mega - projeto hidrelétrico no rio xingu. sobrevive a insanidade
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MEGA - PROJETO HIDRELÉTRICO NO RIO XINGU. SOBREVIVE A INSANIDADE ELETROCRÁTICA QUE PARIU ITAIPU E TUCURUÍ ? O. SEVA set 2002
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MEGA - PROJETO HIDRELÉTRICO NO RIO XINGU. SOBREVIVE A INSANIDADE ELETROCRÁTICA
QUE PARIU ITAIPU E TUCURUÍ ?
Esclarecendo previamente os leitores: No início da década de 1980, fecharam-se as comportas das mega - barragens de Itaipu no rio Paraná,
na divisa com o Paraguay, e de Tucuruí, no baixo rio Tocantins (PA ), formaram-se dois dos maiores reservatórios do planeta, com áreas alagadas superadas apenas pelo reservatório de Sobradinho, no rio São Francisco(BA).
Nas barrancas do Paraná foram desalojadas pelo menos 40 mil pessoas do lado brasileiro, e ficou para sempre sepultada uma série fantástica de cachoeiras, de um porte raro pelo mundo, as Sete Quedas, perto de Guaíra (PR-MS).
Nas barrancas do Tocantins, outros 40 mil brasileiros foram atingidos em seus lotes, casas, posses e fazendas, e ficou para sempre sepultado um trecho de duzentos kms de corredeiras, ilhas, lajes e grutas onde se sabia da ocorrência de pedras e metais preciosos, tudo isto com o segundo maior volume de água de todo o país, uns cinquenta milhões de litros / segundo, menor apenas do que a vazão no trecho final do rio Amazonas.
É óbvio que, passados vinte anos, a operação de Itaipu garante o “miolo” do suprimento de eletricidade e influiu na própria história recente da urbanização e da industrialização no Sudeste e, especialmente em SP e no RJ. A lógica nos obriga a registrar que estes mesmos 12.600.000 kilowatts ali instalados – ou não estariam todos “disponíveis”, e estaríamos nos virando com menos potência na rede- ou então - estariam sendo supridos por uma dúzia de outras centrais de grande porte, nos mesmos rios onde hoje se complementa a carga de Itaipu para o Sudeste e SP, ou seja, nos rios Uruguai, Iguaçu, Paranapanema, Tietê, Grande e Paranaíba. Uma terceira hipótese seria a ampliação da potência instalada em termelétricas a carvão, a óleo e a gás, maior do que a potência operacional atual das usinas destes tipos, funcionando no RS, em SC, no PR, em SP, no RJ e em MG. A especulação feita, voltamos aos fatos, com outros olhos.
Objetivamente, somos em SP e no RJ, dependentes de Itaipu. Objetivamente, a obra foi uma insanidade! Quanto a Tucuruí, hoje já é fato de domínio público, embora sempre escamoteado pela propaganda,
que os quase 4 milhões de kw instalados se destinam ao suprimento da indústria exportadora de minérios, ferro-ligas e alumínio. No campo da suposição, se não tivesse sido feita esta obra - uma ou algumas outras, bem menores teriam sido feitas na região, para suprir as maiores cidades: São Luis, Imperatriz (MA), Belém, Marabá (PA), Araguaína (TO); se a mega-usina não existisse ou não tivesse tal tamanho, o esquema mineiro - metalúrgico exportador não existiria, ou então seria bem menor do que é hoje em dia.
Objetivamente, a metalurgia internacional é dependente de Tucuruí. Objetivamente, outra insanidade! O barramento para fins elétricos do rio Xingu, no trecho da Volta Grande e da Cachoeira do Juruá, perto
de Altamira(PA) é um irmão caçula desta família, e quase nasceu de vez em 1988 – 89, quando foi lançado o projeto das usinas de Kararaô e Babaquara. Passados dez anos, no final do século das mega-obras, parece ter ressuscitado, agora com nome de projeto hidrelétrico Belo Monte, e com a mesma madrasta Eletronorte, já que sua mãe verdadeira provável é a indústria eletro - intensiva internacional.
A poucos dias do 1o turno das eleições de 2002, quando finalizei esta edição, a insanidade dos eletrocratas parece ter sobrevida e está a ponto de parir outra mega-usina. O projeto para barrar o Xingu tem respaldo nas equipes dos quatro candidatos presidenciais.
