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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017
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Não Haverá Uma Criança Que Não Conheça Seu Nome – O Crescimento da Saga
Harry Potter em Detrimento dos Fãs1
Karoline SOUSA2
Riverson RIOS3
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE
Resumo
Após 20 anos de seu lançamento, a saga Harry Potter segue recriando alternativas e
mobilizando os fãs que são apontados como os principais responsáveis pela perpetuação
da série. O presente artigo visa refletir acerca do envolvimento dos fãs inseridos num
processo de cooptação para o crescimento da saga. A metodologia consiste num
levantamento bibliográfico, e tem como base a teoria da cultura da convergência,
defendida por Jenkins. A cultura da convergência realmente existe no sentido de
promover a cooperação entre os participantes ou é utilizada no sentido de cooptar? Este
estudo se torna pertinente, visto que os fãs passaram a ter um papel de destaque ao
construir e manter o sucesso da saga, embora esses grupos sejam utilizados na reinvenção
da produção lucrativa das indústrias.
Palavras-chave: Harry Potter; Convergência; Pottermore; Fanfics; Cooptação.
Introdução
O universo de Harry Potter criado por Joanne Kathleen Rowling abriu as portas
da literatura fantástica para crianças e jovens do mundo todo. Esse portal para a magia
atraiu milhões de pessoas dispostas a recriar as paredes de Hogwarts e sentar nos jardins
da escola ao lado de Harry, Rony e Hermione. Com o início da Web 2.0 isso se tornou
possível visto que ela marcou a chegada de uma nova fase onde os leitores e
telespectadores saíram do papel de meros espectadores para colaboradores ativos da
própria indústria. “Os espectadores começaram a se transformar também em usuários.
Cada um pode tornar-se produtor, criador, compositor, montador, apresentador, difusor de
seus próprios produtos. ” (SANTAELLA, 2003, p.81-82). A atuação dos fãs na difusão
de conteúdo influencia no crescimento da saga e fornece poder lucrativo à detentora dos
direitos autorais.
O objetivo geral do artigo é explanar os passos que fazem os fãs essenciais para
manter a marca “Harry Potter” influente. Introduzidos num processo midiático se veem
sendo a maior fonte de lucros da grande indústria. A metodologia empregada consiste
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares, da Intercom Júnior – XIII Jornada de
Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
2 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Jornalismo do ICA-UFC, email: sousakaroline7@gmail.com
3 Orientador do trabalho e professor do Curso de Comunicação Social da UFC, e-mail: riverson.rios@yandex.com
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num levantamento bibliográfico dos autores que discutem a vida e a sociedade de
consumo, a cultura da convergência, a relação dos fãs com a saga e seus desdobramentos,
além das questões referentes à cultura da convergência como cooptação. A cultura da
convergência realmente vem no sentido de promover a cooperação entre todos os
participantes ou é utilizada no sentido de cooptar? Quais os processos de reinvenção da
série? O papel dos fãs é meramente lucrativo?
Cada seção se inicia com o nome de um feitiço da saga. Este trabalho está assim
organizado: a primeira seção apresenta o lançamento dos livros, filmes e diversos
produtos relacionados à série na sociedade de consumo, que transportados pela emoção e
a ideia de pertencimento à série provocam mudanças na era da convergência. A segunda
seção discute as fanfics como o primeiro ato da participação dos fãs, além das relações
com a Warner Bros e o caso PotterWar. Nessa mesma seção, o lançamento do Pottermore
após os filmes e a sua importância para a perpetuação da série. Por fim, na terceira seção,
uma visão crítica à cultura da convergência, com os conceitos de Alex Primo
determinando que isso seja repensado em termos mais tecnicistas, não somente no viés
cultural pensado por Jenkins.
