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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, realizada sob a
orientação científica da Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento e co-
orientação científica do Doutorando Nuno Santiago de Magalhães.
2
Aos meus pais, pois com eles aprendi o valor do
amor incondicional, sentido com todas as letras,
e em memória de Ana Carolina,
por me ter ensinado a nunca baixar os braços.
3
AGRADECIMENTOS
As minhas primeiras palavras de gratidão são dirigidas à Universidade Nova de
Lisboa, que me proporcionou uma aventura absolutamente inesquecível nos últimos seis
anos, e à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, onde tive o prazer de travar
conhecimento com docentes, investigadores e colegas provenientes das mais diversas
áreas das Ciências Sociais, e que muito enriqueceram o meu percurso académico e
pessoal.
Gostaria de endereçar uma nota de agradecimento muito especial para a minha
orientadora científica, a Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento, em quem
muito admiro a excelência, a clareza de pensamento, a competência e pragmatismo,
reconhecendo que foi graças à sua perseverança que me foi possível finalizar esta
dissertação. Agradeço-lhe todos os conselhos e tempo disponibilizado durante as
reuniões nas instalações do Observatório Político. Ao Doutorando Nuno Santiago de
Magalhães, com quem partilho a paixão pelos Estudos Asiáticos, a mais profunda
gratidão por ter aceitado o convite para ser meu co-orientador, pela absoluta
disponibilidade demonstrada durante a realização deste trabalho de investigação, e por
todos os valiosos comentários que apenas um especialista nesta matéria seria capaz de
fazer com toda a firmeza e prontidão.
Agradeço também o acolhimento das seguintes instituições, onde fui sempre
recebida com simpatia e cordialidade para a realização da pesquisa bibliográfica: em
Londres, a London School of Economics e a City University London, em Paris, a
SciencesPo e em Lisboa, o Centro de Documentação da Fundação Oriente, o Instituto
Português de Relações Internacionais e o Instituto de Ciências Sociais. À Embaixada
da República Popular da China, à Embaixada do Japão e à Embaixada da República da
Coreia, agradeço não só o apoio prestado à realização da presente dissertação mas
também o cultivo de iniciativas que promovem o interesse do público português pelas
relações internacionais da Ásia, sobretudo as que foram realizadas em parceria com a
Fundação Oriente.
Esta nota de agradecimento não poderia deixar de fazer uma referência
obrigatória a todos os amigos que trago dos tempos da licenciatura em Ciência Política
e Relações Internacionais, na convicção de que poucos estudantes em Lisboa terão tido
a sorte de se cruzar com companheiros tão interessantes, com excecionais qualidades
4
humanas, e com os quais espero partilhar as alegrias futuras por bons e largos anos; à
“família e amigos do Ramalhete”, pelo acompanhamento e revisão do meu trabalho, por
toda paciência e constantes palavras de incentivo. Sem eles, esta tarefa ter-se-ia
revelado bem mais árdua do que a devoção com que foi realizada.
Por último, mas não menos importante, à minha família, a quem dedico esta
dissertação: aos meus irmãos, André Soo-Won e Fátima Itsumi, por completarem o meu
crescimento e estarem sempre do meu lado; à minha mãe, Junko Inoue, a quem
agradeço a educação e a transmissão dos valores de humildade, sacrifício e disciplina; e
ao meu pai, Ricardo Gonçalves Pereira, por ser o meu herói desde o primeiro dia, por
me incutir a paixão pela política internacional e pelos Estudos Asiáticos e uma infidável
sede de conhecimento e descoberta, e por estimular a vontade de me superar a cada dia.
A todos, o meu mais sincero e profundo agradecimento.
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PANDAS, FAISÕES E TIGRES: A CENTRALIDADE DO NORDESTE NO
“NOVO REGIONALISMO” DA ÁSIA ORIENTAL
JOANA YEMI INOUE PEREIRA
[RESUMO]
PALAVRAS-CHAVE: Ásia Oriental, Nordeste Asiático, “Novo Regionalismo”,
Ecleticismo Analítico, pós-Guerra Fria.
Perante os recentes sinais de integração económica e cooperação política que se têm
registado na Ásia Oriental, o objetivo desta dissertação passará por avaliar o papel da
China, Japão e Coreia do Sul no processo de regionalização leste-asiático desde o fim
da Guerra Fria (1990-2010), tendo em conta as oportunidades e os desafios que o “Novo
Regionalismo” representa para a região. Para o efeito, será fundamental o recurso às
Teorias da Regionalização e ao Ecleticismo Analítico como molduras teóricas que
fundamentem as conclusões a que o trabalho se propõe chegar. Ainda neste contexto, e
considerando a inexistência de uma estrutura de segurança multilateral que envolva os
países do Ásia Oriental, propomos contextualizar o papel dos EUA, da Rússia e do
Sudeste Asiático nesta problemática e os obstáculos inerentes ao aprofundamento do
institucionalismo asiático.
6
PANDAS, PHEASANTS AND TIGERS: THE CENTRALITY OF THE
NORTHEAST IN EAST ASIA’S “NEW REGIONALISM”
JOANA YEMI INOUE PEREIRA
[ABSTRACT]
KEYWORDS: East Asia, Northeast Asia, “New Regionalism”, Analythical Eclecticism,
post-Cold War.
In light of the recent signs of economic integration and political cooperation that have
been occurring in East Asia, the aim of this dissertation is to evaluate the role of China,
Japan and South Korea in the process of East Asian regionalization since the end of the
Cold War (1990 -2010), taking into account the opportunities and challenges that the
"New Regionalism" represents to the region. To this end, the Theories of
Regionalization and the Analytical Eclecticism will be of crucial relevance, serving as
theoretical frameworks that substantiate the conclusions of this research. In the same
context, and given the absence of a multilateral security framework involving the
countries of East Asia, we aim to contextualize the role of the U.S., Russia and
Southeast Asia in this matter and the inherent obstacles to deepening the Asian
institutionalism.
7
ÍNDICE
Acrónimos ............................................................................................................................... 8
Introdução ............................................................................................................................. 10
1. Quadros de leitura analítica .......................................................................................... 17
1.1. As «novas» perceções de segurança e regionalização no pós-Guerra Fria ...... 17
1.2. O Nordeste Asiático nas Relações Internacionais ............................................ 32
2. Da velha à nova ordem internacional ........................................................................... 45
2.1. O Sino-centrismo da Ásia Oriental ................................................................... 45
2.2 O declínio da China e a ascensão japonesa ....................................................... 47
2.3. Significado das experiências de sino-centrismo e imperialismo japonês ........ 54
2.4. As heranças da Guerra Fria no Nordeste Asiático ............................................ 56
2.5. O pós-Guerra Fria e a “Nova Ordem Internacional” ........................................ 63
3. O “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental no pós-Guerra Fria ................................... 66
3.1. Experiências frustradas ...................................................................................... 66
3.2. Impulsos regionalistas ....................................................................................... 70
ASEAN+3 ................................................................................................................ 73
East Asia Summit (EAS) .......................................................................................... 76
A proliferação de ACL e de redes de produção transnacionais ............................... 78
3.3. O Nordeste Asiático enquanto protagonista ..................................................... 82
O Panda Gigante....................................................................................................... 85
O Faisão Amistoso ................................................................................................... 91
O Tigre do Meio ....................................................................................................... 95
3.4. Um caminho espinhoso ..................................................................................... 98
O Reino Eremita ..................................................................................................... 100
Uma questão pouco Formosa ................................................................................. 104
Panda ou faisão? ..................................................................................................... 106
3.5. Outros protagonistas ........................................................................................ 112
A Águia do Pacífico ............................................................................................... 112
O Urso Transiberiano ............................................................................................. 116
O Sudeste Asiático ................................................................................................. 120
Conclusão ............................................................................................................................ 122
Bibliografia ......................................................................................................................... 128
Anexos ................................................................................................................................ 138
8
Acrónimos
ACL Ŕ Acordo de Comércio Livre
ACP Ŕ Acordo de Comércio Preferencial
AIEA Ŕ Agência Internacional de Energia Atómica (International Atomic Energy
Agency)
ANEAN Ŕ Associação de Nações do Nordeste Asiático (Association of Northeast Asian
Nations)
APEC Ŕ Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Asia-Pacific Economic
Cooperation)
ARF Ŕ Fórum Regional da Ásia (Asia Regional Forum)
ASEAN Ŕ Associação de Nações do Sudeste Asiático (Association of Southeast Asian
Nations)
BDA Ŕ Banco de Desenvolvimento Asiático (Asian Development Bank)
BMD Ŕ Sistema de Defesa anti-míssil (Ballistic Missile Defence)
CEI Ŕ Comunidade dos Estados Independentes
CSNU Ŕ Conselho de Segurança das Nações Unidas
DPP Ŕ Democratic Progressive Party (partido independentista de Taiwan)
EAEC Ŕ East Asian Economic Caucus
EAVG Ŕ East Asia Vision Group
EUA Ŕ Estados Unidos da América
FBA Ŕ Fórum Boao para a Ásia
FMA Fundo Monetário Asiático
ICM Ŕ Iniciativa Chiang Mai
ICNAPP Ŕ Iniciativa de Cooperação do Nordeste Asiático para a Paz e Prosperidade
KEDO Ŕ Korean Peninsula Energy Development Organization
KMT Ŕ Kuomitang
LWR Ŕ Reatores de Água Leve (Light Water Reactor)
OI Ŕ Organização Internacional
ONG Ŕ Organização Não Governamental
PCC Ŕ Partido Comunista Chinês
PME Ŕ Pequenas e médias empresas
RDPC Ŕ República Democrática Popular da Coreia
9
RPC Ŕ República Popular da China
RSCT Ŕ Teoria do Complexo de Segurança Regional (Regional Security Complex
Theory)
TPP Ŕ Parceria Trans-Pacífico (Trans-Pacific Partnership)
UMA Ŕ Unidade Monetária Asiática
URSS Ŕ União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
WMD Ŕ Armas de Destruição Maciça (Weapons of Mass Destruction)
10
Introdução
O interesse pelo presente tema resultou do carácter paradoxal inerente à
importância geopolítica e geoeconómica do Nordeste Asiático, que contrasta com o
facto de ser uma das regiões mais voláteis e sensíveis do mundo. Se é verdade que os
países do Nordeste Asiático representam 1/5 do PIB mundial (FMI), não devemos
esquecer a vulnerabilidade a que estão expostos, tendo em conta a sensibilidade de
alguns dos efeitos da memória histórica, a perpetuação de rivalidades e a presença de
potências nucleares.
O corte temporal que definimos para estudar a forma como os países da Ásia
Oriental têm manifestado um interesse crescente em relação à regionalização
corresponde ao pós-Guerra Fria, nomeadamente as décadas de 1990 e 2000. A escolha
recaiu sobre este período devido às particularidades desta “nova era” no contexto
asiático. É fundamental recordar que o fim da bipolaridade na Europa não acompanhou,
temporalmente, o fim do Comunismo na Ásia Oriental, uma vez que a China, a Coreia
do Norte e o Vietname continuaram a ser governados por partidos comunistas. De facto,
o fim da Guerra Fria teve impactes muito diferentes na Europa e na Ásia: a queda do
muro de Berlim pôs termo à divisão europeia e ao domínio comunista no continente, o
que acabou por permitir a consolidação e o alargamento do projeto da União Europeia;
por contraste, na Ásia Oriental, o domínio comunista não desapareceu mas a dissolução
da URSS e a ascensão chinesa permitiram o reequilíbrio regional da balança de poderes.
No que diz respeito à delimitação geográfica do objeto de estudo (Anexo 1), e
embora não seja fácil estabelecer uma definição precisa de Nordeste Asiático, uma vez
que esta unidade geográfica envolve toda a área do Japão, Mongólia e Península
Coreana, mas também algumas parcelas territoriais da China e Rússia e Estados Unidos1
(Kim, em Friedman e Kim, 2006: 8), distinguimos a China, o Japão e a Coreia do Sul
como os atores centrais do Nordeste Asiático (Rozman, 2004: 3). Não obstante, e ainda
que o envolvimento geográfico dos EUA e da Rússia não seja total, o seu peso
geopolítico, geoestratégico e geoeconómico são fundamentais para a região, pelo que
optámos por analisar o seu contributo no âmbito desta dissertação.
Tal como o próprio título sugere, este trabalho este trabalho propõe analisar a
influência dos países do Nordeste Asiático no regionalismo da Ásia Oriental, definida
1 Guam.
11
por autores asianistas (Beeson e Stubbs, 2012: 365; Dent, 2008: 4) como integrando as
sub-regiões do Nordeste e Sudeste2 Asiáticos.
A revisão da literatura sugere que esta distinção parece fazer sentido, tendo em
conta que a única experiência regionalista da Ásia Oriental antes de 1990 coincidiu com
a criação da ASEAN, em 1967. No entanto, tal como apontam as estatísticas do Anexo
2, as razões para nos centrarmos no papel do Nordeste Asiático enquanto potenciador ou
obstrutor do regionalismo asiático são evidentes: só esta sub-região é responsável por
mais de 80% do PIB, das reservas cambiais e das despesas militares da Ásia Oriental,
bem como por mais de 70% da população total e da força militar humana disponível
(percentagens relativas a 2009, Calder e Ye, 2010: 13). Na sequência dos recentes
progressos de regionalismo e regionalização, a Ásia Oriental tem-se tornado uma
entidade mais coesa e coerente (Pempel, 2005: 2; Dent, 2008: 4; Calder e Ye, 2010: 31),
graças ao interesse crescente de “Pandas, Faisões e Tigres” na integração regional, o
que permitiu a expansão do regionalismo do Sudeste Asiático para uma área geográfica
mais alargada que inclui os países do Nordeste Asiático.
A questão de partida “Qual o contributo dos três atores-chave do Nordeste
Asiático para o „Novo Regionalismo‟ da Ásia Oriental?” permite a clara identificação
do objeto de estudo (o “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental), medido pelo 1) rápido
aumento das relações económicas, 2) pelo estreitamento das relações políticas
(nomeadamente através de cimeiras e organizações que definem objetivos de ação
coletiva), 3) pela crescente integração social (sobretudo através da migração laboral), 4)
pela partilha consciente da identidade regional e 5) por uma ampla agenda de segurança
para resolver tensões e garantir a estabilidade (Rozman, 2004: 6). Em termos
institucionais, será dada uma atenção especial aos desenvolvimentos da ASEAN+3 e
EAS, não só por incluírem todos os membros da Ásia Oriental mas sobretudo por terem
assumido um protagonismo central no ““Novo Regionalismo”” leste-asiático. Embora
as Six-Party Talks contem apenas a RPC, o Japão, a Coreia do Sul, a Coreia do Norte, a
Rússia e os EUA na resolução de um problema específico (a desnuclearização da Coreia
do Norte), o facto de estas conversações se afigurarem como a única moldura de
segurança multilateral presente na região merece que as suas dinâmicas sejam estudadas
à luz das políticas externas dos Estados envolvidos, para que seja possível obter uma
2 Brunei, Camboja, Timor-Leste, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e
Vietname.
12
percepção real sobre a forma como afetaram as relações do Nordeste Asiático e sobre a
viabilidade da sua evolução no sentido do “institucionalismo hard”.
Na verdade, a curiosidade pelo estudo do regionalismo na Ásia Oriental surgiu
com a verificação empírica de que o Nordeste Asiático é uma sub-regiões
geoeconómicas mais importantes do mundo que carece de um quadro de segurança
regional, idêntico à NATO ou à OSCE, quando “à primeira vista, o Nordeste Asiático
parece ter o que é preciso para estabelecer uma comunidade reconhecida com as suas
próprias organizações formais e consciência regional” (Rozman, 2004: 1). Neste
contexto, será pertinente investigar se houve um interesse reduzido por parte destes
países na criação de uma moldura de segurança multilateral e as razões que terão
motivado os EUA a apoiar a criação de instituições de segurança na Europa mas não na
Ásia, numa tentativa de responder à questão colocada por Christopher Hemmer e Peter
Katzenstein, em 2002: “Why is there no NATO in Asia?” (Hemmer e Katzenstein,
2002:575 cit. por Davison, em Connors et al., 2004: 1), aproveitando para discutir se as
Six-Party Talks se deverão assumir como o quadro de segurança multilateral
preferencial.
Durante o período em análise, o Nordeste Asiático desenvolveu um
“institucionalismo soft”, entendido à luz dos valores da “ASEAN Way”, que enfatiza o
diálogo e a resolução pacífica de conflitos (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008:
213). A “ASEAN Way” foi apresentada como uma peculariedade do regionalismo
asiático, resultante das suas raízes culturais. Por se focar no minimalismo
organizacional e na obtenção de consenso, os líderes asiáticos defendem que o seu
regionalismo é distinto e mais eficaz devido a falta da institucionalização (Acharya e
Johnston, 2007: 11). Mas existirão indicadores de que esta sub-região esteja disposta a
desenvolver um “institucionalismo hard”, à imagem das normas e instituições
ocidentais?
O debate sobre o futuro da Ásia ganhou novo ímpeto com o fim da Guerra Fria,
dividindo os que acreditavam que a Ásia poderia evoluir no sentido de uma nova ordem
regional estável (Pempel, 2005, Calder e Ye, 2010, Beeson e Stubbs, 2012) e os que
defendiam que a Ásia estaria condenada ao caos e à desordem, à imagem do passado
europeu (Friedberg, 1993). Neste seguimento, o propósito desta dissertação passará
também por caracterizar a evolução do tradicional Sistema de São Francisco para os
atuais contornos do “Novo Regionalismo” asático e calcular, tendo em conta os
13
desenvolvimentos das últimas duas décadas, se o “vazio organizacional” (Frost e Kang
em Aggarwal et. al., 2008: 213; Calder e Ye, 2010), i.e, a ausência de uma organização
de segurança coletiva, poderá ser colmatado a curto ou médio prazo com o
desenvolvimento de instituições capazes de responder às necessidades decorrentes da
crescente interdependência económica e aos problemas de segurança que estão por
resolver.
Fontes e Metodologia
A presente dissertação procurará ir ao encontro dos “objectivos educativos”
traçados no plano de estudos da área de especialização em Estudos Políticos de Área, e
que se trazudem na (i) articulação de conhecimentos teóricos aprofundados e
competências metodológicas de investigação sobre os sistemas de interdependências
político-económicas, à escala de macro-regiões geopolíticas situadas em contexto de
globalização; (ii) no aprofundamento do conhecimento sobre as dimensões política e
económica, a nível interno e externo, dos países e das regiões envolvidas; e (iii) na
compreensão global dos desafios internacionais, numa perspectiva interdisciplinar,
capacitadora para a participação em processos de apoio à análise estratégica e à tomada
de decisão.
Para o efeito, a abordagem ao tema proposto será do tipo compreensivo, e partirá
do recurso a algumas fontes primárias (tratados, declarações conjuntas, discursos) mas
sobretudo a fontes secundárias (revisão da literatura). A bibliografia dedicada à
problemática em análise é bastante recente Ŕ sobretudo desde a década 2000 Ŕ, contando
particularmente com os trabalhos de Samuel Kim em The International Relations of
Northeast Asia, Edward Friedman e Sung Chull Kim em Regional Cooperation and its
Enemies in Northeast Asia: The impact of domestic forces (2006), Shunji Cui em
Beyond Rivalry? Sino-Japanese Relations and the Potential for a „Security Regime‟ in
Northeast Asia (2007), Vinod Aggarwal et. al em Northeast Asia: Ripe for Integration
(2008), Kent Calder e Min Ye em The Making of Northeast Asia (2010) e Mark Beeson
e Richard Stubbs em The Routledge Handbook of Asian Regionalism (2012).
A perspectiva teórica das relações internacionais utilizada para responder à
questão de partida é a do Ecleticismo Analítico, que conjuga as escolas Realista, Liberal
e Construtivista, permitindo assim que o papel do Nordeste Asiático no “Novo
Regionalismo” da Ásia Oriental seja analisado à luz de três variáveis Ŕ poder,
14
interdependência económica e identidade Ŕ que se enquadram no contexto da ascensão
chinesa, da estagnação económica japonesa, das dinâmicas na Península Coreana, da
negligenciação americana pelos assuntos asiáticos e da ressurgência da Rússia e que
serão devidamente exploradas no primeiro capítulo.
O primeiro nível de análise identifica-se largamente com o argumento realista,
procurando estabelecer uma ligação entre o declíneo da hegemonia dos EUA na região e
a ascensão chinesa na explicação do reequilíbrio sistémico do sistema internacional.
A segunda dimensão vai de encontro às premissas liberais, que estabelecem uma
correlação entre interdependência económica e redução do conflito (Alagappa, 2003:
280), ou que defendem o spillover da cooperação económica para a cooperação
securitária.
Por fim, o peso da identidade na construção de uma comunidade regional na
Ásia Oriental corresponde ao argumento construtivista de que o Nordeste Asiático
pertence à “área cultural chinesa” (Fairbank et. al, 1989 cit. por Alagappa, 2003: 217), e
que a alteração dos padrões de cultura e a assimilação de uma identidade regional foram
determinantes no interesse regionalista por parte destes países.
Os factores causais supracitados fazem-se acompanhar de três momentos críticos
(“shifts temporais”) que foram determinantes para o aprofundamento da integração
regional na Ásia Oriental, a que chamamos “choques triplos”, em conformidade com a
designação atribuída em por Aggarwal (2008), e que correspondem ao Fim da Guerra
Fria, à Crise Financeira Asiática de 1997-98 e aos Atentados de 11 de Setembro de
2001.
A interdependência do Nordeste Asiático exerce alguma pressão sobre o “vazio
organizacional” existente. Antes de 2000, por exemplo, 25 das 30 maiores economias
do mundo eram membros de Acordos de Comércio Livre (ACL) ou de Uniões
Aduaneiras, sendo que as 5 economias que ficavam fora desta tendência estavam
localizadas no Nordeste Asiático (China, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Hong-Kong).
Posto isto, de que forma é que os impulsos regionalistas explicam o impressionante
envolvimento destes países em ACL regionais, sem que o institution-building tenha
acompanhado a integração económica?
A literatura institucionalista sugere que os sujeitos internacionais esperam que
tanto as instituições regionais como as internacionais sejam consistentes, duradouras, e
eficientes do ponto de vista da resolução de conflitos, criando expectativas sobre a
criação de uma “paz estável” (Nye, 2000: 45). Neste sentido, as instituições
15
internacionais podem ser definidas como “explicit arrangements, negotiated among
international actors, that prescribe, proscribe, and/or authorize behavior‟‟ (Koremenos,
Lipson, e Snidal, 2001:762, cit. por Duffield, 2007: 2). Dentro destas categorias, há
quem defenda que as instituições internacionais devem produzir resultados duradouros e
vinculativos (cf. Wessels (1997: 267-299) cit. por Frost e Kang, em Aggarwal et. al.,
2008: 232) e quem considere que as instituições devem funcionar como espaços de
diálogo onde os Estados possam expressar as suas prioridades e preferências,
desenvolver a confiança mútua e tomar decisões coletivas (cf. Henning (2004: 4-5) cit.
por Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 232).
Assim, se quantificarmos a força das instituições regionais, em que a escala
varia entre instituições do tipo fraco (exemplos: ASEAN+3 e EAS) e forte (exemplo:
UE), segundo o carácter vinculativo das suas normas, será do nosso interesse reconhecer
se durante as últimas duas décadas a Ásia Oriental evidenciou uma propensão para
consolidar o seu institucionalismo regional ou se, por contraste, se mostrou mais
interessada na manutenção da fraqueza das suas instituições multilaterais.
Estrutura da dissertação
No capítulo inicial “Quadros de leitura analítica”, serão abordadas as “novas
perceções” de segurança no pós-Guerra Fria e o crescente interesse pelos processos
regionalismo e regionalização, aproveitando para clarificar estes conceitos e para
introduzir o debate sobre os complexos de segurança regionais e sobre o “Novo
Regionalismo”. De seguida, será traçado o Estado da Arte sobre a adaptação das teorias
das relações internacionais à realidade do Nordeste Asiático, com destaque para o
Ecleticismo Analítico.
No capítulo “Da velha à nova ordem internacional”, procuraremos desenhar o
quadro evolutivo da estrutura regional, desde o seu passado sinocêntrico e ascensão
imperial japonesa até ao estabelecimento do Sistema de São Francisco e da nova ordem
do pós-Guerrra Fria.
O terceiro capítulo, intitulado “O „“Novo Regionalismo”‟ da Ásia Oriental no
pós-Guerra Fria”, corresponde à exploração do argumento central da dissertação. Numa
primeira análise, começamos por avaliar o falhanço de instituições regionais como a
APEC, ARF e KEDO na formação de uma comunidade regional. A Crise Financeira
Asiática de 1997-98 constitui um dos principais impulsos regionalistas apresentados
16
neste capítulo, sendo imediatamente seguida pela criação da EAS e ASEAN+3,
instituições sobre as quais verteremos uma atenção redobrada. Seguidamente, o Panda
Gigante (China), o Faisão Amistoso (Japão) e o Tigre do Meio (Coreia do Sul)
assumirão o protagonismo deste capítulo, o que significa que os avanços e recuos das
suas políticas regionalitas serão analisados no contexto das respetivas políticas internas
e externas.
Por fim, para uma abordagem ao tema do regionalismo leste-asiático que se
deseja tão completa quanto possível, não poderíamos deixar de fazer referência aos seus
obstáculos Ŕ o Reino Eremita (Coreia do Norte), a Questão pouco Formosa (Taiwan) e
a permanente disputa entre o Panda e o Faisão (rivalidade-sino-japonesa) Ŕ que nos
poderão ajudar a explicar as dificuldades em encontrar um quadro de segurança
multilateral comum para os países do Nordeste Asiático. Para o mesmo efeito, o papel
assumido pelos protagonistas do “Novo Regionalismo” será melhor compreendido com
a devida referência aos atores secundários, neste caso a Águia do Pacífico (EUA), o
Urso Transiberiano (Rússia) e o Sudeste Asiático, para que os seus posicionamentos
possam ser contextualizados na formação do novo desenho geoestratégico e
geoeconómico da Ásia.
17
1. Quadros de leitura analítica
1.1. As «novas» perceções de segurança e regionalização no pós-Guerra Fria
Após o colapso da União Soviética, o mundo assistiu à intensificação de processos
de integração, o que provocou um crescente interesse pela Regionalização e pelos
Estudos de Área, sobretudo a partir dos primeiros anos do século XXI.
Embora ninguém duvidasse que a estrutura securitária internacional tivesse sofrido
profundas alterações, os seus novos contornos estavam longe de ser totalmente
consensuais. O fim do bipolarismo deu uma nova margem de manobra aos poderes
locais, dando um novo protagonismo à segurança regional (Katzenstein, 2000; Acharya
e Johnston, 2007: 1; Kagan, 2008: 4-6):
“First, and most obviously, it lifted the superpower overlay from Europe, and radically
changed the pattern of superpower penetration in Northeast Asia. With the implosion of the
Soviet Union in 1991, it also brought fifteen new states, and a new RSC3, into the game.
Second, by removing ideological confrontation and Soviet power from the equation, it
greatly changed both the nature and the intensity of global power penetration into third
world RSCs (…). Third, the ending of the Cold War exposed, and in many ways reinforced,
the shift in the nature of the security agenda to include a range of non-military issues and
actors, which had been visible since the 1970s.” (Buzan, 2003: 16-17).
Evolução do conceito de segurança
O conceito de segurança é “um conceito essencialmente contestado”4 (Baldwin,
Buzan, Emmers, Little, Smith, Tow). De facto, como alertou Arnold Wolfers, se o
conceito de segurança não for abordado especificamente, em termos de valores a
salvaguardar e ameaças identificadas, corre o risco de ser um conceito demasiado
ambíguo. Em 1952, Wolfers escreve um artigo para a Political Science Quarterly,
intitulado “National Security as an Ambiguous Symbol”, no qual argumenta que a
definição de segurança nacional nunca foi um conceito estável, constituindo, na
verdade, uma simbologia ambígua com uma significação diferenciada.
3 Complexo de Segurança Regional: a abordagem teórica ao conceito será desenvolvida na página 27.
4 Expressão originalmente empregada por W. B. Gallie, “Essentially Contested Concepts”, Proceedings of
the Aristotelian Society, N.S., 56 (1956), pp. 167Ŕ198.
18
“Objetivamente”, “segurança nacional significa a ausência de ameaças a valores
adquiridos” e, “subjetivamente, a ausência do medo que esses valores sejam atacados”
(Wolfers, 1952: 481-485). Como a expressão “ausência de ameaças” não é, por si só,
menos ambígua, podemos reformular a definição de segurança, segundo Wolfers, como
uma “probabilidade baixa de risco para os valores adquiridos” (Baldwin, 1997: 13), de
forma a centralizar o foco da análise na preservação dos valores adquiridos e não na
existência ou inexistência de ameaças (Baldwin, 1997: 13).
Durante o período da Guerra Fria, o conceito de segurança estava intimamente
ligado ao Realismo, à componente militar e à dimensão dos Estados-Nação (segurança
do Estado e pelo Estado). Uma definição clássica do conceito em análise é dada por
Bellany (1981: 102): “Security [...] is a relative freedom from war, coupled with a
relatively high expectation that defeat will not be a consequence of any war that should
occur” e Walt, que define os estudos de segurança como o estudo da ameaça, controlo e
uso da força militar (Walt, 1991: 212). As diferentes abordagens ao conceito de
segurança (balança de poderes, bipolarismo, containment e deterrence) desenvolveram-
se em paralelo com o conflito Este-Oeste, numa altura em que a presença das armas
nucleares, pela sua força destrutiva, alterou o panorama das Relações Internacionais.
Não obstante, o fim da Guerra Fria pôs termo à estrutura bipolar e abriu a discussão
se o mundo se tornaria unipolar ou multipolar depois de 1990 (Mearsheimer, 1990).
As críticas à conceção realista não demoraram a surgir, por negligenciar uma série
de parâmetros não militares e por reduzir o nível da análise aos Estados, já que estes
deixaram de ser vistos, exclusivamente, como as principais referências de segurança. As
preocupações resultantes da sobrevivência do Estado deixaram de estar confinadas às
fronteiras nacionais e às fações intra-estatais (Tow, 2009). Com a proliferação de
organizações intergovernamentais e não-governamentais, a validade das teorias
existentes foi posta em causa. Houve uma necessidade de compreender melhor o
conceito de segurança, muito devido à mudança da natureza da guerra nas últimas
décadas. Alguns autores, como Ullman (1983: 123), sublinharam que definir segurança
nacional apenas em termos militares fornece uma imagem profundamente distorcida da
realidade. Outros, como Baldwin, enfatizaram a negligenciação do conceito de
segurança: “Paradoxical as it may seem, security has not been an important analytical
concept for most security studies scholars. [...] Security has been a banner to be flown, a
label to be applied, but not a concept to be used by most security studies specialists
(Baldwin, 1997: 9). Também Barry Buzan constatou que os analistas dos Estudos de
19
Segurança se deparavam com o estado subdesenvolvido da noção de segurança
enquanto conceito de Relações Internacionais (Buzan, 1983: 3).
Tendo em consideração a pletora de tentativas para redefinir o conceito de
segurança no pós-Guerra Fria (cf. Tickner e Emma Rothschild), depreendemos que o
conceito não terá merecido a devida atenção na academia durante o período que
antecedeu a queda da União Soviética e ter-se-á tornado mais complexo e multifacetado
no período posterior. Durante os anos da Guerra Fria, os estudos de segurança
centraram-se sobretudo na gestão das relações entre dois blocos altamente militarizados
e, portanto, o entendimento do conceito de segurança pressupunha sempre a existência
de forças militares.
O contributo de Barry Buzan, percursor da Escola de Copenhaga5, para o
desenvolvimento dos Estudos de Segurança foram cruciais, já que acrescentaram o
sector político, o económico, o social e o ecológico ao já tradicional sector militar.
Em People, States and Fear, Barry Buzan alerta que a abordagem ao conceito de
segurança aplicado à realidade nacional (Segurança Nacional) e é muitas vezes feita em
termos de poder e paz. Enquanto a escola realista privilegia a perspetiva do poder, já
que este constitui o principal motivo para o comportamento dos Estados, a escola
idealista prefere a abordagem holística da paz. O autor defende o desenvolvimento mais
aprofundado do conceito de segurança que, segundo o próprio, deve ser estudado no
intermédio dos dois extremos de poder e paz: “ (…) security is more usefully viewed as
a companion to, rather than a derivative of power, and that it is more usefully viewed as
a prior condition of peace than a consequence of it.” (Buzan,1983: 2).
5 A Escola de Copenhaga, ou Copenhagen School na sua versão original, foi reconhecida como escola de
pensamento a partir da obra de Bary Buzan, People, States and Fear: The National Security Problem in
International Relations (1983). Desta linha de pensamento, acabou por sair a obra Security: A New
Framework for Analysis (1997), que Buzan escreveu em co-autoria com Ole Wæver e Jaap de Wilde. Não
só nesta obra, como numa série de publicações ao longo da década de 1990, Buzan desenvolveu a noção
de segurança social (societal security) como a forma mais eficaz de compreender a agenda de segurança
que emergiu no final da Guerra Fria. Ao passo que a segurança nacional tinha a soberania como valor
central, a segurança social centra-se na identidade, enquanto valor capaz de manter os padrões
tradicionais de identidade nacional e religiosa, de língua, cultura e costumes (Smith, 2002, p. 2). A Escola
deu uma ênfase especial ao conceito de “securitização”, ao qual é atribuído um carácter subjetivo, por
procurar um entendimento mais preciso de quem procura a securitização (“who securitizes?”), quais são
as ameaças (“on what issues?”), quais são os objectos de referência (“for whom?”), porquê se procura a
securitização (“why?”), para que resultados (“with what results?”) e, não menos importante, sob que
condições se securazita (i.e, explica se a securitização será bem sucedida). Esta abordagem da
securitização está diretamente relacionada com os cinco sectores referidos por Buzan na definição de
segurança (sector militar, político, o económico, o social e o ecológico) (Smith, 2002: p.3). Por último, a
Escola de Copenhaga também se destacou por defender a “segurança regional” e a Teoria do Complexo
de Segurança Regional (RSCT), fórmula que será desenvolvida mais à frente neste capítulo (cf. Buzan,
Regions and Powers: The Structure of International Security, 2003).
20
A crítica que Buzan faz à literatura sobre esta matéria prende-se com a
compreensão ambígua e limitada que o conceito de segurança tem sofrido (Buzan,
1983: 4-11). Algumas hipóteses que o autor levanta para explicar a dificuldade em
encontrar um consenso na definição de segurança podem passar pela complexidade das
questões que o conceito levanta, tornando-se pouco atrativo para muitos investigadores;
pela linha ténue que separa este conceito da conceção de poder à luz da teoria realista
ou pela oposição à teoria realista da interdependência. Uma quarta hipótese explicativa
para o subdesenvolvimento do conceito de segurança vai de encontro à conveniência
dos decisores políticos, que preferem manter a ambiguidade simbólica do conceito de
segurança nacional (Buzan, 1983: 4-11).
Como vimos, a definição de segurança tem sido associada, ao longo dos tempos, à
teoria realista das relações internacionais. Nenhuma outra escola de pensamento
enfatiza a segurança como o Realismo. Para o efeito, recorde-se a passagem de Kenneth
Waltz quando afirma que em anarquia, a segurança é o fim último: “Only if survival is
assured can states seek such other goals as tranquility, profit, and power.” (Waltz cit. por
Baldwin, 1997: 21).
Em “The Logic of Anarchy: Neorealism to Structural Realism” (Buzan, et al.
1993), Buzan, Jones e Little tentam destrinçar Neorrealismo e Realismo Estrutural,
citando Gilpin, que aponta para três assunções políticas comuns aos realistas: a
primeira, de que a natureza da política internacional é essencialmente conflitual; a
segunda, de que a essência da realidade social é o grupo e não o indivíduo e
particularmente o grupo-conflito, seja ele Tribo, Cidade-Estado, Reino, Império, ou
Estado-Nação; e por último, mas não menos importante, de que a primeira motivação
humana em toda a vida política é poder e segurança (Keohane, 1986: 164-165).
Se para os realistas, a estabilidade6 explica-se através das teorias de balança de
poderes e/ou teorias hegemónicas, para os liberais a distribuição de poder Ŕ hegemónica
ou balançada/paritária Ŕ não explica o fenómeno da estabilidade. “As perceções,
instituições e relações de interdependência também importam, uma vez que dão uma
forma mais precisa à compreensão dos interesses nacionais e ameaças de
segurança”(Ikenberry e Mastanduno, 2003: 3). Os liberais tendem assim a enfatizar os
efeitos pacifistas das instituições regionais, do comércio e dos regimes democráticos.
6 Estabilidade é aqui definida como “a ausência de um conflito militar, económico ou político sério entre
estados-nação” (Ikenberry e Mastanduno, 2003: 2).
21
Os liberais acreditam no melhoramento das relações entre as nações e rejeitam a lei
da selva aplicada à política internacional (cf. Doyle, 1997:19). Para os liberais, a
estabilidade explica-se pela importância das instituições e da interdependência. Os
institucionalistas liberais defendem que as instituições internacionais facilitam a
cooperação e “reduzem obstáculos” como “a incerteza e os custos de transação”
(Ikenberry e Mastanduno, 2003: 13). Os teóricos da Paz Democrática argumentam que
as estruturas de um Estado democrático possibilitam mecanismos institucionais que
inibem a violência das relações com outros Estados democráticos: “(…)“ordens
políticas mais institucionalizadas são geralmente vistas como mais estáveis e
desenvolvidas” (Ikenberry e Mastanduno, 2003: 13). Não só Doyle (1997), mas também
Russett e Antholis (1992) recorrem ao argumento empírico de que Estados
democráticos não entram em guerra entre si para sustentar a tese da Paz Democrática,
cujas raízes remontam à Paz Perpétua de Kant (1795).
William Case foi, recentemente, uma voz crítica do Liberalismo Democrático, ao
mencionar uma relação altamente ambígua entre tipos de regime e segurança na Ásia
Oriental (Case, 2009: 123 cit. por Peou in Beeson e Stubbs, 2012: 280). De acordo com
Case, o autoritarismo asiático é tanto capaz de cooperar no incremento da paz e
estabilidade regionais como os Estados democráticos. Ainda assim, para Sorpong Peou,
o criticismo de Case não é tão convincente assim, já que o autor alicerça o seu
argumento em regimes autoritários e “novas democracias”, que não são facilmente
distinguíveis. Se estas chamadas “novas democracias” violarem Direitos Humanos, põe-
se a questão da efetividade democrática, já que a democracia não se resume a eleições
multipartidárias (Peou in Beeson e Stubbs, 2012: 280).
