movimentos se articulam pelaintegração dos povos da américa latina

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Fórum Social Mundial

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de 5 a 11 de fevereiro de 20094

brasil

5

Renato Godoy de Toledoenviado a Belém (PA)

EM ATO organizado pela Via Campesina, cerca de 1.500 pes-soas de 60 movimentos sociais acompanharam, na tarde do dia 29, as exposições dos pre-sidentes sul-americanos Fer-nando Lugo (Paraguai), Rafael Correa (Equador), Hugo Chá-vez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia), em Belém, capital do Pará e do Fórum Social Mun-dial, realizado entre 27 de ja-neiro e 1º de fevereiro.

A mesa que os presidentes e dirigentes de movimentos so-ciais compuseram tinha o te-ma “Diálogo sobre a integra-ção popular de nossa América”. E, de fato, a América, sobretu-do a Latina, foi o foco do deba-te. No entanto, Chávez, o últi-mo mandatário a falar, apon-tou que a experiência desses governos mostra que o “outro mundo possível”, pregado pe-lo FSM, está nascendo.

Apesar do clima de festa, os líderes sul-americanos tam-bém ouviram críticas e cobran-ças. Ao fi m do evento, o repre-sentante da Via Campesina na mesa, João Pedro Stedile, afi r-mou que os presidentes têm feito menos do que os movi-mentos esperam. “Queremos mudanças estruturais, não me-dicações para o capital”, criti-cou o coordenador nacional do MST. Ele ainda expôs aos pre-sidentes um programa mínimo para combater a crise e fortale-cer a região: nacionalização dos bancos, criação de uma moeda regional e o rompimento com a dependência externa.

Sem LulaAo contrário do ato organi-

zado horas depois (ver abai-xo), pela CUT e pelo Instituto Paulo Freire, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não este-ve presente, tal como a mili-tância petista, maioria no en-contro da noite. No ato sem o petista, a plateia foi formada basicamente por representan-tes das diversas organizações da Via Campesina pelo mun-do, bem como por membros do Partido Socialismo e Liberda-de (Psol), sindicalistas da Cen-

Renata Miellide Belém (PA)

Os presidentes do Brasil, Ve-nezuela, Bolívia, Equador e Pa-raguai debateram na noite do dia 29, no Fórum Social Mun-dial, a América Latina e os de-safi os da crise econômica inter-nacional. Na ocasião, fi zeram o mais contundente contraponto da história do FSM à realização da reunião de Davos, na Suí-ça. Os presidentes chamaram à unidade e integração da Amé-rica Latina, para fortalecer os países diante da crise.

Falou-se em “sepultar o ca-pitalismo para que o capita-lismo não sepulte o mundo” e na necessidade de se construir o socialismo do século 21. Os países ricos foram culpados pela crise e seus representan-tes reunidos em Davos, foram chamados de “moribundos”. No FSM, neste dia 29, os pre-sidentes deram o recado: “Um outro mundo é possível, ne-cessário e está nascendo hoje na América Latina”.

O sentido do encontroA governadora do Pará, Ana

Júlia Carepa (PT), iniciou a ati-vidade registrando que aque-le era um momento histórico. “Todos os olhos de quem acre-

Eduardo Sales de Limaenviado a Belém (PA)

AS ESTRATÉGIAS imperialis-tas dos Estados Unidos sobre a América Latina não termina-ram. Esse foi o cerne da exposi-ção da socióloga mexicana Ana Esther Ceceña, da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), em uma palestra so-bre a “Estratégia do imperialis-mo para a América Latina”, no Núcleo Pedagógico Integrado (NPI), em Belém (PA). A ativi-dade fez parte da programação do Fórum Social Mundial.

Para ela, a chegada de Barack Obama à presidência dos Esta-dos Unidos é mais uma suges-tão de mudança do que um fa-to concreto. A socióloga con-clui que, com a eleição, “muda-rá a forma, mas não o conteú-do”. E é a forma, segundo ela, o que pode enganar as pessoas. “A militarização é uma caracte-rística neoliberal”, argumenta.

