o elemento subterrâneo

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Literatura Brasileira / Poesia

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elemento subterrâneO O

Victor Del Franco

Copyright 2010 - Victor Del Franco

Este livro, integral ou em partes,pode ser usado para fins não comerciais

desde que sejam citados o nome do autor,o nome do livro e o link correspondente.

p

victordelfranco@gmail.com

Capa, projeto gráfico e revisão:Victor Del Franco

a1 edição: Demônio Negro, 2007a2 edição: Edição do Autor, 2010

2010Publicado na Internet

Franco, Victor Del, 1969 -

O elemento subterrâneO / Victor Del Franco. -a2 edição - São Paulo: Edição do autor, 2010.

1. Poesia brasileira I. Título.

elemento subterrâneO O

Victor Del Franco

SUMÁRIO

Expiação............................................................................11

CERNEGênesis ..............................................................................15Carne viva..........................................................................16Escavação ..........................................................................17Adão e Eva........................................................................20Asfalto................................................................................21Cavalo de Troia.................................................................24Reações nucleares.............................................................25Cosmogonia......................................................................31Gestação ............................................................................32Cor......................................................................................42Ecos ...................................................................................44Ícaro ...................................................................................45Singularidade.....................................................................46A dantesca via...................................................................47Vesúvio ..............................................................................48O elemento subterrâneo .................................................49História sem fim...............................................................54O Evangelho de Judas.....................................................55Clepsidra............................................................................56Mar Morto.........................................................................58Angular ..............................................................................60Lã........................................................................................61Nag Hammadi ..................................................................62Anônimo ...........................................................................63Ivan Karamazov...............................................................72

a

A arqueologia do Homem ..............................................73A safira e o caos ...............................................................74Dispersão...........................................................................76Pesadelo.............................................................................77

RESÍDUOSA decomposição do pensamento ..................................81O corpo em decomposição ............................................82Nihil ...................................................................................83

Acampamento ..................................................................85

Expiação II........................................................................89w

elemento subterrâneO O

A terra está de todo quebrantada,ela totalmente se rompe,a terra violentamente se move.

Isaías 24:19

11

EXPIAÇÃO

covilde estranhoe humanoardil,

canilinsano,tamanhoe vil.

no cernemeus vermesdeponho.

inferno:eternoretorno.

CERNE

15

GÊNESIS

e disse Deus:haja Lúcifer.

16

CARNE VIVA

ponho o dedona ferida

não paraestancaro sangue

mas escavá-laaté o osso.

17

ESCAVAÇÃO

em meioa lugar nenhum,

ossos e resquícios

de uma históriamalcontada

a cidadeque emerge em

ruínasrevela seuspequenos pecados

o fogo cerimonial é acesopara conter a ira dos deusese o jovem guerreirooferece o coração

em sacrifício

sobressaltode uma noiteem descompasso

falta de artranspiração

e o solainda nem despontou

na moldurado quarto

18

Dédaloergue paredes tortuosasem sua própria cabeça

travessia incerta

alucinação

a luza luz

a luz

travesseiro de pedra

ônibusem circulação

vomitamcarbono

sem promessaso dia amanhecee ponto.

lavar o rosto,espantar o sonoe encarar o fantasma

no espelho

trinta e poucos anos

– sim,estes ossos devem pertencera um homem de unstrinta e poucos anos

19

máscara sagradade algum ritual,invocação dos espíritos:

deuses da chuvadeuses da terradeuses de todasas forças da Natureza,

abençoai nossas plantações

potes de cereais

– sim,estes cacos de cerâmicanos dão mostrasde uma civilizaçãobem desenvolvida

fazer as contasna ponta do lápise separar o dinheirodo supermercado

um quilo de batatasmeia dúzia de tomatesum pacote de arroz

de um solstícioa outro

a Terra deixa sinaisde suas translações.

20

ADÃO E EVA

entre o suavee o urbanoentre o sacroe o profanoentre o sábioe o insano

na fronteiraentre mitose civilizaçõesa serpente atrevidaentão con

vida:

– em meu ventre,entre!

