menoridade penal - a quem interessa(i)

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O ensaio aborda o tema da redução da maioridade penal, atulamente em discussão no Parlamento brasileiro por conta da da reforma ao Código Penal brasileiro. O estudo relata a história do instituto no direito positivo brasileiro e propõe uma solução inédita para questão.

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  • Menoridade penal: a quem interessa? (I)*

    Gildson Gomes dos Santos**

    questo no nova. No Brasil, as ordenaesi promulgadas, em 1595, por

    Dom Philippe, Rei de Portugal e dos Algarves, previam a

    responsabilizao criminal a partir dos 17 anosii. Com a promulgao do

    Cdigo Criminal do Imprio, no final de 1830, por D. Pedro I, a imputabilidade penal

    foi reduzida para 14 anosiii

    . Em 1890, na Repblica Velha, a menoridade absoluta

    encolhera para 9 anos; e entre 9 e 14 anos, para os que agissem sem discernimentoiv

    .No

    entanto, em 1921, a Lei 424, restabeleceu a menoridade absoluta para 14 anos, que,

    algum tempo depois, fora ampliada para 18, em 1926, e mantida pelo Cdigo Penal, em

    vigor, em 1940v. Finalmente, o Cdigo de Menores, de 1969, aboliu o critrio etrio da

    responsabilidade penal, deixando o levantamento da internao do menor infrator ao

    prudente arbtrio do juiz, com base em parecer tcnico; todavia, em outubro de 1988, a

    Constituio Federal, voltou a homenagear o critrio etrio, tornando inimputveis os

    menores de 18 anosvi

    .

    Alm-mar, tambm, o tema da menoridade criminal no guarda uniformidade.

    Na Europa, encontra limite nos 8 anos de idade (Esccia); na frica at nos 7 (frica do

    Sul, Nigria, Sudo); na sia, idem (ndia, Paquisto); no Oriente Mdio, at nos 9 anos

    (Ir). Aqum-mar, a situao muito semelhante, pois, na Amrica do Norte,

    curiosamente, a responsabilidade penal incide desde os 6 anos (Estados Unidos); e na

    Amrica do Sul, a partir dos 16 anos (Argentina e Chile)vii

    . Os dados informam,

    portanto, que o critrio etrio de imputao criminal malseguro, na medida em que sua

    fixao pode ocorrer desde os 6 at os 18 anos de idade, inclusive nos pases ditos

    civilizados; por exemplo, nos Estados Unidos, a imputabilidade penal tem lugar a partir

    dos 6 anos; na Inglaterra, dos 10; em Frana, dos 13; na Alemanha, dos 14; na

    A

  • Dinamarca, Noruega e Sucia, dos 15; na Argentina e Chile, dos 16, no Brasil, dos 18

    anos, mas no sem termos experimentado maioridades penais de 9, 14, 16, 17 e 20

    anos.

    No obstante toda essa experincia histrica, vira e mexe, por conta da

    comoo gerada por crimes brutais praticados por crianas e adolescentesviii

    , tornou-se

    recorrente opinio pblica brasileira o argumento da reduo da maioridade penalix,

    como apangio do combate crescente criminalidade em tal faixa etria. Os fautores da

    ideia argumentam que o rebaixamento da menoridade penal, para 16 (seno 15 ou 14

    anos), ter efeito positivo no enfrentamento delinquncia infantil, porque: a)

    atualmente, qualquer pessoa nessa idade suficientemente madura para discernir entre o

    lcito e o ilcito; b) a reduo da idade penal funcionaria como eficaz fator de

    intimidao dos potenciais menores infratores.

    A essas teses no falta, porm, quem se oponha, apontando a) a inoperncia do

    sistema prisional ou socioeducativo, como mecanismo de ressocializao; b) bem como

    o fato de que a segregao social de seres humanos, ao invs de reduzir a criminalidade,

    tem-na agravado, por causa do inevitvel contato, no crcere, entre infratores

    tarimbados e principiantes; gerando, dessa maneira, um crculo deletrio. ,

    basicamente, nesse estado em que se encontra, o debate sobre a criminalidade infantil

    no Brasil; e dele no nos sentimos estimulados a participar, pois o vemos como uma

    discusso ideolgica estril, que no nos leva a lugar algum. A impresso que fica, de

    fato, a de que os defensores da reduo da menoridade, bem assim os respectivos

    oponentes, no tm a noo exata do que esto falando. Claro! Com o devido respeito s

    doutas opinies.

