o fotojornalismo bélico como instrumento de análise do ... fotojornalismo... · todavia, assim...
Post on 11-Jan-2019
226 Views
Preview:
TRANSCRIPT
1
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
O fotojornalismo bélico como instrumento de análise do contexto social e do
processo de ensino-aprendizagem cidadão1
Valéria Bussola Martins2
Alexandre Huady Torres Guimarães3
Resumo: A fotografia possui uma estrutura que, analisada conscientemente, possibilita
ao leitor diversidades de compreensão, uma vez que, mesmo dentro de uma única
linguagem visual, não há a certeza de se encontrar um mesmo caminho para o
desenvolvimento de sua análise. Essa linguagem encontra-se muito próxima ao
universo discente, fator que auxilia sua introdução em sala de aula como instrumento
didático-metodológico. Por meio da fotografia, pode-se instrumentalizar o alunado à
análise do texto visual para que o mesmo desenvolva suas várias possibilidades de
leitura, tornando-se ativo no processo de interpretação e construção do cotidiano. Este
artigo objetiva descrever e analisar uma atividade desenvolvida com alunos do Ensino
Fundamental II por meio da fotografia de Peter Lewbing, o Vopo, marco da Guerra Fria,
publicada no Jornal do Brasil, em 17/08/1961, a partir da qual se desenvolveu a leitura
crítica do texto fotojornalístico e investigou-se a imagem como expressão da memória
histórica, da conscientização do presente e da formação da cidadania.
Palavras-Chave: Fotojornalismo; Guerra Fria; Ensino-aprendizagem.
Abstract: The photograph have a structure that, analyzed consciously, enables to the
readers some diversities of comprehension, once, even inside of one visual language,
there’s no certainty to even find a way to develop their analyzes. This language is closer
to the student universe, factor that assists its introduction in the classroom as a didactic-
methodological tool. Through the photograph, we can equip the students to the analysis
of the visual to develop their numerous possibilities of reading, becoming active in the
process of the interpretation and of the everyday construction. This paper aims to
describe and analyze an activity developed in the Elementary School through the
photograph of Peter Lewbing, the Vopo, landmark of the Cold War, published in Jornal
do Brasil, in August 17th
, 1961, from which developed a critical reading of the
photojournalistic text and investigated the image as an expression of the historical
memory, of the awareness of the present and the formation of citizenship.
Keywords: Photojournalism; Cold War; Teaching-learning.
1 Trabalho apresentado no GT 7- Fotografia, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e
Imagem – ENCOI. 2 Doutora e Mestre em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Professora dos Cursos de
Letras e de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie -
valeria.martins@mackenzie.br 3 Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie - alexandre.guimaraes@mackenzie.br
2
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Introdução
Das paredes das cavernas aos ícones virtuais, o homem manteve uma
relação muito próxima à imagem, assim, pela análise do texto imagético,
pode-se depreender os hábitos, a aparência, os costumes, as leis e inúmeras
características do passado humano em diferentes épocas.
Todavia, assim como o texto escrito não é um amontoado de palavras e
de frases, o texto imagético, ou linguagem não-verbal, também possui uma combinação
interna, ou seja, uma sintaxe, uma morfologia e um léxico que obedecem a mecanismos
de organização (SAVIOLI; FIORIN, 1997) e que devem ser analisados com o intuito de
se aprofundar o aprendizado tanto da linguagem imagética quanto das suas
possibilidades de ensino.
Por sintaxe, podemos entender, por meio da etimologia observada em
Antenor Nascente: “SINTAXE - Do gr. Sýntaxis, ordem, arranjo, disposição, pelo lat.
Syntaxe” (1932, p. 736).
À maneira etimológica de Silveira Bueno (1963, p. 3769):
Sintaxe - s. f. Parte da gramática que trata da disposição das palavras na
frase, das frases no período. Compreende a sintaxe de colocação (ordem das
palavras), de regência (palavra regente e regida), de concordância em gênero,
número e pessoa. Lat. Syntaxis com igual forma em grego, de syntasso, eu
ponho em ordem, organizo, disponho. Derv.: sintático, adj.
E na versão do latinista Torrinha (s. d., p. 1018): “sintaxe, f. Construção
das palavras e das frases segundo as regras da gramática: constructio, f. Prisc.”.
Depreende-se, por mediação de autores dos Ensinos Fundamental,
Médio, Universitário e pelos dicionaristas postos, que a sintaxe exprime a disposição, a
relação, a construção, o arranjo, a ordem, a combinação das partes de um texto com o
seu todo.
