nenhuma poesia

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Livro de anti-poemas.

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Page 1: Nenhuma Poesia
Page 2: Nenhuma Poesia

todo caminho que sigo é por amor ao perigo

toda menina que amo é por amor ao engano

todo silêncio que falo

é por amor ao que calo

toda verdade que minto é por amor ao que sinto

todo poema que faço

é por amor ao fracasso

Page 3: Nenhuma Poesia

nada mais estático que a estética das estantes

Page 4: Nenhuma Poesia

o único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com a literatura ler é esquecer de amar por isso nenhuma poesia adverte (o poeta escreve cego por linhas óbvias)

Page 5: Nenhuma Poesia

palavras não são asas e a liberdade é a medida da nossa submissão por isso muito além de qualquer citação nenhuma poesia adverte (liberdade é roubar fora das aspas)

Page 6: Nenhuma Poesia

a escravidão é a lei da escrita e não há outra lei uns nascem escravos outros tornam-se escravos mas há aqueles a quem a escravidão é dada e a estes nenhuma poesia adverte (só é livre quem se livra dos livros)

Page 7: Nenhuma Poesia

enquanto houver poesia não vai haver poesia

Page 8: Nenhuma Poesia

medo por dentro, poema por fora não há poesia em poeta contido feito o poema, o poeta cai fora e leva consigo o poema perdido medo por dentro, poeta por fora não há poesia em poema fingido feito o poeta, o poema cai fora e leva consigo o poeta traído medo por dentro, mundo por fora encara-te a frio, poeta vencido! mundo por dentro, mudo por fora só há poesia em poema não lido

Page 9: Nenhuma Poesia

o vento cata ventos? ou só cata-ventos catam o vento? o poeta cata inventos? ou só cata-ventos cata o poeta?

Page 10: Nenhuma Poesia

livrar o ato da maneira livrar o sangue da moldura livrar o louvre da cultura livrar o sol da prateleira livrar o sonho da gordura livrar o tédio da lareira livrar o rabo da cadeira livrar o crime da brochura livrar o fardo da palmeira livrar o torto da tortura livrar o clara da censura livrar o samba da roseira livrar o santo da altura livrar o rock da ladeira livrar o tango da fronteira livrar o livro da leitura

Page 11: Nenhuma Poesia

disse o poeta (covarde rotina) o melhor do poema é a última rima disse o poeta (e perdeu a piada) o melhor do poema é quando ele acaba morta a charada! (o poeta termina) a piada é profunda e a rima, cretina morta a charada! (o poeta se afunda) e erguemos a bunda da gorda almofada

Page 12: Nenhuma Poesia

assinar o silêncio será plágio da vida? pela flor do poema o céu eu assalto procuro no alto a palavra caída e tropeço de amor no inferno do palco não será deus a palavra vencida que no sangue de um gato escorre no asfalto? a sorte do amante é haver despedida sem beijos nem asas a dor eu exalto será a mentira a verdade do fatos? matar o destino a visão do profeta? coração de bolero: apanho mas bato página em branco onde o sêmen vegeta linha do peito onde escrevo o que mato será o assassino um faceiro poeta?

Page 13: Nenhuma Poesia

a vida é curta para ser poema

Page 14: Nenhuma Poesia

no princípio era o verbo

mas quando o verbo

converteu-se em verba

a poesia deixou de ser (ação de graças)

para transformar-se em

(ação de graça)

Page 15: Nenhuma Poesia

por causa dos poetas é que hoje em dia

muita gente acredita que a publicidade

é truque

Page 16: Nenhuma Poesia

(sejamos honestos

devo renunciar à literatura e esperar por um emprego de revisor

em uma agência de

publicidade?)

Page 17: Nenhuma Poesia

eu sou como eu sou pronome pessoal intransferido dos poetas que plagiei na medida do meu umbigo

Page 18: Nenhuma Poesia

já que não podemos abandonar a literatura em nome da vida abandonemos ao menos a idéia de abandonar a vida em nome da literatura

Page 19: Nenhuma Poesia

para mim a poesia sempre foi um projeto que nunca saiu do papel

Page 20: Nenhuma Poesia

tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor tomei o tumor o tomei o tumor em tomos tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor tossi tossi tossi tossi o torpor dos tolos golfada de mofo

Page 21: Nenhuma Poesia

escreveu não leu? virou poeta fudeu

Page 22: Nenhuma Poesia

fora da zona da página estás solitária e eu estou fora da zona da página fora da zona da página solitário rabo preso se não por uma vida ao menos por um instante

Page 23: Nenhuma Poesia

(dentro da zona da página) os vaiados e a (vitória) fora da zona da página

Page 24: Nenhuma Poesia

de ré na praça da página traço a fama em pé na traça da página como a fome

sem o sal da lágrima

Page 25: Nenhuma Poesia

a estética do cio

Page 26: Nenhuma Poesia

poeta se queres confiar no poema esquece as palavras porque as palavras não têm palavra encare o poema como um problema venéreo pois com as palavras ciumento poeta só há amor no adultério

Page 27: Nenhuma Poesia

com as palavras não tem papo isso é fato nem nexo porque o poema casto poeta é um estupro sem sexo portanto se queres cumprir tua pena de poeta perdoe as palavras libidinosas e reles pois as palavras profundo poeta são como as flores sem alma só pele

Page 28: Nenhuma Poesia

poeta não minta não prometa à tinta que o papel é o céu poeta não sinta porque a verdade pinta e escrever à tinta é o papel do sol

Page 29: Nenhuma Poesia

poeta sempre sonhei com o dia em que a poesia fosse feita sem linguagem dia em que os grandes e os pequenos desejos disseminados pelos versos afora fossem subitamente reunidos em dois olhos sobre a frenética ausência de uma página em branco poeta nunca acreditei em espelhos e se escrevo um poema é porque busco um lugar onde eu seja mesmo que cego o que não sou poeta

Page 30: Nenhuma Poesia