Depois de ter declarado o fi m da Base de Guantanamo, o pre-sidente estadunidense voltou atrás e afi rmou que não a devol-verá se a instalação tiver alguma utilidade militar. Obama não tem espaço para manobras por-que, no caso dos EUA, “as políti-cas de Estado vão muito além de um mandato de quatro anos de cada presidente; são planos es-tratégicos a longo prazo, para 2025, 2050, não importa quem estiver no poder”, explica.

Na espreitaCeceña comenta a falsa cren-

ça de algumas pessoas que ve-em um “relaxamento” estadu-nidense em relação à América Latina pelo fato de o país ter en-trado em guerra contra o Iraque (2003) e o Afeganistão (2001). “Não é assim”, atesta. “Foi nes-se momento que houve uma tentativa de expansão militar pela América Latina por meio da implantação de uma rede de bases militares, sobretudo no Caribe e na Amazônia; e até o Brasil quase recebeu uma base militar estadunidense, em Al-cântara (Maranhão)”, recorda a pesquisadora.

Somado a esses fatos, a 4ª Frota foi recentemente reati-vada para vigiar Atlântico Sul, o que, como explica Ceceña, é mais um instrumento que po-de desestabilizar a sociedade civil da região.

Renato Godoy de Toledoenviado a Belém (PA)

A partir da concepção de uti-lizar o Fórum Social Mundial como um espaço de constru-ção de uma agenda de mobili-zações, a Via Campesina, a Con-lutas e a Rede Jubileu Sul orga-nizaram atividades de solidarie-dade ao povo haitiano durante o encontro. Para esses movimen-tos, uma postura solidária com o Haiti passa pela luta para que a ocupação militar do país seja encerrada imediatamente.

A ação é promovida pelas for-ças da ONU, denominadas Mi-nustah, desde junho de 2004. Ao fi m da plenária dos movi-mentos sociais, um calendário mínimo foi anunciado. Já está marcada para o dia 18 de mar-ço uma audiência no Congres-so Nacional sobre a ocupação.

Como indicativo, foi progra-mada uma mobilização inter-nacional em junho para relem-brar os cinco anos da ocupa-ção. Foram propostas a reali-zação de uma viagem de comi-tivas de movimentos sociais ao Haiti e uma turnê de haitianos por universidades e entidades

dita que um outro mundo é possível estão voltados para cá, porque a presença desses pre-sidentes é a demonstração de que construir esse novo mun-do é possível”. A conferência, que reuniu mais de 10 mil pes-soas, entra para a história co-mo o evento mais importante de todas as edições do Fórum Social Mundial.

O FSM, que nasceu pa-ra ser um contraponto à reu-nião de Davos, ao reunir cin-co presidentes da América La-tina, nesta 9ª edição, demar-ca um importante campo polí-tico com o modelo econômico mundial vigente. O mediador do encontro dos presidentes, Cândido Grzybowski, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) – que ao lado do Ins-tituto Paulo Freire e da CUT, promoveu a atividade –, afi r-mou que “queremos abrir pon-tos de diálogo com governan-tes, inclusive com Barack Oba-ma, se for o caso; mas, com aqueles que neste momento estão em Davos, nós não te-mos nada para trocar, e sim cobrar, porque eles são os ar-tífi ces da crise’’. E apontou o objetivo do encontro dos pre-sidentes: “É um esforço mútuo de indagar questões e mapear convergência e divergências”.

Fim para o capitalismoEm seguida os presidentes

tomaram a palavra. Lula foi o último. Ele optou pela in-formalidade e deixou de lado seu discurso. Começou fazen-do um pedido: “Guardem esta fotografi a, porque hoje a gen-te pode até reclamar dos presi-dentes que nós temos, mas até bem pouco tempo os que ou-savam discordar de seus pre-sidentes eram perseguidos e mortos, muitos jovens pega-ram em armas para lutar pe-la democracia e hoje nós esta-mos aqui fazendo o que eles so-nharam. O mundo mudou tan-to que era impossível dizer que um bispo da Igreja Católica se-ria presidente do Paraguai, que um jovem economista ia che-gar à presidência do Equador, impossível pensar que um ín-dio com cara de índio e jeito de índio chegasse à presidência da Bolívia e, aqui no Brasil, era impossível pensar que um tor-neiro-mecânico seria presiden-te. Mas as coisas não param por aqui, quem podia pensar, que teórico poderia prever, que o país do apartheid, que matou Martin Luther King, ia eleger um negro para presidente dos Estados Unidos?”, disse.