Não obstante, e insatisfeitos com a perspetiva analítica herdada da Guerra Fria,
vários autores enveredaram pela análise do conceito de segurança à luz de outras teorias
das Relações Internacionais.
Pouco a pouco, o construtivismo foi conseguindo maior destaque nos debates sobre
teoria das relações internacionais. O fim da Guerra Fria desempenhou um papel
importante na legitimação das teorias construtivistas, já que tanto o realismo como o
liberalismo não anteviram esta possibilidade e tiveram mesmo alguma dificuldade em
explicá-la (Smith, 2002: 30). Os construtivistas, ao enfatizarem o poder das ideias e das
identidades, acreditam que o fim do confronto bipolar se ficou a dever ao facto de
Gorbatchev ter adotado a ideia de “segurança comum”.
22
Se transpassarmos para a dimensão securitária, a célebre expressão de Alex Wendt,
de que “a anarquia é o que os Estados fazem dela”, então a segurança é o que fazemos
dela (Smith, 2002: 3).Para os construtivistas, uma comunidade de segurança é aquela
que é socialmente construída, logo, se a estrutura do sistema internacional é passível de
ser transformada, a segurança pode ser construída através da comunidade e não
obrigatoriamente por intermédio de poder (Smith, 2002: 3).
O colapso da União Soviética abriu espaço para as perspectivas culturais e
sociológicas nas Relações Internacionais: “os sociais construtivistas desviaram a sua
atenção do poder e segurança para evidenciar que as variáveis ideacionais são
importantes e como e porquê as políticas de identidade importam na política global do
pós-Guerra Fria. (…) A identidade de um Estado (…) provê o quadro cognitivo para [o
Estado poder] delinear os seus interesses, preferências, visão do mundo e consequente
ação de política externa”(Kim, 2004: 41).
Ao fim desta resumida contextualização conceptual, e cientes da dificuldade em
obter consenso por parte das escolas de pensamento tradicionais em matéria de Relações
Internacionais, e nos Estudos de Segurança em particular, optamos por adotar a
definição de comprehensive security no contexto asiático, que Alagappa define como “a
segurança que vai para além da esfera militar (sem a excluir) para abarcar as dimensões
políticas, económicas e socioculturais” (Alagappa, 1998: 624). Para o autor, a
componente central da comprehensive security é a “sobrevivência política”, que aqui é
entendida em termos de garantia da soberania nacional e da integridade territorial, bem
como do desenvolvimento socioeconómico e estabilidade política (Alagappa, 1998:
624).
Neste seguimento, a clareza da definição empregada por Luís Tomé merece também
a devida referenciação, por nos ajudar a balizar este conceito “essencialmente
contestado”: segurança é assim definida como “a proteção e a promoção de valores e
interesses considerados vitais para a sobrevivência política e o bem-estar da
comunidade7, estando tanto mais salvaguardada quanto mais perto se estiver da ausência
de preocupações militares, políticas e económicas”8.
A preferência por esta construção conceptual deriva da substituição gradual que a
noção de Paz Negativa (ausência de violência) tem vindo a sofrer em detrimento da
7 Sendo que comunidade se pode referir a um estado ou a entidades infra-, inter- ou supra- estaduais.
8 Tomé, Luís (2010) "Segurança e Complexo de Segurança: conceitos operacionais" in JANUS.NET e-
journal of International Relations, n.º 1, Outono 2010. Consultado [online] em 16/05/2012,
janus.ual.pt/janus.net/pt/arquivo_pt/pt_vol1_n1/pt_vol1_n1_art3.html.
23
ideia de Paz Positiva, mais duradoura e muitas vezes definida em situações de pós-
conflito, incluindo democracia e desenvolvimento económico.9
Existem ainda outras abordagens teóricas ao conceito de segurança, desenvolvidos
pelos estudos de segurança humana, feminista, crítica, socialista ou pós-estruturalista
que se encontram bem consolidadas na literatura. Contudo, por não abrangerem a
diversidade e complexidade dos estudos de segurança do Nordeste Asiático, a nossa
preferência recai sobre o conceito de comprehensive security, por servir de “chapéu-
conceptual” às ameaças e dinâmicas de cooperação em estudo.
Teorias da Regionalização
Antes de aprofundarmos as problemáticas que ligam as teorias da regionalização ao
problema inicialmente proposto, é fundamental que se tornem claros os conceitos de
região, regionalismo e regionalização.
As tentativas de definir região ao longo do tempo revelaram-se, não raras vezes,
vagas e pouco precisas. Como afirmou Karl Deutsch “para um cientista político, a
definição de região é consideravelmente mais difícil do que a definição de rosa era para
Gertude Stein” (Deutsch, 1969: 93 cit. por Langenhove, 2011: 63). Walter Isard define
região como “uma generalização simples da mente humana” (cit. por Nye, 1968: vii),
enquanto Joseph Nye, para se referir a uma região internacional, fala “num número
limitado de Estados ligados por uma relação geográfica e por um nível de
interdependência mútua" (Nye, 1986).
Para que haja alguma clareza conceptual, adotamos a conceção construtivista de que
uma região é uma construção humana e, sendo “sempre um facto institucional, é
também uma ideia” (Langenhove, 2011: 64). Langenhove aponta ainda três condições
necessárias para que uma determinada área geográfica seja considerada região: em
primeiro lugar, deve ser posicionada por outros atores como uma região (“a região
existe”); segundo, as pessoas devem posicioná-la como um ator (“a região é um ator”);
e terceiro, as pessoas devem percecionar-se como atores e geradores de significado, em
nome da região (“a região atua”). “Em termos de segurança”, e segundo Barry Buzan,
“region means that a distinct and significant subsystem of security relations exits among
9 Shaw (1996) cit. por Stadtmüller (2005): 106.
24
a set of states whose fate is that they have been locked into geographical proximity with
each other (Buzan, 1991: 188).
Paralelamente, por regionalismo entende-se a “política ou projeto por meio do qual
atores estatais e não-estatais cooperam e coordenam estratégias dentro de uma dada
região (…). O regionalismo tem como propósito perseguir e promover objetivos
comuns numa ou mais áreas (…) [e] varia entre promover um sentimento de
consciência regional ou comunidade através da consolidação de grupos e redes
regionais – soft regionalism Ŕ ou através de grupos pan- ou sub-regionais formalizados
por acordo ou organização interestadual Ŕ hard regionalism” (Fawcett em Marry Ferrel
et al., 2005: 24).
O regionalismo pode ser parte de um novo modelo de governança, como foi
arquitetado por Anne-Marie Slaughter em “A New World Order”, e que “em muito
divergia da ordem proposta pelo Presidente Bush no despertar da Guerra do Golfo, em
1991” (Slaughter cit. por Fawcett em Marry Ferrel et al., 2005: 24). De facto, como
argumentou Henry Nau, a força das organizações regionais pode ser maior do que a dos
nacionalismos (Estados), da fragmentação (ONG‟s) e da globalização (OI‟s)
(Katzenstein, 2005 cit. por Nau, 2007: 385).
O termo regionalismo é, não raras vezes, confundido com regionalização. Enquanto
o primeiro constitui uma política ou projeto, o segundo corresponde ao processo e, à
semelhança da globalização, pode resultar de forças espontâneas ou autónomas
(Fawcett em Marry Ferrel et al., 2005: 24). Da mesma forma, enquanto o primeiro é
tradicionalmente associado ao processo de criação de instituições por parte dos Estados-
Nação, o segundo aproxima-se de uma abordagem bottom-up, liderada pelos mercados e
sectores privados (Pempel 2005: 19).
A reboque da globalização, a regionalização cresceu a passos largos e tanto o
número de novas organizações como o de novos membros cresceu exponencialmente
(Fawcett em Marry Ferrel et al., 2005: 29). O mundo assistia, assim, a novos impulsos
de regionalismo, em moldes que quebravam com paradigmas anteriores. O regionalismo
nos anos 90 promoveu a descentralização do sistema internacional, a excessiva presença
das superpotências no globo e o crescimento das identidades regionais. Indo ao encontro
de novas necessidades, o “Novo Regionalismo”, como ficou conhecido, prosperou num
ambiente internacional mais permissivo onde as regiões passaram a ter mais liberdade
para definir os seus propósitos e a sua identidade. (Fawcett in Marry Ferrel et al., 2005:
30).
25
Hettne e Söderbaum identificaram como “causas do “Novo Regionalismo”: (1) a
transição da bipolaridade para uma estrutura multipolar ou tripolar, com uma nova
divisão do poder e uma nova divisão de trabalho; (2) o relativo declínio da hegemonia
norte-americana aliado a uma atitude mais permissiva por parte dos EUA em relação ao
regionalismo; (3) a erosão do sistema vestefaliano dos Estados-Nação e o crescimento
da interdependência e Globalização; e (4) a mudança de atitude dos países em
desenvolvimento e países pós-comunistas em relação ao desenvolvimento económico e
sistemas políticos neo-liberais.” (Acharya e Johnston, 2007: 9).
Assim, a emergente literatura sobre o “Novo Regionalismo” desafiou o neo-
liberalismo institucionalista, ao definir regionalismo “como um fenómeno mais
abrangente e multifacetado, que tem em conta o papel dos atores estatais e não-estatais,
bem como todo o conjunto de interações políticas, económicas, estratégicas, sociais,
demográficas e ecológicas entre as regiões” (Acharya e Johnston, 2007: 10). Ou seja, o
regionalismo deixou de se focar exclusivamente nas instituições formais para depender
também da atividade “dos setores informais, das economias paralelas e das coligações
não-formais” (Acharya e Johnston, 2007: 10). Posto isto, concluímos que a preocupação
central do “Novo Regionalismo” é provar a decrescente importância dos Estados e da
cooperação intergovernamental em virtude do regionalismo de facto: “neste sentido, o
“Novo Regionalismo” está mais preocupado com o processo de regionalização do que
com o region intitution-building” (Acharya e Johnston, 2007: 10).
Marry Ferrel, no capítulo introdutório de Global Politics of Regionalism: Theory
and Practice identifica como principais premissas do compêndio o facto de o
regionalismo ser uma resposta ao fenómeno da globalização e de partir das dinâmicas
internas da própria região: “Shaped in part by the internal regional dynamics on the one
hand, and on the other by external pressures such as globalization, instability, security
threats (both external and internal) and increased competition which affected the
behavior and strategies of both economic and political actors, regional actors sought
solutions to common problems through collective actions and decisionmaking to foster
enhanced regionalism” (Marry Ferrel et al., 2005: 14).
Em 1996, Kenichi Ohmae inaugurou a discussão sobre o fim dos Estados-Nação.
Para o autor de The end of the Nation State: the rise of regional economies, os Estados-
Nação são “dinossauros à espera de morrer”, por terem perdido a capacidade de
controlar as taxas de câmbio, de proteger as suas moedas e de gerar atividade
económica real (Ohmae, 1996). Segundo Hurrelmann, a era dourada dos Estados-Nação
26
situa-se no imediato pós-Segunda Guerra Mundial (Hurrelmann et. al., 2007: 6 cit. por
Langenhove, 2011: 59), sendo que a sua existência foi desafiada sobretudo no pós-
Guerra Fria, à medida que os regionalismos ganhavam uma nova expressão mundial.
Como conclui Langenhove, “os Estados, em resposta às forças da globalização e da
autonomia cultural, estão a direcionar-se no sentido do region-building como forma de
aumentar a sua habilidade em lidar com os problemas e desafios da atualidade”
(Langenhove, 2011: 63).
Em certa medida, é difícil desassociar a ideia de regionalismo da experiência
europeia e do debate existente entre intergovernamentalistas e neo-institucionalistas. As
instituições são muitas vezes vistas como uma solução para problemas que envolvam
ações coletivas. Este institucionalismo agency-centred acredita que as instituições
afetam o processo de tomada de decisão ao alterar os cálculos custo-benefício: reduz os
custos de transação, promove a transparência e facilita o enforcement (Marry Ferrel et
al.,2005: 47).
Quando as controvérsias em torno das teorias de integração acenderam a discussão
entre intergovernamentalistas e supranacionalistas, a partir de finais da década de 1980,
começaram a surgir novas formas de integração regional e acordos de comércio livre
que despertaram o “interesse de académicos que não estavam a estudar o caso de
integração europeia” (Marry Ferrel et al.,2005: 7-8), o que permitiu o aparecimento de
trabalhos pioneiros, como é o caso do “Novo Regionalismo”.
Segundo esta abordagem, a definição de região não se esgota com a existência de
organizações formais, como é o caso da UE. O regionalismo é visto como uma forma de
integração pluridimensional que inclui aspetos económicos, culturais, políticos e sociais
e que tem o objetivo estratégico de region-building, o de estabelecer a coerência e
identidade regional (Marry Ferrel et al.,2005: 8). A região que cobre os Estados-
membros da ASEAN afigura um exemplo paradigmático de um conjunto de países que
soube ultrapassar as rivalidades históricas e que, motivado pelas dificuldades
provenientes da crise económico-financeira que assolou a região em 1997, caminhou no
sentido do regionalismo.
“Problemas regionais convidam soluções regionais”. Quem o diz é Louise Fawcett,
ao mencionar inúmeros benefícios do regionalismo: para além de promover a
cooperação política, económica e de segurança, o regionalismo pode desempenhar um
papel importante na consolidação do state-building, da democratização e da
transparência (Fawcett in Marry Ferrel et al., 2005: 21). Além disso, o regionalismo
27
contemporâneo reflete as mais variadas condições e valores existentes, e por isso pode
ser levada a cabo por atores estatais e não-estatais.
Para Aaron Friedberg, o enfranquecimento da economia liberal e a emergência de
blocos regionais assinalam a tendência para a regionalização: “Recent rhetoric
notwithstanding, the dominant trend in world politics today is toward regionalization
rather than globalization, toward fragmentation rather than unification” (Friedberg,
1994: 5). O argumento central de Friedberg em “Ripe for Rivalry: Prospects for Peace
in a Multipolar Asia” deriva da análise sistémica que faz ao mundo do pós-Guerra Fria:
“em termos estratégicos, a bipolaridade não está a abrir espaço para a unipolaridade
(com os EUA a cavalgar o mundo como um colosso) nem para a multipolaridade (com
um grupo de “grandes potências” mais ou menos iguais e com compromissos globais),
mas está a dar lugar a um conjunto de sub-sistemas regionais nos quais os clusters dos
Estados contíguos interagem maioritariamente uns com os outros”. (Friedberg, 1994: 5).
Friedberg apelida esta tendência como o movimento para a multi-multipolaridade
(Friedberg, 1994: 6).
Barry Buzan e Ole Wæver publicam, em 2003, uma obra chave para os Estudos de
Área. Em Regions and Powers: The Structure of International Security defendem que a
segurança internacional será melhor compreendida se a percecionarmos numa série de
“complexos de segurança regionais”. Os autores fazem questão de ressalvar que o
conceito de “segurança global” tem uma orientação macro (de tipo “top-down”), e que a
Teoria do Complexo de Segurança Regional (RSCT) permite-nos trabalhar com uma
perspectiva mais equilibrada, sem precisarmos de recorrer a ideias mais rígidas e
simplificadoras como “unipolaridade” e “centro-periferia” (Buzan e Wœver, 2003: 40).
A RSCT distingue o sistema global, em que as potências mundiais têm a capacidade
de transcender a distância, do sub-sistema regional, em que o ambiente securitário é a
própria região local (Buzan e Wœver, 2003: 4). Uma vez que as ameaças demoram
menos a percorrer curtas distâncias do que longas distâncias, a RSCT defende que a
interdependência securitária deve ser feita a partir dos chamados “clusters de segurança
regionais” (Buzan e Wœver, 2003: 4). A RSCT é compatível com a estrutura neo-
realista Ŕ embora deixe de estar tão concentrada na estrutura a nível macro Ŕ e com a
abordagem construtivista, uma vez que se centra nos processos políticos pelos quais a
segurança é alcançada (Buzan e Wœver, 2003: 4).
Buzan opta pela perspectiva regionalista na abordagem que faz ao período do pós-
Guerra Fria uma vez que “the regional level stands more clearly on its own as the locus
28
of conflict and cooperation for states and as the level of analysis for scholars seeking to
explore contemporary security affairs” (Buzan, 2003,: 10). Justifica a sua posição com
duas constatações adicionais:
1. O declínio da rivalidade entre as superpotências reduz a qualidade penetrativa
dos interesses das grandes potências em relação ao resto do mundo (Stein e
Lobell 1997: 119-20; Lake 1997: 61, cit. por Buzan e Wœver, 2003: 10); e
2. A maioria das grandes potências no sistema internacional do pós-Guerra Fria são
“lite powers”(Buzan e Segal: 1996), o que significa que as dinâmicas internas
tendem a afastá-las do compromisso militar e da competição estratégica nas
áreas mais sensíveis do globo, e acabam por interferir cada vez menos na forma
como os Estados locais gerem as respetivas ligações políticas e militares.
Ainda sobre a nova ordem mundial no pós-Guerra Fria, é importante esclarecer que
esta é passível de ser estudada a partir de três dimensões: estrutura, modo de governo e
forma de legitimidade. A estrutura é a forma como as unidades do sistema estão
relacionadas, a forma de governo corresponde à influência nos processos de tomada de
decisão e a legitimidade diz respeito à base pela qual o sistema é aceite pelas unidades
constituintes (Björn Hettne, in Marry Ferrel et al., 2005: 271).
Em termos estruturais, a distinção é feita entre ordens unipolares, bipolares e
multipolares. Se a distinção for feita em termos de modo de governo, então podemos
distinguir uma ordem mundial marcada pelo unilateralismo, plurilateralismo e
multilateralismo10
. Em matéria de legitimação, a escala vai desde a aceitação universal
do Direito Internacional à hegemonia exercida por uma Grande Potência, que acaba por
ser legitimada pelo interesse nacional e dependente da coerção e preempção.
Hettne afirma que apesar do multilateralismo ser muitas vezes preferido, o
regionalismo (plurilateralismo definido em termos de proximidade geográfica) é útil
(Hettne, in Marry Ferrel et al., 2005: 271-272).
Neo-realistas, como John Mearsheimer, acreditam que a multipolaridade é mais
propícia à instabilidade do que um sistema marcado pela bipolaridade. Quer isto dizer
que, à partida, o sistema multipolar que se seguiria à Guerra Fria iniciaria uma nova era
de conflitos entre Estados europeus (Mearsheimer, 1990).
10
É importante conseguir distinguir plurilateralismo de multilateralismo. Enquanto o primeiro se refere
exclusivamente à existência de um grupo de actores, o segundo implica a inclusão dos mesmos e a mútua
aceitação das “regras do jogo”.
29
Aos olhos dos neo-liberais, pelo contrário, a nova ordem mundial incrementaria os
níveis de integração e harmonia entre os países do Velho Continente. Estas diferenças
explicam-se pela importância que ambos atribuem à estrutura do sistema internacional:
se os neo-realistas acreditam que a distribuição de poder entre Estados (estrutura)
determinará o destino do sistema internacional, os neo-liberais sustentam que existem
outros fatores (como as políticas domésticas ou a interdependência institucional e
económica) não menos determinantes do que a estrutura no funcionamento do sistema
internacional. Além disso, o neoliberalismo, enquanto filosofia económica, tem a
regionalização como uma das suas principais bandeiras, em nome do comércio livre e
da globalização dirigida pelos mercados (Marry Ferrel et al., 2005: 279).
Os neo-realistas não vêem com grande otimismo a possibilidade de uma paz
multipolar: “for the sake of stability”, “smaller is better (…) [and] two is the best of all”
(Waltz cit. por Friedberg, 1993-1994: 7-8.). Friedberg admite a instabilidade que os
neo-realistas atribuem à multipolaridade: “the neo-realists are probably right that, all
other things being equal, multipolar systems are intrinsically unstable” (Friedberg,
1993/94: 9). Contudo, logo de seguida chama atenção para o facto de, no mundo real,
todas as outras coisas não se manterem iguais e, portanto, fatores “não-estruturais”,
como lideranças e memória histórica, podem ser determinantes para a manutenção da
estabilidade.
No sentido de antecipar as dinâmicas do pós-Guerra Fria, Friedberg propõe-se a
analisar os fatores “não-estruturais” que influenciaram sistemas multipolares anteriores.
Ao debruçar-se sobre a Europa, Friedberg refere que as mudanças internas apontadas
por Stephen Van Evera em muito podem explicar a relativa estabilidade de uma Europa
multipolar. Em primeiro lugar, a consolidação democrática europeia anuncia que “há
boas razões para esperar que a Europa seja pacífica” (Friedberg, 1993/94: 11),
sobretudo se a tese de Michael Doyle se confirmar. Em segundo lugar, a sólida estrutura
sócio-económica, que se reflete no bem-estar material e elevados níveis de vida dos
europeus, contribui, em certa medida, para a estabilidade das sociedades democráticas
(cf. Van Evera in Primed for Peace). Por fim, as mudanças culturais na Europa
Ocidental são enaltecidas por Jervis, em The Future of World Politics e Van Evera em
Primed for Peace, que relacionam a falta de confrontos territoriais à mudança de
valores: “we may now be seeing … the triumph of interests over passions”; “dramatic
decline of nationalist propaganda, especially in European schools” (Jervis cit. por
Friedberg, 1993/94: 12).
30
Ainda assim, “não é só da mudança de natureza dos Estados europeus que se espera
que sejam contrabalançados os efeitos da multipolaridade, [o mesmo se espera] das
interligações económicas, institucionais e culturais que os unem” (Jervis cit. por
Friedberg, 1993/94: 12). De facto, a interdependência económica poderá reduzir a
propensão para o conflito e, por conseguinte, poderá contribuir de forma significativa
para a manutenção da paz (Jervis cit. por Friedberg, 1993/94: 12). Para além da
interdependência económica, os países europeus aprofundaram as suas relações por via
da institucionalização. As vantagens de que poderão provir da participação dos Estados
em instituições internacionais são, em poucas palavras e de forma muito assertória,
explicadas por Hoffmann, Mearsheimer e Keohane (1990: 193): “Insofar as states
regularly follow the rules and standards of international institutions, they signal their
willingness to continue patterns of cooperation, and therefore reinforce expectations of
stability”.
A interligação cultural desempenha um papel crucial na definição da identidade
coletiva. O sentido de “diferenciação cultural” partilhada por europeus facilitou a
criação de regras de conduta por parte das potências europeias e a edificação de
instituições internacionais (cf. Hedley Bull, The Anarchical Society, 1977, p 33-38).
Para além dos motivos enumerados (natureza dos Estados e as interligações
económicas, institucionais e culturais, ou linkages), Friedberg refere ainda a variável
dos custos e benefícios que, segundo o próprio, deveria reduzir o receio do regresso à
multipolaridade. As razões para crer que o recurso à guerra será cada vez menos
provável, do ponto de vista dos recursos, são bastante óbvias: “(…) the Industrial
Revolution brought with it tremendous increases in the destructiveness of weaponry and
warfare, culminating in the advent of nuclear explosives. By raising the costs of war
between nations that possess them, these terrible implements of destruction have helped
to reduce its likelihood” (Friedberg, 1993/94: 14). Não só os Estados passaram a
agregar sentimentos nacionalistas que se alargaram até às regiões limítrofes e que
ajudaram a consolidar as respetivas identidades nacionais, como passaram a ter maiores
encargos do ponto de vista da providência. A principal fonte de riqueza passou da
agricultura para a indústria, contribuindo significativamente para a desvalorização de
conquistas territoriais11
, tornando os benefícios de guerra na Europa menos
compensatórios.
11
Cf. Carl Kaysen, “Is War Obsolete?” International Security, vol. 14, nº. 4 (Primavera 1990).
31
Jervis conclui que a influência da polaridade do sistema internacional não é
suficiente para explicar a paz europeia. A presente investigação propõe-se a avaliar a
validade das mesmas preposições no Nordeste Asiático, mediante a validação empírica
que se desenvolverá nos próximos capítulos.
A pertinência desta análise prende-se também com o facto de haver poucas razões
para acreditar que a Europa será o futuro de outras regiões, visto que a regionalização
está a formar diferentes regionalismos que podem ser categorizados de forma diferente.
Do ponto de vista global e estruturalista, a distinção pode ser feita entre três tipos de
regiões: as centrais (core regions Ŕ constituídas pela Europa, América do Norte e Ásia
Oriental, que formam uma Tríade), as intermédias e as periféricas. A Europa tornou-se o
paradigma da regionalização; os EUA, Canadá e México representam o núcleo-duro da
América do Norte e estão organizados na NAFTA. A Ásia Oriental, como
comprovaremos ao longo da dissertação, é marcada por baixos níveis de integração
institucional, sobretudo na área da segurança, embora haja uma compensação em termos
de interligação económica transnacional, daí a região ser muitas vezes conhecida como
um regionalismo de facto, enquanto a UE é conhecida como um regionalismo de jure
(Marry Ferrel et. al., 2005: 277).
Ainda sobre a estabilidade do sistema internacional no pós-Guerra Fria, e apesar do
momento unipolar que se seguiu à queda do Muro de Berlim, Waltz alertou que “à luz
da teoria estrutural, a unipolaridade aparece como a configuração internacional menos
durável” (Waltz, 2000: 28), por duas razões:
1. O poder dominante encarrega-se de demasiadas tarefas além-fronteiras, o que
conduz ao seu enfraquecimento a longo prazo;
2. Mesmo que um poder dominante se comporte com moderação, contenção e
paciência, os Estados fracos ficarão preocupados com o seu comportamento futuro.
Waltz prossegue o seu argumento afirmando que, quando alguns Estados são
confrontados com um balanço de poderes desequilibrado, tentam “aumentar a sua força
ou aliam-se a outros [Estados] para equilibrar a distribuição internacional de poder”
(Waltz, 2000: 28). Alguns exemplos que ilustram o seu ponto de vista vão desde Carlos
de Habsburgo (Carlos I de Espanha), Luís XIV e Napoleão I em França, Guilherme II e
Hitler na Alemanha.
Ao longo da História Moderna, a atenção da política internacional centrou-se no
continente europeu mas, atualmente, depois de ter sido palco de duas guerras mundiais,
especula-se se voltará a ser uma grande potência: “Entretanto, a inevitável transição da
32
unipolaridade para a multipolaridade está a ter lugar não na Europa, mas na Ásia”
(Waltz, 2000: 32).
1.2. O Nordeste Asiático nas Relações Internacionais
A literatura dedicada ao tema em debate é bastante consensual ao criticar o
tratamento incipiente que a Teoria das Relações Internacionais tem merecido na região
da Ásia-Pacífico.
G. John Ikenberry e Michael Mastanduno, logo no capítulo inaugural do compêndio
International Relations Theory and the Asia-Pacific esclarecem que apesar do crescente
interesse dos alunos de Relações Internacionais pelo período pós-Guerra Fria na Ásia-
Pacífico, os debates sobre as relações da Ásia-Pacífico tendem a ser sub-teorizados
(Ikenberry e Mastanduno, 2003: 1). Os autores apontam como desafio o facto de se
procurar explicar o comportamento de países como a China, Japão ou Coreia tendo por
base o pensamento político ocidental, que deriva da sua própria experiência histórica.
O problema da sub-teorização é também apontado por David Kang: “European-
derived theories in general and realist theories in particular frequently have difficulty
explaining Asia international relations” (Kang, 2003-04: 165).
A abordagem neo-realista de Waltz centra-se na distribuição de poder para estudar o
comportamento dos Estados e as suas relações de segurança. Deste modo, o seu enfoque
dirige-se sobretudo ao papel dos EUA, ao poder crescente da China, ao potencial militar
japonês e ao declínio da influência russa. Se seguirmos o pensamento waltziano, estes
elementos de investigação têm um impacto significativo para explicar a estabilidade no
Nordeste Asiático (Cui, 2007: 28).
Os realistas têm dominado o debate sobre a segurança no Nordeste Asiático, ao
argumentarem que os Estados, enquanto unidades racionais na anarquia internacional,
são forçados a “maximizar poder, segurança e influência” (Kim, 2004: 18). Por outras
palavras, a segurança é a prioridade central na ordem anárquica e os Estados têm como
principal preocupação manter-se no sistema através do poder político. Daí que um
argumento que joga em favor dos realistas na explicação da estabilidade da Ásia
Oriental é o de que o Estado continua a ser a principal referência de segurança.
Segundo a perceção realista, os sistemas políticos seguem dois princípios
ordenadores: hierarquia, no caso dos sistemas domésticos e anarquia, no sistema
33
internacional, uma vez que não existe uma autoridade universal e consensual que regule
o comportamento dos Estados (Waltz 1979: 88-93).
A teoria do poder hegemónico constitui uma das explicações realistas para
compreender a estabilidade na Ásia Oriental. Enquanto regional balancer, os EUA
gerem as crises de desconfiança, nomeadamente entre a China e o Japão: “O Japão
encara os EUA como forma de manter a China controlada e a China vê os EUA como
mecanismo que previne que o Japão adquira uma política externa e de segurança
independente” (Michael Yahuda, 2004: 343 cit. por Tomé, 2010: 69).
Podemos ainda destrinçar as leituras da realidade asiática por parte do Realismo
Ofensivo e do Realismo Defensivo. Enquanto o primeiro defende que as potências
emergentes, como a China, tendem a procurar um estatuto de poder hegemónico de
modo a salvaguardar a sua sobrevivência, o segundo considera que os Estados tendem a
ser maximizadores de segurança, e não maximizadores de poder. Neste caso, o
Realismo Defensivo olha com desconfiança para um tipo de estabilidade hegemónica,
preferindo a bipolaridade como estrutura internacional capaz de garantir paz e
estabilidade. Robert Ross, por exemplo, sustenta que há uma estrutura bipolar em
emergência na Ásia-Pacífico, em que os “Estados Unidos são o poder marítimo
dominante e a China o poder continental” (Ross, 1999: cit. por Peou in Beeson e
Stubbs, 2012: 277).
Os liberais são mais otimistas quanto à possibilidade da paz prevalecer no Nordeste
Asiático, devido à esperança que os liberais institucionalistas depositam na
interdependência económica e no papel das organizações internacionais para a redução
das incertezas e para que os Estados possam perseguir os seus interesses de uma forma
mais eficiente, do ponto de vista dos custos (Kim, 2004: 30). Por outro lado, o fim da
Guerra Fria foi contemporâneo de uma nova onda democrática e a constatação de uma
forte e duradoura correlação entre democracias liberais e garantias de estabilidade. A
tese de Michael Doyle da Paz Democrática começou a ganhar adeptos.12
Assim, a relativa estabilidade da Ásia Oriental explica-se, segundo o liberalismo,
com fatores como a interdependência económica (Kent e Calder, 2004) e a existência de
12
Kenneth Waltz contesta esta tese explicando que, não sendo possível alterar a estrutura internacional do
sistema com alterações domésticas dos estados (Waltz, 2000: 8 e 10), a paz resulta de um equilíbrio difícil
de alcançar entre estrutura interna e externa do sistema. Waltz faz questão de mencionar que até para
Kant, a Paz Perpétua era hipotética e que a tese de estados democráticos não entrarem em conflito com
outros estados democráticos não é assim tão linear (Waltz, 2000: 8 e 10).
34
instituições na região, que também é vista como um indicador de abertura à cooperação
e diplomacia preventiva.
Já o construtivismo procura compreender a estabilidade asiática baseando-se no
peso da História e em fatores sócio-culturais.
Wendt desafia a perpetuação do sistema anárquico, alegando que a transformação
estrutural é possível.13
Segundo o autor, a teoria sistémica de Waltz foca-se apenas num
lado da relação agente-estrutura. Wendt argumenta que agente e estrutura são
mutuamente constitutivos: “the structure of the system and the structure of the
component units are one and the same thing, because the system and the units are
mutually constituted”. Portanto, é impossível “to talk about the structure of the
international system without simultaneously talking about the identity and interest of the
component units” (Buzan e Little, 2000: 42).
A Teoria das Relações Internacionais de Waltz e a Teoria Social das Relações
Internacionais de Wendt representam, respetivamente, uma abordagem materialista e
social. Enquanto para a estrutura idealizada por Waltz, a distribuição de poder é o factor
dominante, para a estrutura Wendtiana, as identidades e interesses das unidades
componentes são mais importantes (Cui, 2007: 35). Exemplificando com a diferença de
significado que o poder militar dos EUA tinha para o Canadá e para Cuba, apesar das
mesmas posições “estruturais”, Wendt conclui que os Estados agem de maneira
diferente para com os inimigos, pois “enemies are threatening and friends are not”
(Wendt, 1992: 396). A afirmação serve para explicar que, apesar da importância da
distribuição de poder no sistema internacional, esta pode não ser suficiente para avaliar
o comportamento dos Estados, já que também são afetados por cálculos subjetivos,
diretamente relacionados com a questão da sua identidade e dos seus interesses. Para o
problema em análise, a pertinência desta abordagem prende-se com a alteração do
paradigma de segurança no Nordeste Asiático: “while no one could deny the importance
of the rise of China, dynamic changes in the security outlook in Northeast Asia may be
influenced more by the ways in which the various regional actors identify with each
other” (Cui, 2007: 36).
A formação de uma identidade coletiva é crucial para que haja uma alteração
estrutural. As quatro variáveis que podem causar a identidade coletiva, segundo Wendt
13
O Realismo é céptico em relação à mudança do sistema internacional. Segundo Waltz, “The enduring
anarchic character of international politics accounts for the striking sameness in the quality of
international life through the millennia” (Waltz, 1979: 66).
35
são a interdependência, o destino comum, a homogeneidade e auto-domínio (self-
restraint) (Cui, 2007: 36) O sentimento de pertença pode proporcionar aos atores o
interesse pela preservação da sua cultura (Cui, 2007: 38).
Tendo em consideração a região em estudo, alguns autores, como Gilbert Rozman
(2004), apontam o problema da identidade nacional como um impedimento no processo
de formação de um “Novo Regionalismo” no Nordeste Asiático. O argumento realista
sobre a natureza anárquica do sistema internacional e o argumento liberal ligado à
satisfação dos próprios interesses deixam assim de ser as únicas variáveis que explicam
os limites do regionalismo asiático.
As três perspectivas teóricas retratadas procuram explicar o poder recorrendo a
diferentes níveis de análise. Contudo, como defendem vários analistas do complexo de
segurança asiático (Katzenstein, Alagappa, Kim), as questões levantadas na introdução
da presente dissertação não podem ser devidamente tratadas sem a referência a factores
materiais, institucionais e ideacionais (ou históricos): “all three analytical paradigms
offer some insights into the various issue áreas of Northeast Asia foreign policies, but
none provides a completely satisfactory explanation of Northeast Asia international
politics as a whole” (Kim, 2004: 51). Samuel Kim expressa a sua preferência pelo
Ecleticismo Analítico Ŕ “The synthetic interaction approach directly tackles the
important yet understudied gaps between the different cultures of academe and
government and between theory and practice in international relations. (…) Such
synthetic interactive analyses of the many empirical puzzles and behavioral anomalies
underlying the foreign policies of Northeast Asia states can be constructed through
combining realist, liberal, and constructivist modes of explanation”(Kim, 2004: 51).
Já em 1959, longe de adivinhar os novos contornos do sistema internacional, Waltz
admite a insuficiência de aplicar apenas uma “imagem” na análise de questões
internacionais, por contribuir com uma explicação parcial do problema: “The
prescriptions directly derived from a single image [of international relations] are
incomplete because they are based upon partial analyses. The partial quality of each
image sets up a tension that drives one toward inclusion of the others…One is led to
search for the inclusive nexus of causes.” (Waltz, 1959 cit. por Oxford, 109). Waltz
“reconhece que a teoria realista pode resolver alguns, mas não todos os problemas”
(1986: 331).
36
Um dos grandes percursores da teoria realista concede-nos, assim, a chave para
compreender a utilidade da abordagem inclusiva a que chamamos, nesta dissertação,
Ecleticismo Analítico.
Também Morgenthau, a seu tempo, sublinhou as limitações da aplicação particular
de uma perspectiva teórica: “Most theories of international relations (…) provide a
respectable protective shield behind which members of the academic community may
engage in noncontroversial theoretical pursuits. International relations in our period of
history are by their very nature controversial. They require decisions concerning the
purposes of the nation and affecting its chances for physical survival. By dealing with
the subject matter but not with the issues underlying these decisions, a theory can
appear to contribute to the rationality of the decision without actually doing so”
(Morgenthau, 1970: 247, cit. por Reus-Smit e Duncan, 2008: 119).
Paralelamente, em Security Politics in the Asia-Pacific – A Regional-Global
Nexus?, William Tow refere que “Non of the major and contending approaches in
international relations theory Ŕ realism, liberal-institucionalism or constructivism Ŕ is
sufficient to effectively embrace this range of transnational security dilemmas” (Tow,
2009: 3).
O debate entre neorrealistas e neoliberais continuou a dominar a atenção da
comunidade académica internacional, mesmo depois das transformações que derivaram
do fim da Guerra Fria.
No caso da Ásia, David Kang, ao estudar o crescimento chinês, prefere procurar
“interconexões entre fatores causais” do que “isolar um factor em detrimento de outros”
(Kang cit. por Reus-Smit e Duncan, 2008: 120). Na sua análise, Kang vai em busca de
justificações para a tendência de bandwagoning e não de balancing, por parte dos países
da Ásia-Pacífico (talvez à excepção do Japão) em relação à China. Para além de ter em
conta as capacidades (absolutas e relativas) e as políticas internas, Kang não ignora a
memória histórica da região: “uma China fraca e fragmentada criou problemas à
vizinhança, enquanto uma China próspera fê-los beneficiar” (Kang cit. por Reus-Smit e
Duncan, 2008: 120).
A interpretação de David Kang desafia as teorias existentes (sejam elas realistas,
liberais ou construtivistas) que focam certos factores, em detrimento de outros, para
caracterizar o crescimento chinês como um problema à estabilidade da Ásia-Pacífico.
Também Sorpong Peou defende a aplicação da análise eclética aos Estudos
Asiáticos: “Realism alone cannot explain why Japan remains pacifist and why ASEAN
37
states engage in institution-building and soft-balancing. Liberalism alone cannot explain
regional peace and stability, despite the limits of institutionalization. Eclecticism
combines the theoretical insights of realism (power), liberalism (efficiency) and
constructivism (identity) to explain regional peace and stability in the Asia-Pacific.”
(Peou in Beeson e Stubbs, 2012: 283).
Em suma, ao olhar com desconfiança para as certezas que derivam exclusivamente
de um paradigma, uma análise eclética permite que se estabeleçam conexões complexas
e multifacetadas entre poder, interesse e identidade.
Bandwagoning e Balancing
Em 1994, Randall L. Schweller questionava se “os Estados alinhavam mais com o
lado mais fraco ou forte do conflito” (Schweller, 1994: 72), colocando em confronto os
conceitos de bandwagoning e balancing, Schweller recusa a ideia de que os Estados
tendem a procurar bandwagoning por oposição a balancing: a diferença, para o autor,
reside no facto do primeiro procurar oportunidades de ganho, enquanto o segundo se
move pelo desejo de evitar perdas (Schweller, 1994: 74).
