duas visões sobre canudos

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS CAMPUS XIV CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA MÁRCIO ANDRÉ BARRETO DOS SANTOS PROFESSOR ORIENTADOR ROGÉRIO SOUZA SILVA Duas visões sobre Canudos CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA 2010

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Page 1: Duas visões sobre canudos

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS

CAMPUS XIV – CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

MÁRCIO ANDRÉ BARRETO DOS SANTOS

PROFESSOR ORIENTADOR

ROGÉRIO SOUZA SILVA

Duas visões sobre Canudos

CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA

2010

Page 2: Duas visões sobre canudos

2

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS

CAMPUS XIV – CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

MÁRCIO ANDRÉ BARRETO DOS SANTOS

PROFESSOR ORIENTADOR

ROGERIO SOUZA SILVA

Duas visões sobre Canudos

Artigo apresentado ao Curso de

graduação da Universidade do

Estado da Bahia, Departamento de

Educação – Campus XIV – curso

Licenciatura em História, como

requisito final de avaliação do

Curso Licenciatura em História.

CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA

2010

Page 3: Duas visões sobre canudos

3

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIENCIAS HUMANAS

CAMPUS XIV – CONCEIÇÃO DO COITÉ/BA

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

MÁRCIO ANDRÉ BARRETO DOS SANTOS

Duas visões sobre Canudos

Artigo aprovado em ______/_____/_____ para obtenção do título de Licenciatura em

História.

Banca Examinadora:

_________________________________

Rogério Souza Silva

_________________________________

Convidado

_________________________________

Convidado

Page 4: Duas visões sobre canudos

4

SUMÁRIO

1 RESUMO..............................................................................................................................................4

2 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................5

3 CANUDOS: DUAS VISÕES, UM ÚNICO OBJETIVO..................................................................6

3.1 Mudanças estruturais e mudanças políticas..........................................................................6

3.2 Canudos ao olhar dos militares.............................................................................................8

3.3 O estranho sertão e seus habitantes....................................................................................10

3.4 um viés militar e o desabafo de Dantas...............................................................................11

3.5 Conselheiristas.....................................................................................................................14

3.6 Controvérsias e silêncios.....................................................................................................16

3.7 Despesas..............................................................................................................................18

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................19

5 BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................22

Page 5: Duas visões sobre canudos

5

Duas visões sobre Canudos

Márcio André Barreto dos Santos1

Resumo

O artigo Duas visões sobre Canudos, analisa três obras de dois altos oficiais do Exército, que

estiveram na última campanha para a destruição de Antonio Conselheiro e sua urbe, para

tentar compreender a Guerra de Canudos em algumas de suas particularidades, extraindo de

suas obras como o Exército posicionou-se frente a esse movimento no sertão baiano e, o que

esse posicionamento influiu nas obras de Dantas Barreto e Macedo Soares, para poder

entender o grau de violência que fora empregado contra Canudos.

Palavras-chave: Exército, Canudos, conselheiristas, conflito, revisão

1 Estudante de Licenciatura em História da UNEB – Campus XIV – Conceição do Coité - Bahia. Correio

eletrônico: [email protected]

Page 6: Duas visões sobre canudos

INTRODUÇÃO

As tensões vividas pelo país durante o governo de Prudente de Morais (1894-1898)

deslocaram-se para o nordeste da Bahia. Após três tentativas frustradas de derrotar Antônio

Conselheiro, organiza-se, a partir de meados de 1897, um grande contingente militar liderado

pelo general Arthur Oscar. Sem dúvida, Canudos naquele determinado momento significava

para as forças legais o inimigo que poderia derrubar o regime Republicano.

No intuito de abrir novas possibilidades de interpretações sobre esse acontecimento, o

presente artigo analisa a obra de dois oficiais do Exército, que estiveram na campanha para a

destruição de Antonio Conselheiro, escrita logo após a hedionda carnificina, com o objetivo

de elucidar e se compreender a Guerra de Canudos em algumas de suas particularidades,

extraindo de suas obras como o Exército se posicionou em frente a essa revolta no sertão

baiano e, sobretudo, o que esse posicionamento influiu nas obras de Emídio Dantas Barreto e

Duque-Estrada de Macedo Soares pra poder entender o grau de violência que fora empregado

contra Canudos.

As obras de Emídio Dantas Barreto2, A última Expedição de Canudos (1898) e a

Destruição de Canudos (1912) e, por último, A Guerra de Canudos (1902) do Ten. Henrique

Duque-Estrada de Macedo Soares3, estes livros desmembram-se em várias vertentes com

muitas possibilidades de estudo, pois tratam em seu conteúdo desde os seus assuntos

burocráticos em torno da constituição da última Expedição passando pelos planos de guerra, a

organização das tropas, as dificuldades com a região e os percalços da guerra e, por fim, a

destruição de Canudos, tudo isto escrito baseado nas experiências diárias e nos relatórios

diários da Expedição.