Eis um motivo poderoso para publicar este alerta em minha página eletrônica. Arsenio Oswaldo Sevá Filho, setembro de 2002
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Parte 1. Tucuruí que pude ver ainda em obras [ * ] [* ] trechos extraídos do livro inédito A Guerra das Turbinas
Capitulo 2. Indio quer turbina ? Fria ou quente ? E o branco ? [ Rondônia, Amazonas, Pará ]
1.1. O surto das grandes barragens começando a destruir a Amazônia
O surto barrageiro monumental parecia não ter fim, era outra safra pesada dos anos negros da
ditadura militar. É bom usar os termos precisos, a ditadura foi também direitista, anti - popular, e, apesar
de coalisões com militares e civis nacionalistas, na prática, foi pró – imperialista.
Em 1982, o último general-presidente havia acionado, de mãos dadas com o ditador paraguaio
Stroessner, hoje asilado em Brasília, o primeiro ( dos 18 então previstos ) grupo turbo-gerador da central
de Itaipu, no rio Paraná, com 700 Megawatts de potência, recorde da engenharia e das finanças mundiais.
(v. parte 2 deste artigo )
Em 1984, o general acionou, de mãos dadas com o empresário Sebastião Camargo ( da maior
empreiteira da época, a Camargo Corrêa ) e com os financiadores e fabricantes europeus, a primeira
máquina da central de Tucuruí, no rio Tocantins, Pará, com 330 Megawatts, de um total de 12 previstas.
Vivíamos a frustração nacional, quase unânime, depois da derrota parlamentar do movimento pelas
eleições diretas, em Abril, - e que, afinal, nos deixou com o moribundo Tancredo Neves e, depois,
durante cinco anos, com a “grande aliança” do literato Sarney e do timoneiro Ulysses Guimarães.
Em 1987 e 88, nos escritórios modernos da Avenida Berrini, zona Sul de SP, a fina flor dos
engenheiros, urbanistas, geoógrafos e sociólogos da consultora CNEC, também do empresário Camargo,
amigo de todos os generais e muitos civis, forjava novas mega-centrais hidrelétricas no Sul e na
Amazônia. Estudavam os nossos grandes rios como se fôssem verdadeiras “jazidas de megawatts”, que
somente serviriam para ser barradas com critérios exclusivos, autoritários :
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# que o conjunto dos barramentos, e respectivos reservatórios e centrais regularizasse a maior
vazão possível do rio , e que os eixos selecionados para barrar o rio permitissem a instalação da máxima
potência possível , computando-se a soma de algumas grandes barragens em todo o trecho aproveitável
do rio, e isto, independentemente do quê existisse e de quem vivesse em suas margens e por êles estivesse
navegando e pescando... Na bacia Amazônica, cujos grandes rios estavam ainda virgens de barramentos, as poucas obras
feitas em rios menores do que o Tocantins – o Paredão do Araguari, no Amapá, a de Curuá-Una, perto
de Santarém, a de Balbina, no rio Uatumã, próximo de Manaus, e a de Samuel, no rio Jamari, ao lado
de Porto Velho – eram sabidamente problemáticas, os lagos apodreciam e assoreavam, turbinas e tubos
metálicos corroíam, peixes morriam, índios e ribeirinhos foram deslocados e quase sempre saíram
perdendo tudo. Estas hidrelétricas tornaram-se verdadeiros centros de romaria de estudiosos,
pesquisadores locais e estrangeiros, ambientalistas de todo tipo, e, foram para a berlinda nas publicações
internacionais, ...como anti - exemplo, claro !
Entre 1985, 86, apurava minhas pesquisas sobre os “projetões” na Amazônia, para incorporar
alguns resultados em uma tese de Livre-Docência ( que apresentei no Instituto de GeoCiências, na
Unicamp, em fins de 1988 ). Na época, tive acesso a um documento cartográfico da Eletronorte chamado
“Políticas e Estratégias para implementação de vilas residenciais”, uma espécie de plano habitacional
para as cidades que deveriam construídas durante os canteiros de obras.