A dinâmica de bandwagoning é apresentada, pelo autor, como uma forma de
feedback positivo14
, que acontece mais frequentemente do que se possa pensar (cf. Walt
e Waltz), já que envolve poucos ou mesmo nenhuns custos, e há expectativa de ganho.
Ainda no artigo “Hierarchy, Balancing, and Empirical Puzzles in Asian International
Relations”, David Kang relembra que os analistas das Relações Internacionais devem
ser prudentes ao testar empiricamente as teorias clássicas das relações internacionais e
que devem “levar a sério a possibilidade de diferentes regiões no mundo serem, de
facto, diferentes” (Kang, 2004: 166). O facto de se ter verificado o fenómeno de
balancing na Europa, não significa que o mesmo se demonstre “homogeneamente
distribuído” por todas as regiões, incluindo a Ásia. Deste modo, Kang propõe-se a
investigar o tipo de comportamento (bandwagoning ou balancing) que a Ásia mais tem
evidenciado.
A célebre passagem de Kenneth Waltz Ŕ “ [seria] tão ridículo construir uma teoria
das relações internacionais baseada na Malásia ou na Costa Rica (…). Uma teoria geral
de relações internacionais é necessariamente baseada nas grandes potências” (Waltz,
14
Ao contrário do comportamento de balancing, visto que tem por objectivo prevenir o desequilíbrio do
sistema ou, caso a deterrence falhe, restaurar o equilíbrio de poderes.
38
1979: 105) foi aproveitada por Kang para sustentar o argumento de que a tese da
balança de poderes defendida por Waltz, ao focar-se em “a few big things” (nos EUA e
na URSS, em particular), pode explicar estabilidade da Guerra Fria entre duas grandes
potências (variável dependente), mas não é capaz de explicar a razão pela qual os países
asiáticos não estão a contrabalançar o poder da China, à semelhança do que os EUA e a
Rússia fizeram até à viragem da década de 1990.
Bandwagoning ou, pelo menos, consentimento pelo statu quo por parte de Estados
secundários é uma característica central da hierarquia 15
(Kang, 2004: 172): ao contrário
das previsões realistas de que os Estados secundários teriam receio de contrabalançar o
poder dominante, numa hierarquia os Estados secundários passam para o seu lado com
o objetivo de sair beneficiado. No fundo, trata-se do fenómeno a que Scweller chama
“balancing for security and bandwagoning for profit” (Kang, 2004: 172).
Apesar de Waltz categorizar “Hierarquia” e “Anarquia” em extremos opostos (como
se não pudessem coexistir uma vez que, segundo o próprio, o sistema internacional é
anárquico), David Kang defende que a noção de “Hierarquia” encontra-se
suficientemente consolidada na literatura de Relações Internacionais e que a teoria de
balancing não deve ser a hipótese-padrão: “Balancing é o resultado esperado sob certas
condições (por exemplo, quando há um número reduzido de grandes potências).” Por
outro lado, a hierarquia e bandwagoning são os efeitos prováveis quando há um poder
(Estado) dominante no sistema (Kang, 2004: 173). O objetivo do trabalho passa também
por estudar o tipo de comportamento que se tem vindo a verificar no Nordeste Asiático,
e que será desenvolvido em capítulos posteriores.
Em suma, Kang sugere que a Ásia pode assumir uma ordem regional hierárquica,
em que os Estados terão mais propensão para comportamentos de tipo bandwagoning
do que balancing. Em adição, se recorrermos ao Choque de Civilizações para analisar o
crescimento da China, Huntington defende que os países asiáticos preferirão
bandwagoning a balancing contra a China, o que significará um regresso ao passado
sino-cêntrico da Ásia e não ao passado multipolar da Europa (Hungtington, 1996: 238).
15
O conceito “hierarquia” tem por base a teoria realista de Kenneth Waltz, que define uma ordem
hierárquica como um sistema no qual “os atores políticos são formalmente diferenciados de acordo com
os respectivos graus de autoridade” (Waltz, cit. por Keohane, 1986: 73). Neste campo, será pertinente
referir o contributo de David Lake em “Beyond Anarchy: The importance of Security Institutions” (in
International Security, Vol. 26, n.º 1 (Verão 2001), p 129-160) para a definição de sistema hierárquico
em matéria de Relações Internacionais, uma vez que traça quatro tipos de instituições hierárquicas:
esferas de influência, protetorados, impérios informais e impérios.
39
Ecleticismo Analítico
“Nenhuma teoria geral (neorrealismo, neoliberalismo, construtivismo) pode explicar
totalmente as preocupações e comportamento dos Estados asiáticos” (Allagappa, 2003:
xiii). A interdependência do Nordeste Asiático é demasiado complexa e encontra-se
emaranhada na respetiva memória histórica, processos de state e nation-building e
problemas de legitimidade política (Allagappa, 2003: xiii).
Em Relações Internacionais, as regiões têm sido estudadas à luz de pelo menos três
teorias: as teorias clássicas da geopolítica, que se focam na base material das regiões
(ex. a natureza do terreno ou os imperativos do poder da terra/mar determinam os
meandros da política internacional); as teorias ideacionais da geografia, que sustentam
que as regiões são formadas política e culturalmente; e as teorias comportamentais da
geografia, que defendem que a distância espacial tem um impacte directo no
comportamento dos Estados.
As três teorias conferem uma ajuda importante para o estudo das regiões, mas,
isoladamente, não conseguem explicar de forma satisfatória o papel das regiões nem o
respetivo comportamento dos atores internacionais. (Reus-Smit e Duncan, 2008: 124).
Numa lógica pluridisciplinar, a análise eclética pode enriquecer a sua abordagem
recorrendo à Geografia. “Foi o que fez Katzenstein (2005) para compreender as
diferenças entre a Europa e a Ásia no contexto do “imperium” americano” (Reus-Smit e
Duncan, 2008: 124).
Alagappa prossegue na sua defesa por uma abordagem eclética, afirmando que “a
aderência dogmática a uma única teoria ou tradição pode conduzir a uma interpretação
errada do problema (…)”. Não quer isto dizer que “tudo é importante” ou que se vá
simplesmente “justapor diferentes visões”: “(…) O Ecleticismo Analítico não
corresponde a uma teoria ou tradição geral, mas antes a uma abordagem explicativa que
se baseia no conhecimento de outras teorias” (Allagappa, 2003: xiii).
O Ecleticismo Analítico é abordado por Katzenstein e Okawara no artigo “Japan,
Asian-Pacific Security and the Case for Analytical Eclecticism”16
, no qual certificam
que “os analistas que se focam exclusivamente nas capacidades materiais, eficiências
institucionais ou normas e identidades, negligenciam aspetos-chave da evidência”
(Katzenstein e Okawara, 2001: 154). Na alínea dedicada à análise da segurança
16
In International Security, vol. 26, n.º 3 (Inverno 2001/2002).
40
japonesa e da Ásia-Pacífico, os autores argumentam que “o bilateralismo robusto e o
multilateralismo incipiente” das respetivas políticas de segurança não podem ser
explicadas por uma única perspetiva analítica, pois resultam de uma combinação de
poder, interesse e identidade (Katzenstein e Okawara, 2001: 164).
Em Portugal, o recurso à abordagem eclética nos estudos asiáticos é bastante
recente. Na sua tese doutoral, Luís Tomé elogia o Ecleticismo e aponta os limites das
abordagens tradicionais, que “potenciam o distanciamento entre a abstração teórica e a
realidade, tanto mais quando se pretende analisar e explicar factos e comportamentos
não-Ocidentais” (Tomé, 2010: 76).
Se as tradições de pesquisa promoverem a complementaridade dos argumentos, em
vez de competirem entre si, talvez as Relações Internacionais viessem a beneficiar desse
pluralismo. Tal como Katzenstein e Sil (2004: 7-17) argumentam, se triangularmos
realismo, liberalismo e construtivismo, deparar-nos-emos com variações que convergem
nos “vértices do triângulo, esbatendo certos preconceitos de exclusividade, de monismo
e de incompatibilidade de diversas teorias”(Tomé, 2010: 77).
Em vez de análises approach-driven, Katzenstein e Okawara apostam numa análise
voltada para a resolução de problemas (“problem-driven research”), que representa uma
mais-valia no estudo de “anomalias empíricas” que se verificam à luz de qualquer teoria
clássica (Katzenstein e Okawara, 2001: 183). Também no capítulo “Rethinking Asian
Security: A Case for Analytical Eclecticism”, Peter Katzenstein e Rudra Sil, elogiam o
valor acrescentado da análise eclética, que não negligencia as teorias clássicas mas
compromete-as a encontrar ligações conceptuais e empíricas, reconhecendo assim a
complexidade da vida internacional (Katzenstein e Sil em Reus-Smit e Duncan, 2008:
Figura 1 Tradições de Pesquisa e Pontos Convergentes (Fonte: Katzenstein e Sil, 2001: 9)
41
118-119). A análise eclética não deve ser tomada como uma síntese teórica, uma vez
que não procura desmantelar as abordagens existentes e construir “um novo sistema
unificado de conceitos, assunções e princípios analíticos” que explique os problemas da
realidade internacional (Katzenstein e Sil em Reus-Smit e Duncan, 2008: 118-119).
Este tipo de abordagem poderá constituir-se como uma ferramenta muito útil ao
encorajar alunos e investigadores de Ciência Política e Relações Internacionais a
identificar questões interessantes e testar explicações alternativas, sem que fiquem
amarrados a debates teóricos muitas vezes repetitivos e inconclusivos. “O Ecleticismo
protege-nos de naturalizarmos assunções paradigmáticas sobre o mundo. Encara com
desconforto as certezas que derivam de um único paradigma (…). Teoria e Política são
melhor servidos pelo Ecleticismo” (Katzenstein e Okawara, 2001: 185). Neste contexto,
a fundação pragmática da análise eclética é conveniente num campo de atuação como a
especialidade de Estudos Políticos de Área.
Mesmo que à partida, as premissas de construções realistas, liberais e construtivistas
pareçam incompatíveis, podem ser transformadas, de forma produtiva, em lentes de
análise voltadas para a resolução de problemas. Alguns autores (Jick 1979; Tarrow
1995) defendem a triangulação de métodos como um meio para conseguir
conhecimento mais credível. Os riscos de incoerência justificam-se pelos potenciais
benefícios resultantes de uma melhor compreensão de problemas de investigação
(Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 5).
Não existe uma fórmula predefinida que conjugue todas as variáveis numa teoria
unificada: “O Ecleticismo distingue-se sobretudo pela articulação de problemáticas mais
complexas que enfatizam as ligações entre resultados estipulados em puzzles estudados
por diferentes tradições de pesquisa, e pelo desenho de esboços explicativos que
incorporam dados, interpretações e lógicas causais de pelo menos duas tradições
distintas” (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 16-17).
Alguns destes esboços ajudar-nos-ão a compreender os contextos em que as
capacidades materiais foram determinantes para os resultados, ou em que as crenças
individuais desempenharam um papel preponderante ou mesmo contextos em que as
normas coletivas tenham sido de importância vital (Suh, Katzenstein e Carlson, 2008:
18). Katzenstein e Sil acreditam que o Ecleticismo Analítico tem a capacidade de
reconhecer, com maior facilidade, aspectos escondidos da realidade social: “the best
case for progress in the understanding of social life lies in (…) the expanding fund of
42
insights and understandings derived from a wide variety of theoretical inspirations”
(Rule cit. por Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 19).
Quando a Guerra Fria acabou, o futuro da Ásia deslumbrava-se bem diferente aos
olhos de otimistas e pessimistas. Se para os primeiros, o cenário teria contornos
antagónicos ao passado europeu, pelo interesse alargado em manter a estabilidade
regional, para os segundos, o conflito seria endémico, pela questão da rivalidade
histórica.
A tentativa de preservar a teoria realista no pós-Guerra Fria conduziu a cenários
exageradamente pessimistas para a Ásia (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e
Carlson, 2008: 21) “in the long-run it is Asia (and not Europe) that seems far more
likely to be the cockpit of great power conflict. The half millennium during which
Europe was the world‟s primary generator of war (and economic growth) is coming to a
close. For better and for worse, Europe‟s past could be Asia‟s future.” (Friedberg
1993/94: 7).
No entanto, e apesar da perpetuação de diversos tipos de tensão, a Ásia não entrou
em guerra nem assistiu à repetição de episódios de limpezas étnicas e conflitos
sangrentos Ŕ como acabaram por se verificar no continente europeu. Não quer isto dizer
que as premissas realistas revertem, necessariamente, em resultados negativos; o
problema consiste na simplificação resultante da aplicação dos conceitos realistas aos
dilemas de segurança e estratégias dos países asiáticos, em nome da consistência da
visão realista (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 21).
Katzenstein e Sil alertam sobre o perigo de se estender à Ásia a leitura realista
centrada na experiência europeia: “Ao contrário da Europa, a história do sistema de
Estados na Ásia foi marcada, durante séculos, pelo princípio da suserania.” (Katzenstein
e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 23). Além disso, grande parte dos Estados
asiáticos viveu a experiência colonialista sem grandes relações com as potências
imperialistas europeias. Até mesmo em termos económicos, é difícil estabelecer
paralelismos entre as pioneiras economias liberais e industrializadas, na Europa, e as
economias “late industrializers” de Estados em formação, na Ásia. No mesmo
raciocínio, lembram os autores de “Rethinking Asian Security – A Case for Analytical
Eclecticism”, o efeito mais importante das instituições internacionais na Ásia é o de
manter a ambiguidade sobre o propósito do coletivo, ao mesmo tempo que conseguem
garantir a eficiência dos seus objetivos (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e
Carlson, 2008: 23).
43
Os liberais não se vêem livres de críticas por parte de Katzenstein e Sil. No mesmo
artigo, os autores argumentam que, do ponto de vista dos liberais, o exponencial
crescimento asiático era um dado adquirido, embora a crise que abalou o Japão na
década de noventa, à data, a maior economia asiática, tenha vindo a demonstrar que
estavam errados (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 22)
Também os construtivistas poderão ter exagerado na declaração da emergência de
novas identidades coletivas no início dos anos noventa, quando a ASEAN dava os
primeiros passos no sentido de uma comunidade de segurança. Tal revelação tornou-se
obsoleta quando assistimos a uma resposta ineficiente por parte da organização perante
a crise económico-financeira de 1997 (Acharya cit. por Katzenstein e Sil em Suh,
Katzenstein e Carlson, 2008: 23).
Naturalmente, as tradições de pesquisa realistas, liberais e construtivistas recairão
sobre a possibilidade de se deflagrarem conflitos militares, sobre o crescimento
económico da Ásia e sobre as diferentes vertentes dos nacionalismos (Katzenstein e Sil
em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 23). Contudo, o complexo de segurança asiático
obriga-nos a alargar os horizontes do debate criado em torno dos fatores que moldam a
ordem asiática, longe de adotar uma visão Ocidental ou Orientalista do que é o Ocidente
ou o Oriente. Como Weber afirma, a realidade política deve ser estudada, por definição,
em relação ao contexto dos atores envolvidos, requerendo, assim, “um multilinguismo
teórico baseado na desnaturalização dos assuntos e conceitos implantados nas tradições
de investigação existentes” (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 23).
O pragmatismo, pós-positivista, que acompanha a análise eclética, não gerará
propriamente os mais elegantes modelos de investigação nem a narrativa mais rica, mas
pode permitir a consideração simultânea de uma ampla variedade de afirmações
analíticas, interpretativas e observacionais, extraídas de diversos contextos sociais e
com diferentes níveis de abstração (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson,
2008: 32).
Deste modo, o Ecleticismo Analítico contribui para o que Thomas Fararo apelidou
de “espírito de unificação”, o estado de espírito intelectual difuso, necessário à
consideração de possibilidades combinatórias que têm produzido, não raras vezes,
avanços inesperados e entendimentos comuns de progresso na história da ciência
(Fararo citado por Katzenstein e Sil in Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 32). Como já
foi referido anteriormente, a grande vantagem do Ecleticismo Analítico não passa pela
substituição ou subestimação das diversas tradições de pesquisa; em vez disso, procura
44
fomentar o diálogo científico entre as diversas escolas de pensamento das relações
internacionais em geral, e dos estudos de segurança em particular.
O conceito “segurança” no contexto asiático deve ser explorado à luz da sua
história, e por isso vai além do entendimento generalizado de defesa militar das
fronteiras terrestres. As dimensões sociais e económicas ganham um peso significativo
na redefinição do complexo de segurança asiático.
Muthiah Alagappa edita dois livros (1998, 2003) que abordam a questão das teorias
das relações internacionais procurarem explicar as dinâmicas relacionais entre poder
material, perceções ideacionais e construção da ordem (“order-building”) na Ásia
(Tow, 2009: 5). As obras de Alagappa tiveram o propósito de estabelecer uma ponte
entre a Teoria das Relações Internacionais e os Estudos de Área, socorrendo-se de
evidências empíricas bem fundamentadas. O nível de análise regional ganha
protagonismo sobre as dinâmicas de segurança globais, em grande parte devido à
relevância que as potências regionais asiáticas ganharam no fim da Guerra Fria e à
intensificação das relações de interdependência intra-regional.
A complexidade política das relações internacionais asiáticas não se consegue
explicar se o enfoque teórico se dirigir exclusivamente sobre o comportamento dos
Estados com base na identidade, na distribuição das capacidades militares ou nas
instituições regionais (Katzenstein e Sil em Suh, Katzenstein e Carlson, 2008: 26). O
objetivo desta dissertação passa pela tentativa de compreender de que forma o poder, os
interesses económicos e as identidades afetam o comportamento dos Estados do
Nordeste Asiático, de uns em relação a outros.
45
2. Da velha à nova ordem internacional
2.1. O Sino-centrismo da Ásia Oriental
“Durante mais de dois mil anos, a China esteve no centro da ordem
internacional da Ásia Oriental, dominando e/ou influenciando política,
económica e culturalmente os povos vizinhos e os destinos da macro-
região.” (Tomé, 2010: 94)
Antes da adoção do modelo vestefaliano, a Ásia Oriental foi marcada por um
passado sino-cêntrico, que consistia num sistema hierárquico de relações internacionais
em que grande parte dos países da região deveria prestar vassalagem à China,
refletindo-se num sistema tributário “que não assentava em tratados formais mas num
entendimento pessoal implícito de obrigação” (Tomé, 2010: 95). “Os tributários
reconheciam a superioridade da China e, em contrapartida, a China reconhecia a sua
independência, não interferindo nos seus assuntos internos e dando-lhes assistência
quando necessário. A China retinha, contudo, o direito de intervir, na premissa de que o
céu separa os territórios mas não os povos e que o imperador tinha e exercia autoridade
sobre todos” (Tomé, 2010: 95).
Por volta do século XIV, o sistema tributário encontrava-se institucionalizado
bem como a ordem hierárquica da Ásia Oriental, que era percecionada como uma
qualidade necessária na manutenção de uma paz duradoura na região. Os Estados
circundantes aceitavam o estatuto hegemónico da China e “beneficiavam do sistema”
(Kang em Beeson e Stubbs, 2012: 62).
David Kang sugere o termo Sociedade Confuciana para se referir à China,
Coreia, Vietname e Japão enquanto grupo de auto-consciência política que partilha as
mesmas normas, ideias e interesses. O Japão representava a zona limítrofe desta
sociedade na medida em que era o mais hesitante em aceitar o domínio chinês e a sua
posição central (Kang em Beeson e Stubbs, 2012: 62).
A esta designação de Kang, podemos dizer que Luís Tomé faz corresponder a
Zona Sínica, que compreende a Coreia, o Vietname, as Ilhas Ryukyu (Okinawa) e o
Japão17
. Kang faz referência às tribos nómadas (mongóis, quitãs, uigures e outros), que
se distinguem dos Estados sinizados da Sociedade Confuciana sobretudo pela
17
Embora o Japão apenas tenha pertencido à Zona Sínica temporariamente, em particular entre o século
VI e IX, e sobretudo por via cultural (Henshall (2004) cit. por Tomé, 2010: 98).
46
identidade cultural, mas que ainda assim não deixam de aceitar a ordem sinocêntrica.
Paralelamente, Luís Tomé fala em Zona Próxima, para se referir ao Tibete e outros
povos nómadas e semi-nómadas da Ásia Central e ainda em Zona Distante, que
compreendia as unidades mais distantes do Sudeste Asiático, da Ásia do Sul, do Médio
Oriente, África, eventualmente, o próprio Japão e, mais tarde, a Europa (Alagappa,
1998: 68 cit. por Tomé, 2010: 94-95) (Anexo 3).
A supremacia chinesa assentava em dois fundamentos principais: o primeiro, de
carácter material, baseava-se no facto de a China se constituir como “o único Estado
capaz de projetar poder hegemónico” (Moon e Chun em Alagappa, 2003: 116); e o
segundo, de natureza moral, estava relacionado com o Confucionismo, por considerar
que China representa o “centro de gravidade moral” (Moon e Chun em Alagappa, 2003:
116), a partir do qual se transmitem os ensinamentos confucionistas para iluminar os
povos bárbaros18
das redondezas. O sistema confuciano baseava-se na hierarquia e não
na igualdade. O imperador era visto como o mediador entre o céu e a terra e “os
princípios de política externa eram os mesmos que regiam a política doméstica e até
mesmo as relações familiares (…). A China era o centro do universo civilizado, [não era
apenas um Estado entre pares, mas] era o vértice da civilização” (Krasner, 2001: 177).
Estes dois motivos contribuíam para a aceitação de uma ordem hierárquica na
Ásia e conferiam à China a autoridade material e moral para prosseguir o princípio de
shidazishao (“respecting the great, namely China, while the great takes care of the
small”) (Krasner, 2001: 177).
A ausência de normas que regulassem as relações internacionais asiáticas
derivava do facto de a China se assumir como única entidade civilizada, fazendo com
que “a conquista territorial e a anexação se tornassem as principais regras do jogo”
(Moon e Chun em Alagappa, 2003: 115).
No entanto, o sistema tributário não envolvia, necessariamente, um controlo
desmesurado por parte da China. Na Coreia, por exemplo, não houve representação
permanente durante o período Qing, mas também não houve nenhuma intervenção
externa ou intromissão na política doméstica até o final do século XIX, quando se
acentuaram as pressões internacionais (Krasner, 2001: 178). “Não eram protectorados
no sentido ocidental da palavra, mas cediam parte da sua autonomia à China” (Krasner,
18
Por bárbaros entendiam-se todos os povos não sinizados que estavam para lá do círculo sínico (Tomé,
2010: 95).
47
2001: 179). De facto, os Estados não perdiam a sua independência, já que podiam
conduzir as suas políticas internas e externas independentemente da China.
“Quando as dinastias eram unidas e fortes, a China era expansiva, insistindo na
hierarquia de relações com os seus vizinhos, recompensando bons comportamentos e
castigando as unidades “marginais”; noutras fases, quando as dinastias estavam
enfraquecidas ou em declínio, tornavam-se mais pragmáticas, aceitando estabelecer
relações numa base de maior igualdade” (Tomé, 2010: 96-97).
A aceitação do sistema tributário centrado na China foi posto em causa, por
diversas vezes, ao longo da história. A invasão japonesa à Península Coreana no final
do século XVI, por exemplo, equivaleu a uma tentativa de desafiar a hegemonia chinesa
e a própria chegada das potências coloniais à Ásia veio alterar as relações de
vassalagem estabelecidas.
2.2 O declínio da China e a ascensão japonesa
“Depois de uma longa era sino-cêntrica, o sistema internacional da
Ásia Oriental entrou num Século de profundas e sucessivas
transformações. As forças motrizes foram, entre meados do Século
XIX e a II Guerra Mundial, o declínio da China, a colonização
europeia, as chegadas da Rússia e dos EUA e a emergência e o
expansionismo do Japão.” (Tomé, 2010: 99)
O estatuto epicentral da China na ordem da Ásia Oriental que, de certo modo,
garantira a estabilidade da região durante um longo período, seria posto em causa com o
advento do “período das humilhações”. O contacto com as potências europeias, em
especial durante as Guerras do Ópio (1839-1842 e 1850-1860), desafiou seriamente a
ordem sino-cêntrica da Ásia: “Os interesses materiais dos protagonistas eram
incompatíveis: a China e a Coreia queriam preservar a sua autonomia, as potências
europeias procuravam o acesso económico; o Japão procurou a autonomia e depois, a
expansão” (Krasner, 2001: 174).
A Ásia da segunda metade do século XIX debateu-se com duas formas de
organização do sistema internacional: o do Confucionismo Ŕ da hierarquia e da
deferência – e o do Ocidente Ŕ da soberania e igualdade (Krasner, 2001: 195). Se tanto
os países da ordem sino-cêntrica como os países ocidentais tivessem respeitado os
princípios que advogavam, talvez a história da Ásia que hoje conhecemos tivesse
contornos bem diferentes.
48
Embora as culturas da Europa e Ásia-Pacífico estivessem em contacto desde o
século XVI, ambas começaram a entrar em rutura quando o Ocidente conseguiu ganhar
capacidade económica e militar para desafiar a China (Krasner, 2001: 178).
A China tinha-se tornado um Estado soberano moderno ao celebrar tratados com
o Ocidente, em particular com a Grã-Bretanha. A adoção de normas de Direito
Internacional Público e a abertura forçada de portos causaram profundas transformações
no conceito de soberania na Ásia (Krasner, 2001, cit. por Moon e Chun em Alagappa,
2003: 117). É nesta altura que, pela primeira vez, o conceito de soberania estatal no
sentido vestefaliano é introduzido na Ásia (Moon e Chun em Alagappa, 2003: 117). “O
Japão reformou a ordem política interna de um sistema feudal para uma monarquia
absoluta, através da Restauração Meiji19
. A China transformou a soberania da
monarquia absoluta em soberania popular na Revolução de 191120
” (Moon e Chun em
Alagappa, 2003: 117).
Devido à coerção militar levada a cabo pelas potências ocidentais, a China viu-
se forçada a alterar algumas políticas domésticas, vendo violada a sua soberania
vestefaliana, ao ser forçada a assinar uma série de tratados internacionais (Krasner,
2001: 180). As eventuais estratégias para travar a incursão ocidental foram obstruídas
pela falta de conhecimento que a China tinha sobre o Ocidente. Nesta matéria, o sistema
ocidental estava em clara vantagem, já que as práticas de soberania (existência de
representantes permanentes, como embaixadores e cônsules) facilitavam a transmissão
de informação (Krasner, 2001: 175).
Tanto europeus como japoneses precisavam de um quadro institucional que lhes
garantisse algum controlo sobre a China sem os custos da ocupação direta. É neste
contexto que surge o Tratado de Nanquim, em 1842, “o primeiro tratado desigual”
imposto à China, depois da Primeira Guerra do Ópio, e que estabeleceu cinco tratados
portuários entre a Grã-Bretanha e a China Qing, e nos quais era garantido o estatuto da
19
A Restauração Meiji traduziu-se numa série de mudanças político-sociais que ocorreram no Japão entre
1866-1869. O período Meiji iniciou-se com a destituição do Shogunato Tokugawa (a 9 de Novembro de
1867), que até então tinha preconizado uma política isolacionista (sakoku), mergulhando o Japão numa
dura crise económica. Aboliu-se o sistema de estratificação social e restituiu-se a posição central do
imperador, símbolo da unidade e poder nacional, que lançou um conjunto de reformas com vista à
modernização e industrialização japonesa. O Japão havia-se tornado numa Monarquia Constitucional
inspirada no modelo europeu, “copiou instituições, adoptou códigos e regras, imitou o exército prussiano,
a marinha britânica, a administração francesa ou as armas americanas” (Tomé, 2010: 117). O sistema
etnocêntrico japonês perdeu a validade prática e o seu receio pelo intervencionismo estrangeiro foi
substituído pela vontade imperialista, laçando-se, em pouco tempo numa verdadeira expansão militarista
na Ásia Oriental. 20
Também conhecida como “Revolução Xinhai” (Outubro 1911-Fevereiro 1912), estabeleceu a
República da China após o derrube da Dinastia Qing.
49
extraterritorialidade. O Tratado foi altamente penoso para a China, ao obrigá-la a pagar
uma indemnização de 6 milhões de dólares pelo ópio confiscado pelos chineses, a
reduzir as suas tarifas de 60-70% para 5% e a ceder Hong Kong, representando a derrota
militar do Império do Meio (Magalhães, 2005: 117). Os ingleses violaram também o
princípio soberano da não-intervenção ao tomarem para si algumas funções estatais da
China, como o controlo das alfândegas, que visava ser uma medida temporária. Em
Xangai, por exemplo, os chineses eram tratados como estrangeiros e sujeitos a elevadas
taxas comerciais (Krasner, 2001: 181).
Seguiram-se uma série de “tratados desiguais”, incluindo o Tratado de Wangxia
com a América (1844), o Tratado de Whompoa com a França (1844), que ficaram
conhecidos como sistema de tratados na China (Cui, 2007: 76), e que representava uma
séria ameaça aos valores confucianos da China Imperial. Em 1849, os portugueses, que
haviam ocupado Macau desde 1557, rejeitaram a soberania chinesa (Krasner, 2001:
180). O conceito ocidental de igualdade de soberania veio a revelar-se, na verdade,
como desigualdade, colocando a China numa posição “semi-colonial” (Cui, 2007: 77).
Este sistema de tratados traduziu-e na “europeização da ordem regional”: “A China
deixou de ser hegemónica e o sistema tornou-se multipolar, dominado pelas grandes
potências ocidentais” (Magalhães, 2005: 150).
Em apenas duzentos anos (1650-1850), a população chinesa tinha passado de
100 milhões para 400 milhões de habitantes, aumentando a pressão sobre a terra e sobre
os recursos disponíveis. Conjuntamente, com a Revolta de Taiping (1850-1866), a
China entra em guerra civil. Entre 1857 e 1860 decorre a Segunda Guerra do Ópio,
“lançada por forças franco-britânicas e na sequência da qual é imposto à China um novo
par de tratados desiguais (o Tratado de Tianjin, em 1858 e o Tratado de Pequim, em
1860), sendo a China obrigada a abrir aos Ocidentais mais onze portos e a ceder aos
britânicos a Península de Kowloon, junto a Hong Kong” (Tomé, 2010: 100). Também a
Rússia czarista, por tratado em 1858, garantiu a ocupação da margem norte do rio Amur
e, em 1860, mais território entre o Ussuri e zona costeira (Krasner, 2001: 180). A Rússia
aproveitou ainda a fragilidade chinesa para começar as suas incursões sobre o
Turquestão e a região da Zungária, na Ásia Central, anexando esses territórios em 1870
(Tomé, 2010: 100).
“Em 1866 e 1871, foram enviadas, respetivamente, forças francesas e
americanas para a Coreia, na altura Estado tributário da China” (Krasner, 2001: 180).
Em 1879 o Japão anexou as Ilhas Ryukyu, sobre as quais mantinha um controlo indireto
50
há dois séculos. Depois da Guerra Sino-Francesa, os franceses anexaram o atual
Vietname em 1885 e o Laos em 1893. Os alemães, que queriam estabelecer uma base
naval na Ásia, usaram como pretexto a morte de dois missionários para ameaçar a
China, assegurando a entrada em duas ilhas da Baía de Jiaozhou. Os russos conseguiram
uma concessão de vinte e cinco anos sobre Port Arthur. Foi com grande fúria que os
chineses receberam a notícia da celebração do Tratado de Shimonoseki, que se seguiu à
Guerra sino-japonesa de 1894-1895, em que China abdicava da soberania sobre a
Coreia, Taiwan, a Ilha dos Pescadores e a Península Liaodong em favor do Japão
(Fairbank, 1986: 193).
“A Guerra sino-japonesa de 1894-95 também inauguraria meio século de
sucessivas agressões do Japão contra a China, confirmando ainda o declínio do
“Império do Meio” e a emergência de uma nova potência asiática cuja expansão política
e territorial só iria parar meio século mais tarde.” (Tomé, 2010: 101). Apesar da
fragilidade chinesa, apenas as entidades tributárias, como a Coreia, o Vietname ou as
Ilhas Ryukyu, foram colonizadas. Os ingleses, em particular, tinham percebido a
dificuldade de ocupar territórios altamente povoados e relativamente desenvolvidos,
como tinha demonstrado o motim indiano de 1857 (Krasner, 2001: 181).
“Em 1898, a China arrendou à Grã-Bretanha os chamados “Novos Territórios”
(integrados no conjunto Hong Kong), por 99 anos, e à Rússia a Península de Kwantung
na Manchúria, por 25 anos” (Tomé, 2010: 101).
O célebre sinólogo americano, John King Fairbank, constata que a crise
económica arrastou, evidentemente, problemas políticos e sociais (Fairbank, 1986: 99).
Em adição à frequência das catástrofes naturais, a degradação da vida humana traduziu-
se também em graves problemas de fome, prostituição, corrupção e contrabando,
refletindo uma “desmoralização popular” (Fairbank, 1986: 104) que se manifestou na
prática do ópio.
A crise e as precárias condições de vida levaram o povo chinês a concluir que
grandes transformações seriam necessárias (Fairbank, 1986: 193). Como resposta à
humilhante derrota frente ao Japão, a Dinastia Qing procurou levar a cabo, em 1898, um
conjunto de medidas para reformar a política, a cultura e o sistema educativo chinês,
que ficou conhecido como a Reforma dos Cem Dias. Este movimento reformista,
conduzido pelo imperador Guangxu e apoiado por sectores mais progressistas da
sociedade chinesa e por missionários protestantes, gerou uma forte contestação junto de
sectores mais reacionários, que se aliaram à Imperatriz Dowager.
51
A decadência da China e as sucessivas humilhações frente às potências
europeias facilitaram “a ambiguidade da Corte Imperial, que primeiro reprimiu e,
depois, incentivou os ataques desencadeados pelos Boxers contra os estrangeiros e, em
especial, tentando limitar o tráfico do ópio” (Arquivo da Fundação Mário Soares).
A imperatriz conservadora reverteu o prosseguimento das reformas e ordenou o
extermínio dos estrangeiros. O movimento dos Boxer21
conduziu uma série de ataques a
igrejas cristãs e perseguição a estrangeiros, motivando, a 31 de Maio de 1900, a
intervenção conjunta da Rússia, EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, Áustria-Hungria,
França e Itália, que destruiu a resistência das tropas chinesas. O malogro da Revolta dos
Boxers, que representou uma humilhação para o povo chinês22
, enfraqueceu a Dinastia
Qing e acelerou o desencadeamento da Revolução Republicana de 1911.
Apesar de tudo, é importante não esquecer que o movimento de reforma é um
capítulo da história do pensamento chinês e não do pensamento ocidental (Fairbank,
1986: 205) e que depois de 1900, com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a
China viu nascer sentimentos nacionalistas que mais tarde se vieram a revelar
determinantes para a Revolução de 1911: “Malgré son apparition tardive, ce dernier
prenait sa source dans un sens de l‟identité culturelle qui se trouvait profondément ancré
dans la société chinoise et ses traditions” (Fairbank, 1986: 210). Quando a Dinastia
Qing colapsa, a Mongólia declara-se independente, ficando sob proteção russa. “Com a
China imersa no caos revolucionário”, também o Tibete aproveita para declarar a sua
independência, em 1912 (Tomé, 2010: 101).
“Se para a China, a interferência ocidental significou, em certa
medida, a sua desgraça, para o Japão constituiu um motor de arranque
do processo de nation-building semelhante aos moldes ocidentais”
(Cui, 2007: 100).
“A resposta do Japão ao desafio Ocidental não podia ser mais distinta da China”
(Tomé, 2010: 117). Enquanto o impacte ocidental deixou a China numa posição de
grande fragilidade, o Japão decidiu beber ideias e práticas ocidentais, de forma a
ingressar num processo que o transformaria numa das maiores economias do mundo,
21
Os Boxers eram membros da "Sociedade dos Harmoniosos Punhos Justiceiros", um grupo secreto
nacionalista chinês que se opunha ao imperialismo estrangeiro e ao Cristianismo. 22
Uma das cláusulas do Protocolo de Pequim (1901) envolvia uma avultada indemnização às potências
afetadas (cerca de 330 milhões de dólares em ouro), que seria cobrada nas alfândegas, passando estas a
estar sob administração estrangeira. O Protocolo permitia também a presença de bases militares para
proteção dos seus cidadãos.
52
deixando para trás a ordem mundial equilibrada e relativamente estável que girava em
torno da China (Goto, 2003: 3 cit. por Cui, 2007: 100).
“As muitas humilhações impostas à China desde meados do Século XIX até à II
Guerra Mundial deixaram uma marca profunda no país, tornando os dirigentes e povo
chineses muito sensíveis à ingerência externa e às normas e ações que possam interferir
com a integridade territorial e a completa autonomia política (…)” do país, contribuindo
significativamente para “a emergência do nacionalismo enquanto força poderosa e
agregadora na China” (Tomé, 2010: 106).
A China deixou assim de ser o pivot da ordem hierárquica regional, passando a
dividir o estatuto de grande potência com o Japão, que decidiu “competir no sistema
internacional ocidental em que o forte come o fraco” (Goto, 2003: 3 cit. por Cui, 2007:
100). Cui argumenta que o Japão tinha duas formas de garantir a sua independência
nacional: promovendo o Pan-Asianismo (“emphasising the need for Asian unity in the
face of Western encroachment”) ou juntando-se ao clube das Grandes Potências (Cui,
2007: 100). Foi a segunda opção que prevaleceu na política externa japonesa, como
sendo a resposta mais realista (Saaler cit. por Cui, 2007: 100), embora uma nova ordem
asiática liderada pelo Japão tenha ganho muitos adeptos nas últimas décadas.
Com efeito, após as vitórias frente à China e à Rússia na viragem para o século
XX, e depois de sair da Primeira Guerra Mundial do lado dos vencedores, mas
sobretudo a partir da década de 1930, o Japão empregou a retórica pan-Ásia na tentativa
de criar uma nova ordem asiática sob a sua liderança (Cui, 2007: 101). A procura de
recursos e novos mercados funcionou como justificação económica para o Japão
avançar em direção ao sul (nanshin seisaku), de forma pacífica.
Em termos de recursos, o Japão sofria de uma forte dependência em relação ao
comércio com os EUA e com as potências e colónias europeias. “A Grande Depressão
americana de 1929 e a subsequente crise económica expunham o lado negativo da
integração da economia japonesa no sistema económico internacional, sobretudo, face à
sua dependência dos mercados externos e às políticas protecionistas de outros: um
documento da época do próprio Governo Imperial do Japão demonstra receio de que os
países industrialmente avançados deixem futuramente de fornecer as matérias-primas
para as nossas indústrias que competem com as deles próprios … se as políticas
económicas dos países avançados industrialmente se direcionarem no sentido da
proibição ou restrição da exportação de matérias-primas para este país, a
consequência para nós seria tremenda” (Copeland, cit por Tomé, 2010: 121).