2 Emídio Dantas Barreto, Marechal-de-Exército, historiador militar, jornalista, romancista e teatrólogo, nasceu

em Bom Conselho, PE, em 22 de março de 1850, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 8 de março de 1931. Eleito

em 10 de setembro de 1910 para a Cadeira n. 27, na sucessão de Joaquim Nabuco, foi recebido em 7 de janeiro

de 1911, pelo acadêmico Carlos de Laet. Com apenas 15 anos de idade, alistou-se como voluntário na campanha

do Paraguai, onde obteve medalha por sua atuação. Em 1868, foi promovido a oficial. Após o término da guerra,

voltou ao Brasil e fez o curso de artilharia na Escola Militar do Rio de Janeiro. Tomou parte na campanha de

Canudos, tendo sido seus esforços coroados com a promoção a coronel. Em 1910 era General-de-Divisão. Foi

ministro da Guerra de Hermes da Fonseca. Demitiu-se para assumir o governo de Pernambuco (1911-1915),

Estado que o elegeu senador (1916-1918). Reformou-se como Marechal-de-Exército em 1918. 3 Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares, nasceu em Bananal, município de Maricá, Estado do Rio de

Janeiro, em 20 de outubro de 1870 e faleceu em 21 de fevereiro de 1906. Seguiu a careira militar, na qual

alcançou o posto de tenente de artilharia.

Page 7: Duas visões sobre canudos

7

Os escritos são de suma importância para o entendimento das questões que envolviam

os interesses do Exército no Brasil do final do século XIX e início do XX. As obras analisadas

constituem-se em uma grande fonte documental da época que nos revela detalhes peculiares

para o estudo e análise da Guerra de Canudos.

Portanto, o presente artigo não tem a pretensão de suprir tal lacuna, propõe, tão

somente, e muito modestamente, equacionar o problema levantando questões que poderão

constituir-se em abertura pra um exame mais amplo e profundo do assunto.

CANUDOS: DUAS VISÕES, UM ÚNICO OBJETIVO

Mudanças políticas e mudanças estruturais

Para entendermos algumas das questões que envolveram Canudos no período da

Guerra, temos que retornar a estrutura vigente na época, fazendo uma releitura do seu

contexto. Sobretudo, as mudanças que vinham se processando no bojo da sociedade iam

configurando não somente modificações de tipos estruturais, bem como, a de caráter social.

Para entender o que era o Exército naquele determinado momento, temos que retomar

a formação de seus militares, que com a Escola Militar, principalmente depois da Guerra do

Paraguai, sem dúvida, foi importante na criação de uma identidade militar, “classe militar”,

principalmente depois da chamada Questão Militar – um incidente entre o governo imperial e

o Exército, envolvendo a discussão do direito que os militares teriam ou não de manifestarem-

se publicamente a respeito de questões políticas ou militares, em que atitudes do governo

imperial foram entendidas por alguns oficiais como um ultraje à honra dos militares – eventos

da Questão Militar se arrastaram de agosto de 1886 a maio de 1887 (Castro: 1995, p. 85).

Mas também na gestação da República e na implantação do espírito científico positivista.

A Guerra de Canudos foi um episódio que marcou um dos momentos mais

importantes do final do século XIX no Brasil. Com a instauração da República brasileira,

foram acompanhados por significativas alterações no cenário nacional, frutos da nova

realidade política e econômica, que viam com estigmas o seu passado colonial e monárquico

diante dos países europeus, transpor as dificuldades equivalia a igualar à Europa e América do

Norte (industrializadas, saneadas e brancas) e, portanto à civilização.

Page 8: Duas visões sobre canudos

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Conforme Aldo José Morais (2006, p. 155),

o novo elemento presente no ideal de civilização encampado pela sociedade

republicana reside na exacerbação, por assim dizer, das expectativas em torno da

possibilidade de realização dessa nova sociedade, seja quanto às suas conquistas

materiais, seja quanto ao seu estilo de vida. De fato, a sociedade – ou pelo menos os

segmentos dirigentes e a intelectualidade nacional – viram o advento do regime

republicano como sendo uma expressão inicial e concreta da superação do atraso

nacional, então associado à condição de nação colonizada e, por extensão, ao antigo

regime.

O teor desta idéia de civilização pode ainda ser aqui caracterizado, observando que

estava associado ao grande entusiasmo provocado pelo desenvolvimento de novas

tecnologias, progressivamente incorporadas ao quotidiano da população como resultado direto

da chamada Revolução Científico-Tecnológico, protagonizada pela Europa por volta de 1870.

Com a Segunda Revolução Industrial representou um salto enorme em relação à

primeira manifestação da economia mecanizada, sobretudo, como essas inovações invadiam o

cotidiano das pessoas, principalmente no contexto desse outro fenômeno derivado da

revolução, as grandes metrópoles modernas (Sevecenko, 1998, p.10).

Assim, para a nova elite aburguesada brasileira, as realizações tecnológicas dos

europeus eram vistas como indicador seguro da eficácia do seu modelo e processo de

desenvolvimento, e até mesmo da pertinência de suas crenças sobre a superioridade racial

branca4, conforme Aldo Morais “glorificando seus modelos de vida, seus valores,

identificando-os como civilizados e dispondo-se reproduzi-los como caminha seguro para

alcançar aquela civilidade (Silva: 2006, p.156).

Outro traço característico do período final do século XIX e início do século XX, o

intenso crescimento dos contingentes urbanos da população brasileira. Essa tendência

demográfica marca o início de um processo que inverteu a distribuição sócio-territorial da

população brasileira. Em termos da fisionomia social das cidades, a conglomeração de

populações adventícias vindas dos mais diferentes lugares aumentava a impressão de

4 Engajados no empreendimento do nacionalismo ou da expansão imperial, os Estados fabricaram identidades

raciais e étnicas, por meio de classificações oficiais que definiram o lugar de cada grupo perante a sociedade.

