o elemento subterrâneo
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elemento subterrâneO O
Victor Del Franco
Copyright 2010 - Victor Del Franco
Este livro, integral ou em partes,pode ser usado para fins não comerciais
desde que sejam citados o nome do autor,o nome do livro e o link correspondente.
p
victordelfranco@gmail.com
Capa, projeto gráfico e revisão:Victor Del Franco
a1 edição: Demônio Negro, 2007a2 edição: Edição do Autor, 2010
2010Publicado na Internet
Franco, Victor Del, 1969 -
O elemento subterrâneO / Victor Del Franco. -a2 edição - São Paulo: Edição do autor, 2010.
1. Poesia brasileira I. Título.
elemento subterrâneO O
Victor Del Franco
SUMÁRIO
Expiação............................................................................11
CERNEGênesis ..............................................................................15Carne viva..........................................................................16Escavação ..........................................................................17Adão e Eva........................................................................20Asfalto................................................................................21Cavalo de Troia.................................................................24Reações nucleares.............................................................25Cosmogonia......................................................................31Gestação ............................................................................32Cor......................................................................................42Ecos ...................................................................................44Ícaro ...................................................................................45Singularidade.....................................................................46A dantesca via...................................................................47Vesúvio ..............................................................................48O elemento subterrâneo .................................................49História sem fim...............................................................54O Evangelho de Judas.....................................................55Clepsidra............................................................................56Mar Morto.........................................................................58Angular ..............................................................................60Lã........................................................................................61Nag Hammadi ..................................................................62Anônimo ...........................................................................63Ivan Karamazov...............................................................72
a
A arqueologia do Homem ..............................................73A safira e o caos ...............................................................74Dispersão...........................................................................76Pesadelo.............................................................................77
RESÍDUOSA decomposição do pensamento ..................................81O corpo em decomposição ............................................82Nihil ...................................................................................83
Acampamento ..................................................................85
Expiação II........................................................................89w
elemento subterrâneO O
A terra está de todo quebrantada,ela totalmente se rompe,a terra violentamente se move.
Isaías 24:19
11
EXPIAÇÃO
covilde estranhoe humanoardil,
canilinsano,tamanhoe vil.
no cernemeus vermesdeponho.
inferno:eternoretorno.
CERNE
15
GÊNESIS
e disse Deus:haja Lúcifer.
16
CARNE VIVA
ponho o dedona ferida
não paraestancaro sangue
mas escavá-laaté o osso.
17
ESCAVAÇÃO
em meioa lugar nenhum,
ossos e resquícios
de uma históriamalcontada
a cidadeque emerge em
ruínasrevela seuspequenos pecados
o fogo cerimonial é acesopara conter a ira dos deusese o jovem guerreirooferece o coração
em sacrifício
sobressaltode uma noiteem descompasso
falta de artranspiração
e o solainda nem despontou
na moldurado quarto
18
Dédaloergue paredes tortuosasem sua própria cabeça
travessia incerta
alucinação
a luza luz
a luz
travesseiro de pedra
ônibusem circulação
vomitamcarbono
sem promessaso dia amanhecee ponto.
lavar o rosto,espantar o sonoe encarar o fantasma
no espelho
trinta e poucos anos
– sim,estes ossos devem pertencera um homem de unstrinta e poucos anos
19
máscara sagradade algum ritual,invocação dos espíritos:
deuses da chuvadeuses da terradeuses de todasas forças da Natureza,
abençoai nossas plantações
potes de cereais
– sim,estes cacos de cerâmicanos dão mostrasde uma civilizaçãobem desenvolvida
fazer as contasna ponta do lápise separar o dinheirodo supermercado
um quilo de batatasmeia dúzia de tomatesum pacote de arroz
de um solstícioa outro
a Terra deixa sinaisde suas translações.
20
ADÃO E EVA
entre o suavee o urbanoentre o sacroe o profanoentre o sábioe o insano
na fronteiraentre mitose civilizaçõesa serpente atrevidaentão con
vida:
– em meu ventre,entre!
