nossos).
É necessário compreender, todavia, conforme continuam as autoras, que o ensino e a
aprendizagem da língua estrangeira no Brasil obedecem a um viés tradicional e elitista e, para
além de um problema de caráter linguístico-metodológico apenas, a raiz do problema envolve
fundamentos político-linguísticos que são pouco discutidos, tanto na academia como nas
esferas de decisão como Ministérios, Conselhos, Secretarias etc. (DAY; SAVEDRA, 2015).
Leffa (2011), ao tratar do fracasso da língua estrangeira (LE) na escola pública, utiliza-
se dos conceitos de criação de bodes expiatórios e da carnavalização. No primeiro, há sempre
um culpado, que pode ser o governo, ao não cumprir as leis que cria e ao não possibilitar as
condições mínimas de aprendizagem, seja pela carga horária insuficiente, pela falta de
materiais, seja pela descontinuidade do currículo; o professor, que não ensina; ou o aluno, ou
seja, aquele que se mantém passivo diante do que é ensino, não passando ao papel ativo de
estudante, em outras palavras, aluno é aquele que é ensinado e estudante é aquele que estuda6.
Já o conceito de carnavalização, segundo Leffa (2011), refere-se a quando ninguém é
culpado, nada é feito e fica por isto mesmo, por todos fazerem parte da mesma rede. Além
disso, como quem vai para escola pública, com raríssimas exceções, é pobre e a educação é o
fator que mais discrimina no Brasil, “Na escola de pobre, o aluno não estuda e nada acontece;
o professor não ensina e nada acontece. O governo não faz cumprir as leis que ele próprio cria
e nada acontece” (LEFFA, 2011, p. 25). Assim, as ações do Estado são mascaradas e, ao
malversar o patrimônio público, pois não convêm ao seu projeto político nacional, dá sequência
a um ciclo de formação de pessoas mal instruídas, ignorantes, fáceis de manipular.
Algumas sugestões de resolução para tais problemas, encontradas no livro “Inglês em
escolas públicas não funciona? Uma questão, múltiplos olhares” (LIMA, 2011), são: “[...] criar
uma parceria entre professor e alunos, formando uma comunidade na sala de aula; estabelecer,
6 Essa definição está em Leffa (2011), ao explicar que “Há uma diferença sutil entre aluno e estudante [...] a
palavra aluno enfatiza a ideia de receber instrução de alguém, sugerindo certa passividade (aluno é aquele que é
ensinado), ao passo que estudante enfatiza a atividade que a pessoa exerce (estudante é aquele que estuda).
em conjunto, os objetivos que se almejam; e buscar os meios necessários para alcançar esses
objetivos.”, criando, assim, um ambiente em que ambos desenvolvam uma “cumplicidade
positiva” (LEFFA, 2011). Ainda, o professor deve buscar meios de se atualizar e o aluno deve
ser um estudante, para que ao término do ensino médio não seja possível “[...] conceber um
indivíduo que, [...] prosseguindo ou não sua formação acadêmica, seja incapaz de fazer uso da
língua estrangeira em situações da vida contemporânea, nas quais se exige a aquisição de
informações [...]” (BRASIL, 2002, p. 93).
Sabemos bem, todavia, que não é tão simples assim, pois muitos dos meios para
alcançar tais objetivos vão além do professor e do aluno, residem nas mãos do(s)
Estado/estados. Estamos vivendo momentos de intransigência – leia-se ataques – do Estado
para com o trabalhador brasileiro, ao propor as reformas trabalhista e previdenciária, que elide
os direitos conquistados, e, principalmente do Estado do Paraná, para com a Educação, que, ao
contrário da propaganda de investimento na área, implanta forçosamente um “pacote de
maldades”, que retiram os direitos do funcionalismo público, entre eles: cortes nos salários,
demissão de terceirizados e redução da hora-atividade, que significam, entre outras questões,
um retrocesso pedagógico, mostrando, claramente, a não preocupação com a qualidade do
ensino e uma busca por desvalorizar os educadores e, no fim das contas, privatizar as
escolas/universidades públicas. Portanto,
É preciso repensar em todas as instâncias de decisão o papel da língua
estrangeira na formação para a cidadania, a importância que a escola, o estado
e o país atribuem ao ensino de línguas, e na exata medida, exigir que sejam
dadas aos professores as condições para que respondam eficazmente às
responsabilidades que lhes são atribuídas na atualidade (DAY; SAVEDRA,
2015, p. 566).
Além disto, é preciso entender que a LE está inserida em uma área do conhecimento –
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – (BRASIL, 2000), não sendo uma disciplina isolada
no currículo. Assim, em uma perspectiva interdisciplinar, conforme propõe a Linguística
Aplicada crítica, e relacionada aos contextos reais, o processo de ensino e aprendizagem
adquire nova configuração. Desse modo, dentro da grande área, a língua inglesa assume a
função intrínseca de ser um veículo fundamental na comunicação entre os homens,
funcionando “[...] como meios para se ter acesso ao conhecimento e, portanto, às diferentes
formas de pensar, de criar, de sentir, de agir e de conceber a realidade, o que propicia ao
indivíduo uma formação mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais sólida.” (BRASIL, 2000,
p. 26).
