o poeta - xinxii.com · um dia lindo amanheceu ela, então, não pode esquecer que a quem lhe ama,...
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CLARA DO MAR
Primeiro, ele se fez verbo
Posto que quisesse reverberar
Reverberou. Reverberou. Reverberaria até o
clarear
Depois, ele se fez nome
Posto que quisesse lhe nomear
Lhe nomeou. Lhe nomeou. Lhe nomearia até o
clarear
Em seguida, ele se fez beijo
Posto que quisesse lhe beijar
E lhe beijou. E lhe beijou. Ele beijaria até o
clarear
Por último, ele se fez homem
Posto que quisesse lhe homenagear
Lhe homenageou. Lhe homenageou.
Homenagearia por Clara do Mar
FAZ ISSO NÃO
Pronto, a embriaguez passou
O frio da noite chegou
Um sono forte a embebeceu
Um dia lindo amanheceu
Ela, então, não pode esquecer
Que a quem lhe ama, fez sofrer
E de repente, ao pé do ouvido
Pensou ouvir um alto grito
Se assustando, ao ver num canto
De azul vestido, um belo anjo
Que lhe abraçando, pegou sua mão
Soprando-lhe ao ouvido “faz isso não"
SÓ MAIS UMA VEZ
__ Oi amor, não pude atender antes, porque
estava dirigindo. Aconteceu algo?
__ Sim, aconteceu.
__ O quê?
__ Nada, sabe? É que deu vontade de te ouvir.
__ Mas foi só por isso? Eu não disse que
ligava assim que chegasse? Isso me deixou
preocupado, pensei que fosse algo sério.
__ Desculpa, não sei continua lá, embora
A casa tenha caído, o lago tenha secado
O jardim tenha sumido, e a árvore tenha sido
Derrubada
Duas vizinhas ainda moram ali
Na verdade, meu endereço ainda é o mesmo
Sim, ainda atendo no mesmo número
Na mesma rua, da mesma cidade
Em verdade, foram as palavras que
desapareceram do meu dicionário
Quando não pude mais encontrar os adjetivos
"grande" e "bela"
Já não podia mais enxergar a minha casa
amarela.
NORDESTE EM CHAMAS
Já se foi a primavera e, oh primavera
Também não ouvi falar do outono
O Sol, no pé da serra, já está se pondo
A paisagem, nesse instante, ainda é bela
Na primavera não vi folhas, nem flores
No outono não vi folhas, nem frutos
No inverno só vi frio nos astutos
Olhos de dois guerreiros caçadores
Duas crianças com duas latas na cabeça
Andando, pela serra, mundo abaixo
Caminhando ao encontro do riacho
Apressam o passo, antes que anoiteça
No seco leito do riacho do salgadão
O mais esperto deu vida a um engenho
Fez jorrar, naquele rio, com o seu desenho
Uma imensa chuva que cobria a vastidão
Era chuva que quase "num cabava mais"
Os homens, dágua os olhos, já enchiam
Já as mulheres, as velhas latas, escondiam
Que era pra ninguém lembrar do "tempo atrás"
As árvores floresceram, rapidamente
Os campos secos, aos pulos, saíam de cena
Os cantadores ensaiavam a cantilena
Pra os tempos verdes, receber alegremente
Mas de repente, já bem próximo à fogueira
Erguida em homenagem a São João
Só os meninos conseguiam ver um balão
Um fogo imenso que destruiria a Serra inteira
O verde dos campos se fez seco novamente
A chuva intensa rapidamente cessou
O riacho, tão logo, seguiu a chuva e secou
E a cantilena acabou, imperceptivelmente
A viola cancioneira era uma triste espingarda
Também não eram artistas os cantadores
Eram feito os meninos, dois astutos caçadores
Sentados no riacho, espreitando a noite parda
Acabou a toada, hora de voltar, hora já de casa
Há pecado em se brincar com a própria sorte?
Subindo a ladeira, os meninos, foram a galope
E os cantadores, digo, caçadores, voltaram à
caça.
VÍCIO
Já me sentindo um hipocondríaco
Não vendo meios para me tratar
Nenhum milagre para me salvar
Vivendo um mundo já dionisíaco
Pois a razão insiste em me deixar
Assim como aos outros que, como eu
Cheios de vícios, em seu apogeu
Já não conseguem mais se libertar
Eu vejo um mundo, em si, sem nada
Tão vazio, sem sentido, sem ninguém
Que este vício (imaturo) até me convém
Mesmo antevendo ser uma cilada
Essa doença, um tanto, intrincada
De tudo que é conhecido, dessemelhante
Hoje confesso: a quero a todo instante
Pois é o vício na mulher amada
O SEGREDO PARA A FELICIDADE
Não existe um segredo para ficar rico, para
conseguir poder, para ser aceito pelos outros,
para obter sucesso, etc. Porém é sabido que
todos estes desejos humanos são voltados à
felicidade. E para a felicidade, sim, existe um
segredo. Parece paradoxo, que o homem,
através dos mais tortuosos caminhos, deseje
algo tão fácil de encontrar. Pois bem, antes de
qualquer coisa, é preciso voltar à filosofia
grega, precisamente, Epicuro, para
compreender este ensinamento. Epicuro nos
ensina que a felicidade plena não está naquilo
que os outros pensam sobre nós, nem no
alcance de coisas difíceis, nem na riqueza,
nem nos prazeres extremos. Na verdade, a
felicidade está em nós mesmos, através de
uma vida simples, racional, pois toda vez que
experimentamos um prazer novo,
corrompemos o corpo. Por incrível que possa
parecer, é possível ser feliz, com as coisas
simples, com uma vida simples. E talvez o que
pareça fútil a alguém,
represente um momento de êxtase para outro.
Há quem consiga sentir prazer até com a
desgraça, se sentindo feliz por ser "escolhido"
pra passar por tantas provações. Mas há
aqueles que, embora realizando uma série de
"sonhos", conseguindo um número enorme de
vitórias pessoais, ainda não se sentem felizes,
posto que ainda não estejam plenamente
realizados. Exemplo de pessoa assim é aquela
que interliga seu ideal de felicidade aquilo que
as outras pessoas pensam. Talvez, até
inconscientemente, ela só se sinta feliz se
souber que os outros sabem de sua felicidade.
As redes sociais estão cheias de exemplos
como esse, deixando as fontes de prazer cada
vez mais escassas. E tudo que parece simples é
indigno de publicação, dessa forma, já não
proporcionando felicidade. E uma cervejada
com os amigos, no bar da esquina, não
consegue trazer o mesmo nível de prazer que
traria, se fosse, no melhor restaurante da
cidade. E uma foto com a namorada, num
celta duas portas, não transmite a mesma
alegria, que numa Mercedes. Talvez, nenhuma
jovem, de hoje em dia, tenha experimentado a
sensação de prazer que uma jovem, da década
de 90, ao ouvir seu nome, num oferecimento
musical, através de uma rádio FM. Talvez
nenhum outro
adolescente, na face da terra, experimente a
sensação de felicidade que era, na década de
90, receber um bilhete, sim, um bilhete, com
algumas linhas tortas e apaixonadas, de uma
linda colegial. Eis o gato de sua casa, imagine
a alegria que deve sentir, toda vez que
consegue êxito na aventura indescritível de
rasgar alguma coisa importante.
Não espere que seu filho cresça, estude, se
forme, consiga um ótimo trabalho, case e
depois tenha filhos (seus netos). Curta seu
filho agora, ainda bebê. Pois se você não está
lembrando, há alguns anos, esse era o ideal de
felicidade pra você.