1. Lumos Solem4 - Harry Potter e a Sociedade de Consumo
1.1 Identificação com a história e o ritual de consumo
Harry Potter não foi criado para ser um sucesso. Pelo contrário, ele foi negado por
nove editoras antes de seu primeiro livro ser publicado (ANELLI, 2011). Os livros lidos
pelas crianças eram curtos e pouco densos, diziam que elas jamais leriam mais de 100
páginas. Em 1997, J. K. Rowling publica seu primeiro livro Harry Potter e a Pedra
Filosofal. Em julho de 1998, o primeiro livro já tinha vendido mais de 70 mil exemplares
na Grã-Bretanha e com o lançamento de Harry Potter e a Câmara Secreta ele se tornou
o primeiro livro infantil a chegar ao primeiro lugar de uma lista de best-sellers – a do
jornal Times de Londres.
Os livros estavam conquistando fãs com tamanha dedicação que os
apaixonados começaram a ultrapassar o ritmo dos editores; já em abril
estavam tão desesperados pelo segundo livro, Harry Potter e a Câmara
Secreta, com lançamento previsto nos Estados Unidos para setembro,
que começaram a encomendá-lo na Amazon.co.uk ao preço de
pechincha, com o frete incluído, de 25 dólares. (ANELLI, 2011, p. 80-
81)
Em 1999, com o lançamento de três livros de Harry Potter algumas pessoas
passaram a associar a palavra fenômeno à saga. Com isso, vieram Harry Potter e o
Prisioneiro de Azkaban (1999), Harry Potter e o Cálice de Fogo (2000), Harry Potter e
a Ordem da Fênix (2003), Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2005), Harry Potter e
as Relíquias da Morte (2007). Em 2001, o primeiro filme adaptado para o cinema foi
lançado pela Warner Bros, detentora dos direitos da série. Com direção de Chris
Columbus o filme recebeu três indicações ao Oscar e sete indicações ao Bafta. Vestidos
__________________ 4 Feitiço que cria a luz do Sol na ponta da varinha
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com os uniformes de Hogwarts, portando varinhas e com inúmeros artigos dos filmes, a
cada ano o número de seguidores que acampava na porta de cinemas crescia
absurdamente, muitos queriam ser os primeiros a acompanhar o novo capítulo que saía
das páginas para as telas.
Os sete livros da série já venderam mais de 400 milhões de exemplares desde seu
lançamento, em 1997. Traduzidos em 67 idiomas, os livros percorreram o mundo todo,
publicados e reeditados em diversos países. 5
Uma lista incontável de produtos foi lançada: livros, filmes, games, roupas,
varinhas, artigos de decoração. Tudo era criado com o intuito de satisfazer o desejo dos
fãs, o de fazer parte do mundo mágico. Em 2011, com o lançamento do último filme Harry
Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2, a história que uma geração inteira acompanhou
e cresceu junto com os personagens chegou ao fim e uma legião de fãs com capas,
vassouras e varinhas embarcaram num longa repleto de ação e muita emoção. Nas
bilheterias, o filme arrecadou 1 bilhão e 300 milhões de dólares, a maior arrecadação da
história para Harry Potter. A popularidade da série é tanta que todos os oito filmes da
franquia estão na lista das 60 maiores bilheterias da história, sendo que o último filme
ocupa o oitavo lugar no ranking mundial.
A bilheteria arrecadada na estreia de cada filme e renda total, (cf Fig 1):
Figura 1. Bilheteria na estreia de cada filme e renda total até o dia 29 de julho de 2011
no mundo. Fonte: Estadão.6
__________________ 5 http://www.forbes.com/profile/jk-rowling/
http://expresso.sapo.pt/actualidade/jkrowling-e-a-mais-bem-paga-do-mundo=f415048 6 http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,harry-potter-bate-us-900-milhoes-em-bilheteria-em-tempo-
recorde,751673. Acesso em: 12/01/2017
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“Segundo estimativas, nos últimos dez anos, os livros da escritora JK Rowling,
que viraram filmes, jogos de videogame e até parques temáticos, movimentaram cerca de
20 bilhões de dólares”7. Esse dado é de uma matéria publicada no portal Exame no dia de
estreia do último filme da série (15/07/2011). Mesmo não sendo atualizado, é possível ter
uma ideia de como após 6 anos a série continua extremamente lucrativa. Esses lucros são
provenientes dos fãs, ávidos por qualquer produto que remeta a série.
