monografia - estrategias militares na guerra de canudos
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INTRODUÇÃO
A guerra é um evento de grande magnitude, haja visto que em diversas ocasiões,
pode vir a acontecer a utilização plena dos investimentos do Estado, para suprir as
necessidades de sustentabilidade das operações beligerantes, não somente na
acumulação de recursos materiais, mas também no seu deslocamento para o campo
de batalha.
Podemos avaliar essa assertiva, percorrendo por vários fatores fora dos campos de
batalha, nas avaliações econômicas do estado, no alistamento e treinamento de
homens, na organização e todo um aparato bélico para o conflito; na análise dos
recursos do inimigo, das suas ações, tanto ofensivas como defensivas, e na
movimentação das forças adversárias.
Posteriormente, toda ação militar envolve uma série de estudos para a melhor
aplicação dos recursos acumulados pelas forças armadas, e por meio de ações
planejadas para que venha a acontecer uma rápida e completa vitória sobre o
inimigo, ou que o mesmo ceda a uma paz negociada com vantagens para o lado
vencedor. Obtendo a paz, não ocorre a exaustão material e, especialmente, a
humana durante a guerra.
A análise de todos estes conjuntos de elementos, presentes nas ações militares são
partes integrantes da chamada “teoria da guerra”:
A teoria das operações militares tenta descobrir como podemos
ganhar superioridade de forças físicas e vantagens materiais no
momento decisivo, visto que isso nem sempre é possível, a teoria
também ensina os fatores morai: os prováveis erros do inimigo a
impressão criada por uma ação audaciosa [...]. (CLAUSEWITZ, 1996,
p. 77).
Todo o preparativo para uma guerra é formado sobre uma pré-organização de ações
futuras, visando a vitória sobre o inimigo, através de ações diretas, que são os
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choques armados, com o intuito de destruir o inimigo, ou através de ações indiretas,
que visam o desgaste econômico, físico ou psicológico do inimigo. Estes
planejamentos de ações são chamados de estratégia.
A estratégia é uma arte de estudo de planejamento de operações militares, e nos
estratagemas de uma guerra, existem vários pontos que são compreendidos: “O
avanço tecnológico em armamentos, a importância das pressões econômicas, a
vulnerabilidade da opinião pública pesam consideravelmente nas escolhas
estratégicas”. (LAROUSSE, 2006, p. 1014).
Existem duas variantes de estratégias para uma guerra, que são conhecidas como
Superior e a Militar.
A chamada Estratégia Superior é concebida com o intuito de analisar os fatores
antecedentes, no campo de batalha e posteriores à guerra. Tal estratégia chega
muito próximo ao campo político, pois a mesma, como indica Hart (1982), deve
considerar os fatos para um maior aproveitamento da paz subsequente.
No caso da Estratégia Militar, é utilizada pelo general e seus estrategistas para o
campo de batalha, levando em conta, principalmente, a vitória sobre o inimigo. Para
Hart (1982), a mesma é “arte do general”, pois se fundamenta perfeitamente na
adaptação dos fins para se obter o resultado esperado.
Esta Estratégia Militar, se distância dos planos políticos da Superior, não obstante a
primeira é subserviente aos propósitos da segunda, ou seja, quando a arte da guerra
é utilizada como instrumento político:
A guerra é um instrumento da política; ela traz necessariamente a
marca dessa política; ela deve avaliar tudo à imagem da política. A
condução da guerra é, pois, nas suas grandes linhas, a própria
política, que toma da espada em vez da pena, sem deixar por isso de
pensar as suas próprias leis. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 878).
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Dentro da Estratégia Superior e da Militar se encontram duas grandes variantes de
ação, que são conhecidas como planos de Estratégia Direta e Indireta. Na Direta o
objetivo principal consiste na vitória sobre o inimigo através de uma batalha decisiva,
ou seja, deve haver a busca pelo combate direto, em que uma das forças venha a
ser destruída e impossibilitada de lutar em virtude das perdas: “O esmagamento do
inimigo é a finalidade da guerra e a destruição da sua força militar constitui o seu
meio, tanto no ataque como na defesa”. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 745).
Na Estratégia Indireta o embate de armas é realizado após uma das partes em
conflito conseguir desequilibrar o seu inimigo por meio de diversos planos e
manobras, como o psicológico, o material, ou as lassidão, evitando-se as ações de
um choque antecipado:
Linddell Hart desenvolveu brilhantemente uma teoria de
‘aproximação indireta’, que considera a melhor estratégia. Consiste
esta em, no domínio operacional militar, ‘não pegar o touro pelos
chifres’, isto é, em não defrontar o inimigo numa prova de força
direta, mas em somente abordá-lo depois de o haver inquietado,
surpreendido e desequilibrado por meio de uma aproximação
imprevista, efetuada de direções alteradas [...]. (BEAUFRE, 1998, p.
119).
Estes diversos planos de ações indiretas possuem suas características particulares,
entretanto, o objetivo delas sempre se encontra num ponto em particular, que é o
desgaste do inimigo.
No plano de ação psicológico, o intento estratégico é reduzir a moral e a resistência
psicológica de uma força militar antes de realizar o combate em si. Segundo Beaufre
(1998) a idéia existente nessa ação, envolve não somente em manter os níveis
morais do combatente em baixa, mas também da população civil, levando assim a
situação de “exaustão” social.
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No caso do plano de lassidão, segundo o próprio Beaufre (1998), a estratégia é levar
um inimigo a exaustão material e física, forçando-o a utilizar os seus limites, sem
que a força opositora venha a excedê-los.
Os planos de Estratégia Indireta tentam levar o inimigo a sua exaustão física e
material, ou à redução dos mesmos para um nível em que uma força militar, que
apresenta menores meios de combate possa enfrentar seu opositor em igualdade de
condições, ou até mesmo, com superioridade em força moral e material.
Mas a estratégia não envolve apenas fatores relacionados à condição humana, deve
está relacionada ao ambiente em que os adversários irão estar durante as
operações, ou seja, a geografia, as condições climáticas, o tipo de vegetação
também acabam por influenciar no contexto estratégico.
As características geográfica de uma região, podem influenciar nas decisões
relacionadas as estratégias e nas táticas de deslocamento das forças militares. Os
fatores relacionados a geografia, como no caso do terreno e das vias terrestres,
podem corroborar nas decisões sobre logística, equipamentos e comunicação:
A configuração de terreno é um auxílio para o exército. Analisar o
inimigo, deter o controle da vitória, avaliar ravinas e desfiladeiros, o
distante e o próximo, são o Tao [caminho] do general superior. Quem
os conhecer e os empregar no combate será vitorioso. Quem não os
conhecer ou não os empregar no combate será certamente
derrotado. (PIN; TZU, 2002, p.111).
Os fatores relacionados ao terreno também não se relacionam apenas aos planos
de combate, mas também no deslocamento dos soldados e da logística, criando
uma classe militar praticamente independente, voltada a prover a manutenção das
forças, tendo uma rígida organização. (CLAUSEWITZ, 1996)
A vegetação e o clima de uma região são, também, fatores preponderantes nas
decisões estratégicas, principalmente na guerra moderna, onde a camuflagem é
parte integrante das decisões táticas de uma manobra militar. A utilização de
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uniformes deve ser diferenciada para cada clima em que o soldado venha a
combater:
O traje do soldado de infantaria deve ser leve e largo e sua cor não
deve ser todo indiferente; alguns dizem que seja escuro para que
possa confundir com a cor das pedras, troncos ou terra do campo
quando os soldados se dediquem as escaramuças, surpresas,
emboscadas e demais combates que tenham lugar nas guerras
irregulares. (CHACÓN, 1883, p. 277).
As estratégias militares empregadas em uma guerra acabam por envolver um
complexo planejamento humano/material, que envolvem análises anteriores ao
combate, durante o confronto, no plano e na forma de usufruir dos resultados após
a guerra.
Independentes das proporções materiais ou financeiras, a presença da organização
estratégica se faz presente, inclusive, em conflitos realizados no Brasil.
A análise das estratégias militares em guerra que aconteceram no Brasil não
despertaram o surgimento de pesquisas neste campo. Muitas vezes isto ocorre pela
falta de conhecimento dos próprios conflitos, ou pela ênfase de estudos realizados
em outras regiões, como na Europa.
Entretanto, a existência de variadas estratégias pode ser averiguada em diversas
situações no Brasil. Muitos casos com grande multiplicidade de ações e planos,
como na guerra de Canudos, que pode ser descrita pela grande variedade de
estratagemas utilizados pelos conselheiristas na defesa do arraial. Podemos
observar que eram Estratégias Indiretas (na maior parte), chegando a um nível muito
complexo, e em vários momentos demonstrando evoluídas para sua época,
assumindo, assim, o caráter de uma guerrilha nos finais do século XIX.
As táticas dos defensores de Canudos abrangiam diversos planos presentes dentro
da Estratégia Indireta, como o plano psicológico ou de lassidão. Com o emprego
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diversificado destas manobras, os conselheiristas conseguiram infringir severas
derrotas as primeiras expedições punitivas contra o arraial.
No caso das forças expedicionárias, as mesmas se baseavam em ofensivas típicas
da Estratégia Direta, em que a utilização de armamento superior ao do inimigo, e
com utilização dos recursos humanos, seria suficiente para se alcançar a vitória,
menosprezando as defesas de Canudos.
Além das ofensivas não levarem em conta os aspectos defensivos presentes em
Canudos, as expedições subestimaram os fatores climáticos, geográficos e
logísticos para um confronto naquela região, ocasionando, sérios problemas durante
as ofensivas das forças governistas.
O resultado de cada derrota das forças expedicionárias era o respectivo aumento
humano/material em cada ofensiva contra Canudos. Sobre este crescente volume
militar contra as defesas conselheiristas, o Estado se viu obrigado a ampliar as
ações da chamada Estratégia Superior, para uma “convocação” da sociedade contra
o arraial.
Esta evolução na Estratégia Superior criou ainda mais responsabilidades para a
área Militar, pois o problema que se tornou Canudos, tido como uma revolta
monarquista para derrubar o governo republicano, necessitava de uma solução
urgente e total. Neste ponto, as ações contra o arraial se aproximavam da chamada
Guerra Absoluta. Derrotar Canudos plenamente era essencial para a jovem
República.
Para dissertar sobre como foram utilizadas essas táticas, tanto pelos conselheiristas
como pelas forças governamentais, realizamos a monografia utilizando como
critério a análise estratégica empregada pelos dois lados. A partir do levantamento
bibliográfico da própria guerra de Canudos, foram retirados os principais pontos
relacionados as táticas de combate que ocorreram durante o conflito.
No primeiro capítulo, o critério para sua elaboração foram as Estratégias Indiretas
utilizadas pelos canudenses. No segundo foi dada ênfase as táticas de Ação Direta
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tomadas pelas forças expedicionárias. No terceiro, descreveremos a quarta
expedição, que teve um caráter de Guerra Absoluta.
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A ESTRATÉGIA INDIRETA NA DEFESA DO ARRAIAL SANTO
No Final do século XIX, o Brasil se encontrava envolvido na turbulência do fim da
Monarquia e o início da República. Os militares, disputando espaço político,
influenciados pelas ideias positivistas da época, tinham intuito de manter a ordem e
o progresso nacionais, contudo, excluindo as camadas populares do processo
republicano:
O problema do Exército no final do Império era o oposto [relacionado
em criar um exército do povo] tratava-se de criar não o cidadão-
soldado mas o soldado-cidadão. Eram os beneficiários do monopólio
de portar armas, componentes da burocracia estatal, que desejavam
para si a plenitude dos direitos de cidadania. (CARVALHO, 2005, p.
49).
Nesta agitação, o governo de Floriano Peixoto se viu envolto em revoltas e rebeliões
no Sul do Brasil. O sucessor do “Marechal de Ferro”, o presidente civil, Prudente de
Morais, devolveu o poder a elite agrária do país, em detrimento da classe média
urbana (MCCANN, 2007). Eu seu governo ocorreu a intenção de reduzir o peso
político do exército:
A intensão presidencial de diminuir o peso político do Exército
encontrou aceitação entre os oficiais que pensavam como o ministro
da Guerra, general Bernardo Vasques: ‘O Exército constitui a grande
corporação armada, que, representando a força coletiva da nação,
tem por fim sustentar os grandes princípios que lhe servem de base’.
Para reduzir a participação política era preciso ‘manter a ordem e
defender a soberania e os direitos nacionais’. (MCCANN, 2007, p.
62).
O estado laico que secularizou os cemitérios e criou o casamento civil não era bem
visto pelos religiosos e pelas camadas populares. Neste contexto, vê surgir um
conselheiro, que se diferenciava dos outros “andantes” dos sertões, por conseguir
arrematar muitos sertanejos em suas peregrinações.
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Seu nome era Antônio Vicente Mendes Maciel, popularmente conhecido como
Antônio Conselheiro. Nascido em Quixeramobim, no interior do Ceará, era filho de
um antigo vaqueiro que se tornara dono de um comércio de secos e molhados. A
juventude não fora fácil para o jovem. O pai, Vicente Maciel, desejava que o seu filho
varão tivesse uma vida melhor que a sua, e o mesmo recebera algo difícil pelas
circunstâncias sócio/econômico do interior do nordeste, que foi a educação:
Após aprender a escrever e a contar com um amigo de seu pai [...],
teria ingressado na escola particular de Manuel Ferreira Nobre,
estudando português, aritmética, geografia e rudimentos de latim e
francês. (MACEDO; MAESTRI, 2004, p.16).
Diferente do estereotipo de insano criado sobre Antônio Maciel - após ele assumir a
vida de peregrino como “conselheiro” - possuía um bom grau de conhecimento, que
seria importante no futuro para sustentar as agressões externas.
As agruras na vida de Antônio Maciel também se fizeram presentes. Dois anos após
a morte de seu pai, viu o fim do negócio de secos e molhados que havia herdado,
vendendo a sua moradia, que era sede também do empreendimento. Neste período,
encontrava-se casado com Brasilina Laurentina de Lima, residindo na localidade de
Campo Grande.
Com nascimento do seu segundo filho, aconteceu mais um fato lastimoso na vida: a
traição de sua esposa, que fugiu com um suboficial da força pública, levando
consigo seus dois filhos.
Sozinho, ele volta com suas andanças pelo interior. Ocorreu neste ínterim um
relacionamento com Joana Batista Lima, a Joana Imaginária, artesã e tida como
mística. Nesta união, teve mais um filho. Contudo, a sua vida de peregrino pelos
sertões não parou. Foi para Campo Grande, depois para Crato e Paus Brancos, no
município de Quixeramobim, onde trabalhava como vendedor ambulante.
(MACEDO; MAESTRI, 2004).
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Nesta época, Antônio Maciel mantinha proximidade com os “missionários que
evangelizavam” os sertanejos em suas famosas missões. Daí envolveu-se com a
cultura religiosa e passou a seguir as mesmas linhas de intuições1.
Antônio Conselheiro passa a ter crescente notoriedade, em especial após a grande
seca de 1877-1879, onde muitos sertanejos flagelados pela estiagem passaram a
segui-lo. O mesmo ocorre com o fim da escravatura em 1888, onde negros recém-
libertos passam, a acompanhá-lo no interior nordestino.
Pesquisas recentes demonstram cada vez mais a participação na
comunidade religiosa baiana, de negros e ex-cativos, entre os
conselheiristas e entre os chefes da resistência. José Calasans [...]
defende a idéia de que ‘Canudos foi o nosso último quilombo’. Essa
sensível definição não se refere apenas à composição étnica do
arraial. Assinala igualmente que belo monte abriu seus braços sem
distinção para todos os refugiados e sofridos da sociedade de
classes da época (MACEDO; MAESTRI, 2004, p. 71).
Esta predisposição em receber os sertanejos, “calejados” pelos rigores do clima, da
vegetação e da lida na caatinga, seria futuramente, de grande valia para a
resistência de Canudos, como comenta Maquiavel (2006) ao descrever que os
homens das zonas rurais são mais sujeitos aos efeitos da fadiga, ao ardor do sol, a
trabalhar com o ferro, e afastados dos vícios.