PARA CONHECER OS AMIGOS
Confúcio, este grande filósofo chinês, dizia
"Para conhecermos os amigos é necessário
passar pelo sucesso e pela desgraça. No
sucesso, verificamos a quantidade e, na
desgraça, a qualidade". Este pensamento, hoje
em dia, é amplamente difundido, sobretudo
em época de redes sociais. Porém, talvez o
conceito de "amigo", fosse diferente daquilo
que entendemos atualmente. Por isso, ouso
dizer que há
uma inversão nessa lógica. Pois no sucesso,
em vez de se verificar a quantidade, observa-
se a qualidade. Na desgraça, em vez da
qualidade, verificamos a quantidade. Isto
porque o conceito moderno de amizade não
envolve somente a solidariedade que uma
pessoa pode demonstrar por outra, mas, e de
forma decisiva, os sentimentos que estão por
trás dessa demonstração de amizade. Ao
contrário do que muitas pessoas pensam, é
muito mais fácil se solidarizar com o próximo,
nos momentos de fracasso. É natural do ser
humano desenvolver empatia pelas pessoas
menos favorecidas, ou em situação de
desgraça, tentando lhes ajudar. Mas ao
contrário disso, experimentando o sucesso dos
outros, sobretudo pessoas próximas, a
solidariedade humana perde sua essência, para
sobreviver da aparência. Aquilo que se
confunde com amizade, em muitos casos, não
passa de conveniência, cujo intuito é tão
somente obter alguma vantagem, ou disfarçar
sua inveja. É muito mais difícil torcer, de
forma sincera, por alguém que, embora tendo
as mesmas características nossas, esteja num
patamar bem acima, que o contrário. Isto
porque é natural que o ser humano se compare
ao próximo, questionando a si próprio, dos
motivos que trouxeram sucesso ao outro, em
vez dele.
Uma coisa é demonstrar prazer pelo sucesso
alheio, outra coisa é realmente estar feliz nessa
situação. Nesse sentido, experimentando o
sucesso, o homem pode descobrir quem são
seus verdadeiros amigos, embora estes estejam
misturados a uma infinidade de oportunistas e
bajuladores.
GRÃOS DE AREIA
Assim como as palavras, são os grãos de areia,
que separados, não passam de grãos de areia.
Porém juntos, à beira do mar, sob um céu azul
e servindo de colchão para um casal de
enamorados, passam a ser protagonistas de
uma obra de arte. Não sei se de um poema,
uma pintura, um romance, ou uma música, o
que importa é saber que aquela partícula
insignificante em si, passa a fazer parte de um
todo, tão importante quanto desejarem os
olhares curiosos. E não existe um só ponto,
onde exista areia, que não sirva à inspiração de
um artista, desde uma ponte, sobre um belo
Rio, cenário perfeito para um romance, a uma
pobre casa, numa favela, personagem de uma
crítica social.
NÓS DOIS
Sonhei contigo
Já era tarde
Muito cansado
Acabei dormindo
De repente
Estava contigo
Não me perguntei como
Nem te perguntei porque
Tive medo de ser sonho
E de repente te perder
Me deixei te abraçar
Me deixei esquecer
Me deixei te beijar
Mais uma vez, me envolver
Mas foi tão rápido
Quanto sem explicação
De repente, acordei
Ao beijar a tua mão
SÓ
Ela perguntou a si mesma
O que seria melhor
Naquele finalzinho de tarde
Não parecia tão triste
Tão pouco alegre
Era somente mais um dia
Que agora ia
Se somar a tantos outros
À soma do nada
Já não havia ansiedade
Nem perspectivas
Nem perguntas
Até mesmo as dúvidas
Tão impertinentes
Lhe seriam bem vindas
Mas estava só
Longe de todos e de si
Até seu gato
Vetusto companheiro
Parecia não lhe enxergar
Também pudera
Aquela tarde cheirava à solidão
À maneira das manhãs
Que exalam alegria
As tardes parecem influenciar a tudo
Numa conspiração envolvente
Entre o cosmos e a consciência humana
Vitimando, sobretudo
Aquele que se encontra só
Por coincidência, ela estava só
UM TOQUE DE IMPRUDÊNCIA
Se fôssemos tão prudentes, quanto
deveríamos, na labuta intelectual, talvez ainda
estivéssemos na idade da pedra. A prudência é
uma virtude que, se exercida ao extremo,
parece ser um defeito. E tudo o que o homem
construiu, ao longo de sua evolução, não foi
senão por conta de sua imprudência, posto que
rompesse barreiras que não lhe eram
aconselháveis. O homem põe em risco sua
vida, assim como tantas outras, quando
"deveria" somente se contentar com aquilo que
já tem. Mas o homem, desde sua origem, em
vez de trilhar uma estrada calma e reta, sempre
procurou atalhos, por mais perigosos que
parecessem, desafiando a si próprio e às leis
da natureza. A evolução humana, o bem estar
social e o avanço da ciência não são causas,
mas efeitos, dessa eterna molecagem que
parece ser a vida humana nesse planeta. O
homem vive desafiando seus limites, por mais
imprudente que isso possa parecer.
O AUTOR E A OBRA
A obra está para o autor assim como a foto
está para a pessoa. A obra pode parecer
profunda, enquanto seu autor pode ser raso. A
foto pode apresentar um sorriso, enquanto a
pessoa guarda mágoas. A obra pode ser
virtuosa, mesmo que seu autor seja fútil.
Assim como a foto pode ser bela, mesmo que
a pessoa seja horrível. A obra e a foto ainda
guardam a semelhança da possível eternidade.
Enquanto o autor e a pessoa morrem. Num
aspecto singular, há uma distinção entre autor
e pessoa, pois existem autores que jamais
envelhecem, assim como suas obras. A obra
pode se tornar tão importante quanto mais se
distancia de seu autor. Ao passo que a foto
segue o caminho inverso, à medida que se
distancia da pessoa.
DOS SENTIMENTOS
Sentimentos como amor e amizade nos fazem
relevar muitas coisas nas pessoas. Nossos
olhos, por algum momento, parecem
embriagados, incapazes que são de nos guiar à
razão. Ao contrário, o ódio, a inveja e
a raiva nos fazem ver coisas novas, atenuando
as qualidades e maximizando os defeitos.
Reconhecer essa realidade não é difícil, basta
uma boa reflexão a respeito. Difícil mesmo é
não se deixar levar pelas consequências,
quando você está tomado por qualquer um
destes sentimentos.
À MEIA NOITE
Tão rápida quanto o primeiro encontro
Logo após se conhecerem
Foi sua declaração de amor pra ela
Embora o horário já fosse tão tarde
À meia noite ela ligou pra ele
Pra lhe falar o quanto achou tão bela
__Eu gostaria de sentir teu cheiro
De escutar teu beijo
Ao fechar os olhos meus
De ouvir tua respiração
Os batimentos do teu coração
Ao morder os lábios teus
ÓCULOS
Por trás de seus óculos;
Escuros feito uma noite sem lua;
Eu conseguia ver seus olhos;
Eu conseguia ver o mar;
Eu conseguia ver o céu;
Posto que fossem da mesma cor;
Vi também um toque de nostalgia;
Por trás daqueles óculos;
Eu me vi;
E não era reflexo;
Não sei se eram os olhos meus;
Mas acho que vi tudo;
Ao encarar os olhos seus.
CAPÍTULO DAS PERSONAGENS
No cotidiano, o homem insiste em clichês.
Parece ter medo de se assumir, enquanto ser
individual. Renega sua singularidade, em prol
de uma causa maior: sociabilidade. O homem,
desde as mais antigas narrativas conhecidas,
insiste em ser social. Nasce pra ser
engenheiro, médico, advogado, policial,
comerciante, etc. Parece predisposto a assumir
um personagem, com todos os
capítulos escritos, inclusive o último, do qual
foge o quanto pode, sendo sempre pego de
surpresa. Na distribuição desses personagens,
não há critérios necessariamente justos, não
havendo equidade na escolha dos papéis. A
meritocracia não passa de um argumento para,
talvez, acalmar os menos favorecidos. A linha
que divide os protagonistas, dos coadjuvantes
e figurantes, é tênue, pelo que, às vezes,
parece impossível a alguns romper esta
barreira, a outros, nem tanto. Todas as
narrativas de sucesso, em prosa ou poesia, no
teatro ou no cinema, fazem apologia aos
grandes personagens, aos vitoriosos, às
pessoas que alcançaram o sucesso. Ninguém
se interessa pela história dos personagens
marginais. Ninguém gostaria de se sentir um
coadjuvante, ou, pior ainda, um figurante.