Com isso, eles se tornam coniventes com a ordem de produção, aliados a um
processo em que aparentemente não assumem nenhuma forma crítica.
Em cada homem o consumidor é cúmplice da ordem de produção e sem
relação com o produtor – ele próprio simultaneamente – que é vítima
dela. Esta dissociação produtor-consumidor vem a ser a própria mola
da integração: tudo é feito para que não tome jamais a forma viva e
crítica de uma contradição. (BAUDRILLARD, 1993, p. 170).
Portanto, essa lógica do consumo citada por Baudrillard ultrapassa os próprios
objetos. De acordo com ele, “já não consumimos coisas, mas somente signos”. Acontece
a incorporação de associações imaginárias e simbólicas às mercadorias e assim torná-las
mais atraentes. Os consumidores de hoje estão mais interessados no significado que um
produto possa ter, do que na função da própria mercadoria. Como é o caso da varinha das
varinhas, uma relíquia da morte, um fã irá fazer de tudo para obter esse objeto apenas
pelo prazer de ter um símbolo tão importante para a série.
É justo considerar a série Harry Potter como um produto cultural com dimensão
mercadológica. Em termos culturais, a saga literária infanto-juvenil lançada em 1997 na
Inglaterra evoluiu com um amplo potencial de agregar fãs e arrecadação. Os filmes
agradaram aos fãs conquistados pelos livros, encantaram outros que não conheciam a
série e originaram, além dos milhões nas bilheterias, uma interminável lista de produtos
lucrativos.
Hoje existe a possibilidade de visitar um parque temático chamado The Wizarding
World of Harry Potter, no Universal Studios em Orlando nos Estados Unidos. Inaugurado
em 2010, ele conta com atrações baseadas na história onde é possível conhecer os cenários
dos filmes, tomar cerveja amanteigada, andar no Expresso de Hogwarts, comprar varinhas
na Loja de Varinhas Olivaras ou visitar o castelo de Hogwarts, (cf. Fig 2).
__________________ 7 http://exame.abril.com.br/negocios/como-a-warner-vai-continuar-lucrando-com-o-fim-do-harry-potter/
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Figura 2. The Wizarding World of Harry Potter
Na nova era da convergência, os admiradores de Harry Potter passaram a ter
álbuns de figurinhas, bonecos, varinhas, uniformes, pelo simples fato de se fazer menção
a Harry Potter. Deste modo, procura-se entender como a existência de um mercado
emocionalmente relacionado a um determinado produto propicia a criação de novas
estratégias que conseguem manter essa relação viva mesmo depois da finalização do
produto principal.
1.2. Emoção + Interação – Os fãs na era da convergência
A satisfação de desejos consumistas faz parte da necessidade humana e
proporciona o sentimento de pertencer a determinado grupo. As mensagens de amizade,
união e coragem aprendidas com os livros conquistavam a todos e incentivava o
compartilhamento de novidades sobre os filmes que seriam lançados, sobre os novos
produtos no mercado, tudo isso como parte de um ciclo necessário para a manutenção do
interesse. O consumo é visto como um momento do ciclo de produção e reprodução social
como dizia Canclini (2008). Ele cita a necessidade do ser humano em satisfazer desejos
culturais. “Nós, seres humanos, intercambiamos objetos para satisfazer necessidades que
fixamos culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para nos distinguirmos de
longe, para realizar desejos. ” (CANCLINI, 2008, p. 71).
Bauman analisa em Vida para Consumo como a sociedade moderna de
consumidores foi se transformando numa sociedade de produtores. Nessa nova
organização, as pessoas são ao mesmo tempo promotores de mercadorias e também as
próprias mercadorias que promovem. Em meio a essa onda de consumo, a transformação
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das pessoas em mercadorias e da inversão dos papeis de produtores/consumidores, surge
a Cultura da Convergência apresentada por Jenkins:
Bem-vindo à cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias
colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o
poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de
maneiras imprevisíveis. (JENKINS, 2009, p. 29).