Em 1893, Antônio Conselheiro decide se fixar à margem Norte do rio Vaza Barris,
num pequeno arraial chamado Canudos, batizado por ele de Belo Monte. O
crescente aumento populacional da localidade, levou temor e tensão para outras
pessoas. A Igreja Católica foi a primeira instituição a tentar reprimir a comunidade.
No ano de 1895 o então governador, Rodrigues Lima, solicitou ao arcebispo, Dom
Jerônimo Tomé, o envio de missão religiosa para Belo Monte, a fim de instigar a
saída dos moradores do arraial. Entretanto, a missão episcopal, conduzida por João
Evangelista do Monte Marciano, não obteve o resultado desejado:
1 Um dos grandes inspiradores de Conselheiro foi o Padre Mestre Ibiapiana, precursor de vários beatos e missionários do sertão.
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No relatório minucioso e faccioso deixado por João Evangelista, ele
afirma ter sido ameaçado pelos ‘asseclas’ do Conselheiro. Devido às
repetidas manifestações de hostilidade, animadas por João Abade e
pela Companhia do Bom Jesus, ele suspendeu a ‘santa missão’.
(MACEDO; MAESTRI, 2004, p. 90).
Contudo, o estopim para o confronto foi a questão relacionada a compra de madeira
para construção da igreja nova no arraial, adquirida na cidade de Juazeiro,
localizada no norte do estado da Bahia, em que o negociante que recebera
adiantado, um conto e duzentos mil réis, se negou a entregar o madeirame.
Sob alegação de que os conselheiristas iriam invadir a cidade de Juazeiro para
pegar a madeira a força, o juiz de direito da localidade, Arlindo Leoni, telegrafa para
o governador Luís Viana, pedindo forças policiais e alarmando sobre a possível
invasão.
Mello (2007) descreve que o pedido foi mal interpretado, ou simplesmente distorcido
de forma ardilosa pelo general Frederico Sólon, como uma ordem para enviar forças
contra Canudos, a fim de destruir o arraial.
Com a falaciosa ameaça a cidade de Juazeiro, parte da capital baiana para Juazeiro
a primeira expedição punitiva contra Canudos. No entanto a força expedicionária
não analisou a geografia do lugar, ou do próprio inimigo, deslocando-se pela
caatinga sem os preparos necessários para a investida contra Canudos.
Esta investida na forma de uma Estratégia Direta das forças do governo, acabou
sendo superada por uma Estratégia Indireta tomada pelos canudenses. Esta tática
foi vantajosa para os sertanejos, pois teve o elemento estratégico da surpresa:
Na Madrugada do dia 20, os soldados dormiam tranqüilamente
quando as sentinelas foram substituídos pelo rumor de uma multidão
que como se fosse uma grande procissão se acercava do arraial [...]
o desenrolar dos fatos, no entanto, mostraria exatamente o inverso.
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Assustados e temendo um possível massacre essa multidão sacou
rapidamente suas armas e começou a atirar em qualquer direção, os
soldados ao serem despertados pelo tiroteio, deixavam seus
alojamentos, seminus, saltando pelas janelas e se armando com o
que estivesse mais próximo. (SOLA, 1997, p. 54).
O fator surpresa está presente dentro da chamada Aproximação Indireta, sendo uma
proveitosa forma de ataque:
A surpresa torna-se, por conseguinte, o meio de alcançar a
superioridade, mas, dado o seu efeito moral, deve-se considerá-la
também como um princípio autônomo. Quando é bem-sucedida,
semeia a confusão e quebra a coragem do inimigo [...].
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 209).
A força do tenente Pires Ferreira foi surpreendida também pela organização de
ataque por parte das pessoas de Canudos: “[...] que surpreende ao combater
organizados ao som de apitos, com frações de força dispostas em piquetes de 20 a
40 homens, dotados de armas brancas e de fogo”. (MELLO, 2007, p. 116). Os
conselheiristas obtiveram sucesso na investida conseguindo se apoderar de parte do
arraial de Uauá.
Esta vantagem inicial, tendo em vista a surpresa e a forma organizada de ataque por
parte dos canudenses foi equilibrada, pois a maneira de luta de ambos era de uma
Ação Direta, ou seja, os dois lados procuraram o combate direto, com os soldados
se mantendo na defensiva, e usando o poder de fogo superior de seus fuzis:
Na maioria, as praças, protegidas pelas casas, e abrindo-lhes as
paredes em seteiras, volveram à defensivas francas. Foi a salvação.
Os matutos conjuntos à roda dos símbolos sacrossantos, no lago,
começaram de ser fuzilados em massa. Baquearam em grande
número; e, tornou-se-lhes a luta desigual a despeito da vantagem
numérica. [...] enquanto o soldado os alvejava em descargas nutridas
[com fuzis de ferrolho], os jagunços revolviam os aiós, tirando
sucessivamente a pólvora, a bucha e as balas no demorado
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processo da carga de seu armamento grosseiro [...]. (CUNHA, 2008,
p. 261).
Não obstante, naquela situação, o proveito estratégico tomado inicialmente pelos
sertanejos, armados com armas brancas e garruchas, foi superior ao poder bélico da
força do governo, equipados com fuzis mannlicher2, pois a Estratégia Indireta
tomada por parte dos conselheiristas se sobressaiu sobre a Estratégia Direta, que é
relacionada a força bélico\material das tropas do governo.
Após quatro horas de combate corpo-a-corpo, os conselheiristas tinham um saldo de
74 feridos fatais, e do lado das forças do governo 10 mortos e 20 feridos, sendo que
entre os mortos estava um oficial, um suboficial e os dois guias, equivalendo a trinta
por cento da força oficial.
Sem munição de fogo e de boca3, com o desconhecimento das trilhas da região,
sem o apoio da população, impressionados com o assalto dos canudenses, e
temendo uma nova investida do inimigo, a força do tenente Pires Ferreira se viu
obrigada a realizar a retirada do arraial de Uauá, retornando o quanto antes a
Juazeiro.
Após a derrota da tropa do governo ocorreu à organização de uma nova expedição
punitiva contra Canudos. Este novo contingente, sob comando do major Febrônio de
Brito se vê envolvido em diversos problemas entre militares e políticos, retardando
sua investida contra o arraial.
A segunda expedição contra Canudos aconteceu apenas em janeiro de 1897, dois
meses após está aquartelada na cidade de Monte Santo. A organização para a
ofensiva contra o arraial nessa cidade, contou com 543 praças, 14 oficiais, corpo
médico formado por três membros, e mais de 200 membros da policia baiana,
2 O fuzil Mannlicher é uma arma de ação de recarga por ferrolho. De fabricação alemã foi criada em 1888, sendo adquirida e distribuída aos batalhões no Brasil a partir de 1893. Seu calibre é de 7,92 mm com o alcance útil de 2.050 metros.3 No jargão militar a munição de fogo são os municiamentos para as armas e a munição de boca são os mantimentos para tropa.
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possuindo uma pequena divisão de artilharia, com dois canhões Krupp4 e duas
metralhadoras nordenfeldt5.
Durante a permanência da tropa do major Febrônio de Brito em Monte Santo os
conselheiristas utilizaram-se uma ação estratégica contra o inimigo, com o uso de
espiões:
Na alacridade dos festejos, não se distinguiam os emissários solertes
de Antônio Conselheiro – espiando, observando, indagando,
contando o número de praças, examinando todo o trem de guerra e
desaparecendo depois, rápidos, precipitando-se a aldeia sagrada.
(CUNHA, 2008, p. 281).
A utilização de espiões contra um inimigo tem suas vantagens ligadas a concepção
de estratégia antecedentes a batalha:
O meio pelo qual governantes sábios e generais sagazes se
moveram e conquistaram outros, pelo qual suas realizações
ultrapassaram as massas, foi o conhecimento acurado. O
conhecimento acurado não pode ser obtido de fantasmas e espíritos
[...] mas deve se obtido dos homens, porque é o conhecimento da
verdadeira situação do inimigo. (PIN; TZU, 2002, p. 134).
Depois da partida de Monte Santo, na ofensiva contra o arraial, os conselheiristas
logo se fizeram presentes em ações contra o inimigo, em táticas de ordem
psicológica:
Decorrida a longa e penosa caminhada, resolveram pousar em
Mulungu, onde os vestígios dos inimigos se tornavam mais claros do
que nunca: restos de fogueira e vivendas incendiadas. À noite as
sentinelas atemorizadas visualizavam vultos deslizando ligeiros pela
4 Canhão Krupp foi uma peça de artilharia de médio porte, com calibre de 75 mm e alcance de 5.400 metros, com municiamento por retrocarga, de fabricação alemã e o governo brasileiro passou a adquirir os armamentos das indústrias Krupp a partir de 1894.5 Metralhadora Nordenfeldt foi uma arma de uso da infantaria, tinha sistema de tiro por alavanca mecânica, e dispunha de três a cinco canos para disparo dos projéteis. Seu calibre era de 11 mm com um alcance de 1.400 metros.
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caatinga. Não restava a menor dúvida de que era o inimigo
espreitando o acampamento. (SOLA, 1997, p. 57).
Os conselheiristas utilizavam estratégia no plano psicológico, que é importante para
os combates, pois como descreve Beaufre (1998, p. 66): “Por conseguinte, o
elemento psicológico é preponderante. É ele que conduz às técnicas e às
combinações mais variadas, desde as máscaras aterrorizadoras e os gritos de
guerra [...]”.
Depois de partirem de Mulungu, tendo esgotado toda munição de boca, a tropa do
major Febrônio de Brito encontrando-se na serra do Cambaio, sem ter nenhum sinal
direto dos inimigos, avançou. Mas acabou sendo surpreendida pela investida dos
conselheiristas:
E foi nesta situação que as surpresou o inimigo. Dentre as frinchas,
dentre os esconderijos, dentre as moitas esparsas, aprumados no
alto dos muramentos rudes, ou em despenhos ao viés das vertentes
– apareceram os jagunços, num repentino deflagrar de tiros.
(CUNHA, 2008, p. 293).
A ação de combate em montanhas ou altiplanos apresenta suas vantagens
estratégicas, para a força que inicia a ofensiva:
Quando uma coluna serpenteia penosamente ao longo de estreitos
desfiladeiros para transpor uma montanha, avançando a passo de
tartaruga, quando os artilheiros e os homens da equipagem,
blasfemando e praguejando, conduzem à chibatadas os seus cavalos
esfalfados através de ravinas áridas [...] não sem que se lancem
pragas, injúrias e blasfêmias, cada qual diz para si próprio: ‘Bastaria
que o inimigo aparecesse de repente com algumas centenas de
homens e tudo se faria em pedaços’. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 571-
570).
Houve um início de tumulto na força do governo, entretanto a presença do major
Febrônio de Brito evitou a debandada geral dos seus soldados, que se
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reorganizaram, e sob o apoio da artilharia, avançaram contra o inimigo, repelindo o
assalto inicial dos canudenses. Não obstante, os sertanejos mantinham outra
posição, demonstrando mais uma tática de combate compensadora em relação ao
rústico armamento por eles utilizado:
A cavaleiro do assalto, estes iludiam de modo engenhoso a carência
de espingardas e o lento processo de carregamento das que
possuíam. Para isso se dispunham em grupos de três ou quatro
rodeando a um atirador único, pelas mãos do qual passavam,
sucessivamente, as armas carregadas pelos companheiros
invisíveis, sentados no fundo da trincheira. De sorte que se alguma
bala fazia baquear o clavinhoteiro, substituía-o logo qualquer dos
outros [...] alvejavam-no de novo. Viam-no outra vez cair, de bruços,
baleado. Mas viam outra vez erguer-se, invulnerável, assombroso,
terrível, abatendo-se e aprumando-se, o atirador fantástico. (CUNHA,
2008, p. 295).
Estes estratagemas, tanto relacionado a uma recarga mais rápidas de suas armas,
inferiores aos fuzis mannlicher usados pelas forças governamentais, quanto a
substituição rápidas dos soldados que viessem a ser atingidos pelo inimigo, tinham a
função de causar, não somente, desordem na tropa do major Febrônio de Brito, mas
de evitar a exaustão dos homens e agilizar a força de ataque dos conselheiristas:
As táticas para a disposição difusa residem na criação de inúmeras
unidades operacionais pequenas. Algumas avançam, outras recuam.
Algumas atacam, outras mantêm suas posições e defendem [...].
Assim, a disposição difusa é capaz de se apoderar das forças de
elite do inimigo. (PIN; TZU, 2002, p. 237).
O ataque da tropa, que teve de ser realizado em subida, contra as trincheiras dos
sertanejos, mesmo com desordem no seu avanço, conseguiu avançar rumo a
posição em que se encontravam os canudenses. Durante esta investida, as armas
obsoletas dos conselheiristas não conseguiam fazer tantas baixas nas forças do
governo, que continuavam em seu confuso avanço, tendo que, além dos
conselheiristas, superar as irregularidades do solo.
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Os soldados subiam as escarpas da serra, e realizavam cargas de fuzilaria em
direção aos inimigos que estavam sobre o cume da serra. Porém, estes disparos
eram perdidos, ficando amortecidas nos taludes do Cambaio, já que os defensores
sabiam da inferioridade de suas armas, e dessa forma desejavam que o inimigo
gastasse, inutilmente, sua munição: “[...] pareciam que desejar apenas que ali
ficassem, como ficaram, a maior parte das balas destinadas a Canudos. E
falseavam a peleja franca”. (CUNHA, 2008, p. 295)
Todo este ardil tomado pelas forças conselheiristas é dotado como uma Ação
Indireta, que abrange não somente questões de ordem material, mas compreende
também, fatores de ordem psicológica:
O propósito dessa ação diversionária é privar o inimigo de sua
liberdade de ação e ela deve ocasionar efeitos tanto no campo físico
quanto no psicológico. No físico deve acarretar a distensão das
forças inimigas ou seu emprego para fins improfícuos, de modo que
fiquem largamente desdobradas e comprometidas, sem
possibilidades de interferir na região onde se travará o combate que
se pretende ser decisivo. No psicológico deve obter os mesmos
efeitos tirando proveito dos temores do adversário e iludindo-o.
(HART, 1982, p. 414).
A serra só foi conquistada pela tropa do major Febrônio de Brito após três horas de
árdua luta, na qual os soldados desperdiçavam grande parte dos projeteis de fuzil.
No final da peleja, os cálculos de baixas entre as forças legais e os canudenses
demonstravam a disparidade que o poderio material superior fazia num combate.
Foram quatro mortos e pouco mais de vinte feridos na tropa do governo, contra
cento e quinze conselheiristas mortos. (CUNHA, 2008).
Os sertanejos realizaram mais uma ofensiva contra a tropa, que estava protegida
pelos rochedos, contudo como descreve Sola (1997), esta escaramuça se resumiu a
um tiro de canhão, em que seu projétil ao atingir o ponto de sustentação de uma
26
enorme pedra, rachou-a, e uma grande parte dela caiu sobre os atiradores,
esmagando-os.
A tropa, mesmo exausta, avançou até o chamado Tabuleirinho de Canudos,
acampando lá até o dia seguinte. Logo pela manhã, com a força em posição para o
ataque contra o arraial, foi realizado um disparo em direção a Canudos, anunciando
não somente a aproximação da tropa do governo, mas de um ataque surpresa por
parte dos conselheiristas. Uma ofensiva que surpreendeu até mesmo o chefe da
expedição:
Nunca vimos, eu e meus bravos camaradas, tanta ferocidade!
Vinham morrer como panteras, dilacerando entranhas, agarrando às
bocas das peças, não tão armados como se dizia. Todos eles
traziam armas de fogo, bons e afiados facões, cacetes, pendentes
dos pulsos. (BRITO apud BENÍCIO, 1997, p. 110).
Este ataque poderia obter um êxito maior se encontrasse a tropa desprevenida,
como ocorrera em Uauá na primeira expedição. Entretanto, o ataque dos
canudenses encontrara a tropa de Febrônio de Brito em posição de marcha contra
Canudos: “Felizmente os expedicionários, em ordem de marcha, tinham prontas as
armas para a réplica, que se realizou logo em descargas rolantes e nutridas”.