Todos querem ser importantes, ao menos em
seu mundo particular, podendo ser este o
próprio bairro, ou a escola, a igreja. Nesse
desequilíbrio de papéis, criou-se a falácia da
força de vontade, devaneio para alguns,
desilusão para outros. Não há um vencedor
que atribua outra causa ao seu sucesso, senão a
própria força de vontade, numa espécie de
apologia às características pessoais,
desdenhando do acaso. Aos perdedores,
sempre maioria em qualquer disputa, resta o
sentimento da auto culpabilização. Atribuem
sua derrota à ineficiência, deficiência, falta de
esforço, pouca força de vontade, ou mesmo
causas sobrenaturais. Os perdedores
dificilmente aceitam a derrota, sem que lhes
reste algum trauma, por menor que seja. Isto
por conta da necessidade, imposta nesse
grande teatro, de se buscar sempre a apoteose.
Essa disputa, que fez com que a humanidade
tivesse tantos avanços tecnológicos, foi a
mesma responsável por guerras e devastação
no mundo. Essa disputa que faz com que a
ciência avance, é a mesma responsável por
tantos problemas psicológicos. Por ser de uma
espécie cuja consciência é altamente
complexa, o homem vive nesse calabouço de
incertezas, do qual é sentinela e prisioneiro, a
um só tempo. Numa busca incessante pelo
sucesso, pela fama, pelo topo, fugindo
desgraçadamente do fracasso, o homem antevê
suas páginas de melancolia, sem saber como
delas escapar.
UM POUCO CONTROVERSO
O mundo anda tão controverso, que outro dia
me encontrei num lugar perigoso, juntamente
com pessoas tão perigosas quanto. Perguntei-
me se deveria permanecer ali, pelo que a
resposta foi NÃO. Indaguei-me sobre as
pessoas que comigo estavam, bem como as
consequências prováveis de todo aquele
cenário. Eu era consciente de tudo e sobre
todos. Eu pude escrever, inclusive, o script
daquela peça teatral, da qual eu era
protagonista. Eu sabia que podia mudar tudo,
mas eu não quis. Ou melhor, é possível que eu
quisesse mudar aquela novela, dando a mim
outros capítulos, porém fui compelido a
permanecer inerte, como quem prefere os
capítulos do acaso. Ao final, pensei como teria
sido bom, caso preferisse escrever minha
história. Fui tomado por uma sensação de
arrependimento, embora consciente de que
não mudaria nada, caso voltasse no tempo.
Peguei uma dose de whisky, com gelo,
levando o copo à boca. Joguei-a fora. Não iria
beber, senão por força do hábito. Em seguida,
coloquei outra dose de whisky. Bebi. Eu sabia
que iria beber, mesmo quando tomei a decisão
de não fazê-lo. Conselhos, se quiseres, tenho
os melhores. É de whisky que preciso. Ao
menos, duas doses: uma pra jogar fora,
pensando em nunca mais beber; outra pra
beber, mesmo pensando em jogar fora.
À BEIRA DO NADA
Era um recanto
Ladeado por muros
De tijolos cinzentos
Altos monumentos
A homens vetustos
A dias de pranto
O sol se escondia
Já às três da tarde
Ao som duma toada
Que à madrugada
Já sem seu alarde
De todos corria
De manhã voltava
À luz da aurora
Se fazendo alegre
Seu curso era breve
Com pouca demora
Já ninguém cantava
Havia um lago
Um casal risonho
De pássaros brancos
Destoando dos prantos
De um mundo bisonho
De um mundo tão vago
De leste a oeste
De norte a sul
Ao horizonte
Tudo defronte
Era somente azul
De um azul celeste
Um casal se amava
Já ia esquecendo
Sempre que o sol caía
Que o azul se escondia
Que o sono ia batendo
À beira do nada.
MUITO ANTES DO FIM
Os dias chegam. E chegam para todos. Todos
os seres, conscientes ou não, que hoje habitam
este planeta, haverão de passar por uma
experiência comum: o fim. Alguns têm um
nível de consciência elevado, podendo
contemplar as maravilhas que a vida
proporciona. Outros não, sequer sabem que
existem. Sinto por estes, que nunca puderam
compartilhar experiências, como conhecer a si,
e aos outros. Mas também sinto por aqueles,
incluindo a mim, que tendo um nível de
consciência tão elevado, conseguem perceber
o chegar de seus dias, conjecturando sobre a
ausência deles. Não culpo os fanáticos, nem os
loucos, pois eles foram mais inteligentes que
nós, ao fugir deste, para um mundo
imaginário. Também não culpo os
depressivos, que nunca caíram na lábia dos
fanáticos ou dos larápios, pois compreendem
muito bem a realidade.
Ao edificar uma obra, como um texto literário,
uma música, uma pesquisa científica, etc., o
homem demonstra um elevado nível de
maturidade, sobretudo quando tem consciência
de que sua produção poderá servir a outras
pessoas, mesmo que seu nome venha a ser
esquecido. Talvez seja algo instintivo, ligado à
preservação da espécie. Ou algo mais
grandioso, consubstanciado no desejo de
ajudar ao próximo, mesmo que jamais lhe
conheça. Ou que já nem exista, ao chegar o dia
em que sua obra seja útil a alguém. Sua obra
parece torná-lo eterno, mesmo que essa
eternidade um dia também acabe. E é este o
maior receio do homem consciente: o
de que, um dia, sua espécie também chegue a
um fim, apagando todo e qualquer rastro de
sua existência singular. A consciência humana
é mesmo tão grande quanto este vasto
universo que lhe cerca. Eis-me aqui, sozinho,
escrevendo essas linhas para você, leitor. Eis
você, lendo aqui, sem talvez, ter conhecido a
mim. Não é estranho saber que, poucos anos
antes desse instante, nenhum de nós existia? E
que, daqui a alguns anos, nenhum de nós
existirá? E tantas obras, tantas canções lindas,
tantos poemas, tantos romances, estudos
científicos, obras filosóficas. Pessoas. Tantas
pessoas. Tantas histórias. Tantos olhares. E
tudo isso, um dia, deixará de ter testemunhas.
E ninguém mais contará algo, sobre nós, a
ninguém. Posto que já não exista quem conte,
nem o que contar, nem a quem contar.
Outro dia, me peguei, andando sozinho. Era
um sonho, um tanto lúcido. Mesmo consciente
percebia: eu não existia. Mesmo assim não
tive medo. Medo, medo mesmo, eu senti, ao
perceber, que não havia, ninguém mais, igual
a mim
VENHA COMIGO TAMBÉM
MASSARANDUBAR
Seu moço, seja bem vindo
Se assente bem acolá
Tome logo um cafezinho
Pra depois "nós prosear"
Depois de ouvir-me direitinho
O senhor volta pra morar
Tome logo esse pequeno
Ta forte, mas ta gostoso
Enquanto eu faço esse charuto
Feito de fumo de rolo
Chegue aqui, sinta esse aroma
Existe troço mais cheiroso?
Pois bem, meu bom amigo
Vida aqui tem sua fartura
Vida alegre, vida doce
Feito mel de rapadura
Ainda não vi melhor
Que essa tal Massaranduba
Tem um toque de brejeira
Embora dentro do agreste
Um frio quase europeu
Que à noite o cabra endoidece
Tem homem muito valente
Mulher bonita feito a peste
Tem um lugarzinho gostoso
Pra gente tomar cachaça
Com bode, porco, galinha
Charque, carne na nata
Que se num tiver cuidado
Rapidinho o cabra infarta
Tem gente que trabalha o dia
Depois bebe à noite inteira
Começa na sexta à tarde
Vai até segunda feira
Que quando chega em casa
Dá mijão na geladeira
Tem cabra bom de conversa
Que faz de um cano um canal
Que vive a contar lorotas
Pega um, pega geral
Do que vende carne de porco
Em UTI de hospital
Um povo que curte a vida
Povo bom de prosear
Tranquilo, de um carisma
Impossível não gostar
O senhor, bem que podia
Também massarandubar
DA EXISTÊNCIA
De repente, me peguei existindo. Não calculei
como seria. Foi de repente. Demorou muito,
obviamente. Por toda uma eternidade, fui um
ser inexistente. Mas, eis que de repente, me
peguei existindo. Olhei em volta. Olhei a
todos. Era como se eu sempre tivesse existido.
Como pude passar tanto tempo sem existir?
Como eles passaram tanto tempo sem mim?
Por que nunca sentiram minha falta? Como
assim? Se por toda uma eternidade, fui
inexistente, me assusta ainda mais a ideia de
que, por tão pouco, eu poderia jamais vir a
existir. E se eu jamais tivesse existido? Se esse
grande acaso, jamais tivesse acontecido?