Quanto à imagem, sabe-se que esta forma-se em nossas retinas a partir da
luz, e Neiva Jr. (1986, p. 15) explica esse processo afirmando que:
A luz agrupa-se em representações bidimensionais. Conhecemos o mundo
através da sua tradução em sólidos, luzes e cores que ocupam uma superfície.
3
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
As extensões, as superfícies se dão por meio de um processo que se apresenta
como estritamente natural. Cada extensão é o que é; pelo menos, é o que
acreditamos. A imagem nos parece pura e evidente, mesmo que, de fato, as
luzes e as sombras sejam o que determina a aparência dos objetos. Para que
uma imagem seja visível, é preciso que três etapas sejam cumpridas:
a luz espalha-se diferentemente pelas superfícies a serem percebidas;
a luz é transmitida para o olho;
a luz constitui-se num foco, formando-se, então, a imagem. O mundo é uma
imagem.
A imagem é, pois, uma síntese que oferta “traços, cores e outros
elementos visuais em simultaneidade. Após contemplar a síntese, é possível explorá-la
aos poucos; só então emerge novamente a totalidade da imagem.” (NEIVA JR., 1986, p.
05).
Quando o autor afirma “explorá-la aos poucos”, faz a relação entre as
partes e sua significação com o todo, ou seja, não desassocia a forma do conteúdo, fator
que fica claro quando o mesmo autor recorre, em seu livro A Imagem, às palavras de
Erwin Panofsky, em La perspective comme forme symbolique et autres essais, o qual
explica que “numa forma de arte não se pode divorciar forma de conteúdo”.
Não havendo o desligando da forma e conteúdo, o estudo da estrutura, da
ordem, da disposição, da forma faz-se necessário para a compreensão do conteúdo e,
nesse caminho, muitas vezes, ocorre a aproximação entre as linguagens verbal e
imagética.
A relação pode ser feita, contudo não há a possibilidade de um caminho
similar, visto que as terminologias não se amoldam e, também, pelo fato dos processos e
instrumentos de confecção serem díspares.
O material, o processo e as técnicas de uma película cinematográfica são
diversos das de uma pintura a óleo, que, por sua vez, não são os mesmos da fotografia.
Leve-se em conta, então, que as nomenclaturas não podem tornar-se estanques e que os
processos de análise facultam a variar entre as modalidades visuais, até mesmo, no
interior de uma única manifestação imagética:
O alfabetismo visual jamais poderá ser um sistema tão lógico e preciso
quanto a linguagem. As linguagens são sistemas inventados pelo homem para
codificar, armazenar e decodificar informações. Sua estrutura, portanto, tem
uma lógica que o alfabetismo visual é incapaz de alcançar. (DONDIS, 1999,
p. 18-20).
4
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Na linguagem visual, no caso específico, a fotográfica, sabe-se que o
leitor capta de maneira imediata todos os seus elementos, porém, sua compreensão mais
profunda está diretamente ligada à contextualização e à decomposição de seus
elementos para, assim, relacionar as estruturas que a alicerçam à inferência do que se dá
na superfície.
O processo de decomposição fotográfico leva, portanto, o leitor ao
interior do fotograma, a partir do qual poderá captar as relações entre as partes e o todo,
relacionando-as ao contexto e observando o discurso existente na imagem. Lembre-se
que “a sintaxe é a parte da Gramática que se dedica ao estudo das relações que as
palavras estabelecem entre si quando organizadas em orações. Também estuda as
relações que as orações estabelecem entre si quando formam períodos” (NICOLA;
INFANTE, 1998, p. 242).
Entretanto, ao longo do tempo, a imagem tem sido tomada como um
testemunho da verdade do fato ou dos fatos (KOSSOY, 1999). Ao apertar o obturador, o
fotógrafo já definiu seus elementos estruturais, ou seja, seu foco, sua profundidade de
campo através da abertura do diafragma, o grau de congelamento da imagem por meio
da velocidade de obturação e o enquadramento desejado. Todos esses elementos,
somados à granulação, ao sistema de zonas, ao jogo de sombras, entre tantos outros
existentes, alicerçam o leitor, a “andar para ver como é o bosque e descobrir por que
algumas trilhas são acessíveis e outras não” (ECO, 1994, p. 33).