O chamado racismo científico ganha corpo nas grandes nações imperialistas e colonialista do mundo. No

Brasil, esse pensamento terá grande influencia desse corpo teórico que em suma tinha índios e africanos como

inferiores, parados no tempo ou condicionados ao atraso social pelo espaço geográfico onde viviam. A elite

brasileira racista dos séculos XIX e XX sonhou promover, com a imigração européia, o branqueamento da

população.

Page 9: Duas visões sobre canudos

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desordem citadina, provocando uma espécie de mal-estar entre as autoridades e os setores

dominantes (Winssenbach, 1998, p. 91-2).

Nessa perspectiva, segundo Aldo Morais, talvez a primeira expressão de tal esforço

possa ser identificada no desenvolvimento dos grandes planos de reforma urbanística,

ocorrido entre os últimos anos do século XIX e as primeiras décadas do século seguinte.

Destacando neste período a construção da nova capital mineira, Belo Horizonte (primeira

etapa entre 1894 e 1897), as reformas no Rio de janeiro (1904), Recife e de Belém (entre 1909

e 1913), Porto Alegre (1914) e Salvador (1912 e 1916).

Na época, já havia preocupações em ordenar o espaço urbano, meio ao caos das

crescentes metrópoles do Brasil, com seus projetos urbanistas de enquadramento de ruas,

avenidas, saneamentos, entre outros. Maria Cristina Winssenbach coloca Canudos como uma

referencia para dimensionar a questão social presente nas cidades brasileiras da época, e de

certa forma prefigurava a explosão demográfica das cidades (Winssenbach, 1998, p. 94).

Canudos ao olhar dos militares

Quando a 4ª Expedição se depara com a cidade de Antonio Conselheiro causou

espanto a todos, pois as configurações de suas ruas não tinham nenhuma preocupação com

esquadro de ruas e praças, era praticamente uma desordem. O autor Duque-Estrada de

Macedo Soares (1985, p. 90), que participou ativamente da última expedição contra Canudos,

quando as forças federalistas chegam a cinco quilômetros de distancia, descreve-a,

Lá estava, colocada em plano inferior às focas a cavaleiro, a temível Cidadela, a

lendária capital dos jagunços! À nossa vista deslumbrada, surgia aquele

extraordinário amontoado de casas de vários feitios, de cor barrenta e avermelhada,

numa caprichosa desordem…

Dentre tantos, as descrições e os conseqüentes estranhamentos sobre Canudos em seu

aspecto urbano é um dos que mais chama a atenção. Expressões como “núcleo faccioso”

(BARRETO: 1898, p. 13), “urbs monstruosa” (CUNHA: 1950, p. 184), “(...) negro reduto

do fanatismo” (PIEDADE: 2002, p. 55), “o hediondo Canudos” (HORCADES: 1899, p. 25),

Page 10: Duas visões sobre canudos

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entre outras, revelam esses sentimentos. Todos esses olhares formam um amplo conjunto de

expressões que procuraram execrar o Belo Monte5 (Silva, 2006).

No entanto, viam aquele amontoado de casas e suas duas torres da igreja nova de

modos estarrecidos, admirando-as chegando a ponto de compará-las com as “enigmáticas

pyramides do Egypto” (Barreto: 1912, p.138), a “faustosa Babylonia” (Soares:1912, p.17)

arrancava a cada um presentes uma exclamação de prazer ao vê-la.

Conforme o autor Dantas Barreto ao analisar a topografia da região, afirma que

Canudos tinha um propósito em estar situada ali, a sede do povo do Bom Jesus Conselheiro

“satisfazia inteiramente os seus intuitos subversivos (Barreto: 1912, p.11). Segundo Macedo

Soares (1985, p. 44) “qualquer força para lá chegar, fosse de qualquer ponto, teria de

atravessar uma região estéril, sem água e nem recursos de espécie alguma…”. Na linha de

pensamento dos autores, a idéia que transparece é que o conselheiro escolheu aquele lugar,

aos seus olhos de difícil acesso, para construir sua fortaleza prevendo os ataques que sofreria

por parte das forças legais.

Canudos era uma “edificação incomprehensivel” (Barreto: 1912, p. 142), segundo

Euclides da Cunha aquele tipo de “edificação rudimentar permitia à multidão sem lares fazer

até doze casas por dia” (Cunha: 1950, p. 183), sem o menor senso de enquadramento das

ruas, ocasionando uma sensação de desordem citadina. Tudo isto passava despercebido aos

olhos dos conselheiristas que estavam acostumados as estreitas ruas e becos.

A cidade criada por Antonio Conselheiro e os seus seguidores, denominada de Bello

Monte foi muito hostilizada pelas denominações dos autores, como por exemplo: “cidadella

maldita” (Barreto:1898, p. 68), “cidadella do fanatismo” (Ibid., p. 98), “centro do

fanatismo” (Soares: 1985, p. 89), “reduto infernal” (Ibid., p. 222). Esses aglomerados de

designações procuravam disseminar uma figura maléfica, colocando Canudos como inimigo

do Estado e, consequentemente, de todos os cidadãos.

O estranho sertão e seus habitantes

Ao se depararem com o sertão baiano, um assombro com a região, Euclides da Cunha

imortalizou a região na sua obra Os Sertões dando descrições da vegetação, clima, entre

5 Trecho retirado do projeto de pesquisa Terra estrangeira: olhares de jornalistas e militares sobre o sertão da

Bahia durante a campanha de Canudos (2006), do autor Rogério Souza Silva.