21

ASFALTO

rígida pelena superfície escuradas cidades,rigoroso destinoentre os escombros

urbanos

ensurdecedora fúriade britadeirasrevolvendo vias,removendo tudo aquiloque já não serve mais

homens trabalhando

abrem o caosfecham o caose o intransitávelsegue o seu infortúniosobre as feridas

malci

catri

zadas

primeirasegundaterceiraquartaquinta

22

absurdas engrenagensdevoram calçadasatropelam faróisregurgitam informaçõesnum ritmo insanode condicionamentos

mecanizados

autômatos em marcha

quintaquartaterceirasegundaprimeira

todos elespontualmenteatrasados:

mil contratospara assinar,mil assuntospara resolver,mil e-mailspara ler

compromissospara não cumprir

segundaterçaquartaquintasexta

23

um diatudo voltaráa resíduo fóssil,betume que jorroude profundas eras,vísceras e nervosalteradosna química

lentae dormentedas entranhas

homens em marchaautômatos trabalhando

todos encerradosnuma cadeiade carbonos

que movee embriagao mundo

todos emsilêncio mudo

sábadodomingoferiado

no asfalto abrasivo das ruassomente os restos mortaisno chão de outros mais

marcha réponto morto

24

CAVALO DE TROIA

o alicercede concretopela dorcorro

ído

o corpode metalpelo asfaltorevest

ido

os olhosde vidroocultamo vazioindev

ido

a cidadede agora e sempreem tempos

idos

na praça centralum monumentoabriga em segredoum surdo ataqueprestes a eclodirao anoitecer das luzes

e da lucidez

25

REAÇÕES NUCLEARES

I

atol de Mururoasol, mar e...

esqueçaesqueça

não era bem assimque eu gostaria de começar

venha,vamos aproveitar o solenquanto podemos,vamos observar o mar

veja, meu amigo,veja como ele está agitado hoje,veja a sua fluida ferocidade

veja...

parece não conter-se em si mesmo

sinta, meu caro,sinta em seus próprios pésa fúria com a qualele nos quer sugar

26

II

eletromagnéticanuclear fracanuclear fortee a gravidade da almaque nos derruba

que substânciaou força impensávelseria capaz de aglutinarum amontoado de partículase dar-lhes vida?

que ferida poderia ser curadasem essa mesma forçaou substância?

a que distância estamosdo intangível?

chega!

o limite da insanidadeé sinuoso e quase imperceptível,

energias difusasdistorçõesruídos

talvez seja apenas o meu juízoou a falta de...

27

breves tormentos do espíritominam a mente,sementes na aridez da solidão,na escuridão das cavernas

porõescalabouços

esboços da Verdade jamais alcançada

chega!

em meu líquido abandonoalgo perturbador me puxa

para baixo

em tal circunstânciaonde o oxigênio?

III

Guerras Santas e Cruzadasresidem nas contrações

do coraçãoe nada mais pode ser dilaceradocom tamanha brutalidade

uma pequena fissão aqui,outra ali um pouco mais ao sule o oceano já não é assim tão

pacífico

travo uma surda batalhacontra indizíveis linguagense as palavras fogemconstantemente

28

um ano, um século, um milênio...que diferença fazfrente ao infinito?

lapsos de percepçãoalteram meu centroe já não seionde me apoiar

um fungo, uma flor, uma forma de vida...o que determina a funçãode cada uma das célulasno organismo?

gaivotas deslizam rente às águasem busca de alimentoenquanto eu ruminoo meu próprio câncernão extirpado

IV

corro sem chegar,paro e permaneço

sem saber

vivo no silêncioque em si é minha morte

venham, demônios, venham!venham cumprir o seu papelpreviamente determinado!

29

venham, demônios, venham!venham, que de alguma formaserei capaz de devorá-los!

não quero perdãonem piedadenão quero nenhuma

Terra Prometida

eu já li a Bíbliado início ao fime antes de respostasencontrei alientre Sodomas e Gomorras,entre Egitos e Jericós,entre chamas, pragas e muralhasmuito mais mistérios e contradiçõesque em mim já havia encontradoe só por issonão tentem me vender a salvaçãoem troca de ofertas generosas,não tentem me convencerque há uma doutrina exata

e infalíveleu não quero isso!não quero!

V

quero somentea minha serenidade,a simples e sedosaserenidade da alma

30

VI

às vezes o fôlego me faltae então me calopara contemplar o céu

sobre o atol de Mururoao sol ainda brilha,mas no fundo do mar...

é melhor me proteger.