21
ASFALTO
rígida pelena superfície escuradas cidades,rigoroso destinoentre os escombros
urbanos
ensurdecedora fúriade britadeirasrevolvendo vias,removendo tudo aquiloque já não serve mais
homens trabalhando
abrem o caosfecham o caose o intransitávelsegue o seu infortúniosobre as feridas
malci
catri
zadas
primeirasegundaterceiraquartaquinta
22
absurdas engrenagensdevoram calçadasatropelam faróisregurgitam informaçõesnum ritmo insanode condicionamentos
mecanizados
autômatos em marcha
quintaquartaterceirasegundaprimeira
todos elespontualmenteatrasados:
mil contratospara assinar,mil assuntospara resolver,mil e-mailspara ler
compromissospara não cumprir
segundaterçaquartaquintasexta
23
um diatudo voltaráa resíduo fóssil,betume que jorroude profundas eras,vísceras e nervosalteradosna química
lentae dormentedas entranhas
homens em marchaautômatos trabalhando
todos encerradosnuma cadeiade carbonos
que movee embriagao mundo
todos emsilêncio mudo
sábadodomingoferiado
no asfalto abrasivo das ruassomente os restos mortaisno chão de outros mais
marcha réponto morto
24
CAVALO DE TROIA
o alicercede concretopela dorcorro
ído
o corpode metalpelo asfaltorevest
ido
os olhosde vidroocultamo vazioindev
ido
a cidadede agora e sempreem tempos
idos
na praça centralum monumentoabriga em segredoum surdo ataqueprestes a eclodirao anoitecer das luzes
e da lucidez
25
REAÇÕES NUCLEARES
I
atol de Mururoasol, mar e...
esqueçaesqueça
não era bem assimque eu gostaria de começar
venha,vamos aproveitar o solenquanto podemos,vamos observar o mar
veja, meu amigo,veja como ele está agitado hoje,veja a sua fluida ferocidade
veja...
parece não conter-se em si mesmo
sinta, meu caro,sinta em seus próprios pésa fúria com a qualele nos quer sugar
26
II
eletromagnéticanuclear fracanuclear fortee a gravidade da almaque nos derruba
que substânciaou força impensávelseria capaz de aglutinarum amontoado de partículase dar-lhes vida?
que ferida poderia ser curadasem essa mesma forçaou substância?
a que distância estamosdo intangível?
chega!
o limite da insanidadeé sinuoso e quase imperceptível,
energias difusasdistorçõesruídos
talvez seja apenas o meu juízoou a falta de...
27
breves tormentos do espíritominam a mente,sementes na aridez da solidão,na escuridão das cavernas
porõescalabouços
esboços da Verdade jamais alcançada
chega!
em meu líquido abandonoalgo perturbador me puxa
para baixo
em tal circunstânciaonde o oxigênio?
III
Guerras Santas e Cruzadasresidem nas contrações
do coraçãoe nada mais pode ser dilaceradocom tamanha brutalidade
uma pequena fissão aqui,outra ali um pouco mais ao sule o oceano já não é assim tão
pacífico
travo uma surda batalhacontra indizíveis linguagense as palavras fogemconstantemente
28
um ano, um século, um milênio...que diferença fazfrente ao infinito?
lapsos de percepçãoalteram meu centroe já não seionde me apoiar
um fungo, uma flor, uma forma de vida...o que determina a funçãode cada uma das célulasno organismo?
gaivotas deslizam rente às águasem busca de alimentoenquanto eu ruminoo meu próprio câncernão extirpado
IV
corro sem chegar,paro e permaneço
sem saber
vivo no silêncioque em si é minha morte
venham, demônios, venham!venham cumprir o seu papelpreviamente determinado!
29
venham, demônios, venham!venham, que de alguma formaserei capaz de devorá-los!
não quero perdãonem piedadenão quero nenhuma
Terra Prometida
eu já li a Bíbliado início ao fime antes de respostasencontrei alientre Sodomas e Gomorras,entre Egitos e Jericós,entre chamas, pragas e muralhasmuito mais mistérios e contradiçõesque em mim já havia encontradoe só por issonão tentem me vender a salvaçãoem troca de ofertas generosas,não tentem me convencerque há uma doutrina exata
e infalíveleu não quero isso!não quero!
V
quero somentea minha serenidade,a simples e sedosaserenidade da alma
30
VI
às vezes o fôlego me faltae então me calopara contemplar o céu
sobre o atol de Mururoao sol ainda brilha,mas no fundo do mar...
é melhor me proteger.