Page 11: Duas visões sobre canudos

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outros, numa linguagem literária. Os autores não escondiam o sentimento de

descontentamento com lugar, denunciavam o clima quente que assolava a todos, a “terra

queimava como uma chapa de ferro candente” (Barreto: 1898, p. 174-5), a “atmosfera de

uma calidez asfixiante” (Soares: 1985, p. 150), todo esse clima de constrangimento com o

sertão pode ser observado no trecho abaixo retirado da obra de Dantas Barreto (1898, p. 41-

2),

Os dias nessa região agreste, já tão conhecida pelas descripções publicadas em todos

os jornaes do Brazil, tinham para nós a duração de mezes; não parecia estar-se no

próprio paiz;

Nota-se nas suas palavras o sentimento de não pertencimento ao lugar, transparecendo

estar numa terra estrangeira, o autor afirma que nas conversas informais entre soldados e

oficiais dizia-se naturalmente: “– Quando eu voltar ao Brazil farei isto ou terei

aquilo…”(Barreto: 1898, p. 43). Contudo, não podemos esquecer que eram homens, de

lugares diferentes, imbuídos de uma noção de civilização, progresso e modernidade diante de

uma realidade que não atendia aos seus anseios (Silva, 2006), por isto, é evidente o choque

que tiveram ao deparar-se com sertão baiano.

Entretanto, esse mesmo olhar estendeu-se para toda a região, nada escapava aos seus

olhares, tecendo seus comentários quando passavam a caminho do local do conflito.

Observação sobre as cidades, vilas, arraiais ou fazendas, juntamente com seus habitantes, às

vezes denegriam usando expressão como “pittoresca villa”(Barreto: 1912, p. 48) referindo-se

a Monte Santo, uma das sedes base dos militares a que muito lhe servira.

Apesar dessas visões deturpadas desses lugares, é importante ressaltar que para a 4ª

Expedição e o seu propósito, esses lugares serviram de pontos de apoio para descanso dos

soldados, organização das tropas, do serviço de fornecimento de alimentos e transporte,

depósitos de munição e de boca, além dos hospitais instalados para cuidar dos feridos.

Todavia, o sentimento de alteridade que se estendeu para os habitantes destas

localidades, são todos execrando a figura do sertanejo, conforme podemos notar em Macedo

Soares (1985, p. 44) no trecho abaixo,

[…] Geremoabo, Monte Santo e Uauá, lugarejos pobres, assolados pelas febres de

mau caráter, e os habitantes desconfiados, embrutecidos pela ignorância e pelo

fanatismo.

Page 12: Duas visões sobre canudos

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Aos seus olhos eram totalmente diferentes dos habitantes do sul, tachados de

“brazileiro primitivo” (Barreto: 1898, p. 42), “physionomia geralmente vulgar” e eram

“exemplares magníficos dessa raça imperfeita” (Barreto: 1912, p. 53). Por tudo isto,

exemplifica muito bem a visão deturpada dos militares em relação aos habitantes do sertão do

norte da Bahia.

Dentro de uma perspectiva simbólica de pertencimento territorial, esses estrangeiros

no sertão não se sentiam presos ao local, conseqüentemente, visto que esse sentimento de

territorialidade cria barreiras de aceitação, o que contribuiu nas suas visões contra o sertão e

os seus habitantes. No entanto, isto não justifica a violência empregada contra os

conselheiristas, mas, sobretudo, apresentas-se como um fator complicador dentro desse

complexo universo.

As mulheres não escaparam da visão destes autores sendo descritas como “As

desgraçadas” (Barreto: 1912, p. 284), “repugnantes megeras” (Soares, 1985, p. 212), Dantas

Barreto vai mais além “as mulheres trajavam pobremente e, das suas roupas que não eram

abundantes, exhalava forte bafio de azedo arruinado” (Barreto, 1912, p. 13). Os autores

resumem suas atividades em cuidar dos feridos e crianças, limpar as armas e da “ração” dos

seus maridos. Em alguns casos as mulheres iam às linhas de fogo levar as armas que podiam

recolher dos seus companheiros mortos, algumas morriam como verdadeiras heroínas (Soares:

1985, p. 92).

Um viés militar e o desabafo de Dantas Barreto

Canudos estava relacionada com o universo político brasileiro, que necessitava de um

inimigo plenamente vigoroso para justificar o açodamento das intervenções, cada vez mais

intensas, envolvendo quase metade das forças militares do Exército e das polícias estaduais.

Sobretudo, segundo Rogério Souza Silva (2001),

havia diversos interesses políticos em jogo: pelo governo federal, pelos jornalistas,

pelas forças políticas, como os jacobinos, ou mesmos pelos governadores de Estados

que estavam fora do eixo de poder central. Esses por último, enviavam tropas para o

campo de batalha, em troca de alcançar favores com as unidades mais fortes da

federação.

Page 13: Duas visões sobre canudos

13

É interessante notar como os autores viam Canudos e a própria situação que o País

vivia no período, o trecho a seguir nos mostra a situação preocupante dos militares,

O fracasso e conseqüentemente aniquilamento da brigada às ordens do intemerato

coronel Moreira César produziu, como era de prever, grande abalo no espírito do

público e o país inteiro agitou-se na eventualidade de mais graves e terríveis

acontecimentos, proximamente aguardadas. Canudos, naquela época, constituía o

espantalho geral e os mais inverossímeis boatos fervilhavam sobre sua fortaleza, o

números de fanáticos e os seus intuitos (Soares: 1985, p. 48).