31

COSMOGONIA

32

GESTAÇÃO

flutuações no dispersoEspaço

ou nem issonadanão havia

bilionésimosde coisa nenhumanum piscar de olhos

menos queflash

menos queback

menos quePlanck anterior ao Tempo

ou nadaisso nãonem havia

energiaque rompe o vazioe vibra no compassode cordas e membranasà flor da pele

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

33

sopro suavelúmen

leve silênciodisforme

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

ínfima estruturasem re

pousoalgum

inconstanteagitação

vitaçãograve

\q /

\u /

\e /

\b /

\r /

\a /

34

quedanas dimensões além

de qualquer

força aindaem formação

ou nãoisso nemnada havia

(+)alvez for(+)ede (+)ão nuclear que fossea união de par(+)ículas

par( )es sem eloencon(+)ram as suaspar(+)es:

quarks

(+) (+) (+)

e assim(+)ê-los por in(+)eiroem par(+)icular pedaço

e tudose expande

velozveloz

veloz

35

instantânea luzinflacionária

que é pura oscilaçãoaos con

finsdo infinito

rastro de ruídospor todos os ladosnuma radiação de fundosem fundo algum

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

e um calor extremopra lá de febrilenvolve todas as fibras

e filamentosdes

dobramentosde curvaturase outras forças

[ ]atureza i[ ]terna

em fra[ ]ca

i[ ]teração

atração r e p u l s ã oatração r e p u l s ã oatração r e p u l s ã o

m mm

m

36

e flui enfimpelos dendritos,

nervose nervuras,

um magnetismomais que elétricoentre os corpos

ou nadaisso nãonem havia

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~

um dois três quatroquatro três dois um

caudaloso riode contrastes

águas clarasescuras matérias

{anti- }

embate entre opostosque se anulamnas entranhas

neutralizaçãoe neutrinos

37

nêutronsentre cargascontrárias

hidrogêniohélio

fluxo inflamávelno interior de nuvense aglomeradosque se condensam:

sanguee plasma

e tudo giraao redor

etudo

gira ao redore tudo

gira aoredor

etudo gira

embriaguezno abismoda memória

ínfimacentelha

e esferasse incendeiam

38

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b

i

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s

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40

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41

no escuro ventreexplode uma

supernovae toda a síntesede elementosque então se inicia

ou nem issonadanão havia

42

COR

o sol esmoreceno coraçãoe todo o corpoà míngua

espessa matériasobre si mesmaem precipício

alucinaçõesdo infinitoe da memória:

es

gravitaçõesmelancólicasdo crepúsculo:

car

resquíciosde um céuem chamas:

la

hemorragiasilentedo entardecer:

te

43

semnenhumabênçãoacidadeseiluminacomartériasde

néon

44

ECOS

desliza na manhã um albatroz,aberta envergadura em ventaniasde onde avista cardume em águas friase ávido então mergulha bem veloz.

no escuro abismo após a queda atrozo que era voo agora é agoniae o que era canto, agora litaniasque ecoam através de estranha voz.

um corpo extenuado e terminalnas garras de Satã vira refémde agudo cativeiro sem moral.

não há prece no caos nem digo amém,neste covil as flores são do male as chamas desta cela, ardente spleen.

45

ÍCARO

não fossea insensatez

o sol

que entãofarol

jamais seriaalgoz

46

SINGULARIDADE

habito um território inusitadonem monstro colossal, nem bela musa,nem mesmo fada ou bruxa nesse Nada;cego vácuo onde o som já nasce surdo

partículas do Tempo bem ao ladoexplodem como esferas pelo escuro,oculta dimensão desfiguradaonde esconde-se a chave do Absurdo

no Espaço-Curvatura em que meditofaz-me aflito uma atroz Singularidadepois tudo aqui é efêmero e infinito

e tudo está beirando a insanidade– o mistério divino é tão bonitoe afinal, onde as auras da Trindade?

47

A DANTESCA VIA

no escuro da selvae sem direção: avante

norte norte nortequem é tua bússola?quem em tua vigília?

avante avante avanteacaso encontrarás a diretriz?

norte norte nortepercorrendo terrasque nunca dantes

avante avante avantemesmo que, para isso,nada encontres.

48

VESÚVIO

demônios confinados em crânios herméticosdestroçam os ferrolhos, grades e cancelasforçam passagens, vias secretas, vielase todos pelo enxofre impregnados, fétidos.

tremores mil num solo rochoso e assimétricoanunciam tormentas, provocam procelase os loucos ancestrais fogem pelas janelas;são lúcidos e cegos, são tristes, são céticos.

imponente Pompeia em sua formosura:claridade nos campos, fontes cristalinas,tão lúdica e tão bela achando-se segura

mas a força do túrgido sangue descerrarebeliões ferinas, fúrias intestinase o inferno explode em lavas do fundo da Terra.