A internet foi um fator determinante para a popularização de Harry Potter. Ela foi
a central para que fãs do mundo inteiro compartilhassem ideias e emoções, criassem
teorias sobre a história e o estabelecimento de comunidades virtuais com centenas de fãs.
Em meios as comunidades surgiram as fanfictions (histórias criadas pelos fãs). “A
convergência das mídias se mostra bem mais do que uma mudança tecnológica. Ela altera
a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados e públicos. ” (JENKINS,
2009, p. 43).
Harry Potter acabou se tornando um exemplo nítido da nova cultura que estava
crescendo, a cultura da convergência. Jenkins caracteriza essa cultura como
“comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que vão a quase
qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam”, exatamente
como os fãs de Harry Potter agem. A partir da identificação do fã com o universo criado
há a possibilidade de retorno financeiro.
As novas tecnologias reduziram os custos de produção e distribuição, permitiram
aos consumidores comentar, apropriar-se e colocar os conteúdos de volta a circulação em
formas diferentes. A convergência exigiu que as empresas repensassem seus conceitos já
que os novos consumidores são ativos, conectados e exigem que sejam tratados como
participantes de todo o processo. Caso isso não aconteça, eles não ficam calados,
reivindicam seus direitos de participar plenamente de sua cultura.
Em toda parte e em todos os níveis, o termo “participação” emergiu
como um conceito dominante, embora cercado de expectativas
conflitantes. As corporações imaginam a participação como algo que
podem iniciar e parar, canalizar e redirecionar, transformar em
mercadoria e vender. (JENKINS, 2009, p. 235-236)
As corporações reconhecem após duros combates (JENKINS, 2009) o valor para
os seus investimentos, e a ameaça para a sua marca, da participação dos fãs. Hoje o termo
popular “capital emocional” ou “lovemarks”, criado por Kevin Roberts, refere-se a
importância do envolvimento emocional e da participação do público na produção dos
conteúdos. O capital emocional conserva o segredo do sucesso.
2. Engorgio8 - Os fãs fazem a saga antes, durante e depois do fim
__________________ 8 Feitiço que faz com que algo cresça, aumente de tamanho.
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2.1. Fanfics – Um mundo criado pelos fãs
No Google no dia 15 de julho, havia mais de 1 milhão de resultados de fanfictions
para a busca por Harry Potter, no Youtube há 11,8 milhões de resultados para Harry Potter.
Ler os livros, ver os filmes, comprar os produtos, tudo isso era pouco para os fãs. Eles
queriam mais, e encontraram cada vez mais espaço para contribuir com a narrativa,
mesmo sem ser oficialmente eles criaram histórias novas, vídeos, músicas e ilustrações.
Assim surgiram as fanfictions, que eram histórias baseadas no contexto original, mas com
abordagens diferentes de situações, personagens e conflitos. Um exemplo disso são os
diversos outros casais que eram formados nessas narrativas, como Harry e Hermione ou
Rony e Draco.
A visibilidade dessas histórias se deu por conta da expansão da internet, já que em
2004 na Web 2.0 o usuário também poderia compartilhar, produzir e disseminar
informação e conhecimento. Era vista como uma forma de aprofundamento da trama
enquanto se esperava o próximo filme chegar aos cinemas. Entretanto, a fanfic ganhou
corpo, na verdade, vários corpos. Essa mudança assustou as grandes indústrias com a
ideia de que o emissor e receptor teriam um poder equivalente (JENKINS, 2009).
Simultaneamente, os leitores e espectadores iam se ajuntando nas comunidades
virtuais destinadas à discussão da franquia. Eles criavam realidades alternativas na
internet, onde eram selecionados para as Casas e assistiam às aulas de feitiços como
acontece nos livros e filmes.