31
COSMOGONIA
32
GESTAÇÃO
flutuações no dispersoEspaço
ou nem issonadanão havia
bilionésimosde coisa nenhumanum piscar de olhos
menos queflash
menos queback
menos quePlanck anterior ao Tempo
ou nadaisso nãonem havia
energiaque rompe o vazioe vibra no compassode cordas e membranasà flor da pele
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33
sopro suavelúmen
leve silênciodisforme
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ínfima estruturasem re
pousoalgum
inconstanteagitação
vitaçãograve
\q /
\u /
\e /
\b /
\r /
\a /
34
quedanas dimensões além
de qualquer
força aindaem formação
ou nãoisso nemnada havia
(+)alvez for(+)ede (+)ão nuclear que fossea união de par(+)ículas
par( )es sem eloencon(+)ram as suaspar(+)es:
quarks
(+) (+) (+)
e assim(+)ê-los por in(+)eiroem par(+)icular pedaço
e tudose expande
velozveloz
veloz
35
instantânea luzinflacionária
que é pura oscilaçãoaos con
finsdo infinito
rastro de ruídospor todos os ladosnuma radiação de fundosem fundo algum
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e um calor extremopra lá de febrilenvolve todas as fibras
e filamentosdes
dobramentosde curvaturase outras forças
[ ]atureza i[ ]terna
em fra[ ]ca
i[ ]teração
atração r e p u l s ã oatração r e p u l s ã oatração r e p u l s ã o
m mm
m
36
e flui enfimpelos dendritos,
nervose nervuras,
um magnetismomais que elétricoentre os corpos
ou nadaisso nãonem havia
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um dois três quatroquatro três dois um
caudaloso riode contrastes
águas clarasescuras matérias
{anti- }
embate entre opostosque se anulamnas entranhas
neutralizaçãoe neutrinos
37
nêutronsentre cargascontrárias
hidrogêniohélio
fluxo inflamávelno interior de nuvense aglomeradosque se condensam:
sanguee plasma
e tudo giraao redor
etudo
gira ao redore tudo
gira aoredor
etudo gira
embriaguezno abismoda memória
ínfimacentelha
e esferasse incendeiam
38
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no escuro ventreexplode uma
supernovae toda a síntesede elementosque então se inicia
ou nem issonadanão havia
42
COR
o sol esmoreceno coraçãoe todo o corpoà míngua
espessa matériasobre si mesmaem precipício
alucinaçõesdo infinitoe da memória:
es
gravitaçõesmelancólicasdo crepúsculo:
car
resquíciosde um céuem chamas:
la
hemorragiasilentedo entardecer:
te
43
semnenhumabênçãoacidadeseiluminacomartériasde
néon
44
ECOS
desliza na manhã um albatroz,aberta envergadura em ventaniasde onde avista cardume em águas friase ávido então mergulha bem veloz.
no escuro abismo após a queda atrozo que era voo agora é agoniae o que era canto, agora litaniasque ecoam através de estranha voz.
um corpo extenuado e terminalnas garras de Satã vira refémde agudo cativeiro sem moral.
não há prece no caos nem digo amém,neste covil as flores são do male as chamas desta cela, ardente spleen.
45
ÍCARO
não fossea insensatez
o sol
que entãofarol
jamais seriaalgoz
46
SINGULARIDADE
habito um território inusitadonem monstro colossal, nem bela musa,nem mesmo fada ou bruxa nesse Nada;cego vácuo onde o som já nasce surdo
partículas do Tempo bem ao ladoexplodem como esferas pelo escuro,oculta dimensão desfiguradaonde esconde-se a chave do Absurdo
no Espaço-Curvatura em que meditofaz-me aflito uma atroz Singularidadepois tudo aqui é efêmero e infinito
e tudo está beirando a insanidade– o mistério divino é tão bonitoe afinal, onde as auras da Trindade?
47
A DANTESCA VIA
no escuro da selvae sem direção: avante
norte norte nortequem é tua bússola?quem em tua vigília?
avante avante avanteacaso encontrarás a diretriz?
norte norte nortepercorrendo terrasque nunca dantes
avante avante avantemesmo que, para isso,nada encontres.
48
VESÚVIO
demônios confinados em crânios herméticosdestroçam os ferrolhos, grades e cancelasforçam passagens, vias secretas, vielase todos pelo enxofre impregnados, fétidos.
tremores mil num solo rochoso e assimétricoanunciam tormentas, provocam procelase os loucos ancestrais fogem pelas janelas;são lúcidos e cegos, são tristes, são céticos.
imponente Pompeia em sua formosura:claridade nos campos, fontes cristalinas,tão lúdica e tão bela achando-se segura
mas a força do túrgido sangue descerrarebeliões ferinas, fúrias intestinase o inferno explode em lavas do fundo da Terra.