O autor está se retratando depois do fracasso da Expedição de Moreira Cesar e o abalo

que isto causou em todo o Brasil e no próprio Exército, afirmando a este estar desfalcado e

mal se refazendo da recente e longa campanha federalista (SOARES: 1985, p.48). Naquele

período rumores já rondavam a capital do País como um movimento cujos fins eram de

derrubar a República recém instaurada, chegando a contar com ajuda de estrangeiros e dos

membros do Partido Monarquista.

Canudos só tomou grandes repercussões depois da derrota da Expedição Moreira

César foi neste momento que se pode medir “a grandeza do mal que se gerava no organismo

nacional e o governo viu o precipício em que dir-se-ia prestes a tombar o monumento de 89”

(Barreto:1898, p. 11). Naquele determinado momento, Antonio Conselheiro e sua urbe eram

as únicas forças que poderiam derrubar as instituições republicanas do Brasil, aos olhos dos

republicanos.

O autor Dantas Barreto (1898, p. 158) admite no trecho abaixo seu receio de vê a 4ª

Expedição ser derrotada,

E, comtudo, nenhum communicava ao outro as duvida e os receios que lhe

assaltavam o espírito: não por si, que desde muito haviam feito abstracção da própria

vida, mas pela expedição, pelo exercito e pela Republica, que não supportaria mais

um desastre das suas forças em Canudos.

Como podemos perceber, Dantas Barreto temia que o Exército não suportasse outra

derrota, pois tinha a noção que se a 4ª Expedição não vencesse Canudos, a ruína assombraria

o Exército e seu país que poderia cair nas mãos dos monarquistas. Não esquecendo que neste

determinado momento, havia muitos rumores que os monarquistas estariam por trás de

Canudos ou até mesmo os auxiliando nos combates contras as expedições.

Page 14: Duas visões sobre canudos

14

No entanto, segundo Nicolau Sevecenko, a única maneira de justificar a catástrofe foi

atribuir aos revoltosos a imagem de conspiradores monarquistas, decididos a derrubar o novo

regime mantido, organizados e fortemente armados a partir do exterior por líderes expatriados

do regime imperial. Aniquilá-los por completo era, portanto, uma questão de vida ou morte

para a jovem República (Sevecenko: 1996, p. 17).

Sendo assim, para os militares, lutava-se contra uma pavorosa anarquia, um núcleo de

rebeldes, mas contra os inimigos voltados contra as Instituições Oficiais (República), ainda se

afirmando após o movimento de 15 de novembro 1889, contudo, era preciso submeter aquele

formidável núcleo ao domínio da Lei.

Neste sentido, a vergonha de terem perdidos em duas Expedições sucessivas para um

bando de sertanejos, aumentara o ímpeto nos combates contra Canudos, isto aliado as baixas

sofridas no seu contingente, as péssimas condições de subsistência que as tropas passaram ao

longo da campanha, o próprio cenário da Guerra, talvez tenha contribuído para o grau de

violência que fora empregado aos conselheiristas.

O autor Dantas Barreto critica abertamente o Capitão Manoel Benício, correspondente

do Jornal do Commercio, em espalhar notícias inverídicas sobre a 1ª Coluna quando esta

pediu a 2ª coluna ao comando do general Savaget que viesse ao seu auxílio. Segundo o autor,

o Capitão Manuel Benício, “para desabafo de paixões estranhas” (Barreto: 1898, p. 106-7),

transcreveu para o Rio que a 1ª Coluna havia recuado três vezes, antes de chegar a 2ª, o que

realmente segundo Dantas Barreto nunca havia acontecido.

Apesar disso, objurga o comandante em chefe do Exército pelas condições que a 4ª

Expedição achava-se quando marcharam para Canudos, pois faltava-lhes muitos recursos,

desde remédios até comida. Especialmente, a falta de assistência para com a Expedição que

custaram 13 dias de fome a mercê da sorte na Favela, “E a fome, implacável e negra, a todos

abatendo e definhando desesperados” (Soares: 1985, p. 116). E que isto custara muitas vidas

dos soldados que aventuravam-se na caça de bois, carneiros e cabritos para alimento próprio,

ao mesmo tempo, sendo vítimas dos conselheiristas que os esperavam na caatinga.

Outra crítica de Dantas Barreto eram os planos de guerra para a destruição da

“Jerusalém dos Fanáticos” (Barreto: 1898, p. 98), segundo o mesmo, “as combinações

apparatosas e cheias de atavios escusados” (Barreto: 1912, p. 158), Euclides da Cunha

afirma que os oficiais eram treinados em Francês, por instrutores belgas, por meio de manuais

Page 15: Duas visões sobre canudos

15

belgas com táticas apropriadas pra os territórios dos Países Baixos (SEVECENKO, apud

CUNHA), eram inspirados em fatos das guerras européias, na literatura militar da Rússia, da

França e da Alemanha, e que tudo isto nada valia nas guerras americanas, tinham que ser

puramente originais nas suas táticas e estratégias.