53
As preocupações de abastecimento convidam o Japão a colocar a segurança
económica no topo da agenda, conduzindo a políticas mais militaristas que tinham como
alvo principal a Manchúria: «cortes em bens de primeira necessidade do Japão e a
instabilidade no seu abastecimento tornam a Manchúria essencial para a segurança
nacional» (Copeland, cit. por Tomé, 2010: 122).
Na expectativa de se tornar uma espécie de Inglaterra da Ásia, o Japão procurou
integrar territórios que lhe garantissem recursos e mão-de-obra, num modelo que
sintetizava o colonialismo europeu e a expansão da Prússia de Bismark (Tomé, 2010:
118). Depois da anexação da Coreia, Taiwan, de uma parte considerável de território na
Manchúria e de várias ilhas circundantes, o Império do Japão ganhou prestígio junto das
potências ocidentais, posicionando-se do lado dos Aliados durante a Primeira Guerra e
garantindo um lugar de “membro permanente do Conselho da Sociedade das Nações e o
mandato de tutela sobre antigas possessões alemãs no Pacífico (Bonim, Marianas,
Carolinas e Marshall) (…). O Japão atingia o triplo objetivo de desenvolvimento
económico, segurança e igualdade com as grandes potências, sendo claramente a
potência hegemónica no Nordeste Asiático.” (Tomé, 2010: 120).
Em 1936, o Japão produziu um documento intitulado “Fundamentos da Nossa
Política Nacional” com o objetivo de assegurar a posição do Japão na Ásia Oriental,
mais concretamente na Coreia, Taiwan, Manchúria e outras partes da China e «ao
mesmo tempo, avançar e desenvolver-se nas áreas a Sul» (Copeland cit. por Tomé,
2010: 123); contudo, esta expansão para Sul deveria ser «gradual e por meios
pacíficos», se possível, para evitar a reação das potências Ocidentais (Tomé, 2010: 120).
“Entretanto, na China, em 1937, o Japão ajudou a criar um Governo Federal
Mongol e avançou para Sul de Pequim, ocupando toda a área até Xangai, incluindo a
capital Nanquin”. A guerra com a China não se fez esperar, “somando os nipónicos
sucessivas vitórias e praticando uma política de terror e de ocupação brutal, de que são
exemplos o morticínio e as violações em massa perpetradas na capital onde, aliás, os
japoneses instalariam a fantoche “República de Nanquin”, entre 1940 e 1945.” (Tomé,
2010: 123).
As pretensões imperialistas, fossem elas baseadas nos ideais de “Nova Ordem”
dos anos 30 ou na fórmula da “Esfera de Co-prosperidade da Grande Ásia Oriental”23
dos anos 40, não demoraram a chegar.
23
Que equivalia a um bloco de nações asiáticas lideradas pelos japoneses e livre das potências ocidentais.
54
O Ministro dos Negócios Estrangeiros Matsuoka Yosuke anunciou formalmente
a ideia de “Esfera” no dia 1 de Agosto de 1940. Sob a bandeira “Ásia para os Asiáticos”
(Rhodes, 1976: 248), o Japão conduziu uma campanha expansionista mais agressiva em
direção ao Sul, ocupando a Indochina, subordinada à França Vichi, em Julho de 1941. O
ministro posterior, Shigenori Togo, que encontrou em funções em Outubro do mesmo
ano, defendeu que o sucesso desta Esfera garantiria a liderança japonesa da região da
Ásia Oriental. Seguindo esta lógica de pensamento, o Japão conduziu o ataque à base
militar norte-americana de Pearl Harbor, a 7 de Dezembro de 1941. Começava assim a
Guerra do Pacífico, coincidindo com a entrada do Japão na Segunda Guerra Mundial.
Ainda entre Dezembro de 1941 e Junho de 1942, o Japão conquistou Singapura,
as Índias Holandesas, a Malásia, as Filipinas e a Birmânia. “No Verão de 1942, a
Armada Imperial levava o Japão a atingir o seu apogeu expansionista, chegando ao
Noroeste marítimo da Austrália, à Costa Norte da Nova-Guiné e a Guadalcanal (Ilhas
Salomão) e outras ilhas americanas no Pacífico.” (Tomé, 2010: 126)
A Esfera colapsou aquando da capitulação japonesa, em Agosto de 1945, sem
nunca se ter materializado na ideia de uma “Ásia unida”, pois esta fórmula acabou por
servir apenas os interesses japoneses e não os das regiões ocupadas, cujos níveis de vida
declinaram em virtude da falta de investimento económico.
2.3. Significado das experiências de sino-centrismo e imperialismo japonês
A centralidade chinesa é importante para compreender as raízes dos argumentos
dos analistas que acreditam que a China poderá estar a recuperar o sino-centrismo do
passado e/ou que poderá tornar-se o centro de um “Novo Regionalismo” que se estará a
formar na Ásia-Pacífico. Por outro lado, as próprias relações tributárias Ŕ “sempre
bilaterais, nunca multilaterais” (Mancall, 1968: 65 cit. por Cui, 2007: 120) Ŕ poderão
ajudar a encontrar uma explicação para a opção bilateral em detrimento do
multilateralismo. Primeiro, porque os participantes da ordem mundial chinesa
interagiam com a China Imperial mas não uns com os outros, de forma significativa.
Em segundo lugar, porque estes mesmos países encaram com desconfiança as ideias de
integração regional, temendo que se possam constituir como ameaça a uma soberania
que tanto custou a ganhar, e que os faça regressar a relações de vassalagem para com
uma China em crescimento (Cui, 2007: 120).
55
O domínio ocidental «assina a ata de nascimento da Ásia contemporânea»
(François Godement cit. por Tomé, 2010: 115). A presença ocidental transformou o
sistema internacional da Ásia Oriental: “pôs fim ao sistema regional sino-cêntrico,
subvertendo a noção de superioridade da China e contribuindo, ao mesmo tempo, para a
emergência do Japão enquanto grande potência, o que tornou o sistema internacional da
Ásia Oriental difuso, com vários centros importantes de poder: Grã-Bretanha, França,
Holanda, Rússia, Estados Unidos, Japão e a própria China” (Tomé, 2010: 115).
As experiências do período colonial contribuíram ainda para o forte apego
asiático aos princípios da soberania, integridade territorial e não interferência nos
assuntos internos, ainda hoje aspetos cruciais da política regional. (Tomé, 2010: 115).
Os princípios por detrás da Nova Ordem japonesa, não eram muito diferentes do
sino-centrismo que tinha prevalecido na Ásia Pacífico até então. A hierarquia
desempenhava um papel pivot em ambos os projectos: enquanto a Ásia sino-cêntrica
estava dividida, como vimos anteriormente, em zona sínica, zona próxima e zona
distante, a Nova Ordem japonesa encontrava-se dividida em Estados independentes e
fantoches, protetorados semi-independentes (sob administração japonesa), e colónias
(pertencentes às potências europeias) (Saaler, 2006 cit. por Cui, 2007: 105). Portanto,
até certa medida, a ordem da Ásia-Pacífico pouco se alterou neste intervalo temporal:
passou de uma ordem hierárquica sino-cêntrica para uma nova hierarquia liderada pelo
Japão (Cui, 2007: 105).
O Imperialismo japonês deixou um legado de ressentimentos anti-nipónicos por
toda a Ásia Oriental, particularmente na China, Coreia e países do Sudeste Asiático:
“afinal, o “asiático” Japão teve um comportamento imperialista semelhante aos
ocidentais na Ásia e, em larga medida, mais brutal” (Tomé, 2010: 128).
Para os países do Sudeste Asiático, a ocupação japonesa “representa uma
memória histórica coletiva comum importante”, “que contribui para a reconstrução
identitária à escala regional” (Tomé, 2010: 128). Já no Nordeste Asiático, a dominação
japonesa contribuiu muito para a acentuação de nacionalismos, que passaram a ser
identificados com sentimentos anti-Japão. Muitos governos do pós-Guerra empregaram
o argumento da resistência contra a agressão japonesa para justificar as suas decisões. A
título de exemplo, Luís Tomé associa a aversão aos japoneses à ascensão do Partido
Comunista na China: “a luta pela libertação contra o invasor japonês ajudou,
inquestionavelmente, à posterior ascensão do Partido Comunista Chinês ao poder,
colhendo os frutos da vitória para efeitos de auto-legitimação” (Tomé, 2010: 128).
56
A derrota do Japão e a experiência aterradora dos bombardeamentos atómicos
marcaram profundamente a sociedade japonesa, contribuindo para a institucionalização
de uma política externa pacifista, assente na não-nuclearização (Tomé, 2010: 129).
Por um lado, concluímos que as experiências de sino-centrismo e imperialismo
japonês afetaram os nacionalismos da Ásia Oriental, que passaram a dar uma ênfase
muito vincada aos princípios da soberania e da não-intervenção Ŕ atitude que acabou
por se refletir em questões como a democracia e mesmo direitos humanos. Por outro, o
declínio chinês e a ascensão japonesa da primeira metade do século XX clarificaram
que a ordem da Ásia-Pacífico deixara de ser claramente sino-cêntrica, passando o Japão
a disputar com a China, até hoje, a liderança pela região.
Se para alguns autores, estas experiências impediram a emergência de uma
consciência regional e de uma identidade coletiva, dando pouco alento a esperanças
multilateralistas (Cui, 2007: 121), outros acreditam que os ressentimentos históricos
contra as potências agressoras poderão ter unido os Estados invadidos para que não
voltassem a experienciar este tipo de sofrimento, criando eles próprios, a partir da
agressão sofrida, uma base identitária comum.
2.4. As heranças da Guerra Fria no Nordeste Asiático
O Tratado de Paz de São Francisco, assinado a 8 Setembro de 1951 entre o
Japão e as “potências aliadas”, pôs fim à Guerra do Pacífico e à posição de poder
imperial do Japão, que se viu obrigado a renunciar formalmente a todos os territórios
que tinha conquistado pela força. À assinatura do Tratado fez-se corresponder o início
do Sistema de São Francisco, que inaugurava um período de predomínio dos EUA na
região. Com efeito, ainda no mesmo dia, os EUA e o Japão assinaram um Tratado de
Segurança, em que os americanos se encarregavam da defesa japonesa, “podendo
dispor no território nipónico de forças terrestres, aéreas e navais que visavam também a
segurança de toda a Ásia-Pacífico” (Tomé, 2010: 140). Este Pacto seria renovado,
posteriormente, com os Tratados de Cooperação Mútua e de Segurança, em 1960, e,
novamente, em 1972 (Tomé, 2010: 140).
O Sistema de São Francisco corresponde a uma rede de alianças bilaterais ou um
sistema de hub-and-spokes, em que o centro (hub) era Washington e a periferia (spokes)
os países asiáticos envolvidos, e integrava-se na estratégia global de containment por
parte dos EUA. “A ideia do Sistema de São Francisco abandonou o multilateralismo”
57
(Cui, 2007: 159). O Sistema, arquitetado por John Foster Dulles, futuro Secretário de
Estado do Presidente Eisenhower, baseava-se em alicerces já não exclusivamente
securitários, uma vez que se verifica a existência de uma dimensão económica (Cui,
2007: 159):
1. Uma densa rede de alianças bilaterais e formais de segurança, incluindo os
tratados de segurança mútua entre os EUA e a Austrália e Nova Zelândia
(Julho de 1951), as Filipinas (Agosto de 1951), o Japão (Setembro de 1951) e
a Coreia do Sul (Novembro de 1954);
2. Direito de estabelecer bases militares americanas por toda a região;
3. Ajuda à reconstrução mais modesta, em comparação com a ajuda da Europa
Ocidental; e
4. A integração gradual das economias aliadas, em condições preferenciais
respeitantes ao comércio bilateral-internacionalista e ordem financeira
promovidos pelos EUA, nas porções não-comunistas da Coreia e China.
É neste contexto que, do lado japonês, se desenvolve a Doutrina Yoshida,
distinguindo-se pela prioridade que atribui ao desenvolvimento económico, e que se
assume como um verdadeiro princípio basilar da política externa japonesa durante a
Guerra Fria. Tirando partido da imposição do Artigo 9º da Constituição, que proibia a
remilitarização japonesa24
, o Japão desinvestiu na Defesa, deixando a proteção da sua
integridade nas mãos de um aliado mais poderoso. Ao adotar esta estratégia de
bandwagoning, mesmo que forçosamente, o Japão põe em prática uma agenda realista
centrada na reconstrução económica do país, com o objetivo de voltar a ganhar prestígio
internacional.
Pretende-se assim demonstrar que, para além dos legados históricos
mencionados anteriormente, e como argumentam Hemmer e Katzenstein (2002), a
preferência norte-americana pela abordagem bilateral na relação com os seus parceiros
asiáticos ficou evidente no Sistema de São Francisco, podendo aqui encontrar-se uma
24
Artigo 9º da Constituição Japonesa de 1947: “Sinceramente aspirantes a uma paz internacional baseada
na justiça e na ordem, o povo do Japão renuncia para sempre à guerra como um direito soberano da
Nação e à ameaça ou uso da força como meio de resolução dos litígios internacionais. 2) A fim de
concretizar o objetivo do parágrafo precedente, as forças terrestres, marítimas e aéreas, bem como
qualquer outro potencial de guerra não serão mantidos. O direito de beligerância do Estado não será
reconhecido.” (tradução de Osvaldo Takahara, em «A Constituição do Japão», disponível para consulta
em http://pt.scribd.com/doc/5523356/A-Constituicao-do-Japao, a 1 de Julho de 2012).
58
explicação para a forma peculiar como os Estados do Nordeste Asiático conduziram as
suas políticas externas desde a Segunda Guerra Mundial.
De facto, depois de 1945, a organização das regiões desenvolveu-se em moldes
muito diferentes à da região em estudo. Se a predisposição geral do pós-Segunda Guerra
Mundial parecia ser a do multilateralismo a funcionar como critério para a diferenciação
de Estados mais integrados e desenvolvidos, o Nordeste Asiático escapou claramente a
esta tendência. E, do ponto de vista de uma sociedade internacional regional, a ausência
de uma moldura multilateral no Nordeste Asiático era vista como preocupante (Buzan e
Segal cit. por Cui, 2007: 113).
Na Ásia-Pacífico, a disputa ideológica subjacente ao período da Guerra Fria
acentuou a animosidade em relação a rivalidades históricas anteriores, na medida em
que dividiu nações, como foram os casos da Coreia, China, e Vietname e despoletou
duas guerras internacionais: a Guerra da Coreia e a Guerra da Indochina (Tomé, 2010:
187). “Os regimes comunistas, as muitas disputas territoriais ainda existentes ou os
hotspots Península Coreana e Taiwan são claramente “estigmas” da Guerra Fria;
similarmente também o pacifismo institucionalizado do Japão e as alianças dos EUA na
região (…)” (Tomé, 2010: 190).
Até certo ponto, podemos dizer que a ordem regional do Nordeste Asiático
conheceu uma evolução relativamente autónoma no que diz respeito à bipolaridade da
Guerra Fria a nível global (Tomé, 2010: 189). Alagappa sustenta que durante o period
de Guerra Fria an Asia-wide regional security system emerged, for the first time in
history (Alagappa, 1998: 88).
A política externa norte-americana em relação à Europa e à Ásia nas décadas de
40 e 50 conheceu contornos bastante díspares (Cui, 2007: 117). O nascimento da NATO
significava a preferência por uma estrutura multilateral para lidar com os assuntos
europeus, ao passo que na Ásia, a opção recaiu sobre o sistema de alianças bilaterais do
tipo hub-and-spokes. Contudo, Hemmer e Kantzenstein questionam-se sobre a razão
para o bem-sucedido modelo da NATO não ter sido importado para a realidade asiática.
Uma das explicações prende-se com a disparidade de poder entre os EUA e os aliados
asiáticos, tornando-se a moldura multilateral pouco atrativa aos olhos dos EUA; outra
justificação que parece ter desempenhado um papel não menos importante, reporta-se à
questão da identidade: “Shaped by racial, historical, political, and cultural factors, U.S.
policymakers saw their potential European allies as relatively equal members of a
59
shared community. America‟s potential Asian allies, in contrast, were seen as part of an
alien and, in important way, inferior community” (Hemmer e Kantzenstein, 2002: 575).
Na Europa, os EUA encontravam não só a partilha comum de valores como a
democracia, religião e economias de mercado mas também a partilha da ameaça
soviética (Cui, 2007: 118). Pelo contrário, no Nordeste Asiático, os EUA deparavam-se
com o Japão, antigo inimigo na Segunda Guerra Mundial, economicamente devastado; a
China Nacionalista isolada em Taiwan depois de ter perdido a administração da China
Continental e a Coreia mergulhada no caos interno (Cui, 2007: 119). Na sua tese
doutoral, Shunji Cui argumenta ainda que a política norte-americana em relação ao
Nordeste Asiático foi “essencialmente instrumental”, pois foi orientada pelo propósito
ideológico da contenção do Comunismo, sobretudo após a ascensão do Partido
Comunista na China.
A preferência norte-americana pela abordagem Estado-Estado em relação aos
países do Nordeste Asiático durante o período da Guerra Fria pode ajudar a explicar a
perpetuação da opção bilateral nos anos que se seguiram ao fim desta. No fim de contas,
tinha sido o primado do bilateralismo a assegurar a estabilidade possível numa região
fortemente marcada por pontos de clivagem e fricção.
Pode argumentar-se que, do ponto de vista macro, a Guerra Fria acabou mais
cedo na Ásia (Cummings, 1998: 459 cit. por Cui, 2007: 122). De facto, a reaproximação
sino-americana na década de 1970 constituiu um elemento importante na reconstrução
da sociedade internacional do Nordeste Asiático e ajuda a explicar a interdependência
económica e consequentes tendências regionalistas que se fizeram sentir por toda a
região. A nova relação entre as duas potências “esvaziou a lógica da Guerra Fria do seu
anterior significado” (Cummings, 1998, cit. por Cui, 2007: 122), desempenhou um
papel decisivo na transformação interna da China e na sua integração na sociedade
internacional e possibilitou também que o Japão normalizasse as relações com a RPC
(Cui, 2007: 123).
Paralelamente, a tripolaridade que marcou as relações entre os EUA, URSS e
RPC, durante todo o período da Détente25
propiciou uma verdadeira “Dupla Guerra
Fria” na Ásia Oriental.
25
A Détente corresponde a uma fase da Guerra Fria que ficou marcada pela distensão das relações entre
os EUA e a URSS. Détente é definida por Kissinger como um “processo de gestão de relações com um
país potencialmente hostil com vista à preservação da Paz e manutenção dos interesses vitais”(cit. por
60
As direções dos partidos comunistas na China e União Soviética começaram a
divergir, por razões ideológicas, logo a partir do XX Congresso do PCUS (1956):
“enquanto Kruschev implementava o seu “Novo Rumo”, Mao condenava a
destalinização e apresentava-se como o guia avançado da revolução comunista mundial”
(Tomé, 2010: 152). Contudo, como ressalva Luís Tomé, às questões pessoais e
ideológicas juntaram-se os assuntos de Estado, uma vez que a China Popular temia que
a Doutrina de Coexistência Pacífica sacrificasse os interesses da RPC e a própria
estratégia revolucionária mundial do Comunismo. Como se veio a verificar, a URSS
não apoiou a RPC nas crises dos Estreitos de Taiwan (em 1954 e 1958-60), o que para
Mao significava que os soviéticos “pactuavam” com os EUA na manutenção da divisão
da China. Quando Moscovo recuou na “Crise dos Mísseis de Cuba” (1962), depois de
ter recusado auxílio aos chineses no desenvolvimento das suas armas nucleares, Mao
criticou duramente Kruschev, acusando os soviéticos de serem tigres com garras de
papel e de conduzirem um movimento revisionista e contra-revolucionário (Tomé,
2010: 152).
A cisão sino-soviética atingiu dimensões mais complexas, ligadas à dinâmica da
própria região, e não passou despercebida aos EUA. Pelo contrário, as administrações
norte-americanas, sobretudo a Administração Nixon, tiraram partido desta rotura para
melhorar a relação com ambas as partes. Ao mesmo tempo que empregava a política de
linkage26
em relação à União Soviética, jogou a “cartada chinesa”, que se traduziu numa
série de operações diplomáticas com vista à reaproximação sino-americana. Em 1971,
Kissinger desloca-se secretamente a Pequim para negociar a substituição da República
da China pela República Popular da China nas Nações Unidas. Com a Resolução 2758
da AGNU, de 25 de Outubro de 1971, a RPC torna-se “a única representante legal da
Bell, 1977: 251). Assim, a conceção americana de Détente, nos anos 70, consistiu numa tentativa de
diminuir os riscos de um conflito nuclear e usar este interesse comum, partilhado com a URSS, para
estabelecer uma rede de relações com vantagens mútuas. Encorajou-se uma relação mais previsível entre
os rivais da Guerra Fria, de forma a recuperarem as desordens internas que os haviam abalado durante os
anos 60 (Gaddis, 2005: 186). A aceitação genuína da paridade estratégica, por parte dos EUA, foi
largamente refletida nos Acordos SALT (que limitavam o número de mísseis balísticos intercontinentais
(ICBM) e de lançamento submarino (SLBM) que cada lado podia instalar, assim como proibiam os
sistemas de defesa contra tais mísseis (ABM). 26
A política de linkage, preconizada por Nixon e Kissinger durante os anos da Détente, é descrita pelo
então Secretário de Estado como uma tentativa de livrar a política-externa norte-americana de oscilações
entre “overextension and isolacionism and to ground it in a firm conception of the national interest”
(Kissinger, 1979: 130). Os ganhos conseguidos em determinadas áreas onde a negociação era possível
não poderiam depois deixar de produzir avanços, igualmente significativos, noutras áreas afins
(Rodrigues, 2004). No caso das negociações SALT, por exemplo, pretendeu-se que servissem de alavanca
a uma atitude mais favorável de Moscovo na questão do Vietname, mas também que favorecessem a
posição negocial norte-americana na questão de Berlim e no Médio Oriente (Nixon, 1990: 3).
61
China na ONU” e assegura assim o estatuto de membro-permanente no Conselho de
Segurança.
Evidentemente, o largo reconhecimento que a RPC começou a obter junto da
sociedade internacional funcionou em detrimento da República da China. Desde o
Shanghai Communiqué, que decorreu durante a imponente visita de Nixon à China
(1972) e em que os EUA acordaram na política de Uma China, Taiwan viu a presença
americana ser gradualmente reduzida, até à retirada completa das tropas em 1979, ano
em que os EUA estabelecem relações diplomáticas com a RPC (Tomé, 2010: 159).
Ainda assim, o Congresso americano aprova no mesmo ano o Taiwan Relations
Act, por meio do qual os EUA continuariam a assegurar defesa taiwanesa. O governo de
Taipé beneficiou da política de ambiguidade norte-americana: se por um lado, os EUA
acordaram com Pequim o reconhecimento de uma só China, por outro (e na prática),
atuavam segundo o princípio de duas Chinas.
A Détente, que assinalou a melhoria de relações entre os dois blocos da Guerra
Fria desde a implantação da Ostpolitik alemã, também se fez sentir no Nordeste
Asiático. Seul e Pyongyang procuraram reduzir os níveis de hostilidade, chegando
mesmo a assinar, em 1972, uma “Declaração de Princípios Conjunta”, com vista à
reunificação pacífica. Embora as negociações tenham sido suspensas no ano seguinte, as
duas capitais coreanas procuravam “evitar efeitos nefastos para si que pudessem resultar
da nova triangulação Washington-Moscovo-Pequim” (Tomé, 2010: 161).
Também o Japão procurou adaptar-se a este novo ambiente da Guerra Fria.
A fim de validar a aliança com o Japão, os EUA devolveram territórios que
haviam estado sob a sua administração desde o fim da Segunda Guerra Mundial,
nomeadamente as Ilhas Bonin, em 1968, e o Arquipélago das Ruykyu, em 1972. Ainda
neste mesmo ano, o Japão e a RPC estabeleceram relações diplomáticas. A aproximação
sino-japonesa tornou-se possível com a melhoria de relações sino-americanas, com a
aplicação da Doutina Fukuda27
e com a adoção do conceito de comprehensive security,
uma conceção de segurança mais abrangente, que não se esgota na força militar mas que
leva também em conta outras dimensões, como vimos na abordagem que fizemos ao
conceito de segurança no Primeiro Capítulo. No caso japonês, a demanda securitária
27
A Doutrina Fukuda inaugurou uma nova orientação de política externa em relação aos países do
Sudeste Asiático, sendo inicialmente proclamada pelo primeiro-ministro Takeo Fukuda, em 1977, durante
a primeira Cimeira ASEAN-Japão. Segundo esta doutrina, o Japão afirmava-se como uma nação pacífica
e ideologicamente neutra, que rejeitava o propósito miliar e que procurava uma cooperação positiva e de
confiança mútua com os países do Sudeste Asiático.
62
recaiu sobretudo sobre a dimensão económica: em pouco tempo, o Japão tornou-se o
“segundo maior parceiro comercial não-comunista” da URSS, logo a seguir à RFA, e
“um dos maiores contribuintes financeiros e apoiantes políticos das Nações Unidas, um
dos principais impulsionadores da cooperação económica internacional, bilateral e
multilateral e um dos mais influentes membros do GATT, do FMI e da OCDE” (Tomé,
2010: 167-168).
A política anti-militarista e a garantia de segurança por parte dos EUA
permitiram que o país restabelecesse boas relações com outros atores regionais,
tornando-se, em pouco tempo, uma das grandes potências no regionalismo emergente da
Ásia-Pacífico. O Japão parecia ter definido com clareza as linhas de política externa que
viria a seguir até à atualidade, fortemente assentes na interdependência económica.
Após os desastres económicos e humanitários da campanha do “Grande Salto em
Frente” e da “Revolução Cultural” do período Mao, Deng Xiaoping Ŕ que se tinha
tornado líder do Partido Comunista Chinês em 1978 Ŕ levou a cabo um vasto programa
de reformas económicas que permitiu que a China transitasse de uma economia
planificada para uma economia de mercado, a que chamou Socialismo de Mercado. Por
sugestão de Zhou Enlai, Deng Xiaoping desenvolveu uma série de reformas nos
sectores da agricultura e indústria bem como nos sectores da defessa e ciência e
tecnologia, ficando conhecidas como “As Quatro Modernizações” denguistas.
Autorizou a criação de Zonas Económicas Especiais (ZEE), para atrair investimento
estrangeiro, e foi responsável pela ascensão de uma classe média urbana chinesa, que
fez disparar o consumo interno e as exportações nacionais.
Apesar dos sinais de revitalização económica que se fizeram sentir no Japão e na
China, a verdade é que a investida imperialista por parte do Japão e a posterior presença
ocidental na região, impediram quaisquer tentativas de reconstruir a ordem do Nordeste
Asiático sob uma única liderança no período da Guerra Fria, tornando o complexo de
segurança regional muito fragmentado (Cui, 2007: 125). Não obstante, a normalização
das relações China-EUA (1971-1979), China-Japão (1972) e os processos de
democratização na Coreia do Sul e em Taiwan pareciam fazer a região caminhar no
sentido de valores convergentes, contribuindo para a reemergência da sociedade
internacional regional.
63
2.5. O pós-Guerra Fria e a “Nova Ordem Internacional”
O fim do confronto ideológico entre os EUA e a URSS significou, para muitos
autores, a vitória do “Excecionalismo Americano” e a convicção de que os valores
americanos têm validade universal (Cui, 2007: 127). Para estes (Charles Krauthammer,
2002; Wohlforth, 1999), a nova ordem internacional teria um cunho marcadamente
unipolar, já que o estatuto de potência pivot era atribuído aos EUA, por serem a
potência preponderante do sistema (não desafiada por nenhuma outra em termos de
poder relativo) e por terem a capacidade de projetar o seu poder a todas as áreas do
globo.
Ainda assim, Aldred e Smith alertam para o facto de não se dever afirmar que a
nova ordem internacional do pós-Guerra Fria é indiscutivelmente unipolar, uma vez que
os EUA encontram-se “constrangidos pelas agendas de outros países importantes e por
centros de poder internacionais”. Por outro lado, também não será correto dizer que a
nova ordem é “verdadeiramente multipolar”, uma vez que os EUA não são “just another
important power” (Aldred e Smith, 1999: 96).
A fim de superar este impasse conceptual, Aldred e Smith avançam com a
definição de “uni-tripolaridade”, com origens na visão hungtintoniana de “mundo uni-
multipolar”28
. Segundo esta conceção, a ordem mundial pós-1989 girava em torno de
três principais centros de poder: Ásia, Europa e EUA, sendo que este último ocupava a
“categoria especial” de superpotência (Aldred e Smith, 1999: 96).
Hungtington argumenta que a política internacional evoluiu de um breve
momento unipolar, logo a seguir à queda do Muro de Berlim, para dar lugar a um largo
período de uni-multipolaridade. Nesta nova ordem existe, num primeiro plano, o
predomínio de uma única superpotência (EUA) em todos os domínios de poder (militar,
político, económico, tecnológico e cultural). Num segundo plano, encontram-se os
principais poderes regionais (como por exemplo o condomínio franco-alemão na
Europa, Índia no Sudeste Asiático ou Brasil na América do Sul), seguidos de poderes
regionais secundários (Grã-Bretanha em relação ao condomínio franco-alemão,
Paquistão em relação à Índia ou Argentina em relação ao Brasil). A relação entre a
28
Samuel Hungtington definiu como mundo uni-multipolar “aquele em que a resolução dos problemas-
chave internacionais requere a ação de uma única superpotência e alguma combinação com outros estados
principais; e é aquele em que a única superpotência é capaz de vetar uma ação resultante da combinação
entre outros estados” (Hungtington, 1998).
64
superpotência e os principais poderes regionais é a chave da ordem uni-multipolar,
sendo que a estabilidade do sistema depende do equilíbrio conseguido entre os
interesses de um e outros. E uma vez que a superpotência não consegue, sozinha,
estabelecer uma ordem unipolar Ŕ como decerto preferiria Ŕ a tendência do século XXI
é a de que o sistema internacional caminhe no sentido da multipolaridade (Hungtington,
1998, 1999 e 2003).
No que respeita ao momento temporal que é associado ao fim da Guerra Fria (a
queda do Muro de Berlim, em 1989, seguido do desmoronamento da União Soviética,
em 1991), interessa, no contexto desta dissertação, mencionar alguns paradoxos ligados
ao fim do confronto bipolar.
A queda do Muro de Berlim não teve, na Ásia, o impacte imediato que a Europa
conheceu: enquanto de Berlim a Moscovo os regimes comunistas colapsaram, na RPC,
Coreia do Norte e Vietname perpetuaram-se; ao contrário da experiência de
reunificação alemã na Europa, a Ásia não viu a sua situação ser alterada na Península
Coreana, que continuou dividida. Apesar do colapso da URSS reduzir
consideravelmente as tensões militares na Europa, a propensão para o conflito em
Taiwan e na Coreia do Norte viria a aumentar, ainda mais, depois de 1990 (Berger, em
Kim, 2004: 143).
Por outro lado, as transformações globais que se fizeram sentir depois de 1990, e
que em parte caracterizam a nova ordem internacional (vaga democratizadora, transição
para economias de mercado e crescimento económico), fizeram-se sentir no Nordeste
Asiático com alguma antecedência. Na RPC, por exemplo, as políticas de abertura
económica tiveram início na década de 1970. Registou-se também uma vontade
democratizadora e um acentuado crescimento económico, de que é exemplo a
democratização dos regimes sul-coreano e taiwanês, que, de certa forma, procuraram
diferenciar-se “da outra parte”: Coreia do Norte e RPC, respetivamente. Não obstante,
enquanto a democratização sul-coreana nunca abandonou “o consenso interno em torno
do ideal da reunificação da Península”, em Taiwan, “o processo de democratização fez
emergir as profundas divisões internas em torno do ideal de reunificação da China e da
“identidade chinesa/taiwanesa”, ameaçando o statu quo no Estreito e fazendo aumentar
a tensão com Pequim (…)” (Tomé, 2010: 211).
65
Contudo, e para todos os efeitos, a balança de poderes tinha-se alterado no
Nordeste Asiático depois de 1990. O triângulo estratégico RPC-URSS-EUA tinha sido
substituído pela nova relação triangular entre os EUA, o Japão e a China. Com a
redução do significado das divisões ideológicas, o fim da Guerra-Fria permitiu que os
Estados asiáticos considerassem, com maior facilidade, o estreitamento de relações
económicas e securitárias entre blocos comunistas e capitalistas (Aggarwal et. al., 2008:
10-11). O Nordeste Asiático viu assim as tensões entre as potências da região
diminuírem de forma significativa, sendo que a redução de armamento e a melhoria de
relações económicas são dois indicadores que expressam essa mesma orientação.
Em pouco tempo, os EUA passaram do confronto à cooperação com o antigo
rival da Guerra Fria, nomeadamente na retirada iraquiana do Kuwait, nos acordos de
redução de armamento e no fortalecimento das relações comerciais. Também a Rússia e
a RPC procuraram normalizar as suas relações através da redução de patrulhamento nas
zonas fronteiriças e melhoria de relações comerciais e culturais (Zagoria, 1991: 2).
Posto isto, podemos afirmar que o fim da Guerra Fria eliminou a competição EUA-
URSS, esmoreceu a influência russa na região (nomeadamente no apoio russo
concedido à Coreia do Norte) e diminuiu a distância política entre Pequim e Tóquio.
Contudo, o desenvolvimento mais significativo do pós-Guerra Fria prende-se
com a contínua transformação da China desde meados da década de 1990. A China
personaliza o paradoxo do pós-Guerra Fria no Nordeste Asiático de “que tudo mudou,
mas nada mudou” (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 216): ao mesmo tempo que
parecia estar a tornar-se numa potência benigna, orientada para o mercado, acusava os
EUA de containment e continuava a apresentar gastos elevadíssimos no sector da
Defesa (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 216). Outros aspetos sistémicos
mantiveram-se igualmente inalterados: a Coreia do Norte continuou a ser uma ditadura
comunista totalitária e a questão taiwanesa permaneceu sem solução à vista.
66
3. O “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental no pós-Guerra Fria
3.1. Experiências frustradas
Os especialistas em matéria de regionalismos tendem a adotar uma retórica
realista na abordagem que fazem à capacidade das instituições regionais asiáticas
“cooperarem, com exercício de poder, na ordem anárquica”. Michael Leifer, por
exemplo, argumentou que era problemática “qualquer tentativa de lidar, por meios não-
militares, com o crescimento de um potencial poder hegemónico e consequente
desequilíbrio da balança de poderes” (Beeson e Stubbs, 2012: 5).
Não obstante, foram muitos e diversificados os enquadramentos teóricos que
surgiram para desafiar as explicações realistas e neo-realistas para o regionalismo “soft”
do Nordeste Asiático.
Para além dos neo-liberais, concorrentes diretos da escola realista, os
construtivistas têm-se afirmado, sobretudo nos últimos anos, como os principais
desafiadores da tradição de pensamento realista, alimentando um debate particularmente
interessante do ponto de vista das Relações Internacionais, entre os papéis
desempenhados pelos agentes e pela estrutura no processo de regionalização asiático
(Beeson e Stubbs, 2012: 6).
Os construtivistas tendem a destacar os “fatores ideacionais” Ŕ como normas,
cultura e identidade Ŕ no processo de regionalismo e institution-building asiáticos
(Beeson e Stubbs, 2012: 6). Neste contexto, Amitav Acharya reconhece o regionalismo
asiático como um sistema de valores e normas que influenciam “a forma como as
regiões asiáticas evoluíram e que se distingue dos processos de regionalização e
regionalismos que encontramos em outras partes do mundo” (Acharya, 2009: 6; 21-23
cit. por Beeson e Stubbs, 2012: 5).
Na sua recente publicação Whose Ideas Matter? Agency and Power in Asian
Regionalism, Acharya argumenta que as ideias provenientes dos atores regionais
prevalecem sobre os interesses dos intervenientes externos no processo de
regionalização asiático. Como o autor refere, grande parte da literatura de Relações
Internacionais enfatiza o papel dos EUA para explicar a falta de uma estrutura
multilateral asiática com maior nível de institucionalização (Acharya, 2009: 60-68 cit.
por Sakaeda, 2009: 114). No entanto, Acharya contesta a centralidade que se tem dado
67
aos interesses e perceções norte-americanas, salientando o papel dos decisores políticos
asiáticos na defesa pelos “princípios globais” de soberania e não-intervenção (Sakaeda,
2009: 115).
Em síntese, esta perspetiva construtivista elege uma abordagem de “baixo para
cima” (“bottom-up”) e desloca as forças ideacionais do institucionalismo ocidental para
um regionalismo e pensamento político próprios da Ásia. Noutras palavras, podemos
afirmar que o argumento de Acharya enfatiza o papel do agente em detrimento da
estrutura, respondendo assim à sugestiva interrogação que inaugura a sua obra (“Whose
Ideas Matter?”).
Com o fim da Guerra Fria, a retórica norte-americana em relação ao Nordeste
Asiático deixou de se basear apenas no poder relativo. O tradicional sistema de “hub-
and-spokes” que os EUA mantinham na Ásia deu lugar à cooperação multilateral (ou,
se preferirmos, “minilateral” [Cui, 2007: 130]).
O primeiro sinal de mudança na estratégia de Washington em relação à Ásia
coincidiu com a criação da APEC (Cooperação Económica da Ásia-Pacífico)29
, em
1989. Nos seus primórdios, a APEC pretendeu estabelecer-se apenas como um fórum de
debate entre os Estados-membros da ASEAN e os seus parceiros comerciais da região
do Pacífico. No entanto, em 1994, os países da APEC foram mais ambiciosos do ponto
de vista da integração regional e acordaram, através da Declaração de Bogor, na criação
de uma área de comércio livre até 2010 para as economias industrializadas e até 2020
para as economias em desenvolvimento.
