o direito de nÃo produzir prova contra si mesmo
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O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO
(O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE E SUAS DECORRÊNCIAS NO
PROCESSO PENAL)1
Paula Fracinetti Souto Maior2
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 NOTAS HISTÓRICAS SOBRE O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE; 3 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DEGERE, O CONCEITO DE VERDADE NO PROCESSO PENAL E OS PODERES INSTRUTÓRIOS DE JUIZ PENAL; 4 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE EM FACE DA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA; 5 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE APLICADO AO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO; 6 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE APLICADO ÀS PROVAS QUE DEPENDEM DA COOPERAÇÃO DO ACUSADO PARA SUA PRODUÇÃO; 7 CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE; 8 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE E O DIREITO PENAL: HÁ DECORRÊNCIAS DO REFERIDO PRINCÍPIO NO PLANO DO DIREITO SUBSTANCIAL?; 9 CONCLUSÕES.
1 INTRODUÇÃO
1 Resenha do livro O direito de não produzir provas contra si mesmo (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal), de Maria Elizabeth Queijo (resenha apresentada como requisito parcial para aprovação da discliplina Teoria da Prova Penal, ministrada pelo Msc. Josenildo Santos, no Curso de Especialização Lato Sensu em Ciências Criminais, da Universidade Católica de Pernambuco – trabalho avaliado com nota máxima).2 Advogada, pós-graduanda em Ciências Criminais pela Universidade Católica de Pernambuco.
Tratando do princípio nemo tenetur se detegere, Maria Elizabeth Queijo (2003, p. 1),
introduz a temática considerando a importância do referido princípio para o processo penal,
uma vez que, o mesmo viabiliza o direito do acusado de não se auto-incriminar, intervindo,
até como conseqüência própria da atual feição do processo penal, contra a visão do acusado
como objeto da prova penal.
O trabalho da autora inicia-se pelo estudo histórico do princípio, apresentando as bases
do seu desenvolvimento e sua inserção em diversos ordenamentos jurídicos, examina o
conceito de verdade no processo penal e os poderes instrutórios do juiz penal, enfatiza o
princípio sob o enfoque dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, analisa
também a aplicação do princípio quando do interrogatório do acusado e quando da produção
de provas que dependam da cooperação do acusado, ainda trata das conseqüências da violação
do princípio, e, de suas outras formas de aplicação do processo penal (ibid., p. 2 e 3).
2 NOTAS HISTÓRICAS SOBRE O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE
O significado literal da expressão nemo tenetur se detegere é: ninguém é obrigado a se
descobrir (ibid., p. 4).
O acenado princípio está historicamente associado ao interrogatório do réu, firmou-se
no período do Iluminismo, quando advinha o reconhecimento das garantias penais e
processuais penais, resguardando o acusado no interrogatório, e desconstruindo a visão do
acusado como objeto da prova penal (ibid., p. 8).
2
Não obstante, anteriormente, pode-se encontrar, por assim dizer, germes do princípio,
a saber, quando na Antigüidade, apesar da possibilidade do acusado ser ouvido sob juramento,
o Código de Hamurabi não previa formalmente o interrogatório, no Egito, muito embora
presentes a tortura e o juramento, o interrogatório era eventual, admitido em instrução
complementar, e, no direito hebreu, o interrogatório sem juramento era a regra, contudo
passível de exceção, inclusive a confissão era tida como estado de loucura (ibid., p. 5 e 6).
Ainda cabe ressaltar que, no direito romano, quando da República, em seus últimos séculos, o
interrogatório já não era previsto (ibid., p. 6).
Voltando à análise da época da estruturação do princípio nemo tenetur se detegere, os
iluministas combatiam o emprego da tortura e a imposição do juramento nos interrogatórios,
defendendo a antinaturalidade de qualquer declaração auto-incriminativa, mas tal estruturação
não fora uniforme, neste sentido vale salientar, ao passo em que indicava a contradição entre a
obrigação e os sentimentos naturais na imposição ao acusado do juramento de dizer a verdade,
e opunha-se à tortura, entendendo monstruosa a acusação contra si mesmo diante da violência,
Beccaria sustentava que sendo o acusado silente, pena mais grave deveria lhe ser aplicada por
ofender à Justiça, excetuando-se os casos em que não houvesse dúvida quando à autoria (ibid.,
p. 8 e 9). Algumas legislações também adotaram a punição ao acusado silente por desrespeito
e desobediência (ibid., p. 9 e 10). E, apesar de Filangieri reconhecer o direito ao silêncio do
acusado, excluindo o dever de confissão, os defensores da natureza probatória do
interrogatório negavam este direito, entendendo o interrogatório como meio de instrução e a
confissão como a mais fidedigna prova da verdade (ibid., p. 10).
O princípio nemo tenetur se detegere é modernamente expresso, no direito anglo-
americano, pelo privilege against self-incrimination (ibid., p. 11).
Na Inglaterra, fora interligado ao princípio nemo tenetur prodere se ipsum, que,
originado no final da Idade Média e na Renascença do ius commune, vedava a auto-
3
incriminação, ninguém poderia tornar-se fonte de informação em sua própria persecução, e,
não era direito fundamental, mas protegia a vida privada das intromissões dos poderes
públicos (ibid., p. 12 e 13). Esclareça-se que, mesmo o princípio nemo tenetur prodere se
ipsum tendo sua aparente origem no direito da Igreja, as cortes eclesiásticas impunham aos
acusados o juramento ex officio, apesar de, quando a prática do crime fosse desconhecida
publicamente, o princípio vigorar, evitando a investigação abstrata da vida das pessoas, salvo
outras exceções (ibid., p. 13 e 14). Tal princípio era mais utilizado em processos civis do que
em criminais (ibid., p. 14). No século XVI, imbuídas pelo princípio nemo tenetur prodere se
ipsum, as recusas ao juramento, tornaram-se mais freqüentes nas cortes eclesiais (ibid., p.14).
Nas cortes common law da Inglaterra, até o final do século XVIII, apesar de
desobrigado do juramento, a oportunidade de falar era praticamente a única defesa do
acusado, o que tornava impraticável o direito de silêncio (ibid., p. 16 e 17). No final do século
XVIII e início do século XIX, significativas transformações afetaram o processo criminal,
como a admissão de advogado, a questão da insuficiência probatória, regras de exclusão de
provas, e a presunção de inocência, aspectos que contribuíram com o direito de silenciar do
acusado e com o reconhecimento do privilege against self-incrimination (salientando que os
juramentos ex officio das cortes eclesiásticas foram proibidos) (ibid., p. 18).
Nos Estados Unidos, o privilege against self-incrimination tornou-se direito
constitucional em 1770, provavelmente em virtude do desejo das colônias de reconhecimento
para os seus dos direitos que eram dos ingleses, tanto que, o referido direito não fora
reconhecido inicialmente como autônomo, mas, como parte das garantias aclamadas, só com
o tempo, foi-se na prática implantando a renovação do processo criminal (ibid., p. 18 a 22).
Em finais do século XIX, o privilege against selt-incrimination efetivou-se como
direito ao silêncio de acusados e testemunhas na Inglaterra, principalmente com o witness
privilege e a confession rule, além da desqualification for interest (ibid., p. 23). A
4
desqualification for interest poderia ser aplicada em processos civis e criminais, consistia na
proibição da parte funcionar como testemunha no próprio processo, tendo em vista seu
manifesto interesse, bem como, na proibição da parte ser ouvida sob juramento, entendendo-
se que a parte não poderia ser compelida a produzir prova contra si mesma (ibid., p. 23). A
confession rule não admitia as confissões extorquidas por compulsão (ibid., p. 23). O witness
privilege permitia a recusa da testemunha em depor sobre questão que a pudesse incriminar
ou expor a persecução (ibid., p. 24). A confession rule e o witness privilege eram remédios de
exclusão (o último, não originalmente) (ibid., p. 24). Com a abolição da desqualification for
interet, o privilege against self-incrimination passou a ser aplicado mais amplamente, sendo
codificado em 1898 (ibid., p. 25).
Nos Estados Unidos, o privilege against self-incrimination também se fortaleceu com
a confession rule e o witness privilege (ibid., p. 26).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 1948, não se referiu expressamente ao princípio nemo tenetur se detegere,
diversamente, o reconheceram em seu texto, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 1969, e, o Pacto
Internacional sobre Direito Civis e Políticos, adotado pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 1966 (ibid., p. 26).