(CUNHA, 2008, p. 299).
Mesmo sob o fogo direto dos soldados, os canudenses mantiveram o ataque,
conseguindo penetrar dentro das formações da tropa. Esta atitude, de uma
“autoimolação”, em uma investida “suicida” contra o inimigo é descrita por
Ehrenreich (2000, p. 26):
A explicação biologicamente ‘racional’ para determinados tipos de
altruísmos é que ele favorece a sobrevivência de um parente e
portanto de alguém com genes parecidos com os dos altruístas.
Pode-se argumentar que essa explicação serve para situações nas
quais os homens morrem defendendo seu clã ou sua família [...].
27
Iniciou uma escaramuça corpo-a-corpo e neste tipo de combate as ações de audácia
por parte dos combatentes conselheiristas são vistas não somente como simples
intrepidez, mas também levam temor aos que sofrem a agressão:
Tomara-lhe a frente um mameluco possante [...] de envergadura de
gladiador sobressaindo no tumulto. Este campeador terrível ficou
desconhecido à história. Perdeu-se-lhe o nome. Mas não a
imprecação altiva que arrojou sobre a vozeira e sobre os estampidos,
ao saltar sobre o canhão da direita, que abarcou nos braços
musculosos, como se estrangulasse um monstro: ‘-viram, canalhas, o
que é ter coragem?!’. A guarnição da peça recuara espavorida,
enquanto ela rodava arrastada a braço, apresada. (CUNHA, 2008, p.
299).
O combate continuara, com o recuo dos conselheiristas para os matagais próximos
do local da refrega, dando-se início a rápida troca de tiros entre os sertanejos,
disparando com seus trabucos e espingardas de pederneira, contra os soldados,
com seus fuzis mannlicher. O número de perdas dos conselheiristas era muito
superior a de militares, graças a utilização do canhão e dos fuzis de recarga por
ferrolho, que dava maior agilidade entre disparos para os soldados; os canudenses
mantiveram posicionada na vegetação próxima.
No entanto, a estratégia de Ação Indireta tomada pelos conselheiristas na serra do
Cambaio surtira efeito, pois naquele momento, como destaca Benício (1997), a
munição da artilharia estava esgotada, o mesmo ocorrendo com os cartuchos de
fuzil da infantaria.
Nesta situação, sem munição de fogo e de boca, se tornara impossível para o major
Febrônio de Brito em insistir numa investida contra o arraial de Canudos, sendo
necessário abandonar totalmente a incumbência de conquistá-lo, e iniciar, com
urgência, a retirada para Monte Santo.
28
A retirada da tropa foi sofrível, pois além de se encontrarem esgotados, ainda
sofriam as investidas dos conselheiristas liderados por Pajeú, que tinha mais o
intuito de abater o psicológico do inimigo, do que levá-lo a possuir mais baixas:
Desfilavam pelos altos em corrimaças [perseguição com vaias]
turbulentas e ruidosas. Os lutadores embaixo seguiam como atores
infelizes, no epílogo de um drama mal representado [...]. Piores que
as descargas [tiros], ouviam brados irônicos e irritantes, cindidos de
longos assovios e cachinadas [gargalhadas irônicas] estrídulas,
como se os encalçasse uma matula barulhenta e garotos
incorrigíveis. (CUNHA, 2008, p. 306).
Tal tática, de levar o inimigo ao desgaste pleno, não somente material, mas
psicológico, surtia seu efeitos, pois a tropa sofria com toda “sorte” de privações, e
mesmo assim avançavam até o limite das suas forças.
Esta forma de “combate” psicológico sobre um inimigo já prostrado, a fim de fazê-lo
abandonar a sua missão é reforçada na citação a seguir:
Se o inimigo avançar, ele o pressionará à frente; se se retirar, o
cindirá atrás. À esquerda e a direita será compelido ao interior das
ravinas, ao passo que se permanecer tranqüilamente acampado, seu
exército não evitará o infortúnio. Aqueles que se excelem na guerra
podem fazer com que o inimigo abandone sua armadura e corra para
longe; viaje a distância normal de dois dias de uma só vez. Se torne
exausto e doente, mas incapaz de descansar; faminto e sedento,
mas incapaz de comer. (PIN; TZU, 2002, p. 261).
Após essa nova derrota, iniciaram as manifestações políticas contrárias ao governo
de Prudente de Morais, que por motivo de doença, se afastou do comando do país,
sendo a vaga de presidente ocupada interinamente por Manuel Vitorino, ligado a ala
dos florianistas.
Neste tenso clima político, é organizada a terceira expedição contra Canudos,
superior as demais em número de homens e equipamentos, sendo liderada pelo
29
celebre coronel Moreira César, “composta de um esquadrão de cavalaria, bateria de
artilharia, batalhões de infantaria, somando mais de mil homens”. (LITRENTO, 1998,
p. 119).
Durante este tempo, era ampliada a organização defensiva do arraial de Canudos.
Passara a existir piquetes de vigilantes que observavam os principais caminhos em
direção a “cidadela”. As defesas físicas do local eram também estendidas:
Os chefes, porém, não se iludiam. Premunidos de cautelas,
concertaram na defesa urgente. Pelos dias ardentes, viam-se os
sertanejos, esparsos sobre o alto dos cerros e à ourela dos
caminhos, rolando, carregando ou amontoando pedras, rasando a
terra a picareta e a enxada numa faina incessante. Construíam
trincheiras. (CUNHA, 2008, p. 328).
Os lideres da defesa de Canudos sabiam que repetir as táticas defensivas tomadas
contra as expedições de Pires Ferreira e Febrônio de Brito, diante daquela nova
expedição, superior na proporção humana e material, seria ineficaz. E com as novas
medidas de proteção, o inimigo teria que ir de encontro às posições de resguardo do
arraial, dando certa vantagem estratégica no momento da defesa de Canudos:
O exército tomando posição de modo a aguardar não só que o
inimigo se prepare para travar combate, ou seja, que apareça na
frente da nossa posição, mas também ataque realmente [...]. Nesse
caso, terá de se travar uma verdadeira batalha defensiva, que
contudo poderá implicar, como já o dissemos, um movimento
ofensivo de uma ou de várias partes do exército. Nesse caso, tal
como anteriormente, o ganho de tempo não será grande, mas a
resolução do inimigo poderá ser colocada perante dura prova.
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 508).
A construção de trincheiras, preparando as defesas no arraial, na nova atitude
estratégica, forçaria o combate na “fronteira” de Canudos. Contudo, a tropa do
coronel Moreira César seria obrigada a avançar pela caatinga, enfrentando as
30
adversidades de clima e terreno até dar combate com os canudenses. Estes, por
sua vez, esperariam “descansados” a chegada do inimigo:
Quem é o primeiro no campo de batalha e espera a chegada do
inimigo estará ponto para a luta, porém, quem vier depois ao campo
de batalha e ainda estiver apertando o passo para chegar, chegará
cansado. Portanto, o combatente esperto impõe sua vontade, mas
não deixa que a vontade do inimigo seja imposta sobre a dele.
(CLAUSEWITZ; TZU, 2008, p. 29).
O preparativo dos armamentos fazia parte, também, da ampliação defensiva de
Canudos. Neste quesito, a variedade de armas, tanto de fogo como brancas,
demonstravam-se vastas.
Viera gente das cercanias, consertar foices entortadas, acerrar
ferrões, temperar facas de arresto, arrumar a fecharia perra das
espingardas e garruchas, adestrar-se em algum armamento
recolhido nas retiradas da tropa militar. E fazerem a pólvora que
precisam: têm carvão e a natureza lhes dá o salitre e o enxofre.
Faltam projéteis. Mas os bacamartes aceitam pontas de chifre, cacos
de garrafas, seixos, pedra... (SILVA, 1975, p. 69).
A expedição do coronel Moreira César, partiu de Queimadas, sua segunda base de
operações, rumo a Canudos no dia 21 de fevereiro. Saíra um dia adiantado para
tentar surpreender o adversário, já que o coronel imaginava que o mesmo tivesse a
informação da data de partida da expedição. O avanço da tropa se deu sem maiores
adversidades, em relação a luta com os conselheiristas. Apesar disso, os mesmos já
preparavam as defesas contra aquele inimigo:
João Abade [...] convocara o jagunço de nome Serafim [...] para ir a
frente de escolta em missão de reconhecimento. A tropa deveria
cruzar por desfiladeiro apertado e aladeirado, juncado de pedras.
Segundo Serafim, o plano de João Abade era colocar piquetes na
entrada da garganta e espingardear confortavelmente as forças
quando ali desembocassem. (FONTES, 1995, p. 267).
31
Quando os soldados chegaram a este local já preparado pelos canudenses, entre
Pitombas e Pau de Colher, como conta Benício (1997), ocorreu uma rápida investida
por parte dos conselheiristas, e uma grande saraivada de disparos atingiu o
contingente que se aventurou pelo local, que responderam à tiros de fuzil contra a
posição dos adversários. Nesta troca de tiros, sete praças foram atingidos, um deles
mortalmente; com a intervenção da ala direita do 7º de infantaria, o inimigo
abandonou suas posições.
O avanço das forças do governo continuou, não obstante, um oficial, o major Cunha
Matos, ao está próximo do coronel Moreira César, comentou sobre a tática que os
conselheiristas estavam utilizando, como citado por Fontes (1995, p. 271): “– Não se
engane, coronel, os jagunços fugiram, mas o fizeram por tática. Estão nos atraindo
para o arraial”.
Esta nova estratégia tomada pelos canudenses, de atrair o inimigo e aguardar a
aproximação, condizia com o que é descrito por Clauzewitz (1996, p. 80): “Manter
nossas tropas protegidas o máximo possível. Como estamos sempre à espera do
ataque [...] devemos estar na defensiva a cada momento, assim protegemos ao
máximo nossas forças”.
Após este fato, a resistência de Canudos se manteve impassível ao ritmo de avanço
das tropas do coronel Moreira César, sem apresentar investidas ou piquetes que
obstruíssem a passagem dos soldados do exército. Esta passividade acarretaria
numa afobação em relação ao avanço da tropa contra a cidadela:
Sobre a repentina decisão de cair de imediato em cima dos
sertanejos, Araripe acha não ter sido de todo desacertado. Afinal, os
jagunços manifestavam, até então, enorme passividade. A lógica
recomendava [...] que a tropa devia se aproximar-se do alvo sem
perda de tempo, claro com as devidas precauções (FONTES, 1995,
p. 273).
32
A tática dos conselheiristas apresentava-se imbuída de astúcia, conforme descrito
na citação a seguir:
A guerra é o Tao [caminho] do ardil. Assim, ainda que sejas capaz,
exibe incapacidade. Quando decidido a empregar tuas forças, finge
inatividade. Quando teu objetivo estiver próximo, faz com que pareça
distante, quando distante, cria a ilusão de que está próximo. (PIN;
TZU, 2002, p. 51).
Outra análise feita sobre a mudança na estratégia defensiva de Canudos, é em
relação a aguardar a aproximação do inimigo e está relacionada, também, a
necessidade de armamento para o local:
Apesar de conhecer palmo a palmo todo o terreno de Canudos, em
companhia de João Abade, Vila Nova e Pajeú [Conselheiro], deixou o
santuário e fez um demorado reconhecimento das cercanias da
cidade. A guerra seria travada em frente a Canudos. Empregava uma
tática diferente da que usara com Febrônio de Brito [...]; o propósito
de Antônio Conselheiro era tomar as armas e munições das tropas
do governo, desmantelando-as com força organizada. (MONIZ apud
FONTES, 1995, p. 278).
Sob este pretexto, de proximidade à Canudos, a marcha do exército continuara sem
interferências por parte dos conselheiristas, mesmo com a tropa passando por
algumas dificuldades relacionadas a munição de boca. Todavia, Moreira César
insistia na continuidade do ritmo da tropa, sendo que os soldados aumentaram o
passo próximo de Canudos.
Longo ao avistar Canudos, do alto Favela, o coronel Moreira César deu a ordem de
ataque contra o arraial, sem nenhuma análise prévia ou descanso a tropa.
Os soldados que desceram do alto Favela rumo ao vale das quixabeiras,
atravessando o rio Vasa-Barris, conseguiram invadir o arraial, mesmo perdendo a
coesão da formação tática da ofensiva, sob ataque dos conselheiristas. Ficaram sem
33
o apoio da artilharia, que iniciara o bombardeio, mas que suspendeu o ataque sob o
risco de atingir as próprias tropas.
Dentro dos becos e vielas estreitas de Canudos, o cenário era de que os soldados
de Moreira César haviam entrado numa armadilha, como descrita nas palavras de
Cunha (2008, p. 353): “Era fácil investi-lo, batê-lo, dominá-lo, varejá-lo, aluí-lo, - era
dificílimo deixá-lo”.
No arraial, as lutas “avulsas” aconteciam em diversos pontos. Muitos soldados como
destaca Cunha (2008), se perdiam dentro do labirinto de ruelas, deparando-se
muitas vezes, no meio de grupos de canudenses, ou ao invadirem casas,
aparentemente vazias, em algumas ocasiões; no intuito de achar alguma comida,
acabavam sendo “atocaiados” pelo inimigo.
A ação de aguardar o inimigo, a fim de cansar o adversário e derrotar-lhes num
combate em sua “fronteira”, numa ação defensiva, é descrita a seguir:
Segundo a nossa concepção, a defesa é apenas a forma mais forte
de combate. A preservação das nossas próprias forças e o
aniquilamento das do inimigo, numa palavra, a vitória, são o objetivo
desse combate; todavia, isso não é o seu objetivo final.
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 679).
Em poucas horas os sertanejos de Canudos passaram da posição passiva no
combate, para agressores, batendo-se contra o inimigo com as armas que naquela
refrega, pudessem ser utilizadas, desde as suas espingardas e garruchas, as mais
diversas armas brancas, como punhais ou foices. Na igreja nova, os atiradores
conselheiristas mantinham suas posições, e abriam fogo contra o inimigo.
O ataque das tropas de Moreira César apresentou-se caótico nas vielas de
Canudos. Sem apoio da artilharia, em virtude do combate tornar-se corpo-a-corpo,
as defesas canudenses permaneciam firmes em vários pontos:
34
Os atiradores da igreja nova permaneciam firmes, visando todos os
pontos quase impunemente, porque a artilharia por fim evitava
alvejá-la temendo quaisquer desvio de trajetória, que lançassem as
balas entre os próprios companheiros encobertos. (CUNHA, 2008, p.
356).
Isso demonstrava que havia ordem nas ações dos defensores de Canudos, sendo
este mais um fator de vantagem na estratégia canudenses:
Embaralhada e turbulenta, a luta parece caótica, mas eles não a
podem travar desordenadamente. Em meio ao tumulto e à confusão,
sua disposição é circular, e não podem ser derrotados. O caos se
origina do controle (PIN; TZU, 2002, p. 77).
Vendo a desordem que se tornara o ataque dos seus soldados, o coronel Moreira
César decidiu avançar para a linha de frente do combate com o intuito de “dar brio a
àquela gente” (CUNHA, 2008, p. 358). O mesmo avançou a cavalo, em direção do
arraial, acabando por ser atingido por um disparo no ventre, tendo que abandonar
naquele momento o comando das tropas, que passou para as mãos do coronel
Tamarindo.
Sob a desorganização de suas tropas e a chegada do anoitecer, o coronel
Tamarindo decidiu ordenar o toque de recolher para seus homens, recuando para o
alto Favela.
Durante a noite a tropa expedicionária ainda foi afligida psicologicamente, por uma
ação vinda do arraial de Canudos:
Por volta da meia-noite toque lúgubre avolumou as apreensões, fez
gelar o sangue dos que acreditavam no sobrenatural. Generalizou-se
o estremecimento. Por pouco não estourou alarme e a tropa foi
vitimada pelo pânico. Não era o inimigo que resolvera atacar nos
rebouços a vigília: eram jaculatórias, benditos, excelências e quíries
que subiam as encostas e exerciam efeito sinistro sobre a
35
soldadesca acuada e apreensiva. Como agir sobre o inimigo que
tinha na fé e na religião arma tão poderosa. (FONTES, 1995, p. 307).
