o conhecimento biolÓgico e as construÇÕes sociais do “ser humano”
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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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tipificação desvalorizante e estereotipada do diferente (JODELET, 1998, p. 50 – 51).
Tal discussão sobre o duplo processo de definição dos espaços da alteridade/ipseidade, pouco interessou à psicologia social, que tratava principalmente das formas concretas de sua exposição, como as relações raciais. Esta postura foi insuficiente para compreender a alteridade como produto e processo psicossocial. Contudo, a abordagem empregada pela Teoria das Representações Sociais permitiu um melhor entendimento da influência simbólica sobre a construção/exclusão social que é subjacente à esta noção (JODELET, 1998).
A Teoria das Representações Sociais, inaugurada por Moscovici, mostra que a construção simbólica coletiva propicia a manutenção de uma identidade social, consequentemente, de critérios para definição de um outro.
Moscovici (1978, p. 41), percebeu que as pessoas organizam suas ações cotidianas partindo de opiniões elaboradas segundo experiências empíricas suas e dos que estão diretamente relacionados consigo. Estas experiências são difundidas pela comunicação intersubjetiva ou por mecanismos de comunicação em massa, tais como, a tv, o rádio, os livros, as revistas, e atuam na formação de “entidades quase tangíveis que [...] cruzam‐se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro em nosso universo cotidiano” – As representações sociais.
Segundo ele, o conhecimento é constituído pelo pensamento simbólico, que significa a possibilidade de representar um objeto através de outro, bem como um objeto significar vários outros.
Este pensamento teria sua gênese na comunicação social. Os símbolos recém introduzidos, ou edificados no grupo, são agrupados a outros, que os contextualizam, que explicitam seus sentidos. Uns, mais arraigados a valores do grupo, servem de base para ancoragem dos novos. Este esquema de concatenação de símbolos define um grupo de conceitos.
A fixação de um conceito é reflexo de um conflito de interesses que se estabelece no interior do grupo. Promove o debate e a demarcação das prioridades do conjunto, do que há em comum aos seus membros. No processo de comunicação e construção simbólica, os grupos afirmam ou re‐elaboram os próprios contornos. E o processo de pensamento reflete, portanto, uma organização social.
Moscovici (1978, p. 41) afirma que “as representações sociais correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática que produz a dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica ou mítica”.
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Deste modo,
uma representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto exprime. No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a darlhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (MOSCOVICI, 1978, p. 26).
Este saber prático explicita, nos sentidos e significados que carrega, o processo coletivo que o estabelece, pois resulta de um conflito de interesses; opiniões, atitudes e ações de um grupo. Assim, atualiza e defende uma identidade social, promove a dupla construção da ipseidade/alteridade deste conjunto frente a outros. Neste sentido, constituição do conceito “ser humano”, para a sociedade contemporânea ocidental, seguiria padrões análogos frente a fenômenos e organismos não‐humanos?
Acredita‐se que o conhecimento científico e os produtos tecnológicos tenham participado de boa parte da constante (re)formulação do que se representa como identidade humana, seja pela naturalização do artificial, por exemplo à manipulação da vida, ou pelo confronto entre o que se sabe sobre o homem e os demais organismos vivos. Esta discussão pode ser frutífera no sentido de evidenciar relações dinâmicas entre os pensamentos biológico e cotidiano, bem como pensar o ensino de ciências sob um enfoque multicultural que valorize e promova o diálogo entre ambos.
O CONHECIMENTO BIOLÓGICO E O “SER – HUMANO”
Ainda na pré‐história, o homem conhecia inúmeros organismos vivos, imortalizados na arte rupestre, usados na obtenção de instrumentos de exploração, ou alimento. Desde as primeiras incursões no entendimento do meio ambiente, com a tomada de consciência da própria identidade, ele começa a traçar os seus primeiros passos como naturalista. Principia‐se uma cisão. Ao tornar‐se naturalista o humano, passo a passo, distancia‐se da sua condição natural.