Ao falar da crise, Lula recor-dou como até bem pouco tem-po atrás os ricos e yuppies es-

tadunidenses fi cavam ditando regras para os países mais po-bres. “Parecia que eles eram in-falíveis e nós, os incompeten-tes”, ironizou; e lembrou que agora eles estão calados porque a crise eclodiu justamente lá.

A crise do “deus mercado”“A crise nasceu porque eles

venderam a ideia de que o Es-tado não servia para nada, e o ‘deus mercado’, que tudo po-de e é soberano, podia tudo. Só que esse ‘deus mercado’ quebrou por irresponsabilida-de deles. Agora eu quero ver o FMI ir dizer para o Obama co-mo é que eles vão consertar a crise que eles criaram”, falou, sob fortes aplausos.

Lula listou as medidas que os organismos internacionais im-

tral dos Trabalhadores e Traba-lhadoras do Brasil (CTB) e fe-ministas da Marcha Mundial de Mulheres, as quais aplaudi-ram Chávez quando este se de-clarou favorável à igualdade de gênero. Ousado, o venezuelano afi rmou: “Eu sou feminista, (Si-mon) Bolívar era um grande fe-minista”, disse olhando para o presidente do Equador, que pa-receu não concordar.

Chávez foi o último presi-dente a falar e foi o mais ova-cionado pelo público. Em seu discurso, ele lembrou as diver-sas etapas que seu país passou, em termos de luta e acúmulo de forças, para chegar ao atual momento. A principal referên-cia no discurso de Chávez foi ao ex-presidente cubano Fidel Castro. “Fidel está aqui”, dis-se, após contar uma das inúme-ras histórias sobre o revolucio-nário cubano.

FSM e ChávezO presidente da Venezuela

fez um retrospecto de seu man-dato contextualizado pelo pro-cesso do Fórum Social Mun-dial. “Em 2001, os países esta-vam dominados pelo Consen-so de Washington, infelizmen-te não pude comparecer. Em 2002, tampouco, pois na Vene-zuela já se havia criado um pla-no contrarrevolucionário. Em 2005, Hugo Chávez pela pri-meira vez afi rmou, no ginásio do Gigantinho (em Porto Ale-gre), que a revolução na Ve-nezuela tomava o rumo do so-cialismo!”, recordou, falando em terceira pessoa e ganhan-do aplausos.

Depois disso, o venezuela-no traçou breve perfi l da hete-rogeneidade dos componentes da mesa: “Aqui temos um ín-dio (Evo), um religioso (Lugo) e um economista de Harvard, um ‘Chicago Boy’, que tro-cou de lado”, disse, satirizan-do a formação de Rafael Cor-rea. Chicago Boys era o apeli-do de um grupo de economis-tas chilenos que, infl uenciado pelo economista Milton Fried-man, foram os precursores do neoliberalismo na América La-tina durante a ditadura de Au-gusto Pinochet.

Os EUA também foi um te-ma abordado pelos presidentes,

sobretudo pelo fato do país ser considerado o principal agente que desencadeou a crise econô-mica fi nanceira. Sobre a transi-ção em Washington, Chávez co-mentou: “Espero que este cava-lheirosinho que acaba de sair da Casa Branca pela porta de trás seja julgado pelas cortes inter-nacionais por genocídio”.

O venezuelano também fez críticas ao novo presidente es-tadunidense, Barack Obama. “Só pedimos uma coisa a Oba-ma: respeito à soberania nacio-nal. Não queremos que ele te-nha a mesma postura do seu an-tecessor, de forma alguma. No entanto, ele já demonstrou a mesma arrogância ao dizer que ‘Chávez é um obstáculo’”, con-siderou. Sobre o fechamento do centro de detenção dos EUA na

base de Guantánamo, na ilha de Cuba, o venezuelano afi rmou: “É bom que tenham fechado a prisão. Mas, então, que devol-vam Guantánamo para os cuba-nos”, completou. Como exem-plo de desativação das bases mi-litares dos EUA, ele citou o cole-ga Rafael Correa que não reno-vou o contrato que permite uma base militar estadunidense em Manta, no Equador.