    Expliquemo-nos. que aqueles que enxergam no critrio etrio de

    responsabilidade criminal, uma forma de presumir o discernimento humano, na prxis

    cotidiana, tm a rara oportunidade de serem honestos, mas a desperdiam, quando no

    explicam, racionalmente , o porqu de, nos Estados Unidos e na Inglaterra, uma criana,

    de 6 ou 10 anos, ser considerada, madura aos olhos do legislador, ao tempo em que,

    no Brasil, o mesmo critrio s se aplica aos 18 anos. Do mesmo modo, aqueles, que

    veem nos crceres inevitveis focos de contaminao delitiva, poderiam explicar o

    motivo pelo qual os agentes carcerrios, que convivem diuturnamente com os internos,

    no se embrenham todos no mundo do crime. Um caso-limite seria, tambm, a situao

  • da pessoa condenada por erro judicirio, que, ao cumprir pena ilegal, retorna a conviver

    honestamente no seio social.

    Sinceramente, a nosso ver, o problema da criminalidade infantil coincide com

    o da criminalidade adulta, pobre ou rica; ou seja, o fundamento dos dois tipos de

    delinquncia o mesmo: o modo de vida patriarcal, que orienta a nossa convivncia

    atual. Ningum nasce bandido; torna-se bandido, em funo das circunstncias que

    configuram o respectivo entorno. Portanto, na unidade sensrio-relacional-operacional

    organismo-nichox, que podemos buscar uma explicao racional para o problema da

    criminalidade. A ideia de que a lei intimida, com o aumento de seu campo de incidncia

    material; de que a aquisio de viaturas, balas, armamento de grosso calibre; de que a

    contratao de policiais; a construo de presdios de segurana mxima inibem a

    criminalidade, desmentida pelos fatos. Sabemos ns que os sucessivos governos tm

    insistido nessa tese, mas a bandidagem infantil, juvenil e adulta s tem aumentando,

    porque, ns mesmos, somos artfices de nossos necessrios bandidos, gerados no modo

    de vida patriarcal, que conservamos, gerao aps gerao, e que nos conduz a essa

    tragdiaxi

    .

    Na verdade, o debate que se trava em torno da menoridade penal ,

    completamente, desprovido de base cientfica, pois ignora que todo ser humano,

    enquanto organismo estruturalmente determinado, s faz o que quer, quando quer fazer;

    somente escuta o que deseja, quando deseja escutar; e que, por ter uma estrutura

    psquica seletiva, o meio, onde tambm opera o sistema jurdico, no pode especific-lo,

    portantoxii

    . Classe social no atesta a correo de conduta de ningum, seja pobre ou

    rico, doutor ou analfabeto. O mensalo um exemplo crasso dissoxiii

    . O que determina

    uma convivncia saudvel ou perniciosa entre humanos o modo de vida que

    conservamos, culturalmente. Se a nossa convivncia centrada na confiana mtua, na

    amorosidade, na colaborao, na co-inspirao, a lei no faz falta, porque, num modo de

    viver-conviver, especificado pela emoo do respeito mtuo, no h espao para

    exigncias, imposies, controles, admoestaes, coeres; nesse caso, o simples fato

    de algum invocar a titularidade de um direito sinal de que a convivncia no vai bem.

    Por outro lado, a fora, a lei, a autoridade, a intimidao, a coero, a exigncia

    so, comprovadamente, coerncias operacionais do modo de viver e conviver patriarcal

    europeu, que conservamos h mais de sete mil anos. Nessa maneira de pensar e de nos

  • relacionarmos, vivemos o tempo todo cobrando obedincia ao outro; negando o outro,

    como legtimo outro na coexistncia. Vivemos na expectativa da apropriao: da

    verdade, do dinheiro, do esprito, do sucesso, pela via da competio. nesse modo de

    convivncia que o direito positivo faz sentido; e, somente a quem o alimenta e

    retroalimenta, a reduo da menoridade penal interessa. Afinal, para que os mocinhos

    bem aquinhoados existam, temos, necessariamente, de produzir bandidos. E o fazemos

    sem remorso, ainda que tenhamos a opo de conviver, sem qualquer esforo, no

    domnio da confiana e do respeito mtuo. A sada desse beco fantasmagrico aponta

    para a educao, mas isso ser objeto de uma outra reflexo.

