nenhuma poesia

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Livro de anti-poemas.

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todo caminho que sigo é por amor ao perigo

toda menina que amo é por amor ao engano

todo silêncio que falo

é por amor ao que calo

toda verdade que minto é por amor ao que sinto

todo poema que faço

é por amor ao fracasso

nada mais estático que a estética das estantes

o único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com a literatura ler é esquecer de amar por isso nenhuma poesia adverte (o poeta escreve cego por linhas óbvias)

palavras não são asas e a liberdade é a medida da nossa submissão por isso muito além de qualquer citação nenhuma poesia adverte (liberdade é roubar fora das aspas)

a escravidão é a lei da escrita e não há outra lei uns nascem escravos outros tornam-se escravos mas há aqueles a quem a escravidão é dada e a estes nenhuma poesia adverte (só é livre quem se livra dos livros)

enquanto houver poesia não vai haver poesia

medo por dentro, poema por fora não há poesia em poeta contido feito o poema, o poeta cai fora e leva consigo o poema perdido medo por dentro, poeta por fora não há poesia em poema fingido feito o poeta, o poema cai fora e leva consigo o poeta traído medo por dentro, mundo por fora encara-te a frio, poeta vencido! mundo por dentro, mudo por fora só há poesia em poema não lido

o vento cata ventos? ou só cata-ventos catam o vento? o poeta cata inventos? ou só cata-ventos cata o poeta?

livrar o ato da maneira livrar o sangue da moldura livrar o louvre da cultura livrar o sol da prateleira livrar o sonho da gordura livrar o tédio da lareira livrar o rabo da cadeira livrar o crime da brochura livrar o fardo da palmeira livrar o torto da tortura livrar o clara da censura livrar o samba da roseira livrar o santo da altura livrar o rock da ladeira livrar o tango da fronteira livrar o livro da leitura

disse o poeta (covarde rotina) o melhor do poema é a última rima disse o poeta (e perdeu a piada) o melhor do poema é quando ele acaba morta a charada! (o poeta termina) a piada é profunda e a rima, cretina morta a charada! (o poeta se afunda) e erguemos a bunda da gorda almofada

assinar o silêncio será plágio da vida? pela flor do poema o céu eu assalto procuro no alto a palavra caída e tropeço de amor no inferno do palco não será deus a palavra vencida que no sangue de um gato escorre no asfalto? a sorte do amante é haver despedida sem beijos nem asas a dor eu exalto será a mentira a verdade do fatos? matar o destino a visão do profeta? coração de bolero: apanho mas bato página em branco onde o sêmen vegeta linha do peito onde escrevo o que mato será o assassino um faceiro poeta?

a vida é curta para ser poema

no princípio era o verbo

mas quando o verbo

converteu-se em verba

a poesia deixou de ser (ação de graças)

para transformar-se em

(ação de graça)

por causa dos poetas é que hoje em dia

muita gente acredita que a publicidade

é truque

(sejamos honestos

devo renunciar à literatura e esperar por um emprego de revisor

em uma agência de

publicidade?)

eu sou como eu sou pronome pessoal intransferido dos poetas que plagiei na medida do meu umbigo

já que não podemos abandonar a literatura em nome da vida abandonemos ao menos a idéia de abandonar a vida em nome da literatura

para mim a poesia sempre foi um projeto que nunca saiu do papel

tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor em tomos tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor dos tolos golfada de mofo

escreveu não leu? virou poeta fudeu

fora da zona da página estás solitária e eu estou fora da zona da página fora da zona da página solitário rabo preso se não por uma vida ao menos por um instante

(dentro da zona da página) os vaiados e a (vitória) fora da zona da página

de ré na praça da página traço a fama em pé na traça da página como a fome

sem o sal da lágrima

a estética do cio

poeta se queres confiar no poema esquece as palavras porque as palavras não têm palavra encare o poema como um problema venéreo pois com as palavras ciumento poeta só há amor no adultério

com as palavras não tem papo isso é fato nem nexo porque o poema casto poeta é um estupro sem sexo portanto se queres cumprir tua pena de poeta perdoe as palavras libidinosas e reles pois as palavras profundo poeta são como as flores sem alma só pele

poeta não minta não prometa à tinta que o papel é o céu poeta não sinta porque a verdade pinta e escrever à tinta é o papel do sol

poeta sempre sonhei com o dia em que a poesia fosse feita sem linguagem dia em que os grandes e os pequenos desejos disseminados pelos versos afora fossem subitamente reunidos em dois olhos sobre a frenética ausência de uma página em branco poeta nunca acreditei em espelhos e se escrevo um poema é porque busco um lugar onde eu seja mesmo que cego o que não sou poeta

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