O Princípio nemo tenetur se detegere, modernamente ganhou caráter garantístico no
processo penal (ibid., p. 17).
3 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE, O CONCEITO DE VERDADE
NO PROCESSO PENAL E OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ PENAL
5
A verdade é sempre relativa, quando vinculada à realidade das coisas, e pode ser
alcançada (ibid., p. 29). No processo, relacionam-se os conceitos de verdade, certeza e
convencimento (ibid., p. 29). A certeza e o convencimento apresentam-se, respectivamente,
como a consciência e o estado de ânimo caracterizadores de que a verdade, que a pesar de
relativa, fora alcançada no seu mais alto grau de probabilidade (ibid., p. 31).
Analisando-se a verdade operacionalizada no direito, surge uma dicotomia entre
verdade formal e verdade material, tradicionalmente traduzida da seguinte forma: a verdade
formal associa-se ao processo civil e ao princípio dispositivo, onde o juiz depende da
iniciativa das partes quando da produção das provas na instrução processual, e, a verdade
material associa-se ao processo penal e ao princípio da livre investigação das provas, onde o
juiz não depende da iniciativa das partes quando da produção das provas na instrução
processual (ibid., p. 31). A doutrina, não obstante, indica outras distinções, acenadas no plano
da investigação, a saber, a verdade material está relacionada com a investigação sem limites
legais, abrangendo quaisquer meios, independendo do modo como foram obtidos, e, a verdade
formal está relacionada com a investigação dentro dos preceitos legais, inclusive no que diz
respeito aos meios e modos de obtenção (ibid., p. 33).
A verdade processual é sempre probabilística e aproxima-se no maior grau possível,
da realidade, da verdade material, podem não ser idênticas, diante dos limites de investigação
legalmente impostos, e do grau de tangibilidade, mas são relacionadas (ibid., p. 34).
A pesquisa da verdade mantém, no processo, relação com os poderes instrutórios do
juiz, na tradicional limitação, como acima elucidado, o juiz no processo civil obedecia ao
princípio dispositivo, e no processo penal obedecia ao princípio da livre investigação das
provas, modernamente, com a visão publicista do processo, objetivando a pacificação social,
o juiz, seja no processo civil ou no processo penal, “[...] deverá empenhar-se, ao máximo,
6
para apurar a verdade, que é processual, buscando aproximar-se, tanto quanto possível, da
realidade.” (ibid., p. 38 e 39). Outrossim, da mesma forma que a verdade processual tem seus
limites legais, os poderes instrutórios do juiz também os têm, a saber: a observância do
contraditório, a obrigatoriedade da motivação e a exclusão das provas ilícitas e ilegítimas
(ibid., p. 40).
O mito da verdade material, e sua investigação sem limites, corroboravam um óbice à
aplicação do princípio nemo tenetur se detegere no processo, pois materializava um quadro
onde a verdade material conjugada com o interesse público na persecução penal se
contrapunha ao direito individual de não se auto-incriminar, além de fomentar o acusado
como objeto da prova (ibid., p. 41 e 42). Mesmo quando aceito, o referido princípio é
principalmente representado pelo direito ao silêncio, porém, o mesmo ainda cabe quanto à
disponibilização do acusado em produzir provas que dependam de sua cooperação, entretanto,
modernamente combate-se esta sua última aplicação, também em virtude da apuração da
verdade material (ibid., p. 44). Ocorre que, a verdade buscada no processo é a verdade
processual, probabilística e aproximativa da realidade, legalmente colhida, observando-se os
limites dos poderes instrutórios do juiz penal, e esta se coaduna com a aplicação do princípio
nemo tenetur se detegere, pois a verdade processual, em um Estado de Direito, não pode ser
alcançada violando-se direitos e garantias do acusado, até porque o valor da verdade não é
maior que o valor destes direitos e garantias (ibid., p. 44 e 45).
4 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE EM FACE DA ORDEM
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
7
Maria Elizabeth Queijo considera os direitos humanos como direitos do homem
independentes de reconhecimento nos ordenamentos jurídicos, já os direitos fundamentais são
os direitos humanos positivados, sendo tal positivação necessária à proteção desses direitos, e,
“[...] as liberdades públicas são os direitos individuais positivados, oponíveis ao Estado,
correspondentes aos direitos fundamentais de primeira geração.” (ibid., p. 51).
Formalmente conceitua-se os direitos fundamentais como positivados na Constituição,
merecendo a proteção desta, podem ser imutáveis ou de alteração dificultada, já
materialmente, são entendidos como tradução da concepção da dignidade humana que
legitima o sistema jurídico estatal de determinada sociedade (ibid., p. 52). Os direitos
fundamentais têm uma dimensão individual e outra institucional (ibid., p. 53). Todavia, os
direitos fundamentais não são absolutos, a própria coexistência dos vários direitos
fundamentais gera restrições, que devem ser reguladas por lei, respeitando certos limites,
devendo ser claras, determinadas, gerais e proporcionais, obedecendo ainda alguns critérios
segundo o princípio da proporcionalidade: “[...] a legitimidade dos meios utilizados e dos fins
perseguidos pelo legislador; a adequação desses meios à consecução dos objetivos almejados
e a necessidade de sua utilização.” (ibid., p. 53 e 54).
O princípio nemo tenetur se detegere é direito fundamental, direito a não auto-
incriminação, que assegura esfera de liberdade ao indivíduo, oponível ao Estado, contra
excessos cometidos na persecução penal, que não se resume ao direito ao silêncio, desta feita,
insere-se entre os direitos de primeira geração, liberdades públicas, mas também há interesse
público em sua tutela, pois repercute na legitimação da jurisdição (ibid., p. 54 e 55). É ainda
garantia da liberdade, especificamente da liberdade de autodeterminação (ibid., p. 56).
Possíveis restrições serão excepcionais, por ser direito fundamental, e deverão ser reguladas
por lei, respeitando critérios específicos (ibid., p. 56).
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O Brasil ratificou, em 1992, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a
Convenção Americana sobre Direito Humanos (Decreto n.º 592, de 6.7.1992 e Decreto n.º
678, de 6.11.1992), que expressamente reconhecem o princípio nemo tenetur se detegere
(ibid., p. 58).
De acordo com Maria Elizabeth Queijo (ibid., p. 66), ao ratificar estes diplomas
internacionais, o Brasil eleva o nemo tenetur se detegere à categoria de direito constitucional,
uma vez que é o mesmo, direito fundamental, e, esclarece:
“Tendo em vista a interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional e a relevância atribuída aos direitos fundamentais e ao valor da dignidade humana, parece mais acertado o entendimento de reconhecer hierarquia constitucional aos direitos previstos nos tratados e convenções internacionais, que versam sobre direitos humanos, aos quais o Brasil aderiu.” (ibid., p. 64).
Nesta linha, é a interpretação do § 2º do Art. 5º da Constituição Federal, que estabelece que,
não sendo o rol dos direitos fundamentais taxativo, e, admitindo que o integram os direitos
decorrentes do regime e dos princípios adotados no texto constitucional e nos tratados
internacionais em que o Brasil seja parte, constatadamente plausível a indicação de um direito
fundamental, que é direito humano, advindo de diploma internacional em que o Estado
Brasileiro é parte, como direito de hierarquia constitucional (ibid., p. 65). Observa-se que,
teriam estes direitos, aplicação imediata, por não estarem sujeitos ao procedimento rotineiro
de incorporação de tratados internacionais ao direito interno (ibid., p. 62).
Além de direito fundamental o nemo tenetur se detegere, como vária vezes aqui já
qualificado, é princípio, é princípio-garantia, dotado de força normativa imediata e de força
determinante (ibid., p. 68 e 69).