Entretanto, os novos conglomerados têm interesse em controlar toda uma
indústria de entretenimento, não somente o cinema. A Warner Bros produz uma infinidade
de produtos como filmes, games, livros, brinquedos, parques de diversão (Jenkins, 2009).
No início as fanfictions tiveram uma resistência da Warner, com a justificativa que
ela era a detentora dos direitos autorais. “Às vezes, a convergência corporativa e a
alternativa se fortalecem mutuamente e criam relações próximas e eficientes entre
produtor e consumidor, as vezes elas entram em guerra”. (JENKINS, 2009, p. 46-47).
Após o caso PotterWar isso mudou. O estúdio encontrou diversos websites que se
apropriavam dos personagens e do cenário para criar novas histórias. A produtora
ameaçou tirá-los do ar, entretanto a mobilização mundial surpreendeu a produtora Warner
Bros. Heather Lawyer tinha 16 anos e era editora do site Daily Prophet, inspirado no
jornal dos bruxos “Profeta Diário”. Tratava-se de um jornal escolar na web para uma
Hogwarts fictícia, possuía uma equipe de mais de 100 crianças por todo o mundo que
escreviam matérias, colunas e davam furos de reportagem acerca do universo de Harry
Potter. Eram abordados diferentes aspectos da obra e as crianças também se inseriam no
contexto mágico, realizando projeções de suas vidas e se tornando, no momento da
escrita, pessoas diferentes: bruxos.
Ao tomar conhecimento das ameaças, ela criou a organização Defense Against the
Dark Arts (“defesa contra as artes das trevas” é uma disciplina ensinada na Escola de
Magia e Bruxaria de Hogwarts), e se mostrou bastante indignada com o fato da empresa
ter mandado notificações sob uma ameaça legal contra crianças e adolescentes:
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A Warner foi muito inteligente ao escolher o alvo de seus ataques...
Atacaram um bando de crianças na Polônia. Que ameaça elas
representavam? Foram atrás de sites insignificantes, de jovens entre 12
e 15 anos. Mas subestimaram a interconexão de nossa comunidade de
fãs. Subestimaram o fato de que conhecíamos aquelas crianças da
Polônia, conhecíamos os sites insignificantes e gostávamos deles.
(JENKINS, 2009, p. 265).
Nesse caso, é visível o quanto as relações na internet se tornaram mais fortes e
ultrapassam fronteiras. A Warner não percebeu isso, e subestimou as mudanças midiáticas
e comunicacionais. Esse fato ficou conhecido como PotterWar, ou Guerra do Potter. Ao
mesmo tempo que defendia sua marca, eles atacaram a sua maior fonte de lucro. Ela quase
foi atacada por um boicote feito pelos fãs que consideraram a ideia. O ideal seria deixar
de comprar os produtos vendidos pela produtora.
A Warner Bros voltou atrás e permitiu que os fãs produzissem conteúdo sobre a
saga, apenas se produtos não fossem comercializados sem a autorização da empresa. Os
fãs saíram vitoriosos dessa disputa e reafirmaram o poder nas mãos dos consumidores.
Atualmente, as fanfictions sobre Harry Potter são incentivadas pela Warner Bros, pois são
uma forma de aumentar e manter o interesse dos fãs na série. Eles são responsáveis pela
“divulgação espontânea”, e chegam a ser estimulados a divulgarem marcas registradas.
Com isso, surgem eventos de cosplay, onde os fãs se vestem igual aos personagens, e até
bandas inspiradas na franquia como é o caso de Harry and the Potters, e da Oliver Boyd
and the Remembralls com músicas que fazem referência a história como End of an Era.
O que não deixa de ser uma imposição de poder ativa ainda exercida sobre o fandom,
mesmo numa perspectiva de consumo. “Consolidar a fidelidade dos fãs significa diminuir
os controles tradicionais que as empresas podem exercer sobre suas propriedades
intelectuais, abrindo, assim, um espaço mais amplo para a expressão criativa alternativa.
” (JENKINS, 2009, p. 266).