Daqui a mil anos, que falta isso me faria, se
este ser que escreve hoje, já não mais
existiria? Acaso passaria, por mim, desistir de
existir? A inexistência pressupõe a existência.
Mas é possível, permanecer na inexistência,
para sempre, enquanto não alcançada a
existência. Mas, daqui pra frente, serei pra
sempre existente. Mesmo, quando um dia, já
não mais existir.
VEIO-ME À MENTE
Tem gente que mente
Descaradamente
Repentinamente
Ou lentamente
Tem gente que mente
Desavergonhadamente
Não mente
Como mente
Quem comumente mente
Mas mente
Como mente
Quem alucinadamente
Mente
Me veio à mente
Cuidadosamente
Estudar a mente
Daquele que, constantemente, mente
A SORTE
Com sorte, hoje acordei com sorte
Tenho sido um cara forte
Ontem à margem do caminho
Me sentia tão sozinho
Mas à primeira curva, eu lhe encontrei
Pegando sua mão, eu não hesitei
Ela vinha a galope, era a danada da sorte
Coração bateu mais forte, ela vinha a galope
Coloquei-me ali sozinho
Bem à margem do caminho
Ela vinha galopando
Eu pedi-lhe um beijinho
E com um pouco de sorte, ela viria me beijar
E a danada da sorte quis me abraçar
Um sanfoneiro ia tocando, um divertido xote
E atrás ela ia passando, era a danada da sorte
INTROSPECÇÃO
Sozinho, por volta das quatro da tarde, ele
acordou em sua casa. Era frio, demasiado. De
um inverno meio tropical. Sem ninguém com
quem conversasse, pensou em ler algo, ou
assistir tv. Menos mal que não tivesse
ninguém, ele queria ficar só. Nem ler, nem
assistir nada. Sequer desejava dormir, uma vez
que acabara de acordar, de um sono vago, de
uma tarde vacilante. Sequer sentia
fome, algo que talvez lhe distraísse comendo
qualquer coisa. Mesmo assim mastigou algo,
mas sem perder a percepção em torno de si.
Contava os movimentos da boca, as rajadas de
vendo, os latidos dos cachorros, e outros
barulhos que vinham da rua. Nesse inventário
de uma tarde crua, lembrou consultar a
internet. Lá encontrou a si próprio, sorridente
e bonito, exatamente como há dois ou três
anos anteriores. Esmiuçou suas próprias
entranhas, para entender se aquilo era bom, ou
ruim. Ou nem bom, nem ruim. Analisou todas
as curvas daquele rosto juvenil, sem ousar
comparar com o atual. Na verdade nem sabia
ao certo se queria fazer alguma comparação,
ou somente olhar quem fora, com nostalgia.
Andou pelo quarto, desceu as escadas, saiu à
rua, caminhou até a praia. Mas nada! Caiu em
si quando percebeu um comentário de uma
antiga namorada, feito naquele mesmo
instante: "o tempo está te fazendo bem, meu
bom amigo. Que saudades... parece que o
tempo não passa pra você" Sentiu ciúmes de si
próprio, ao perceber que aquela foto, antiga,
despertou a atenção de um amor passado.
Olhando para o espelho, não viu ninguém, mas
um estranho pântano, cheio de fantasmas e
caricaturas macabras. Sentiu vontade de nunca
mais olhar aquele espelho. Era
melhor escondê-lo, ou dele se esconder ao
máximo, posto que fosse impossível descartá-
lo. Mas sentiu, também, um sentimento
negativo por nunca tê-lo observado antes.
Talvez as coisas tivessem ocorrido de forma
diferente.
E cuidadosamente, voltou-se a dois animais de
estimação. Era preciso cuidar deles,
atentamente. Mas nada. Não havia animais ali.
Os últimos haviam desaparecido há dois ou
três anos. Nem havia ninguém com quem
conversasse, nem de si, nem dos outros. Nem
havia o que conversar. Nem porque conversar.
E perguntou a si mesmo se já não era tarde. E
ouviu uma resposta em tom interrogativo
"tarde pra quê?”. O sol girava. As noites
vinham e iam. Mas o tempo, esse não passava.
"Que saudades... parece que o tempo não
passa pra você"
MAIS UM DIA QUE PASSA
Eu creio que este dia
Começou há muito tempo
E há muito tempo eu penso
Que este dia
Nunca vai ter fim
E mais um dia se passa
Sem que eu tenha terminado
O dia anterior
E mais um dia que chega
E mais uma vez eu vejo
Que ontem não acabou
MÃE
Eu gosto tanto docê
Queria tanto te ver
Só pra poder te tocar
Teu lindo rosto beijar
Nadar nas águas do mar
Na areia caminhar
De braços dados contigo
Como dois bons amigos
E à tardinha te ver
Fazendo aquele café
E conversando comigo
Queria tanto outra vez
A CONSPIRAÇÃO
O universo conspira ao meu redor
Conjectura contra mim, a todo momento
E eu vou indo meio sonolento
Me fingindo de morto para não morrer
Tô cansado de me esconder
De viver arrependido do que nunca fiz
Muitos rezam pra me converter
Pra soprar um vento novo pelo meu nariz
Demônios ovacionais
Dos filhos dos animais
Demônios ovacionais
Porque todos não passamos de uns animais
E na esquina eu sinto algo contra mim
Uma luz de uma vela veio me aquecer
Enviaram pra me proteger
Mas alguém disse que era pra matar
E eu soprando para lhe apagar
Mas o fogo tomava conta de mim
E essa conspiração era mesmo assim
Era o fogo e o vento, um céu cinzento
O mar em chamas, padres todos na lama
Uma mulher velha e um terço na mão
Na rua um verme com um violão
E uma voz rouca cantando para mim
Demônios ovacionais
Dos filhos dos animais
Demônios ovacionais
Porque todos somos filhos de uns animais
SINAL VERMELHO
Era quase meio dia
Sol escaldante
Parei no sinal
No meu carro, duas crianças
Vinham da escola
Minha mulher
E alguma outra pessoa
Não lembro exatamente
Em minha direção
Caminhando abruptamente
Um moleque maltratado
À minha mão direita, uma arma
À esquerda, o volante
Pude perceber seus traços
A cor de sua pele parda
Seus cabelos lisos
Eu sentia medo
__ Tio, me dá uma ajuda pro almoço
Baixei a guarda
Não ia nos roubar
Não olhei de lado
Evitei lhe encarar
Minhas filhas me olhavam
Aliás
Todos dentro do carro
O sinal abriu e saímos
Estávamos a salvo
Lembrei de falar-lhes da exploração infantil
De que não podíamos financiar aquilo
Confortei-me
Esqueci tudo aquilo
Antes mesmo do almoço
Que estava saboroso, inclusive
Mas a noite
Deusa dos sonhos inexplicáveis
Achou de encontrar
Em algum lugar do meu inconsciente
Um resquício de culpa
Sonhei que estava dirigindo na estrada
E encontrava um filho meu
Logo eu
Pai de duas meninas
Pois o menino
Era minha cara
Tão ingênuo, quanto faminto
Pediu-me comida
Eu não conseguia dar
Não que eu não quisesse
Mas não tinha forças
Não conseguia levar a mão ao bolso
Nem descer do carro
Nem olhar seu rosto
Nem tocar seus cabelos
Nem falar-lhe algo
Nem pedir-lhe perdão
Nem secar minhas lágrimas
Que eu sentia descer dos olhos
Embora, ninguém pudesse vê-las
No outro dia, voltei ao mesmo sinal
Ele não me reconheceu
Voltou a me pedir uma ajuda
Eu lhe ajudei
Mas não me conformei
Aquela não era a mesma criança
Nem eu
O mesmo homem
O DIA AMANHECEU
Assim, o dia amanheceu
Ontem também foi assim
E ante ontem
E todos os dias dos quais me lembro
Porém hoje, curiosamente
Mesmo carregado da experiência
De todos os dias que se foram
Enchi-me de esperança
E de forças
Hoje tem tudo pra dar certo
Melhor bem refletir
Se ontem também dois assim
Ou nos outros dias
Quero pensar no hoje
Não dormi bem
Acordei várias vezes
Por vezes
Com uma ânsia estranha
Indescritível
O tempo parece passar
Sem que eu faça nada
Daquilo que eu sempre quis
E quando penso em fazê-lo
Me bate à porta uma sensação
Já não há mais tempo
__ Não te ocupes a fazer mais nada
Ouço a mim mesmo
Essa madrugada, acordei
Uma vontade imensa de fazer tantas coisas
Ao mesmo tempo
Também lembrei de amigos e parentes
Há tempos não visito ninguém
Meus vizinhos então
É preciso fazer novas amizades
É preciso voltar a ler
Escrever
Faz um tempão que não assisto um filme
Que não ouço uma boa música
Hoje, talvez seja hoje
E se nada der certo?