Antes da ratificação dos diplomas internacionais pelo Estado brasileiro, já era possível
extrair a incidência do nemo tenetur se detegere do direito constitucional (ibid., p. 69). Assim
o é diante do respeito ao devido processo legal, que fomenta no nemo tenetur se detegere uma
das garantias que asseguram os direitos processuais das partes e legitimam o correto exercício
9
da jurisdição, vedando excessos ilegais e abusivos (ibid., p. 70 e 72). Também, perante o
direito à ampla defesa, que engloba a autodefesa e a defesa técnica, insere-se o nemo tenetur
se detegere, possibilitando não só o direito ao silêncio como ainda o direito de recusar-se a
produzir prova que indique auto-incriminação (ibid., p. 74 e 75). O princípio da presunção de
inocência, ao não considerar culpado aquele que responde a processo penal antes do trânsito
em julgado de sentença condenatória, parece ter como conseqüência a atribuição do ônus da
prova, que demonstra a culpabilidade, para o acusador, pois ao acusado, tido como inocente
seria ilógico se auto-incriminar, impossibilitada da mesma forma a obrigação de cooperação
do acusado na investigação dos fatos, desta feita, refutando o acusado como objeto da prova,
o princípio da presunção de inocência coaduna-se perfeitamente com o nemo tenetur se
detegere (ibid., p. 76 a 78). O Nemo tenetur se detegere, igualmente se relaciona com a tutela
da dignidade humana (ibid., p. 80). Expressamente, decorrente do nemo tenetur se detegere,
dispõe o inciso LXIII do Art. 5 º da Constituição Federal, o direito ao silêncio (ibid., p. 80).
5 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE APLICADO AO
INTERROGATÓRIO DO ACUSADO
No modelo inquisitório a tendência era a busca de provas por meio do acusado ou com
sua cooperação, o acusado era objeto da prova, existia uma presunção de sua culpabilidade,
por conta disto era obrigado a falar, mesmo que para tanto fosse necessário o uso da força, e a
obtenção da confissão era o principal intento, pois tida como a mais convincente das provas,
neste passo não cabia lugar para o nemo tenetur se detegere (ibid., p. 82 e 83). Já no modelo
acusatório, com a desconsideração do acusado como objeto da prova e a disponibilidade de
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sua contribuição para o processo, o nemo tenetur se detegere ganha aplicabilidade (ibid., p.
84).
No processo penal, o princípio nemo tenetur se detegere é mais difundido no direito
do silêncio do acusado, relevantemente quando do interrogatório, apesar de não se restringir a
esta manifestação (ibid., p. 82).
A natureza jurídica do interrogatório é fator preponderante para o reconhecimento ou
não do nemo tenetur se detegere (ibid., p. 84). Assim, quando o interrogatório tem natureza
de meio de prova, o acusado não tem direito ao silêncio, e quando o interrogatório tem
natureza de meio de defesa, o acusado tem direito ao silêncio (ibid., p. 85 e 86).
Eventualmente o interrogatório poderá apresentar-se como fonte de prova, quando do
interrogatório se declinar elementos probatórios (ibid., p. 86 e 87). Há quem entenda que o
interrogatório é meio de prova e de defesa (ibid., p. 87).
O valor probatório do interrogatório do acusado depende de sua natureza jurídica,
quando é tido como meio de prova, reconhece-se valor probatório às declarações prestadas
pelo acusado, quando tido como meio de defesa, atribui-se escasso valor probatório às
declarações prestadas pelo acusado (ibid., p. 88 e 89).
No interrogatório pode advir a confissão, que não desrespeitará o princípio nemo
tenetur se detegere quando expressa, livre, voluntária e pessoalmente realizada, diante de
autoridade competente, consistindo na admissão da prática de determinado crime (ibid., p.
91). A confissão, neste caso, é meio de prova e não tem valor absoluto, devendo ser valorada
no conjunto probatório (ibid., p. 91 e 92).
No interrogatório o acusado pode indicar a responsabilidade penal de terceiros, mas, a
doutrina e a jurisprudência mais recentes não reconhecem valor probatório à delação, quando
isoladamente considerada, devendo ser confortada por provas, seja conjunta ou não à
confissão, isto ocorre principalmente porque, a delação no interrogatório, transmuda o
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acusado em testemunha, estando seu testemunho, portanto, pela própria natureza do
interrogatório, imbuído pela aplicação do nemo tenetur se detegere, não submetido a
compromisso (ibid., p. 95 a 97). No direito italiano, quando no interrogatório o acusado indica
a responsabilidade penal de terceiros, torna-se testemunha, já no ordenamento inglês, o
acusado que acusa outro tem o dever de dizer a verdade e não tem direito ao silêncio, também
o direito norte-americano reconhece os riscos deste tipo de testemunho, para o direito francês,
ao delatar, o acusado é testemunha, assistida por defensor, devendo dizer a verdade e não
podendo recusar-se a responder, mas, com relação a sua responsabilidade, tem direito ao
silêncio, e, no sistema alemão, o acusado delator só é testemunha em processos instaurados
separadamente, tendo o dever de dizer a verdade, admitido o privilégio de não se auto-
incriminar (ibid., p. 98 a 100).
A legislação processual penal anterior ao Código de Processo Penal vigente, segundo a
maioria da doutrina, tinha o interrogatório como meio de defesa, apesar de não reconhecer o
direito do silêncio ao acusado (ibid., p. 100). Com o atual Código de Processo Penal, de 1941,
e, antes da Constituição Federal de 1988, o interrogatório, para a maior parte da doutrina, era
tido na época como meio de prova, o acusado não era obrigado a dizer a verdade, nem a
colaborar ou responder as indagações do interrogatório, mas seu silêncio pesava contra ele
(Art. 186 do Código de Processo Penal), e as perguntas por ele não respondidas seriam
consignadas, bem como as razões pelas quais o acusado deixou de respondê-las (Art. 191 do
Código de Processo Penal), e, mesmo seu silêncio não importando em confissão, constituiria
elemento para formação da convicção do julgador (Art. 198 do Código de Processo Penal),
além do que, o interrogatório era ato obrigatório se presente o acusado, prevendo-se até a
condução coercitiva do mesmo, no caso de não atender à intimação (Art. 260 do Código de
Processo Penal), o que, do exposto, descaracteriza a existência de qualquer tutela do direito ao
silêncio (ibid., p. 102, 103 e 105). Com o advento da Constituição Federal de 1988, em seu
12
Art. 5º, inciso LXIII, estabeleceu-se o direito ao silêncio, a partir de então,
predominantemente posiciona-se a doutrina em entender o interrogatório como meio de
defesa (ibid., p. 105 e 107), inclusive considerando revogado o Art. 186 do Código de
Processo Penal, reconhecendo-se que, no lugar da advertência quanto ao prejuízo para a
defesa em decorrência do silêncio, caberia a advertência do direito de permanecer calado o
acusado quando do interrogatório, também visto como revogado o Art. 191 do Código de
Processo Penal, porque incompatível com o direito ao silêncio a exigência de consignar-se as
perguntas não respondidas e as respectivas razões do acusado para não respondê-las, pois do
exercício do direito ao silêncio não se pode extrair nada em desfavor do acusado e referida
consignação serviria para tanto, nesta mesma linha, o Art. 198 do Código de Processo Penal é
tido como parcialmente revogado, prevalecente quando discorre que o silêncio não importa
confissão, e descabido quando indica o silêncio como possível elemento para o
convencimento do julgador; uma vez que, como já mencionado, sendo o silêncio direito do
acusado, não se poderá extrair dele qualquer conseqüência prejudicial, sob pena de esvaziar-
se por completo o direito, ainda tem-se como revogado o Art. 260 do Código de Processo
Penal, uma vez que, em, decorrência do direito ao silêncio, o interrogatório é expressão de
defesa podendo ser renunciável, desta feita, inviável que o acusado, que fora devidamente
intimado, seja compelido, por meio de condução coercitiva, a comparecer (ibid., p. 108 a
110). Na Lei de Impressa o interrogatório é requerido pelo acusado, cabe a ele decidir se
deseja ou não sua realização, assume neste caso feição exclusiva de direito do acusado,
exclusivamente meio de defesa, no Código Eleitoral expressamente não foi prevista a
realização do interrogatório, que só será realizado com o requerimento do acusado na
contestação (ibid., p. 112 e 113). Na jurisprudência, mesmo com o advento da Constituição
Federal de 1988 e a adoção do direito ao silêncio, ainda emergem julgados valorando o
silêncio do acusado como conotativo de sua culpabilidade, outros julgados negam a
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possibilidade de valorar isoladamente o silêncio do acusado, mas admitem a sua valoração em
conjunto com as demais provas produzidas (ibid., p. 119 e 120), não obstante, as decisões do
Supremo Tribunal Federal têm firmado a tutela efetiva do direito ao silêncio, como
decorrência do princípio nemo tenetur se detegere (ibid., p. 123). A Lei n.º 10.792 de
01.12.2003, veio a modificar o tratamento dado ao interrogatório, principalmente diante da
adoção do direito ao silêncio pela Constituição Federal de 1988, assim, dentre muitas outras
modificações, o Art. 186 do Código de Processo Penal passou a indicar a comunicação sobre
o direito de permanecer calado ao acusado, acrescentando que seu silêncio não importa em
confissão, nem pode ser interpretado em prejuízo da defesa, o Art. 191 do Código de Processo
Penal teve sua redação completamente modificada, não mais vigendo a regra que determinava
a consignação das perguntas não respondidas pelo acusado e das razões por ele invocadas,
ressalte-se que, o Art. 198 e o Art. 260, ambos do Código de Processo Penal, não sofreram
modificações.