Seguiu-se a criação do ARF (Fórum Regional da ASEAN)30
, reunido pela
primeira vez em 1994, e que se afirmou como “o acordo de segurança multilateral mais
importante da Ásia-Pacífico” (Cui, 2007: 130) por incluir todas as grandes potências
regionais. Os seus objetivos principais consistiam na promoção do diálogo construtivo e
consultoria sobre questões políticas e de segurança de interesse comum e na conjugação
29
A APEC é atualmente constituída por 21 economias, a saber: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China,
Hong Kong, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Perú,
Filipinas, Rússia, Singapura, Taipé, Tailândia, Estados Unidos da América e Vietname (Fonte: Asia-
Pacific Economic Cooperation, disponível para consulta em http://www.apec.org/ a 02/07/2012). 30
O ARF é atualmente constituído por: Austrália, Bangladesh, Brunei, Camboja, Canadá, China, União
Europeia, Índia, Indonésia, Japão, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Laos, Malásia, Mianmar, Mongólia,
Nova Zelândia, Paquistão, Papua Nova Guiné, Filipinas, Rússia, Singapura, Sri Lanka, Tailândia, Timor
Leste, EUA e Vietname (Fonte: Asean Regional Forum: “About us”, disponível para consulta em
http://aseanregionalforum.asean.org/about.html, a 02/07/2012).
68
de esforços para a implementação da diplomacia preventiva e confidence-building
regional (ARF).
Um ano depois, os EUA fundaram, juntamente com o Japão e Coreia do Sul, a
KEDO (Organização para o Desenvolvimento Energético da Península Coreana), que
visava resolver a questão nuclear norte-coreana através da implementação do Acordo-
Quadro assinado entre os EUA e a RDPC em 1994.31
Apesar de criticada pela falta de
progresso (Segal, 1997, 245, cit. por Cui, 2007: 130), a KEDO representou “a primeira
tentativa no Nordeste Asiático para resolver um problema de segurança muito
específico e difícil, através de um acordo multilateral” (Cui, 2007: 130).
Contudo, o contributo destas três organizações (APEC, ARF e KEDO) para a
construção de uma comunidade regional na Ásia Oriental foi pouco significativo.
Em relação à APEC, Nick Bisley diz que é difícil pensar noutra instituição
regional que tenha sofrido uma mudança tão célere entre o entusiamo da sua criação e a
desilusão da sua estagnação: “There are few regional organizations as criticized for
ineptitude and do-nothingness as APEC” (Bisley, em Beeson e Stubbs, 2012: 350).
O conjunto de membros da APEC incluía três dos cinco membros permanentes
do Conselho de Segurança das Nações Unidas e todas as “economias-chave” do Arco
do Pacífico. A organização viu a participação crescer de 12 para 21 economias32
e
desenvolveu um programa ambicioso, centrado na liberalização do comércio. Em 1994,
a Declaração de Bogor tinha elevado as expectativas sobre a real utilidade da
organização, já que a APEC passara a ter um modus operandi e objetivos mais
concretos para os quais deveria trabalhar. Contudo, se a decisão de criar uma área de
comércio livre já tinha sido de difícil negociação, o tempo provou o desconforto e
ceticismo de vários membros na prossecução desses mesmos objetivos. Os resultados
concretos da APEC ficaram muito aquém da projeção pública que teve nos primeiros
anos, sendo que o seu maior fracasso equivaleu ao programa de liberalização do
comércio, previsto para 2010.
A cimeira de líderes que se seguiu a Bogor, realizada em Osaka, evidenciou as
visões divergentes entre os membros “ocidentais” e “asiáticos” quanto ao futuro da
31
A KEDO é uma iniciativa de cooperação securitária multilateral com vista a dar uma resposta à ameaça
nuclear norte-coreana, e resultou da coordenação política entre o Japão, os EUA e a Coreia do Sul (com
consulta chinesa). Contudo, a ausência da participação russa e chinesa levantou questões sobre a sua
institucionalização (Snyder, em Lampton, 2001: 101). 32
Emprega-se o termo “economias” e não “estados-membros” exatamente para incluir as três “Chinas”
(RPC, Taiwan Ŕ “Taipé Chinesa” Ŕ e Hong Kong), que foram admitidas na APEC em 1991. Estava
previsto que seriam parte dos membros-fundadores, mas o opróbrio internacional que se seguiu ao
Massacre de Tiananmen adiou as respetivas admissões em dois anos.
69
organização. Em primeiro lugar, não se obteve consenso em utilizar a APEC como
instituição precursora na redução das barreiras comerciais da região. Ou seja, enquanto
os líderes ocidentais procuravam que a instituição regional se focasse mais nos
resultados e tivesse um papel mais ativo na liberalização do comércio; os líderes
asiáticos preferiam uma cooperação económica menos aprofundada do ponto de vista
institucional (Bisley, em Beeson e Stubbs, 2012: 356).
A credibilidade da APEC foi também fortemente abalada pela apatia com que
reagiu à Crise Financeira Asiática de 1997-98 e, por consequência, o desinteresse dos
seus membros acabou por se traduzir numa agenda demasiado ambígua.
Poder-se-á questionar a razão pela qual a APEC continua a perdurar, apesar da
grande desilusão que representou para o regionalismo asiático. Se, por um lado, a
organização falhou largamente em termos de eficácia económica, os membros da APEC
acabaram por reconhecer a sua utilidade política: “A 6ª. Cimeira de Líderes, realizada
em Auckland, foi crucial na intermediação do acordo diplomático que conduziu à
intervenção em Timor-Leste; a Cimeira de 2001, em Xangai, (…) ajudou a China e os
EUA a descongelarem as suas relações bilaterais, depois do incidente do avião EP-333
”
(Bisley, em Beeson e Stubbs, 2012: 356). Em suma, os encontros anuais da APEC são
vistos pela maioria dos membros como uma oportunidade de diálogo político
importante, já que reúne todas as grandes potências da região da Ásia-Pacífico.
Também o ARF não fez progressos substanciais desde a sua criação. Não foi
bem-sucedido do ponto de vista da promoção da confiança, já que visava reduzir a
desconfiança entre os países da região, sobretudo no que respeitava aos seus programas
de defesa; nem conseguiu desenvolver mecanismos eficazes de diplomacia preventiva
para lidar com os vários flashpoints da região (Yuzawa, em Beeson e Stubbs, 2012:
346-348), pois os assuntos securitários mais importantes eram afastados por um ou
outro governo (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 233). A estagnação do
processo do ARF resultou da falta de confiança entre os Estados-membros. Além disso,
“the ASEAN Way of „consensus decision making‟ and „non-binding commitments”
33
Este incidente, também conhecido como “Incidente da Ilha de Hanói” ocorreu a 1 de Abril de 2001 e
correspondeu a uma colisão aérea entre um EP-3E ARIES II da Força Aérea norte-americana e um jato
intercetor J-8II da RPC. O episódio, que causou a morte do piloto chinês, resultou num diferendo
internacional entre os EUA e a RPC, mas que acabou por ser relativamente abafado através da emissão de
um documento americano bastante ambíguo sobre o incidente, evitando assim que o incidente evoluísse
num confronto de maior dimensão entre as duas potências.
70
dificultou a tarefa de obter resultados tangíveis em termos de cooperação securitária
(Yuzawa, em Beeson e Stubbs, 2012: 348).
A criação da KEDO foi mais ditada pela necessidade prática da sua existência do
que por considerações teóricas e, por isso, a sua subsistência estava predefinida e
dependia do cumprimento, por parte da Coreia do Norte, do programa de
desnuclearização. Na sequência da falta de compromisso por parte de Pyongyang, o
Quadro Executivo da KEDO decidiu suspender o projeto dos Reatores de Água Leve
(LWR), em Março de 2006. Como afirmam Kartman, Carlin e Wit (2012: 150), “a
KEDO foi confrontada com vários problemas desde o seu início, e alguns deles
poderiam ter sido evitados se a organização tivesse ocupado um lugar de destaque na
mente de seus fundadores”.
Como resultado destes problemas, os Estados começaram a procurar outras
alternativas para prosseguir as suas políticas económicas, “criando um ciclo vicioso de
baixas expectativas e desinvestimento político e burocrático” (Bisley, em Beeson e
Stubbs, 2012: 357).
3.2. Impulsos regionalistas
Antes da Crise Financeira Asiática de 1997-98, o único esforço de cooperação
financeira existente era o Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), instituição
financeira fundada em 1966 e destinada ao desenvolvimento regional. Surgido no
decurso da Guerra do Vietname, o BDA desde logo excluiu a “Ásia comunista”,
falhando assim na pretensão de se tornar uma organização regional em sentido pleno
(Calder e Ye, 2010: 81). Apesar do BDA ter emprestado consideráveis quantias de
dinheiro às nações emergentes da Ásia, as suas funções estavam limitadas à atividades
de consultoria e coordenação económica.
O ano de 1997 colocou em questão não só o milagre económico da Ásia Oriental
mas também o respetivo modelo dos Estados Desenvolvimentistas34
da região, expondo
34
O conceito de “Estado Desenvolvimentista” surgiu pela primeira vez em 1982, numa tentativa de
Chalmers Johnson explicar o sucesso económico dos países da Ásia Oriental no pós-Segunda Guerra
Mundial, cujas políticas económicas passaram pelo intervencionismo estatal numa economia fortemente
orientada para os mercados e assente nas exportações. Segundo Johnson, o Japão industrializou-se
tardiamente e tinha consciência da sua vulnerabilidade económica e política (Johnson, 1982), tendo sido o
Estado a liderar o processo de industrialização, por vezes recorrendo a medidas protecionistas. O modelo
71
a vulnerabilidade das economias regionais (Borrus et. al., 2000: 1; Dobson, 2001: 995).
O primeiro choque da Crise traduziu-se na rápida deterioração das economias regionais
e no efeito de contágio, tenha sido por canais financeiros ou por dinâmicas comerciais e
desvalorização competitiva. Registou-se também uma dependência excessiva em
relação ao capital da banca e o subdesenvolvimento dos mercados obrigacionistas locais
(Beeson e Stubbs, 2012: 131).
Os países que tiveram de acarretar com as medidas de austeridade do FMI,
nomeadamente a Tailândia, a Indonésia e a Coreia do Sul, acusaram a instituição
financeira pelo diagnóstico incorreto que fez da realidade asiática e pela consequente
dureza das medidas (Higgott, 1998 cit. por Katada em Beeson e Stubbs, 2012: 131).
O descrédito dos países da Ásia Oriental estendeu-se também aos EUA, por
hesitaram em resgatar a Tailândia e a Indonésia durante a Crise Financeira e por se
oporem, à semelhança do FMI, à criação do Fundo Monetário Asiático (FMA), proposto
pelo Japão em Setembro de 1997, e que contaria com uma capitalização inicial de 100
mil milhões de dólares. Os EUA justificaram-se, dizendo que a criação do FMA erodiria
o significado e utilidade do FMI.
O boicote norte-americano à criação do FMA, que contava já com a aprovação
da ASEAN, Taiwan e Coreia do Sul, foi recebida por estes países com bastante
desagrado. Para além de oporem fortemente ao FMA, os EUA persuadiram Pequim, que
mantinha já alguma reserva em relação a uma liderança regional japonesa, a tomar a
mesma posição. O sentimento de abandono e desinteresse dos EUA em relação à Ásia
foi ainda agravado pelas declarações do Secretário do Tesouro norte-americano, Robert
Rubin, que afirmou que a “implosão da moeda tailandesa foi apenas uma falha na
estrada” (Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 218). Os asiáticos concluíram, por
si, que os EUA estavam mais interessados em promover o modelo anglo-americano de
capitalismo do que em resolver os problemas financeiros da Ásia, transparecendo a
ideia de que o FMI estava dominado pelos norte-americanos e que apenas defendia os
interesses das instituições financeiras ocidentais. Para o efeito, a abertura dos mercados
asiáticos a empresas estrangeiras à custa dos trabalhadores asiáticos e da soberania
dos países asiáticos representava uma instrumentalização eficaz dessa mesma política
(Bowles, 2002, 237-238, cit. por Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 367).
de planificação económica racional adotado por Tóquio foi rapidamente copiado pela Coreia do Sul e
outros países da ASEAN, nomeadamente a Tailândia, Malásia e Singapura.
72
A tentativa falhada de criação do FMA é bem reveladora da dificuldade em
aprofundar o regionalismo asiático. Apesar de, na altura, o Japão representar a segunda
maior economia mundial e a mais influente na região, Tóquio não conseguiu reunir
consenso contra a oposição americana, sobretudo devido à inexistência de uma rede de
comunicação eficaz entre os países do Nordeste Asiático. Anos mais tarde, o sucesso da
Iniciativa Chiang Mai (ICM), liderada pelo Japão, China e Coreia, viria a provar que
situações de crise são mais facilmente ultrapassadas através da ação coletiva, tornando
possível a formalização da cooperação regional (Calder e Ye, 2010: 84).
Existiu ainda um sentimento de humilhação partilhado pelos asiáticos (Tsutomu
Kikuchi cit. por Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: 217), por sentirem que a
soberania nacional estava comprometida, “ao verem a imagem de Suharto, ex-
Presidente da Indonésia, assinar o acordo do FMI com Michel Camdessus, então Diretor
de Gestão do FMI, que estava em pé, de braços cruzados, a olhar para Suharto de alto
para baixo. Esta imagem (Anexo 4) funcionou como um lembrete aterrador, com
reminiscências da era colonial” (Budianta cit. por Katada, em Beeson e Stubbs, 2012:
135).
A Crise Financeira Asiática evidenciou a ligação entre a estabilidade económica
e a estabilidade regional (Dieter em Beeson e Stubbs, 2012: 122). Os decisores políticos
não demoraram muito a assimilar esta realidade, tanto que só em 1998, o número de
ACL celebrados bilateralmente na Ásia aumentou 80% e o número de ACL plurilaterais
aumentou 90% (dados de 2010, do Centro de Integração Regional da Ásia, do BDA).
A Crise acarretou ainda outras consequências importantes, ao evidenciar o sério
compromisso chinês e japonês para com a região: a China doou mil milhões de dólares
à economia tailandesa quando a sua moeda colapsou, ao contrário do que fizeram os
EUA, que preferiram “castigar o governo pela má gestão económica” (Vatikiotis, 2003:
69, cit. por Beeson e Stubbs, 2012: 370). Depois de 1997-98, a China estreitou a sua
relação com a ASEAN e, ao contrário da sua oposição ao FMA, apoiou a ICM,
permitindo assim o desenvolvimento da cooperação financeira regional (Katada, em
Beeson e Stubbs, 2012: 133).
Em 1998, o então Secretário-geral da ASEAN, Rodolgo Severino, Jr., afirmou
que “a China está a emergir desta [crise] a cheirar bem. Ainda temos um problema
territorial com a China, mas as coisas estão a correr bem entre a ASEAN e Pequim”
(Frost e Kang, em Aggarwal et. al., 2008: p 218-219). Também o líder malaio, Mahathir
73
bin Mohamad, declarou, em 1999, que “o desempenho da China na crise financeira
asiática tem sido louvável” e que “o seu elevado sentido de responsabilidade
[pouparam] a região de uma consequência muito pior” (Frost e Kang, em Aggarwal et.
al., 2008: 219).
Em suma, a Crise Financeira Asiática de 1997-98 provou que a ASEAN não
dispunha de mecanismos para superar a crise: a APEC foi incapaz de encontrar uma
solução para o desastre financeiro asiático e o BDA “respondeu timidamente para servir
como credor regional de último recurso”. Neste contexto, em que a crise despertou a
consciência de uma história comum, a nova estrutura da ASEAN+3 assumiu
prontamente um papel central na cooperação financeira na conjuntura de crise.
ASEAN+3
Na comemoração do 30º Aniversário da ASEAN, em Kuala Lumpur, deu-se
início, de uma forma bastante discreta, à formação ASEAN+3. Por essa altura
(Dezembro de 1997), a Malásia encabeçava a organização e convidou os líderes da
China, Japão e Coreia do Sul para o encontro inaugural da ASEAN+3. Acreditava-se
que a vontade do primeiro-ministro malaio, Mahathir Mohamed, em criar a “East Asian
Economic Caucus” (EAEC) Ŕ que nos anos 90 tinha recebido uma forte oposição norte-
americana, por poder interferir com o desenvolvimento do trabalho da APEC (Beeson e
Stubbs, 2002: 443) Ŕ, estava finalmente a materializar-se (Terada, em Beeson e Stubbs,
2012: 354).
Contudo, como a comemoração coincidiu com a Crise Financeira de 1997-98, os
países do Nordeste Asiático voltaram a ser convidados para a cimeira anual, realizada
em Hanói, com o objetivo de consolidarem a institucionalização da cooperação regional
na Ásia Oriental.
Apesar da hesitação inicial japonesa, o interesse chinês em aprofundar as
relações económicas com a ASEAN acabou por forçar a entrada do Japão nesta nova
moldura regional, uma vez que Tóquio não poderia tolerar que Pequim ganhasse uma
posição de “liderança incontestada na região” (Beeson e Stubbs, 2002: 443).
Em Novembro de 1999, na Cimeira de Manila, os Chefes de Estado/Governo
implementaram a “Declaração Conjunta de Cooperação na Ásia Oriental” (“Joint
74
Statement on East Asia Cooperation”) onde, para além de retratarem os objetivos dos
países da ASEAN+3, expressaram “determinação e confiança no aprofundamento e
alargamento da cooperação na Ásia Oriental, no sentido de gerar resultados concretos,
com um impacto tangível sobre a qualidade de vida das pessoas da Ásia Oriental e sobre
a estabilidade da região no século XXI”35
. Em boa verdade, a importância desta
Declaração Conjunta reside no facto de, pela primeira vez, todos os líderes da região se
reunirem e darem uma voz coletiva à Ásia Oriental.
De acordo com a segunda Declaração Conjunta, de 20 de Novembro de 2007, a
ASEAN+3 é percecionada como “o veículo principal na construção a longo-prazo de
uma comunidade da Ásia Oriental” e a EAS é referida como tendo um “papel
complementar”, juntamente com outras organizações como a APEC, ASEM e ARF 36
.
Podem ainda ser apontadas algumas características que fazem da ASEAN+3
uma instituição peculiar.
Em primeiro lugar, é a primeira instituição da Ásia-Pacífico a excluir os EUA
que, de resto, já tinham “demolido qualquer proposta regional asiática que excluísse a
sua participação” (Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 365), como foram os casos da
EAEC e do FMA. As razões para a exclusão norte-americana prendem-se com a falta de
compromisso que demonstraram durante a Crise Financeira de 1997-98 e com o facto
de não terem sido convidados, pela Malásia, para o encontro inaugural da ASEAN+3.
Fred Bergsten, por exemplo, foi bastante assertivo na forma como expressou a
inadequada participação dos EUA na ASEAN+3: “Os asiáticos não são convidados para
as cimeiras periódicas americanas (e nem americanos nem asiáticos são convidados para
as frequentes cimeiras da União Europeia)” (Bergsten 2007: 3, cit. por Terada, em
Beeson e Stubbs, 2012: 367).
Em segundo lugar, a cooperação financeira tornou-se a agenda dianteira da
ASEAN+3, o que “ilustra uma anomalia na trajetória convencional da integração
regional de qualquer outra parte do mundo” (Dieter e Higgott, 2003, cit. por Terada, em
Beeson e Stubbs, 2012: 365). Em 1961, baseando-se na experiência europeia, Béla
Balassa publica um estudo em que classifica o curso de evolução da integração regional
em cinco fases. No entanto, a Teoria de Integração Económica é refutada por Dieter e
35
“Joint Statement on East Asia Cooperation”, de 28 de Novembro de 1999, disponível para consulta no
sítio da ASEAN: http://www.aseansec.org/5469.htm, a 02 de Julho de 2012. 36
“Second Joint Statement on East Asia Cooperation: Building on the Foundations of ASEAN Plus Three
Cooperation”, de 20 de Novembro de 2007, disponível para consulta no sítio da ASEAN:
http://www.aseansec.org/21099.htm, a 02 de Julho de 2012.
75
Higgott, especialmente porque o desenvolvimento da ASEAN+3 vem provar que é
possível existir integração regional a partir da cooperação financeira (Dieter e Higgott,
2003, cit. por Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 369).
Esta cooperação financeira resultou da ICM, um acordo multilateral sobre os
mecanismos cambiais dos países da ASEAN+3. A iniciativa teve origem numa série de
acordos cambiais bilaterais, depois dos países da ASEAN+3 se terem reunido, em Maio
de 2000, em Chiang Mai (Tailândia), num encontro anual do BDA. Depois da Crise, os
países-membros da ASEAN+3 levaram a cabo esta iniciativa para gerir os problemas
regionais de liquidez a curto prazo e facilitar o trabalho de outros acordos e
organizações financeiras internacionais, nomeadamente através da criação de um pool
de reservas estrangeiras, que em 2010 contava com um 120 mil milhões de dólares.
Apesar de apenas vir a contar com o endosso do FMI alguns meses mais tarde, a ICM,
liderada pelos países do Nordeste Asiático e sem a presença dos EUA, da Austrália e da
Nova Zelândia, representou um “passo substancial para a cooperação regional da Ásia
Oriental” (Calder e Ye, 2010: 94), tendo sido creditada pela criação da base para a
estabilidade financeira asiática.
Com esta inovação formal suis generis, dada a tradição regionalista não-
institucionalizada da Ásia Oriental, a ASEAN+3 pôde desenvolver a sua própria
agenda, evitando assuntos políticos mais sensíveis, como a democracia e a promoção de
direitos humanos.
A ASEAN+3 possibilita que a ASEAN desempenhe um papel central na
cooperação da Ásia Oriental, embora a sua capacidade de liderança tenha sido
questionada por investigadores como David Martin Jones e Michael L.R. Smith
(Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 365), deixando para debate a questão sobre quem
deverá liderar a ASEAN+3. Mas para todos os efeitos, uma das razões que tem
permitido à ASEAN receber as cimeiras da ASEAN+3 e desempenhar um papel de
destaque neste processo de integração é precisamente a competição ou confronto entre a
China e o Japão37
.
Em 1998, o presidente sul-coreano, Kim Dae Jung, propôs a criação do “East
Asia Vision Group” (EAVG), que se baseava num conjunto de peritos, representantes
de cada estado-membro da ASEAN+3, que estaria disposto a traçar as principais linhas
de orientação de cooperação na Ásia Oriental (principais propósitos, princípios básicos
37
Cf. 3.4. Um Caminho Espinhoso: “Panda ou Faisão” (p. 106).
76
e medidas concretas). O Relatório do EAVG foi apresentado na Cimeira da ASEAN+3,
em 2001, e incluía como propostas de longo prazo a criação de uma Cimeira da Ásia
Oriental (EAS), um Fórum da Ásia Oriental e uma Área de Comércio Livre da Ásia
Oriental (Terada, em Beeson e Stubbs, 2012: 366).
Em suma, a institucionalização da ASEAN+3 seguiu um rumo que, em 1997,
poucos adivinhariam, deslocando o ponto de gravidade diplomático do regionalismo
económico asiático da APEC para a nova fórmula da ASEAN+3 (Moore em Kim, 2004:
117).
East Asia Summit (EAS)
“ „One Vision, One Identity, One Community‟: os banners que cobriam a cidade
de Kuala Lampur, em Dezembro de 2005, revelavam a grandiosidade das ambições dos
anfitriões malaios para a primeira Cimeira da Ásia Oriental” (Camroux, em Beeson e
Stubbs, 2012: 376), embora revelassem também as ambiguidades na definição da
integração regional asiática.
A ideia por detrás da criação da EAS consistia em transformar a ASEAN+3
numa moldura regional mais coerente e desenvolvida, permitindo assim que a China, o
Japão e a Coreia do Sul tivessem um papel mais ativo (e paritário, em relação aos países
da ASEAN) no processo de construção de uma comunidade regional na Ásia Oriental.
No entanto, a forma de integração regional especificamente asiática foi
enfraquecida pela celebração de acordos bilaterais de comércio livre entre países
asiáticos (Singapura e Coreia do Sul) e parceiros não-asiáticos (EUA, Austrália e Nova
Zelândia) (Camroux, em Beeson e Stubbs, 2012: 382). Além disso, seguido da
participação inicial da Austrália e Nova Zelândia, o alargamento da EAS aos EUA e
Rússia pode ser interpretado como um regresso ao regionalismo da Ásia-Pacífico,
tipificado pela APEC.
O facto de a ASEAN+3 herdar um passado comum, resultante da Crise
Financeira de 1997-98 e que culminou na ICM e no desenvolvimento da UMA, põe em
causa a relevância da EAS, à qual muitas vezes é atribuído um papel secundário por
incluir os mesmos membros da ASEAN+338
. A EAS é, para todos os efeitos, apenas
uma cimeira, sem secretariado permanente nem acordo institucional permanente: “it is
38
As reuniões dos dois fora são realizados após os encontros anuais da ASEAN.
77
indeed just a summit, or as expressed prosaically by an eminent American scholar „a
dinner followed by sixteen speeches‟” (Ememerson, 2010: 2, cit. por Camroux em
Beeson e Stubbs, 2012: 376).
A ambiguidade da relação entre a APEC, a ASEAN+3 e a EAS tem-se mantido
ao longo dos anos. Na Cimeira da APEC em Hanói, em 2006, o então primeiro-ministro
malaio, Abdullah Badawi, referiu-se à ASEAN+3 como o “veículo primário” na
construção de uma comunidade regional asiática, à EAS como “um fórum
complementar para o diálogo sobre assuntos estratégicos, que inclui participantes
adicionais no apoio à construção de uma comunidade regional, para mútuo benefício”, e
demonstrou-se bastante duro na crítica que fez à APEC, nomeadamente em relação à
inexistência de um sentido de responsabilidade partilhado e à necessidade de
redefinição do seu papel na região:
“Since this is an APEC forum, I would like to suggest that the fifth, and probably the most
urgent, priority is to refine the role of APEC in the emerging regional architecture, and
make it a more effective process for regional cooperation in its specific field. Among the
things we might want to do is to make the APEC agenda more relevant to the needs and
aspirations of all Member Economies and not just a few. Common purpose can only evolve
from a sense of shared ownership, and this will only exist when the APEC agenda serves
the interests of all members as much as possible. All Member Economies need to be
accorded a sense of equality and their concerns addressed with equal measure. APEC
should also return to its original purpose as an instrument for promoting economic growth
through fostering freer, and fairer, flow of trade.” (Badawi, 2006)
A “Parceria Económica Global para a Ásia Oriental” ou, na sua versão original
“Comprehensive Economic Partnership for East Asia” (CEPEA) começou a ganhar os
primeiros contornos entre a terceira e quarta cimeiras da EAS, realizadas em 2008 e
2009, respetivamente. Por proposta japonesa, os 10 países da ASEAN, os “Plus Three”,
a Índia, a Austrália e a Nova Zelândia desenvolveram acordos de comércio livre, em
separado, entre os membros da EAS.
Paralelamente, e não em alternativa, o grupo ASEAN+3 continua a desenvolver
o Acordo de Comércio Livre para a Ásia Oriental, que exclui a Índia, Austrália e Nova
Zelândia.
Conclui-se assim que a relação entre a EAS e a ASEAN+3 ainda é bastante
ambígua. Enquanto alguns países preferem um agrupamento mais restrito, limitado à
78
ASEAN+3, outros defendem a EAS alargada, que permita contrabalançar o poder da
China.39
A proliferação de ACL e de redes de produção transnacionais
“O regionalismo liderado pelos ACL parece ter chegado para ficar na Ásia”, já
que parece satisfazer os interesses de todos os países da Ásia Oriental: para as
economias do Nordeste Asiático, os ACL funcionam como um veículo para levarem a
cabo as suas estratégias de comércio regional e mundial; enquanto para os países da
ASEAN, o desenvolvimento de ACL também parece afirmar-se como um instrumento
privilegiado na expansão do comércio regional e no aumento a sua participação em
redes de produção avançadas (Kawai e Wignaraja, 2011: 2).
Na sequência do que foi mencionado, é relevante ressalvar que a
descentralização dos processos de produção fez disparar o comércio intra-regional,
aumentando de 37% em 1980, para 56% em 2008 (BDA, 2008). Ao consultarmos a
base de dados sobre ACL no Centro de Integração da Ásia, do BDA, verificamos que no
período entre 2000 e 2010, o número de ACL asiáticos aumentou de 3 para 61, dos
quais 47 já se encontravam em funcionamento, afigurando assim um crescimento
astronómico que coloca a Ásia a liderar o ranking dos ACL celebrados mundialmente
(Anexos 5 e 6).
Regra geral, as economias asiáticas preferem os acordos bilaterais aos
plurilaterais, por serem menos complexos e mais fáceis de negociar. Os primeiros
representam 77% dos ALC concluídos em 2010, enquanto os segundos apenas 23%.
Kawai e Wignaraja expõem quatro fatores que explicam a expansão dos ACL na
Ásia:
1. O aprofundamento da integração económica conduzida pelos mercados
asiáticos, que contribui para a formação de redes de produção e cadeias logísticas
asiáticas;
2. O sucesso dos processos de integração europeia e norte-americana, sob a
forma da UE e NAFTA, que motivou os países asiáticos a adotar ACL, sobretudo pelo
receio de serem negligenciados ou ultrapassados pelos “dois gigantes”;
39
Cf. 3.4. Um Caminho Espinhoso: “Panda ou Faisão” (p. 106).
79
3. A Crise Financeira Asiática de 1997-98, por evidenciar que as economias
asiáticas enfrentavam desafios comuns e que por isso deveriam unir esforços na área do
comércio e investimento, por forma a garantir o crescimento sustentado;
4. A lentidão no progresso das Negociações Doha, da OMC, estimularam os
países asiáticos a considerar os ACL como alternativa. A Agenda Doha visava a
redução das barreiras comerciais, por forma a aumentar o comércio global, mas a
expectativa criada sobre este ciclo de negociações, iniciado em Novembro de 2001 e
que prometia desenvolver os países pobres através do comércio, não tardou a esmorecer.
A agricultura representou o principal ponto de discórdia. Em poucas palavras,
pretendia-se que os países desenvolvidos reduzissem as tarifas agrícolas e os subsídios
aos produtores agrícolas e que os países em desenvolvimento reduzissem as tarifas dos
bens industriais e liberalizassem o comércio dos serviços. Contudo, a partir de 2008, as
negociações entraram num impasse, sobretudo devido à preocupação de proteger os
agricultores mais empobrecidos do aumento de preços na alimentação e petróleo (Kawai
e Wignaraja, 2011: 2).
Os autores do artigo «Asian FTAs: Trends, prospects and challenges», do
Journal of Asian Economics, salientam ainda três desenvolvimentos principais,
relacionados com a emergência dos ACL e com as novas dinâmicas das redes de
produção transnacionais:
1. O aprofundamento regional das redes de produção avançadas da Ásia, que
estão na base do seu sucesso de exportação global das últimas décadas (BDA, 2006);
2. A liderança asiática dos ACL mundiais (61 ACL em 2010), apesar de só
relativamente tarde recorrer a estes acordos como um instrumento de política comercial;
3. A emergência de literatura sobre os efeitos económicos dos ACL asiáticos.
(Kawai e Wignaraja, 2011: 1-2).
As redes de produção transacionais consistem nas relações intra- e inter-
empresariais através das quais a empresa organiza o conjunto das suas atividades, desde
a fase de Investigação e Desenvolvimento (I&D), à definição do produto e do seu
design, à fabricação ou prestação do serviço e à sua distribuição. Ou seja, estas redes de
produção têm em conta toda a cadeia logística transnacional existente entre a empresa
central e as empresas afiliadas e subsidiárias, incluindo fornecedores e empresas
subcontratadas (Borrus et. al., 2000: 1). As redes de produção transnacionais são
desenvolvidas para explorar as heterogéneas capacidades tecnológicas da região, de
80
forma a acederem às vantagens locais de cada nódulo da rede, associado a tecnologias
altamente especializadas e às suas competências e ao seu know-how (Borrus et. al.,
2000: 2). Assim, estas redes promovem uma nova divisão internacional do trabalho, em
que os produtos são produzidos consoante a vantagem comparativa das diferentes
regiões.
Na Ásia Oriental, onde os níveis de complementaridade intra-regional são muito
elevados, as redes de produção transnacionais aparecem em moldes complexos e
altamente elaborados (Borrus et. al., 2000: 12).
Para ilustrar o tipo de funcionamento de uma rede de produção transnacional,
recorremos ao exemplo da indústria eletrónica asiática: neste tipo de indústria, as
empresas devem estar presentes nos principais mercados emergentes (“o domínio de um
mercado doméstico Ŕ mesmo que seja tão grande como o dos EUA Ŕ já não será
suficiente”) e devem dispor de recursos especializados, “tais como o conhecimento
tecnológico, a competência organizacional, finanças, experiência produtiva, redes de
fornecedores e clientes e inteligência de mercado” (Borrus et. al., 2000: 225). No caso
da indústria computacional, teremos uma montagem final dispersa pelos EUA e pelas
maiores economias europeias e asiáticas, em que “os microprocessadores são
provenientes dos EUA, os dispositivos de memória do Japão, as motherboards de
Taiwan, os discos rígidos de Singapura, os monitores da Coreia, Taiwan ou Japão, os
teclados e as fontes de alimentação de Taiwan, por aí fora”. (Borrus et. al., 2000: 226).
A figura que compõe o Anexo 7 ilustra algumas redes de produção transnacionais no
sector das Tecnologias de Informação, no Nordeste Asiático.
As concentrações industriais especializadas, como sustentou Michael Porter,
podem gerar crescimento e competitividade em moldes extraordinários, como foram
exemplos o Silicon Valley ou o “Sun Belt” nos EUA, a Mittelstand alemã ou a Terceira
Itália.
Porter, que define cluster económico como “a geographically proximate group
of interconnected companies and associated institutions in a particular field, including
product producers, service providers, suppliers, universities, and trade associations,
from where linkages or externalities among industries result” (Porter, 1998: 197),
chamou a atenção para a importância da proximidade geográfica num mundo
globalizado: “In a global economy one would expect location to diminish its
importance. But the opposite is true. The enduring competitive advantages in a global
economy are often heavily localized, arising from concentrations of highly specialized
81
skills, knowledge, institutions, rivalry, related businesses and sophisticated consumers”
(Porter, 1998: 90).
E é exatamente esta tendência, de valorização da proximidade geográfica e da
concentração industrial especializada, que agora parece estar a verificar-se na costa
oriental chinesa, “no coração do Círculo de Xangai”. Tal como se pode observar no
Anexo 7, existem três clusters tecnológicos na costa chinesa que envolvem as principais
empresas japonesas, coreanas e taiwanesas.
As empresas taiwanesas desempenham um papel importantíssimo no Nordeste
Asiático. A taiwanesa Quanta Computer, responsável pela produção de um terço dos
portáteis em todo o mundo, passou 90% da sua produção para Xangai, empregando
mais de 20 mil chineses. As empresas taiwanesas de tecnologias de informação mais
conhecidas, a Acer e a Asus, também têm algumas das suas principais infraestruturas
localizadas na China (Calder e Ye, 2010: 142).
Só na megapolis de Xangai, por exemplo, as comunidades japonesas e coreanas
representam as maiores comunidades de estrangeiros, com 33 e 23 mil habitantes,
respetivamente, o que corresponde a um total de 22% e 15% da população estrangeira
residente (Calder e Ye, 2010: 143).
Verifica-se, pois, que de 1990 a 2010, a integração comercial foi liderada pelos
mercados e não pelos Estados: a criação de acordos de comércio preferenciais por parte
dos governos não afetou assim tanto para o aprofundamento das relações comerciais. As
empresas transnacionais foram estabelecendo redes de produção transnacionais, apesar
do fraco apoio institucional. “O resultado foi uma „fábrica asiática‟ por toda a região,
mais conduzida pelos mercados do que pelos governos.” (Pempel, 2010, cit. por Dieter,
em Beeson e Stubbs, 2012: 117).
Contudo, sobretudo depois da Crise Financeira de 1997-98, com a
regionalização económica feita de baixo para cima (“bottom-up”) tornou-se urgente a
criação de políticas governamentais que completassem os processos de integração
económica. Neste sentido, proliferaram encontros e cimeiras bilaterais entre os líderes
regionais (com os dirigentes políticos da China, Coreia e Japão a reunirem-se, no
mínimo, duas vezes por ano), bem como think tanks asiáticos (com ligações
ministeriais), que tinham por objetivo a promoção de acordos de comércio regional.
82
3.3. O Nordeste Asiático enquanto protagonista
Kevin Cai observou que depois da Crise Financeira Asiática de 1997-98 existiu
uma “dramática mudança de pensamento entre políticos e empresários do Nordeste
Asiático, que se aperceberam da urgente necessidade de criar um mecanismo formal
regional para lidar com crises semelhantes que pudessem vir a ocorrer no futuro e para
manter o crescimento económico da região” (Kevin Cai, 2001: 11, cit por Beeson e
Stubbs, 2012: 449). A criação da ASEAN+3 e da EAS constituíram duas respostas a
essa necessidade.
As relações interestaduais entre os países do Nordeste Asiático passaram a
assentar nas molduras destas instituições, que funcionam como plataformas de
bandwagoning em relação à ASEAN. Para questões securitárias, as relações
interestaduais assentam no ARF e nas Six-Party Talks (Kim em Friedman e Kim, 2006:
6), e para questões económicas na ASEAN+3 e na EAS.
A partir de 1997, os canais de diálogo multiplicaram-se no triângulo do Nordeste
Asiático, desde a criação do Comité das Três Partes (“Three-Party Committee”) (Calder
e Ye, 2010: 156) ao aumento de acordos bilaterais e redes intergovernamentais,
incluindo cimeiras e encontros ministeriais nas áreas das finanças, negócios
estrangeiros, economia, comércio, ambiente, saúde, cultura e turismo (Terada, em
Beeson e Stubbs, 2012: 372).
Na viragem para o século XXI, vários líderes políticos, como Kim Dae-jung e
Mori Yoshiro, defenderam a criação de “Um Grande Desígnio” para o Nordeste
Asiático que consistia na construção de grandes infra-estruturas que ligassem a Coreia,
o Japão, a China e o Extremo Oriente Russo (Calder e Ye, 2010: 13).
Vários analistas e empreendedores japoneses e sul-coreanos propuseram a
criação de um túnel subaquático que ligasse os dois países, o que permitiria ligar o
Japão à Ásia Continental (Calder e Ye, 2010: 115). Propôs-se também a criação de uma
rede ferroviária transfronteiriça, oleodutos e redes elétricas que ligassem os países do
Nordeste Asiático, o que permitiria aumentar a cooperação entre a China, Japão e
Coreia (Calder e Ye, 2010: 115). A verdade é que os três países do Nordeste Asiático
precisam desesperadamente de recursos naturais (Friedman e Kim, 2006: 10) e com a
resolução do problema nuclear norte-coreano, a ligação entre as redes de caminho-de-
83
ferro transiberiana e transcoreana satisfaria as necessidades da China, das Coreias e do
Japão (Friedman e Kim, 2006: 10).