    * Ensaio revisado, publicado orginalmente na revista Baiana n 2, mai. 2013. Disponvel em:

    .

    **Advogado-Geral do Municpio de Ribeira do Pombal. Aspirante a Doutor da Faculdade de Direito da Universidade

    Nacional de Buenos Aires. Especialista em Direito Pblico pela UNIFACS. i Compilao de leis. ii Curiosamente, as velhas ordenaes do reino portugus, baixadas por um monarca absolutista, como veremos, eram

    mais brandas com os menores que a legislao vindoura. Com efeito, as ordenaes filipinas, s autorizavam a

    aplicao total da pena, ao maior de 20 anos; a pena aplicada ao infrator, com 17 at 20 anos completos, poderia ser

    total, porm ficava a critrio do juiz reduzi-la. Quando o delinquente fosse menor de 17 anos, ao juiz cabia fixar a

    reprimenda adequada, excluda a pena de morte; e se dessa no cogitasse a lei, na situao concreta, o caso seria

    remetido ao direito comum. iii BRASIL: Lei de 16 de dezembro de 1830: Art. 10. Tambem no se julgaro criminosos: 1 Os menores de quatorze annos. 2 Os loucos de todo o genero, salvo se tiverem lucidos intervallos, e nelles commetterem o crime. iv BRASIL: Decreto n 847, de 18 de outubro de 1890: Art. 27. No so criminosos: 1 Os menores de 9 annos completos; 2 Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento; v Vale anotar que, 1969, o Decreto-lei n 1004, relativizou a menoridade penal, entre 16 e 18 anos; contudo, em 1973,

    a Lei n 6016, restabeleceu-a para 18 anos. vi BRASIL: Constituio Federal, Art. 228. So penalmente inimputveis os menores de dezoito anos, sujeitos s normas da legislao especial. Em nvel infraconstitucional, a matria encontra-se regulamentada pelo ECA (Lei n 8069/90), que revogou o anterior Cdigo de Menores. vii DISCUSSO sobre maioridade penal ganha fora. A TARDE. Salvador, 21 abr. 2013, p A4. viii No Brasil, o art. 2 da Lei n 8069/90 (ECA) considera criana a pessoa at doze anos de idade incompletos, e

    adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. ix Na verdade, a reduo da menoridade, de 18 para alguma idade menor, como j se dera em 1830 e 1890, no

    Brasil. x Cf. SANTOS, G. Gomes dos. Perspectiva ps-colonialista sobre a inteno criminosa: uma abordagem fundada na

    matriz biolgico-cultural da existncia. Estudo produzido como requisito parcial de avaliao da disciplina Direito

    Penal e Ao Significativa, do Programa de ps-graduao stricto sensu, em grau de doutorado, da Faculdade de

    Direito da Universidade Nacional de Buenos Aires, Prof. Doutor Paulo Csar Busato. Buenos Aires: Trabalho

    indito, Fev./2013, 351 f. Disponvel na biblioteca da Advocacia Geral do Municpio de Ribeira do Pombal. xi MATURANA, Humberto R.; VERDEN-ZLLER, Gerda. (1993). Amor y juego: Fundamentos olvidados de lo

    humano desde el patriarcado a la democracia. Trad. Augusto Zagmutt y Alfredo Ruiz. 6 ed.; Santiago do Chile:

    JCSAZ, 2003 xii Cf. SANTOS, G. Gomes dos. Pensamento ps-colonialista: uma forma humanista de pensar a realidade. Estudo

    produzido como requisito parcial de avaliao da disciplina Direito Penal Constitucional, do Programa de ps-

    graduao stricto sensu, em grau de doutorado, da Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Buenos Aires,

    Prof. Doutor Jos Luiz Quadros de Magalhes. Buenos Aires: Trabalho indito, Abr./2013, 132 f. Disponvel na

    biblioteca particular da firma G. Gomes dos Santos Advogados, em Ribeira do Pombal BA; cf. tb. DVILA, Ximena Y.; MATURANA, Humberto R. Habitar humano: en seis ensayos de biologa-cultural. Santiago: J. C.

    SEZ, 2008. xiii Cf. STF, Ao Penal 470. Disponvel em: .Acesso em 1 mai. 2013.

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