49

O ELEMENTO SUBTERRÂNEO

atrito

atroz

atrito

atroz

atritoatroz

atranquilatarde

atrito

atroz

atranquilatardenão

50

através

através

nãohátrégua

sanguee lava

atraves

samocoraçãodastrevas

atrito

atroz

atrito

atroz

atritoatroz

51

átriocorpoeTerra

através

através

atraves

siaincerta

atranquilatarde

trombetas

atroar

atranquilatardenão

atacar

atacar

52

atroçoarmurosemuralhas

atacar

atacar

nãohátrégua

ograndeDeus

atroçar

equem se

atrevecontrariá-lo?

atacar

atacar

53

atrito

atroz

atrito

atroz

atritoatroz

atriçãonastrevas

nãohátrégua

através

através

atraves

siatectônica

54

HISTÓRIA SEM FIM

repensarescriturasde estruturamilenar

remontaro modelodo governosecular

céu mutávelchão instávelreciclar?

Deus tamanhoser humanoreligar?

55

O EVANGELHO DE JUDAS

após o beijo,Ele olhou

fundoem meus olhos,sorriu em pupilase ofereceu-mea outra face.

56

CLEPSIDRA

rebento?jovem?ancião?

os estilhaços da Esfingesão agora fragmentosde um mosaico indecifrável

imagens da vertigem dos temposáguas em rede

moinhos

nossos dias sãono exato instante e desde sempre

antigos?medievais?modernos?

princípios de incertezasestopins e paradoxosnuma colisão de partículasrevelando outras tantas indeterminadas

bósons?mésons?fótons?

nossas horas contemporâneasjá não sabem exatamenteo sentido de seu fluxo

pré-histórico?pós-moderno?sem saída?

57

quiçá voltar ao Verbopara alcançar a redenção da carne

o enigma ainda pulsa dentro do peitoPai?Filho?Espírito Santo?

58

MAR MORTO

fantasmas que deslizampelas cavernas da almadevoram em silêncioos manuscritos da guerra

os filhos das trevasos filhos da luznum conflito final

e sem fim

a sucessão dos impériose o eterno desacordo entre eles

a violênciaolho por olhoe o rangerde dentes

o ferro e o barronos pés da estátua

tudo conformeo esperado

pagãos e fariseus:ruminem a linguagemdos profetas

soam as trombetasdos anjos guardiõesde Qumram

59

vulcões, tempestades, terremotos(a fúria da naturezaé só um detalhe a maisna estratégia)

desígnios e determinismosselam a vitória dos Eleitos

e em seu jazigonão há juízonem juiz.

60

ANGULAR

da humana bomba feita em estilhaçosnão sobraram sequer os parcos dentesnem as pernas ou braços renitentespermaneceram firmes em seus traços

ao redor tudo está em mil pedaçossagrado altar, colunas e inocentespois que estavam em preces reverentese agora choram sangue nos regaços

em linhas tortas, rígidas escritasjá que a sentença é certa e o homem sofrenos escombros da Terra ensandecida

seja em simples capela ou templo nobreigrejas, sinagogas e mesquitasno fim não restará nem pedra sobre.

61

desfioofiodafinamalhanofiodanavalha

desafio

62

NAG HAMMADI

sem beiranaeira do nada

um passoalém

quedaem

palavras

espelho de milfrases | faces

em estilhaços

variações da imagemfrente ao intervalo apócrifoonde as tramas do tecidoressecam sobre a relva

sol e rama | amarelos

elossemtermo

Toméad infinitum

re | v | erpara crer

63

ANÔNIMO

despertadordispara

banho, terno e gravata

um nóna gargantae a corda

nopescoço

agenda na mãoe em dois golesengole o café

engoleo atrasoengoleas ruasengoleas escadariasdo metrôgoelaabaixo

< Paraíso >

empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra

64

acomodação quase nulaem compartimentos restritose o trem avança

e deslizaem seu profano dis

cursoem nomede algumgoverno

devorao vaziodevorao túneldevorao açodos trilhosgoelaadentro

breu em demasianos intestinos da cidade

velozes vagõesrompendo barreirasrompendo dimensõesrompendo a estrutura

temporaldo espaço

< Ikebukuro >

empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra

65

hoje e sempresempre a mesmasegunda-feirasempre cheiavolta e meiaum dia insano

além doSol Nascente

disparadordesperta

a Verdade Supremadá o arde sua graça

e um cego espíritoem trajes de monge

iluminadosopra o seu antifôlegoem química letal

fósforo e flúorflutuam livrementeem favos e afagos

de sarin

organismosdesintegram-se em

espasmos,vômitose sangramentos

66

a turva visãomal consegue divisaro colapso centralde um sistema nervoso

agonizante

corpos retorcidosdebatem-seem derradeira

asfixia

empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra

em algum lugar remoto que nem deve estar no mapa,dona Celeste separa os ingredientes de uma receitaque aprendeu com a mãe