No direito italiano, timidamente surgiu a idéia de respeito ao silêncio do acusado no
interrogatório, primeiro o acusado era estimulado a falar, mas caso se negasse o juiz deveria
adverti-lo de que o processo teria seguimento, depois esta advertência passou a ser prévia,
ainda fora suprimida diante do ideário fascista, até que o direito ao silêncio o fora amplamente
admitido, representado pela faculdade do acusado não responder e pela incumbência do juiz
de adverti-lo a esse respeito, assumindo o interrogatório a feição de meio de defesa,
ressaltando-se que o referido direito também abrangia pessoas não acusadas, de tal forma,
emergindo indicio de culpabilidade, incumbia ao juiz advertir o depoente de que suas palavras
poderiam ser utilizadas contra si, as declarações já prestadas, nestas condições, não poderiam
ser utilizadas, saliente-se ainda que, o acusado poderia ser coercitivamente conduzido para o
interrogatório, bem como não poderia silenciar quanto a sua identificação (ibid., p. 123 a
130). Distinto do interrogatório é o exame, ao qual o acusado requer ou consente ser
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submetido, é meio de prova, e nele o silêncio é passível de valoração, devendo ser consignada
a falta de resposta (ibid., p.130 e131). Recentes mudanças acresceram a advertência dada pelo
juiz no interrogatório, agora, além da faculdade do acusado não responder, salvo quanto a sua
identificação, menciona-se também que suas declarações poderão ser utilizadas em relação a
sua própria responsabilidade, e que, se prestar declarações quanto à responsabilidade de
terceiros, o fará como testemunha (ibid., p. 136 e 137).
O direito francês reconhece o direito ao silêncio ao acusado, chegou a prever a
advertência quanto ao direito do acusado de não responder, apesar de não tida como
obrigatória, e, depois não mais a disciplinou expressamente, mas impõe a advertência ao
acusado de que o interrogatório só se realizará com sua concordância, caso trate da
responsabilidade de terceiro o acusado será ouvido como testemunha (ibid., p. 139 a 140).
O direito alemão também reconhece o direito ao silêncio ao acusado, que quando no
interrogatório deverá ser advertido de seu direito de permanecer calado, tem-se o
entendimento de que nenhum prejuízo poderá advir ao acusado em decorrência de seu silêncio
no todo do interrogatório, no entanto, se o acusado silenciar parcialmente, seu silêncio ficará
sujeito à livre apreciação do julgador, admite-se a condução coercitiva do acusado para o
interrogatório, e, tratando da responsabilidade de terceiros, o acusado será tido como
testemunha só no caso de processos diferentes, vale ressaltar que, a testemunha também tem o
direito de recusa-se a responder determinadas perguntas, devendo inclusive ser informada
deste direito (ibid., p. 143, 144 e 146).
O direito ao silêncio do acusado também é protegido pelo direito português, havendo o
dever de informação e advertência quanto a este direito, que só não será realizado quando
inserido no âmbito da identificação, uma vez exercido o direito ao silêncio, não se admite, na
audiência, a leitura das declarações anteriores do acusado, saliente-se que a testemunha
15
igualmente tem o direito de recusar-se a responder determinadas perguntas (ibid., p. 148, 149
e 151).
O direito espanhol reconhece o direito ao silêncio ao acusado, entretanto, não prevê a
advertência com relação ao mesmo, e, caso o acusado silencie, será advertido de que o
processo terá seguimento, as testemunhas também têm direito a recusar-se a responder
determinadas perguntas, salvo algumas exceções (ibid., p. 154 e 156).
No direito argentino consagra-se também ao acusado o direito de não responder,
cabendo ao juiz dar ao acusado conhecimento deste seu direito, e o seu silêncio não pode
indicar presunção de culpabilidade (ibid., p. 160 e 161).
No direito chileno o interrogatório era tido como direito do acusado, o direito ao
silêncio não era expresso, mas mesmo assim existia, pois se previa que quando o acusado
fosse silente, o juiz o advertiria de que sua atitude não impediria o seguimento do processo,
podendo inclusive privá-lo de uma oportunidade de defesa, mas que não ensejaria presunção
de culpabilidade ou de inocência, não sendo o silêncio valorado, posteriormente o direito ao
silêncio passou a ser expresso, não incidindo apenas quando da identificação do acusado, as
testemunhas têm direito de recusar a responder determinadas perguntas (ibid., p. 164 a 168).
O privilege against self-incrimination do direito norte-americano garante ao acusado o
direito de recusar-se a prestar declarações, devendo o mesmo ser advertido de tal direito, bem
como de que, o que disser pode ser usado contra si, seu silêncio de forma alguma poderá ser
valorado em seu prejuízo, ressalte-se que é proibida a presunção quanto à renúncia privilege
against self-incrimination, o direito também alcança as testemunhas, podendo silenciar sobre
determinadas questões, acena-se a existência em alguns Estados norte-americanos da
imunidade da testemunha, o acusado pode optar por ser ouvido como testemunha (ibid., p.
169, 173 e 177 a 179).
16
O direito inglês reconhece o privilege against self-incrimination, contudo não há um
direito amplo e geral ao silêncio dos acusados, o acusado pode permanecer em silêncio, mas
do seu silêncio seriam extraídas inferências adversas caso não alegasse para tanto uma escusa
razoável, algumas situações não admitem sequer o uso de escusas, o acusado pode optar por
testemunhar, se tratar da responsabilidade penal de terceiros perde o privilege against self-
incrimination (ibid., p. 182 a 185 e 187).
Desta feita, do exposto, a aplicação do nemo tenetur se detegere no interrogatório
varia bastante entre os diversos ordenamentos, e, apesar do direito ao silêncio ser sua
principal expressão, tutelando o direito de não se auto-incriminar, resguarda a liberdade de
autodeterminação, assegurando ao acusado uma escolha livre quanto ao comportamento
processual, vedando assim a utilização de determinados métodos de interrogatório, do
juramento e da obrigação de comparecimento (ibid., p. 189).
Como já anteriormente citado, o princípio nemo tenetur se detegere não se restringe,
mas tem sua tradicional expressão no direito ao silêncio, que também configura manifestação
do direito à intimidade, igualmente direito fundamental (ibid., p. 190 e 191). Normalmente, ao
uso do direito ao silêncio por porte do acusado vincula-se uma preconceituosa interpretação
de manifestação da culpabilidade, não se considerando a possibilidade de existir outras razões
para o silêncio, além de se visualizá-lo como obstáculo para apuração dos fatos, entretanto, o
silêncio não é antinatural, não é positivo ou negativo, não tem conotação valorativa, não é
sinônimo de confissão ou culpabilidade, é exercício de defesa, seja da autodefesa, seja da
defesa técnica, é direito contemplado pelo respeito à liberdade e a dignidade do homem (ibid.,
p. 192 a 194). A adoção do nemo tenetur se detegere em um ordenamento, indica o
reconhecimento do direito ao silêncio em todos os interrogatórios, de todas as fases
procedimentais, incidindo também perante as declarações de depoimentos tomados em sede
administrativa, legislativa ou judicial, penal ou extrapenal (inclusive perante as Comissões
17
Parlamentares de Inquérito) (ibid., p. 194 e 196). Têm o direito de exercer o direito ao silêncio
todos que, diante de declarações prestadas, possam se auto-incriminar, assim também a
testemunha, mas como tem o dever de dizer a verdade, seu direito ao silêncio restringe-se a
determinadas perguntas, cujas respostas fomentem sua auto-incriminação, saliente-se que a
pessoa jurídica também tem direito ao silêncio (ibid., p. 197 a 199). Quanto à extensão do
direito ao silêncio no interrogatório, discute-se se é o mesmo aplicável a todo interrogatório,
identificação e mérito, ou parcialmente, ao mérito, porém, é majoritário o entendimento de
que tal direito não prevalece quando da identificação, pois a correta identificação do acusado
é necessária para uma adequada persecução penal (não estão abrangidas na identificação
questões quanto aos antecedentes criminais) (ibid., p. 200 e 202), estende-se ainda o direito ao
silêncio quando de perguntas que versem sobre a responsabilidade penal de terceiros (ibid., p.