Estou cansado
Vou dormir só mais um pouco
Daqui meia hora, levanto
Começarei lendo
Ou seria melhor escrevendo?
Não, dos últimos dez poemas que iniciei
Conclui apenas um
Que acabei perdendo em algum lugar
Tomara que alguém o encontre vagando
Pela internet
E com ele faça sucesso
Não é o sucesso que quero
Nem reconhecimento
Nem dinheiro
Queria apenas que alguém me conhecesse
E me olhasse com os olhos
Com que eu olhava meus ídolos
Viu dormir, como eu ia dizendo
E depois volto a ler
Não!
É preciso voltar a malhar
Por que tenho estado tão cansado?
Hoje vai ser o dia do recomeço
Meia hora de sono, somente
Depois decido o que fazer primeiro
DIAS INSANOS
Telejornais, filmes, novela
Trânsito, trabalho, especialização
Bebidas, drogas, bichos de estimação
E numa rede social, desfiles feito passarela
Face, whatssap, YouTube
Emails, Messenger, instagran
Verissimo, Meireles, Dalton Trevisan
E no final da noite, um filme de Hollywood
Sete, onze horas, meio dia
Catorze horas, vinte, meia noite
Um abraço, um beijinho e um coice
A mina que amo expulsou-me à covardia
Sofá, televisão, cerveja
Whats, face, alguém online
Um sapato, uma blusa, uma jaqueta
Depois de uma conversa, partiu balada prime
Uma dança, um drink, cigarro
Uma conversa, um abraço, um beijo
Mais um drink, outra dança, outro trago
__ Meu amigão, num acredito no que vejo.
DE MÃOS DADAS
Na Califórnia, foram cinquenta
Numa só noite
No dia a dia, são milhares
Homossexuais por serem homossexuais
Homossexuais por serem negros
Homossexuais por serem pobres
Homossexuais por serem muçulmanos
Homossexuais por serem cristãos
Cristãos por serem cristãos
Cristãos por serem negros
Cristãos por serem pobres
Cristãos por serem homossexuais
Negro, pobre, muçulmano, cristão
Homossexual, ou não
Homens e mulheres
Se digladiam, por serem diferentes
E sentem nojo, uns dos outros
Descontentes
...........................................................................
.......
Como não apreciar, o trote do cavalo
Os lindos olhos do gato
O nado dos golfinhos
O canto dos passarinhos?
Eles não são negros
Eles não são pobres
Não são mulçumanos
Nem cristãos
Eles não são brancos
Eles não têm partido
Nem religião.
NAMORADOS
Era tarde, muito tarde da noite
Eu tinha que ir embora
À porta da casa
Beijamo-nos
Eu já ia saindo
Sem lembrar de largar sua mão
Ela me puxou pelo braço
E beijou-me longamente
E loucamente
E me olhando atentamente
Separamo-nos
Depois de um selinho
Soltei suas mãos
Mas é que
Sem ter o cuidado de levá-las ao bolso
Voltei a segurar as dela
Daí foi minha vez de beijar
Inconscientemente
Disputávamos o último beijo
Despedimo-nos com outros beijos que vieram
E depois outros
Nem me lembro exatamente como
Mas, cheguei à minha casa
Com uma curiosa sensação de que
Podia ter ficado só mais um pouquinho
...........................................................................
.
Na manhã seguinte
Acordei ouvindo um linda música
Não sei de onde vinha aquele som
Dois pássaros cantarolavam na varanda
Pareciam também apaixonados
O Sol, brilhando como nunca
Anunciava que seria um belo dia
As vozes da rua eram alegres
Todos sorriam
Mesmo os que não abriam a boca
Deixavam sair um sorriso pelos olhos
Me entreti com meu cachorro
Que parecia sorrir pra mim
Comovido com tudo e com todos
De repente ela me ligou
Pra desejar bom dia e me contar sobre
Ora vejam
Um gato que lhe viera acordar
Pedindo-lhe comida
Não sei o porquê daquilo virar uma narrativa
Mas me peguei eufórico ao ouvir sua voz
QUERIA OUVIR TUA VOZ
Fiz um poema em homenagem a ti
Mas esqueci de lhe escrever
Ando esquecido de algumas coisas
Tanta coisa, tô sem tempo
Há tanto tempo, sem alento
Sem você, não me contento
Mas aqui dentro, ainda lembro
Falei de mim
Falei de ti
Falei de nós
Queria ouvir tua voz
Falei de mim
Falei de nós
EU
Eu
Não poderia amar
Não poderia sonhar
Sem ter você aqui
Por mais que insista em dizer não
Minha resposta é sim
Cê tem a chave do meu eu
Melhor dizendo, você mora em mim
Eu acho que estou gostando de você
Cê sabe, a cada dia, temos mais a ver
Eu acho que estou gostando de você
Conto dias, conto horas, pra poder te ver
BANHO DE MAR
Meu tato, meus olhos
Tudo que eu percebia não era mais meu
Minha boca, sua boca
Lembrei-me outro dia de um beijo seu
Seus lábios, meus lábios
Seus braços a prender os duros braços meus
Seu corpo, meu corpo
Meus olhos entreabertos olhando os seus
Ouça o mar, ele quer nos falar
Pra gente não se deixar
Pra gente não mais parar
Que ele vai nos casar
Que ele vai nos banhar
Que também quer te beijar
Vamos comigo dançar
Tomando banho de mar
DOS VÁRIOS MUNDOS CONSTRUÍDOS
SOB OLHARES VACILANTES
Em meio à indiferença dos olhares
À indiferença dos segundos
Assistia, perplexo, vários mundos
Inclusive, ao dele, similares
Sentado num banco de madeira
Puxou do bolso uma carteira
De cigarro, um tanto amassado
Que há dois anos, havia refutado
Enquanto fumava, sua mente viajava
Sua mente viajava pelo mundo
Voltava, o encontrava morimbundo
Pelos mundos afora, divagava
De repente, de uma tempestade
Engendrou fuga, pois àquela altura
Sob o bombardeio de uma chuva
Acabaria num bueiro da cidade
E num relance de introspecção
Fitando olhos sorridentes na cidade
Indagou-lhes da ausência de aflição
Sobre sua indiferença à tempestade
Olhos sorriam, vagamente andavam
Raramente, se cumprimentavam
Fitavam, uns aos outros, vacilantes
Algumas vezes, noutras intolerantes
Descobrindo-se, pelos olhos seus
Iludido, não houvera tempestade
Já desenganado dos olhos da cidade
__Como enxergar, se nem nos meus?
NÃO DUVIDO QUE EXISTA UMA
SINTONIA ENTRE A MULHER E A
ARTE
Uma mulher, para mim, é semelhante a um
poema;
A cada verso, cada estrofe, usando de uma
pena;
Desenho seus lábios, seu rosto, seus cabelos;
Sejam ruivos, sejam loiros, sejam alvos, sejam
negros.