49
O ELEMENTO SUBTERRÂNEO
atrito
atroz
atrito
atroz
atritoatroz
atranquilatarde
atrito
atroz
atranquilatardenão
50
através
através
nãohátrégua
sanguee lava
atraves
samocoraçãodastrevas
atrito
atroz
atrito
atroz
atritoatroz
51
átriocorpoeTerra
através
através
atraves
siaincerta
atranquilatarde
trombetas
atroar
atranquilatardenão
atacar
atacar
52
atroçoarmurosemuralhas
atacar
atacar
nãohátrégua
ograndeDeus
atroçar
equem se
atrevecontrariá-lo?
atacar
atacar
53
atrito
atroz
atrito
atroz
atritoatroz
atriçãonastrevas
nãohátrégua
através
através
atraves
siatectônica
54
HISTÓRIA SEM FIM
repensarescriturasde estruturamilenar
remontaro modelodo governosecular
céu mutávelchão instávelreciclar?
Deus tamanhoser humanoreligar?
55
O EVANGELHO DE JUDAS
após o beijo,Ele olhou
fundoem meus olhos,sorriu em pupilase ofereceu-mea outra face.
56
CLEPSIDRA
rebento?jovem?ancião?
os estilhaços da Esfingesão agora fragmentosde um mosaico indecifrável
imagens da vertigem dos temposáguas em rede
moinhos
nossos dias sãono exato instante e desde sempre
antigos?medievais?modernos?
princípios de incertezasestopins e paradoxosnuma colisão de partículasrevelando outras tantas indeterminadas
bósons?mésons?fótons?
nossas horas contemporâneasjá não sabem exatamenteo sentido de seu fluxo
pré-histórico?pós-moderno?sem saída?
57
quiçá voltar ao Verbopara alcançar a redenção da carne
o enigma ainda pulsa dentro do peitoPai?Filho?Espírito Santo?
58
MAR MORTO
fantasmas que deslizampelas cavernas da almadevoram em silêncioos manuscritos da guerra
os filhos das trevasos filhos da luznum conflito final
e sem fim
a sucessão dos impériose o eterno desacordo entre eles
a violênciaolho por olhoe o rangerde dentes
o ferro e o barronos pés da estátua
tudo conformeo esperado
pagãos e fariseus:ruminem a linguagemdos profetas
soam as trombetasdos anjos guardiõesde Qumram
59
vulcões, tempestades, terremotos(a fúria da naturezaé só um detalhe a maisna estratégia)
desígnios e determinismosselam a vitória dos Eleitos
e em seu jazigonão há juízonem juiz.
60
ANGULAR
da humana bomba feita em estilhaçosnão sobraram sequer os parcos dentesnem as pernas ou braços renitentespermaneceram firmes em seus traços
ao redor tudo está em mil pedaçossagrado altar, colunas e inocentespois que estavam em preces reverentese agora choram sangue nos regaços
em linhas tortas, rígidas escritasjá que a sentença é certa e o homem sofrenos escombros da Terra ensandecida
seja em simples capela ou templo nobreigrejas, sinagogas e mesquitasno fim não restará nem pedra sobre.