Socialismo do século 21Em seu discurso, o presiden-

te equatoriano tratou de defi nir o socialismo do século 21, de-fendido por ele, Chávez e Evo. “Esse processo deve ser cons-truído conjuntamente, com au-tocrítica, revisando as falácias da história. Deve ser uma ex-pressão comum, para proble-mas comuns”, defi niu.

Para Correa, a crise inter-nacional é ilustrativa, por de-monstrar a verdadeira face do capitalismo. “Não têm dinhei-

ro para matar a fome de mi-lhões de pessoas, mas têm para sustentar os interesses do capi-tal”, proferiu, referindo-se aos socorros oferecidos por países centrais às grandes empresas.

A perda da hegemonia que o Consenso de Washington ob-servou nos último anos, de acor-do com o equatoriano, foi im-pulsionada por um importante agente: os movimentos sociais. “Os povos latino-americanos fo-ram despertando e nós, como presidentes, somos apenas o re-fl exo disso. Os movimentos so-ciais são parte nutriente desse processo que tem raízes históri-cas”, pontuou, em tom de agra-decimento ao público presente.

ItaipuQuem surpreendeu foi o pre-

sidente paraguaio. Horas antes de dividir o palanque com Lu-la, Fernando Lugo fez um dis-curso duro, reafi rmando a pos-tura de querer rever o tratado de Itaipu. Apesar de binacional, 95% da energia da hidrelétrica é apropriada pelo Brasil. “Um tra-tado leonino, assinado no tempo da ditadura, não pode continuar em vigência. Ele não pode consi-derar injustas as reivindicações dos paraguaios por um preço justo pela energia”, defendeu.

O ex-bispo fez um relato so-bre a sua participação em ou-tras edições do Fórum e res-saltou a participação dos movi-mentos sociais no suporte aos governos progressistas da Amé-rica do Sul. “Nossos governos progressistas estão convencidos de que os movimentos popula-res são a base das mudanças na região. Essas lutas têm transfor-mado a América. No Paraguai, acreditamos nesta América La-tina diferente, e que nosso pa-ís recuperará a sua dignidade. Queremos ser tratados de igual para igual. Não haverá descan-so enquanto não conseguirmos isso”, prometeu.

“Convoquem-me”Com a vitória assegurada no

referendo do dia 25 de janeiro, o presidente boliviano Evo Mo-rales fez um discurso homena-geando os representantes dos movimentos sociais. “Se temos quatro presidentes aqui, isso foi conquistado graças a vo-

cês. Aqui estão os mestres da luta social”.

Acerca do momento atual de seu país, o presidente afi rmou que há grupos que não aceitam que foram derrotados no refe-rendo. Entre esses opositores, Evo destacou setores da Igre-ja Católica. “Dizemos que ou-tro mundo é possível, penso que outra igreja também é possível”, disse, conquistando aplausos de Fernando Lugo, ao seu lado.

Ao fi m de sua intervenção, Evo afi rmou que dentro do pro-cesso pelo qual a América do Sul passa é normal que acon-teçam erros, mas as traições não podem ser admitidas. “Não se esqueçam de mim, convo-quem-me sempre”, fi nalizou.

CantoresNo início do ato, apresenta-

ções culturais dos músicos Fer-nando Aniteli, do grupo Tea-tro Mágico, e do rapper GOG receberam aplausos dos presi-dentes. No entanto, o “cantor” mais aplaudido da tarde no gi-násio da Universidade Estadual do Pará (Uepa) foi o equatoria-no Rafael Correa, que, junto a um violonista, entoou canções dos músicos cubanos Sílvio Ro-driguez e Pablo Milanez.