O Vopo
No dia 17 de agosto de 1961, o Jornal do Brasil publicou na posição
direita inferior da primeira página, do primeiro caderno, o seguinte conjunto de
fotografia e texto:
5
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Figura 1:
O direito de escolher
Um soldado da Alemanha comunista, encarregado de impedir, junto das
barricadas de arame farpado, a fuga de berlineses daquele setor para o lado
Ocidental, aproveitou um descuido dos colegas da guarda para gozar,
pessoalmente, da liberdade de escolha que lhe cabia impedir. O flagrante foi
colhido providencialmente, nesse exato momento por um fotógrafo da
A2.
Na imagem de Peter Leibing, tem-se evidentemente um conteúdo
histórico, porém, se tomada apenas sob esse prisma, ela enfraquece, uma vez que
A fotografia tem uma realidade própria que não corresponde
necessariamente à realidade que envolveu o assunto, objeto de registro, no
contexto da vida passada. Trata-se da realidade do documento, da
representação: uma segunda realidade, construída, codificada, sedutora em
sua montagem, em sua estética, de forma alguma ingênua, inocente, mas que
é, todavia, o elo material do tempo e espaço representado, pista para
desvendarmos o passado (KOSSOY, 1999, p. 23).
Assim, “decifrar a realidade interior das representações fotográficas, seus
significados ocultos, sua tramas, realidades e ficções, as finalidades para as quais foram
produzidas é a tarefa fundamental a ser empreendida” (KOSSOY, 1999, p. 25-26).
6
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
No caso de O Vopo, tem-se um espaço e um tempo determinados. O
espaço é a cidade de Berlim, exatamente na cerca que se alastra, dividindo a cidade em
duas. O tempo é o mês de agosto de 1961, época da formação do Muro de Berlim e da
intensificação da Guerra Fria.
É por trás dessas coordenadas de espaço e tempo que se dá a ação do
fotógrafo e do soldado fotografado. Sem dúvida, polissêmica que é a fotografia, várias
realidades podem ser observadas por meio dela. Essas possibilidades compreensivas
estão relacionadas a uma interpretação baseada na memória de cada espectador.
Aqui se observará uma perspectiva metodológica da busca da sintaxe que
comprova a violência no fotograma apresentado.
Percebe-se que não é muito boa a qualidade de impressão da fotografia,
mas se o olhar fixar-se, alguns elementos ficam evidentes:
Figura 2:
Ao lado esquerdo, encontra-se o primeiro dos seis planos dessa imagem.
Tem-se o braço direito de uma pessoa, o qual acaba servindo, justamente, para destacar
o segundo plano no que se refere à distância.
O segundo plano é formado por dois elementos: o soldado pulando e a
cerca que divide o território.
7
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
No terceiro plano, ao lado direito da fotografia, observa-se uma
construção que faz parte da cidade, uma casa com um cartaz afixado.
O quarto plano é constituído por moradores da parte Comunista que, ao
centro, conversam e concedem, também, um destaque ao soldado Conrad Schumann,
justamente pela opção de Peter Leibing em valorizar a velocidade em relação ao
diafragma, conseguindo o congelamento da cena e pouquíssima profundidade de campo.
O quinto plano marca prédios ao fundo direito e esquerdo, criando quase
que um corredor, um caminho para o salto, enquanto, no sexto plano, tem-se a parede de
outra construção, praticamente invisível pelo desfoque, que fecha o horizonte
fotográfico.
Todavia, para se adentrar à violência, deve-se observar justamente os
principais elementos, ou aqueles que a explicitam, estando os dois no segundo plano.
O primeiro é a cerca de arame farpado.
Observe-se:
Figura 3:
Nota-se que a cerca de arame cobre quase a totalidade da base da imagem
ao tomar o fotograma de ponta a ponta, contudo, à esquerda, ela desaparece atrás do
homem que ocupa o primeiro plano.
8
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Percebe-se o seu desenho irregular, composto por linhas curvas que dão a
sensação de desconforto. Se observado o significado de irregular no dicionário, acha-se
para sua definição a ideia de contrário à regra, à justiça e à lei.
Nesse ponto, fica evidente a violência, pois o ato do cercear a livre
passagem, obstruída pelo cerca de arame farpado, início da construção do Muro de
Berlim é, não só simbolicamente, um real símbolo de rompimento da liberdade, de
imposição, de injustiça e de quebra das regras e das leis.
Esse prisma, essa visão, é decorrente do lado Ocidental de Berlim, mas
os conhecedores da história não se postariam no outro paradigma, e, por essa mesma
razão, em agosto de 1961, inicia-se mais uma violência decorrente da Guerra Fria.