A política de reconciliação sobre as mágoas históricas entre o Japão e a Coreia
culminou num encontro entre o primeiro-ministro Obuchi Keizo e o presidente Kim
Dae-Jung, em 1998. O primeiro-ministro japonês pediu perdão pelos crimes cometidos
durante o período colonial e o presidente sul-coreano “pareceu ter aceitado o pedido de
desculpas” e comprometeu-se a ultrapassar as mágoas do passado e “seguir em frente”
(Berger em Kim, 2004: 152). Em 2002, os dois países recebem o campeonato do mundo
de futebol e a opinião pública de um em relação ao outro acabou por mudar
significativamente.Vários outros sinais, como o intercâmbio cultural, apontavam para
uma nova era nas relações trilaterais do Nordeste Asiático. A título de exemplo,
segundo o Gabinete de Turismo Japonês, o número de sul-coreanos que visitou o Japão
entre 1990 e 2010 aumentou 70% a par do crescimento de 92,5% de chineses que
visitou o país no mesmo período. Estes dados são indicativos não só do aumento do
poder de compra na China e Coreia do Sul, mas também de maior interdependência
económica e perceções melhoradas entre os habitantes dos três países.
Como vimos, a cooperação entre “Pandas, Faisões e Tigres” tem-se realizado
sobretudo no quadro da ASEAN+3, sendo que as matérias de cooperação têm ido para
além da cooperação financeira. A título de exemplo, na Cimeira Trilateral da
ASEAN+3, em Novembro de 2007, os respetivos primeiros-ministros discutiram o
processo de paz da Península Coreana e apresentaram propostas para a cooperação
regional do Nordeste Asiático. Nessa Cimeira, Wen Jiabao defendeu o “melhoramento
das ligações rodoviárias, ferroviárias e aéreas e das telecomunicações de informação,
para satisfazerem a procura dos crescentes laços comerciais” (Calder e Ye, 2010: 116).
A Crise Financeira de 2008 provou a necessidade de haver maior coordenação
entre os três países do Nordeste Asiático, que acordaram, nesse ano, prestar assistência
mútua e coordenar a ação externa caso fossem confrontados como uma crise financeira
global. Em Outubro, decidiram estabelecer um órgão consultivo financeiro para
“promover a estabilidade financeira da Ásia”, conduzindo à histórica Cimeira Trilateral
de Fukuoka, a 13 de Dezembro no mesmo ano. Ainda em Dezembro, os respetivos
ministros da Cultura e Negócios Estrangeiros procuraram promover o intercâmbio e o
diálogo cultural entre a China, Coreia do Sul e Japão. Em Março de 2009, os ministros
84
dos transportes e infraestruturas reuniram-se a fim de promover a cooperação trilateral
para combater os problemas de abastecimento de água. (Calder e Ye, 2010: 117-118).
Por último, um dos mais recentes e relevantes sinais de cooperação trilateral
ficou evidente na “Trilateral Cooperation VISION 2020”, assinada em Maio de 2010.
Nesta declaração, os três governos do Nordeste Asiático expressam a sua satisfação
pelos resultados substanciais que derivaram da cooperação trilateral na última década
e reconhecem que ainda há muito espaço para o desenvolvimento da cooperação
trilateral na promoção do intercâmbio de pessoas, bens, serviços e capital, seguindo os
princípios de boa vizinhança, confiança e benefícios mútuos e desenvolvimento comum
(MNE do Japão).
Assim, para que a cooperação trilateral sirva os interesses das três partes e
contribua para a paz, estabilidade e prosperidade regional, os três governos
comprometem-se a promover a “institucionalização e valorização da parceria trilateral”,
nomeadamente através da criação de um Secretariado para a Cooperação Trilateral com
sede permanente em Seul; a “cooperação económica sustentável”, salvaguardando a
negociação de um possível ACL trilateral; a “cooperação para a proteção do ambiente e
para o Desenvolvimento Sustentável”; a “cooperação e intercâmbios humanos e
culturais”; e “esforços conjuntos para a paz e estabilidade regional e internacional”. No
âmbito deste último ponto, Pequim, Tóquio e Seul comungam o princípio que “a
desnuclearização da Península Coreana contribuiria para a paz duradoura e a
prosperidade securitária e económica no Nordeste Asiático” e determinam-se a estreitar
a cooperação nos diversos fora regionais, “incluindo a ASEAN+3, a EAS, o ARF e a
APEC” e “apoiam a ASEAN como a força motriz para a cooperação na Ásia Oriental”
(MNE do Japão).
Como se antevê nesta “Trilateral Cooperation VISION 2020” e como será
argumentado adiante, os países do Nordeste Asiático estão empenhados na cooperação
regional mas hesitam em relação à liderança do processo de regionalização da Ásia
Pacífico. Deste modo, e por agora, a China, o Japão e a Coreia do Sul acomodam-se à
liderança regional do Sudeste Asiático40
, com o qual mantêm excelentes relações
comerciais (Anexo 8).
40
Apesar de, na proposta de criação da EAS, a China ter procurado equilibrar a preponderância dos países
do Nordeste Asiático em relação à ASEAN.
85
O Panda Gigante
O fim da Guerra Fria exigiu que uma nova resposta estratégica por parte de
Pequim, que anteviu na ordem multipolar a melhor fórmula de contrabalançar a
supremacia dos EUA. A China mostrou o seu desejo de multipolaridade em declarações
públicas, deixando clara a sua visão da Ásia como uma região “relativamente pacífica”
e merecedora de uma abordagem mais multilateral para as questões de segurança
regional - isto é, menos dominada por Washington (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al,
2008: 73).
Apesar da retórica chinesa apoiar o diálogo multilateral, na prática, e sobretudo
durante a primeira metade da década de 1990, o interesse multilateral da China foi
limitado e pouco evidente. Em 1994, chegou mesmo a recursar a participação nas
negociações da KEDO, com a justificação de que a desnuclearização norte-coreana era
apenas “interesse de três partes: a AIEA, EUA e Coreia do Sul” (Kun-Chin Lin em
Aggarwal et. al, 2008: 74). Kun-Chin Lin ilustra a fraca participação chinesa da
seguinte forma: “Frequentemente, a China quer um lugar na mesa [de negociações], mas
tenta limitar o ritmo e o âmbito das discussões, especialmente em áreas relacionadas
com transparência e conflitos regionais específicos” (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al,
2008: 74).
Contudo, a atitude chinesa mudou significativamente em meados da década de
1990, tendo-se tornado num dos atores mais proactivos nas iniciativas regionalistas da
Ásia Oriental em geral, e do Nordeste Asiático em particular.
Depois de em 1996 ter promovido amplamente a criação do grupo “Xangai
Cinco”, mais tarde Organização de Cooperação de Xangai (OCX), a China divulga o
“Novo Conceito de Segurança”, em 1997, que rompe com as tradicionais linhas de
orientação da política externa chinesa, ao promover “a segurança cooperativa, o mútuo
benefício nas relações económicas, o respeito pela soberania e a dependência de
mecanismos de consulta e confidence-building para resolver disputas” (Kun-Chin Lin,
em Aggarwal et. al, 2008: 74).
A Crise Financeira de 1997-98 ofereceu à China a oportunidade de promover a
sua visão institucional e o seu papel na região (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al,
2008: 74).
A alteração da postura da RPC em relação a iniciativas intra-regionais é
absolutamente histórica, e resultou não só do choque da Crise Financeira de 1997-98,
86
mas também das suas novas responsabilidades em Hong Kong, que havia passado para
sua administração a 1 de Julho de 1997. Hong Kong sofreu uma grande exposição à
Crise, devido à interdependência regional que mantinha na região, o que resultou na
perceção chinesa que a RPC estava mais vulnerável do que nunca às flutuações
financeiras da Ásia Oriental (Calder e Ye, 2010: 90). Além disso, a China decidiu
apoiar a cooperação financeira na Ásia devido ao sentimento crescente de
sustentabilidade económica a longo-prazo e força diplomática (apesar da crise que se
fez sentir na região, a China continuava a crescer 8% ao ano, provando que a sua aposta
em políticas macroeconómicas contra cíclicas estavam corretas); à sua perceção das
dinâmicas competitivas na região (sobretudo após a iniciativa japonesa de criar um
FMA) e à crescente integração das suas redes intra-regionais no sistema financeiro
internacional, sobretudo as do Nordeste Asiático (Calder e Ye, 2010: 92). Apesar da
vulnerabilidade que anexação de Hong Kong provocou, a confiança dos líderes chineses
foi reforçada pela aparente imunidade da RPC ao efeito de contágio da crise (Kun-Chin
Lin, em Aggarwal et. al, 2008: 78).
Para demonstrar o inquestionável e crescente apoio da China à ASEAN+3,
evocamos o discurso de Zhu Rongji na Cimeira de Brunei (“Strengthening East Asia
Cooperation”), em Novembro de 2001, e que serviu de base para a futura política de
cooperação regional chinesa, no qual o primeiro-ministro afirmou que a ASEAN+3
constitui “o canal principal41
para a cooperação da Ásia Oriental” (Noore, em Kim,
2004: 118).
No ano 2000, a China propôs a criação de uma área de comércio livre com a
ASEAN (CAFTA) e no ano seguinte inaugurou o Fórum Boao para a Ásia (FBA)42
e a
Organização de Cooperação de Xangai.
É inegável a crescente participação da China na economia internacional. Ao fim
de 15 anos de difíceis negociações, a China é admitida na OMC, em 2001: “a decisão
dos líderes chineses aceitarem as rigorosas condições de admissão à OMC [a redução de
tarifas para a importação de produtos agrícolas e industriais, a eliminação de programas
subsidiários às exportações] é demonstrativa do seu compromisso em acelerar a sua
41
Este “canal” preferencial, ao contrário da APEC e da OMC, exclui Taiwan. 42
O FBA é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2002 por iniciativa da RPC. Através de
encontros de alto-nível entre os líderes asiáticos, o FBA procura promover ideias regionalistas, sendo a
integração do Nordeste um tema central. Para além da presença dos líderes políticos e académicos, e por
contraste com a maioria dos fora regionais da Ásia Oriental, o FBA conta com a especial participação de
empresas privadas (incluindo multinacionais ocidentais como a IBM, Microsoft ou BMW) (Calder e Ye,
2010: 149-151).
87
reforma económica em direção a uma economia de mercado” (Moore, em Kim, 2004:
102).
Para a Ásia Oriental, a adesão chinesa à OMC é vista, simultaneamente, como
uma oportunidade e um desafio. Por um lado, a competitividade das indústrias chinesas
poderão deslocar as exportações dos países da ASEAN e dos parceiros do Nordeste
Asiático. Por outro lado, o crescimento chinês poderá revelar-se como motor de
arranque para as economias da região (Moore, em Kim, 2004: 104). A avaliar pela
participação das áreas costeiras chinesas em redes de produção transnacionais,
sobretudo ligadas a tecnologia de ponta, parece-nos que as consequências da abertura da
economia chinesa penderão para os dois lados: apesar de atrair investimento dos países
desenvolvidos do Nordeste Asiático, deslocando mão-de-obra dos países do Sudeste
Asiático para as suas zonas costeiras, o seu crescimento e necessidades produtivas
também impulsionam o crescimento destes mesmos países, quer por meio das redes de
produção transnacionais, quer pela expansão do mercado de consumo nestes países.
Em 2003, quando Hu Jintao e Wen Jiabao iniciaram funções, defenderam a
cooperação com os vizinhos do Nordeste Asiático e a conciliação com Taipé, deixando
antever a estratégia de “Peaceful Rise” que viria a ganhar terreno no Fórum Boao.
Numa entrevista do Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Shijie Zhishi
(“Negócios Estrangeiros”), em 2003, Wang Yi esclareceu as linhas de orientação da
política externa chinesa da seguinte forma: “as nossas relações com as nações vizinhas
afetam diretamente a nossa segurança política e económica, e nós promovemos o
pragmatismo e a construção de confiança com a vizinhança” (Calder e Ye, 2010: 170).
Em 2007, o Conselho de Estado da RPC declarou o compromisso chinês a alto-
nível num Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre os países do Nordeste
Asiático, incluindo os ministros de comércio da China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do
Norte, Rússia e Mongólia (Calder e Ye, 2010: 167). Os esforços multilaterais por parte
da China culminaram no sucesso da Cimeira Trilateral de 2008, depois das difíceis
relações entre a China e o Japão nos anos imediatamente anteriores. Também se
verificaram melhorias nas relações com Taiwan, depois da vitória do KMT nas eleições
de Maio, permitindo o desenvolvimento de mecanismos de diálogo e o aumento de
tráfego de passageiros entre “as duas Chinas”.
A interdependência económica é utilizada por Pequim como instrumento da sua
política externa. É o interesse nacional que estimula a RPC a cooperar com os seus
vizinhos regionais e, neste sentido, concordamos com Thomas Moore quando este
88
afirma que “a procura de segurança económica e desenvolvimento nacional através da
cooperação multilateral pode ser caracterizada como um meio (neo-)liberal para atingir
um fim realista”. (Moore, em Kim, 2004: 127). Para Pequim, a manutenção da
estabilidade internacional, enquanto se foca no desenvolvimento económico doméstico,
constitui a sua prioridade nas suas relações económicas com o Nordeste Asiático
(Moore, em Kim, 2004: 130).
A posição chinesa em relação às organizações multilaterais pode ser
interpretada, aos olhos dos realistas, como uma forma da RPC contrabalançar a
supremacia norte-americana, servindo os próprios interesses nacionais (Dittmer, em
Fridman, 2006: 116). A estratégia ofensiva da China passa pela sua integração na
“região economicamente mais dinâmica” do mundo: “Ao identificar-se como Estado
asiático, a China passou do isolacionismo regional para a participação ativa na
proliferação do número de organizações regionais do pós-Guerra Fria”, muitas vezes
tomando a iniciativa ou desempenhando um papel de liderança, enquanto os EUA
pareciam esmorecer o seu interesse pela diplomacia multilateral (exceto quando esta
estava relacionada com a guerra contra o terrorismo) (Dittmer, em Fridman, 2006: 121).
Muitos realistas, como Mearsheirmer, acreditam que a China tentará converter o
seu poderio económico e militar para se tornar uma potência hegemónica regional (ou
mesmo global), tornando-se no competidor estratégico dos EUA (Tow, 2009: 85).
Os liberais, por sua vez, “anteveem bonança em vez de perigo” no extraordinário
crescimento económico chinês (Tow, 2009: 85). Os níveis de confiança e compromisso
com instituições multilaterais tenterão a melhorar, à medida que se aprofunda a
interdependência regional.
Já os construtivistas, como Iain Johnston (que estudou a participação chinesa em
instituições internacionais no período 1980-2000), concluem que “há dados
significativos sobre a socialização dos diplomatas, estrategas e analistas chineses”, em
resultado da participação chinesa nessas instituições internacionais, e que vai contra
“normas e práticas” realistas. (Tow, 2009: 86).
Para todos os efeitos, e sem reduzir os gastos na Defesa, a China promoveu a
cooperação multilateral na região, evitando confrontos com os EUA (o seu maior
mercado de consumo) e desempenhando um papel diplomático proactivo, como
exemplificam as Six-Party Talks. “O envolvimento chinês no regionalismo asiático
chegou relativamente tarde” (Calder e Ye, 2010: 181), mas o seu despertar para a
multilateralização da região ocorreu de uma forma surpreendente e extraordinária.
89
A relação com os EUA e a estratégia de “ascensão pacífica”
Em Janeiro de 2001, o vice-primeiro ministro chinês, Qian Qichen, enfatizou a
cooperação sobre a contradição na relação Pequim-Washington, valorizando o
desenvolvimento económico nacional em detrimento da unificação da “motherland”,
logo, atribuindo à resolução do problema de Taiwan um carácter menos prioritário.
Esta declaração, mesmo que feita a nível doméstico, não impediu George W.
Bush de afirmar, quatro meses mais tarde, que faria o que fosse preciso para ajudar
Taiwan a defender-se (Kun-Chin Lin, em Aggarwal et. al., 2008: 84). Já o seu
Secretário de Estado, Colin Powell, afirmou em 2004 que as relações entre os EUA e a
China eram as melhores desde há 30 anos.
Um ano depois, Qian Qichen, autor das declarações acima citadas, ataca os EUA
por prosseguir uma política expansionista (Kun-Chin Lin em Aggarwal et. al., 2008:
84).
Como acabamos de verificar, desde 2001, as relações sino-americanas têm sido
marcadas por perceções assimétricas que pouco favoreceram uma relação coerente e
equilibrada entre as duas superpotências. Não obstante, foi a esquizofrenia desta relação
que permitiu a manutenção do statu quo em Taiwan e compromisso dos dois países na
resolução do problema norte-coreano.
Os acontecimentos de 11 de Setembro alertaram a RPC para a sua
vulnerabilidade a ataques terroristas. Depois deste choque, a China voluntariou-se no
combate ao terrorismo (também devido aos interesses chineses em suprimir os uigures
dissidentes em Xinjiang), inaugurando um novo período de cooperação com os EUA.
O ambiente político e económico do pós-11 de Setembro “presenteou a China
com uma oportunidade estratégica para impulsionar um novo paradigma de relações
regionais. Com os EUA profundamente comprometidos primeiro no Afeganistão, e
depois no Iraque, a China teve a oportunidade de consolidar a sua posição, explorando o
declínio político, ideológico e militar americano na região” (Kun-Chin Lin, em
Aggarwal et. al., 2008: 86).
A doutrina de “Peaceful Rise”, proclamada por Hu Jintao, reconhece “a
liderança dos EUA na Ásia e no mundo durante o futuro próximo” e advoga que “a
ascensão da China terá um impacto benigno no ambiente global de segurança e por que
a China procurará promover parcerias (por oposição ao tipo de alianças da Guerra Fria)”
(Aggarwal et. al., 2008: 87).
90
Em conformidade com esta estratégia, a China procurou reduzir as tendências
antiamericanistas e “mostrou aceitação para com ações provocatórias” por parte dos
EUA. De acordo com Susan Shirk, “a China estava a curvar-se para trás, para acomodar
os EUA” (cit. por Aggarwal et. al., 2008: 87), o que revela que tratar-se de uma
estratégia de bandwagoning da China em relação aos EUA. A doutrina parece ter tido o
efeito desejado em Washington, que por sua vez reconheceu a China como “um
contributo importante no combate ao terrorismo” e poderá ter flexibilizado a afirmação
da liderança chinesa na Ásia (Aggarwal et. al., 2008: 88).
“A diplomacia chinesa está a aceitar as instituições e normas internacionais
existentes e o domínio dos EUA nas estruturas de poder regionais e internacionais como
nunca tinha acontecido desde 1949” (Johnston em Kim, 2004: 90), e o exemplo mais
manifesto do statu quo chinês é precisamente a questão taiwanesa.
Em 2005, o Presidente Hu Jintao introduziu o conceito de “mundo harmonioso”
para se referir à construção de uma nova ordem regional e mundial, tendo sido mais
tarde adotado pelo 17.º Congresso do Partido Nacional, em 2007, como um objetivo
diplomático oficial (Calder e Ye, 2010: 172).
Não obstante, a estratégia de ascensão pacífica foi também acompanhada pela
assertividade chinesa que caracterizou a presidência de Hu Jintao desde 2002, e cuja
exaltação cresceu a partir de 2008, com a realização dos Jogos Olímpicos e com a
resposta à crise económica (Rozman, 2011: 299). Dando conta do interesse japonês no
regionalismo asiático, Pequim procurou não ficar atrás das iniciativas regionalistas e por
isso apoiou a cooperação trilateral com maior veemência, mas “sem sentido de
comunidade” (Rozman, 2011: 311), resistindo ao multilateralismo com uma agenda do
tipo não-económica e fazendo prevalecer as relações bilaterais de modo a maximizar o
seu peso na sub-região. Assim, a nova abordagem assertiva chinesa procura
marginalizar a Coreia do Sul no revivalismo das Six-Party Talks e o Japão no “Novo
Regionalismo” da Ásia Oriental (ao contrário do que se fazia esperar com a criação da
moldura ASEAN+3). Além disso, verifica-se o interesse de Pequim em contrabalançar o
poder americano, começando desde logo no quadro das Six-Party Talks (Rozman, 2011:
313). De facto, desde os seus primórdios que as conversações a seis representam uma
prioridade absoluta na política externa chinesa (Shulong e Xinzhu, 2008: 29-43), em
que os presidentes Jiang Zemin e Hu Jintao estiveram pessoalmente envolvidos.
91
Em suma, e indo de encontro ao argumento de Joseph Nye, falar-se em soft
power chinês para se referir à estratégia chinesa na Ásia Oriental pode ser exagerado
(Nye cit. por Holyk, 2011: 247).
O Faisão Amistoso
Diz-se muitas vezes que “o Japão teve uma boa Guerra Fria” (Acharya; Buzan
cit. por Tow, 2001: 48) e, para todos os efeitos, conseguiu garantir o extraordinário
crescimento mantendo-se afastado dos confrontos militares inerentes ao conflito da
Guerra Fria.
Como vimos anteriormente, o fim do confronto bipolar destabilizou o equilíbrio
de poderes na região. O Japão confrontou-se com o receio de abandono por parte dos
EUA após a redução da ameaça comunista e, por conseguinte, tentou encontrar uma
nova posição estratégica na nova ordem internacional.
No início da década de 1990, o Japão revelou-se bastante entusiasmado com o
desenvolvimento de instituições de segurança multilaterais que difundissem tensões e
prevenissem o conflito. Entre as diversas iniciativas, procurou tornar-se membro
permanente do CSNU, aumentando substancialmente a sua contribuição para a ONU;
promoveu instituições de segurança regional como o ARF; e intensificou os diálogos
bilaterais e “mini-laterais” com os seus parceiros regionais.
Paralelamente, a sua relação com os EUA esmoreceu depois de uma sucessão de
crises que atormentaram a aliança na década de 1990.
A primeira crise esteve relacionada com a falta de contribuição humana japonesa
durante a Guerra do Golfo. Apesar da contribuição monetária avultada, a imprensa e o
Congresso americano não pouparam críticas à ausência de forças militares japonesas.
Verificou-se ainda o ressentimento por parte do eleitorado norte-americano, que teve de
“sacrificar as suas tropas para salvar o acesso às jazidas de petróleo que forneciam ao
Japão cerca de 70% das suas necessidades energéticas” (Tow, 2001: 49). A fim de
superar este criticismo e aumentar a sua credibilidade, o Japão promulgou a “Lei de
Cooperação Internacional para a Paz”, em 1992, que permitia às Forças de Auto-Defesa
Japonesas participar em Operações de Paz da ONU (o primeiro envio de forças
destinou-se ao Camboja, em 1993, seguindo-se Angola, Moçambique e Timor-Leste)
(Yuzawa, 2007: 1).
92
A segunda crise surgiu em 1994, quando as tensões entre os EUA e a Coreia do
Norte escalaram e Washington se convenceu de que um ataque às bases nucleares norte-
coreanas seria inevitável. Ao considerar o cenário de guerra, “o governo americano
ficou chocado ao descobrir que o Japão não tencionava clarificar o nível de apoio
logístico que estaria disposto a disponibilizar em caso de conflito” (Berger, em Kim,
2004: 145).
Logo após a crise coreana, surgiram protestos contra a presença americana em
bases japonesas, na sequência de “uma violação brutal de uma estudante japonesa por
parte de três elementos da marinha americana colocados em Okinawa” (Berger, em
Kim, 2004: 145).
Depois da Guerra do Golfo (que tinha provocado um sentimento de impotência
da afirmação japonesa nos assuntos internacionais), o Japão sentiu necessidade de
redefinir a sua estratégia de segurança. O primeiro-ministro japonês, Morihiro
Hosokawa, pediu a um painel de especialistas, sob a liderança de Higuchi Hirotaro, que
deliberasse sobre o futuro da segurança japonesa. No seu relatório final, de 1994, a
Comissão Higuchi concluiu que a abordagem securitária do país deveria basear-se, em
primeiro lugar, no multilaralismo, em segundo, na aliança Japão-EUA e, em terceiro,
nas capacidades independentes de auto-defesa (Green, em Lampton, 2001: 76).
Depois da “crise logística”, o novo primeiro-ministro, Tsutomu Hata, prometeu
que faria o seu melhor para aprovar legislação que permitisse o apoio japonês em
situações de crise (Green, em Lampton, 2001: 77).
Por iniciativa de Joseph Nye, os dois países produziram uma série de
documentos com vista a esclarecer os compromissos do Japão e dos EUA para com a
aliança (Green, em Lampton, 2001: p 77-78). Os EUA e o Japão conseguem revitalizar
a sua aliança em 1997, com as Novas Diretrizes de Defesa (uma revisão do acordo de
Defesa de 1978) em que o Japão se “compromete, pela primeira vez, a fornecer apoio
logístico aos EUA durante uma crise de segurança regional” (Berger, em Kim, 2004:
146).
Depois do 11 de Setembro, os EUA procuraram formar uma “coligação de
vontades” (“coalition of the willing”) e puderam contar com o apoio do Japão. Ao
contrário das hesitações que se verificaram durante a Guerra do Golfo, o governo de
Koizumi enviou as Forças de Auto-Defesa para o Afeganistão e para projetos de
reconstrução no Iraque. Assim, depois dos atentados, o clima entre os dois aliados foi
93
descrito como “um dos melhores de sempre” (Katada e Solis, em Aggarwal et. al.,
2008: 116-117).
Consequentemente, para reforçar o apoio internacional no combate ao
terrorismo, os EUA aligeiraram “a reação negativa à construção de instituições
regionais exclusivamente asiáticas na Ásia Oriental” (Katada e Solis, em Aggarwal et.
al., 2008: 117).
O Japão foi um importante impulsionador do regionalismo asiático (Pempel,
1996/97: 14, cit. por Cui, 2007: 184). As favoráveis condições económicas resultantes
do “Milagre Japonês” estimularam a emergência da interdependência regional, e não há
dúvida que mesmo nas últimas duas décadas, o Japão contribuiu significativamente para
o avanço do regionalismo, embora em moldes menos dinâmicos do que seus dois
vizinhos continentais, como verificam Calder e Ye:
“Unlike China, Japan has a fully democratic political system, within which veto players
proliferate, emboldened by potential support from complex legislative processes,
powerful intraparty factions, and a influential mass media. Unlike Korea, another
democratic state, however, it lacks a powerful chief executive. Its political structure thus
renders Japan more reactive and hesitant in foreign-policy making than either of its
neighbors, a tendency compounded by its geographical and cultural isolation, as a
distinctive island nation on the rim of Asia” (Calder e Ye, 2010: 211).
O sector agrícola japonês, por exemplo, é um dos principais opositores do
regionalismo asiático: os agricultores japoneses sabem que não poderão competir com
os mercados chineses e coreanos numa ACL. As pequenas empresas, que empregam
cerca de 60% da população ativa japonesa, também estão reticentes em aprofundar as
relações económicas com os vizinhos do Nordeste Asiático, por razões semelhantes às
dos agricultores japoneses e, sobretudo, pela ameaça que a mão-de-obra barata
representaria para os seus negócios (Calder e Ye, 2010: p 221-222).
Não obstante a hesitação em participar num ACL sub-regional, o Japão está a
deslocar as suas relações económicas em direção ao Nordeste Asiático, deixando de
estar puramente centradas nos EUA (Grimes, em Kim, 2004: 171). Grimes procura
explicar este fenómeno: “o comércio japonês com o Nordeste Asiático mudou
substancialmente nas últimas duas décadas, à medida que as economias regionais se
industrializavam e melhoravam a qualidade da sua manufatura” (Grimes, em Kim,
94
2004: 185). A apreciação do yen em 198543
ajuda a explicar esta viragem politico-
económica japonesa: “as Japanese products became more and more costly relative to
those of other countries, it naturally became less and less profitable for Japanese firms
to be producing more labor-intensive (or later on, less technology-intensive) products at
home, and Northeast Asian neighbors soon took up the slack.” (Grimes em Kim, 2004:
185). O Japão investiu somas avultadas nas infraestruturas desses países, mas os gastos
foram compensados através de mão-de-obra barata e de boa qualidade.
Depois da Crise Financeira Asiática de 1997-98, o Japão foi responsável por
largas fatias contributivas que ajudaram a resgatar a Tailândia, a Coreia do Sul e a
Indonésia (19 mil milhões de dólares para o FMI e 30 mil milhões para o Plano New
Miyazawa, “which sought to reinforce regional currencies in short term and reinvigorate
investment and growth over the longer term”). Durante o Outono de 1997, o Japão
propôs o FMA, que contaria com um fundo de 100 mil milhões de dólares, sendo que o
Japão forneceria metade desse valor, para ajudar os países vizinhos a superar a crise.
Apesar da recusa americana, o indiscutível apoio japonês à ICM provou que “nenhum
outro governo no mundo contribuiu tanto para resolver a Crise Financeira Asiática”
(Grimes, em Kim, 2004: 193).
Por conseguinte, o Japão saiu com a sua credibilidade reforçada na região.
Todavia, apesar dos ímpetos regionalistas (também resultantes de preocupações
securitárias, como a ascensão militar chinesa [Yuzawa, 2007: 146] e o programa nuclear
norte-coreano), o Japão prefere a celebração de ACL bilaterais. Esta escolha é visível no
caso do Sudeste Asiático, onde o Japão negociou individualmente com as quatro
maiores economias da ASEAN antes de iniciar negociações para um ACL alargado
entre o Japão e a organização (Katada e Solis, em Aggawal et. al., 2008: 112). Por fim,
em relação à cooperação multilateral em matéria de segurança, apesar de o Japão ser um
membro-fundador das Six-Party Talks, ficou muitas vezes à margem das negociações,
desiludido com o fracasso das conversações em encontrar uma solução para japoneses
que foram vítimas de rapto norte-coreano e para o próprio programa de mísseis
balísticos de Pyongyang, que ameaça diretamente o seu território.
43
Na sequência dos “Acordos Plaza”, assinados em Setembro de 1985, que tiveram por objetivo
desvalorizar o dólar em relação ao yen japonês e ao marco alemão, através da intervenção nos mercados
cambiais.
95
O Tigre do Meio
Depois da rápida industrialização sul-coreana registada entre as décadas de 1960
e 1980, a Coreia do Sul transformou-se numa das principais potências económicas do
mundo, mantendo, em 1990, o estatuto de 10.ª maior economia mundial. A Coreia foi
referida como um “caso ideal de um ciclo vicioso de crescimento, segurança e
prosperidade” (Chan e Mintz, 1992, cit. por Moon e Kim, em Kim, 2004: 251) que se
ficou a dever a uma estratégia de crescimento económico baseada nas exportações, a um
forte Estado desenvolvimentista (com o domínio do executivo) e a uma forte aliança
bilateral com os EUA. Paralelamente, a transição e consolidação democráticas, que
apenas chegaram em 1987 com o regresso às eleições presidenciais diretas e à
liberalização política (Lee, 2005: 100) foram cruciais para definir a agenda de segurança
da Coreia do Sul.
Em 1993, o Presidente Kim Young Sam sublinhou a importância do diálogo de
segurança multilateral num discurso histórico que decorreu durante a Cimeira da APEC.
Entretanto, a crise nuclear norte-coreana de 1994-95 tinha também acelerado “o
interesse sul-coreano pelo multilateralismo, como complemento aos laços de segurança
bilaterais entre os EUA e a República da Coreia” (Calder e Ye, 2010: 191).
O Presidente sucessor, Kim Dae-jung (1998-2003), percebeu as oportunidades
regionais e aprofundou as relações sul-coreanas com as potências circundantes:
convenceu os EUA a prosseguirem uma política de engajamento com a Coreia do
Norte; conseguiu apoio da Rússia para a sua “Sunshine Policy”44
; procurou a
reconciliação histórica com o Japão, promovendo a cooperação económica e securitária
entre os dois países; e melhorou as relações com a RPC (chegando a desenvolver
diálogos militares inter-ministriais) (Snyder, em Lampton, 2001: 105-106).
A conquista diplomática mais notável do Presidente Dae-jung esteve relacionada
com “a estimulação indireta da cooperação na busca de interesses regionais comuns”
(Snyder, em Lampton, 2001: 106). Foi sob os auspícios do Presidente Dae-jung que a
44
A “Sunshine Policy” caracterizou a política externa sul-coreana entre 1998 e 2008 tendo sido
preconizada pelo Presidente Kim Dae-jung Ŕ galardoado com o Prémio Nobel da Paz no ano 2000 Ŕ, na
sequência dos alcances da sua doutrina, e que culminaram na cimeira inter-coreana de Junho de 2000. A
Coreia do Sul advogou a cooperação ativa com a Coreia do Norte, rejeitando a fórmula anterior de
“unificação pela absorção”, mas também não toleraria nenhuma provocação armada por parte do governo
de Pyongyang (Cumings, 2005: 500-504). Esta política aproveitou a posição chinesa de “nem unificação
nem guerra”, e contou também com o apoio do sector empresarial sul-coreano no desenvolvimento da
cooperação económica com a Coreia do Norte, onde podia recorrer a mão-de-obra barata e de boa
qualidade.
96
Coreia inaugurou a cooperação no quadro da ASEAN+3, esperando que conduzisse à
construção de uma comunidade regional e um ACL na Ásia Oriental. Kim Dae-jung
estava convicto de que a cooperação e integração económica regional conduziriam à paz
e prosperidade na região (Lee e Moon em Aggarwal, et. al., 2008: 44).
Em 1999, por ocasião da cimeira da ASEAN+3, Seul desempenhou um papel
central e na iniciativa de instituir o “East Asia Vision Group” (EAVG) e o “East Asia
Study Group” (EASG) e um ano depois, a 27 de Novembro de 2000, Kim Dae-jung
voltou a sugerir a transformação da ASEAN+3 numa “Cimeira da Ásia Oriental que
deveria, em última instância, conduzir a uma unidade económica coerente no Nordeste
Asiático” (Calder e Ye, 2010: 112).
Depois da Crise Financeira, os coreanos passaram a acreditar no regionalismo
como amortecedor contra os choques causados pelas instituições internacionais (e,
implicitamente, também pelas forças de mercado), que revelaram falta de sensibilidade
em relação à Coreia e às circunstâncias excecionais da sua vulnerabilidade. (Calder e
Ye, 2010: 198). Deste modo, aquando da proposta japonesa de criação de um FMA,
Seul foi um fervoroso apoiante desta iniciativa, em boa parte devido à dureza das
medidas do FMI.
O Presidente Kim Dae-jung também foi um fervoroso defensor dos ACL,
advogando que poderiam ser os tijolos da liberalização multilateral do comércio (Lee e
Moon, em Aggarwal, et. al., 2008: 46). Desde então, a celebração de ACL tem
percorrido um caminho ascendente, tendo a Coreia do Sul, em 2010, 7 ACL concluídos
e 20 ACL propostos ou em negociação (BDA).
“A Iniciativa de Cooperação do Nordeste Asiático para a Paz e Prosperidade”
(ICNAPP) foi estabelecida em 2003, pelo Presidente Roh Moo-hyun (2003-2008), e
tinha por objetivo a construção de “uma comunidade regional de confiança mútua,
reciprocidade e simbiose” na esfera económica e de segurança (Lee e Moon, em
Aggarwal, et. al., 2008: 48). Quanto às motivações que impulsionaram a ICNAPP, Lee
e Moon referem a “continuação do dilema de segurança regional”, nomeadamente a
perpetuação do problema norte-coreano, as tensões no Estreito de Taiwan, a ascensão
chinesa e a hipotética re-militarização japonesa (Lee e Moon, em Aggarwal, et. al.,
2008: 49). Além disso, a competição económica tinha ganho uma nova forma: a
industrialização asiática alterou a tradicional divisão internacional do trabalho, entre
países desenvolvidos e não desenvolvidos (o tradicional modelo japonês de “flying
97
geese”45
). Assim, a China, o Japão e a Coreia do Sul, em particular, passaram a
competir “de igual-para-igual” em termos de produção e destinos das exportações (Lee
e Moon, em Aggarwal, et. al., 2008: 49).
Contudo, a ICNAPP coincidiu temporalmente com um impasse nas Six-Party
Talks, com a delicada rivalidade sino-japonesa e a deterioração das relações bilaterais
entre o Japão e a Coreia, deixando esmorecer a visão do Presidente Roh, que decidiu
fazer uma aposta mais pragmática na celebração de ACL como instrumento de política
económica (Lee e Moon em Aggarwal, et. al., 2008: 58).
Um fenómeno que não pode passar ao lado desta análise, e que está
estreitamente ligada ao “Novo Regionalismo” do Nordeste Asiático, é a chamada “Vaga
Coreana” (“Korean Wave” ou “Hanryu”). O termo refere-se à crescente popularidade da
cultura coreana, visível no interesse pela moda, música pop e séries televisivas (Jung-
Sun Park, em Armstrong et. al., 2006: 244).
A “Vaga Coreana” simboliza a regionalização dos fluxos transnacionais de
cultura e evidencia como um país no meio de dois gigantes económicos pode ser um
mediador cultural e estender a sua influência na transformação da identidade regional
(Jung-Sun Park em Armstrong et. al., 2006: 255). A “Hanryu” permitiu também a
projeção do país para a região de uma forma absolutamente extraordinária, aumentando
exponencialmente o interesse pela compreensão da cultura coreana: segundo Park,
“antes da Vaga Coreana, muitos vizinhos asiáticos não sabiam muito acerca da Coreia,
ou conheciam apenas coisas muito simples e estereotipadas (…)” (Jung-Sun Park em
Armstrong et. al., 2006: 255).
Os benefícios económicos desta nova “febre” coreana são muitos, afetando
diretamente a indústria do turismo e a venda de produtos coreanos promovidos pelos
ídolos coreanos (produtos de cosmética De Bon, telemóveis Samsung ou
eletrodomésticos LG). Contudo, o receio pela criação de um estereótipo coreano,
sobretudo no que diz respeito ao exagero da sua cultura pop, incentivou as grandes
indústrias sul-coreanas a procurar a co-produção com indústrias japonesas, taiwanesas e
chinesas, reunindo celebridades de diversas ascendências nacionais. Este recente
45
O modelo japonês de “flying geese” foi responsável pelo impressionante crescimento económico do
Japão na década de 1980 e primeira metade da década de 1990. Segundo este paradigma de um sistema
económico centrado no Japão, a economia líder reduz os riscos e os erros das economias por detrás dela
(Kim em Aggarwal et. al., 2008: 2;4). Ou seja, seguindo a dinâmica das vantagens comparativas, o Japão
impulsiona o crescimento económico das novas economias industrializadas (Coreia do Sul, Taiwan,
Singapura e Hong Kong) e estas, por sua vez, impulsionarão o crescimento dos membros da ASEAN.
98
desenvolvimento revelou-se um indicador importante da produção e disseminação da
cultura intra-asiática (Jung-Sun Park em Armstrong et. al., 2006: 256).