Nesse sentido, é importante que as práticas de pesquisa que visem a uma ação formativa
continuada desenvolvam uma metaconsciência acerca da prática pedagógica relacionada ao
trabalho com o ensino e à aprendizagem de língua inglesa, possibilitando que os professores –
em negociação de conhecimento e significados com o pesquisador – percebam-se também
pesquisadores de sua própria prática (MAGALHÃES, 2002, p. 52). Surge, assim, a pesquisa-
ação crítico-colaborativa.
A pesquisa-ação crítico-colaborativa
A pesquisa-ação crítico-colaborativa, tomada como perspectiva teórico-metodológica,
permite construir um espaço de reflexão, de crítica e de negociação sobre as práticas discursivas
desenvolvidas, bem como sua relação com os objetivos previamente definidos pelos atores
sociais, nesse caso, os membros do contexto escolar e pesquisadores (MAGALHÃES;
FIDALGO, 2008; MAGALHÃES, 2002).
Posto de outro modo, a pesquisa-ação busca uma reflexão coletiva sobre as práticas,
diagnosticando problemas e traçando estratégias para resolvê-los ou atenuá-los, como
alternativa de oportunizar o desenvolvimento e aperfeiçoamento de professores (BURNS,
2005; GIMENEZ, 2007; MELLO; DUTRA, 2007). Ao final desta, “[...] a validade dos
significados produzidos pelo grupo a partir dos dados coletados poderá ser obtida através da
validação intersubjetiva das interpretações; isto é, cada membro do grupo reflete sobre a
plausibilidade da interpretação do outro [...]” (TELLES, 2002, p. 16), ou seja, não há, ao fim,
sobreposição, por exemplo, da opinião do pesquisador.
Conforme Moita Lopes (1998), a LA é uma área de investigação aplicada,
interdisciplinar, cujas pesquisas se utilizam de métodos de investigação interpretativista e
evidenciam questões relacionadas ao uso da linguagem – podendo envolver, portanto, o ensino,
a aprendizagem e a formação do professor – e o contexto social:
Se, por um lado a incorporação de métodos interpretativos é uma decorrência
esperada numa área de pesquisa que se preocupa com a descoberta da
realidade social, por outro, ao contrário das ciências descritivas do social, a
LA tem compromisso com a utilidade social da pesquisa, ou seja, propõe-se
a contribuir para resolver problemas da vida social (KLEIMAN, 1998, p. 60).
Aliado, portanto, a uma perspectiva crítica de investigação, o pesquisador interage e se
familiariza com os agentes da investigação7 e o contexto que os cercam para coletar materiais
necessários – “[...] A partir daí, ligadas à questão orientadora, vão surgindo outras questões que
levarão a uma compreensão da situação estudada.” (FREITAS, 2002, p. 28).
Para tanto, os instrumentos de coleta de dados que podem ser utilizados para atender
aos propósitos da pesquisa são: entrevistas semiestruturadas – que “ao mesmo tempo,
valoriza[m] a presença do investigador [e] oferece[m] todas as perspectivas possíveis para que
o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação
[...]” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146), afinal esse processo colaborativo necessita apresentar um
sentido para os participantes, pesquisadores e professores, (NININ, 2006), e, então, provocar
mudanças na prática educacional –, observações em sala, diários de campos e seções reflexivas
entre professores e pesquisador.
Considerações em formação
Abordarmos nesse trabalho a importância da formação continuada vinculada a uma
perspectiva colaborativa que, em teoria, em tempos de globalização, seria uma alternativa para
abater um dos bodes que levam à crença de que não é possível aprender inglês na escola
pública, isto é, o professor e sua formação precária. Esta formação possibilitaria espaço e tempo
para que a prática fosse refletida, teorias e conceitos incorporados à prática e a língua-alvo
praticada em um nível mais avançado. Afinal, há que se ter em mente que muitos destes, após
a formação, vão para a sala de aula, acabam não usando mais do que o conhecimento básico da
língua em suas aulas e sofrem, inevitavelmente, uma perda da fluência e do conhecimento
linguístico como um todo, além do que, por falta de tempo, muitas vezes, não se aperfeiçoam
ou tomam conhecimento das mudanças/novidades em relação à língua que lecionam, em nível
local e global.
E na prática? Poderíamos ter apontado neste artigo algumas ações que fizeram uso da
pesquisa-ação crítico-colaborativa e seus resultados. Todavia, levando-se em consideração a
importância do contexto, em breve, colocaremos essa formação continuada em prática com
7 Cf. TELLES, J. A. “É pesquisa, é? Ah, não quero, não, bem!” Sobre pesquisa acadêmica e sua relação com a
prática do professor de línguas. Linguagem & Ensino, v. 5, n. 2, p. 91-116, 2002, para compreender a distinção
entre agente e sujeito da investigação.
professores de língua inglesa da rede pública de um município do Paraná, e, a partir disto,
apresentaremos os resultados. Então, como dizem nos filmes: to be continued/continua...
Referências
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