204), vale ressaltar que, o direito ao silêncio do acusado durante o interrogatório de mérito é
livre, podendo incidir sobre todas ou algumas das perguntas (ibid., p. 204 e 205). Para garantir
o direito ao silêncio, evitando uma auto-incriminação involuntária por desconhecimento da
lei, o acusado deve necessariamente ser advertido de seu direito, bem como de que seu
exercício não lhe será prejudicial, assim, resguarda-se a liberdade de autodeterminação do
acusado no interrogatório, outrossim, merece-se elucidar que, a advertência em tela já deve
ser formulada quando da prisão, sendo renovada em todos os interrogatórios,
independentemente da presença de defensor (ibid., p. 205 a 208), relativamente às
testemunhas, também caberia a advertência, especificamente quanto à possibilidade de
recusar-se a dar resposta que possa incriminá-la (ibid., p. 210). Tem-se estimulado a
colaboração processual do acusado através de vários benefícios, o que, quase sempre,
comporta em sua auto-incriminação, contudo, tal prática não é desmedida se observada a
advertência do direito ao silêncio, e não caracterizado qualquer tipo de coação para compelir a
colaboração, ficando o acusado livre para decidir ou não sobre sua colaboração, não obstante,
18
faz-se imperioso para tanto que a correspondência entre a colaboração e o benefício seja certa
(ibid., p. 215). Incompatível com o princípio nemo tenetur se detegere e o direito ao silêncio é
a consignação das perguntas que o acusado deixou de responder e das razões que motivaram o
seu silêncio, pois ensejariam conseqüências prejudiciais ao exercício do direito (ibid., p. 216).
Tendo-se o silêncio como direito do acusado, o seu exercício não poderá lhe acarretar
qualquer conseqüência prejudicial, é simples ausência de resposta, defesa técnica ou pessoal,
não admite nenhum tipo de valoração a seu respeito, não se equipara à falta de argumentos de
defesa, confissão, ou presunção de culpabilidade, não serve a favor da acusação, nem como
elemento para formação do convencimento do julgador, muito menos para justificar aumento
de pena ou fixação da mesma diante da análise da personalidade do acusado, também não
serve como suporte para a prisão cautelar (ibid., p. 217 e 218).
Notadamente, o princípio nemo tenetur se detegere também veda a aplicação de
determinados métodos no interrogatório, evitando que o acusado seja induzido ou compelido
a se auto-incriminar (ibid., p. 222). Nesta linha, as perguntas formuladas no interrogatório
devem ser claras, precisas, unívocas e não complexas, renegando-se as perguntas sugestivas,
tendenciosas, capciosas, obscuras e equívocas (ibid., p. 222 e 223). Não se admite qualquer
forma de exortação para colaboração do acusado no interrogatório, assim, persuasões,
promessas ou ameaças (ibid., p. 223). Logicamente, também o emprego da tortura é
terminantemente proibido, inadmitindo-se qualquer violência física ou psíquica (ibid., p. 224),
inadmissíveis ainda os interrogatórios com métodos químicos (narcoanálise) ou psíquicos
(hipnoses) (ibid., p. 227).
Outrossim, incompatível com o princípio nemo tenetur se detegere é o dever de dizer a
verdade no interrogatório, o que afasta, conseqüentemente, o juramente e possíveis sanções
por ter o acusado faltado com a verdade (ibid., p. 230), além do que, a eventual mentira não
pode ser avaliada como indício de culpabilidade, conduzir ao agravamento da pena, nem
19
servir para a fixação de pena quando da análise da personalidade e conduta do acusado (ibid.,
p, 236).
Apesar de verificar-se como predominante nos diversos ordenamentos jurídicos, o
reconhecimento do direito ao silêncio não se compatibiliza com o dever do acusado de
comparecer ao interrogatório, inclusive sob condução coercitiva, já que o interrogatório é um
meio de defesa, deveria ser facultativo (ibid., p. 236 e 239).
6 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE APLICADO ÀS PROVAS QUE
DEPENDAM DA COOPERAÇÃO DO ACUSADO PARA SUA PRODUÇÃO
De tudo que fora exposto observa-se que os ordenamentos adotaram o nemo tenetur se
detegere no interrogatório, reconhecendo o direito ao silêncio e proibindo determinados
métodos de interrogatório, apesar de remanescerem divergências quanto à extração de
conseqüências advindas do seu uso, mas, polêmica maior gira em torno da problemática de se
reconhecer o referido princípio diante das provas cuja produção depende da colaboração do
acusado (ibid., p. 240 e 241). Normalmente no processo penal algumas provas são produzidas
com a colaboração obrigatória do acusado, até mesmo como resquício da idéia de se
considerar o acusado como objeto de prova, e, o princípio nemo tenetur se detegere é
limitador da atividade probatória, neste diapasão surge um impasse entre o interesse público
na persecução penal e o interesse individual na observância de direitos e garantias
fundamentais (ibid., p. 240 e 241). No entanto, este impasse é apenas aparente, pois é
interesse público tanto a persecução penal como a observância dos direitos e garantias
fundamentais nela exercidos, assim, a harmonização é a melhor solução:
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“[...] não poderá ser inviabilizada a persecução penal, pelo reconhecimento de direitos fundamentais limitados, inclusive o nemo tenetur se detegere, mas não será admissível também que o referido princípio seja aniquilado, para dar margem ao direito à prova ilimitado, sobretudo com a colaboração inarredável do acusado, e à busca irrestrita da verdade.” (ibid., p. 243 e 244).
Algumas provas dependem para sua produção da intervenção corporal no acusado, ou
seja, a prova é obtida no corpo do acusado, podendo ser invasivas, quando indicam penetração
no organismo humano através de instrumentos ou substâncias, ou não invasivas, quando não
pressupõem a acenada penetração (ibid., p. 244 e 245). Além de envolverem-se na dinâmica
do princípio nemo tenetur se detegere, também com o direito à liberdade, à intimidade, à
dignidade humana e à intangibilidade corporais, estão a relacionar-se (ibid., p. 245).
São provas invasivas perícias como os exames de sangue em geral, a identificação
dentária, o exame ginecológico, o exame de reto e a endoscopia, os três últimos também,
freqüentemente, empregados em busca pessoais (ibid., p. 245). São provas não invasivas
perícias como os exames de matérias fecais, os exames de DNA realizados a partir de fios de
cabelo e pêlos, as identificações dactiloscópica, de impressões dos pés, unhas e palmar e a
radiografia, esta última empregada em buscas pessoais (ibid., p. 245 e 246). Os exames de
urina, espermas e saliva podem ser provas invasivas ou não invasivas, a depender da forma
como se obteve o material (ibid., p. 246).
Outras provas, mesmo não indicando intervenção corporal, têm suas produções a
depender da cooperação do acusado, seja de sua cooperação passiva, como no
reconhecimento, seja de sua cooperação ativa, como na acareação, na reconstituição do fato,
no exame grafotécnico, no etilômetro e no exame clínico para verificação de embriaguez,
também, na prova documental, nos casos de intimação para entrega de documentos que
estejam sob poder do acusado (ibid., p. 255).