No intervalo entre uma can-ção e outra, ele solicitou que o músico tocasse “Hasta siempre comandante”, canção do tam-bém cubano Carlos Puebla, em homenagem a Ernesto Che Gue-vara. Ao fi m do encontro, Chá-vez, Correa e, mais timidamen-te, Evo e Lugo cantaram jun-tos essa canção e trouxeram ao palco a fi lha de Guevara, Aleida, para engrossar o coro. Chávez, em diversos momentos de sua exposição – a mais longa de to-das –, fez referências à presença de Aleida no ginásio. “Aleida es-tá aqui conosco. É o sangue de Che presente”, disse.

brasileiras, para promover de-bates a fi m de denunciar a situ-ação do país.

A Minustah é composta por 36 países, sendo que a maior delegação de soldados é do Bra-sil. Outros países latino-ameri-canos também engrossam as tropas, incluindo até a Bolívia.

DenúnciasO principal objetivo do movi-

mento pelo fi m da ocupação é promover uma campanha pa-ra desmitifi car o caráter huma-nitário da Minustah. Os hai-tianos Didier Dominique, do partido Batay Ouvriye (Bata-lha Operária), e Camille Chal-mers, da Rede Jubileu Sul, ex-puseram a um público de 70 pessoas, numa pequena sala da Universidade Federal do Pará (UFPA), os principais abusos de autoridade da Minustah e quais são os verdadeiros obje-tivos da ocupação.

Didier afi rmou que há um processo iniciado nos anos de 1980, pelo então presidente estadunidense Ronald Reagan (1981-1989), para transformar o Haiti num pólo de indústria têxtil, com mão-de-obra bara-ta, assim, as forças internacio-

nais estão no país para assegu-rar que esse plano, arquitetado sobretudo pelos EUA, não se-ja frustrado. “Tínhamos plan-tação de açúcar, exportávamos açúcar. Hoje, o açúcar que te-mos é 100% importado. No co-meço desta década, disseram que os porcos tinham uma fe-bre contagiosa. Mataram to-dos, depois descobriu-se que não havia a tal febre”, afi rmou.

De acordo com ele, em 2004, às vésperas da ocupação, al-guns “experts” afi rmaram que o investimento ideal no Haiti seria a criação de zonas fran-cas. Recentemente, Josué Go-mes da Silva, fi lho do vice-pre-sidente brasileiro José de Alen-car e presidente da Coteminas, visitou o país e decidiu investir por lá. Há uma migração da in-dústria têxtil internacional para a ilha caribenha. Marcas tradi-cionais como Levi’s, Gap e Nike já têm manufatura no Haiti.

Desde sua chegada em 2004, a Minustah promove violações às leis haitianas, de acordo com Didier. “Entram nas uni-versidades para reprimir ma-nifestações estudantis. Ago-ra, estão entrando em fábricas, coisas que não faziam antes”,

denunciou. Assim, o movimen-to contra a Minustah cresce no país, bem como a oposição ao presidente Réne Préval. “Hoje é possível ver nos muros das ci-dades: Fora, ‘Minustah’”.

Para ele, a Minustah foi cha-mada para conter as rebeliões no país. “Por que não puseram as forças locais para reprimir as mobilizações? Pois ninguém tem confi ança no Estado haitia-no, que é o mais débil da Amé-rica e talvez do mundo”, disse.

FracassoCamille Chalmers fez uma

exposição sobre o caráter re-pressivo da Minustah e como essa força está acima das leis e do Estado haitiano. “A Minus-tah tem um equipamento mili-tar que é dirigido a uma guerra. É um armamento para comba-ter outro exército, não para uma ajuda humanitária. Por-tanto, eles têm usado o Haiti como um laboratório de ocu-pações”, considerou. Vale lem-brar que alguns soldados bra-sileiros que estiveram no Haiti foram remanejados para com-bater trafi cantes de drogas no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (RJ).

HegemoniaPara aqueles que acreditam

na queda do império estaduni-dense, a mexicana previne. “É verdade que existe a União Eu-ropeia (UE), a China; mas o ca-pital no mundo está organizado hierarquicamente. Investiga-mos todos os setores capitalis-tas mais importantes, sobretu-do na área da tecnologia. Os es-tadunidenses ainda assumem a primeira posição”, explica.