Conselheiristas

Há um trecho muito interessante na Introdução do livro A Guerra de Canudos, de

Macedo Soares (1985, p. 12), no qual diz,

Conhecendo o ódio que nos votavam os jagunços de Antonio Conselheiro, o autor,

entretanto, jamais esqueceu que eles eram brasileiros e jamais os denegriu nem

ofendeu, quer como homem, quer como combatentes.

É importante notar que ao longo de sua obra as palavras “fanáticos”, “bandidos”,

“sanguinários” e “pobres diabos”, comparando-os a “touros bravios” e o mais interessante

foi designar os conselheiristas de “grupos de canibais” (Soares: 1985, p. 33), isto é ultrajante

e incompatível com o que a frase acima nos diz, mas, sobretudo, é fundamental ressaltar como

o Ten. Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares enxergava os conselheiristas com total

sentimento de desprezo.

Macedo Soares ao discutir a questão sobre as derrotas sofridas e as conseqüentes

baixas padecidas pelo Exército nas anteriores Expedições, acusa à dificuldade de adaptação

com o ambiente, que era totalmente estranho a tudo que tinham visto. Aliado a tudo isto, foi

decisivo para muitos dos fracassos do Exército o conhecimento de todo o território em volta

de Canudos pelos conselheiristas, que “ocupavam os melhores pontos, os mais elevados, e

entrincheiravam-se nos acidentes naturais do terreno” (Soares: 1985, p. 105). Com certeza o

relevo da região e o clima foi um diferencial poderoso a favor dos conselheiristas que faziam

suas emboscadas trazendo muito prejuízo para a campanha.

Aliás, não esquecendo o mérito dos conselheiristas em interceptar os comboios, estes

últimos, só se utilizavam das armas e das munições de guerra, o gado era morto e deixavam o

animal intacto, embora fossem exíguos os seus recursos.

Page 16: Duas visões sobre canudos

16

Os conselheiristas não saqueavam porque o Conselheiro impunha castigos severos

àqueles que se utilizavam dos despojos dos seus adversários a não ser o que pudesse ser

aproveitado como arma de guerra, conforme Macedo Soares (1985, p. 175),

Os jagunços com intransigente fidelidade cumpriam os preceitos do Conselheiro,

que lhes proibia em absoluto o saque e o aproveitamento dos elementos do inimigo,

a não ser o da munição.

A caminho do conflito a Expedição encontrou diversas casas destruídas e fazendas

danificadas pelos jagunços, outras estavam destelhadas pelos próprios donos, para se

eximirem dos seus ataques (SOARES: 1985, p. 175). Isto ilustra bem a ação dos jagunços

com o pessoal local que não apoiasse a causa Conselheirista, pregando-lhes castigos.

Uma dessas ações aplicadas pelos jagunços está descrita no livro de Macedo Soares

(1985, p. 68),

Em caminho de Juá para Aracaty, o general-em-chefe teve aviso de que um pequeno

grupo de jagunços atava fogo e tentava destelhar a casa da fazendo do coronel José

Américo, prestimoso amigo e auxiliar das forças legais. O general mandou seguir

para o ponto indicado o seu ajudante-de-ordens, alferes Marques da Rocha, com

praça do piquete, que fizeram fugir os jagunços, exceto um, que morreu brigando. O

grupo era de 8 a 10.

Os dois autores descreveram esse mesmo acontecimento e o que divergem entre

ambos é o tamanho do grupo de jagunços, enquanto Macedo Soares afirma ser entre 8 a 10 e

Dantas Barreto fala entre 15 a 20 jagunços. A quantidade de jagunços não importa, mas como

essas construções são feitas, porque motivo aumentaria a quantidade de jagunços, senão para

vangloriar o piquete destacado e/ou ridicularizar as forças de combate dos conselheiristas.

Entretanto, os mesmos homens imbuídos de uma noção de civilidade, no qual

incumbidos como agentes executores da ordem, na missão de resguardar a lei, invertiam os

papeis igualando-se a muitos arruaceiros, cometeram violência com a população sertaneja,

como podemos notar abaixo,

Esse comboio fora entregue a um cabo de esquadra, cuja praça nem ao menos

pudera conter os soldados, que nesse trajecto commetteram violências, que

afugentaram os poucos moradores da estrada, durante dias (Barreto: 1898, p. 51-2).

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Contudo, não esquecendo o embate entre as forças legais e os jagunços de Antonio

Conselheiro em Uauá que após o confronto, antes de se retirarem, os soldados incendiaram o

povoado e saquearam as casas6.

Outra discussão é sobre o potencial bélico dos conselheiristas, como eles teriam

conseguido suportar os ataques do Exército junto com as forças policias Estaduais. Alguns

militares como Carlos Telles, Macedo Soares e Dantas Barreto acreditavam que as armas

abandonadas pelas Expedições anteriores foram fundamentais para o aumento do potencial

dos conselheiristas. Conforme Macedo Soares afirma que Canudos tinha fornecimento dos

elementos de guerra que vinham de Minas, Bahia e Sergipe, aliado as armas de fabricação dos

conselheiristas (Soares, 1985, p. 46).

Segundo Angelina Nobre Rolim Garcez (1977), os jagunços contaram com farta

munição, até a batalha final. A mesma afirma que em canudos, em nenhum momento retraiu-

se ou demonstrou precisar poupar munições, “ao contrário, apesar de sitiados, os jagunços

continuaram atacando, esbanjando seu municiamento, como se dispusessem de uma fonte

inesgotável”. Segundo Araripe, os conselheiristas conseguiram fornecedores de armas como

“Coronel Leitão, fazendeiro e comerciante em Santa Luzia, o qual fornecia armas e munições

aos jagunços” (Garcez, 1977 apud Araripe, 1960, p. 44).