Jenkins acredita que uma franquia deveria ser capaz de manter o interesse do
público mesmo durante os intervalos entre o lançamento de seus produtos. Um dos
maiores pilares da franquia se encontra na sua base de fãs (ANELLI, 2011), que produz
uma quantidade enorme de conteúdo. Essa força está justamente nas fanfics que vêm
mantendo a história viva ao longo dos anos.
2.2 Pottermore – Um mundo criado para os fãs
Com o lançamento do último filme se aproximando em 2011, exatamente um mês
antes foi iniciada a campanha de divulgação do Pottermore. A plataforma online se tornou
uma forma de não deixar a magia acabar. O período escolhido é essencial para
compreender como a Warner se beneficia do envolvimento dos fãs com a série. Na época,
havia um temor enorme de que a saga fosse esquecida, uma vez que não haveria mais
filmes e com isso as novidades acabariam. ________________________
9 https://twitter.com/pottermore. Acesso em: 12/01/2017
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No dia 15 de junho de 2011, o twitter9 oficial do Pottermore divulgou uma
coordenada com uma contagem regressiva de uma semana. As coordenadas levavam a
dez lugares importantes para a história de Harry ou a vida de Rowling. Em cada local
havia uma letra que formava a palavra Pottermore, sem mais explicações sobre o seu
significado.
Após isso, J.K Rowling explicou aos fãs por meio de um vídeo o conceito da nova
experiência, e para o primeiro teste seriam selecionados apenas alguns milhares de
usuários, através de sete desafios, seria uma pergunta sobre cada livro, divulgadas em
horários diferentes, sem aviso, ao longo de uma semana.
O site estreou no dia do aniversário da autora e de Harry Potter, 31 de julho. Em
outubro de 2011, Rowling lançou o site Pottermore.com, com a proposta de criar um
espaço de vivência e interação do mundo mágico de Harry Potter, (cf. Fig. 3).
Figura 3. Imagem de abertura do site Pottermore
J.K. escreveu conteúdo inédito sobre os personagens, lugares e objetos já
conhecidos, que contam com ilustrações, vídeos, jogos exclusivos criados sobre a
história. O site se tornou uma experiência de leitura online totalmente nova, ampliando a
relevância de Harry Potter para as novas gerações ao apresentar uma maneira interativa
de entrar na história do menino bruxo.
Nas duas primeiras semanas ativo, o site teve 22 milhões de visitas, sete milhões
de contas, sendo que cada visitante tinha acesso à em média 47 páginas, ficando nelas por
pelo menos 25 minutos.10 Em 2016, uma nova história mágica chegou aos cinemas,
Animais Fantásticos e Onde Habitam seria o primeiro de uma série de 5 filmes. O livro
também escrito por J.K. Rowling é sobre um magizoologista que cataloga a fauna de
criaturas mágicas em suas viagens, seus estudos deram origem ao livro usado por Harry
em Hogwarts, e se passa 70 anos antes da história de Potter (cf. Fig. 4).
__________________ 10
http://www.portalintercom.org.br/anais/sul2016/resumos/R50-1523-1.pdf
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Figura 4. Cartaz de Animais Fantásticos e Onde Habitam
A estreia foi dia 19 de novembro de 2016, o ator premiado com o Oscar, Eddie
Redmayne foi o protagonista. O filme arrecadou US$ 778 milhões nas bilheterias
mundiais11 e foi indicado a 5 Baftas (Academia Britânica de Artes Cinematográficas e
Televisivas), considerado o Oscar do cinema britânico.
3. Confundus12 - Cooperação ou cooptação?
As produções de fãs têm um grande papel agregador e cria em si um potencial
transmidiático que pode render bons resultados para a indústria do entretenimento e o
público. O que tem levado à manutenção de uma associação tão grande entre os fãs, que
foi capaz de perpetuar a saga por quase 20 anos, e que a sustenta até hoje? O
comportamento dos fãs não é mais o de consumidor passivo. Eles têm o desejo de
participar ativamente do universo ao qual se sentem tão acolhidos, os fãs se sentem
instigados a criar suas próprias histórias. Essas histórias podem ou não serem usadas para
promover os detentores dos direitos autorais.