Em uma situação como a que se encontrava a tropa de Moreira César, de se
localizar próximo do inimigo e sem a organização necessária para enfrentar a
pressão psicológica dele, que naquela noite estava no seu terreno, e após a batalha,
exercia pressão sobre o inimigo, tinha a sua vantagem estratégica:
O defensor possui mesmo uma pequena vantagem sobre o
assaltante pelo fato de se sentir mais na sua casa, no terreno que
constitui a sua posição, tal como o habitante de uma residência se
sente lá melhor na obscuridade do que o estranho. (CLAUSEWITZ,
1996, p. 332).
Na mesma noite, o coronel Tamarindo reuniu os oficiais e concluíram que perante
aquele quadro de desolação que se encontrava a força expedicionária, o único
ensejo possível seria a retirada. Ao ser informado da decisão da oficialidade da
expedição, Moreira César teve uma explosão de fúria contra seus comandados,
considerando uma atitude de covardia. Porém, o mesmo não presenciou o resultado
daquele ato, pois foi a falecer naquela mesma noite.
A retirada da tropa da terceira expedição deu-se sem organização de fileiras ou
oficiais, como comenta Cunha (2008), em que a retirada parecia mais uma fuga,
sem se dividir em escalões, precipitando-se, à toa, pelos caminhos a fora, confiando
apenas na celeridade do recuo para evitar os inimigos.
Não obstante, as tropas foram flanqueadas pelos conselheiristas, num furioso
ataque surpresa, que levou a debandada generalizada dos exaustos soldados.
A falta de organização nesta retirada levou a uma maior fragilidade da tropa a um
ataque inimigo: “Quando vês que o inimigo é difícil de se subjugar, se o exército
ainda age de maneira licenciosa entre o Céu e a Terra, será rapidamente derrotado”.
(PIN; TZU, 2002, p. 271).
36
Nesta fuga desordenada os soldados abandonaram um grande butim em armas e
munição para os canudenses, que foi recolhido em sua totalidade.
A notícia da derrota da expedição Moreira César surpreendeu a sociedade da
época. Debelar o arraial de Canudos parecia uma atitude vital para salvar a jovem
república, e o exército iniciara a organização da mais ampla e bem montada
campanha bélica contra o arraial, para o que Macedo e Maestri (2004, p. 129)
descrevem como “o conflito que assumiu as feições de uma guerra civil”.
As ações tomadas pelas forças do governo estarão contempladas no próximo
capítulo, como as falhas estratégicas que ocorreram nas expedições contra
Canudos. Ressaltamos que haverá muitos trechos similares aos do primeiro
capítulo, já que a mesma expõe as mesmas três expedições. Contudo,
enfatizaremos as ações tomadas pelas forças militares do Estado.
37
O FRACASSO DA REPÚBLICA COM SUAS ESTRATÉGIAS CONTRA CANUDOS
O exército brasileiro no início do período republicano apresentava-se sob muitas
influências da época Imperial, mesmo com a modernização em relação aos
armamentos, em especial da infantaria, com mudança dos antigos fuzis de
antecarga [carregados pela boca] por novos modelos de municiamento de
retrocarga, como os Comblains. A artilharia também apresentava modernização de
baterias de ataque, mas sem abandonar definitivamente os modelos de canhões
antigos, com a utilização de peças da linha La Hitte, usadas na guerra do Paraguai,
que eram utilizadas juntamente com Krupp ou Whitworth, novos modelos.
As estratégias de batalha do exército também demonstravam sua aproximação do
que era utilizada durante o Brasil Império:
O uso tático dessas armas baseava-se na experiência da Guerra do
Paraguai (1865-70), privilegiando fuzilarias e manobras em pequenas
unidades. Em teoria, a ação ofensiva consistia em quatro etapas;
bombardeio da artilharia, estabelecimento de contato com o inimigo,
ataque e perseguição. A teoria defensiva ressaltava a manutenção
de observadores avançados, linhas de resistência segura, forte
posição central, retaguarda e contra-ataque organizados. (MCCANN,
2007, p. 43).
As influências externas também estavam presentes dentro do exército, em especial
da França e da Prússia, como na utilização de uniformes no padrão das infantarias
europeias, demonstrando neste ponto um retrocesso com relação a camuflagem dos
soldados: “Em 1896, troca-se o cinzento-escuro das túnicas da infantaria pelo azul-
ferrete. A campanha de Canudos, pouco depois, aponta graves defeitos do
fardamento em voga”. (BARROSO, 1922, p.70).
As próprias noções teóricas de estratégias utilizadas pelos oficiais, tantos os
formados no período imperial, quantos os novos oficiais formados nas academias,
eram baseadas em autores europeus:
38
Os oficiais promovidos nos campos de batalha do Paraguai que não
haviam depois frequentado a escola militar eram conhecidos como
tarimbeiros [...]. Esses homens, com experiência que tinham, eram
práticos e sensatos na vida militar, mas ficavam deslocados no
Exército dos bacharéis. Talvez tenham adquirido uma compreensão
adequada da arte militar juntamente como os formados nas escolas
militares lendo o manual do general francês Ildefonse Favé6.
(MCCANN, 2007, p. 44).
Futuramente a própria expedição de Canudos estaria obedecendo aos padrões de
batalha de estrategistas europeus:
Persistiu a obsessão de uma campanha clássica. Mostram-na as
instruções entregues, dias antes, aos comandantes de corpos.
Resumo de uns velhos preceitos que cada um de nós, leigos no
ofício, podemos encontrar nas páginas de Vial7, o que em tal
documento se depara – é a teimosia no imaginar, impactas, dentro
de traçados gráficos, as guerrilhas solertes dos jagunços. (CUNHA,
2008, p. 392).
A mescla de armamentos do período imperial e armas modernas, as noções
estratégicas baseadas em autores europeus, fundamentadas nas guerras europeias,
da época, até mesmo napoleônica, eram ações da Estratégia Direta que
fundamentariam as ações das forças do governo que iriam combater a resistência
de Canudos. Pudemos perceber isso desde a primeira expedição.
A primeira expedição punitiva contra Canudos que chegou a Juazeiro sob o
comando do Tenente Manuel da Silva Pires Ferreira, a frente do 9º Batalhão de
Infantaria, era composta de três oficiais e 104 praças, que se colocaram no aguardo
de uma possível invasão dos conselheiristas contra a cidade. Porém, com os passar
dos dias, a esperada investida dos canudenses não ocorreu, o que levou o juiz de
6 Ildefonse Favé, general francês que produziu vários tratados sobre estratégias militares, em especial para artilharia, entre suas obras estão: Résumé des progrès de l’artillerie depuis l’année 1800 jusqu’a l’année 1853 e Études sur le passé et l'avenir de l'artillerie.7 Jules-Paul Vial, oficial francês que escreveu diversas obras sobre arte e história militar, como: Histoire abrégée des campagnes modernes e Cours d'art et d'histoire militaires.
39
direito da cidade, Arlindo Leone a convocar o tenente Pires Ferreira para um
encontro na sua residência, onde ficou decido o ataque imediato contra Canudos.
Na tarde do mesmo dia, 12 de novembro, a tropa partiu rumo ao encontro dos
“fanáticos”, contudo sem fazer as organizações logísticas necessárias para a
investida:
Confiantes em si, achando que a batalha já estava vencida antes
mesmo do confronto, nem se preocuparam em levar as provisões
necessárias para cerca de duzentos quilômetros de viagem.
Restringiram-se a contratar dois guias em Juazeiro, uma vez que
desconheciam totalmente a região. No entanto, estes, na euforia da
vitória, esqueceram-se de um pormenor indispensável: era época de
estio e a seca não tardaria a chegar. (SOLA, 1997, p. 53).
Dessa forma, a tropa do tenente Pires Ferreira partiu para o ataque contra os
conselheiristas sem a preparação necessária de mantimentos para enfrentar, não
somente o inimigo, mas os rigores climáticos e da vegetação da região: “[...] se a
rota dos soldados exige uma marcha difícil e as massas sofrem, pode ser
derrotado”. (PIN; TZU, 2002, p. 290).
A guarnição avançou lentamente pela caatinga, com as reservas de água
esgotando-se logo no primeiro dia de marcha, e encontrando apenas algumas
sobras do “preciso líquido” no segundo dia de marcha, na chamada Lagoa do Boi.
Mas este consolo foi momentâneo, pois na continuação da jornada a região voltou a
apresentar sua forma desértica de outrora, até a chegada à localidade de Uauá.
Na madrugada do dia seguinte, a tropa do tenente Pires Ferreira foi acometida de
um ataque surpresa por parte dos conselheiristas, e mesmo contando com
armamento superior ao dos canudenses, os sertanejos conseguiram se apoderar de
parte do arraial de Uauá. Os praças tinham ainda outro problema, com relação aos
seus armamentos:
40
O funcionamento comprometedor dos fuzis Mannlicher, usados,
desgastados, dilatando-se intoleravelmente ao calor do sol e dos
tiros repetidos, e ficando, em alguns casos também pela simples
ação da poeira sobre o mecanismo de ferrolho, inteiramente
imprestáveis [...]. (MELLO, 2007, p. 116).
Havia outros modelos de fuzis na época, como o Comblain, que era mais robusto e
confiável pelos soldados e oficiais, contudo, foi substituído pelo moderno fuzil
Mannlicher, que ainda apresentava problemas de superaquecimento e vazamentos
de gazes aquecidos pelo ferrolho, ou de outros problemas descritos por McCann
(2007, p. 68-69):
Seus fuzis Mannlicher haviam sido usados nos combates no Sul em
1894, e a maioria já sofrera reparos. Embora precisos e potentes
nas condições em que haviam sido testados, não eram confiáveis
nas condições de combate, pois esquentavam em excesso, seus
ejetores de cartuchos falhavam e bastava um mínimo de terra ou
areia no tambor para que ficassem imprestáveis. Uma péssima arma
para uma campanha no sertão.
Numa condição de batalha, em que o armamento não deve falhar nos momentos
críticos, existe a necessidade de se utilizar armas confiáveis: “Quando os soldados
forem recrutados, e acredito que seja necessário armá-los. Para tanto, deveremos
examinar as armas [...] dentre elas, escolher as melhores”. (MAQUIAVEL, 2006, p.
47).
Sem condições físicas e materiais para continuar a investida contra Canudos, e
ainda sobre o risco do prosseguimento do ataque dos canudenses, o tenente Pires
Ferreira não teve outra opção a não ser sair em retirada para Juazeiro, pondo fim
aquela expedição contra o arraial de Antônio Conselheiro.
Após a derrota no combate de Uauá da primeira expedição contra Canudos, foi
organizada a segunda expedição contra o arraial santo, sendo convocado para o
comando daquela nova investida o major Febrônio de Brito, formada neste primeiro
momento por cem praças e oito oficiais.
41
Contudo, a preparação para a expedição encontrou-se envolvida nas adversidades
entre o comandante das forças militares federais e o governador do Estado da
Bahia, sendo que tal situação levou a problemas com a própria sequência da
ofensiva:
A 7 de dezembro, dá-se o deslocamento da força para Monte Santo,
onde não chega por se deter em Cansanção, ponte de cerca de três
léguas da vila. E é aí que a expedição vem a ser vítima de um
espetáculo de incompetência da parte do comando híbrido a que
então já estava sujeita. O major Febrônio comunica ao general Solon
que irá avançar [...]. O general, que lera a essa altura o relatório do
comandante da primeira expedição, ordena categoricamente a
Febrônio que retornasse a Queimadas à espera de reforços. É
quando intervém o governador Luís Viana, discordando e exigindo
que a força avançasse sobre Canudos, nem que fosse apenas a
fração policial. Forma-se o impasse. (MELLO, 2007, p. 122-123).
A desorganização das forças expedicionárias que avançariam contra Canudos foi de
tal modo que “a segunda expedição organizou-se sem um plano firme, sem
responsabilidades definidas, através de explicações recíprocas entre as duas
autoridades independentes e iguais”. (CUNHA, 2008, p. 264).
A falta organização dos preparativos para ofensiva, e das conflitantes ordens dos
comandantes, civis e militares, levaram a obstáculos não somente na disposição
expedicionária, mas conduzem a problemas estratégicos: “Se se mudam
frequentemente as ordens e as massas são furtivas, pode ser [o general] derrotado”.
(PIN; TZU, 2002, p. 291).
E esta situação, de falta de organização no comando, pode ser complementada pela
seguinte citação: “Há cinco fatores que concorrem para constantemente para não se
alcançar a vitória. Um general que é atravancado pelo governante não será vitorioso
[...]”. (PIN; TZU, 2002, p. 176).
42
Era o que acontecia com a expedição. O general Frederico Solon e o governador
Luís Viana não se entendiam sobre aquela situação, e a tropa de Febrônio de Brito
ficou retida até o início de janeiro de 1897. A querela só teve solução após a saída
do general do comando do distrito militar, sendo o posto assumido pelo coronel
Saturnino Ribeiro.
A expedição progride, e neste meio tempo, ocorreu o aumento do efetivo
expedicionário, agora formado por 543 soldados, 14 oficiais, três médicos, tendo o
complemento de dois canhões Krupp e duas metralhadoras Nordenfeldt.
A permanência da tropa de Febrônio de Brito na localidade de Monte Santo, foi,
como comenta Cunha (2008) regada por festejos, como numa comemoração por
uma vitória antecipada.
A certeza da vitória era tamanha que fez com que a expedição cometesse enormes
erros logísticos:
A expedição endireitava para o objetivo da luta como se voltasse de
uma campanha. Abandonando novamente parte das munições,
seguia como se, pobre de recursos em Queimadas, paupérrima de
recursos em Monte Santo, ela fosse abastecer-se – em Canudos.
(CUNHA, 2008, p. 286).
As más condições do terreno do interior dos sertões aliadas a falta de suprimentos
logísticos eram graves problemas de caráter estratégicos:
No teatro da guerra propriamente dito, a falta de abastecimento e de
abrigo, as más estradas utilizadas, e a obrigação de estar a todo
momento preparado para a batalha são a causa de esforços
desproporcionados que destroem os homens, animais, veículos e
roupas. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 409).
Sob estas inóspitas condições, iniciou-se a marcha das tropas do major Febrônio de
Brito rumo a Canudos, começando o avanço no dia 12 de janeiro, tomando a estrada
do Cambaio. Este deslocamento ocorreu sem os preparativos logísticos ideais, e a
43
tropa acabou por se ver marchando penosamente pela inóspita caatinga, chegando
no dia 17 do referido mês sem ter mais sua munição de boca, onde “foram abatidos
os dois últimos bois para quinhentos e tantos combatentes. Isto valia por um
combate perdido” (CUNHA, 2008, p. 290).
Esta era uma situação crônica, em que a falta de preparação estratégico/logístico
acaba por acometer uma expedição a graves reveses táticos:
As perdas do general [...] se carece de recursos, as age como se
tivesse recursos, então pode ser derrota [...] se a rota dos soldados
exige uma marcha difícil e as massas sofrem, pode ser derrotado.
(PIN; TZU, 2002, p. 270).
A expedição continuou seu difícil avanço, até se encontrar na região do Cambaio,
onde teve o primeiro embate com as forças conselheiristas. Neste confronto, os
defensores de Canudos mantiveram-se em melhores posições, utilizando-se de uma
Estratégia Indireta para desgastar as tropas do major Febrônio de Brito, que
inutilmente esgotava sua munição naquela escaramuça.
Por seu, lado as tropas expedicionárias utilizavam-se do que pode ser considerado
uma Estratégia Direta, em que a força bélico/humana deveria prevalecer, pois
avançavam frontalmente contra o inimigo gastando suas munições.
Após o combate, os canudenses tiveram pesadas baixas, totalizando cento e quinze
morto e as tropas do governo apenas quatro mortos. A expedição retornou seu
avanço contra Canudos. As forças expedicionárias chegaram a localidade do
Tabuleirinho, com os soldados abatidos pelo combate anterior e sem contar com
alimentos, tendo apenas que se reabastecer com a pouca água da lagoa do Cipó,
como comenta Cunha (2008). Os soldados ficaram naquele local até o dia seguinte,
onde iniciaria o avanço contra o arraial.