Por outras palavras, a Vaga Coreana desafiou a divisão entre culturas
dominantes e dominadas e a dicotomia centro-periferia e “os fluxos unidirecionais de
influência cultural” (Jung-Sun Park em Armstrong et. al., 2006: 256). De acordo com o
argumento de Charles Armstrong, a Coreia tem agora o potencial de “se manter no
centro” do regionalismo asiático, tornando-se um facilitador da cooperação regional,
como havia sonhado o governo de Roh: “a Coreia devia tornar-se o centro (“hub”) de
uma economia regional dinâmica” (Armstrong et. al., 2006: 246). Também Kent Calder
e Min Ye argumentam que, devido à localização geográfica da Península Coreana, uma
Coreia unificada pode funcionar como centro (“hub”) do Nordeste Asiático, uma
“entidade auto-suficiente e uma força marcadamente mais proactiva no regionalismo na
Ásia Oriental” (Calder e Ye, 2010: 186-187).
Em suma, e no que diz respeito ao desempenho da Coreia do Sul no
regionalismo asiático, podemos dizer que a antiga marginalização cedeu-lhe o lugar de
pivot na economia, segurança e cultura do Nordeste Asiático (Armstrong et. al., 2006:
149). De facto, a Coreia do Sul preencheu todos os requisitos de um “middle power”
emergente: é democrática, bem-sucedida economicamente, e dispõe de uma política
externa “altamente respeitada” e de uma “forte orientação regional” (Choo e Boissseau
em Nicolas, 2007: 108).
3.4. Um caminho espinhoso
Neste subcapítulo, consideramos três principais obstáculos à criação de uma
comunidade regional da Ásia Oriental, e que serão analisados em pormenor nos pontos
seguintes.
O primeiro obstáculo corresponde ao “problema norte-coreano”: para além da
ameaça nuclear, os EUA receiam que a Coreia do Norte forneça tecnologia e
armamento aos terroristas; os líderes norte-coreanos querem evitar a invasão externa e o
colapso interno; o Japão não quer reconhecer a legitimidade de Pyongyang enquanto a
Coreia do Norte não desistir do programa nuclear e enquanto não for conhecido o
destino das vítimas de rapto japonesas; e tanto a China como a Coreia do Sul e o Japão
querem evitar o colapso repentino da Coreia do Norte, pelo desastre económico que
99
provocaria e pelas vagas de refugiados que destabilizariam a região. A própria China
não quer perder a Coreia enquanto “Estado-tampão” por recear que uma Coreia forte e
unificada, com poderio nuclear, se aproxime mais dos EUA e a marginalize.
Percebemos assim que a integração do regime norte-coreano é mais complexo
do que aparenta. Contudo, este “obstáculo” tem-se revelado também uma oportunidade
para a cooperação política e securitária entre as potências regionais, como comprovaram
as negociações da KEDO e das Six-Party Talks.
O segundo obstáculo analisado prende-se com a “questão taiwanesa”, que a
China se recusa a levantar nos fora regionais: a indefinição do seu estatuto jurídico-
internacional e a disputa com Pequim não abonam a favor de uma integração regional
transparente e inclusiva.
Por último, e não menos importante, o terceiro obstáculo à integração regional
está intimamente relacionado com a rivalidade sino-japonesa. De facto, a liderança
regional tem sido visivelmente disputada entre Pequim e Tóquio, mesmo que nenhuma
das capitais asiáticas tenha dado um passo claro nesse sentido.
Paralelamente, e como evidencia o quadro do Anexo 9, as disputas territoriais
que envolvem os países do Nordeste Asiático estão longe de ser irrelevantes e
funcionam como verdadeiros obstáculos à cooperação regional.
As Ilhas Senkako, em japonês, Diaoyu, na RPC ou Tiaoyutai em Taiwan,
correspondem a um grupo de ilhas não-habitadas sob administração japonesa mas
reclamadas por Pequim e Taipé. A RPC afirma que as ilhas são parte do seu território
desde a sua descoberta, em 1534, e o Japão alega que o grupo insular pertence ao Japão
desde a assinatura do Tratado de Shimonoseki, na sequência da primeira guerra sino-
japonesa de 1894-95. Em Setembro de 2010, o incidente que envolveu a colisão de duas
embarcações japonesa e chinesa ao largo das Senkako originou uma disputa diplomática
entre Pequim e Tóquio, na sequência da detenção do comandante da embarcação
chinesa. O episódio demonstrou o apego ao nacionalismo de ambas as partes, mas
deixou transparecer sobretudo o receio japonês pelo crescente poderio naval chinês e
pela sua afirmação mais assertiva no plano regional e internacional (Marcus, 2010).
Como será desenvolvido no subcapítulo dedicado à influência russa no
regionalismo da Ásia Oriental, a questão da soberania sobre as Curilas continua a causar
mal-estar nas relações entre Moscovo e Tóquio, constituindo um obstáculo a uma
cooperação transparente entre as duas potências.
100
Aquando das visitas do primeiro-ministro japonês ao Santuário Yasukini46
, que
foram também alvo de duras críticas e manifestações sul-coreanas, a questão das
Rochedos de Liancourt47
serviu para estimular rancor sul-coreano contra o Japão.
Grande parte dos primeiros-ministros japoneses pediu desculpa à Coreia do Sul pela
brutalidade da ocupação japonesa, incluindo os primeiros-ministros Obuchi e Koizumi.
Contudo, apesar da aceitação dos pedidos de desculpa, a Coreia do Sul duvidou da sua
sinceridade na sequência das visitas ao Santuário, e uma vez que o Japão se recusou a
conceder a soberania das Ilhas Liancourt à Coreia do Sul.
O Reino Eremita
A Coreia do Norte teve um efeito importante para a formação do regionalismo
asiático, mesmo que não tenha sido pelos melhores motivos, mas pela incerteza política
e económica que provoca na região.
Em 1985, a Coreia do Norte assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear,
mas anunciou a sua retirada da AIEA em 1993, levando à primeira crise nuclear na
Península Coreana e ameaçando a paz e estabilidade de todo o Nordeste Asiático
(Friedman e Kim, 2006: 95).
A primeira crise nuclear de 1993-1994 foi resolvida com a visita do ex-
Presidente norte-americano, Jimmy Carter, a Pyongyang. O Acordo-Quadro de Outubro
de 1994 trouxe a Coreia do Norte de regresso aos acordos, após várias negociações com
a Administração Clinton, que procurou a suspensão do desenvolvimento de armas
nucleares com recurso a plutónio, em troca de petróleo e a eventual construção de
Reatores de Água Leve (LWR).
A KEDO constituiu o mecanismo institucional para a verificação deste acordo48
.
Contudo, como os EUA suspenderam as suas obrigações muito antes da data limite
estabelecida (2003), na sequência do incumprimento norte-coreano, a organização
acabou por se desmantelar em Maio de 2006 (Sang-young Rhyu em Aggarwal et. al.,
46
Cf. 3.4. Um Caminho Espinhoso: “Panda ou Faisão” (p. 106). 47
As Takeshima, em japonês, ou Ilhas Dokdo, em coreano, são alvo de disputa entre o Japão e a Coreia e
fonte de tensões nacionalistas. Em 2005, o Japão declarou o Dia de Takeshima, para reforçar a soberania
japonesa sobre o território, apesar de atualmente as Ilhas estarem sob administração sul-coreana. 48
Esta iniciativa de cooperação securitária multilateral com vista a dar uma resposta à ameaça nuclear
norte-coreana, resultou da coordenação política entre o Japão, os EUA e a Coreia do Sul (com consulta
chinesa). Contudo, a ausência da participação russa e chinesa levantou questões sobre a sua
institucionalização (Snyder, em Lampton, 2001: 101).
101
2008: 154). Paralelamente, as Six-Party Talks iniciaram-se em Agosto de 2003, na
sequência da retirada norte-coreana do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e tinha
como objectivo encontrar uma resolução pacífica para as preocupações securitárias
provenientes do programa nuclear da RDPC.
O lançamento de mísseis Taepodong em direção ao Japão, a 31 de Agosto de
1998, precipitou a cooperação EUA-Japão no desenvolvimento de um sistema
antimíssil, fortemente contestado por Pequim (Snyder, em Lampton, 2001: 107). Em
Março de 1999, por exemplo, o MNE chinês afirmou que o desenvolvimento do teatro
de defesa antimíssil teria “um impacto muito desfavorável para a balança de poderes e
estabilidade regionais no próximo século, e que [ia] para além das necessidades de
defesa legítimas do Japão e EUA, prejudicando a paz e segurança da região da Ásia-
Pacífico” (cit. por Tow, 2001: 24).
As relações entre os EUA e a Coreia do Norte agravaram-se em Janeiro de 2002,
quando, na sequência dos atentados terroristas de 11 de Setembro, o Presidente George
W. Bush rotulou a Coreia do Norte como parte do “Eixo do Mal”, juntamente com o
Iraque e Irão. Pyongyang interpretou as palavras de Bush como uma “declaração de
guerra” (Friedman e Kim, 2006: 96). Em Outubro de 2002, a Coreia do Norte admitiu
que estava a desenvolver um programa de enriquecimento de urânio desde 1998 e que ia
recuar no Tratado de Não-Proliferação, levando à segunda crise na Península.
Washington recusou negociações bilaterais e, perante a campanha de alta-
tecnologia militar evidenciada na Guerra do Iraque, Pyongyang viu-se obrigada a aceitar
as negociações tripartidas propostas por Pequim (Wada, em Friedman e Kim, 2006: 48).
Graças aos esforços diplomáticos chineses para resolver a questão nuclear num quadro
multilateral, os Three-Party Talks (China, EUA, Coreia do Norte) tiveram lugar em
Abril de 2003, seguidos de três rondas dos Six-Party Talks, até Junho de 2004.
(Friedman e Kim, 2006: 95). Pyongyang exigiu a abandono da retórica anti-Coreia do
Norte por parte dos EUA como condição sine qua non para o desmantelamento do
programa nuclear. As negociações viram a sua tarefa dificultada depois de Pyongyang
impor a garantia de segurança ao seu regime, por parte dos EUA, após a
desnuclearização do país (na sequência da possibilidade de mudança de regime na
Coreia do Norte, anunciada pela Administração Bush) (Friedman e Kim, 2006: 97).
O Presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun, procurou acalmar os ânimos norte-
americanos e norte-coreanos. Contudo, o apoio de Roh à posição norte-coreana não foi
bem recebida por Washington. Apesar da escalada de tensões sobre o programa nuclear,
102
o Presidente sul-coreano continuou a apoiar a cooperação económica inter-coreana
como solução para o problema nuclear norte-coreano, alimentando o criticismo interno
que temia o enfraquecimento da aliança com os EUA que, por sua vez, poderia trazer
um impacte negativo para a economia do país (Friedman e Kim, 2006: 96).
Face às críticas, Roh Moo-hyun contraiu a sua visão pacífica para a resolução do
conflito e, em Maio de 2003, acordou com o Presidente Bush “to take further steps to
prepare for increased threats from North Korea and gave tacit permission on
Washington‟s additional pressure to North Korea” (Friedman e Kim, 2006: 96).
Em Janeiro de 2005, a recém-nomeada Secretária de Estado norte-americana,
Condoleeza Rice, identificou a Coreia do Norte como um dos cinco “postos avançados
da tirania”. No mês seguinte, a Coreia do Norte recusou-se a participar nas Six-Party
Talks e declarou a posse de armas nucleares.
Graças à pressão chinesa, os EUA moderaram a atitude perante o governo de
Pyongyang, o que possibilitou o regresso da Coreia do Norte às negociações, em Julho
de 2005. Mas de pouco valeu a flexibilidade norte-americana: a Coreia do Norte
continuava a reclamar o direito à utilização pacífica da energia nuclear, levando à
suspensão das conversações em Agosto do mesmo ano (Wada, em Friedman e Kim,
2006: 49) e ao desmantelamento da KEDO no ano seguinte.
Em 2006 lançou sete mísseis Taepodong-2 e a 9 de Outubro conduziu o seu
primeiro teste nuclear. Em Abril de 2009 volta a lançar mísseis Taepodong-2, seguidos
de um segundo teste nuclear, em Maio do mesmo ano, aumentando a necessidade de
discussão e cooperação regional sobre estas atitudes provocatórias por parte do governo
de Pyongyang, que tiveram um impacte muito significativo na política de defesa
japonesa49
. Depois da condenação do lançamento do Taepodong-2, os EUA e a Coreia
do Sul defenderam sanções mais penosas para as violações norte-coreanas, decisão que
foi acompanhada unanimamente pelo CSNU.
A ameaça norte-coreana motivou o Japão a cooperar multilateralmente, em
moldes como nunca antes tinha feito, e a melhorar extraordinariamente a sua relação
com a Coreia do Sul.
A importância da China nas negociações com a Coreia do Norte é inegável,
dando mostras da sua eficácia diplomática no acordo histórico celebrado em Pequim, a
49
O incidente de 2001 entre as forças de auto-defesa marítimas japonesas e uma embarcação não
identificada Ŕ que se acredita ser norte-coreana Ŕ acabou por levar à morte 15 membros da embarcação,
mas teve aprovação da opinião pública japonesa, depois dos raptos norte-coreanos. O episódio
correspondeu assim ao primeiro uso da força por parte do Japão desde 1945 (Berger, em Kim, 2004: 150).
103
13 de Fevereiro de 2007. A China afirma-se assim como um ator regional de peso,
sobretudo no quadro das Six-Party Talks. O seu mérito foi reconhecido pelos vizinhos
asiáticos e pelos EUA, que melhoraram significativamente a sua relação com a capital
chinesa em resultado da forma como lidou na crise norte-coreana (Tow, 2009: 243).
Em conjunto com os EUA, a China partilha a política dos “três nãos” (“three
no‟s”) a respeito da Coreia do Norte: “No nukes, no war, and no collapse of North
Korea” (“Não às armas nucleares, não à guerra, e não ao colapso da Coreia do Norte”).
Apesar do primeiro ser mais “hostil” e o segundo mais “próximo” do regime norte-
coreano, as duas potências têm conseguido cooperar nesta questão, de forma a garantir a
estabilidade regional (Snyder, em Lampton, 2001: 100).
Depois do 11 de Setembro e da formação do “Eixo do Mal”, a Administração
Bush mostrou-se hesitante em acomodar-se a um regime norte-coreano com
capacidades químicas biológicas (e possivelmente nucleares), e com o recurso a
terrorismo patrocinado pelo Estado (Calder em Kim, 2004: 237). Assim, em relação à
Coreia do Norte, o debate sobre a estratégia norte-americana tem conciliado
compromisso e coerção (Cheng, em Friedman e Kim, 2006: 61), embora os EUA não
tenham encontrado um equilíbrio para gerir da forma mais eficaz a política de carrots
and sticks.
A Coreia do Norte percebeu que a dissuasão através da posse de armas de
destruição maciça (WMD) garantia a sobrevivência do regime (Monteiro, 2011/12) e,
apesar de todos os problemas internos, continuou a provocar os países vizinhos com
testes de mísseis, testes nucleares e com a expansão do capital humano militar. Perante
estas ameaças e receio de colapso do regime, os países do Nordeste Asiático viram-se
obrigados a cooperar multilateralmente, que por via da KEDO e, sobretudo, por via das
Six-Party Talks. Apesar da desilusão provocada pelo impasse das negociações, a
cooperação securitária entre as potências regionais foi determinante para aumentar os
níveis de confiança entre os seus membros.
Assim, apesar de neste subcapítulo nos debruçamos sobre o problema nuclear
norte-coreano enquanto obstáculo ao regionalismo asiático, é importante salvaguardar
que foi precisamente a ameaça norte-coreana que possibilitou a cooperação dos países
do Nordeste Asiático na única moldura de segurança multilateral existente na região.
Portanto, até um certo ponto, é possível argumentar que o Reino Eremita funcionou
como obstáculo mas também como impulso ao regionalismo da Ásia Oriental, na
104
medida em que obrigou os países vizinhos a encontrarem uma solução para minimizar
os riscos de segurança regional.
Uma questão pouco Formosa
A questão taiwanesa constitui um dos grandes obstáculos à melhoria de relações
entre a China, os EUA e o Japão, sendo apontado por muitos analistas como um (ou
mesmo o único) hotspot que poderia conduzir os três países ao confronto militar.
O PCC acredita que “os EUA foram responsáveis pela existência do problema
taiwanês” (Steve Tsang, em Dent, 2008: 96) e critica o desenvolvimento do sistema
anti-míssil por parte do Japão e EUA, acusando-os de aumentarem as tensões no
Estreito de Taiwan.
Taiwan continua a ser uma das questões vitais para a RPC, apesar de esta não
manter um controlo efetivo sobre a Ilha Formosa desde finais do século XIX. A
ocupação japonesa de 1895 à Segunda Guerra Mundial continua a ser uma herança
incómoda do “Século das Humilhações”:
“The textbooks depict the history of Taiwan and China as a morality tale about China‟s
exploitation by foreign powers during its period of weakness. Japan stole Taiwan from
the Qing government in 1895; Under the CCP, China defeated Japan in World War II, and
Taiwan should have been returned to China then. But the United States intervened with
the Sixth Fleet during the Korean War to keep Taiwan permanently separated from China.
The „century of humiliation‟ will not end until China is strong enough to achieve
reunification.” (Shrik, 2007: 186).
A descrição supracitada explica como a China vê Taiwan como uma questão de
honra e um direito histórico. Lowell Dittmer afirma mesmo que a China viu sempre
Taiwan “as a missing piece to be appropriated in order that China‟s identity might be
fully realized” (Dittmer, 2006: 685).
A par desta conjuntura, e da ligação que o PCC criou entre a independência de
Taiwan e a queda do regime (Shrik, 2007: 187). Pequim acredita ainda que a
independência taiwanesa pode funcionar como um elemento catalisador para a secessão
de outras regiões problemáticas como o Tibete, Xinjiang ou da Mongólia Interior (Zhao,
2005: 232).
105
Em 2005, a aprovação da “Lei Anti-Secessão” da RPC, que legaliza o uso da
força na eventualidade de uma província ou qualquer território considerado chinês
declarar unilateralmente a independência, aumentou a tensão do Estreito, sobretudo
durante os últimos três anos em que o DPP esteve no poder. A eleição de Ma Ying-jeou
(KMT) nas Presidenciais de 2008 pode ser vista como uma expressão do pragmatismo
do eleitorado taiwanês, que prefere um discurso político mais moderado, em que possa
tirar proveito do aprofundamento dos laços económicos e, enquanto não houver
provocação, a China também não se sente legitimada nem apoiada internacionalmente
para agir.
Sob o resguardo da “diplomacia pragmática”, Taiwan tenta alargar o seu espaço
internacional, ao estreitar relações não-políticas com outros países e ao participar em
diversas organizações internacionais.
A interdependência económica entre Taiwan e a RPC tem-se revelado uma
receita bastante eficaz para manter a estabilidade ao longo do Estreito, o que nos leva a
afirmar que tanto Taiwan como a RPC têm vindo a beneficiar desta indefinição jurídico-
internacional, já que, objetiva e ironicamente, têm sido capazes de manter a sua
integridade em relação a uma possível agressão da RPC. Desde que Taiwan consiga
assegurar uma relação win-win com a China, as perspectivas económicas e,
informalmente, políticas, podem manter-se estáveis.
Tanto Washington como Tóquio defendem o statu quo, por servir os interesses
de ambos, mas ainda assim, o Japão tem sido mais discreto do que os EUA no apoio à
campanha de “diplomacia pragmática” taiwanesa (May, em Lampton, 2001: 57).50
Também é curioso observar a forma como os EUA jogam com a sua Realpolitik,
ao conseguirem salvaguardar os seus interesses com a China através da política de
ambiguidade que desenvolvem em torno da questão taiwanesa. E, ao contrário do que se
possa pensar, a ambiguidade americana garante a segurança do Estreito, já que não
oferece a Pequim a confiança suficiente para atacar, nem possibilita abertamente uma
50
Em 1979, ano em que os EUA trocam o reconhecimento da ROC pela RPC, Washington aprova o
“Taiwan Relations Act”, que lhe permitia prestar o apoio necessário na promoção dos princípios da paz,
da estabilidade e da democracia, assente na livre escolha do povo taiwanês. Aquando da última crise dos
mísseis no Estreito (1996), em que a China procede ao lançamento contínuo de mísseis em águas
taiwanesas com o objetivo de coagir o eleitorado a não votar em Lee Teng-hui, os EUA apercebem-se da
fraca cooperação que existia entre os militares taiwaneses e estadunidenses e que, de facto, a mera venda
de armas não era suficiente para Taiwan assegurar a sua segurança. A crise acabou por ter um efeito de
alarme, convencendo os EUA e o recém-eleito Presidente Lee sobre a necessidade de reformas no sentido
de melhorar afirmação política, bem como o software (sob a forma de reorganização) e o hardware
(através da aquisição de novos armamentos) de Taiwan.
106
declaração de independência unilateral de Taiwan que proporcione o ataque armado da
República Popular. Recorrendo à teoria das Relações Internacionais acerca das alianças,
está aqui salvaguardado o chamado “medo do entrapment”, isto é, o medo de que um
dos aliados conduza o outro para um conflito indesejado, que ponha em causa os seus
interesses.
Os EUA não estão certamente interessados numa guerra entre Taiwan e a China
e, por isso, continuam a manter a tradicional política de Cross Strait Deterrence:
alertaram Pequim que não pode contar com o stand by americano caso ataque Taiwan,
do mesmo modo que avisaram Taipé que não poderia contar com as suas forças caso
precipitassem o conflito. Nas palavras do Presidente Bush “we oppose any unilateral
decision, by either China or Taiwan, to change the status quo of Taiwan‟s relationship
with the mainland” (Lawrence e Dean, 2003: 16-18). Esta política tem sido mantida já
que, com melhores e piores fases, os EUA têm conseguido assegurar a cooperação da
China em matérias vitais na política externa, como o combate ao Terrorismo, a
resolução do problema coreano, e cooperação em regiões problemáticas como o Sudeste
Asiático, Médio Oriente e Irão. Ao mesmo tempo, os americanos conseguem equilibrar
a balança de poderes na região, onde não têm aliados militares de peso.
Panda ou faisão?
“Durante os dias dourados da Guerra Fria, Washington, Pequim e Tóquio eram
aliados de facto contra Moscovo” (Lam, em Friedman e Kim, 2006: 165). Contudo, com
o desaparecimento de uma ameaça comum, “Pandas”e “Faisões” deixaram de se ver
como parceiros estratégicos e a memória histórica, do tipo “vítima-agressor”, “tornou-se
uma verdadeira pedra no sapato para as relações sino-japonesas, mesmo no século XXI”
(Lam, em Friedman e Kim, 2006: 165).
A mudança estrutural do sistema internacional no pós-Guerra Fria, a crescente
interdependência económica e o emergente regionalismo tiveram um impacto profundo
nas relações sino-japonesas (Lam, em Friedman e Kim, 2006: 166). Os japoneses
receiam que o rápido crescimento económico da China a torne uma “potência assertiva
e arrogante”. Além disso, a cooperação com os EUA no desenvolvimento do sistema de
defesa anti-míssil sugere que pode ser “implantado contra Pequim, mesmo que a razão
aparente seja a ameaça nuclear norte-coreana” (Lam, em Friedman e Kim, 2006: 168).
107
Não obstante, a opinião pública japonesa não se baseia só no fenómeno de “uma
China em crescimento e um Japão em estagnação”: a repressão em Tiananmen, em
1989, os testes de míssil no Estreito de Taiwan em 1995 e 1996, os testes nucleares, nos
mesmos anos, as manifestações anti-japonesas e o cancelamento abrupto de visitas
oficiais de alto nível, como a do primeiro-ministro Wu Yi com Koizumi em Maio de
1996, contribuíram para deteriorar a opinião pública em relação à China. De acordo
com um estudo conduzido pelo Gabinete do Primeiro-Ministro japonês, em 2004,
apenas 36,7% dos japoneses sentiam-se próximos da China Ŕ a percentagem mais baixa
de sempre. Como consequência, para muitos especialistas, este indicador coloca em
questão uma cooperação genuína entre os países da Ásia Oriental (Lam, em Friedman e
Kim, 2006: 168).
Neste subcapítulo, questiona-se o papel que a China e o Japão estarão dispostos
a desempenhar na liderança51
da Ásia Oriental e as suas implicações para a região e para
o sistema internacional. Até há pouco tempo, os dois países foram discretos na forma
como procuraram assumir a liderança regional, mas começam a dar mostras de maior
necessidade de destaque no âmbito regional.
A China e o Japão, como atores-chave do Nordeste Asiático e da Ásia Oriental,
têm em comum muitos interesses políticos e económicos. Contudo, esta é uma relação
complexa e tumultuosa. “Historicamente, quando a China era poderosa, o Japão era
fraco; quando o Japão se tornou mais forte, o Império da China começou a desagregar-
se” (Li, em Dent, 2008: 101).
A rivalidade sino-japonesa poderá determinar o futuro da estrutura institucional
da Ásia Oriental. Apesar das barreiras à cooperação que esta rivalidade representa, não
nos podemos esquecer que tem sido esta própria dinâmica de competição que tem
permitido a ambos ter um papel mais ativo na região.
No caso da cooperação multilateral, a China procurou, na Cimeira da
ASEAN+3, em 2004, transformá-la na EAS, por sentir que a ASEAN dominava o
processo, e que os “Plus Three” eram tratados como convidados (Hamanaka, em Dent,
2008: 68). Para Pequim, a EAS continuaria a excluir os EUA, mas os países do Sudeste
51
Sobre as capacidades de liderança inerentes a um Estado, Dent diz que estas se refletem na sua provisão
de bens públicos regionais (de modo a garantir o desenvolvimento sustentável e a estabilidade da região),
na capacidade de resolver problemas de ação coletiva, na liderança do processo de “construção da
comunidade” (através do desenvolvimento de molduras e organizações multilaterais) e através da
representação dos interesses da comunidade regional na comunidade global (Dent, 2008: 21-22).
108
e Nordeste Asiáticos seriam tratados como iguais. Contudo, neste tipo de moldura, o
Japão defende a participação norte-americana e de outros parceiros do Pacífico, para
contrabalançar o peso da China. O contrário acontece no caso da regionalização
financeira: a China defende o envolvimento dos EUA enquanto o Japão prefere a
participação exclusivamente asiática (Hamanaka, em Dent, 2008: 68). Em relação a um
ACL regional, ambos excluem a possibilidade de participar num acordo que envolva o
outro.
A competição diplomática entre a China e o Japão sobre a participação na EAS
continuou (Hamanaka, em Dent, 2008: 69). Depois da inclusão de membros não
pertencentes à ASEAN+3, a China passou a defender que o futuro da Comunidade da
Ásia Oriental deveria passar pela ASEAN+3, e não pela EAS. Por oposição, o Japão
salientou a importância da EAS na construção da comunidade regional, pois esperava
que a participação da Índia e Austrália inibissem o crescimento da influência chinesa
(Hamanaka, em Dent, 2008: 69-70).
A crítica às posições chinesas e japonesas não se fizeram esperar. Em Dezembro
de 2005, um artigo da Asahi Shimbun criticou políticas regionais dos dois países,
afirmando que ambos “spent all their energy to reduce the other‟s influence, and did not
discuss which framework, the ASEAN+3 process among 13 countries or the EAS
among 16 countries, is more effective […] there is no need to choose either of them, and
it can be either 13 or 16, based on the theme of co-operation” (Hamanaka em Dent,
2008: 70).
Daqui concluímos que a participação dos Estados na cooperação regional, tanto
para o Japão como para a China, depende das questões tratadas e que, o Estado que
toma a posição de liderança procura sempre excluir uma potência mais forte
(Hamanaka, em Dent, 2008: 79-80).
O período de 2001-2006 ficou marcado pela tensão das relações sino-japonesas,
em resultado das visitas do Primeiro-Ministro Koizumi ao Santuário Yasukuni52
. A
possibilidade de ter havido manipulação de factos históricos para cobrir estratégias
nacionais (Kim, em Friedman e Kim, 2006: 6;50) levou a desentendimentos entre os
dois países, que culminaram na autorização de facto por parte da liderança chinesa para
52
O Santuário Yasukini, construído na Era Meiji, presta homenagem às forças armadas japonesas que
morreram na guerra, incluindo 14 criminosos de guerra Classe A japoneses e 1063 criminosos classe B e
C, dos quais 1043 são japoneses e 23 coreanos.
109
as manifestações contra a obtenção japonesa do estatuto de membro-permanente do
CSNU.
De Setembro de 2006 a Setembro de 2007, o Japão e a China procuraram
normalizar as suas relações. Durante o governo Shinzo Abe, Tóquio procurou
estabelecer uma relação estratégica recíproca com Pequim, através da realização de duas
cimeiras sino-japonesas de alto-nível (Hughes, em Dent, 2008: 52). Neste período, a
imprensa e academia começaram a falar numa “nova era” das relações China-Japão.
A maioria dos académicos chineses considera que a estratégia japonesa consiste
na contenção da China, para que esta não ameace os seus interesses e desafie a sua
posição na Ásia Oriental, para além de que a aliança Japão-EUA é percecionada como
uma tentativa de travar a ascensão chinesa (Li, em Dent, 2008: 111).
Contudo, na viragem para o século XXI, muitos analistas chineses começaram a
ter uma voz menos hostil em relação às políticas de Tóquio. Ma Licheng, comentador
da People‟s Daily, publicou em 2002 um artigo controverso sobre as relações sino-
japonesas, no qual defendia xinsiwei (“New Thinking” ou “forma de pensamento
renovada”) na relação com o Japão (Li em Dent, 2008: 111). No seu artigo, criticou o
nacionalismo exacerbado e o comportamento irracional de alguns cidadãos chineses
(Li em Dent, 2008: 111), muitas vezes refletido em manifestações anti-Japão. O Japão
já se havia desculpado, em diversas ocasiões, pelos crimes de guerra que tinha cometido
e por isso China devia “perdoar o que o Japão fez no passado e devia focar-se nos
interesses que os dois países têm em comum e cooperar para estabelecer uma Ásia
próspera e estável” (Li em Dent, 2008: 111).
Ma Licheng vai mais longe, e afirma que a China deverá preparar-se para aceitar
a militarização japonesa: “há uma diferença entre o desenvolvimento das capacidades
militares do Japão e o renascimento do militarismo japonês” (Ma cit. por Li em Dent,
2008: 112). Muitos outros académicos, como o Professor Shi Yinhong, defenderam uma
“revolução diplomática” (waijiao geming) nas relações sino-japonesas. O wishful
thinking também esteve presente nos fundamentos para o estreitamento das relações
com Tóquio, uma vez que possibilitaria a “redução da ameaça” por parte de Washington
(Li em Dent, 2008: 114).
Para a China, as aspirações japonesas do pós-Guerra Fria refletem a teoria
realista de Relações Internacionais, segunda a qual umo país procura aumentar a sua
influência política e económica a nível global, de modo a satisfazer os seus interesses
nacionais. “Os analistas chineses tendem a ver o Japão como um ator unitário, que
110
procura competir com outras grandes potências mundiais, e com a China em particular”
(Li em Dent, 2008: 114). Ainda na ótica de realismo defensivo chinês, o Japão procura
um papel mais significativo no mundo e na Ásia Oriental, devido à mudança da
estrutura do sistema internacional, provocado pelo fim da Guerra Fria (Li em Dent,
2008: 115). O próprio Waltz, em 2000, argumenta que o Japão ambicionaria tornar-se
uma grande potência, em resultado do seu poderio económico e do sentimento de
vulnerabilidade em relação a outras potências (e à China, em particular) (Waltz, 2000:
32-34, cit. por Li, em Dent, 2008: 115).
Neste contexto, não é difícil perceber a apologia do realismo ofensivo em
Pequim, segundo o qual um Estado procurará explorar qualquer oportunidade para
maximizar o seu poder relativo e todas as grandes potências não são potências de
status-quo (Li, em Dent, 2008: 115).
Não obstante, a diversidade de pensamento estratégico possibilitou que muitos
analistas chineses reconhecessem a importância de outras dimensões da segurança,
sobretudo a económica e a energética. A título de exemplo, estes académicos sugeriram
que uma das principais razões para o Japão querer evitar um conflito em Taiwan
prendeu-se com o impacto negativo que teria para a sua economia, podendo por em
causa a sua livre navegação a Sul do Mar da China Ŕ vital para os interesses económicos
japoneses (Li, em Dent, 2008: 116).
O neoliberalismo institucionalista também encontrou terreno na política externa
japonesa do pós-Guerra Fria para explicar as suas premissas. De facto, Tóquio procurou
a cooperação securitária com os vizinhos asiáticos, nomeadamente através de
organizações regionais, para aumentar a sua segurança, já que precisava de um ambiente
estável e pacífico para manter o crescimento económico (Li, em Dent, 2008: 116).
Apesar das desconfianças mútuas, as relações económicas entre a China e o
Japão continuaram a crescer, dando ânimo às explicações liberais que defendiam que a
estratégia japonesa passa pela criação da interdependência económica (Li, em Dent,
2008: 116-117).
Ainda assim, a complexidade das relações sino-japonesas não foi
suficientemente bem explicadas pelas teorias realista e liberal. A identidade do agente
teve uma influência determinante neste processo, tendo sido modificada pela história e
cultura (por exemplo, as visitas ao Santuário Yasukuni, provaram a forte ligação que os
japoneses tinham em relação ao passado, mas a identidade do agente foi catalisadora
para a deterioração das relações com a China) (Li, em Dent, 2008: 118).
111
A “perceção da ameaça” que a estratégia de segurança japonesa representa para
Pequim, constitui um dos grandes obstáculos à formação da identidade chinesa como
grande potência (Li, em Dent, 2008: 119). Tanto a China como o Japão desejam
maximizar o seu poder, mas sentem-se inseguros quanto às intenções “do outro” Ŕ uma
imagem indissociável na promoção das respetivas políticas de segurança.
Ainda assim, poder-se-á questionar o lugar da China na Ásia Oriental: será que o
seu crescimento pode funcionar como fonte de estabilidade regional ou de conflito?
A China ainda tem presente o “século de humilhações”, retratado no Segundo
Capítulo: “The legacy of a „victim mentality‟ is still discernible in China” (Tsang, em
Dent, 2008: 85). Não obstante, este “complexo psicológico” nem sempre foi tratado da
mesma forma pelas sucessivas lideranças chinesas. Com Hu Jintao, a China adotou a
estratégia de “Peaceful Rise”, que tinha por objetivo a construção de um país socialista,
com características chinesas, num contexto de globalização. Zheng Bijian, autor desta
política, afirmou em 2007 que este objetivo deveria ser alcançado em 25 anos,
nomeadamente através de um envolvimento económico mais ativo no processo de
globalização; da inovação das instituições internas, da reconstrução industrial e da
melhoria da qualidade da força de trabalho; e através da limitação do uso da força e da
procura de hegemonia (de modo a facilitar o crescimento chinês baseado nos pontos
anteriores) (Tsang, em Dent, 2008: 85).
No contexto desta política, concluímos que enquanto nenhum parceiro regional
se adiantar na liderança regional, a China não fará muito por ter um papel ativo na
construção da comunidade regional (Tsang, em Dent, 2008: 97). Por outro lado, é difícil
imaginar uma liderança japonesa amplamente aceite pelos países da Ásia Oriental,
devido ao seu passado imperial (Kim, em Armstrong et. al., 2006: 177).
Mas para todos os efeitos, mesmo que Pequim não almeje a liderança da Ásia
Oriental, “gosta da realidade de que a sua enorme presença induza os seus vizinhos a
respeitá-la devidamente” (Steve Tsang, em Dent, 2008: 91).
112
3.5. Outros protagonistas
A Águia do Pacífico
A importância dos EUA no Nordeste Asiático é inegável, particularmente no
papel que desempenhou na contenção norte-coreana e na ambiguidade que demonstrou
em relação à questão taiwanesa.
A mesma certeza aplica-se à importância que o Nordeste Asiático teve para os
EUA. “Yet in America‟s past, Northeast Asia has been consistently misperceived and
all too often underappreciated, with disastrous consequences. A misreading of regional
dynamics in 1949 led US secretary of state Dean Acheson to place continental Asia
outside the US defense perimeter, leading to the Korean War. A misreading of mainland
China by Douglas MacArthur in late 1950 led to Chinese intervention and a bloody
escalation of that conflict. John Foster Dulles was but the first in a long line of
American policy makers showing great interest in Northeast Asia who nevertheless
misread the subtle interactions within the region.” (Calder em Kim, 2004: 225).
Kent Calder responsabiliza os EUA pela forma desapaixonada com que muitas
vezes olhou para a região, utilizando a sua divisão territorial como meio para ganhar
mais influência (Calder em Kim, 2004: 225). Ainda assim, o autor apela, como se pode
concluir da análise ao excerto supracitado, à participação mais ativa dos EUA no
Nordeste Asiático, sem descurar os desafios que esta região pode representar.
“Uma das principais fontes de liderança na Ásia Oriental nos últimos cinquenta
anos veio de fora da própria região” (Beeson, em Dent, 2008: 229) e na sequência desta
afirmação, Katzenstein argumenta que “o nosso mundo de regiões está profundamente
incorporado no imperium americano” (Katzenstein, 2005: 1). Contudo, é preciso
lembrar que pode não ser este o caso do regionalismo no Nordeste Asiático.
Decididamente, a Rússia, a RPC e a Coreia do Norte não fazem parte da esfera de
influência norte-americana, e a própria influência sobre o Japão é muito mais limitada
(Calder e Ye, 2010: 227).
A capacidade de liderança norte-americana sobre a região está em declínio, em
parte devido à ascensão chinesa e ao interesse crescente num regionalismo
exclusivamente asiático, mas também devido à falta de estratégia americana, provocada
pelos problemas políticos e económicos internos (Beeson, em Dent, 2008: 229). Assim,
113
a estrutura do Sistema de São Francisco está a erodir-se com a crescente cooperação dos
“spokes”, que não incluem os EUA na nova moldura multilateral.
Por funcionar como um sistema de “hub-and-spokes”, o Sistema de São
Francisco não facilitou a comunicação entre os países do Nordeste Asiático. Apesar de
serem fortes aliados dos EUA, o Japão e a Coreia relacionavam-se com alguma
desconfiança e rancor histórico, tendo apenas estabelecido relações diplomáticas em
1965.
Neste contexto, os EUA têm sido confrontados com um dilema estrutural nas
Six-Party Talks, em que são colocados numa posição incómoda entre a contradição de
interesses sul-coreanos e japoneses: o Japão prefere adotar, em relação à Coreia do
Norte, a estratégia de controlo de armas, com uma averiguação rigorosa, sendo a sua
grande prioridade recuperar os reféns japoneses. Como Seul espera a reunificação, a
prioridade sul-coreana é a manutenção da estabilidade. (Calder e Ye, 2010: 234). Nas
Six-Party Talks, os padrões de atuação foram muitas vezes definidos nas capitais
asiáticas e não em Washington (apesar do poderio militar), devido ao conhecimento
mais aprofundado e a um interesse maior por parte destes países, o que punha em
questão o imperium americano no Nordeste Asiático.