E a economia desemboca em hegemonia cultural. A sociólo-ga explica que o mais impor-tante, quando se fala de hege-monia, é compreender que is-so signifi ca o poder de infl uên-cia na visão de mundo dos po-vos, “essa é a fascinação com o american way of life”.

Após a exposição, Ceceña

concedeu entrevista ao Bra-sil de Fato, na qual fala so-bre a atuação de organizações não-governamentais (ONGs) na Amazônia e de projetos de desenvolvimento para a re-gião, como a Iniciativa de Inte-gração de Infra-Estrutura Re-gional Latino-Americana (IIR-SA). Confi ra a seguir os princi-pais trechos.

Brasil de Fato – O que o Fórum Social Mundial na Amazônia simboliza politicamente?Ana Esther Ceceña – Trata-se de um Fórum cujo propósito é questionar fortemente as po-líticas neocoloniais e imperia-listas estadunidenses, não só na Amazônia, mas em outras partes do mundo. Na verdade, estamos em uma das fronteiras de disputa que é estratégica, com enormes recursos de bio-diversidade, sociodiversidade, de cultura, de água, de oxigê-nio. Digamos que é um pouco o símbolo da fronteira que nós,

os povos, não podemos deixar que o capitalismo avance.

Antes de vir a Belém, você visitou a Vale, no sul do Pará. Quando viu o estrago ambiental que a empresa cometeu, você fi cou mais preocupada com as possíveis consequências da IIRSA na região?

O que a Vale faz é declarar que é muito preocupada com os danos ao meio ambiente, então busca elementos de com-pensação. Ela sabe que está co-metendo um dano muito gran-de, então, uma vez que há um enrijecimento na exploração, nesse mesmo lugar, são feitos cultivos com uma seleção de sementes endêmicas da região. Mas, na verdade, isso é uma compensação irrisória. O dano não é somente a um pedaço de terra, mas nas regiões por onde passa a ferrovia; porque passa um trem a cada hora, com 300 vagões, carregados de minério. Isso, dentro daquela biodiver-sidade, é um escândalo.

Na Amazônia, como agem as ONGs The Nature Conservancy e Conservation Internacional?

São essas, e há várias que têm muita importância no mundo, têm muitos recursos e que es-tão implantando esses “mode-los de conservação extrema”. A idéia é cercar a selva para ver o que tem dentro. Inclusive, reti-rando os moradores. Quando essas ONGs vêm falar com a po-pulação, aparecem com um dis-curso muito interessante, inclu-sive, quando vê que uma mine-radora está depredando de ma-neira agressiva, elas aparecem como uma salvação. No entan-to, essa é mais uma forma de se apropriar da selva e empobre-cer seus moradores, além de ser também mais uma forma de de-predá-la, porque, fi nalmente, a mercantilizam, patenteando su-as descobertas junto a grandes empresas farmacêuticas.

O problema com essas ONGs é que pertencem a esses gru-pos de gestão ambiental, que há nos Estados Unidos, que são, digamos, como diretórios nos quais participam membros do departamento de Defesa, de Saúde, de Estado. Dessa for-ma, são esses grupos que deci-

dem as políticas ambientais ao redor do mundo. Então, não é a ONG, não é a sociedade civil mobilizada, senão uma agência paragovernamental.

Muitos dos projetos empre-endidos, sobretudo da Conser-vation International, têm vin-culação com universidades lo-cais pelo mundo afora e com os Estados Unidos. Em outro caso, na Nigéria, o Instituto Tecnoló-gico dos Exército estadunidense também está fazendo a biopros-pecção na biodiversidade do pa-ís. A ação se pauta por biodiver-sidades diferentes. Portanto, es-ses projetos são pensados com cabeça de Estado.

Qual a política de Estado dos EUA na Amazônia num longo prazo? Haverá uma escalada da ação dessas ONGs?

Eu creio que sim. O objetivo está claro. Só os mecanismos utilizados é que vão variando. Às vezes pela resistência local, às vezes por condições do local. Há lugares que não é tão fácil fazer isso. Há uma agência que a mim me parece uma das mais perigosas dos Estados Unidos, que é a Usaid, e que está, ago-ra, muito ativa. Foi expulsa da Bolívia, inclusive. Ela não so-mente faz um trabalho de bio-prospecção, de mapeamento, mas também age diretamen-te contra a insurgência popu-lar. Essa pertence ao Pentágo-no e está presente na Amazô-nia. A Global Foundation tem mesmas características.