É nesta questão que este artigo se aprofunda. Primo atenta para esse tipo de visão
e propõe um olhar mais crítico a cultura defendida por Jenkins.
_______________________ 11 http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-126880/
12 Feitiço para confundir
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É justamente na contramão do viés tecnicista que o livro “Cultura da
Convergência”, de Jenkins (2009) tornou-se referencial tanto na
academia quanto no mercado. Mais do que a combinação de diversas
funções midiáticas, insiste o autor, a convergência deve ser pensada em
termos culturais. (PRIMO, 2010, p. 21).
Para Jenkins, essa inteligência coletiva é vista como fonte alternativa de poder
midiático. As mídias digitais foram criadas a partir de demandas sociais e fortalecem os
mesmos movimentos coletivos. A internet criou tanto a cultura participativa quanto foi
criada por ela. Enquanto o tom de Jenkins é de celebração, Primo avalia como os grupos
de fãs são utilizados na reinvenção da produção lucrativa daquelas indústrias. Jenkins não
pensou na questão política, Alex ressalta que as audiências e consumidores sentem prazer
em serem “incluídos” no processo, isso melhora os produtos e serviços, além de favorecer
a criação de conteúdos voltados para os seus interesses.
Mesmo independentes, uma importante parcela da criação e
conversação na rede colabora com o fortalecimento do grande capital.
Logo, não se pode apenas celebrar a incorporação do fã na indústria de
entretenimento, mas também avaliar o que há de estratégia persuasiva
e como se dá a resistência e subversão nesse processo. (PRIMO, 2010,
p. 27).
Não se pode falar em resistência quando as pessoas trabalham para dar lucro à
grande indústria. As grandes organizações usam a cultura de convergência como nova
fonte de lucro. Alex alerta que o debate não pode resumir-se à celebração da convergência
dos interesses da grande mídia com os desejos de consumo de fãs.
Enquanto o ruidoso entusiasmo com as novas tecnologias deslumbra-se
com a propaganda de um novo mundo democrático, globalizado e
lucrativo, Baudrillard (1997, p. 145) apresenta um alerta: “A
interatividade nos ameaça de toda parte”. Segundo ele, a interface não
existe. Sempre há, por trás da aparente inocência da técnica, um
interesse de rivalidade e de dominação. ” (PRIMO, 2011, p. 133-134).
A interatividade, vista como algo vantajoso, é usada como ímã e um argumento
de venda. Segundo Sfez (1994), essa interatividade cria uma ilusão de expressão. Existe
um espetáculo sendo vendido e exibido, várias cenas são mostradas e nós fazemos parte
delas e cremos nessa ilusão.
Com esse espetáculo, a indústria cultural só tem a ganhar em cima dos fãs. As
fanfics, proliferaram esse sucesso, assim como a venda de diversos produtos. “Deve-se
aceitar que o verdadeiro detentor do poder soberano na sociedade de consumidores é o
mercado de bens de consumo. ” (BAUMAN, 2008, p. 85). A publicidade em cima de
jovens e crianças é enorme, e tudo isso é organizado pelo sistema que se utiliza dos fãs e
sua força produtiva para arrecadar e obter mais lucro e visibilidade. Um objeto não é
consumido pelo seu valor de uso, os objetos são usados e consumidos como signos que
diferenciam o indivíduo.
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Nox13 – Considerações finais
Os fãs ultrapassaram a barreira de meros consumidores. Este artigo mostrou o
histórico desde o lançamento dos livros, produtos e filmes da série Harry Potter. A
maneira como os jovens são atraídos pelo consumismo, pela emoção e lealdade a saga, e
são introduzidos nessa cultura da convergência que os coloca no posto de produtores,
além de consumidores. Eles evoluíram com a nova Web 2.0 que rompe com barreiras
geográficas e temporais, disponibilizando ferramentas para quem quiser participar.