No direito brasileiro a questão da sujeição obrigatória à colaboração na produção de
prova pelo réu, fora primeiramente abordada na esfera civil, uma vez que o ordenamento
processual civil destaca que ninguém se exime do dever de colaborar com o judiciário na
21
elucidação da verdade (Art. 339 do Código de Processo Civil), no entanto, a interpretação
dada para a citada disposição não indica a obrigatoriedade da colaboração, mas, um
posicionamento correto no processo, excluindo-se a má-fé, inclusive, ainda nesta linha, a
acenada legislação também estabelece o dever de submissão à inspeção judicial (Art. 340 do
Código de Processo Civil), igualmente interpretado de forma contrária à obrigatoriedade,
resolvendo-se o impasse segundo as regras do ônus da prova (de acordo com o elucidado, o
Supremo Tribunal Federal decidiu pela não sujeição obrigatória do réu a exame de DNA em
demandas de investigação de paternidade, tendo em vista possível violação às garantias
constitucionais, e, o Superior Tribunal de Justiça ressaltou em julgado que, a recusa ao exame
só servirá como presunção de paternidade se existirem outras provas) (ibid., p. 261 a 263). Já
na legislação processual penal, não há uma regra específica estabelecendo expressamente o
dever de cooperação do acusado na produção de provas, não obstante, tratar de diversos meios
de provas que pressupõem a sua colaboração, diante do que, juntamente à consagração do
nemo tenetur se detegere, tem-se entendido que, o acusado que se recusar a colaborar na
produção de provas que dependam de sua cooperação, não está cometendo crime de
desobediência, nem pode sua recusa ser interpretada em seu desfavor, pois tal recusa implica
no exercício do direito de não se auto-incriminar, inadmitindo-se execução coercitiva contra o
acusado (ibid., p. 263, 264 e 266), este é o entendimento predominante na doutrina e na
jurisprudência, apesar da jurisprudência só não reconhecer a existência de dever de
colaboração ativa do acusado na produção de provas que dependam de sua cooperação (ibid.,
p. 266 e 268).
No ordenamento italiano não se registra a existência de normatividade expressa quanto
ao dever de colaboração do acusado na produção de provas que dependam de sua cooperação
(ibid., p. 269), e, não obstante estar a coleta sangüínea a depender de regulamentação
normativa (ibid., p. 274), a doutrina e a jurisprudência têm entendido que não há direito do
22
acusado a não colaborar quando ele é objeto de prova, desde que não se exija sua participacão
ativa, desta feita, é o acusado obrigado a se sujeitar à inspeção corporal e ao reconhecimento
(ibid., p. 276), admiti-se a condução coercitiva para o reconhecimento e para a acareação, mas
o acusado pode negar-se a participar ativamente de ambos (ibid., p. 276 a 279), ressalte-se
que, quanto ao exame etilométrico, se o acusado recusar-se a submeter-se ao mesmo,
incorrerá em outro delito (ibid., p. 279).
O ordenamento francês também não é expresso quanto ao tratamento das provas que
dependam para sua produção da colaboração do acusado, porém, observa-se que a coleta de
material pode ser executada coercitivamente, quando o acusado não consentir, e, a recusa à
produção de prova de verificação da embriaguez implicaria outro delito (ibid., p. 280 e 281).
No ordenamento alemão é prevista a investigação corporal do acusado, admitindo-se
coleta de sangue e outras ingerências corporais, sem o seu consentimento, é também
permitido tirar fotos e impressões digitais do acusado, mesmo contra sua vontade, e apesar de
normativamente não expresso, o reconhecimento é usado, inclusive com imposição de
determinadas expressões faciais e corporais, saliente-se que não há exigência quanto ao
exame etilométrico (ibid., p. 281 a 284). Outrossim, o direito alemão indica o dever do
acusado de colaborar na produção da prova que dependa de sua cooperação, invocando a
execução coercitiva diante de sua não concordância, é a visão do acusado como objeto de
prova, e, apesar da doutrina considerar tais práticas ilícitas, a jurisprudência
predominantemente tem entendido pela sua observância (ibid., p. 282 e 283).
O ordenamento espanhol não discorre especificamente quanto às provas obtidas por
intervenções corporais no acusado, divergindo a doutrina e a jurisprudência quanto a sua
incidência, enquanto a doutrina não admite respaldo, a jurisprudência entende pela
possibilidade da prática (ibid., p. 285). Não obstante, doutrina e jurisprudência compartilham
do entendimento de que as intervenções corporais não correspondem a atos de inculpação,
23
não se relacionando com o princípio nemo tenetur se detegere (ibid., p. 289). Contudo, a
recusa do acusado em submeter-se a perícias não revela confissão, mas poderá ser
interpretada conjuntamente com outras provas em desfavor do acusado, e a recusa ao exame
etilométrico é crime de desobediência (ibid., p. 290).
No direito português, o acusado não pode recusar-se a submeter-se à perícia, podendo
ser compelido a cooperar por decisão judicial, assumindo-se uma feição de meio de coerção
processual (ibid., p. 291 e 292). O acusado não pode recusar-se a se submeter ao
reconhecimento, na acareação poderá silenciar, e na reconstituição do fato não tem o dever de
colaborar (ibid., p. 293 e 294).
No direito argentino, as provas que dependam de intervenção corporal no acusado só
serão realizadas com o seu consentimento, não o suprindo a ordem judicial, muito embora,
diversos julgados contrariem tal indicação, consubstanciando a realização de exame de sangue
contra a vontade do acusado, e autorizando inspeções corporais quando existam razoáveis
suspeitas contra o acusado (ibid., p. 294 e 296). O acusado poderá recusar-se à reconstituição
do fato, ao exame grafotécnico e a reconhecer documento, não poderá recusar-se à revista
pessoal, a submeter-se ao reconhecimento e a acareação, nesta cabendo o direito ao silêncio,
e, não é obrigado, mas é intimado a entregar documentos (ibid., p. 297 e 298).
O direito chileno admite os exames corporais no acusado, o qual não pode recusar-se a
se submeter aos supracitados exames, o acusado também não pode recusar o exame
grafotécnico (ibid., p. 298 e 299).
O ordenamento inglês aborda as provas que implicam intervenção corporal no
acusado, classificando-as de invasivas e não invasivas, as últimas podendo ser realizadas sem
o consentimento do acusado, já as primeiras só serão realizadas com o seu consentimento, por
escrito, e a depender da gravidade do crime e da prognose de utilidade da prova, se o acusado
não consentir, não haverá execução forçada ou aplicação de sansão, mas sua recusa
24
injustificada será valorada no conjunto probatório, vale salientar que, mesmo prescindindo de
autorização do acusado para realização das provas não invasivas, cabe para sua verificação a
análise da gravidade do delito e da importância da prova, bem como da suspeita de
envolvimento em crime grave (ibid., p. 299 a 300).
O direito norte-americano respalda a produção de provas que dependam da
colaboração do acusado, sem que com isto compreenda violado o privilege against self-
incrimination, nesta linha, incorre em crime de desobediência quem se recusa a cooperar, e,
na coleta de sangue poderá haver condução coercitiva, o acusado não é obrigado, mas é
intimado a entregar documentos (ibid., p. 302, 304 e 305).
Relativamente à matéria das provas que dependem da colaboração do acusado para a
sua produção, além do nemo tenetur se detegere, a dignidade humana, o direito à intimidade,
o direito à integridade física e moral e o direito à liberdade, também se inserem na
problemática, e, nos diferentes ordenamentos a noção do que cada um comporta diverge
extremamente diante de padrões culturais, parecendo imprescindível para dirimir a tensão
entre o interesse individual e a persecução penal a proporcional harmonização (ibid., p. 305 a
311).
Aplicação do nemo tenetur se detegere quanto ao direito de recusa do acusado em
produzir provas que dependam de sua cooperação, é, nos diversos ordenamentos, muito
restrito, por vezes sendo admitida nos casos em que é necessária uma postura ativa do
acusado, tudo como já explicitado (ibid., p. 311 e 312).
No mais, é o princípio nemo tenetur se detegere justificador da recusa do acusado em
produzir provas que dependam de sua cooperação, uma vez que sua atitude pode indicar auto-
incriminação, sabidamente deve-se então compatibilizar o exercício deste direito com a
viabilização da persecução penal (ibid., p. 312). Nesta linha, não sendo o acusado objeto de
prova, não é obrigado a colaborar em sua produção, principalmente porque assim o fazendo
25
poderá se auto-incriminar, e sua recusa não poderá configurar crime de desobediência, nem
muito menos cabe execução coercitiva, contudo, em determinados casos este direito poderá
ser restrito em função da viabilidade da persecução penal, neste diapasão entende-se que não
fere o nemo tenetur se detegere a exigência de participação passiva do acusado, mas a posição
é controversa, pois a própria distinção entre colaboração ativa e passiva é susceptível de
obscuridades, além de que mesmo uma atitude passiva pode indicar auto-incriminação,
portanto, permanece o dilema, necessitando-se de critérios para uma solução (ibid., p. 312,
313 e 316 a 318).