No entanto, logo após o primeiro disparo do canhão Krupp, anunciando o avanço à
Canudos, os conselheiristas realizaram um ataque surpresa contra as colunas
militares, que estavam postas para marchar. Mesmo num primeiro momento, os
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conselheiristas, sendo alvejados “à queima-roupa” pelas tropas, conseguiram entrar
nas formações, dando inicio a um combate corpo-a-corpo.
Os erros estratégicos, na condução de material bélico e de alimentos, tomados pelo
comando da expedição se refletiram naquele momento:
Esgotada a munição de artilharia, prestes a extinguir-se a de
infantaria que se pôde conduzir, o número de feridos se multiplicava,
à proporção que os atacantes que eram varridos pelo canhão e fuzil
se reforçavam. Diante do espetáculo da fome e da sede e das tristes
conseqüências de um sítio no curral, em serranias de Canudos,
reúne os oficiais para deliberar sobre o caso e suas emergências e
da unanimidade deles foi resolvida a retirada que se efetuou na
melhor ordem. (BRITO apud BENÍCIO, 1997, p. 110).
A humilhante retirada da expedição se deu sob a chacota e os insultos dos
conselheiristas, que era similar a uma ação psicológica contra o inimigo derrotado.
Após lenta retirada, a tropa de Febrônio de Brito chegou andrajosamente, a Monte
Santo: “Não havia um homem válido. Aqueles mesmos que carregavam os
companheiros sucumbidos claudicavam, a cada passo, com os pés sangrando,
varados de espinhos e cortados de pedras”. (CUNHA, 2008, p. 307).
A notícia daquele novo revés chegou até o governo no Rio de Janeiro, naquela
ocasião o presidente interino, Manuel Vitoriano, substituto de Prudente de Moraes
que se encontrava enfermo. A imprensa da época enunciava que “a sorte da
República dependia da destruição de Canudos. E a ruína de Canudos dependia do
Exército nacional. O destino do país e da República encontrava-se nas mãos dos
militares” (MACEDO; MAESTRI, 2004, p.102).
O comandante escolhido para esta nova expedição foi o coronel Antônio Moreira
César, defensor da ala dos florianistas, que debelara a revolta federalista em Santa
Catarina, e que recebera ordem do ministro interino da Guerra, general Dionísio
Cerqueira, para que seguisse à Salvador, estando a frente do comando daquela
nova força de repressão contra Canudos.
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A reputação de violento de Moreira César era conhecida na Bahia, onde o mesmo
ajudara a depor o governador José Gonçalves, e onde foi a ter desavenças com Luís
Viana, o governante daquele estado, à época da terceira expedição contra o arraial
de Antônio Conselheiro.
Moreira César não se fez demorar em Salvador e logo partiu de trem para
Queimadas, a frente da maior força expedicionária contra Canudos até aquele
momento:
São 1.200 homens armados a fuzil Mannlicher, sendo 700 de
infantaria, um esquadrão de cavalaria, bateria de artilheiros com
quatro canhões Krupp de 7,5 cm, ambulância e comboio a cargo de
200 praças de polícia da Bahia, armadas, estas, a fuzil Comblain.
(MELLO, 2007, p. 126).
Assim como na expedição anterior, a ideia de vitória rápida esteve presente até
mesmo nas declarações do coronel Moreira César, ao insinuar temor de que Antônio
Conselheiro não o esperasse em Canudos. A expedição partiu da sua segunda base
de operações, Queimadas, no dia 21 de fevereiro, surpreendendo a todos que
imaginavam a partida apenas no dia seguinte.
Os problemas logísticos, relacionado a alimentação e a água, também foram a
ocorrer com a força expedicionária de Moreira César: “Assim como as anteriores,
esta expedição passou a sofrer os rigores climáticos da região. Os soldados,
torturados pela sede e pelo calor, mal conseguiam andar”. (SOLA, 1997, p. 63).
As falhas de organização logística foram vistas na própria prevenção contra a falta
de água naquela região:
Como precaução contra a falta de água, a tropa de Moreira César
havia trazido uma bomba de poço artesiano. Mas, quando chegaram
exaustos a Serra Branca, exauridos por oito horas de soalheira, e
tentaram preparar a bomba para o uso, constataram, mortificados,
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que em vez de um bate estaca para perfurar o solo haviam trazido
um macaco de levantar carga! A necessidade de um bom serviço de
quartel-mestre emergia do modo mais doloroso. (MCCANN, 2007, p.
74).
Era um grave problema para aquela situação, em que existia a necessidade urgente
por água, e que a falta de organização de um quartel-mestre começava a
comprometer o próprio desenvolvimento da expedição. As operações militares,
principalmente na modernidade, são extremamente dependentes do aparelhamento
logístico:
O sucesso das operações militares depende dos suprimentos; não
há dificuldade em lutar e em achar os meios de derrotar o inimigo
com ou sem perdas; mas, para alcançar os objetivos, é preciso se
alimentar. (KEEGAN, 2006, p. 390).
As forças expedicionárias continuaram sua marcha pela caatinga, mesmo com a
falta de água. Entretanto, o cansaço começara a se abater sobre a tropa, até
alcançarem a localidade de Rosário, onde descansaram do longo trajeto de marcha
até aquele momento.
Os soldados foram forçados ao extremo de suas forças, sendo que as descrições
dos militares brasileiros revelavam como despreparados para uma situação de
combate como aquela em que estava sendo inserida:
[...] é desorientado, é revolto, é turbulento, é um garoto heroico e
terrível [...] um dito zombeteiro e irônico. Por isto se impropria ao
desdobramento das grandes massas nas campanhas clássicas.
Manietam-nos as formaturas corretas. Estonteia-o mecanismo da
manobra complexa. Tortura-o a obrigação de combater adstrito ao
ritmo das cornetas. (CUNHA, 2008, p. 341).
A organização de uma força militar, principalmente de suas tropas, era importante
para as situações de combate, e a falta desta ordem, é também, muito prejudicial ao
preparo estratégico: “Se reúne o povo turbulento e o emprega imediatamente [...] se
47
os soldados estão desordenados, pode ser [o general] derrotado”. (PIN; TZU, 2002,
p. 290).
O avanço da força expedicionária se deparou com piquetes de resistência
canudenses, mas nada que atrapalhasse a marcha da força do coronel Moreira
César. Em uma destas emboscadas, se iludiu pela arma abandonada por um
conselheiristas, uma espingarda pica-pau, em que o coronel insinuou: “Esta gente
esta desarmada”. (CUNHA, 2008, p. 344).
O deslocamento da expedição continuou, até que no dia 04 de março foi iniciada a
marchar final contra Canudos, que perdurou por mais de seis horas, na chegada a
Fazendo Angico, onde após uma rápida parada, e um efusivo discurso de Moreira
César, foi dado o precipitado toque de avanço em acelerado contra o arraial:
A brigada, por ordem do coronel, começou a acelerar a marchar de
Angico para diante, o que foi causando certa confusão nas fileiras,
abandonando a infantaria pela estrada peças do seu equipamento,
que, em cumprimento de ordens dadas, iam sendo recolhidas pela
cavalaria [...]. (BENÍCIO, 1997, p. 118).
Como as força militares da época, a ação de Moreira César era típica de uma
Estratégia Direta, ou seja, de ofensiva maciça em que a tropa expedicionária era
empregada com o intuito de vencer pelo vigor do ataque direto, além disso,
demonstrava as desconsiderações táticas sobre o local e o inimigo:
Tristão de Alencar Araripe considera que Moreira César não parou
para refletir sobre o adversário, sobre terreno desconhecido e
desprovido de recursos, mormente de água, tendo feito vista grossa
à advertência do comandante da segunda expedição, major Febrônio
de Brito, a esse respeito. (FONTES, 1995, p. 272).
Logo a vanguarda expedicionária chegou ao alto Favela, sendo compostas pela 7ª
brigada e a artilharia, que se aprontando, iniciou o bombardeio contra Canudos. O
sino da igreja velha tocava, anunciando a chegada do inimigo. Após a chegada do
restante da força sobre o alto Favela, deu-se o ataque contra o arraial:
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A mais rudimentar das ordens de combate: a ordem paralela simples,
feita para os casos excepcionalíssimos de batalha campais, em que
a superioridade do número e da bravura, excluindo manobras mais
complexas, permitiam, em terreno uniforme, a ação simultânea e
igual de todas as unidades combatentes. (CUNHA, 2008, p. 350).
Aquela era uma manobra incompreensível para a situação, pois o terreno era
acidentado e com desníveis, além do mais, o avanço desordenado foi realizado em
campo aberto e sob fogo dos conselheiristas. Ao chegar ao rio Vaza-Barris,
diminuiu ainda mais a coesão, demonstrando a total falta de análise para o ataque
contra Canudos:
A escolha do local por onde lançar o ataque é decidida pela situação
e pela direção das linhas de retirada abertas a cada uma das partes
[...]. Mas é certo, e deve-se considerar como uma verdade de
singular importância, que atacar um adversário resoluto sobre uma
boa posição é uma coisa perigosa. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 759).
As tropas de Moreira César conseguiram, mesmo com todas as dificuldades, invadir
Canudos. Entretanto, sem as análises prévias sobre a geografia do arraial, os
soldados acabaram por se encontrar dentro de um labirinto de casebres e vielas, e
naquela situação de invasão maciça contra Canudos, a artilharia acabou por cessar
o seu bombardeio, para evitar atingir suas próprias tropas:
A artilharia reforça o princípio destruidor do fogo; ela é a mais terrível
das armas e a sua insuficiência enfraquece pois, mais do que
qualquer outra, a intensidade de força de um exército.
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 352).
Os soldados se viam perdidos dentro do labirinto de vielas de Canudos, e no avanço
dentro da “cidadela-mundéu” muitos se viam cercados por grupos de defensores
canudenses. As dificuldades anteriores, com relação a alimentação das tropas,
expedicionárias levavam a outro problema:
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Quase sempre, depois de expugnar a casa, o soldado faminto não se
forrava à ânsia de almoçar, afinal em Canudos. Esquadrinhava os
jiraus suspensos. Ali estavam carnes secas ao sol; cuias cheias de
paçoca, a farinha de guerra do sertanejo; aiós repletos de ouricuris
saborosos. A um canto os bogós transudantes, túmidos de água
cristalina e fresca. Não havia como resistir [...]. Tinha, porém, às
vezes, um pospasto crudelíssimo e amargo – uma carga de chumbo.
Os jagunços à porta assaltavam-no. E invertiam-se os papéis,
revivendo o conflito, até baquear no chão – cosido a faca e moído a
pauladas, pisado pela alpercata dura, o lutador imprudente. (CUNHA,
2008, p. 355).
Os comandantes da força expedicionária perderam a visão do que estava
ocorrendo em Canudos, com suas tropas envoltas pelas vielas e casas do arraial, e
com a artilharia silenciada pelo risco de atingir seus próprios companheiros. Não
obstante, parecia que nada reduzia o ímpeto de defesa dos conselheiristas em
diversos locais, como na igreja nova, onde permaneciam firmes, com atiradores
alvejando diversos pontos da cidade.
Sob aquela situação, Moreira César decidiu ordenar um ataque de cavalaria contra a
extrema esquerda de Canudos, no que seria um bairro ainda incólume do avanço
das tropas do governo. Mesmo sobre as adversidades do terreno, e da irrealidade
de uma carga contra uma cidade, a cavalaria realizou o ataque:
Cavalaria, do ponto de vista de teóricos das artes bélicas, é arma
convencionada para ser lançada na planície, contra infantaria ou
contra força da mesma igualha, jamais em oposição a uma cidade.
Naquela oportunidade os animais, em que pese firmemente
esporeados, chibateados refugavam, empinavam, curveteavam,
relinchavam, jogavam por terra seus cavaleiros. Adiante chocavam-
se contra paredes de casebres, alvos facílimos dos bacamartes.
Terminando por recuar, ordenados por toques insistentes de
cornetas. (FONTES, 1995, p. 293).
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O fracasso no envio da cavalaria era de se esperar, por ser uma arma militar que
necessite de terrenos pouco acidentados para ter maior mobilidade e sucesso na
carga: “Com uma cavalaria numerosa, procuremos as vastas planícies e teremos
uma predileção pelos grandes movimentos”. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 354).
Com suas tropas em meio ao caos do labirinto de Canudos, com sua artilharia
silenciada, e a cavalaria em retirada do arraial, Moreira César assumiu a decisão de
“dar brio aquela gente”, e partir para a linha de frente do combate:
Crava as esporas nas ilhargas da montaria, até fazerem sangue. E
desce, em disparada, acompanhado de seu Estado-maior. Mas logo
refreia o cavalo, para abandonar as rédeas, inclinando-se sobre o
arção dianteiro do selim. Fora atingido, no ventre, por uma bala. Não
descavalgou. Amparado pelo tenente Ávila, volveu para o lugar que
deixara, sendo novamente atingido. (SILVA, 1975, p. 72).
A atitude de Moreira César pôs em risco não somente sua vida, mas de toda a
expedição, assim como descreve Pin e Tzu (2002), em que o general tem diversos
traços que podem ser perigosos, dentre eles está o que compromete-se a morrer, o
que se exaspera e se precipita para agir. O comandante que toma atitudes como
essas, pode não somente morrer, mas causar a destruição do seu exército.
Com Moreira César fora de combate, o comando da expedição passou para o
coronel Tamarindo, um antigo oficial, próximo de sua reforma, que não desejava
participar daquela força expedicionária. Não obstante a situação se tornara
desastrosa para as tropas do governo: “Naquele estágio dos acontecimentos os
soldados dirigiam individualmente seu próprio destino. Não obedeciam ao comando
de qualquer superior hierárquico”. (FONTES, 1995, p. 297).
A situação piorou com a notícia de que os homens da polícia da Bahia já tinham
esgotado sua munição, e os conselheiristas continuavam a lutar pelo arraial.
Começava a anoitecer, e sob todas as adversidades encontradas pelas tropas, não
restou alternativa a não dar ordens de retiradas para o alto Favela.
51
Ao cair da noite a força expedicionária encontrava-se devastada, andrajosos,
cansados, afligidos pela fome e sede. Sabendo que o chefe daquelas tropas,
Moreira César, se encontrava ferido mortalmente, ficaram desolados
completamente. Mesmo contando ainda com boa parte de suas forças, e a artilharia
possuindo reservas de munição, não havia como insistir na continuação do ataque
contra Canudos:
Certamente uma tropa disciplinada poderia ter resistido, mas aquele
bando de homens recrutados à força e mal treinados, sofrendo de
exaustão, choque e fome, não estava à altura do desafio, e sucumbiu
ao pânico e ao terror. Muitos eram, também eles, sertanejos crédulos
que cresceram ouvindo histórias reverentes a Antônio Conselheiro, e
estavam prontos para acreditar que havia algo de sobrenatural no
que tinha acabado de vivenciar. Como poderiam combater, e ainda
por cima derrotar, um mensageiro de Deus? (MCCANN, 2007, p. 76).
As tropas estavam em frangalhos; os oficiais não tinham como evitar que o
derrotismo e o medo, com relação ao arraial, não afligissem os soldados, falhando
com uma ação estratégica muito importante: “Proíba uso de maus presságios e
elimine as dúvidas supersticiosas. Assim, até a morte chegar, nem uma calamidade
provocará medo”. (CLASEWITZ; TZU, 2008, p. 57).
O próprio comandante da expedição naquele momento, Tamarindo, não conseguia
esconder a frustação e o pessimismo com aquela situação:
O coronel Tamarindo, assoberbado por semelhante situação nascida
do imprevisto; vencida pela fatalidade de seu temperamento
particular; entregue aos desfalecimentos da sorte adversa, que lhe
dava a expressão viva do martírio; com o espirito embotado pela falta
de estimulante intelectual energético e, então, ainda mais pelos
horrores da jornada que terminara com o desbarato da expedição
inteira; recostado sobre um caixote de munição, indiferente ao que
um jato de luz trairia do condenado já desiludido da piedade humana
e cuja morte se aproxima inexoravelmente. (BARRETO apud
FONTES, 1995, p. 305).