Apesar da proliferação de regionalismos que surgiram no pós-Guerra Fria, os
EUA assistem, com alguma relutância, ao estabelecimento de instituições económicas e
securitárias no Nordeste Asiático (Calder em Kim, 2004: 243). O “medo de exclusão”
parece uma justificação válida. Porém, os EUA exacerbaram, por diversas vezes, a sua
oposição a um bloco que congregasse a China, o Japão e a Coreia, tal como aconteceu
no bloqueio ao FMA, por exemplo. De facto, a coesão do Nordeste Asiático pode ter
um forte impacto sobre os interesses americanos, por agravar as crises de crédito
domésticas e a instabilidade do mercado financeiro.
Contudo, com a Crise Financeira Asiática e a criação da ASEAN+3, os EUA
deixaram se opor tão assertivamente à cooperação regional asiática como a primeira
Administração Bush tinha feito no caso da EAEC, no início dos anos 90. A razão para
esta acomodação prende-se, em boa parte, à falta de alternativas eficazes a um Sistema
de São Francisco, centrado em Washington. Alagappa argumenta, neste sentido, que “a
hegemonia americana não é, de todo, a solução ideal para os problemas de segurança da
Ásia Oriental” (Alagappa, 2003: 164).
114
A relativa paz e estabilidade que se fizeram sentir no Nordeste Asiático desde o
fim da Segunda Guerra Mundial provam que o bilateralismo funcionou bem mas que
não resolveu o problema coreano e a indefinição taiawanesa, o que demonstra que os
desafios da região não estão bem adaptados a soluções exclusivamente bilaterais, sendo
que, tal como os desafios energéticos e ambientais, serão melhor tratados num contexto
multilateral (Calder e Ye, 2010: 244).
Apesar de os Estados Unidos terem vindo a perder capacidade de liderança na
Ásia Oriental, e no Nordeste Asiático em particular, Washington não deve negligenciar
a importância que esta sub-região representa para o país. O Nordeste Asiático é um
dos principais destinos do investimento estrangeiro dos EUA, portanto também lhes
interessa a estabilidade das suas relações com os países da região, sobretudo com os
industrializados e tecnologicamente sofisticados China, Japão e Coreia do Sul (Calder e
Ye, 2010: 243). Os EUA vêem a China como um competidor geopolítico mas também
um parceiro económico importante, que assegura o abastecimento do seu mercado e que
tem mais dólares no seu Banco Central do que qualquer outro Estado no mundo (Tow,
2009: 83).
O valor acrescentado das redes humanas poderá servir interesses norte-
americanos. A influência americana nas lideranças e elites regionais é um dos trunfos
que os EUA têm na região e, a avaliar pelas estatísticas, essa influência poderá ser cada
vez mais crescente. O número de habitantes provenientes do Nordeste Asiático nos
EUA tem aumentado substancialmente em particular, os estudantes internacionais nas
universidades norte-americanas são maioritariamente provenientes desta sub-região,
contando com a presença da China, Coreia do Sul, Taiwan e Japão nos seis primeiros
países de origem (dados relativos ao ano letivo 2009/2010, do Institute of International
Education).
“For America‟s future, most observers would agree, Northeast Asia is inevitably
a region of fateful importance” (Calder e Ye, 2010: 225). Mas mais uma vez, também os
EUA poderão ser de uma importância extraordinária para a região: têm potencial para
serem estabilizadores regionais nas relações sino-japonesas e entre o Estreito de Taiwan
(Calder e Ye, 2010: 246).
Os EUA devem comprometer-se com o Nordeste Asiático, já que as suas
relações económicas, politicas e culturais estão a aprofundar-se de uma maneira sem
precedentes: “In a world beyond the „hub-and-spokes‟, where the US leverage grows
115
weaker, even as intra-Asian ties continue to deepen, Americans will need to be more
attentive, connected, and informed than heretofore of the historic trends flowing from
across the Pacific” (Calder e Ye, 2010: 247).
“O Século do Pacífico”
“The future of politics will be decided in Asia, not Afghanistan
or Iraq, and the United States will be right at the center of the
action.” Hilary Clinton, Novembro de 2011
Obama intitulou-se o primeiro Presidente do Pacífico, na convicção de que o
Presidente George W. Bush não tinha prestado a devida atenção aos assuntos regionais
asiáticos (Lieberthal, 2011).
Em “America's Pacific Century”, um artigo de Hilary Clinton publicado pela
Foreign Affairs, a Secretária de Estado do Presidente Obama começa por defender que
os EUA “need to be smart and systematic about where we invest time and energy, so
that we put ourselves in the best position to sustain our leadership, secure our interests,
and advance our values” (Clinton, 2011). E a Ásia-Pacífico, segundo Clinton, devia
merecer um “investimento substancial acrescido” “durante a próxima década” (Clinton,
2011).
Para além de defender o fortalecimento das relações bilaterais com os parceiros
asiáticos, Hilary Clinton enfatiza a importância da cooperação multilateral (“we believe
that addressing complex transnational challenges of the sort now faced by Asia requires
a set of institutions capable of mustering collective action”) (Clinton, 2011).
Contudo, a retórica norte-americana não será assim tão fácil de pôr em prática.
Em primeiro lugar, e de acordo com Lieberthal, porque “os EUA não terão os recursos e
a capacidade para ir de encontro às promessas do Presidente”, enquanto não resolverem
os problemas domésticos em matéria fiscal (Lieberthal, 2011). Além disso, e apesar de
alguns países da Ásia Oriental defenderem a presença norte-americana para
contrabalançar a ascensão chinesa, a verdade é que com a crescente interdependência
económica regional, nenhum deles tem interesse num conflito entre Washington e
Pequim e verem-se obrigados a escolher um dos lados.
Apesar das dificuldades, o histórico ACL com a Coreia do Sul e a “Parceria
Trans-Pacífico” (TPP) representam dois passos significativos da Administração Obama
no sentido de manter a posição pivot dos EUA na Ásia Oriental. De acordo com a
116
Secretária de Estado do Presidente Obama, a TPP deverá servir de “referência para
acordos futuros” e “crescer para servir de plataforma para uma maior interação regional
e, eventualmente, uma zona de comércio livre da Ásia-Pacífico.” (Clinton, 2011).
Logo no primeiro ano de mandato, em Julho de 2009, Obama assinou o “Tratado
da ASEAN de Amizade e Cooperação no Sudeste Asiático”, cumprindo assim a única
pré-condição para participar na EAS. No discurso do Presidente norte-americano em
Tóquio, em Novembro do mesmo ano, Obama reforçou o compromisso regional para
com a EAS.
Por último, e a propósito das relações com a China, Kissinger propõe que estas
caminhem no sentido da “co-evolução”, afirmando que é mais adequado do que o
rótulo parceria, ou seja, e segundo o próprio, “significa que ambos os países
prosseguem os seus imperativos internos, cooperando onde for possível, e ajustam as
suas relações para minimizar o conflito. Nenhum dos lados avaliza todos os objetivos
do outro ou presume uma identidade total de interesses, mas ambos os lados procuram
identificar e desenvolver interesses complementares.” (Kissinger, 2011: 562). Kissinger
defende esta posição, partindo do pressuposto de que a China e os EUA não estão
destinados ao confronto, pois seria “o caminho para o desastre, para ambos os lados”
(Kissinger, 2011: 563). Assim sendo, Kissinger propõe a criação de uma “Comunidade
de Pacífico” que reduza o receio chinês da contenção americana e minimize o medo
norte-americano de ver a sua influência na região ser sacudida pelo Panda Gigante.
O Urso Transiberiano
Para o “Urso Transiberiano”, durante a Guerra Fria, o Nordeste Asiático era
considerado uma área secundária em relação à Europa ou em relação a países da Ásia-
Pacífico, como a Índia ou o Vietname. No entanto, num discurso em Vladivostok em
Julho de 1986, Gorbatchev tentou rever a política soviética em relação à Ásia Oriental,
destacando a importância da região, e da China em particular, para a política externa da
URSS. Nesta sequência, a URSS normaliza as relações com a China, em Maio de 1989
e estabelece relações diplomáticas com a Coreia do Sul em Setembro de 1990. “(…)
Quando a União Soviética colapsou, em Dezembro de 1991, a Rússia iniciou a sua
diplomacia com o Nordeste Asiático dificultada pela pobre posição política e económica
e as relações que herdou” (Harada, 1997: 12-14).
117
Em Abril de 1993, o presidente aprovou um documento do Conselho de
Segurança Russo que enfatizava que a Rússia devia continuar a ser tratada como
“grande potência” e declarava, pela primeira vez, que os seus interesses nacionais
divergiam dos interesses norte-americanos (Harada, 1997: 15). Assim, a Rússia
enumerou as suas relações externas segundo uma ordem de prioridade: 1) Comunidade
dos Estados Independentes (CEI), 2) Europa de Leste, 3) Europa Ocidental, 4) EUA, 5)
China, 6) Japão, 7) Península Coreana, 8) Ásia do Sul e Ásia Ocidental, 9) Médio
Oriente, 10) América do Sul e América Central.
Neste seguimento, Moscovo procurou melhorar a sua relação com todos os
países do Nordeste Asiático e ter uma participação mais ativa no regionalismo que
parecia estar a formar-se em redor dos três países da região: “Disappointment with U.S.
assertiveness and a new inevitability about the rise of China raised the stakes for a
region-wide calculus” (Rozman et. al, 2006: 236).
Em boa verdade, os “choques triplos” impulsionaram a renovação da estratégia
russa para com o regionalismo na Ásia Oriental: alteraram a política doméstica da
Rússia e, por conseguinte, a sua ação externa (Aggarwal et. al., 2008: 181).
A Rússia foi fortemente afetada pelo efeito de contágio da Crise Financeira
Asiática, que resultou no fim da Era Ieltsin e inaugurou uma nova forma de governo na
Rússia (Aggarwal et. al., 2008: 191). “O governo doméstico neo-absolutista emergiu
como fonte crucial para o comportamento russo de política externa, e Moscovo não
hesitou em promover os seus objetivos neomercantilistas no Nordeste Asiático”
(Aggarwal et. al., 2008: 209). Esta política mais pragmática foi personificada na
imagem do Presidente Vladimir Putin, que teve um papel crucial nesta viragem política
em relação ao novo modo de olhar o Nordeste Asiático.
Durante os seis primeiros meses de mandato, Putin realizou uma série de viagens
à Ásia, demonstrando o seu compromisso para com a região. A primeira visita de um
Presidente russo à Coreia do Norte aconteceu em Junho de 2000, numa tentativa de
provar a sua capacidade de mediação. No mês seguinte, integrou a Cimeira do G-8, em
Okinawa, “onde teve a intenção de demonstrar que a Rússia era a única potência capaz
de influenciar a Coreia do Norte” (Buszynski, em Friedman e Kim, 2006: 154) e em
Setembro viajou até Tóquio (Rozman et. al., 2006: 15). Um ano decorrido desde a sua
visita a Pyongyang, Putin recebe o líder norte-coreano em Moscovo. Apesar das
relações com a Coreia do Norte terem melhorado a olhos vistos, o Presidente russo
118
procurou ser cauteloso e, para comprovar a sua vontade em mediar o conflito inter-
coreano, visita Seul no mesmo ano.
A relação russa com as Coreias ganhou assim uma nova dinâmica. A Sunshine
Policy tinha aproximado Seul e Moscovo, e Putin soube aproveitar este progresso para
cumprir os seus próprios objetivos de política externa. Travou conhecimento pessoal
com Kim Jong-il, e nos três encontros que teve com o líder norte-coreano, “ligou o
plano da energia e transportes à ressurgência da Rússia na região (Rozman et. al, 2006:
27), nomeadamente através da construção de um oleoduto que satisfaria as necessidades
energéticas norte-coreanas. “A noção de "Caminho da Seda de Ferro" (“Iron Silk
Road”) sugeriu um corredor ferroviário paralelo que assegurasse a posição do caminho-
de-ferro transiberiano. De repente, o futuro da Rússia na região tornou-se intimamente
ligada ao processo de reintegração da península” (Rozman et. al, 2006: 27).
Em 2004, “Putin e Roh sonharam com cinco linhas transcontinentais para o
Pacífico” Ŕ petróleo, gás, caminho-de-ferro transiberiano e transcoreano, eletricidade e
fibra ótica. Os sonhos cedo se desvaneceram, quando uma missão da Gazprom provou
que “não havia atalhos para a resolução de muitos problemas” (Rozman et. al, 2006:
244), em 2005, e quando os analistas económicos anunciaram que os mercados
envolvidos não estavam a dar sinais de interesse nestes projetos megalómanos.
As relações com China tinham-se voltado a fortalecer em finais de 2003, abrindo
caminho para uma o estreitamento de laços comercias, que se refletiram nas grandes
quantidades de armas russas vendidas ao Exército de Libertação Chinês (Rozman et. al,
2006: 17). Ao mesmo tempo, Moscovo procura melhorar as relações comerciais e
culturais com Taipé, sem antagonizar Pequim.
A China tinha ganho importância renovada para Moscovo, que procurava o
balanço geopolítico na multipolaridade. “Durante a sua primeira visita a Pequim, em
Julho de 2000, Putin enfatizou a importância da parceria estratégica para defender o
equilíbrio de poderes mundial” (Buszynski, em Friedman e Kim, 2006: 150). Putin e
Jiang Zemin expressaram a oposição de ambos os países ao programa anti-míssil
(BMD) promovido pela Administração Clinton e ao separatismo em Taiwan e na
Chechénia. No ano seguinte, Jiang Zemin visitou Moscovo, onde assinou um tratado de
amizade de 20 anos entre a China e a Rússia.
Contudo, o esforço russo em equilibrar a balança de poderes no Nordeste
Asiático, “mantendo a China afastada do domínio regional”, “é evidente”. Putin temia
119
que os interesses russos ficassem comprometidos com as vantagens que a China
retiraria de uma integração económica asiática (Rozman et. al, 2006: 22).
No que diz respeito ao Japão, as relações Moscovo-Tóquio não conheceram
grandes melhorias desde o colapso da União Soviética, mantendo-se a disputa territorial
sobre um pequeno grupo de ilhas a sul das Curilas (as ilhas Etorofu, Kunashiri,
Shikotan, e Habomai), situado entre o Mar Okhotsk e o Oceano Pacífico. Com a visita
de Ieltsin ao Japão, em Outubro de 1993, iniciaram-se negociações para resolver as
disputas territoriais, culminando na promessa de retirada das tropas russas. A retórica de
Moscovo acabou por não se verificar na prática, com a justificação de que a resolução
do problema territorial “devia ser deixado para a próxima geração” (Harada, 1997: 53).
Apesar de existir alguma tensão esporádica entre os dois países sobre a legitimidade de
poder sobre as ilhas, a Rússia de Putin evita o assunto em encontros de alto nível, para
que este não se torne um embaraço nas suas relações bilaterais “O Japão está
interessado em encontrar uma solução rapidamente, mas a Rússia quer evitar as
negociações por questões domésticas” (Harada, 1997: 58-59).
Ao contrário da UE, em que as normas refletem, em larga medida, os valores
ocidentais, a EAS é mais apelativa para os russos devido ao respeito pelo princípio da
não-ingerência nos assuntos internos. Contudo, uma coligação sino-russa no perímetro
da Ásia Oriental não seria recebida com o maior dos entusiasmos pelos parceiros
regionais (sobretudo o Japão), o que obrigou Moscovo a mudar de estratégia (Rozman
et. al., 2006: 249). No discurso de Putin na cimeira da EAS, em Dezembro de 2005, o
Presidente russo deixou um apelo claro no sentido de ser aceite na organização,
salientando particularmente o contributo russo para a segurança energética (Rozman et.
al, 2006: 250).
A ligação que a Rússia faz entre políticas energéticas e geopolíticas demonstra
que Moscovo procura utilizar os recursos naturais, como gás natural e o petróleo, como
trunfos da sua política externa.
A Rússia percebeu também que a criação de melhores relações com o regime de
Pyongyang aumentaria a sua credibilidade junto do governo sul-coreano e pressionaria
as Six-Party Talks, para contrariar a insistência americana nas Four-Party Talks
(Buszynski, em Friedman e Kim, 2006: 153). George W. Bush considerou que a Rússia
estava a passar a mensagem errada a Kim Jong-il, e por isso tentou marginalizá-la do
processo norte-coreano, procurando apenas o diálogo com a China, Japão e Coreia do
120
Sul. Moscovo conseguiu um lugar nas Six-Party Talks graças à pressão de Pyongyang,
que procurou um equilíbrio nas negociações e que a coordenação do processo se
movesse de Washington para Pequim (Rozman et. al, 2006: 28).
A eleição do novo Presidente russo, Dmitry Medveded, em 2008, pouco alterou
a visão estratégica russa em relação ao Nordeste Asiático, uma vez que nomeou
Vladimir Putin para o cargo de primeiro-ministro e o próprio sugere a continuidade dos
anteriores padrões de política externa russa.
O Sudeste Asiático
Em poucos anos, os países do Sudeste Asiático passaram do confronto à
cooperação, ultrapassando a heterogeneidade étnica e religiosa que por diversas vezes
foi motivo de conflito. Em 1967, os governos da Tailândia, Singapura, Indonésia,
Malásia e Filipinas assinaram a Declaração de Banquecoque, a partir da qual se
estabelecia a criação da ASEAN, sobre o lema “Uma Visão, Uma Identidade, Uma
Comunidade”. Com a adesão do Brunei, Cambodja, Laos, Mianmar e Vietname, fixou-
se o modelo“ASEAN10” que hoje conhecemos. O mecanismo encontrado para
salvaguardar os princípios de soberania, não-intervenção e renúncia à ameaça ou uso da
força na resolução de disputas, ficou célebre na fórmula ASEAN Way, que enfatizava o
consenso na tomada de decisões, a diplomacia informal, o minimalismo institucional e o
confidence-building, acreditando-se que este seria a chave para garantir a eficácia e
durabilidade da organização.
Os objectivos e propósitos apresentados na carta fundadora da ASEAN remetem
para a cooperação económica, social, cultural e para promoção da paz e estabilidade
regionais. Contudo, tendo em conta o contexto em que a ASEAN foi estabelecida, sabe-
se que procurou também travar os avanços internos e externos do comunismo na região,
para que o crescimento económico não deixasse de se afigurar como prioridade. Por
conseguinte, entre 1975 e 1995, os países do Sudeste Asiático conheceram a redução de
pobreza mais abrupta (dois terços) do mundo industrializado, o que permitiu a
emergência de uma classe média significativa e o aumento do investimento estrangeiro
(Solingen, em Friedman e Kim, 2006: 18). Em 1992, os membros-fundadores da
ASEAN decidiram estabelecer, entre si, uma área de comércio livre, tornando-se o
primeiro ACL multilateral em toda a região.
121
No entanto, a Crise Financeira Asiática de 1997-98 expôs a vulnerabilidade
económica dos membros da ASEAN, submetendo-os a duras condições de austeridade
que tão depressa não esqueceriam. Numa tentativa de contrariar o descontentamento
social, o exacerbamento de nacionalismos e as incertezas económicas, os líderes do
Sudeste Asiático adotaram, no mesmo ano e na Cimeira de Kuala Lumpur, o plano
“ASEAN Vision 2020”, que concebe a ASEAN como um concerto de nações do
Sudeste Asiático, “outward looking, living in peace, stability and prosperity, bonded
together in partnership in dynamic development and in a community of caring societies”
(ASEAN).
No subcapítulo intitulado “Impulsos regionalistas”, dedicado à Crise Financeira
Asiática e ao processo de formação da ASEAN+3 e EAS, testemunhamos que os países
do Sudeste Asiático aperceberam-se que o poder económico dos parceiros do nordeste
era fundamental para superar a crise e que apenas a liquidez e a força das suas moedas
possibilitaria a cooperação financeira regional, tal como ficou evidente na ICM, que os
países da ASEAN abraçaram com grande entusiasmo.
Ao transparecer a dificuldade da ASEAN, ARF e APEC em responder a
conjunturas de crise, a Crise Financeira de 1997-98 diferenciou a ASEAN+3 como a
estrutura preferencial do Sudeste Asiático para lidar com preocupações “económico-
securitárias” (Emmers, em Aggarwal e Koo, 2008: 201).
Até recentemente, a ASEAN liderou o caminho de regionalização na Ásia
Oriental. Não obstante, face às limitações do seu processo de tomada de decisão (que
requere consenso) e à marginalização política por parte das grandes potências asiáticas,
o centro de gravidade do “Novo Regionalismo” deslocou-se, entre 1990 e 2010, do
Sudeste para o Nordeste Asiático.
Por fim, e tendo em conta as variáveis causais do regionalismo asiático sugeridas
no capítulo introdutório, apuramos que as três dimensões tiveram um peso significativo
na opção regionalista dos países do Sudeste Asiático: 1) a ordem bipolar e o medo de
expansão comunista, 2) a vontade de cooperação económica expressa na Declaração de
Banquecoque, e 3) a prossecusão de uma identidade regional comum, manifestada no
motto da organização e na “ASEAN Vision 2020”.
122
Conclusão
Como se procurou demonstrar no âmbito da problemática em epígrafe, a Ásia
Oriental conheceu, entre 1990 e 2010, impulsos regionalistas que romperam com o
tradicional sistema de “hub-and-spokes” de São Francisco, em resultado das
transformações políticas dirigidas pelos governos centrais do Nordeste Asiático. Depois
de quase uma década de falsos arranques e expectativas defraudadas, o regionalismo
asiático parece ter ganho uma nova forma (Rozman, 2004: 351), ainda que com
características diferentes da experiência europeia.
Segundo o Banco de Desenvolvimento Asiático, “o centro de gravidade da
economia internacional está a deslocar-se para a Ásia”, daí que a necessidade de
cooperação económica regional tenha aumentado substancialmente para fazer face aos
desafios emergentes. Assim, e nas palavras de Peter Katzenstein, o “Regionalismo
Asiático é uma ideia que veio para ficar” (cit. por Stubbs, 2002: 446), sendo
caracterizado pelo (1) “ritmo extraordinário do comércio e investimento intra-regional,
impulsionado pelo dinamismo da costa da China e pelas repercussões de uma maior
abertura de mercado com entrada na OMC”, pelo (2) “recuo do unilateralismo assertivo
dos EUA”, pelo (3) “interesse comum em estabilizar a mudança sistémica da Coreia do
Norte e da volatilidade sino-japonesa” e pela (4) “veia competitiva transversal que
reconhece a influência limitada das suas economias em separado e as vantagens de uma
voz regional para os assuntos económicos, capaz de obter um maior reconhecimento
internacional” (Rozman, 2004: 351).
De acordo com a abordagem teórica definida na Introdução e explorada na
primeira parte da presente dissertação, os contornos do “Novo Regionalismo” foram
examinados à luz do Eclecticismo Analítico, combinando elementos realistas, liberais e
construtivistas, ou seja, tendo em consideração as dimensões de poder,
interdependência económica e identidade como variáveis causais da questão em estudo.
Num primeiro nível de análise, podemos afirmar que o Nordeste Asiático
afigura-se um laboratório fascinante para o estudo das transformações do sistema
internacional no pós-Guerra Fria, não só pelo carácter paradoxal que concilia o
acentuado crescimento económico com as tensões securitárias existentes, mas sobretudo
porque a alteração da estrutura do sistema internacional que se verificou depois de 1990
123
despertou a sub-região para a questão do regionalismo, numa tentativa de se destacar
num ambiente internacional que se desejava multipolar.
Quanto à segunda dimensão, a da interdependência económica, é importante
recordar que a correlação entre economia e segurança é bastante controversa,
dominando o debate entre neo-realistas e neo-liberais quanto à hipótese da
interdependência económica conduzir a maiores níveis de cooperação e, em
consequência, reduzir os riscos de guerra. Na perspectiva liberal, a interdependência
económica torna os custos de guerra mais elevados, diminuindo assim o incentivo ao
conflito. Nesta sequência, os neo-liberais institucionalistas acreditam ainda que as
organizações internacionais, mesmo que de índole económica, criam confiança e
transparência entre os estados-membros, reduzindo os níveis de incerteza e
desconfiança (Keohane e Nye, 1977; 1987 em Cui, 2007: 153). Por outro lado, os neo-
realistas aceitam a ligação entre segurança e economia, mas admitem que a integração
económica apenas deve ser praticada quando potencia o poder económico do estado e
serve os seus interesses. Não obstante, muitos autores defendem que a interdependência
económica pode ser propensa ao aumento de tensões (Keohane, 2000: 6; Alagappa,
2003: 293; Dale Copeland, 2000), como aconteceu na Europa antes da Primeira Guerra
Mundial. Posto isto, e depois de identificados os avanços e recuos no processo de
regionalização leste-asiático, concluímos que a interdependência económica
intrarregional foi determinante para os avanços regionalistas verificados entre 1990 e
2010.
Por último, se alguns autores têm referido que o sentimento de identidade
comum da Ásia Oriental tem aumentado de forma notável (Simon Tay cit. por Stubbs,
2002: 446), especialmente desde a experiência de “humilhação” partilhada aquando da
Crise Financeira de 1997-98, e a sua consequente superação; outros defendem que o
aprofundamento da cooperação multilateral asiática será difícil ou mesmo pouco
provável devido à heterogeneidade cultural (Hungtington, 1996). De qualquer modo,
concluímos que o peso da identidade funcionou como variável interveniente tanto para
os impulsos (no exemplo do ideal de “comunidade asiática”, projectada por Mahathir
Mohamed na criação da EAEC) ou dificuldades (no exemplo da rivalidade sino-
japonesa) na formação do “Novo Regionalismo” da Ásia Oriental.
A investigação realizada sugere que as três componentes têm uma importância
significativa na nova arquitetura regional, embora seja difícil distrinçar o peso relativo
de poder, interdependência económica ou identidade na explicação do “Novo
124
Regionalismo” leste-asiático, o que prova exatamente os limites do Eclecticismo
Analítico, tal como se previu no capítulo inicial. Como Acharya argumenta, os agentes
(actores regionais) fazem a diferença sobre a estrutura, já que fazem prevalecer as suas
ideias sobre os interesses dos atores externos no processo de regionalização. No entanto,
o posicionamento dos protagonistas secundários, como aqui foi retratado, foi mais
permissivo em relação ao estreitamento da cooperação leste-asiática, em resultado da
alteração da estrutura de poder internacional.
Paralelamente, a análise sugerida respeitou também uma ordem temporal em que
definimos três momentos críticos, a que chamamos “choques triplos”, que desafiaram a
ordem institucional do Nordeste Asiático. O fim da Guerra Fria permitiu a melhoria das
relações entre os países da sub-região, a Crise Financeira expôs as fraquezas das suas
economias e os atentados de 11 de Setembro puseram em questão o equilíbrio de
poderes no Nordeste Asiático.
Em concordância com o nosso argumento central, o Nordeste Asiático tem
assumido o comando na regionalização da Ásia Oriental, não só pelo peso económico e
político-militar que representa, mas sobretudo pela crescente interdependência
intrarregional, manifestada através do aumento dos encontros políticos, transações
comerciais e fluxos de investimento direto que, especialmente depois de 1997, os
governos de Pequim, Tóquio e Seoul procuraram acompanhar com as respetivas
agendas regionalistas.
Com o fim da Guerra Fria, o reequilíbrio de poderes funcionou a par da ascensão
chinesa, do intervencionismo japonês e do papel de pivot regional assumido pela Coreia
do Sul. Em 1997, a Crise Financeira Asiática serviu de catálise à impressionante
escalada regionalista, tal como ficou patente na criação da ASEAN+3, e que provou não
só a estreita cooperação entre os seus membros mas também a centralidade da China,
Japão e Coreia do Sul nesta nova moldura (“Plus Three” as prime movers, em Dobson,
2001: 1007). Sobre as suas motivações, Gilbert Rozman concluiu que “a maioria dos
esforços do regionalismo no Nordeste Asiático são desenhados para servir os interesses
nacionais dos atores”, ajudando-os “na redução das desigualdades geográficas e no
desenvolvimento de locais mais atrasados e sensíveis no seu território” (Rozman cit. por
Alagappa, 2003: 217) e combatendo a proliferação nuclear norte-coreana e as
rivalidades territoriais existentes. No fundo, a grande mais-valia da ASEAN+3 passa
pela sujeição dos “Plus Three” a mecanismos que os obriguem “a dar-se melhor”
(Aggarwal et. al., 2008, 233). Por fim, e na perspectiva de “Faisões” e “Tigres”, os
125
acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 colocaram em causa a constância das
respetivas alianças com a “Águia do Pacífico”, obrigando-os a procurar novas soluções
que permitissem manter a estabilidade regional. Consequentemente, e sobretudo desde a
transição para o novo milénio, a criação de um ACL no Nordeste Asiático passou a
dominar as agendas dos think tanks regionais (Calder e Ye, 2010: 151-152), na
expectativa de que a interdependência económica reduzisse os níveis de confrontação.
Por isso, para além da integração económica, é visível que os interesses dos
membros da ASEAN+3 nesta moldura passam também pelas suas preocupações
securitárias.
Como vimos em “Um caminho espinhoso”, a cooperação no Nordeste Asiático
não tem sido facilitada devido às acesas disputas territoriais (Ilhas Curilas,
Takeshima/Dokdo e Senkaku/Diaoyu), à ameaça norte-coreana, à “Questão Taiwanesa”,
à presença de potências nucleares (EUA, Rússia, China e Coreia do Norte) e à
reminiscência de mágoas históricas que pouco abonam em favor da criação de uma
comunidade regional estável e consistente. Além disso, a harmonização de valores
asiáticos, euroasiáticos e ocidentais nem sempre foi bem-sucedida, bem como a
convivência entre antigas potências imperialistas agressoras (Rússia e Japão) e as
respetivas vítimas (China e Coreia). Também a confiança entre países socialistas (China
e Coreia do Norte), antigos países socialistas (Rússia e Mongólia) e países capitalistas
(Japão, Coreia do Sul e EUA) não logra o maior dos entusiasmos. Fica assim evidente
que o regionalismo da Ásia Oriental não é de todo inevitável, complicando-se a sua
antevisão em resultado das divergências sino-japonesas quanto ao modelo institucional
preferencial.
Em adição aos níveis de análise propostos anteriormente, seguindo a abordagem
do Eclecticismo Analítico e dos “choques triplos”, o enfoque nas políticas externas e
orientações internas dos governos centrais do Nordeste Asiático e das principais
potências externas dominantes (leia-se, EUA e Rússia) mereceram um tratamento
especial na nossa análise.
Assim, verificamos que a China tem demonstrado uma postura mais construtiva,
como provam as parcerias estratégicas, a OCX, a capacidade diplomática nas Six-Party
Talks e as respostas às crises financeiras. Uma vez que o desenvolvimento económico e
a sobrevivência da One China constituem as principais prioridades de Pequim, a capital
chinesa tem todo o interesse em garantir a estabilidade regional. A nível interno,
126
destacamos o papel de Hu Jintao e de estrategas e académicos chineses na preparação da
estratégia de “ascensão pacífica” do “Panda Gigante”.
O Japão tem assumido mais responsabilidades internacionais em matéria de
segurança, sobretudo depois de a sua aliança com a “Águia do Pacífico” ter atravessado
um período difícil, nos primórdios da década de 1990. O “Faisão Amistoso” revelou-se
um ator central para o “Novo Regionalismo” asiático, sobretudo depois da Crise
Financeira Asiática, tendo ganho uma nova confiança renovada junto dos seus pares, ao
dirigir iniciativas tão importantes como o FMA. Não obstante, o processo de
regionalização e de formação de um ACL que inclua os países do Nordeste Asiático tem
sido travado internamente principalmente pelo sector agrícola e pelos pequenos
empresários japoneses, que temem não ter capacidade de competir com a mão-de-obra
barata chinesa.
O “Tigre do Meio” está a assumir uma efectiva posição pivot, em que tem a
responsabilidade de promover a abordagem multilateral para a resolução do problema
norte-coreano e a de chamar a China e o Japão para a cooperação triangular. No
contexto interno, não podemos descurar a centralidade de Kim Dae-jung no arranque do
regionalismo leste-asiático e os benefícios da sua Sunshine Policy.
Apesar da presença norte-americana beneficiar a estabilidade do Nordeste
Asiático, os EUA não facilitaram, primeiramente, a criação de uma estrutura
multilateral de segurança nem um quadro de cooperação económico-financeira que os
excluísse (como por exemplo a iniciativa do FMA). Contudo, o declíneo da hegemonia
americana na região, que se acentuou com a sua agenda política do pós-11 de Setembro
e com os problemas domésticos em que se encontrava imerso, tem favorecido as
esperanças de uma cooperação “mais asiática”.
Ainda assim, e aos olhos da “Águia do Pacífico”, existe uma preocupação
perante os sinais regionalistas asiáticos, nomeadamente a diminuição da sua presença e
“influência estrutural” na região (Grimes, 2009, cit. por Stubbs e Beeson, 2012: 424).
Assim, e como tem defendido a própria Administração Obama, o envolvimento dos
EUA deve ser mais proativo, por razões estratégicas e de modo a poder beneficiar da
prosperidade do Nordeste Asiático. Alguns passos significativos que têm sido dados
nesse sentido e traduzem-se, a título de exemplo, no crescente investimento financeiro
nesta sub-região e na formação de elites asiáticas em universidades norte-americanas.
A Rússia não ficou imune aos efeitos económicos da Crise Financeira Asiática e,
sobretudo depois da eleição de Putin, “O Urso Transiberiano” tornou-se mais assertivo
127
na forma de encarar o regionalismo da Ásia Oriental, servindo-se dos seus recursos
energéticos como instrumento de política externa.
Depois da Crise Financeira de 1997-98, a ASEAN revelou as suas fragilidades e
a sua insegurança em lidar com choques futuros, contando por isso com a estrutura
ASEAN+3 como quadro preferencial para lidar com preocupações relacionadas com
matéria económica e securitária, deslocando assim a comando do “Novo Regionalismo”
do Sudeste para o Nordeste Asiático.
Sobre a possibilidade de o Nordeste Asiático vir a desenvolver um
“institucionalismo hard”, a revisão da literatura e o trabalho exploratório desenvolvido
demonstram que se mantém o interesse do Nordeste Asiático e da ASEAN num
“institucionalosmo soft”, já que, nas palavras de Frost e Kang , “uma nova instituição
não funcionaria bem ou seria irrelevante” (em Aggarwall, 2008: 236). Em relação às
vantagens do institution-building na Ásia Oriental, “autores como Mearsheimer e
Joseph Grieco já demonstraram que o seu efeito é limitado”, uma vez não impediriam a
China de procurar a maximização de poder nem sossegariam os estados vizinhos
relativamente às suas intenções (Magalhães, 2007: 25).
Como vimos, as Six-Party Talks correspondem às conversações de segurança
mais importantes na região, com vista a resolver o problema da nuclearização norte-
coreana, tendo sido esperado, não raras vezes, que a sua estrutura evoluisse para um
quadro de segurança multilateral: “Could the SPT become the platform for the creation
of a permanent, institutionalized security forum in Northeast Asia?” (Frost e Kang, em
Aggarwall, 2008: 239). Contudo, as últimas décadas sugerem que as estratégias de
“avoidance” deverão manter-se. Se as Six-Party Talks forem bem-sucedidas na remoção
da ameaça nuclear norte-coreana, acredita-se que os estados do Nordeste conseguirão
normalizar as suas relações (Frost e Kang, em Aggarwall, 2008: 239), mas não existem
certezas sobre a formação de uma nova arquitectura de segurança multilateral que
envolva os países do Nordeste Asiático.
Em suma, a preferência pelo “institucionalismo soft” representa uma tendência
das últimas duas décadas que parece querer manter-se a curto e médio prazo, embora o
caminho em direção à construção de uma comunidade regional seja inegável.
128
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Anexos
Anexo 1. O Nordeste Asiático e a região envolvente (Calder e Ye, 2010: 86)
Anexo 2. O Nordeste Asiático e a ASEAN em perspectiva geoeconómica
comparada (Calder e Ye, 2010: 6)
Fonte: Cia World Factbook (2009) dados relativos a 2008
139
Anexo 3. O sistema sinocêntrico (Tomé, 2010: 95)
Anexo 4. Michel Camdessus (à esquerda) e o Presidente Suharto (à direita) na
assinatura do acordo de ajuda financeira do FMI, a 15 de Janeiro de 1998.
140
Anexo 5. Evolução dos Acordos de Comércio Livre concluídos na Ásia
Oriental, entre 2000 e 2010 (Kawai e Wignaraja, 2011: 4)
Fonte: Banco de Desenvolvimento Asiático
Anexo 6. Acordos de Comércio Preferencial (ACP) na Ásia Oriental, por
Estado, 2010 (Dieter, em Beeson e Stubbs, 2012: 121)
País Propostas
Em negociação Concluídas
Total Acordo-Quadro
assinado / Em
negociação
Em
negociação Assinados
Em
funcionamento
Brunei 4 1 1 0 8 14
Camboja 2 0 1 0 6 9
China 8 3 3 1 10 25
Hong Kong 1 1 0 1 1 4
Índia 11 4 7 0 11 33
Indonésia 7 1 1 1 7 17
Japão 6 0 5 0 11 22
República da Coreia 10 2 8 1 6 27
Laos 2 0 1 0 8 11
Malásia 3 1 5 2 8 19
Mianmar 2 1 1 0 6 10
Nova Zelândia 4 1 3 2 7 17
Filipinas 4 0 1 0 7 12
Singapura 4 1 9 3 18 35
Taipé 1 2 1 0 4 8
Tailândia 6 4 3 0 11 24
Vietname 3 1 2 0 7 13
Fonte: Banco de Desenvolvimento Asiático, Centro de Integração Regional da Ásia
141
Anexo 7. Empresas que constituem os clusters de Tecnologias de Informação
transnacionais na China (Calder e Ye, 2010: 141)
142
Anexo 8. Evolução do Comércio entre a ASEAN e o Nordeste Asiático (1990-2010)
Fonte: FMI, Direção das Estatísticas do Comércio (consultado a 17-08-2012)
Anexo 9. Disputas territoriais no Nordeste Asiático
Países envolvidos Tipo de Disputa Nível de intensidade
China-Rússia Fronteiriça Baixo
China-Japão-Taiwan Marítima (Senkaku/Diaoyu/ Tiaoyutai) Médio
China-Coreia do Norte Fronteiriça Baixo
China-Tadjiquistão Fronteiriça Baixo
Japão-Rússia Marítima (Ilhas Curilas) Médio
Japão-Coreia do Sul Marítima (Takeshima/Dokdo) Médio
Fonte: Alagappa, 2003: 385
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