Controvérsias e silêncios

Umas das questões polêmicas que muitos autores e militares divergem é sobre os

números de habitantes em Bello Monte, o autor Macedo Soares afirma que Canudos contava

com 6.000 habitações e estima uma população de 30 ou 35 mil pessoas fanatizadas. No

entanto, esses números são contestados, pois não há um consenso entre os próprios militares

em relação ao número de habitantes e de casas, na obra O Rei dos Jagunços de Manoel

Benício – correspondente do Jornal do Comércio – alega existir ali casas em número de mil.

Já Euclides da Cunha estima uma população de aproximadamente 25 a 30 mil pessoas e 5200

casas.

No entanto, José Calasans através de seus estudos estimava que houvesse entre 8 a 10

mil pessoas, segundo ele, esse índice populacional teve seu auge na hora da guerra pelo

deslocamento das pessoas para a defesa de Canudos (VILLA, 1998, p. 77). O autor escreve

6 Fonte Jornal A Tarde, jornalista Oleone Coelho Fontes, 16 de novembro de 1996.

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numa perspectiva de dar voz ao vencidos, escrevendo uma história vista a partir de baixo.

Contudo, Segundo Dantas Barreto, após a destruição de Canudos, o número de sinais de casas

do arraial foi verificado existir 5.200 casas.

O que podemos constatar é que existem muitas controvérsias em torno do número de

habitantes e das construções das casas que, segundo o Coronel Carlos Telles, existiam apenas

1.000 e não 5.000 casas naquela cidade. O coronel Telles procura eliminar as fantasmagorias

criadas pelos jornalistas, políticos e militares em torno de Canudos

Marco Antonio Villa argumenta sobre esse número elevado de habitantes, afirma que

a contagem pouco criteriosa das casas existentes em Canudos foi ao encontro dos interesses

militares em enaltecer o tamanho da cidade, para justificar o massacre ocorrido e a deslocação

da metade do contingente do exército para o conflito.

Uma última questão na análise das lutas é a questão da degola dos prisioneiros.

Tomarei uma citação de Euclides da Cunha (1950, p. 542), pois foi o primeiro a denunciá-la

da seguinte maneira:

Os soldados impunham à vítima invariavelmente um viva à República, que era

poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável de uma cena cruel. Agarravam-na

pelos cabelos, dobrando-lhes a cabeça, esgargalando-lhe o pescoço; e, francamente

exposta a garganta, degolavam-na. Não raro a sofreguidão do assassino repulsava

esses preparativos lúgubres. O processo era, então, mais expedito: varavam-na,

prestes a facão.

Entretanto, um silêncio paira sobre este determinado assunto nas duas obras de Dantas

Barreto e no livro de Macedo Soares, pois na guerra a degola foi uma prática corriqueira de

ambos os lados, contudo, é muito mais difícil de ser aceita pelos autores militares. Talvez, no

intuito de esconder os crimes que praticaram, para não manchar sua reputação aos olhos da

sociedade, visto que eles representavam a lei e a justiça, que não fora concebida aos

prisioneiros, com exceção dos velhos, mulheres e crianças.

Despesas

Do ponto de vista econômico-financeiro da guerra, sua execução necessitou,

especialmente na última expedição, de recursos federais e estaduais. César Zama afirma que a

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repressão a Canudos custou muito caro ao país: “obrigou o tesouro nacional a despender

milhares de contos e impôs aos cofres estaduais onus que eles não podiam suportar...

deixando o tesouro exausto, com credito esgotado” (Zama: 1899).

Apesar disso, não faltaram oportunidades para o enriquecimento às custas das

Expedições, principalmente os grandes proprietários de gados e comerciantes, que vendiam

seus produtos a preços altíssimos. Contudo, é claro, existiam casos extremos de danos

materiais causados pelos militares à região, como por exemplo, relatos dos casos de confiscos

de reses que ocorreram em vários momentos para alimentar as tropas. Há um caso, muito

interessante, de um processo datado de 1908, onde a D. Francisca Dantas – proprietária da

fazenda Canudos – apela por meio da justiça para que seja reembolsada o valor das compras

de víveres para a alimentação das tropas. Curiosamente, a proprietária da fazenda chega a

afirmar que o exército causou mais estragos que os próprios conselheiristas.

Em 05 de outubro de 1897, caíram os últimos combatentes de Canudos, estando tudo

acabado. Eclodiram vivas a República e ao Exército, “assim, estava terminada e de maneira

tão singularmente trágica a sanguinosa guerra, que o banditismo e o fanatismo traziam acesa

por longos meses, naquele recanto do Território Nacional” (Soares: 1985, p. 224). As ordens

eram para que não sobrasse nada de Canudos senão ruínas, “era preciso não deixar uma

parede em meio, uma viga sequer intacta” (Barreto: 1912, p. 291) e, assim o foi executado.