Em que grau de organização contra esse tipo de ação paragovernamental se encontram os movimentos sociais da região amazônica?

É variado. Há diferentes ní-veis de envolvimento entre os movimentos. Mas eu diria que estamos numa situação muito interessante. Em todas as par-tes, as pessoas estão querendo saber mais. Há muitos que pe-lo menos desconfi am das ON-Gs ambientalistas e se infor-mam. Hoje, existe uma eferves-cência generalizada na América Latina, que vai trabalhando por coisas muito parecidas. Houve momentos em que tínhamos muitas diferenças de visão, mas hoje o planeta pede ações mais rápidas e povo organizado.Ato com Lula reúne 10 mil pessoas

Em debate com os presidentes da Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai, brasileiro celebra a transformação no continente

punham aos países em desen-volvimento: “Eles nos obriga-ram a fazer ajuste fi scal, man-dar trabalhadores embora, re-duzir o Estado e os serviços so-ciais; e, agora, quando eles en-traram em crise, qual foi o deus a quem eles pediram socorro? Ao Estado, que já injetou mi-lhões de dólares para salvar empresas mundo afora”.

O presidente alertou que a cri-se é grave e que ainda não se co-nhece o fundo dela, mas foi con-tundente ao dizer que os países em desenvolvimento estão em melhores condições de enfren-tá-la do que os ricos. Disse que já passou da hora de se discu-tir o controle do mercado fi nan-ceiro e foi taxativo: “Aqui o povo pobre não será o pagador dessa crise”. (Portal Vermelho)

Para Chalmers, a expedição da ONU viola a legislação dela própria. “As Nações Unidas só autorizam o uso de forças hu-manitárias quando há guerra civil, genocídio ou crimes con-tra a humanidade. É muito di-fícil identifi car um desses fa-tores no cenário haitiano de 2004”, acredita.

Com quase cinco anos de ocupação, as tropas da ONU não conseguiram obter êxito em nenhum dos cinco objeti-vos estabelecidos. Em 2004, as metas eram: restabelecer a segurança pública, realizar eleições democráticas, reor-ganizar a economia, fortale-cer as instituições democráti-cas e promover os direitos hu-manos. “Há um fracasso to-tal, até agora nenhum objeti-vo foi alcançado. A violência não só aumentou de 2004 pa-ra cá, como apareceram novas modalidades de crime, como o sequestro. Também aumen-tou o tráfi co de drogas. A Mi-nustah é fonte de desrespeito aos direitos humanos, não de combate”, afi rma, referindo-se aos inúmeros casos de abu-so sexual de haitianas por par-te dos expedicionários.

Chalmers conta que o caso mais chocante foi a expulsão de 113 soldados cingaleses (Sri Lanka), que compunham a Mi-nustah, por conta de abusos re-correntes a meninas da favela Cité Soleil.

“Se temos quatro presidentes aqui, isso foi conquistado graças a vocês. Aqui estão os mestres da luta social”, celebrou Evo Morales

Quatro presidentes pelosocialismo do século 21FÓRUM SOCIAL MUNDIAL Chávez, Evo, Correa e Lugo analisam crise e desafi os da AL

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“A militarização é umacaracterística neoliberal”Socióloga mexicana Ana Esther Ceceña discorda que vitória de Obama possa signifi car o fi m da intimidação militar estadunidense na América Latina

“Propósito (do Fórum) é questionar fortemente as políticas neocoloniais e imperialistas estadunidenses”

Participantes carregam o “mundo” durante caminhada de abertura

Camille Chalmers, da Rede Jubileu Sul

No alto, Evo, Lugo, Chávez, Correa e Stedile, do MST; abaixo, os presidentes se cumprimentam

O presidente Lula discursa: “guardem esta fotografi a”

João Zinclar

João

Zin

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João

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Reprodução

Ricardo Stuckert-PR

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