Paulatinamente, a sociedade, sob o argumento, dentre outros, dos “bons modos”, parte de uma ruptura entre o animal e o humano. Este, que se distancia da desordem, do invariável, torna‐se imperfeito, ao contrário dos animais, tão bem adaptados ao seu meio. Por outro lado, o homem se aperfeiçoa, se desenvolve usando de próteses sociais, em busca da sua perfeição. “Aperfeiçoar o homem, eis a missão da sociedade e do conhecimento” (MOSCOVICI, 1974).
Há uma luta da sociedade contra a natureza. Um inimigo, ligado ao ambiente externo e outro ao interno ao humano, que deve ser analisado, compreendido e
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controlado. Conhecer e dominar o selvagem é questão de sobrevivência (MOSCOVICI, 1974; 1975).
A relação proposta entre os homens, os animais, e os demais organismos vivos, apresentada pelas teorias evolucionistas, ou mesmo pelos primeiros estudos anatômicos, que datam de muito antes, implicaram na produção de argumentos para pensar esta dupla oposição selvagem/doméstico.
Hoje em dia, coloca‐se como possibilidade, por exemplo, pensar a vida humana intra‐uterina ainda no zigoto. Também, a própria manipulação da vida que tem levantado controvérsias, começa a naturalizar‐se. Fertilização invitro é um conceito bastante popular, em breve, provavelmente também, o serão os transgênicos e a clonagem.
O artificial é incorporado à construção do que se diz condição humana. Parece possível pensar, nesta perspectiva, a construção de um humano artificializado, a exemplo do produto cibernético apresentado na ficção em analogia à imagem ecográfica de um feto.
Estes instrumentos e conceitos artificiais que têm sido ajuntados à noção contemporânea de humano, sejam fornecidos pelos conhecimentos biológicos, ou pela tecnologia que os suporta, parecem há muitos anos, fazerem parte do processo de construção do conceito de organismo domesticado, que incorpora objetos artificiais.
As teorias evolutivas colocam este processo em questão quando apresentam o homem no mesmo patamar biológico que os demais organismos vivos, entretanto, tal representação parece esquecida ou desestimulada por um processo social mais amplo, sobre a própria essência do humano frente à sociedade que se coloca em luta contra a natureza selvagem do ser.
O que faz com que o humano seja humano? Perguntou Moscovici (1974). Esta questão está na base dos questionamentos de diversas culturas. O homem ‐ cultura e/ou natureza, é uma questão universal, um temata que embasa boa parte das construções simbólicas emergentes.
Segundo Moscovici, os novos símbolos são alicerçados em outros pré‐existentes, formando conceitos. Alguns destes, de proporção maior, presentes em diferentes grupos culturais, tendem a permanecer, são pouco mutáveis, e estão na base da própria idéia de vida coletiva, estes conceitos são definidos como tematas. Um deles, refere‐se à relação entre natureza e cultura na base da construção social do “ser humano”.
Além da cisão, que se fundamenta neste temata, foi construída uma gradação entre o homem selvagem e o domesticado. Cada época cria aquele que melhor se enquadra no papel do selvagem.
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A causa que desencadeou a erupção do gênero humano separandoo do mundo animal e material e a diferença que permite ao homem erguerse acima das outras espécies – ou de outras frações da humanidade, primitivos, mulheres, crianças, etc., consideradas mais próximas da animalidade – são as facetas deste problema. A emergência da natureza, a formação de uma ordem à parte, artificial, representa agora a substância de sua solução, que se procura demonstrar de mil formas (MOSCOVICI, 1975).
Uma grande oposição se coloca, atualmente, na relação entre o saber científico, “domesticado”, e o saber popular, cotidianamente construído (MOSCOVICI, 1974). Esta dissensão, que aposta em um conhecimento científico neutro e analítico, permeia ainda hoje a produção científica e tecnológica, principalmente dos países ocidentais, e se mostra como construtora e definidora do que se entende por conhecimento.
O ser humano, neste movimento, experimenta algo que Moscovici chama de pensar por procuração. O especialista é quem atesta sobre coisas e questões intrínsecas da pessoa comum. Por exemplo, o médico é quem está habilitado a dizer se alguém sente‐se bem ou mal. Independente, do estado manifestado pelo próprio ator social.