O segundo elemento é Conrad Schumann, o Vopo, que salta a barreira da
imposição. Deve-se atentar para o fato de ele ser um dos representantes legais da
opressão, da norma que impedia o direito de escolha e liberdade dos cidadãos.
Ele opõe-se, naquele momento, à quebra da liberdade individual imposta
pelo regime da Alemanha Oriental, ou seja, ele contrapõe-se à falta de consciência
pedida pelo uniforme, portanto, vai contra a postura esperada como padrão. Liberta-se
do modelo repressor, lutando contra o mesmo enquanto indivíduo consciente. Adorno
(1999, p. 129-30) analisa essa manipulação de conduta:
Se fosse obrigado a resumir em uma fórmula esse tipo de caráter manipulador
- o que talvez seja equivocado embora útil à compreensão - eu o denominaria
de o tipo da consciência coisificada. No começo, as pessoas desse tipo se
tornam por assim dizer iguais a coisas. Em seguida, na medida em que o
conseguem, tornam os outros iguais a coisas.
Atente-se ao salto:
9
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Figura 4:
Conrad Schumann quebra com a possibilidade de coisificar-se. Vai,
portanto, encontrar seu próprio interesse, vai em busca de uma possibilidade de vida
diferente.
Peter Leibing, por sua vez, executa seu trabalho de fotojornalista e,
segundo seu colega de profissão, Custódio Coimbra:
[...] revela outro momento histórico desse século, ela simboliza a Guerra Fria,
e o fotógrafo teve uma presença de espírito muito grande, e eu acho que esse
momento mágico, representado pela ação, pelo flagrante, é o que pra mim
tem mais importância dentro do fotojornalismo, né, quer dizer, ele ficou
esperando quase duas horas pra fazer essa foto e ela não é nem antes, nem
depois, ela é o clímax (O Vopo em As 100 fotos do século, 1999).
Analisa-se pelo destaque dos elementos internos, o discurso da violência,
uma vez que a cerca de arame farpado impede inúmeros direitos das pessoas, já
normatizados em 1948, na Declaração dos Direitos Humanos, e, também, a velocidade
com que Conrad Schumann desfaz-se do papel de soldado fronteiriço, Vopo, para
tornar-se indivíduo, deixando o papel de repressor e assumindo o de reprimido,
arriscando sua vida em busca do direito à liberdade.
10
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Figura 5:
Com a imagem completa, mais os elementos que caracterizam a presença
da violência, foca-se novamente a fotografia como um todo e, com a possibilidade de
vinculá-la ao contexto, tem-se evidente a presença de um discurso, consequente da
Guerra Fria, que demonstrava, à época, e ainda hoje, a violência do regime da República
Democrática Alemã, o qual, só iniciou sua derrocada em 1989.
O Vopo em sala de aula
No terceiro bimestre do ano 2012, mais exatamente no mês de setembro,
foram apresentadas aos alunos do 9o. ano do Ensino Fundamental II de uma escola
particular, situada na região da Grande São Paulo, as seguintes informações no projetor
multimídia:
Jornal do Brasil
17 de agosto de 1961
1º Caderno/Capa
O direito de escolher
Um soldado da Alemanha comunista, encarregado de impedir, junto das
barricadas de arame farpado, a fuga de berlineses daquele setor para o lado
Ocidental, aproveitou um descuido dos colegas da guarda para gozar,
pessoalmente, da liberdade de escolha que lhe cabia impedir. O flagrante foi
colhido providencialmente, nesse exato momento por um fotógrafo da A2.
11
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Após uma primeira leitura, proporcionou-se uma discussão mais
abrangente, visando à compreensão das informações e discursos contidos no texto
jornalístico.
Questões como a Guerra Fria, a divisão da Alemanha e a queda do muro
de Berlim foram abordadas, entretanto, nesse momento, nenhum aluno chamou atenção
para a contradição da atitude do soldado.
A seguir, professor e alunos levantaram as informações mais importantes,
aquelas que garantiam a coerência do texto.
O passo seguinte foi a confecção de um texto dissertativo sobre os temas
amplamente debatidos, tendo como base a matéria do Jornal do Brasil.
Passados sete dias, as aulas de redação eram duplas e semanais. Antes de
os alunos receberem suas produções corrigidas e comentadas, foi-lhes apresentada a
fotografia, assim, foram os alunos notificados de que a mesma pertencia ao Jornal do
Brasil do dia 17 de agosto de 1961, e que ela fora tirada por Peter Leibing, fotógrafo da
A2.