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A falta de preparo de um oficial é um problema estratégico que pode ser embasado
pela seguinte enunciado: “O general deve estar certo da vitória. Se não estiver certo
da vitória, o exército não será resoluto”. (PIN; TZU, 2002, p. 276).
Naquela situação, não restou outra escolha a não ser a retirada da expedição, que
foi decidida por unanimidade pelos oficiais. Ao ser comunicado daquela decisão,
Moreira César protestou contra o que chamou de “cobardia imensa” (CUNHA, 2008,
p. 363), mandado registra em ata tudo aquilo que estava ocorrendo, juntamente com
o registro de seu abandono da carreira militar, vindo o mesmo a falecer durante a
madrugada.
No dia seguinte, a retirada foi iniciada, sem obedecer ao mínimo de organização
para aquela ocasião:
Neste dar de costas ao adversário que, desperto, embaixo, não a
perturbara ainda, parecia confiar apenas na celeridade do recuo para
se libertar. Não se dividira em escalões, dispondo-se à defesa-
ofensiva característica desses momentos críticos da guerra.
Precipitava-se, à toa, pelos caminhos a fora. Não retirava, fugia.
(CUNHA, 2008, p. 365).
Aquela forma de recuo, sem organização das tropas, e confiando que os
conselheiristas ficariam impassíveis com a retirada, foi uma ação que não deveria ter
sido tomada:
[...] recuar com uma lentidão sempre reticente e opor-se com valentia
e coragem a qualquer tentativa de o perseguidor tirar excessivo
proveito de suas vantagens. As retiradas dos grandes generais e dos
exércitos aguerridos assemelham-se sempre às de um leão ferido, e
essa é incontestavelmente a melhor teoria. (CLAUSEWITZ, 1996, p.
372).
E os conselheiristas vieram a atacar às tropas expedicionárias, levando pânico a
formação, que fugiu de forma caótica à investida do inimigo sertanejo. As ordens do
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coronel Tamarindo, de dar meia-volta e contra atacar os canudenses, não eram
ouvidas, muito menos obedecidas; a debandada era geral.
Em meio aquele caos, Tamarindo acabou sendo atingido, morrendo em seguida. Na
caótica retirada, a tropa abandou um grande butim em armas e munição, que foram
recolhidas pelos conselheiristas. A terceira expedição contra Canudos acabara de
forma trágica.
A notícia do desastre da expedição Moreira César contra Canudos levou o alarde a
República, de que o arraial fosse conspiração para restaurar a monarquia. E não se
fez demorar para a mobilização de uma quarta expedição contra Canudos, formada
por batalhões de diversos estados do país. Era necessário “salvar” a República.
Com o insucesso da expedição Moreira César foi criado o temor de que Canudos
fosse um levante monarquistas. Era preciso salvar a República, então surge a
Estratégia Superior para arregimentar a sociedade e a Guerra Absoluta para destruir
o arraial de Antônio Conselheiro.
A GUERRA ABSOLUTA VERSUS CANUDOS
A derrota da expedição Moreira César foi alarmante para a sociedade republicana. O
arraial de Antônio Conselheiro passou a ser visto como uma “ameaça” à República,
e debelar Canudos com vigor e de forma plena era uma necessidade. A mobilização
54
social começou a ser incitada, sendo que estas ações aproximaram-se ainda mais
da chamada Estratégia Superior, também conhecida como Grande Estratégia, que
excedem as limitações táticas militaristas:
Enquanto a estratégia se interessa apenas pelo problema de
conquistar vitórias militares, a Grande Estratégia deve ter uma visão
mais distante, pois seu problema é conquistar a paz. (HART, 1982, p.
439).
A concepção da Estratégia Superior está ligada a vários fatores como o político, o
econômico e o social. Na campanha para derrotar Antônio Conselheiro, foi
exatamente no meio social que partiu a utilização da propaganda contra Canudos,
como em uma ação do Plano Psicológico. Esta ação tinha o intuito de aproveitar da
própria comoção popular com a derrota da terceira expedição:
A derrota da terceira expedição e a morte de Moreira César
alteraram completamente o desenrolar dos acontecimentos,
repercutindo intensivamente na opinião pública [...]. Canudos
simbolizava o retrocesso, a ignorância e o atraso, tudo o que se
opunha aos ideais ‘iluminados’ da elite localizada nos meios urbanos
do litoral. Vencê-lo equivaleria a vingar a honra ‘nacional’
envergonhada. (MACEDO; MAESTRI, 2004, p. 112).
A ação estratégica no Plano Psicológico deve alcançar uma ampla abrangência
social, utilizando-se dos seus meios de comunicação, como a imprensa, para
difundir doutrinas que interessam:
As táticas psicológicas comportam, evidentemente, o emprego de
técnicas hoje bem conhecidas, de propaganda, doutrinação e
organização da população, através de um enquadramento cerrado e
cuidadosamente vigiado [...]. No sentido, um prirido de notícias
sensacionais, como é de hábito da imprensa ocidental, permite ao
adversário multiplicar o efeito psicológico de ações modestas e
repetidas. (BEAUFRE, 1998, p. 131).
55
As descrições sobre a divulgação na imprensa sobre o ocorrido em Canudos, e a
mobilização da sociedade em favor da República são diversas:
A República estava em perigo; era preciso salvar a República. A
Gazeta de Notícias denunciava: ‘Não há quem a esta hora não
compreenda que o monarquismo revolucionário quer destruir a
República a Unidade do Brasil’. O País insistia: ‘A tragédia de 3 de
março em que, juntamente com Moreira César perderam a vida o
ilustre coronel Tamarindo e tantos outros oficiais briosíssimos do
nosso Exército, foi a confirmação de quanto o partido monarquista, à
sombra da tolerância do poder público e, graças até aos seus
involuntários alentos, tem crescido em audácia e força’. O Estado de
São Paulo manifestava-se com igual veemência: ‘Trata-se da
restauração; conspira-se; forma-se o Exército imperialista. O mal é
grande; que o remédio corra parelhas com o mal. A monarquia arma-
se? Que o presidente chame às armas os republicanos’. (SILVA,
1975, p. 76).
A atuação da imprensa na divulgação do ocorrido em Canudos, da concepção da
ideia de que se tratava de um movimento de restauração monarquista, resultou na
exaltação à salvação da República, tão quanto uma ação estratégica no Plano
Psicológico:
No decorrer da penosa impressão ocasionada pelo grande desastre,
acarretando quase que um estado de revolução na Capital Federal,
onde assaltos e incêndios em órgãos da imprensa infensa ao
Governo, o assassinato do coronel Gentil de Castro e tentativa dele
em outros conspícuos membros do partido monarquista foram
consumados [...]. (SOARES, 1985, p. 48).
A Guerra Absoluta, descrita por Clausewitz (1996), se ocorreu plenamente no
desenvolvimento da quarta expedição, pois esta não se definiu apenas em um
ataque único contra Canudos, mas deveria ser mantida a ofensiva, e cerco, a todo
custo, pois não deveria haver misericórdia do inimigo:
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A quarta expedição, liderada pelo florianista convicto general Artur
Oscar, ganhou contornos de uma verdadeira ‘cruzada’ republicana,
de dimensões até então desconhecidas. Tratava-se, enfim, de salvar
a República. (MACEDO; MAESTRI, 2004, p. 112).
Existia a necessidade de salvar a jovem República, eliminar os “monarquistas” do
arraial de Antônio Conselheiro era solução para a salvação republicana, como o
indicado no início da quarta expedição: “A ordem é de lutar até o extermínio”.
(SILVA, 1975, p. 87), mantinha-se próximo da concepção de Guerra Absoluta em
que “o esmagamento do inimigo é o fim natural do ato de guerra”. (CLAUSEWITZ,
1996, p. 829).
Numa Guerra Absoluta, os recursos militares devem ter a aplicação plena para se
conquistar a vitória. Na última expedição contra Canudos pode ser vista a utilização
quase que plena dos recursos militares do exército brasileiro: “Dos 20.035 praças e
3.082 oficiais aproximadamente 8.526 praças [42%] e 1.016 [32%] haviam servido
na campanha”. (MCCANN, 2007, p. 99).
As forças militares convergiam para a Bahia, tendo como ponto de conversão das
tropas em Queimadas. Monte Santo passou logo a receber homens da expedição e
com a chegada dos principais oficiais e o Comando-em-Chefe, foi anunciada as
ordens para o ataque contra Canudos, com a divisão das tropas em duas colunas
que sairiam de locais diferentes.
As 1ª, 2ª e 3ª brigadas formariam a primeira coluna sob comando do general João
da Silva Barbosa e a segunda coluna, formada pela 4ª, 5ª e 6ª brigadas, seriam
comandadas pelo general Cláudio do Amaral Savaget.
Contudo, na formação das tropas da primeira coluna, apareceram os primeiros e
sérios problemas, para as forças do governo:
Na grande concentração apareceram as falhas. Os contingentes
estão desfalcados em seus efetivos. O armamento estragado, os
equipamentos incompletos, o pessoal mal-treinado. Queimadas
57
transforma-se num campo de instrução. É preciso organizar os
serviços de retaguarda, vestir, municiar e instruir os soldados. Há
deficiências de viaturas. Os batalhões seguem, aos pedaços. (SILVA,
1975, p. 81).
Este despreparo de parte das tropas da quarta expedição demonstrava que ainda
não estavam aptas para o combate no sertão baiano, apresentando dificuldades,
não somente na logística, mas na própria formação dos soldados, que era algo
muito perigoso para a situação:
Mas não é o suficiente tê-lo tornado resistente ao cansaço, ter-lhe
dado vigor, agilidade e destreza; é preciso que aprenda ainda a
conhecer seus destacamentos, a distinguir seus estandartes e os
sons dos instrumentos militares, a obedecer à voz dos seus
comandantes e a praticar tudo isso [...]. Se não for formado nessa
disciplina com todos os cuidados possíveis, jamais se há de ter um
bom exército [...]. (MAQUIAVEL, 2006, p. 60).
A despeito da desorganização da primeira coluna, a segunda, sob comando do
general Savaget, apresentou uma maior organização, em especial, como comenta
Soares (1985), com a logística, em particular no abastecimento de víveres para as
tropas e de forragens para os animais, com o estabelecimento de contrato de
provimentos da campanha até Canudos.
Finalizados os preparativos, sendo estes mais organizados na segunda coluna,
ambas iniciaram a marcha rumo a Canudos. O avanço da primeira coluna
encontrava fraca resistência no seu trajeto, algo que não impedia a marcha das
tropas. Contudo, o deslocamento da força expedicionária apresentava problemas na
sua ordem, com o fracionamento das unidades e a complicação do comboio de
munição de fogo e de boca, ficando perdido na retaguarda.
A investida da primeira coluna, sob a decisão da comissão de engenharia, acabou
por marchar rumo a Canudos pela trilha dos contrafortes de Aracati, evitando os
caminhos já percorridos pelas outras expedições:
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Entre os caminhos que demandavam Canudos, dois, o do Cambaio e
o de Maçacará, havia sido trilhados pelas expedições anteriores.
Restava o de Calumbi, mais curto e em muitos pontos menos
impraticável, sem as trincheiras alterosas, do primeiro ou vasto
plainos estéreis do último. Tais requisitos faziam crer que fosse
inevitavelmente escolhido. Neste pressuposto os sertanejos
fortificaram-no de tal maneira que a marcha da expedição por ali
acarretaria desastre completo, muito antes do arraial. (CUNHA, 2008,
p. 395).
As tropas expedicionárias organizavam suas forças para a organização no avanço
contra Canudos. Por parte dos conselheiristas, os armamentos obtidos na derrocada
da terceira expedição, ajudariam nas defesas que os canudenses poderiam criar, o
que Clausewitz (1996) titula de centros de gravidade defensivos, ou seja, ponto de
resistência armada. Era uma ação de constituir formações defensivas nas estradas e
pontos onde pode haver avanços de forças ofensivas:
Se o defensor é informado a tempo das estradas de que o avanço
inimigo se serve, e sobre as quais está totalmente seguro de
encontrar a flor das suas forças, ele deve marchar contra o inimigo
sobre esta estrada. Esse será o caso mais freqüente [...].
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 687).
As tropas da primeira coluna se depararam com resistência por parte dos
canudenses a cerca de três léguas de distância de Canudos, onde ocorreu o
primeiro combate com a tropa comandada por Silva. Foi uma rápida refrega, como
comenta Soares (1985), em que a escaramuça durou cerca de uma hora, e deixara
quatro mortos do lado dos conselheiristas, que recuaram frente o contra-ataque; e
um morto e dois feridos nas fileiras da força do governo.
Depois deste combate, a tropa voltou a sua marcha passando pela localidade de
Pitombas, onde se encontrava o fúnebre local do desbaratamento final da expedição
Moreira César. Lá, os canudenses, haviam deixado, a céu aberto, os mortos
insepultos daquela luta.
59
Haviam ossadas, andrajosos fardamentos; preso aos galhos secos de uma árvore,
jazia dependurado o corpo do coronel Tamarindo, decapitado, com sua cabeça
exposta no chão. Era extenso aquele cenário funesto, de corpos mutilados,
expostos, como um anúncio do que iria aguardar a quem ousasse avançar contra
Canudos.
Esta atitude, de deixar expostos os corpos dos mortos da expedição anterior, como
forma de ameaçar um inimigo, é uma forma de pressionar psicologicamente o
opositor:
Se, durante o combate, quiseres lançar confusão no exército inimigo,
precisa, então, provocar algum acontecimento próprio para apavorá-
lo [...] arquitetar algum artifício que lhe mostre a aparência [...];
apavore-se [ele] e abra mais facilmente campo para a vitória.
(MAQUIAVEL, 2006, p. 112).
A investida da primeira coluna continuou o seu trajeto até alcançar o alto Favela,
onde foi acometida do seu pior ataque até aquele momento. O próprio local havia
sido preparado para aquela situação pelos conselheiristas:
Aquilo era uma armadilha singularmente caprichosa. Quem
percorresse mais tarde as encostas da Favela, avaliava-a. Estavam
minadas. A cada passo uma cava circular e rasa, protegida de tosco
espaldão de pedras, demarcava uma trincheira. Eram inúmeras; e
volvendo todas para a estrada os planos de fogo quase à flor da
terra, indicavam-se adrede dispostas para um cruzamento sobre
aquela. (CUNHA, 2008, p. 408).
A utilização das vantagens do terreno para as operações militares, em especial para
formações defensivas, são extremamente úteis em situações de combate:
O terreno [solo ou região] oferece duas vantagens nas operações
militares. A primeira é que ele apresenta obstáculo para a
aproximação do inimigo. Isso tanto torna seu avanço impossível em
um dado ponto, como o forçar a marchar mais devagar ou a manter
60
sua formação em coluna etc. a segunda é que os obstáculos no
terreno permitem-nos cobrir as tropas. (CLAUSEWITZ; TZU, 2008, p.
96).
Naquele ataque conselheirista acabou por revelar os problemas com a falta de
treinamento para uma situação como aquela, levando a desordem nas tropas:
Os batalhões surpreendidos fizeram-se multidão atônita, assombrada
e inquieta: centenares de homens esbarrando-se desorientadamente,
tropeçando nos companheiros que baqueavam, atordoados pelos
estampidos, deslumbrados pelos clarões dos tiros, e tolhidos, sem
poderem arriscar um passo na região ignota sobre que descera a
noite. (CUNHA, 2008, p. 409).
A fuzilaria dos conselheiristas cessou repentinamente, e os soldados se refizeram do
ataque, levantando acampamento para a investida contra o arraial no dia seguinte.
Logo pela manhã, contemplando Canudos do alto Favela, os soldados se preparam
para a investida. Já estavam em formação para a batalha; não obstante logo após o
primeiro disparo da artilharia, os conselheiristas despejaram uma torrente de
projéteis contra a expedição.