Este mapa continha muito mais localizações de hidrelétricas do que todos os demais documentos
oficiais da época, os prospectos da própria Eletronorte e o Plano de Recuperação do Setor Elétrico , que o
governo Sarney havia enviado ao World Bank, numa última e frustrada tentativa de obter empréstimo
para novas obras faraônicas, tão impactantes - que o próprio WB andava tendo que se explicar para a
opinião pública e as entidades ambientalistas ...lá nos países politicamente mais avançados.
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Pois bem, compilando-se estas fontes de informação, o fato é que, além das cinco usinas já
existentes na época, se chegava a um total de mais 74 hidrelétricas nos vales da região Norte, cujas
estimativas de energia dos rios indicavam uma potência a instalar, de mais de 78 mil Megawatts ! Eis uma
pequena ficha do delírio que inebriava militares e eletrocratas, em plena “Nova República” :
# 7 centrais na bacia do rio Negro, com potência prevista de 6.000 MW [v. mapa a seguir : 1 e 2 rio negro, 3 a 7 rio Branco ] # 12 na bacia do Madeira ( + uma na bacia vizinha do Endimari, Purus) 6.700 MW [ 8. Endimari; 9. no Madeira, 10 Samuel(exist) 11 a 13 no Ji Paraná,17 a 19 Roosevelt e Aripuanã] # 6 nos rios Tapajós e seus formadores Teles Pires e Juruena, 25.100 MW [ nums. 21 a 26 ] # 6 no rio Xingu ( uma no afluente Iriri ), com previsão de 20.400 MW # 26 centrais nos rios da margem esquerda do Amazonas , desde o Uatumã e o Jatapu ( AM ) até o Jari e o Araguari ( AP ), [ nums 34 a 61 ] com previsão de 7.500 MW # e , nos rios da bacia Tocantins – Araguaia, mais 17 centrais 12.900 MW. [ 62 Tucuruí ( existente) , 63 a 71 bacia do Tocantins; 72-73 rio Itacaiunas, 74 a 79 , rio Araguaia]
( adaptado de figura das pg.32- 33 livro Xingu )
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1.2.Muitas vítimas da obra de Tucuruí, no rio Tocantins, em prol da exportação de metais.
A central de Tucuruí, - que fica em plena Floresta Amazônica, mas não na bacia amazônica, e sim
em outra bacia vizinha, a do Tocantins- Araguaia - tornava-se outro brilhante contra - exemplo de tudo :
imensa, a maior obra de todas, em termos de volume de pedra, concreto e paredões, 90 metros de altura,
sete km de largura, “lago” artificial com 2.400 km quadrados, ou 240 mil hectares, sepultando uma das
maiores corredeiras e arquipélagos fluviais do mundo, e, junto, a antiga ferrovia que transpunha o trecho
encachoeirado, entre a velha cidade de Tucuruí, ligada por navegação a Belém para o Norte - , e – a velha
Itupiranga, ligada para o Sul com Marabá e todo o vale do Araguaia !
Tudo isto, para que quatro grandes polos de exportação pudessem consumir cada um o seu
“pacotaço” de eletricidade, exigindo disponibilidade exclusiva, e firme, de centenas de Megawatts cada
um :
1) os complexos metalúrgicos de alumínio Albrás ( Cvrd e capitais japoneses, Nalco ) , em
Barcarena, perto de Belém, e
2) Alumar ( inicialmente Alcoa, Camargo Correa , Billiton /Shell), na ilha de São Luís; estão entre
as maiores indústrias do ramo em todo o mundo, e juntas produzem hoje mais de meio milhão de
toneladas de metal por ano;
3) o corredor de exportação do Carajás, um esquema de extração e beneficiamento de minério de
ferro e das fundições de ferro-gusa e ferro-ligas associados às minas da Serra dos Carajás, no sul do Pará ,
à ferrovia e ao terminal de Ponta da Madeira, em São Luis ( projeto implantado na época pela CVRD com
financiamento externo ); e , ainda,
4) a fundição de ligas metálicas de ferro - silício CCM , sociedade da Camargo Corrêa com o
fabricante suiço - alemão Brown Boveri, que fica praticamente “na saída do gerador”, ao lado da
barragem, na margem direita do Tocantins, defronte à velha cidade de Tucuruí.