Para consagração do princípio nemo tenetur se detegere o acusado não tem o dever de
colaborar na produção de provas que dependam de sua cooperação e deve ser advertido deste
direito, autodeterminando-se pela colaboração ou não, evitando-se a auto-incriminação
involuntária, ressalte-se a proibição de métodos enganosos para obtenção da prova (ibid., p.
318). A advertência está relacionada à validade do consentimento do acusado em colaborar, e
o consentimento depende da capacidade do acusado de dispor do seu direito, bem como da
disponibilidade deste direito, deverá ser anterior ou contemporâneo à colaboração, expresso,
de preferência por escrito, concreto, sério, e não decorrente de erro ou coação (ibid., p. 319 e
320).
Como já elucidado, a coexistência de vários direitos fundamentais, gera por vezes
conflitos entre eles, com o princípio nemo tenetur se detegere não é diferente, desta feita,
comporta exceções, em observância ao princípio da proporcionalidade, tendo em vista,
principalmente, a persecução penal (ibid., p. 322). O princípio da proporcionalidade
identifica-se com o da razoabilidade e o da proibição do excesso, não obstante existir
imprecisão terminológica, já no direito alemão, primeiro teve contornos de controle de
excessos, especificando-se depois quanto ao controle das restrições a direitos, exigindo para
tanto a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, e é considerado
26
como constitucional, denominando-se como princípio da proporcionalidade ou da proibição
de excesso, no direito norte-americano, denominado de princípio da razoabilidade, fora
desenvolvido bem antes do que no direito alemão, sendo decorrente do due process of law,
primeiro como garantia processual e depois no sentido substantivo, devendo-se verificar a
compatibilidade entre o meio e os fins visados, além da aferição de legitimidade dos fins
(ibid., p. 323 e 326 a 331), no direito brasileiro o princípio de proporcionalidade embora não
acolhido textualmente, entende-se com envergadura constitucional, como também no direito
estrangeiro, outrossim, levantam-se divergências quanto ao seu fundamento, se decorrente do
Estado de Direito, dos direitos fundamentais, do princípio da legalidade, do princípio do
devido processo legal, de todos conjuntamente ou da própria estrutura do ordenamento
jurídico (ibid., p. 332 a 334). Como os direitos fundamentais não são absolutos, suas
restrições podem estar expressas, na Constituição ou em leis, ou implícitas, diante da
coexistência destes direitos onde um se limita no outro, mas este limite advindo do conflito
entre direitos fundamentais deve ser estabelecido sem o aniquilamento de qualquer dos
direitos e observando o princípio da unidade da Constituição e o princípio da concordância
prática, bem como o princípio da proporcionalidade (ibid., p. 335 a 337). Pelo princípio da
proporcionalidade, as restrições impostas aos direitos fundamentais deverão ser adequadas,
necessárias e proporcionais, de modo que não comprometam o conteúdo essencial do direito
em questão, observando-se ainda na doutrina, como pressupostos para a restrição, o princípio
da legalidade, indicando a necessidade de lei escrita, estrita e prévia, e o princípio da
justificação teleológica, indicando a legitimidade constitucional e a relevância social, bem
como a judicialidade e a motivação (ibid., p. 338 a 341). A adequação corresponde à
verificação de que a medida adotada é apta à consecução do fim desejado, observando-a
qualitativa e quantitativamente, em abstrato e no caso concreto, a necessidade corresponde à
escolha de medida menos lesiva dentre aquelas consideradas aptas a realizar o fim desejado,
27
diante da indispensabilidade do fim desejado, cabendo a comparação da intensidade e duração
das medidas, e, a proporcionalidade em sentido estrito corresponde à ponderação entre o
significado da medida para o atingido e os fins desejados (ibid., p. 342 a 345). Como
mencionado aqui anteriormente, o princípio nemo tenetur se detegere comporta exceções,
principalmente diante da persecução penal, estas exceções são veiculadas através do princípio
da proporcionalidade, ou seja, as restrições são admissíveis desde que não comprometam a
essência do direito em questão, sejam reguladas por lei, tenham justificação teológica na
legitimidade constitucional e na relevância social representada pela paz social e pela
segurança pública alcançadas na persecução penal, submetam-se ao controle judicial
motivado, e, respeitem a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito
(ibid., p. 355 a 357). As exceções ao nemo tenetur se detegere deverão ser: adequadas, a
saber, aptas à produção da prova, observada a espécie, a intensidade e a duração da medida,
além de sua utilidade ao caso concreto, indicando-se suficiente quando houver indícios de
autoria e participação; necessárias, quando a medida é indispensável, não havendo outra
forma de produção da prova, e sendo a forma menos gravosa aos direito do acusado, em
termos comparativos de qualidade, intensidade e duração; e proporcionais, em sentido estrito,
observando-se a ponderação entre o significado da medida para o atingido e os fins desejados,
a intromissão mas sensível nos direitos do acusado deve ser proporcional a maior relevância
do interesse da persecução penal, no sentido da gravidade do delito e de indícios de autoria e
participação (ibid., p. 358 e 359). No mais, de acordo com o exposto, supondo o advento de
lei regulamentando a questão, relativamente às provas produzidas através de intervenção
corporal invasiva, dependeriam de consentimento do acusado, após advertência do direito de
recusa, e de prévio controle jurisdicional sobre a proporcionalidade da medida, já quanto às
provas produzidas através de intervenção corporal não invasiva, poderiam ser realizadas sem
o consentimento do acusado desde que não implicassem colaboração ativa deste, e verificado
28
o controle jurisdicional prévio sobre a proporcionalidade da medida, caso necessitassem da
colaboração ativa do acusado, ficavam com a realização a depender da observação dos moldes
preconizados na obtenção das provas invasivas, e, em relação às provas produzidas com a
cooperação do acusado, mas sem intervenção corporal, poderiam ser determinadas por
autoridade policial, cabendo o posterior controle jurisdicional sobre a proporcionalidade da
medida, ou judiciária, sem consentimento do acusado, quando implicassem colaboração
passiva deste, no caso de colaboração ativa, dependeriam de consentimento do acusado, após
advertência do direito de recusa, e de prévio controle jurisdicional sobre a proporcionalidade
da medida (ibid., p. 361 a 365). A qualquer título, não se admite a restrição do nemo tenetur
se detegere quando a medida restritiva desrespeita a dignidade humana e a saúde do indivíduo
(ibid., p. 360).
Outrossim, em decorrência do nemo tenetur se detegere, da recusa do acusado em
produzir prova que dependa de sua colaboração, não se pode extrair conseqüências em
desfavor do mesmo, assim, não admitida a valoração de sua atitude como indício de
culpabilidade ou aplicação de qualquer sanção, não se incorrendo em crime de desobediência
ou obstrução à justiça (ibid., p. 369). A superveniência de lei regulando as restrições ao nemo
tenetur se detegere, também deverá dar tratamento à recusa do acusado em colaborar na
produção de prova, levantando-se, inclusive, a possibilidade da execução coercitiva, salvo
para as provas que dependam de intervenção corporal invasiva ou impliquem colaboração
ativa do acusado, podendo no máximo, para estes casos, prever-se sanções penais ( ibid., p.
370 e 371).
Vale salientar que, o princípio nemo tenetur se detegere respalda a inexistência de
dever de comparecimento do acusado para colaborar na produção de prova, o que só poderá
tornar-se exigível diante de lei regulamentando o assunto (ibid., p. 373).