Após vários comentários e impressões postas entre o diálogo do texto
escrito e do visual, foi pedido para que os mesmos redigissem uma carta, na qual quem
ocuparia o papel de remetente seria o próprio soldado que pulara o arame farpado e os
destinatários, seus pais que continuavam no lado Ocidental de Berlim.
Delas constam trechos inalterados abaixo comentados.
Durante todos esses anos, presenciei coisas terríveis; atos de total
desumanidade que nunca imaginei que pudessem existir. Meu serviço era
ficar na fronteira das Alemanhas, incumbido do direito de proibir seres
humanos de ir e vir. Foi por não aguentar tal situação que resolvi tentar
encontrar a minha própria liberdade. Pensei na possibilidade de fugir, afinal
de contas, eu fazia parte da barreira humana que tomava conta da fronteira
para a Alemanha Ocidental. Foi aí que aproveitei o descuido de outros
soldados, ultrapassei o limite de desigualdades. O momento foi único; senti o
poder da liberdade pairando sobre mim.
Alguns elementos da carta, dessa dupla de alunos, trazem à tona
elementos da presença da violência.
Pode-se notar a indignação do não poder imaginar atos que não devem
ser tomados como humanos. E é em virtude deles que o soldado abandona o seu posto
12
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
de proibição, justamente por não suportar a realidade, requerendo assim a sua própria
liberdade através do salto.
Alguns termos e expressões encontram-se claramente carregados de
indignação em relação à violência imposta. São elas:
atos de total desumanidade que nunca imaginei que pudessem existir
incumbido do direito de proibir seres humanos de ir e vir
por não aguentar tal situação que resolvi tentar encontrar a minha própria liberdade
eu fazia parte da barreira humana que tomava conta da fronteira
ultrapassei o limite de desigualdades
senti o poder da liberdade pairando sobre mim
Por meio de outra produção textual discente, foi possível ler:
[...] lutei, e depois de tantas tristezas, finalmente por vontade própria gozei da
minha felicidade de estar livre, aproveitando do descuido de meus colegas,
corri desesperadamente com os olhos fixos na trincheira de arame farpado
que era a ultima barreira para a liberdade.
Nesta vê-se a presença da ação do soldado através do verbo lutar.
Percebe-se que a luta dá-se entre ele e a condição imposta. Dessa forma, ele pula, com
desespero, a barreira em busca da sua liberdade.
Importante notar que, mesmo desesperado, ele observa e vale-se do
descuido de seus colegas.
Os termos carregados de violência são:
lutei
aproveitando do descuido de meus colegas
corri desesperadamente com os olhos fixos na trincheira de arame farpado
ultima barreira para a liberdade
Outro trecho, por sua vez, traz o elemento esperança:
13
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Aqui, apesar de não ter onde morar e estar longe de vocês, vivo com mais
esperança.
A esperança sempre conduziu e conduz os homens. Diz o senso comum
que ela faz parte de uma criação judaico-cristã, porém, fazendo parte ou não,
permanecendo ou não como um lugar comum, ela continua movendo os mais variados
corações.
A separação da família é sentida, entretanto a possibilidade de se
vislumbrar o dia seguinte, sob o prisma da liberdade, mesmo não tendo um lugar fixo de
moradia, carrega o soldado adiante.
Dois trechos trazem à tona a violência:
apesar de não ter onde morar e estar longe de vocês
vivo com mais esperança
Da mesma forma, o sentimento sofrimento também era recorrente:
Devido ao sofrimento, a agressão psicológica e física cometerei um ato, que
talvez para os outros seja sinônimo de covardia, mas que para mim significa
coragem, podendo mudar radicalmente meu cotidiano.
A carta trabalha com um tempo anterior ao ato, o qual tem como
justificativa o sofrimento proveniente da agressão que se dá tanto no plano físico quanto
no psíquico.
Há também uma outra duplicidade: a covardia e a coragem. O soldado
demonstra um pré-julgamento daqueles que observarão ou terão conhecimento de seu
salto para a mudança, acreditando que o interpretarão como covardia. Todavia, o
soldado o justifica como a coragem de enfrentar a barreira, o perigo da morte, o
abandono das funções, a sobrevida para alcançar o bem maior, a vida vivida dia a dia.