Os defensores do arraial haviam dormido ao lado do inimigo, e investiram contra as
tropas do governo, que foram surpreendidos pela ofensiva inesperada dos
canudenses, repetindo a Estratégia Indireta, de obter vantagem a partir da surpresa:
Se a preponderância moral geral permite desencorajar e vencer o
outro por superioridade de classe, ela poderá utilizar-se da surpresa
com maior êxito e recolher os frutos em circunstâncias que, na
verdade, teriam contribuído para estabelecer a confusão.
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 214).
Em meio a desordem que começara entre os soldados, o coronel Thompson Flores
decidiu realizar uma carga frontal, juntamente com sua brigada, contra o arraial:
61
Naquele descampado, inteiramente dominado pelos fogos inimigos,
que o varriam das cabeças dos montes onde se ocultavam, o coronel
Thomaz Thompson Flores temerariamente colocou-se, pretendendo
investir sua brigada sobre Canudos; para aquele fim, começou
mandando o 7º, sob o comando do experimentado major Cunha
Matos, estender em atiradores e avançar sobre o antro dos fanáticos.
O coronel Flores, porém, sôfrego e algum tanto precipitado, a cavalo,
foi em pessoa dirigir a linha, aliás mantida corretamente pelo major
Cunha Matos. O inimigo, de suas invulneráveis trincheiras, rompeu
então contra o 7º horrível fuzilaria, que em poucos momentos abriu-
lhe grandes claros nas fileiras! Instantaneamente, caiu morto o
coronel Flores, sem contestação oficial de grande mérito e bravura.
(SOARES, 1985, p. 103).
Uma tentativa de assalto, como a tomada pelo coronel Flores, com a imprudência
pela situação do momento, era uma ação típica da Estratégia Direta, que colocou a
sua vida em risco, vindo a ser atingido, morrendo na ocasião. Isso também
ameaçava a própria organização da coluna expedicionária, sendo que as análises
de para uma ofensiva deveriam ser realizadas antecipadamente: “Mas o ataque
exige também prudência, pois o assaltante tem também uma retaguarda e
comunicações a proteger”. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 778).
Pode ser observado, também, que naquela situação os canudenses atacavam
especialmente os oficiais, haja visto, a descrição dos oficiais que foram atingidos na
ofensiva da 7ª brigada, situação que é comentada por McCann (2007, p. 85): “Os
sertanejos procuraram incapacitar os oficiais com o objetivos de desorientar a tropa
Os ‘voluntários’ mal treinados e desmotivados provavelmente não lutaria com
determinação sem seus oficiais”.
O ato de eliminar os oficiais inimigos ou força-lhes a ter dificuldades de comando,
são pontos de abordagem estratégica, levando-o a entrar em desordem, em relação
as suas fileiras: “Reduza os Senhores da Guerra hostis, causando-lhes danos e
problemas, ou seja, mantendo-os constantemente ocupados”. (CLAUSEWITZ; TZU,
2008, p. 41).
62
Além desse revés apresentado pelo desordenado avanço da 7ª brigada, ainda
estavam esgotando-se as munições da infantaria e da artilharia, já que o comboio
com as munições tinha sido deixado para trás, sendo protegidos pelo 5º corpo de
polícia da Bahia, que naquele momento encontrava-se sob ataque dos canudenses.
Chegava por este tempo à barraca-chefe um moço ruivo, espadaúdo
e cheio de pó, perguntando pelo general. Trazia notícias do deputado
ao Quartel-Mestre-General, encarregado do comboio. Este fora
cortado pelos jagunços e metido a fogos, donde não podia sair. Tal
notícia correu logo pelo Exército e a indagação nesses e terror
noutros avolumaram-se de modo indisciplinar. (BENÍCIO, 1997, p.
169).
O ataque ao comboio não se resumia atingir apenas os soldados que o protegiam,
mas também a eliminar os animais de carga, como comenta Soares (1985) ao
descrever que a brigada ao percorrer o trajeto rumo a retaguarda com o comboio,
encontrava muares mortos, assim como jaziam soldados, munições deflagradas e
outros destroços espalhados pelo local.
O ato de atacar comboios, com a intenção de desestabilizar o inimigo, é uma
importante ação estratégica:
O assaltante deve, portanto, de um modo geral, contentar-se em
cortar os arreios, expulsar os cavalos, fazer saltar os furgões de
pólvora, etc.; o conjunto é sem dúvida obrigado a parar e fica
perturbado, mas não totalmente perdido [...] seguramente, incapazes
de proteger diretamente o comboio atacando resolutamente o
inimigo, ela pode todavia perturbar o plano do seu ataque [...].
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 794).
Sob pressão dos entrincheirados conselheiristas, com o esgotamento projéteis de
artilharia, e a infantaria dependendo do recolhimento de munições dos soldados
mortos, surgira o risco de um novo desastre naquela expedição. Não restou outra
opção para os oficiais da primeira coluna a não ser pedir ajuda a segunda coluna,
63
que se encontrava-se organizando seus preparativos para o ataque contra o arraial
de Canudos.
Saindo do estado do Sergipe, a segunda coluna formada pelas 4ª, 5ª e 6ª brigadas,
teve diversas vantagens com relação a organização, desde a preparação com a
logística até a formação dos soldados:
Os batalhões das brigadas faziam constantes exercícios, nas
diferentes ordens táticas, sob o sol ou aguaceiros frequentes.
Aproveitavam bem o tempo no manejo das armas e instrução dos
soldados [...]. O serviço no acampamento era executado
rigorosamente consoante com os preceitos da ordenança. O
armamento, equipamento e fardamento nada deixavam a desejar,
quanto ao bom estado, preparo e solidez. (SOARES, 1985, p. 53).
O percurso da segunda coluna não encontrara dificuldades em seu avanço,
principalmente com relação ao abastecimento das tropas. Contudo, o trajeto da força
expedicionária do general Savaget acabou por encontrar o primeiro foco de
resistência conselheiristas próximo a Cocorobó. Os canudenses utilizando fuzis
mannlicher iniciaram o tiroteio contra a vanguarda expedicionária, naquele local
propício as ações defensivas:
Terreno apropriado a guerrilhas, ali esconde-se numeroso exército,
em suas defesas um piquete pode obstar à passagem de centenas
de homens; há veredas, onde só as cabras transitam, entre
penhascos enormes e pedras soltas e de envolta [...]. (SOARES,
1985, p. 74).
Neste local, a vanguarda que encabeçava a segunda coluna de ataque contra
Canudos, comandada pelo general Cláudio do Amaral Savaget, sofreu um violento
assalto por parte dos conselheiristas. Neste embate, os canudenses, com
conhecimento da região, possuíam melhor posição de tiro:
Os jagunços, ocupando formidáveis posições e inteiramente a
cavaleiro das nossas forças, protegidos por trincheiras naturais,
64
sustentavam o fogo com pontarias firmes, atirando com toda calma,
demonstrando grande disciplina de tiro. (SOARES, 1985, p. 75).
Utilizar as vantagens do terreno, para repelir uma investida de um inimigo, e de
proteger de contra ataques, como a qual foi realizado pelos conselheiristas em
Cocorobó, faz parte de explanações estratégicas:
A configuração do terreno é um auxílio para o exército. Analisar o
inimigo, deter o controle da vitória, avaliar ravinas e desfiladeiros, o
distante e o próximo, são o Tão [caminho] do general superior. Quem
os conhecer e os empregar no combate será vitorioso. (PIN; TZU,
2002, p. 111).
A formação defensiva dos canudenses mostrou-se bem posicionada, pois como
comenta Soares (1985), mantinham os mais aptos atiradores nas melhores posições
de tiro. Esta formação foi repelida somente após um maciço ataque frontal à
baioneta liderado pelo coronel Savaget, que acabou ferido; nesta escaramuça a
segunda coluna apresentou 178 baixas, entre mortos e feridos.
Após esta ação defensiva dos canudenses, a segunda coluna se bateu novamente
contra o inimigo na marcha rumo a Canudos. Neste embate seguinte, em
Macambira, antes da chegada em Trabubu, como expõe Soares (1985), as forças do
governo contabilizaram 150 baixas, sendo seis oficiais mortos e 8 feridos,
contabilizando 34 praças feridos mortalmente.
Desde o embate de Cocorobó, a segunda coluna já contabilizava 328 baixas,
destes, 68 mortos, incluindo-se sete oficiais. Ou seja, um em cada sete praças da
segunda coluna já estava fora de combate, antes de chegar efetivamente a
Canudos.
Esta estratégia dos conselheiristas, de desgastar o inimigo, por meio de incursões,
evitando o atrito direto com o inimigo, assume uma forma de combate voltado à
Estratégia Indireta, no plano de manobra pela lassidão:
65
A concepção da ‘manobra pela lassidão’ é extremamente
interessante, porque é verdadeiramente muito sutil. Trata-se de levar
um adversário, por muito mais forte que seja, a admitir condições
frequentemente muito duras, não engatando contra eles senão meios
extremamente limitados. (BEAUFRE, 1998, p. 127).
A segunda coluna chegou no dia 27 de junho “as portas” de Canudos. No dia
seguinte, iniciou cedo sua preparação para o ataque contra o chamado “arraial dos
fanáticos”. Entretanto, próximo das oito horas da manhã, quando a divisão Savaget
estava à postos para o ataque, o general recebeu a notícia, através de um jagunço,
do pedido de auxílio da primeira coluna, informação confirmada logo após, através
de um alferes.
O ataque contra Canudos foi abortado naquele momento, e a segunda coluna partiu
em socorro a primeira. Os planos de assalto da quarta expedição haviam sido
abandonados. Mas, graças a ajuda da divisão Savaget, não ocorreu o desastre total
para a primeira coluna e o colapso completo daquela expedição.
Após a união das duas colunas, o comando expedicionário conseguiu enviar a 5ª
brigada para socorrer o destacamento do 5º de polícia da Bahia, e recuperar parte
do comboio, pois àquela altura os conselheiristas tinham desmantelado parte do
precioso suprimento.
As tropas sob comando do general Artur Oscar acabaram por ficar acampadas no
alto Favela, e devido as dificuldades logísticas com a expedição, deu-se início a um
espetáculo de falta de mantimentos, que impediu até mesmo o avanço contra
Canudos: “Começou desde logo um regime deplorável de torturas. Ao amanhecer de
29 verificaram-se insuficientes as munições de boca, para a ração completa das
praças da 1ª coluna, já abatidas por uma semana de alimentação reduzida”.
(CUNHA, 2008, p. 436).
Além destas dificuldades logísticas, a posição das tropas no alto Favela, deixava
expostas aos ataques de atiradores conselheiristas:
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Os projéteis vinham das quatro faces das nossas posições e
varavam barracas, ricocheteavam em canhões, partiam carabinas, às
vezes cobriam de terra algum de nós; furavam panelas e marmitas
nos toscos fogões, onde era assada alguma costela seca de bode.
(SOARES, 1985, p. 115).
As tropas expedicionárias ficavam expostas aos ataques inimigos, sendo que o local
de um acampamento deve ser escolhido para evitar ameaças e oferecer proteção
para suas tropas:
Quando nos flancos o exército encontra ravinas e desfiladeiros,
pantanais com juncos e vegetação alta, florestas ou montanhas ou
áreas com vegetação rasteira densa e emaranhada, cumpre que as
examines minuciosamente, porque são locais em que emboscadas
ou espiões se ocultariam. (PIN; TZU, 2002, p. 103).
Somando-se a esta dificuldade, os conselheiristas continuavam a ação de lassidão
contra a força adversária:
Mas o primeiro tiro [bombardeio de artilharia no dia 29] partiu e bateu
em Canudos como um calhau numa colméia. O acampamento até
aquele momento em relativa calma foi, como na véspera,
improvisamente varrido de descargas; e como na véspera, os
combatentes compreenderam quase impossível a réplica em tiros
divergentes, dispartindo pelo círculo amplíssimo do ataque. (CUNHA,
2008, p. 437).
Os defensores de Canudos mantinham a pressão constate contra os soldados que
sustentavam o cerco contra arraial. O ato de o exército permanecer no alto Favela,
iniciando o sítio ao local, fez com que os canudenses tivessem a atitude de
pressionar ininterruptamente o inimigo. O fogo feito pelos jagunços contra o
acampamento se fazia de dia e de noite, e frequentemente feria alguém. (SOARES,
1985).
67
Não obstante, o sítio contra Canudos reduziu a liberdade de ação que os
conselheiristas possuíam, por ter restringido as comunicações com as outras
localidades, algo que o arraial possuía há muito tempo:
Apesar da morte de Moreira César, a posse, pelos jagunços, de
grande quantidade de munição e armamento, houve desânimo por
parte das tropas republicanas. Não Obstante, Geremoabo, Monte
Santo e outras sucursais da Nova Jerusalém, ou seja, Canudos, de
Antônio Conselheiro, continuavam, ininterruptamente, fornecendo
armas, pólvora e gêneros alimentícios ao arraial (LITRENTO, 1998,
p. 19).
Os canudenses, sob a ameaça do rompimento de sua comunicação com as demais
localidades, assumiram a estratégia de “saturar” o inimigo com ataques constantes,
que é uma atitude que tem sua vantagem estratégica:
Se, estreita a margem de liberdade de ação e limitados os meios, o
objetivo é importante, procurar-se-á a decisão através de uma série
de ações sucessivas, combinando, segundo a necessidade, a
ameaça direta e a pressão indireta com ações em forças limitadas
(BEAUFRE, 1998, p. 33).
Durante o cerco, a situação da expedição se tornara cada vez mais dramática, pois
munição de fogo rareava, obrigando, a até mesmo, a redução dos ataques da
artilharia contra o arraial, e a munição de boca se encontrara no final, restando
apenas farinha e sal.
Aquela situação levava a perda de homens e ao desânimo das tropas, que eram
fatores que deveriam ser evitados: “Se os alimenta cuidadosamente e não os
sobrecarrega de trabalho, seu ch’i [espírito] será unido e sua força será máxima”.
(PIN; TZU, 2002, 118).
A falta de mantimentos acabou por obrigar os soldados a vaguear pela caatinga em
busca de caças para saciar a fome, muitas vezes sendo esforço improfícuo:
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Volvia à noite para o acampamento, desinfluído e com as mãos
vazias. Outros, mais infelizes, não apareciam mais, perdidos por
aqueles ermos; ou mortos nalguma luta feroz [...]. Porque os
jagunços por fim opunham tocaias imprevistas aos caçadores
bisonhos [...]. (CUNHA, 2008, p. 441).
A situação era a mesma, até na procura por água, como descreve Soares (1985, p.
114): “A água também era obtida a custo de sacrifícios, mesmo de vidas. Os
jagunços, emboscados nas proximidades das fontes, alvejavam em quem perto
chegasse [...]”.
A tática de incitar ações do inimigo, que o levem a exaustão, como por meio do corte
de suprimento ou manobras de Ação Indireta, forçando o mesmo a se desgastar em
rápidas escaramuças, ou até mesmo a lutar por alimentos ou água, são partes
integrantes de ações estratégicas:
Assim, se o inimigo está descansado, podes cansá-lo; se está bem
alimentado, podes torná-lo faminto; se está em descanso, podes
movê-lo. Avança para as posições quais ele precise correr. Corre
para onde ele não espera. (PIN; TZU, 2002, p. 82).
A crônica situação da quarta expedição só teve um paliativo após a chegada do
comboio com alimentos no dia 13. Mesmo sendo poucos mantimentos, para dois ou
três dias no máximo, era o suficiente para dar novo ânimo a tropa.
Com este reforço na munição de fogo e de boca, a força sob comando de Artur
Oscar preparou uma nova ofensiva contra o arraial, ficando decido o ataque para o
dia 18, partindo da Favela o assalto a Canudos. O plano de ataque seria realizado
de forma maciça:
Ao sinal de carga, ninguém mais evitaria a ação dos fogos inimigos,
carregando-se sem vacilação e com a maior impetuosidade [...]
sempre que as brigadas pudessem se abrigar dos fogos dos
inimigos, quer nas depressões do terreno, quer nas caatingas, fá-lo-
iam, menos na ocasião do assalto, porque a carga deveria ser
69
violenta para evitar a perda de vidas tão preciosas ao serviço da
república. (SOARES, 1985, p. 124).