“ERRO DE DIAGRAMAÇÃO”
Pouco além do que a razão suporta
Fisiologistas, quase todos antenados
Populistas, hoje andam escancarados
Tudo resolvem, porém por linha torta
Eis que me pego, olhando uma carta
De cuja fonte não se aponta suspeita
Dizem que ela, hoje é uma receita
De um novo tempo, um novo mapa
Mas de repente, não mais que de repente
Das entrelinhas, insurge Silas descontente
Ameaçando, com os seus, rebelião
E num recuo um tanto deplorável
Ela se mostra, ao pastor, afável
Saiu com essa “erro de diagramação”
UMA TARDE DE CHUVA
Uma tarde de chuva
Por mais que o sol ostente seu esplendor
Às vezes faz falta
Principalmente àquele homem que
Estando em sua casa a pensar
Cheio de coisas a fazer
À sensação de frio
Sente que lhe falta
Assistir um bom filme
Ouvir uma boa música
Dormir um pouco mais
Conversar um pouco mais
Amar um tanto mais
A noite, precipitada que fora pelas nuvens,
Traz ao homem, à noite,
Uma confusão do amar
Uma confusão do fazer
Uma confusão do sentir
Bem que os fins de tarde poderiam durar um
pouco mais
Tempo suficiente para, ouvindo alguma
música
Adormecer e sonhar
POR VEZES, IMORTAL
Fiz, outro dia, uma larguíssima viagem
Decerto deveria estar cansado
Contudo, por ter sido ao passado
A fadiga se encontra em desvantagem
Nessa incrível e astuta empreitada
Ao lado estive, de companhias boas
Como agradecer, não tive, a tais pessoas
Anfitriões da mais formosa estrada
Por faltar-me alguma audácia, em princípio
Enveredei por caminho pouco “arriscado”
Como guia, tive Monteiro Lobato
Viajar, até ali, não era vício
Porém depois, eis com quem fui me meter
Audacioso, posso crer, eu fui demais
Sucumbi a uma sede voraz
E com Machado, fui o Rio conhecer
Grande sede, para a época, alguém me diz
Não tão grande quanto o Rio de Janeiro
O meu guia, entre os grandes, era o primeiro
Joaquim Maria Machado de Assis
Sobre uma paixão, pelas águas afogada
Entre Scobar e Capitu, bem de mansinho
Contou-me algo, por intermédio de Bentinho
Ambos estávamos a olhar a enseada
Já não cuidava tanto entre tempo e lugar
Sobre cavalo, viajei, ao início do Brasil
Uma linda Iracema, quem vos fala também viu
Sob o crítico olhar de José de Alencar
Ganhei coragem e viajei a outras terras
Por Eça de Queiroz, primeiro conheci Paris
Fui convidado a conhecer o seu país
Portugal, era “A cidade e as Serras”
Portugal , que a Camões era tão grato
Tem sua gente, que do seu gênio não destoa
Dentre os poetas, eis Fernando Pessoa
Voltando à prosa, eis José Saramago
As viagens, cada vez eram mais fáceis
Duas fiz, das quais não esquecerei
Na Inglaterra , por Oscar Wilde, vi Dorian
Gray
Já na França, Victor Hugo e os “Miseráveis”
Anos depois voltei à ilha, pelo “Bardo do
Avon”
Por tal poeta e dramaturgo, vi Romeu e Julieta
Shakespeare seria mesmo, , um grande
picareta?
“Tobeornottobe: that'sthequestion”
Dentre os guias brasileiros, Bandeira foi o
primeiro
Euclides, Rachel, Veríssimo, depois Zé Lins
do Rego
Por Graciliano Ramos, curti o campo e a flora
“Grande sertão veredas”, trouxe-me
Guimarães Rosa
Mário, Oswald de Andrade, ou mesmo Carlos
Drumond
Mário Quintana, Vinícius e seu grande amigo
Tom
Manuel Antônio de Almeida, Casimiro de
Abreu
C. Meireles e Lispector, quem nunca leu não
viveu
Convidou-me a um cortiço, Aloízio Azevedo
Pompeia a um colégio, cujo nome era Ateneu
Antes Gregório de Mattos, veio e me
convenceu
Conhecer sua Bahia, concordei ao seu apelo
Confesso que por longuíssimos anos, viajei
Por incontáveis prosas, infindáveis recantos
Brasil, Grécia, Portugal, França, outros tantos
Magníficos cenários, com os quais me deparei
Nestes tempos, deveras tão concorridos
Confesso que com outros guias, estaria
A lugares diversos, garanto que iria
Ainda sinto falta dos cenários não vividos
Verá alguém, a minha última quimera?
Realmente disse tudo, em decassílabos prantos
O poeta do hediondo, Augusto dos Anjos
Tão conscientemente, sob A Árvore da Serra
Não sairia de cena, sem outros ter visitado
Outros poemas sonhado, outros romances
vivido
Se do passado meu, pudesse ser extraído
Apenas, mais alguns dias, ou mesmo noites
em claro
O homem que nesse mundo, intensamente
viveu
Deixou-se, por devaneios, ser levado como eu
Não deu sentido à vida, pois esta disso
desdenha
Mas deu sentido a si próprio, ainda que não
tenha
Galgado cem anos, terá vivido milhares ao
final
Ou mesmo, por vezes, sentiu-se imortal
AMIGOS DE HOJE
Estás errado! Ou te acusam por engano?
São teus amigos, decerto te conhecem
De calúnia, se são teus, não merecem
Melhor resposta, darás tu, silenciando
De entusiasta, transigiste a temerário
Escolhestes mal, se de ti olvidam a amizade
Ou mesmo eles, se hoje dizem que és covarde
Em verdade estás, de uma ou outra, transviado
Pretensioso, dizias tu que os conhecia
Pretensiosos, diziam eles que conheciam a ti
Circunstâncias mesmas, prudência raramente
Conjecturas arvoradas à surdina
Melhor esquecê-las. Ideal não tê-las
Que à retina, descobri-las abruptamente
SOBRE A INCESSANTE VONTADE DE
VENCER
Infinitamente sonhador
A cada devaneio é renovado
No homem, vai sendo lapidado
Um ideal: ser vencedor
Este vencer ou vencer
Fobia inescrupulosa da derrota
O homem, a cada instante, torna
Incompetente pra viver
Ser diferente, por vezes aventureiro
Descolorir as regras do primeiro
Que viu na vitória o único ideal
Talvez, outro sentido dê à vida
Ou mesmo, lhe traga à tona uma cantiga
Voluptuosamente ouvida, ao final
AO POR DO SOL
Os dias vão passando como gritos
Já não conta testemunho o crepúsculo
Mesmo Antes que a comida chegue ao bucho
Percebe muros, em frestas partidos
__ Pra terminar meu curso, os dias conto
Trabalho pra que tudo isso já acabe
__ Minha filhinha, hoje em tenra idade
Ao pensar, seu futuro, fico tonto
Eis diálogos, eis homens, frenéticos
A cada instante mais cibernéticos
Numa escalada, sempre evoluindo
Maximizando teu tempo, transporte
Tua cultura, vai deixando à sorte
Mal pode esperar, está a tudo destruindo
TÃO PRÓXIMO AO NADA
Estamos a alguns passos do tudo, e a outros
poucos do nada. Saímos do nada, em que nos
encontrávamos, e caminhamos em direção ao
tudo, onde sempre desejamos estar. Em vão
buscamos o tudo, pois logo ali, também está o
nada.
SOBRE NÓS
De tudo fazemos, para não brigar
Mas quando o tudo já se torna impossível
Já desmuniciado de tangentes
Eis a hora de dizer-lhe duas ou três coisas
E fitar seu corpo, a esperar reação
Mas com cautela, com cuidado, com
prudência
Cá fora sou nervoso, dentro sou paciência
Entro na reta, mas lhe passo bem nas curvas
O volante, para que restem suas desculpas
Ando correto na estrada, mas não tranco as
vicinais
Lhe deixo brechas, lhe deixo passagens curtas
Ouço, ainda, suas teses, mesmo que absurdas
Tudo que nasce contra ela, em mim, já é fugaz
EU SOU
Eu sou corintiano, Eu sou paraibano
Eu sou neto de índio, português e africano
Gosto de Luiz Gonzaga, Beethoven, Guns in
Roses
Vez por outra, uma novela, ainda curto
mandar flores
Gosto de mpb, forró, reggae, bossa nova
Leio Confúcio, Epicuro, Machado, Spinoza
Eu sou tudo isso, eu sou
E levo a vida com sabor
Eu sou tudo isso, eu sou
Eu só não sei pra onde vou
Eu leio Nietzsche e seu Dodô
Eu curto samba e rock androll
Eu teço rimas onde vou
Eu curto samba e rock androll
POR QUE VOCÊ NÃO ME ACORDOU?