61
LÃ
desfioofiodafinamalhanofiodanavalha
desafio
62
NAG HAMMADI
sem beiranaeira do nada
um passoalém
quedaem
palavras
espelho de milfrases | faces
em estilhaços
variações da imagemfrente ao intervalo apócrifoonde as tramas do tecidoressecam sobre a relva
sol e rama | amarelos
elossemtermo
Toméad infinitum
re | v | erpara crer
63
ANÔNIMO
despertadordispara
banho, terno e gravata
um nóna gargantae a corda
nopescoço
agenda na mãoe em dois golesengole o café
engoleo atrasoengoleas ruasengoleas escadariasdo metrôgoelaabaixo
< Paraíso >
empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra
64
acomodação quase nulaem compartimentos restritose o trem avança
e deslizaem seu profano dis
cursoem nomede algumgoverno
devorao vaziodevorao túneldevorao açodos trilhosgoelaadentro
breu em demasianos intestinos da cidade
velozes vagõesrompendo barreirasrompendo dimensõesrompendo a estrutura
temporaldo espaço
< Ikebukuro >
empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra
65
hoje e sempresempre a mesmasegunda-feirasempre cheiavolta e meiaum dia insano
além doSol Nascente
disparadordesperta
a Verdade Supremadá o arde sua graça
e um cego espíritoem trajes de monge
iluminadosopra o seu antifôlegoem química letal
fósforo e flúorflutuam livrementeem favos e afagos
de sarin
organismosdesintegram-se em
espasmos,vômitose sangramentos
66
a turva visãomal consegue divisaro colapso centralde um sistema nervoso
agonizante
corpos retorcidosdebatem-seem derradeira
asfixia
empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra
em algum lugar remoto que nem deve estar no mapa,dona Celeste separa os ingredientes de uma receitaque aprendeu com a mãe
de sua mãede sua mãe
de sua mãe
a mesa e as cadeiras em volta do forno à lenhaestão impregnadas de estórias assombrosasque são relatadas por séculos a fiono interior das casinhas do pequeno vilarejo
mas tudo são farelos de vidasem importância algumapara o fluxo da metrópoleque segue viagemem sua urgência estonteante
67
rasgao diarasgaa noiterasgaas fibrasda memóriaem frágilconserva
despertadordispara
e outra manhãcomum
como um dia outroqualquer
no frio da estação
< Paveletskaya >
empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra
explosão e incêndiolançam fumaçaem cabeçasdestroçadas
ao somda balalaica
68
o inverno russoque sempre foi um aliado
em outros temposde combate
já não tema mesma serventiacontra as atuaisdesavenças
certa feita,quando eu ainda era bem menina – iniciou dona Celesteenquanto preparava a massa de seu pão – ouvi dizerque uma bela moça de olhos lascivossurgia sempre aqui pelas redondezas,
bem no meioda noite mais quente do ano,só para enfeitiçar os homens que frequentavam
as tavernas.dizia a moça, em voz de veludo,que se entregaria nessa única noiteao mais forte e valente dos homens.
eles todos então,alterados pela bebedeirae o inebriante feitiço,
esqueciam-se de tudo e partiam para o confrontoacirrado
até que apenas um deles permanecesse de pé.
as más línguas diziamque a tal moça era o próprio
sem-nomeem pessoa
semeando a discórdiaentre os homens.
69
ora, ora, ora...não se avexe não, meu senhor,não fique com essa cara,isso tudo é lendaque essa gente daqui fica inventandoporque não tem mais o que fazer.
venha cá, meu rapaz,prove um bocadinho desse pãoque eu acabei de fazeragorinha mesmo.
dito isso,dona Celeste começou a serviros seus convidados que estavamdiante do forno à lenha
e entãonesse mesmo embaloem que uma estória puxa outra
que puxaoutra
quepuxa
outranum engate infindo
de vagõesàs portas
de uma obscuraviagem,
a madrugadadeixou-se envolver
em neblinae incertezas
70
< King´s Cross >
empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra
disparadordesperta
manhã de solem dia de cãoe um mujahidin
prepara-separa o que foi planejadoenquanto entoa uma canção:
“Pleased to meet youHope you guess my name”
meia dúzia de ataquescoordenados
com pontualidade britânicadeixam a cidade atônita
as peçasjá não têm nenhuma ordemsobre o tabuleiroe o avesso explosivo
dos fatospõe a realeza em xeque
71
fereo peitofereo baçofereo fundodo ventreem chamase terror
entre mortose feridosa história avança
e deslizaem seu sagrado dis
cursoem nomede algumdeus
< Sé >
desembarquepelo lado
esquerdodo trem
72
IVAN KARAMAZOV
salve, salve, Ivannão enlouqueça
em juízo até mesmo o Demônioserá absolvido
Ele:funcionário exemplardos desígnios de Deus
Ele:cumprindo a sua sinacom precisão matemática
Ele:lucidamente insanobrinca à beira do abismo
Ele:conduzindo com jeitoo coração do Grande Inquisidor
Ele:exatamente assimcomo fora determinado
73
A ARQUEOLOGIA DO HOMEM
almoça e jantaas entranhas da terraenquanto escava as ruínasda própria existência
sítio sem fundo
aquiuma Pedra de Roseta no rime um crânio mumificado
acoláuma epiderme de manuscritos leprosose um branco sudário envolvendo um coração pagão
quem sabe ainda um farol(de Alexandria?)no fim do túnel.