Este ataque progrediu sob intensa fuzilaria dos defensores de Canudos, que
conseguiam manter sua liberdade de ação dentro do arraial: “Os sertanejos
desalojados desses esconderijos acolhiam-se, recuando, noutros; e as novas
trincheiras arrebentavam logo em descargas vivas, até serem por sua vez
abandonadas”. (CUNHA, 2008, p. 462).
Para se obter vantagens em ações estratégicas, em especial de táticas ligadas a
Estratégia Indireta, um dos fatores para o sucesso se encontra em ter boa liberdade
de movimentação:
A luta de vontades traz de volta, então, uma luta pela liberdade de
ação, cada um procurando conservá-la, e dela privar o adversário.
Caso sejamos bastante mais fortes que o adversário, fácil será
conservar a liberdade de ação, empregando tantas forças quanto
necessárias para paralisar a manobra inimiga, ao mesmo tempo
conservando meios disponíveis bastantes para desfechar o golpe
decisivo. (BEAUFRE, 1998, p. 42).
A Estratégia Direta das forças do governo tinha como fator principal a utilização
plena de recursos, tanto humanos como materiais para se conquistar a vitória, e
naquela ofensiva foi empregado todo o seu expediente humano/material contra o
arraial, apresentando um ímpeto, em que as defesas conselheiristas, mesmo
interrompendo a ofensiva expedicionária ainda no subúrbio de Canudos, não
conseguiram forçar o seu recuo para o ponto de origem.
O resultado apresentou como proveitos para as tropas expedicionárias, a conquista
de trezentas casas dentro do arraial e manteve o sítio a partir de uma linha de
trincheiras contra Canudos, não obstante a um custo elevado de perdas:
Dos 3.300 soldados e oficiais que participaram da ofensiva, mais de
novecentos terminaram feridos ou mortos. De resultado positivo,
apenas a conquista de uma pequena área da povoação, ao longo da
70
qual se estabeleceu uma longa trincheira, denominada Linha Negra.
(MACEDO; MAESTRI, 2004, p. 135).
O fracasso em tomar Canudos naquele assalto resultou, novamente, em dramáticos
problemas logísticos com as tropas, e também na necessidade de ser enviado um
reforço para completar os “claros” nas fileiras militares. Após os combates dia 18, o
hospital de sangue se tornara um local de agonia para as centenas de feridos.
Para dar prosseguimento na Guerra Absoluta contra Canudos, já que a força
expedicionária se encontrava “atravancada” na linha negra, o governo iniciou o
despacho de reforços para o sertão baiano.
Ocorreu o contínuo deslocamento de grandes efetivos, para estabelecer um sítio
completo contra Canudos, utilizando a primeira grande tentativa de reforçar as
fileiras, com a Brigada Auxiliar, também conhecida por Girard, sendo formada pelos
22º, 24º e 38º batalhões de infantaria, totalizando 1.042 soldados e 68 oficiais, sob o
comando do general de brigada Miguel Maria Girard.
Os graves problemas logísticos presentes nas forças sitiando Canudos, a presença
da Brigada Auxiliar, sendo mais bocas para alimentar, e que estava bastante
debilitada pela varíola, poderia se tornar um “estorvo” para a paupérrima força
expedicionária que lutava contra Canudos. Não obstante, a mesma serviu para
preencher as “brechas” nas fileiras expedicionárias existentes naquele momento.
Um novo efetivo acabou sendo organizado diretamente pelo marechal Carlos
Machado Bittencourt, contando com um efetivo de 2.914 soldados, incluindo
trezentos oficiais, que se deslocaram para cerrar ainda mais o cerco contra o arraial.
O efeito da chegada do reforço para as forças expedicionárias era, não somente, de
completar os claros nas fileiras que lutavam no sertão, mas para também forçar o
cerco contra o arraial. Este objetivo se ampliara principalmente em setembro,
período com um dos maiores deslocamento de tropas para o sertão, em especial às
comandadas pelo marechal Bittencourt.
71
A utilização de reservas estratégicas para a prolongação de um conflito é uma
atitude tática eficiente:
Uma reserva tem duas funções que se distinguem muito claramente
uma da outra: em primeiro lugar, a de prolongar e renovar o
combate, seguidamente, a de ter préstimos em caso de imprevistos.
A primeira função implica a utilidade de uma aplicação sucessiva dos
efetivos [...]. (CLAUSEWITZ, 1996, p. 229).
O resultado da ampliação dos efetivos no sítio contra o arraial foi uma ofensiva em 7
de setembro; no dia 11 do mesmo mês as tropas expedicionárias tomaram o morro
vizinho a Fazenda Velha, cortando a comunicação dos conselheiristas por aquela
posição, e no dia 24 o cerco foi completado com a tomada do terreno que levava a
estrada para Uauá. Seria questão tempo para a derrocada total de Canudos.
Os efeitos de uma Guerra Absoluta contra Canudos foram amplos na resistência
conselheirista, pois mesmo os defensores do arraial utilizando-se de uma Estratégia
Indireta para defender-se, a ampliação constante do efetivo das forças
expedicionárias, e o crescente sítio, acabava com os centros de gravidade
defensivos, centralizando as defesas somente no arraial, retirando sua mobilidade:
Em estratégia, mais que qualquer outro domínio, deve-se saber
distinguir o essencial do acessório. Em estratégia direta, o essencial
é a força, isto é, são os meios materiais cuja importância permitirá
obter, com mais ou menos facilidade, a liberdade de ação. Em
estratégia indireta, uma vez que o essencial diz respeito igualmente à
busca da liberdade de ação, o interesse vai se concentrar sobre os
meios indiretos capazes de assegurá-la. (BEAUFRE, 1998, p. 137).
A Estratégia Direta por parte das forças expedicionárias pode ser vista com a
utilização maciça da vasta artilharia presente no cerco contra o arraial nos
momentos finais de Canudos:
Ao amanhecer de 1º de outubro, a artilharia, de uma distância
aproximadamente trinta metros, bombardeou a área ocupada pelos
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sertanejos com trezentos disparos em vinte minutos, uma média de
quinze projéteis por minuto. Esse foi, provavelmente, o mais intenso
bombardeio já desferido contra combatentes brasileiros! (MCCANN,
2007, p. 98).
Com o cerco a Canudos, foi retirada a sua mobilidade externa, cortando as suas
comunicações e o seu abastecimento. Não tardou e começaram a ocorrer as
rendições, sendo muitos não-combatentes. Neste ponto, a Guerra Absoluta
ultrapassou o limite da utilização da força material, sendo empregada contra os
canudenses uma estratégia de ordem psicológica, que era a degola:
Chegando à primeira canhada encoberta, realizava-se uma cena
vulgar. Os soldados impunham invariavelmente à vítima um viva à
República, que era poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável
de uma cena cruel. Agarravam-na pelos cabelos, dobrando-lhe a
cabeça, esgargalando-lhe [descobrir] o pescoço; e, francamente
exposta a garganta, degolavam-na. Não raro a sofreguidão do
assassino repulsava esses preparativos lúgubres. O processo era,
então mais expedito [ligeiro]: varavam-na, prestes, a facão. (CUNHA,
2008, 557).
Os soldados que passaram por muito tempo sendo “caçados” estavam “vingando” as
humilhações que a República havia passado com as outras expedições. Essa “morte
ritual” vai além do próprio caráter da Guerra Absoluta, atingindo o âmbito do plano
psicológico:
Os rituais com sacrifício de sangue tanto comemoram quanto
encenam de uma forma assustadora a transição humana de objeto
de caça à caçador, da mesma forma que, na minha opinião, ocorreu
com a guerra. (EHRENREICH, 2000, p. 29).
Em outubro Canudos encontrou o seu final, o sitio avançava no interior do arraial, a
resistência conselheirista se viu pressionada, e no referido mês os ataques contra os
canudenses se faziam constantes. No dia 02 após o violento bombardeio do dia
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anterior as forças expedicionárias avançaram para interior do arraial, empreendendo
forte fuzilaria contra os sertanejos, que replicavam com intensidade os ataques.
Nos dias 03 e 04, os ataques continuavam com sua intensidade, as defesas de
canudos eram pressionadas para o último de defesa, em um cenário de destruição
total, com milhares de corpos em decomposição a céu aberto como comenta Soares
(1985). Canudos tinha encontrado seu epílogo.
No dia 05 de outubro os comandantes das forças expedicionárias são informados da
morte dos últimos defensores de Canudos, os canhões fizeram uma salva de 21
tiros contra, as forças entraram em forma, foi tocado o Hino Nacional e alvorada, os
generais presentes naquele momento passaram em revista as tropas.
Após o fim da guerra contra Canudos pode se ver que os conceitos estratégicos da
Guerra Absoluta ultrapassam os seus limites teóricos; foram ações típicas da
chamada Estratégia Superior.
A Estratégia Superior, no caso do combate contra Canudos, não veio a ter um êxito
absoluto em todas suas bases, devido às próprias disputas entre os florianistas e os
republicanos liberais dentro do próprio governo.
Porém, a Estratégia Superior acabou por alcança seu aspecto ligado diretamente a
política, quando ocorreu a fracassada tentativa de assassinato do presidente
Prudente de Morais, e que resultou na morte do marechal Bittencourt.
Tal situação elevou a popularidade de Prudente de Morais, e os jacobinos passaram
a ser inimigos políticos. Exemplo disso, foi a situação do general da quarta
expedição contra Canudos, Artur Oscar, que viu a sua promoção para general-de-
divisão ir para o antiflorianista, João Nepomuceno Mallet. O movimento florianista
encontrou seu fim:
Se alguns esperavam que Canudos ensejasse uma República
dominada pelos militares, o resultado foi o oposto. O desastre
reforçou o controle dos oficiais que almejavam reformar e
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profissionalizar o corpo de oficiais e dos políticos civis que
desejavam reduzir a influência militar sobre o governo. (MCCANN,
2007, p. 101).
A Estratégia Superior visa exatamente tirar proveitos após a definição de um
conflito, mantendo suas reservas, com uma “olhar” além do que ocorre nos campos
de batalha:
Se nos preocuparmos exclusivamente com a vitória, sem nenhuma
atenção para as consequências dela decorrentes, poderemos ficar
esgotados demais para tirar proveito da paz, que será certamente má
e conterá os gérmens que irão provocar outra guerra. Essa é uma
lição que tem o apoio de abundante experiência. (HART, 1982, p.
443).
Sendo isso que veio a ocorrer com o movimento florianista, que exaurido da
campanha de Canudos, não conseguiu tirar proveito da vitória, e ao tenta a derrubar
o presidente civil acabou por selar sua derrota definitiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A campanha militar em Canudos, após três expedições, com a mobilização da
sociedade, juntamente com o apelo na imprensa, acabou por assumir as feições de
uma Guerra Absoluta na sua última expedição, como descrito por Clausewitz (2003,
p. 829): “O plano de guerra engloba o ato de guerra total, que graças a ele se torna
uma operação única, com um só objetivo final definitivo”.
A guerra de Canudos tinha como “final definitivo” a derrota completa de Antônio
Conselheiros e a destruição de seu arraial, que era um aspecto que sempre esteve
presente nas expedições punitivas. As campanhas expedicionárias visavam a vitória
rápida e completa contra o inimigo, como na definição clausewitziana da guerra:
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A guerra é pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a
submeter-se à nossa vontade. Para defrontar a violência, a violência
mune-se com as invenções das artes e das ciências. (CLAUSEWITZ,
2003, p. 07).
Para derrotar o arraial de Canudos, este “municiamento da violência” é nítido, com o
aumento nos efetivos expedicionários e na quantidade de armamentos empregados,
em escala crescente, de uma expedição para a seguinte.
A expansão do poderio humano/militar contra Canudos pode ser observada em
todas as expedições: A primeira investida com seus 104 soldados; na segunda
expedição o efetivo aumentou para 543 praças; na terceira expedição a força militar
ampliou para 1.281 soldados; a última ofensiva, que aumentava sucessivamente seu
efetivo chegado a possuir “421 oficiais e 6.160 praças entre os meses de março e
maio, sendo acrescidos mais 286 oficiais e 3.384 soldados entre maio e setembro”.
(MACEDO; MAESTRI, 2004, p. 130).
Não ocorreu somente a expansão em número de soldados nas expedições contra
Canudos, mas o material bélico de campanha também foi ampliado. A primeira
expedição se fazia armada apenas com de fuzis mannlicher; a quarta expedição
possuiu em seu início artilharia com canhões Krupp, bateria de metralhadora
Nordenfeldt e um canhão Withworth 32.
Uma implicação para a maior ampliação das forças expedicionárias no sertão foi ter
como bases de operação as localidades de Queimadas e Monte Santo. Dessa
forma, foi estabelecido linhas de comunicação, tanto por meio de telégrafo, e e,
especial por transporte ferroviário, para o aumento logístico da campanha.
Não obstante, como comenta McCann (2007), o problema do Exército brasileiro não
possuir uma central de abastecimento, criou graves dificuldades logísticas para uma
campanha como a de Canudos.
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A partir desta compreensão de uso sempre crescente do poderio bélico contra
Canudos, as forças expedicionárias acabavam por alcançar o que Clausewitz
chamava de Guerra Absoluta:
Ainda de consequência mais funesta foi a exposição teórica e a
exaltação que fez da idéia de guerra ‘absoluta’, quando proclamou
que o caminho para o êxito só é possível pela aplicação ilimitada da
força. (HART, 1982, p. 431).
A quarta expedição foi a demonstração da utilização da Guerra Absoluta contra
Canudos. Na parte material foi utilizada uma ampla variedade de arma. Os soldados
portavam fuzis como comblain, mannlicher e os modernos Mauser, já na fase final
do conflito. A artilharia possuía também grande variação em peças, como os
canhões Krupp 75 mm, Whitworth 32 libras, Nordenfeldt 37 mm, metralhadoras
Nordenfeldt.
O envio de duas colunas de infantaria, que mesmo não conquistando o arraial logo
de início, permaneceu no cerco contra os conselheiristas, resistindo ao desgaste do
confronto contra o inimigo, e os graves problemas logísticos, até a chegada de
reforços para concluir o sitio contra Canudo, também foram parte integrante da
Guerra Absoluta.
A reunião culminante de tropas e armamentos para um ataque levava ao âmbito
estratégico de uma batalha decisiva, que é parte integrante da Guerra Absoluta:
Quando existem meios superiores e uma capacidade ofensiva
suficiente assegurada, a campanha visará ofensivamente à batalha
decisiva. É a estratégia ofensiva da aproximação direta, onde se
deve realizar a concentração do máximo de meios, visando à massa
principal do inimigo. (BEAUFRE, 1998, p. 79).
A destruição de Canudos pelas forças expedicionárias não foi apenas material, mas
também humana, sendo um confronto que resultou na morte de mais de 25.000
pessoas. No entanto, por meio da Estratégia Indireta o arraial conseguiu resistir as
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ofensivas punitivas, sendo no seu “epílogo” transformada em cinza pelos ataques
incendiários no final do conflito. Os ideais dos canudenses foram transformados em
pó ou degolados pela “gravata de sangue”.
O Exército saiu do conflito depauperado, as Estratégias Diretas, no estilo europeu,
se demonstraram trágicas para um conflito no interior do Brasil. Os Jacobinos,
dentro do Exército, que imaginavam sair do conflito como vitoriosos, acabaram
encontrando seu fim.
O início do século XX foi o período para o Exército se recuperar e se reestruturar da
trágica Campanha de Canudos.
Mapa dos itinerários das expedições contra Canudos.
Itinerário da primeira expedição contra Canudos
78
Fonte: http://canudos.portfolium.com.br/
Itinerário da Segunda expedição contra Canudos
79
Fonte: http://canudos.portfolium.com.br/
Itinerário da terceira expedição contra Canudos
80
Fonte: http://canudos.portfolium.com.br/
Itinerário da quarta expedição contra Canudos
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