Estava afim de ler um livro
Escrever um poema
Ou mesmo
Falar com meu amor
Ao telefone
Também tava a fim de caminhar
Meio sedentário
Mas, às 16 horas
Tive a impressão de que chovia
Não chovia
Mas aquela impressão
Tirou-me toda a energia
Em vão me vigiava
E ao smartphone
Conectei me
Lembro vagamente
Do que ocorrera
Por todo o resto, daquele dia
Só sei que nada li
Nada escrevi
Também não liguei
Quando acordei tava com sono
E com fome
E uma vontade imensa de dormir
SÓ PRA RIMAR
Tudo que rimar com amor
Se não for dor
Que rimar com paixão
Não sendo solidão
Que rimar com carinho
Dito baixinho
Decerto vai rimar com sorte
Se opondo esta à palavra morte
Por fim eu trago a palavra amigo
Num verso fino pra rimar contigo
MESMO AO PASSAR DOS DIAS
Não sei se tens o dom de ensinar-me;
De forma consciente;
Ou se és como um livro;
Cujo conhecimento é essência sua;
Só sei que aprendi muita coisa contigo;
E desde a noite em que te conheci;
Não houve um só dia;
Em que tu não fosses;
A primeira pessoa em que eu pensasse;
Ao acordar;
Ou a última, antes de dormir.
QUEM SÃO AQUELES PÁSSAROS?
__ Pai, veja aqueles pássaros meus
Olhando aqui, parecem tão iguais
Não concebo diferenças visuais
Assim não seriam os homens, para Deus?
__ Tão sedutor, filho, quanto atraente
O teu discurso, porém, é leviano
Se não distingues pássaros num bando
Não tens os olhos de um ser onisciente
__ Em verdade, pai, somos todos singulares
Nossas diferenças, não nos fazem diferentes
E há, naquele bando, diferenças tão latentes
Dispondo ele, certamente, de múltiplos olhares
Não intente emprestar estes turvos olhos seus
A alguém a quem todos chamam Deus.
ENQUANTO ISSO NO WHATSSAP
Eles conversavam sobre filosofia. Na verdade,
ela, pois ele falava sobre coisas mais triviais.
Porém ela, entusiasmada com uma leitura que
fazia, insistiu em perguntar-lhe se já havia lido
algo sobre Bourdieu, a quem fazia elogios,
dizendo ser uma leitura maravilhosa, ao passo
que ele lhe respondeu:
__ Todos os grandes filósofos que não conheci
me fazem falta. Assim como as músicas que
não ouvi. Os filmes que não assisti. Os
romances que não li. Os poemas então, nem
me fale. Existe um, cujo nome do autor não
lembro, nem seu título, que é fantástico. Diz
mais ou menos... Esquece! Eu não li. Mas
alguém me falou que ele foi feito
pra mim. Pois fala de um cara que conheceu a
imortalidade, ao menos, por alguns instantes,
ao alcançar o ápice da plenitude humana. Só
pode tratar de mim, pois isso aconteceu
comigo, outro dia, ao fitar teus olhos e
perceber a cumplicidade deles, fitando os
meus.
Ela, naquele resto de dia, em vão tentou
retomar a leitura que fazia. Nada mais lhe
restituiu a concentração.
DA FUGA
Eu poderia fugir de tudo e de todos. Porém,
por mais que eu me esconda, compreendo
minha fragilidade ao notar que não consigo
fugir de mim. Às vezes, entro num quarto e
tento ficar lá, sozinho. Contudo, me inquieto
ao perceber que estou olhando pra mim.
RATOEIRA
Houve um dia em que os ratos já cansados;
De uma triste e decadente condição;
Resolveram implantar uma nação;
Numa república de estados federados;
Uma câmara de quinhentos deputados;
Outra casa com quase cem senadores;
Se o parlamento tinha quase mil senhores;
Os do governo nem se podiam contar;
Quantos ratos haveriam de mandar;
Noutros milhões de infelizes roedores?
MASSARANDUBA
Neste dia sete de maio, o meu amor vai
aniversariar. Minha princesa linda, que tanto
amo. É pequenininha, pois também é novinha,
se comparada às outras. Mas é tão gostosa, tão
charmosa, tão esplendorosa. Dá vontade de
pegar, e nunca mais soltar. Uma coisa me
conforta muito, mesmo diante da vastidão
desse mundo: acaso nos separemos, por algum
tempo, saindo eu a vagar pelos mais remotos
recantos, no dia em que eu voltar, ela vai estar
aqui pra me receber.
À margem da estrada, avisto um letreiro, na
última curva. Não sei se lhe beijo, ou grito seu
nome: Massaranduba.
MINHA SEDE
Por todos os tempos, a seus pés, sede
Aquele povo, tão trabalhador
Com carinho sabei agradar seu senhor
Trazei muita água, pra acalmar sua sede
Sede d'água, de chopp, sede de vinho
Faz, de vossa existência, uma escrava
Com vosso suor, nessa missão sagrada
Sede complacente, em vosso caminho
Eis que, abruptamente, e com velada sede
Fantasiando um paraíso, ainda terreno
Puseram-se à esquerda, do parlamento
E de lá gritando, mundo afora
Anunciaram a morte da velha senhora
Pois haviam sumido com seu firmamento
MEU POEMA
Meu inconsciente manda um poema quase
pronto.
Seja na rima, na métrica, no jogo de palavras.
Através de impulsos desordenados, meu
coração rapidamente demonstra sua alegria,
pois sente que algo maravilhoso está por vir.
Minhas cordas vocais só esperam os
comandos cerebrais para, gravemente, proferir
o mais belo dos poemas. Todo o corpo já lhe
comunicara do que está por acontecer. Até
meus olhos, já experientes, esperam pelas
lágrimas que decerto virão. Meus ouvidos já
ouvem, de longe, alguns aplausos
desconhecidos. Vêm de pessoas que admiram
esta força imensa que te move, inconsciente
meu. Eis-me pronto a proferir minha obra
prima, Minha nona sinfonia dos poemas. Mas,
abruptamente, minhas cordas vocais e minha
língua se desentendem, ambas se acusam, se
rasgam, se enrolam. O estômago, já
ressentido do que acaba de acontecer, emite
seus sinais para o cérebro, estou agora tomado
por uma forte sensação de enjoo. Meu cérebro,
já percebendo a morte prematura deste filho
seu, causada por um aborto de causas naturais,
agora pensa em desligar o corpo, para
relembrar algo do
que teria sido aquela obra. Contudo, de forma
intempestiva, sem avisar ao cérebro, meus
lábios percebem os teus. E eles começam a
planejar algo próprio, dominando todo o resto.
Agora consigo relembrar todo o poema, que só
não passo ao papel, por descobrir algo
surpreendente. Meu poema, obra prima do
meu inconsciente, não foi feito para ser
escrito, mas, para ser beijado.
VIL, DEMASIADAMENTE VIL
Vil
Demasiadamente vil
Estratosfericamente vil
E
Por que não, dizer?
Fútil
Uma vez que, em seu peito
Ou, do seu peito
Havia um transbordamento
Paupérrimo
De sentimentos
Era sábado
O Sol vacilava com a chuva
Ambos brincavam
Não sei se consigo
Ou convosco
Só não era com ele
Se encontrava, àquela altura
Acocorado
Fixando uma rede
Era sábado,
E
Arriscando-se janela afora
Foi assistir um capítulo
Da matutina novela
Da vida real
De um realismo fantástico
Pessoas corriam
Pessoas caminhavam
Pessoas sorriam
E suas fotos postavam
Numa praia
Um garoto pegava uma onda
Um mina, linda, quase nua
O olhava apaixonadamente
Enquanto um bêbado, tomando
Aguardente
Fazia o inventário dos devaneios
Da rua
Todos eram felizes
Não só isso
Nenhum era fútil
Ninguém era vil
Ou, mesmo que alguém fosse vil
Não seria tanto quanto ele
Como que
Procurando consolo
Encontrou-o
Na margem de um Rio
Pois lá
Havendo uma família triste
E desconsolada
Pelos trâmites do mundo
Arrasada
Sentiu-se ele bem melhor
Não era a sua, a pior sorte
Que este mundo abrigara
Instantes depois, indagou-se
"Por que sua felicidade advinha
Da desgraça alheia? "
"Por que buscar num tetraplégico
O consolo
Para seus problemas cotidianos?"