74
A SAFIRA E O CAOS
reluz a safira na órbita da noite insana. esfera do Tempo que flutua imperfeita e se perde em voltas no vazio. intangível azul. uma lente suspensa entre cordas apenas observa as dimensões de um Universo elegante. milhões de anos-luz devoram milionésimos de gravidade alguma e continuam em sua infinita expansão. nada é tão mensurável quanto parece. partículas quase imateriais continuam a se chocar em colisões inebriantes. curvas sem direção, zênite sem norte. e então? então um sistema semelhante ao nosso entra em colapso. então um planeta qualquer aguarda a sua descoberta. então uma estrela nasce em Andrômeda e outra morre em Magalhães. vida: exígua luz e mais nada. despertar para um dia que se repete eternamente e ainda assim teimar em torná-lo novo. o café expresso e apressado deixa um amargo no céu da boca sem nenhuma constelação. cidade
cidadecidade. sair às ruas, profaná-las, embrenhar-se num
emaranhado de armadilhas e labirintos e, no entanto, não esquecer jamais o caminho de volta pra casa. nenhum atalho evita a encruzilhada da via-crúcis. no limite extremo do Universo repousa um menino envolto no eterno mistério, leve e tranquilo é seu sono e agora guardo silêncio para não acordá-lo. no interior de todas as casas, silêncio. nos escritórios e departamentos, silêncio. nas lojas e supermercados, silêncio. guardo silêncio pois o tal Paraíso Primordial já foi devidamente pulverizado e isolado está no deserto qualquer de um sonho. alucinação: insólita arquitetura, frágil pintura da memória. e então? então o vasto absurdo onde corpos cadentes desabam a todo instante não passa de um estranho calvário. então uma indecifrável criatura passeia à beira do abismo recolhendo infernos pra depoisdançar à sombra do símbolo sagrado – está consumado?! – então
75
no centro desse corpo estilhaçado em apocalipses tanto faz o dia, o mês e o ano; inútil calendário gregoriano, inútil todo e qualquer calendário. no delicado tecido do Universo o menino ainda repousa. e aqui,
bem aqui onde os fios do novelo se desenrolame se embaraçam, uma nuvem desliza, serena e indiferente, sobre o caos urbano.
76
DISPERSÃO
disparo o tiro certono peito aberto
disfarço a dorque não desfaço
desenhoo pássaro que passa
e desdenho
distraídocato a flor cativaque desabrochano mato que
desacato
e assim
desabasobre a abado meu chapéua estrelado mais profundo
céu
e se o Soldespertarno azul infinito,o que façocom este coração
aflito?
77
PESADELO
lanço-me à tramade um cego espelhoe escavo a lamado mar vermelho
na minha camae sem conselhoo céu se inflamae me ajoelho
devoro o medoaqui no fundoem sol ardente
acordo cedoesqueço tudoe sigo em frente
RESÍDUOS
81
A DECOMPOSIÇÃO DO PENSAMENTO
sobre as desrazões da vidae a morte inevitável,medito no vácuo
e evacuo.
82
O CORPO EM DECOMPOSIÇÃO
entre as desventuras do diae a noite insondável,transito no vácuo
e evacuo.
83
NIHIL
residono vácuoe evacuo:
resíduo.
85
ACAMPAMENTO
guardo a noite em claro no bolsoe de algum tempo distanteouço ruídos:
silvos? cigarras? sirenas?
(silêncio)
fico de guardae aguardo alguma auroranuma semente de girassol.
89
EXPIAÇÃO II
covilde estranhoe humanoardil,
canilinsano,tamanhoe vil.
no cernemeus vermesdeponho.
do infernoeterno,retorno.
Victor Del Franco nasceu na cidade de São Paulo em 1969.
• Editor da CELUZLOSE - Revista Literária Digital( );
• Durante o ano de 1994 participou das atividadesdo Grupo Cálamo realizadas na Casa Mário de Andrade;
• Entre 1995 e 2005, produziu pequenos volumes de poesiachamados FÓTON (edição do autor);
• Participou da organização da FLAP! de 2006 a 2008;• Em 2007, fez parte da organização do Tordesilhas
Festival Ibero-americano de Poesia Contemporânea;• Colaborou com O Casulo - Jornal de Literatura
Contemporânea de 2006 a 2008.
• Livros publicados A urdidura da tramA (Giordano, 1998) O elemento subterrâneO (Demônio Negro, 2007) EsfingE (Edição do Autor, 2010).
• Participou das coletâneas de poemasOitavas (Demônio Negro, 2006)Antologia Vacamarela (Edição dos Autores, 2007).
http://celuzlose.blogspot.com
IN HOC SIGNO VINCES
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