As ciências inventam e propõe a maior parte dos objetos, conceitos, analogias e formas lógicas a que recorremos para fazer face às nossas tarefas econômicas, políticas ou intelectuais. O que se impõe, a longo prazo, como dado imediato de nossos sentidos, de nosso entendimento, é, na verdade, um produto secundário, reelaborado, das pesquisas científicas. Esse estado de coisas é irreversível. Corresponde a um imperativo prático. Por que? Porque, deixamos de esperar exercer domínio sobre a maioria dos conhecimentos que nos afetam. Pressupõese que grupos ou indivíduos competentes devam obtêlos e fornecêlos para nós. [...] Nessas condições, pensamos e vemos por procuração, interpretamos fenômenos sociais e naturais que não observamos e observamos fenômenos que nos dizem poder ser interpretados [...] por outros, entendase. (MOSCOVICI, 1978, p. 21)
As especialidades, entretanto, aparecem de modo geral vinculadas à idéia mecanicista de mundo e de ciência que fundamenta‐se na posição analítica, de modo que o conhecimento é produzido quando se decompõe determinados objetos em pormenores profundamente estudados e explicitados. Infelizmente, por vezes perde‐se a noção do todo decomposto. Essa postura tem sido questionada e novos paradigmas emergem neste contexto.
A realidade é dinâmica, o pensar é intrínseco ao homem comum, que apresenta suas lógicas próprias, diferentes do pensamento científico positivista, mas que são tidos em mesmo grau de importância. Não são melhores ou piores, mas diferentes.
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A Teoria das Representações Sociais, de Moscovici, aparece em sintonia com este movimento. Propõe a valorização do conhecimento cotidiano, e preocupa‐se por entender como o conhecimento é transferido de um contexto social para outro, bem como sua difusão dentro de determinado grupo.
Neste caso, um primeiro passo rumo ao entendimento das construções sociais do “ser humano” e as influências dos conhecimentos biológicos nesta questão, busca‐se descrever uma proposta de pesquisa empírica que tem sido desenvolvida no contexto brasileiro.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SER HUMANO: UMA PROPOSTA DE PESQUISA EMPÍRICA
A origem do universo, da vida, do homem; a relação ser humano cultural e natural; as concepções de vivo, não‐vivo e morto; e assuntos pertinentes à evolução dos seres vivos, são enfaticamente debatidos nos cursos de formação de biólogos e professores de biologia. Parece comum que tais discussões tragam implícitas algumas questões existenciais. O que, muitas vezes, contribui para que o aluno sinta‐se aflito e busque conciliar a nova informação ao seu mundo conceitual. Identidades culturais são frequentemente revistas e comportamentos alterados.
Os conteúdos sobre origem da vida e do universo, apresentam constantemente a questão de onde viemos. Na temática ambiental, ecológica, da relação homem e natureza; homem e cultura, quem somos. Por fim, na discussão sobre a vida (vivo, não vivo e morto), fluxo de energia e ciclagem de nutrientes, parecem emergir reflexões sobre para onde vamos.
Conflitos de ordem cognitiva e afetiva apresentavam‐se com maior vigor ao serem confrontados conteúdos sobre os antepassados humanos, a valores culturais. As questões, de onde viemos, quem somos e para onde vamos, por fim, emergem de um sistema complexo de interação entre as diferentes disciplinas de cunho evolucionista, cuja confluência incitaria um possível entendimento sobre o humano e o desumano.
Esta relação, entre o processo evolutivo e a história da humanidade, volta‐se, portanto a conceitos tangentes à teoria da descendência comum (Meyer; El‐Hani, 2001). É estabelecida uma relação de alteridade na construção do “eu” humano e o alter, vivo e não‐humano. Trata‐se de um contexto educacional, no qual os discentes refletem sobre suas incompletudes. As características dos demais seres vivos são discutidas e comparadas com as próprias condições biopsicossociais humanas.
PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Portanto, busca‐se neste trabalho compreender como as questões existenciais “quem somos, de onde viemos e para onde vamos” se colocam no senso comum, sob o ponto de vista de um grupo de discentes universitários do Programa de Ciências Agro‐ambientais (Biologia) da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campus de Tangará da Serra. Especificamente, os possíveis enlaces entre saberes religiosos e científicos, manifestados por tais discentes ao constituírem uma representação social emergente à estas questões, a noção de humano.