Alguns valores devem ser ressaltados como o aumento da bilheteria e do público após a
popularização das fanfics, como exemplo é possível citar o Brasil, (cf. Fig. 5).
Figura 5. Bilheteria e público até o dia 29 de julho de 2011 no Brasil. Fonte: Estadão.
Importante lembrar que a série teve início em 1997, e mesmo após 20 anos ela
ainda permanece viva com o lançamento de conteúdo inédito no Pottermore. A previsão
é que permaneça assim, no mínimo, pelos próximos 4 anos, com o lançamento da
continuação de Animais Fantásticos e Onde Habitam. Portanto, se torna inviável
mensurar o número de pessoas atingidas ou participantes da saga, contribuindo
financeiramente ou no compartilhamento de conteúdo, menções no twitter, redes sociais
e blogs. “O consumo, a informação, a comunicação, a cultura e a abundância são
instituídos, descobertos e organizados pelo próprio sistema, como novas forças
produtivas, para a sua maior glória. ” (BAUDRILLARD, 1995, p. 55).
A participação colaborativa se converte num movimento de resistência à medida
que os fãs se apropriam do conteúdo da grande indústria. A banalização dessa participação
fez com que o próprio mercado incorporasse essa colaboração em suas estratégias de
venda. Enquanto para alguns esses novos modelos de negócio explora consumidores
enganados, para outros essa é a forma justa de participação. Se antigamente as ações de
__________________ 13 Feitiço que apaga a luz conjurada pelo feitiço Lumos.
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apropriação feita pelos fãs eram uma forma de resistir ao controle dos grandes estúdios e
editoras, hoje essas corporações vêm desenvolvendo estratégias para converter essa
resistência em lucros. De fato, elas perderam muito o seu poder, que passou a ser dividido
com milhões de pessoas.
Mesmo com a necessidade de se atentar para o processo de cooperação como
cooptação, é inegável que a lealdade do fandom à série ultrapassa qualquer barreira.
Como previa Minerva Mcgonagall, “não haveria uma criança no mundo que não soubesse
seu nome. ”14 Harry Potter se tornou famoso mundialmente. As crianças cresceram e a
história tem sido passada de geração em geração, atraindo mais fãs, mais lucro e mais
reconhecimento.
As palavras de JK Rowling no dia da última première em Londres estão marcadas
na mente dos fãs. Segundo ela, “a história que amamos nunca termina. Se voltarmos as
páginas ou olhar para a tela novamente, Hogwarts sempre estará lá para receber os fãs de
braços abertos. ”15 Esse estigma de pertencimento atrai milhões de pessoas a cada dia, a
cada página que alguém lê ou filme que alguém assiste. É impressionante o poder criado
por meio dessa saga, J.K. Rowling jamais esperava isso.
Infinitas vezes fizeram-me a mesma pergunta, com minúsculas
variações: “O que faz com que Harry Potter seja um tamanho sucesso
de público? ”. “Qual é a fórmula mágica? ”. E eu sempre dei respostas
que não são respostas: “Não é a mim que vocês devem perguntar. ” “Isso
me apanhou tão de surpresa quanto a todo mundo. ” (ANELLI, 2011, p.
11).
E como diria o trecho da música End of an Era de Oliver Boyd and the
Remembralls: “And I know, it’s only a story, but for so many it´s more than that – E eu
sei, é apenas uma história, mas para muitos é mais do que isso”. Para o fandom, sempre
foi bem mais do que uma história, era ficar acordado pela madrugada lendo os livros com
a velha frase de “só mais um capítulo”, era vestir a capa a cada ano com ansiedade pelo
próximo filme, era reencontrar os amigos que Harry Potter uniu, era tirar a varinha do
armário e praticar os feitiços.
__________________ 14 Harry Potter e a Pedra Filosofal, capítulo 1, página 17.
15 http://capricho.abril.com.br/famosos/saiba-tudo-que-rolou-na-ultima-e-emocionante-premiere-de-harry-potter-em-
londres/
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