E consolando a si
Compreendeu
Já não era o mais vil dos seres
Continuaria vil e fútil
Mas havia quem o fosse mais
Não havia o que comemorar
Mas, abrindo mão da razão
Lhe coube ainda um bom vinho
Já não era o mais vil dos homens
Já não era o mais vil
CAPITU
__Talvez, tu mesmo, Bentinho
Tenhas conhecido um amor proibido
Tenhas vivido, respirado, ouvido
Ou mesmo, se acostumado
Como aos superlativos
Pelos dias, tantas vezes
Proferidos
Eu, que em minha infausta Glória
Nasci pra amar somente a ti
Decerto, nenhuma linha esculpi
Dessa tão bem tramada história
__Me parece, minha linda Captolina
Não nos dei o direito de errar
Cobrei a ti, sem aceitar perdão
Cobrando a mim tua sentença
Sob infortuita reminiscência
Em vez de ti, escolhi a solidão
Eu, que contrariando minha Glória
Escolhi amar somente a ti
Decerto muitas linhas esculpi
Dessa desafortunada história
MASSARANDUBA LINDA
Massaranduba linda! Acaso fosse uma mulher,
decerto teria olhos verdes, à semelhança do
Verde estampado em suas serras. Teria
cabelos longos, lisos, talvez loiros, ou
castanhos. Porém belos, muito belos, pra
combinar com a queda d'água da cachoeira do
Carvalho. Sua pele seria lisa e sedosa. Um
pouco morena, por conta do sol, que no verão
é forte. Porém jamais envelheceria. A cada
intempérie, um novo recorte, ainda mais
bonito, se criaria, fazendo crer que sua pele
permaneceria sempre jovem, à semelhança de
seu solo. De seu corpo não ouso falar. Apenas
que seria sedutor e atraente, forte e resistente.
Forte e resistente, como a árvore que lhe deu
nome. Sedutor e atraente, como seu clima.
Esta cidade tem cor, tem som, tem cheiro, tem
gosto e tem brilho. Um sorriso empolgante,
um corpo atraente, um olhar irradiante e um
jeito massarandubense.
NUM OLHAR
Num olhar, espantado
Um sorriso maroto
Me encantei com teu rosto
Quis estar do teu lado
E teus olhos, então
Com um brilho fogoso
Fez-me ainda mais moço
Me tirando a razão
AO DESCOBRIR SEU ROSTO
Por belos cabelos, eram vestidos seus ombros
Dos mais belos pelos, que já dourou a aurora
Encanta-me hoje, assim como outrora
Decerto outros tantos, caíram aos tombos
Já era mulher, com farta riqueza
Tinha sobre a mesa, os mais belos pratos
Mas como uma criança, com sua pureza
Preferia os cabelos, apalpar seus cachos
Por trás desses cachos, descobri seu rosto
Li suas mãos e, pra meu desgosto
Me veio abaixo o mundo, por inteiro
Seus cabelos de ouro escureceram
Dois pássaros que pousavam, arremeteram
Jamais tocaria seu vestido vermelho
QUEM, DE FATO, É UM IDIOTA ÚTIL?
Nas revistas, nos jornais, embora em extinção
Nas redes sociais, aqui sim, em expansão
Lançando uma linguagem, um tanto obscura
Culpando o interlocutor, que não estaria à
altura
Surge a linguagem de um homem
ultramoderno
Em pecado, se encontrando, quem pensa
diferente
E com argumentação bastante eloquente
Sentencia sua ida às masmorras do inferno
Este homem de invejável e divina cognição
Traz consigo uma tese, sem a qual não há
razão
Fora dela, orbitariam apenas teorias fúteis
Produzidas, ao longo do tempo, por um bando
de idiotas úteis
Eis um termo que, virando moda, alcançou
Um consenso entre adeptos de todas as idades
Espalhando-se em todos os guetos das cidades
Emocionada, uma manada por tal se
apaixonou.
Como sabem, não é difícil apaixonar as
multidões
Já houve quem lograsse êxito, apenas com
belas canções
Segue assim o manual deste homem
ultramoderno
Trazendo em sua lição, a lembrança do inferno
Tratando de economia, filosofia, sociologia,
história
Não larga mão de uma bíblia, em seu esquerdo
braço
Até a pauta do congresso ganhou um novo
traço
A Jesus de Nazaré, toda honra e toda Glória
Toda honra e toda glória! Amém! Eu próprio
diria
Se jamais lograssem êxito, esses "intelectuais"
Se jamais publicassem nas redes sociais:
"A partir de hoje, é o Brasil, uma teocracia?”
POEMA DESREGRADO
Eu não falo, eu canto.
Às vezes, encanto
Não cochicho, eu sopro.
Quando nem falar, posso
Canto aquelas palavras novas
As sopro, pois ainda são leves
São alvas e lindas como a neve
Com o toque de início das auroras
Corrigindo-me, falou um poeta
"À sua obra, rapaz, falta lhe métrica"
Deu-me sono, antes do entardecer
Cambaleando, encontrei pela calçada
Uma jovem, como eu, embriagada
Soprei algo, o resto não pudemos ver.
DIÁLOGOS SEM TESTEMUNHA
Muitos falam sobre amor, compaixão,
fraternidade, humanidade, porém na hora em
que estão numa situação de superioridade,
extravasam toda a violência que têm dentro de
si, numa tentativa de fazer justiça a todo custo.
Para subsidiar seu discurso, dar um tom de
moralidade a suas práticas, põem a culpa no
Estado, na inoperância das autoridades, na
corrupção, etc., etc. e tal. As redes sociais
transbordam pessoas de bem, justiceiras,
verdadeiras, cristãs.
Eis que estou num teatro, lotado, onde houve a
prática de vários crimes e seguramente, de
onde ninguém saiu. Todos estão nesse mesmo
ambiente, possivelmente encontrarei os
criminosos. Começo a analisar os perfis de
cada um, em busca de indícios, eis minha
surpresa: não há ninguém a quem se possa
imputar tais crimes. Todos são cidadãos bons,
fraternos, humanos, pacatos, cristãos.
__Espere. Há um amarrado ao centro, fora
flagrado furtando um celular.
__Sim, talvez tenha sido o mesmo que
estuprou aquela menina da terceira fila, à
esquerda.
__Aposto que também agrediu aquela pobre
velhinha, roubando sua bolsa.
__AH! Deve ter sido o mesmo que matou o
senhor Manoel, que estava lá na entrada do
bar.
__Teria sido mesmo ele?
__Se não foi, sabe-se que é delinquente,
matem!
__Calma, não está preso? Por que não
levamos à polícia?
__Não, deve morrer, pra servir de exemplo. Se
tiver com pena, adote-o.
A desordem está instalada no teatro. Todos
sentem que podem e devem fazer justiça com
as próprias mãos. Daí resta saber o que é
injusto para que se proceda à punição.
Alguém leu em algum lugar que ser feio é
crime.
__Matem os feios.
Outro descobriu que ser afeminado também é
crime.
__Matem os afeminados.
__Calma, onde estamos não é São Paulo?
Aqui, ser nordestino é crime.
__Matem os Nordestinos.
__Não meu amigo, aqui é Argentina. Ser
brasileiro é crime.
__Matem os brasileiros.
No meio da peça, um rapaz é flagrado
agredindo uma mulher, batendo severamente.
Sabia-se que aquilo também
era crime. Porém, dizia o rapaz que se
defendeu de uma tentativa de homicídio, pois
a mesma quis matar-lhe com um punhal que
puxara pouco antes.
__Matem a mulher, isso também é crime.
Mas a mulher, em verdade, não puxara um
punhal, mas um pente, para usar.
Eis que os ânimos, de tão exaltados, não
deixavam as pessoas raciocinarem sobre quem
teria cometido crime.
Em seguida, uns ladeavam a mulher, enquanto
outros o rapaz. Estava feita a algazarra.
Sequer, uns ouviam aos outros. A sensação de
insegurança era grande e a necessidade de
fazer justiça maior.
Em meio à anarquia, uma decisão inconsciente
foi tomada (se é que isso é possível): todos
juntos destruiriam ao teatro e a si mesmos. O
administrador do teatro reconheceria o
fracasso de seu projeto se pudesse existir sem
a plateia. Foi ao inferno aquele rapaz pego
furtando o celular. Não porque furtou, mas
porque foi pego.
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