A contribuição da educação científica e religiosa na formação do conceito de humano relaciona‐se à construção dos limites do que se entende por cultura e natureza. A estrutura desta noção possivelmente produz implicações para as discussões, dentre outras, sobre ética, quando são colocados em pauta argumentos sobre pesquisas com seres vivos; meio ambiente, na adoção de atitudes de respeito ou desrespeito ao meio natural e, cidadania, na construção de normas e regimentos de proteção da vida e da promoção da qualidade de vida. A opção por imprimir um enfoque educacional a este trabalho vincula‐se ao fato de que nestes três campos a educação tem sido fecunda na formação da consciência crítica dos cidadãos.
O ensino de evolução tem sido reconhecido, tanto como parte relevante para a compreensão da biologia moderna, quanto da própria ciência. Nos últimos 2 anos diferentes publicações de alguns periódicos especializados retratam pesquisas sobre concepções de estudantes, imprecisões conceituais e influências ideológicas em livros didáticos. Muitos artigos partem da preocupação com relações entre evolucionismo e criacionismo, dentre eles Tidon e Lewontin (2004); Brem; Ben‐Ari (2004); Hofman; Weber (2003); Ranney e Schindel (2003).
Nesta pesquisa, propõe‐se a descrição de determinado objeto sob o ponto de vista de um grupo social dinâmico envolvido pelas questões globais da sociedade, levando‐se em conta suas histórias pessoais e grupais. Sá (1998), considerando tal perspectiva, destacou que a delimitação do objeto de estudos em representações sociais leva em conta o elemento representado e os sujeitos que o representam.
A abordagem da noção “humano”, neste caso, enquadra‐se na análise de conexões psicossociais estabelecidas entre os saberes científicos e religiosos dentro de um curso da área biológica.
A teoria das representações sociais proposta por Serge Moscovici em 1961, que tem proporcionado uma visão holística da vinculação entre os processos cognitivos e as interações sociais, manifesta‐se como um referencial adequado para nortear esta pesquisa. Segundo seus princípios, ao analisar o conteúdo do objeto representado é possível verificar nele, as características identitárias dos sujeitos que representam. E permite uma abordagem do conhecimento do senso comum, levando‐se em conta as suas informações, crenças, atitudes, ideologias, sentimentos e imagens.
PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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As tradições religiosas preponderantes neste grupo reúnem elementos de cunho cristão, basicamente, católicos e protestantes. Ao tratar deste tema, destaca‐se o trabalho de Sepúlveda (2003), que identificou, em um estudo desenvolvido com alunos protestantes do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, possíveis conflitos entre valores religiosos, apresentados por tais estudantes, e conceitos fundamentais à noção de evolucionismo.
Ao definir que um saber prático elaborado no contexto cotidiano de grupos humanos se constitui em uma representação social, Denise Jodelet apresentou três perguntas e respectivas problemáticas que “são interdependentes e abrangem os temas dos trabalhos teóricos e empíricos”, no campo da teoria de Moscovici: Quem sabe e de onde sabe, referindo‐se às condições de produção e de circulação das representações sociais; o que sabe e como sabe, a propósito dos processos e estados destas noções; e sobre o que sabe e com que efeitos, referente ao estatuto epistemológico das representações sociais (JODELET, 2001, p. 28).
Ao indagar quem sabe e de onde sabe, referindo‐se às condições de produção e circulação das representações sociais
[...] identificamse três conjuntos, designados pelos rótulos genéricos de ‘cultura’, ‘linguagem e comunicação’ e ‘sociedade’. Pesquisamse as relações que a emergência e a difusão das representações sociais guardam com fatores tais como: valores, modelos e invariantes culturais; comunicação interindividual, institucional e de massa; contexto ideológico e histórico; inserção social dos sujeitos, em termos de sua posição e filiação grupal; dinâmica das instituições e dos grupos pertinentes (SÁ, 1998, p. 32).