de sua mãede sua mãe

de sua mãe

a mesa e as cadeiras em volta do forno à lenhaestão impregnadas de estórias assombrosasque são relatadas por séculos a fiono interior das casinhas do pequeno vilarejo

mas tudo são farelos de vidasem importância algumapara o fluxo da metrópoleque segue viagemem sua urgência estonteante

67

rasgao diarasgaa noiterasgaas fibrasda memóriaem frágilconserva

despertadordispara

e outra manhãcomum

como um dia outroqualquer

no frio da estação

< Paveletskaya >

empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra

explosão e incêndiolançam fumaçaem cabeçasdestroçadas

ao somda balalaica

68

o inverno russoque sempre foi um aliado

em outros temposde combate

já não tema mesma serventiacontra as atuaisdesavenças

certa feita,quando eu ainda era bem menina – iniciou dona Celesteenquanto preparava a massa de seu pão – ouvi dizerque uma bela moça de olhos lascivossurgia sempre aqui pelas redondezas,

bem no meioda noite mais quente do ano,só para enfeitiçar os homens que frequentavam

as tavernas.dizia a moça, em voz de veludo,que se entregaria nessa única noiteao mais forte e valente dos homens.

eles todos então,alterados pela bebedeirae o inebriante feitiço,

esqueciam-se de tudo e partiam para o confrontoacirrado

até que apenas um deles permanecesse de pé.

as más línguas diziamque a tal moça era o próprio

sem-nomeem pessoa

semeando a discórdiaentre os homens.

69

ora, ora, ora...não se avexe não, meu senhor,não fique com essa cara,isso tudo é lendaque essa gente daqui fica inventandoporque não tem mais o que fazer.

venha cá, meu rapaz,prove um bocadinho desse pãoque eu acabei de fazeragorinha mesmo.

dito isso,dona Celeste começou a serviros seus convidados que estavamdiante do forno à lenha

e entãonesse mesmo embaloem que uma estória puxa outra

que puxaoutra

quepuxa

outranum engate infindo

de vagõesàs portas

de uma obscuraviagem,

a madrugadadeixou-se envolver

em neblinae incertezas

70

< King´s Cross >

empurra-empurraempurra-empurraempurra-empurra

disparadordesperta

manhã de solem dia de cãoe um mujahidin

prepara-separa o que foi planejadoenquanto entoa uma canção:

“Pleased to meet youHope you guess my name”

meia dúzia de ataquescoordenados

com pontualidade britânicadeixam a cidade atônita

as peçasjá não têm nenhuma ordemsobre o tabuleiroe o avesso explosivo

dos fatospõe a realeza em xeque

71

fereo peitofereo baçofereo fundodo ventreem chamase terror

entre mortose feridosa história avança

e deslizaem seu sagrado dis

cursoem nomede algumdeus

< Sé >

desembarquepelo lado

esquerdodo trem

72

IVAN KARAMAZOV

salve, salve, Ivannão enlouqueça

em juízo até mesmo o Demônioserá absolvido

Ele:funcionário exemplardos desígnios de Deus

Ele:cumprindo a sua sinacom precisão matemática

Ele:lucidamente insanobrinca à beira do abismo

Ele:conduzindo com jeitoo coração do Grande Inquisidor

Ele:exatamente assimcomo fora determinado

73

A ARQUEOLOGIA DO HOMEM

almoça e jantaas entranhas da terraenquanto escava as ruínasda própria existência

sítio sem fundo

aquiuma Pedra de Roseta no rime um crânio mumificado

acoláuma epiderme de manuscritos leprosose um branco sudário envolvendo um coração pagão

quem sabe ainda um farol(de Alexandria?)no fim do túnel.