Os termos pertencentes ao léxico que aqui forma o contexto da violência
são:
14
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
sofrimento, a agressão psicológica e física
para os outros seja sinônimo de covardia
para mim significa coragem, podendo mudar radicalmente meu cotidiano
Da mesma forma, destaque foi dado por alguns discentes à liberdade:
No dia 15 eu planejei uma fuga, para simplesmente tentar a liberdade, e
nunca mais pisar em sangue e pegar em uma arma.
Tem-se uma passagem que acaba por descrever a trágica cena da qual
participa o soldado. A linha que separa vontade e possibilidade, ir e vir, solidariedade e
agressão.
A busca de liberdade traz dentro de si o desejo de abandonar para sempre
a qualidade de soldado que utiliza a arma para banhar seu solo de sangue. A liberdade
surge, assim, como algo simples, portanto, singelo, natural, espontâneo, modesto e, por
assim dizer, normal, oposto à ordem imposta.
Quanto às indicações do texto:
simplesmente tentar a liberdade
nunca mais pisar em sangue e pegar em uma arma
Por fim, destaca-se que outros discentes trouxeram, ainda, a temática do
juramento a que os soldados eram expostos:
[...] fui soldado na Alemanha Oriental e me sentia completamente
descontente por não ter a minha liberdade e impedir o direito de outras
pessoas, passei a planejar a minha fuga, mesmo traindo qualquer juramento,
eu não podia mais continuar.
O juramento quebra-se pela oposição desejo x função. Seu desejo
contrasta com suas atitudes. Mesmo representante de uma situação, ele não se enquadra
nas normas impostas para alguém com sua função, assim, quebra a regra em busca da
sua sincera verdade.
15
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
São manifestações de violência:
descontente por não ter a minha liberdade e impedir o direito de outras pessoas
planejar a minha fuga, mesmo traindo qualquer juramento
não podia mais continuar
Conclusão
Percebe-se que há nos três textos uma correlação estabelecida pela
presença da violência. Assim, no texto fotográfico, no texto jornalístico (aqui não
analisado) e no texto discente encontra-se um pronunciamento de proporção maior.
No momento em que os textos são percorridos com o intuito de se buscar
o discurso que neles jaz, as suas partes internas, estruturais, ganham um novo
significado, principalmente quando alicerçadas pelo contexto.
A posição depreendida pelos procedimentos argumentativos em todos os
textos é a de relutância para com a violência, pois em todos os produtores textuais esta
postura fica clara.
Observa-se, também, que os textos entrecruzam-se com a finalidade de
reafirmar o sentido da violência e não com o intuito de polemizarem entre si.
Portanto, acredita-se que a busca da análise sintática, estrutural da
fotografia de Peter Leibing e sua aplicabilidade em sala de aula demonstram, por meio
dos textos discentes, que o embate contra a violência é válido e ainda capaz de surtir
efeitos positivos.
A sala de aula deve, portanto, abrir as portas para o texto fotográfico, a
fim de permitir que o aluno veja, perceba, sinta as possibilidades do texto imagético que
tanto o incita no cotidiano, no mais das vezes persuasivamente, visto que muito pouco
ainda se oferta do alfabetismo visual ao alunado brasileiro.
Ao instrumentalizar o aluno sintaticamente pela fotografia, seu repertório
amplia-se, fator que o possibilita a uma leitura reflexiva, quer da escrita pela luz, quer
16
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
das outras formas visuais, desenvolvendo assim “sua expressão criadora, ou sua
capacidade de criar, inventar, relacionar, comparar, escolher, optar, devolver” (GÓES,
1996, p. 17).
Referências
O direito de escolher. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 ago. 1961. p. 1, c. 1.
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CAPA PRODUCTION/ARTE. O Vopo. In: As 100 fotos do século, 1999.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997. (Coleção a)
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de descoberta. 1. ed. São Paulo: Mercuryo, 1996.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial,
1999.
NASCENTE, Antenor. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Francisco Alves Editora, 1932.
NEIVA Jr., Eduardo. A imagem. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios, 87)
NICOLA, José de e INFANTE, Ulisses. Gramática contemporânea da Língua
Portuguesa. 15. ed. São Paulo: Scipione, 1998.
SILVEIRA BUENO, Francisco da. Grande dicionário etimológico-prosódico da
Língua Portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1963. (v. 7)
TORRINHA, Francisco. Dicionário Português-Latino. 2. ed. Porto: Editorial Domingos
Barreira. s. d.
top related