O autor Dantas Barreto conclui sua obra afirmando que Exército cumpriu o seu papel

“amparou as instituições da República” e “destruiu os elementos subversivos dos longínquos

sertões da Bahia e é a impávida sentinella que vigia attentamente os traidores e os inimigos

da Patria” (Barreto: 1912, p. 300). Entretanto, o mesmo autor, critica os poderes da nação em

não retribuir os militares como deviam depois da destruição de Canudos “trataram com a

freisa de um facto commum na vida da República” (Barreto: 1898, p.112).

A Guerra de Canudos deixou sepultados dentro de suas cercanias uma parte da história

do Exército, da Bahia e do Brasil. Submersa sobre as águas do Vaza Barris, que em tempos de

seca suas águas baixam, ressurgindo destroços do passado, como se fosse um pedido para que

não nos esqueçamos daquela terrível e horrenda carnificina contra os sertanejos do norte da

Bahia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A guerra fratricida articulada pelo governo brasileiro em 1897 conta o líder

carismático Antonio Vicente Mendes Maciel – o Bom Jesus Conselheiro – e sua grei

apostólico-sertaneja não apenas aniquilou a cidade de Canudos, sede daquilo que até se pode

denominar de Movimento Conselheirista, mas, principalmente afetou toda a realidade do

sertão baiano (Oliveira: 2006).

É inegável o papel dos militares como agentes executores das ações políticas

governamentais, bem como, a sua indiferença com os habitantes do sertão que foram

destratados, humilhados. Além disso, os militares representavam a civilidade, moralidade e

justiça, vinham incumbidos de uma noção de civilização a um espaço territorial pouco

desenvolvido e acharam-se no direito de passar por cima de tudo. Mostravam-se muitas vezes

superiores aos conselheiristas e a todos os habitantes daquela região denegriam a imagens

destas pessoas humildes. Portanto, o interesse para a compreensão deste processo colocou no

cerne deste trabalho a discussão sobre a visão do Exército e a influência deste pensamento nas

obras em análise.

O Exército vivia outro momento na sua estrutura depois da Guerra do Paraguai, mais

politizados e preocupados, dentro de seus próprios interesses, com o destino político do

Brasil. Com a Proclamação da República fruto de um golpe militar e, por isso, os

republicanos precisaram continuar investindo na propaganda objetivando alcançar o coração

da sociedade da consolidação do regime, afinal o novo regime não fora proclamado com a

participação popular.

Entretanto, era preciso legitimar, justificar e exaltar o novo regime que estava imbuído

com a noção de modernização do país, por isto, a manipulação do imaginário foi uma arma

valiosa para justificar o novo regime e legitimar o seu poder.

Segundo Von Clausewitz na obra “Da Guerra”, enfatiza que a guerra é um

instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros

meios (CLAUSEWITZ, 1996). Então, quando Canudos aparece no cenário nacional,

manipula-se toda a opinião pública contra Canudos, pois a República precisava de um inimigo

a altura que unisse toda a nação, tornou-se assim, necessário transformar Canudos em um

perigo real para a mesma, justificando certas ações.

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O Exército via em Canudos um inimigo a ser vencido, mas, não se pode esquecer as

derrotas das 2ª e 3ª Expedições, em que o algoz vitimado com seu orgulho ferido, buscou

reerguer-se diante de toda a sociedade num esforço para expressar sua força e recuperar seu

prestígio, já que cabia-lhe a defesa da República recém instaurada. Suas derrotas colocavam

em xeque o seu poderio e status, então, sem dúvida, a destruição da urbe de Conselheiro

representava a oportunidade de erigir-se perante toda a nação.

Dentro dessa perspectiva militar, os autores vão beber direto da fonte e apresentam o

mesmo pensamentos em relação a Canudos, além do mais, estenderam isto a seus habitantes,

subjugavam os sertanejos apelidados de “beatos”, “fanáticos”, “jagunços” e “bandidos”,

entre outros, demonstrando seu desprezo e muitas vezes colocaram-se acima de todos e,

sobretudo, dentro de uma superioridade racial, taxava-os como componentes de uma subraça.

Portanto, os autores naquele espaço e determinado momento eram homens imbuídos de uma

noção de civilização, progresso e modernidade, e viam tudo aquilo como um retrocesso, pois

vinham de capitais urbanizadas que na época eram vistas como modernas.

O Exército, instituição diretamente envolvida na luta contra Canudos, tem um modo

próprio de entender como se figurava a situação em torno deles. Ele e os seus militares são

responsáveis não só por ter sido o dolo direto pela eliminação de Canudos, como também por

estar ligado, desde o início, à implantação da República, por ser um dos principais sujeitos

dos conflitos políticos daqueles primeiros momentos do novo regime, mas também pelas

funestas denominações sobre Canudos e seus habitantes, pois os militares foram os primeiros

a escreverem sobre o assunto e, é claro, por terem sido formados pela Instituição “Exército”

como Dantas Barreto e Macedo Soares, Euclides da Cunha e muitos outros contribuíram para

o conjunto de expressões que maculam Canudos.

Por isto, estudar como se formou a opinião da instituição sobre esse significativo

acontecimento é contribuir para o entendimento de um importante agente social e político,

para o entendimento de como ele pensa de si próprio, como pensa o país e sua relação com

ele.

Resta-nos somente desconstruir esses tipos de visões que distorcem a realidade dos

fatos apresentando-lhes a real intenção para não cairmos nas armadilhas e não reproduzirmos

estas visões deturpadas do que foi o real movimento conselheiristas.

Page 22: Duas visões sobre canudos

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18 de fevereiro de 1908.