74

A SAFIRA E O CAOS

reluz a safira na órbita da noite insana. esfera do Tempo que flutua imperfeita e se perde em voltas no vazio. intangível azul. uma lente suspensa entre cordas apenas observa as dimensões de um Universo elegante. milhões de anos-luz devoram milionésimos de gravidade alguma e continuam em sua infinita expansão. nada é tão mensurável quanto parece. partículas quase imateriais continuam a se chocar em colisões inebriantes. curvas sem direção, zênite sem norte. e então? então um sistema semelhante ao nosso entra em colapso. então um planeta qualquer aguarda a sua descoberta. então uma estrela nasce em Andrômeda e outra morre em Magalhães. vida: exígua luz e mais nada. despertar para um dia que se repete eternamente e ainda assim teimar em torná-lo novo. o café expresso e apressado deixa um amargo no céu da boca sem nenhuma constelação. cidade

cidadecidade. sair às ruas, profaná-las, embrenhar-se num

emaranhado de armadilhas e labirintos e, no entanto, não esquecer jamais o caminho de volta pra casa. nenhum atalho evita a encruzilhada da via-crúcis. no limite extremo do Universo repousa um menino envolto no eterno mistério, leve e tranquilo é seu sono e agora guardo silêncio para não acordá-lo. no interior de todas as casas, silêncio. nos escritórios e departamentos, silêncio. nas lojas e supermercados, silêncio. guardo silêncio pois o tal Paraíso Primordial já foi devidamente pulverizado e isolado está no deserto qualquer de um sonho. alucinação: insólita arquitetura, frágil pintura da memória. e então? então o vasto absurdo onde corpos cadentes desabam a todo instante não passa de um estranho calvário. então uma indecifrável criatura passeia à beira do abismo recolhendo infernos pra depoisdançar à sombra do símbolo sagrado – está consumado?! – então

75

no centro desse corpo estilhaçado em apocalipses tanto faz o dia, o mês e o ano; inútil calendário gregoriano, inútil todo e qualquer calendário. no delicado tecido do Universo o menino ainda repousa. e aqui,

bem aqui onde os fios do novelo se desenrolame se embaraçam, uma nuvem desliza, serena e indiferente, sobre o caos urbano.

76

DISPERSÃO

disparo o tiro certono peito aberto

disfarço a dorque não desfaço

desenhoo pássaro que passa

e desdenho

distraídocato a flor cativaque desabrochano mato que

desacato

e assim

desabasobre a abado meu chapéua estrelado mais profundo

céu

e se o Soldespertarno azul infinito,o que façocom este coração

aflito?

77

PESADELO

lanço-me à tramade um cego espelhoe escavo a lamado mar vermelho

na minha camae sem conselhoo céu se inflamae me ajoelho

devoro o medoaqui no fundoem sol ardente

acordo cedoesqueço tudoe sigo em frente

RESÍDUOS

81

A DECOMPOSIÇÃO DO PENSAMENTO

sobre as desrazões da vidae a morte inevitável,medito no vácuo

e evacuo.

82

O CORPO EM DECOMPOSIÇÃO

entre as desventuras do diae a noite insondável,transito no vácuo

e evacuo.

83

NIHIL

residono vácuoe evacuo:

resíduo.

85

ACAMPAMENTO

guardo a noite em claro no bolsoe de algum tempo distanteouço ruídos:

silvos? cigarras? sirenas?

(silêncio)

fico de guardae aguardo alguma auroranuma semente de girassol.

89

EXPIAÇÃO II

covilde estranhoe humanoardil,

canilinsano,tamanhoe vil.

no cernemeus vermesdeponho.

do infernoeterno,retorno.

Victor Del Franco nasceu na cidade de São Paulo em 1969.

• Editor da CELUZLOSE - Revista Literária Digital( );

• Durante o ano de 1994 participou das atividadesdo Grupo Cálamo realizadas na Casa Mário de Andrade;

• Entre 1995 e 2005, produziu pequenos volumes de poesiachamados FÓTON (edição do autor);

• Participou da organização da FLAP! de 2006 a 2008;• Em 2007, fez parte da organização do Tordesilhas

Festival Ibero-americano de Poesia Contemporânea;• Colaborou com O Casulo - Jornal de Literatura

Contemporânea de 2006 a 2008.

• Livros publicados A urdidura da tramA (Giordano, 1998) O elemento subterrâneO (Demônio Negro, 2007) EsfingE (Edição do Autor, 2010).

• Participou das coletâneas de poemasOitavas (Demônio Negro, 2006)Antologia Vacamarela (Edição dos Autores, 2007).

http://celuzlose.blogspot.com

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