29
7 CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE
DETEGERE
A violação do princípo nemo tenetur se detegere tem suas conseqüências interligadas à
temática da ilicitude das provas (ibid., p. 374). O direito à prova, como outros direitos
fundamentais, não é absoluto, encontrando seu limite no respeito a outros direitos,
normalmente, é o tratamento da prova disciplinado legalmente de modo a assegurar igualdade
de condições na produção probatória (ibid., p. 374 e 376). Quando a prova é obtida violando
normas processuais, é considerada ilegítima, e quando a prova é obtida violando normas de
natureza material, é considerada ilícita, neste sentido, é também ilícita a prova obtida com
violação aos direitos fundamentais (ibid., p. 377). Os diversos ordenamentos divergem
quando à admissibilidade ou não da prova ilícita, dependendo de como valorem o conflito
entre persecução penal e direitos e garantias fundamentais do indivíduo, mas é predominante
o entendimento pela inadmissibilidade das provas ilícitas, os que admitem a prova ilícita
indicam eventuais sanções para seus produtores, os que não admitem a prova ilícita indicam
que o ordenamento não pode utilizar o que coíbe, ou seja, a licitude, principalmente tendo em
vista sua unidade, ou que, a prova ilícita não poderá ser utilizada por ser expressão da
violação de preceitos constitucionais (ibid., p. 378 a 380). O princípio da proporcionalidade
tem atenuado a inadmissibilidade das provas ilícitas, acenando-se que as regras de exclusão
probatória não devem ser absolutas, inclusive referindo-se a admissibilidade da prova ilícita
pro reo, e da colhida pelo próprio acusado como em legitima defesa ( ibid., p. 382 a 384). O
direito norte-americano desenvolveu a teoria dos frutos da árvore envenenada, como regra de
exclusão das provas ilícitas, segundo a qual tanto a prova ilícita em si, como a prova dela
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derivada, são inadmissíveis, contudo, surgiram várias exceções à regra, a primeira é a da fonte
independente, e de acordo com a mesma a prova ilícita poderia ser admitida se pudesse ser
obtida de uma outra fonte independente, são também exceções o testemunho dotado de
vontade autônoma, a atuação de boa-fé da polícia em cumprimento de ordem judicial, a
purgação do vício anterior por ato voluntário do acusado, o fato da prova obtida ilicitamente
ser de qualquer modo encontrada posteriormente, e, o resguardo à segurança pública,
requerendo-se intervenção imediata por parte da polícia (ibid., p. 384 a 387). No ordenamento
brasileiro, a exclusão das provas era regulada pelo Código de Processo Penal antes do advento
da Constituição Federal de 1988, com ela, estabeleceu-se a inadmissibilidade das provas
ilícitas, a doutrina, entretanto, tem atenuado, esta inadmissibilidade pelo princípio da
proporcionalidade, especialmente quando a prova ilícita é pro reo, a jurisprudência ainda não
é pacífica quanto à admissibilidade da prova ilícita por derivação, e registram-se alguns
julgados de prova ilícita pro reo em virtude do princípio da proporcionalidade (ibid., p. 388,
389, 291 e 392).
As provas colhidas com violação ao princípio nemo tenetur se detegere são ilícitas,
assim, a confissão colhida sem, ou com deficiência, da advertência do direito ao silêncio e de
que o seu exercício não será prejudicial ao acusado, é inadmissível, bem como a confissão
colhida com o emprego de métodos de interrogatório vedados (ibid., p. 96 a 398). Como
decorrência: a denúncia fundada nesta confissão é nula, devendo a mesma ser desentranhada e
nova denúncia ser oferecida embasada em outras provas, caso contrário o inquérito será
arquivado (ibid., p. 399); se referida confissão for produzida ou trazida aos autos no curso da
instrução, deverá ser desentranhada, se não for desentranhada, não poderá ser valorada em
nenhuma decisão do julgador, se vier a ser valorada, a sentença deverá ser decretada nula por
instância superior, para que outra seja proferida após o desentranhamento, admite-se que o
próprio Tribunal, com o desentranhamento da confissão ilícita, poderá julgar (ibid., p. 399);
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sendo a confissão ilícita colhida pela autoridade judicial em interrogatório, havendo prejuízo
do direito de defesa, deverá ser decretada a nulidade do interrogatório e dos atos
subseqüentes, para renovação (ibid., p. 400); havendo trânsito em julgado, cabe revisão
criminal ou habeas corpus para anular a sentença, proferindo-se outra depois do
desentranhamento da confissão ilícita (ibid., p. 400); se da confissão ilícita adveio a
pronúncia, é a mesma passível de reforma em sede recursal, cabendo o desentranhamento da
prova ilícita, pode-se também impetrar habeas corpus para decretação da nulidade da
pronúncia, devendo outra ser proferida (ibid., p. 401); ainda, sendo a confissão ilícita objeto
de referência nos debates do Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença deverá ser dissolvido,
se não o for, o veredicto será nulo (ibid., p. 401). Outrossim, no caso de produção de provas
que dependam da colaboração do acusado, havendo violação ao nemo tenetur se detegere,
serão as mesmas ilícitas, cabendo, igualmente, os procedimentos acenados contra a confissão
ilícita (ibid., p. 404 a 406).
8 O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE E O DIREITO PENAL: HÁ
DECORRÊNCIAS DO REFERIDO PRINCÍPIO NO PLANO DO DIREITO
SUBSTANCIAL?
Surgiram questionamentos quanto à incidência do princípio nemo tenetur se detegere
no direito substancial, principalmente depois de decisões italianas que erigiram o referido
princípio à causa de não-punibilidade genérica, vigorando quando um delito fosse cometido
para encobrir outro, notadamente este posicionamento era minoritário, pois o entendimento
era que o princípio não comporta tamanha extensão, era direito de defesa na fase processual,
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portanto, não atuando no plano do direito substancial, não devendo ser tratado como causa de
não-punibilidade ou como excludente de ilicitude (ibid., p. 407 a 409).
Não obstante, discute a doutrina diversos fundamentos da atuação do nemo tenetur se
detegere no campo do direito substancial, seja como componente do direito de defesa,
independente de nexo com a persecução penal, que limitaria a possibilidade de configuração
de certos delitos diante do direito de não fornecer provas auto-incriminantes, seja como causa
excludente da culpabilidade, tendo em vista a inexigibilidade de conduta conforme o dever,
pois não se pode exigir conduta auto-incriminante do indivíduo, seja também como causa
excludente da ilicitude, na doutrina italiana, considerada como estado de necessidade, e na
doutrina nacional, considerada como exercício regular de direito, seja ainda como causa de
não-punibilidade não expressa (ibid., p. 410 a 412, 414 e 415).
Majoritariamente, a doutrina e a jurisprudência entendem que o princípio nemo tenetur
se detegere não tem incidência no âmbito do direito penal, restringindo sua esfera ao processo
penal, justificando-se que não se comporta conduzir uma extensão generalizada do princípio
(ibid., p. 411 e 413 a 416).
Contudo, como o princípio admite a recusa em declarar, quando da possibilidade de
auto-incriminação, esta recusa, de certa forma, repercute no direito penal, na medida em que
desta atitude não se pode configurar qualquer delito (ibid., p. 419). Entretanto, para tanto,
deve haver um nexo direto entre a incriminação e a declaração, cuja recusa possibilita
encobrir infração penal anteriormente praticada (ibid., p. 420). Observada a necessidade de
instauração de algum procedimento, penal ou extrapenal, e da manifesta relação autoridade-
indivíduo, bem como da provocação da colaboração (ibid., p. 421).
Desta feita, do exposto, depreende-se que, o nemo tenetur se detegere não é causa de
exclusão da culpabilidade, nem causa de exclusão da ilicitude, muito menos causa de não-
punibilidade genérica, mas repercute na esfera do direito penal (ibid., p. 421).
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9 CONCLUSÕES
A título de conclusões, Maria Elizabeth Queijo (ibid., p. 422 a 435) faz uma
recapitulação de todo o tratamento disponibilizado em seu trabalho quanto ao princípio nemo
tenetur se detegere e sua incidência, novamente referindo-se às origens históricas do
princípio, sua relação com os poderes instrutórios do juiz e a busca da verdade no processo,
mencionando também a envergadura de princípio-garantia, modernamente adotada, seu
acolhimento diante da ordem constitucional brasileira, seu deslinde no interrogatório do
acusado, sopesando-se o direito ao silêncio, sua aplicação quando da produção de provas que
dependam da cooperação do acusado, matéria que muito carece de legislação
regulamentadora, ainda discorrendo quanto às conseqüências da violação do acenado
princípio, e possíveis ilicitudes probatórias, não deixando de elucidar a possibilidade de
decorrências do mesmo no direito penal, para tudo consignou posicionamento doutrinário e
jurisprudencial, advindos dos diversos ordenamentos estrangeiros.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo : Saraiva, 2003.
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