Neste caso, alunos universitários, vinculados ao curso de Ciências Agro‐ambientais, que serão formados em Biologia ou em Agronomia, pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) do campus de Tangará da Serra, Mato Grosso (MT). Esses discentes desenvolvem suas atividades acadêmicas em um Estado Federativo que, em regra, é potencialmente agrário. Especificamente, interatuam em uma região latifundiária, de monoculturas como a soja e a cana‐de‐açúcar, entremeadas por algumas pequenas propriedades rurais de economia familiar, resultantes do processo de reforma agrária.
Espera‐se com a aplicação do questionário a todos os alunos do referido curso, estabelecer um senso, dos subgrupos de estudantes entendidos dentro de um gradiente que vai de crenças totalmente religiosas com pouca influência evolucionista, até o pólo oposto/complementar de concepções evolucionistas e ateísmo. Buscando‐se analisar variáveis vinculadas à atividades acadêmicas, bem como culturais que contribuem para tais posicionamentos.
PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Ao referir‐se aos processos e estados das representações sociais, Sá (1998, p. 32), explicou que devemos nos ocupar
[...] dos suportes da representação (o discurso ou o comportamento dos sujeitos, documentos, práticas, etc.), para daí inferir seu conteúdo e sua estrutura, assim como da análise dos processos de sua formação, de sua lógica própria e de sua eventual transformação.
Deste modo as representações sociais destes sujeitos, enquanto produto e processo, acerca do conceito de humano, colocadas nos tempos ou questões existenciais de onde viemos, quem somos e para onde vamos, serão os elementos de representação abordados na tentativa de responder ao que sabem e como sabem. Para isto, não apenas o questionário, como também e principalmente, as entrevistas em grupo parecem fecundas.
As questões referentes ao estatuto epistemológico das representações sociais, sobre o que sabe e com que efeito, referem‐se às
[...] relações que a representação guarda com a ciência e com o real, remetendo para a pesquisa das relações entre o pensamento natural e o pensamento científico, da difusão dos conhecimentos e da transformação de um tipo de saber em outro, bem como das decalagens entre a representação e o objeto representado, em termos de distorções, supressões e suplementações (SÁ, 1998, p. 32).
As decalagens, traduzidas do francês como defasagens, referem‐se às influências da comunicação na emergência de representações sociais. Segundo Jodelet (2001), o fato das representações sociais serem reconstruções do objeto, expressões dos sujeitos podem ocasionar defasagens no conteúdo expresso, devido à influência de valores e códigos coletivos, das implicações pessoais e dos engajamentos sociais dos indivíduos. Isto produz três tipos de efeitos ao nível de conteúdos representativos: distorções, suplementações e subtrações.
No caso das distorções, o objeto é apresentado em todos os seus aspectos, entretanto alguns são acentuados e outros atenuados. A suplementação define‐se pelo acréscimo de atributos, que não lhe são próprios, ao objeto representado (JODELET, 2001). A subtração corresponderia à supressão dos atributos apresentados pelo objeto.
Portanto, as questões sobre o que sabe e com que efeitos, tratarão das possíveis defasagens sofridas pela passagem do conhecimento sobre o conceito de humano, do contexto científico, para o universo consensual das representações sociais, analisando‐se, neste caso, também o papel da mediação didática.
Nesta análise todos os dados coletados serão imprescindíveis para a elaboração da relação entre ciência e religião nas concepções dos universitários. E principalmente, as informações levantadas em suas histórias pessoais, que
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contribuirão para elucidação de hipóteses relacionadas à variáveis externas à vida universitária.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Uma abordagem empírica para o entendimento do conceito de ser humano, construído por possíveis professores de biologia, apresenta‐se como fecunda para o (re)pensar sobre o papel do biólogo na construção e no debate deste conceito junto aos ao corpo social. Esta possibilidade pode levar à edificação de um ensino de ciências que respeite as idéias cotidianas apresentadas pelos discentes. Além disso, busca‐se compreender este processo em uma perspectiva multicultural, que coloca a ciência como uma cultura, e o ensino/aprendizagem de ciência, torna‐se um processo de enculturação que prevê a aproximação e o diálogo com uma cultura cotidiana, previamente construída pelo ator social, participante do processo de ensino/aprendizagem.
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