Nas margens , ilhas, várzeas do Tocantins , nos igarapés e em terra firme, bem para dentro da mata,
mais de 40 mil brasileiros foram expulsos de seus locais, de suas terrinhas, seus castanhais, garimpos,
suas lavouras, alguns recém - atraídos pelo próprio surto de obras, mas muitos eram colonos de projetos
do Incra, com dez, quinze anos de assentamento!
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Extensas faixas de mata foram rasgadas para os canteiros de obras, áreas de extração de rochas,
terra e areia, estradas de serviço, e , principalmente para a montagem das torres e das Linhas de
Transmissão com tensão extra-alta, de 500 mil Volts, ligando o que devia ser ligado, pela lógica da
indústria eletro-intensiva : Tucuruí com Barcarena ( fábrica de alumínio Albrás ) , com a área do Carajás
( minas de ferro da CVRD ) , e com São Luiz ( terminal de minérios e a fábrica de aluminio Alumar ).
O efeito foi visível em poucos anos, contundente, e mesmo sob a ditadura não podia ser escondido:
fazer a hidrelétrica, dita limpa e renovável ... destruía, forçosamente a Floresta Amazônica.
O lago artificial formado a partir de 1984, com mais de 300 km de comprimento do Norte para o
Sul, na realidade era um largo canal principal sepultando ilhas e corredeiras fabulosas do antigo
Tocantins, e duas orlas próximas a este canal, paralelas às antigas margens. Margens recortadas,
rendilhadas de re-entrâncias e ilhotas, centenas de igarapés represados, podendo cobrir com pouca água,
ou , no limite, mantendo encharcados terrenos centenas de km 2. Estimo que, além desta superficie total
de quase 250 mil hectares do “lago”, outros 150 mil há, ou mais, foram cortados e desmatados, somando-
se as áreas do canteiro de obras, as áreas de expansão urbana e viária das duas cidades, a Tucuruí velha e
a cidadela empresarial da Eletronorte e Camargo Correa, as áreas destinadas aos re-assentamentos de
indios Parakanã, de familias rurais e dos vilarejos sepultados, e, especialmente, as tripas de matas
rasgadas pelas faixas das LT e suas Subestações, várias delas em terras dos índios Gaviões, do leste do
Pará. No total, devem ter sido pelo menos 4.000 km2, ou 400 mil hectares, ou ainda , uns 167 mil
alqueires paulistas, que foram ou alagados ou desmatados em poucos anos, e, pior, sempre em condições
muito ruins para os trabalhadores. Não faltaram episódios dramáticos, inclusive de contaminação
química, incluindo-se a pulverização aérea de desfolhantes, para limpar o terreno previamente à etapa de
montagem das torres e a passagem das linhas de transmissão. ( v. Sebastião Pinheiro “O agente Laranja em uma republica de bananas” Ed. Sulina, Porto Alegre, 1989 ).
O quadro é desolador, não em todo o seu extenso conjunto, mas em muitos trechos e com
mecanismos diferentes de destruição, de prejuízos e de riscos. Em toda a região em torno das obras, e rio
Tocantins abaixo do paredão, até Moju e Cametá, até a margem Leste da Ilha de Marajó, epidemias de
malária se espalharam durante anos, em alguns lugares tendo atingido mais de 50 % dos moradores.
Nestes mesmos povoados e cidades ribeirinhas, a captação de água no Tocantins ficou prejudicada,
pelo mau gosto e mau cheiro, nos primeiros anos após a formação da represa. Em várias beiradas do
“lago”, incluindo-se áreas próximas das novas agro-vilas e dos lotes de re-assentados, proliferou a praga
mansônica, as nuvens de mutucas que inviabilizam a presença humana e de seus animais de criação...
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Foto extraída do livro Amazônia. Olhos de satélite, de Liana John
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1.3 O envenenamento e a militarização. Mais obras da Ditadura.
A operação de retirada de madeira do reservatório, uma das maiores devastações organizadas da
história humana, financiada pelo banco francês Lazard, começou errada : ao invés de ser selecionado pela
Eletronorte um grupo de empresas realmente especializadas, e com meios para uma empreitada dificílima,
para desmatar uma tal extensão de floresta num prazo de poucos semestres, praticamente dois anos! - a
tarefa foi atribuída a uma “empresa de previdência”, no caso a Caixa de Pecúlio dos Militares, a mal -
afamada Capemi...Os fatos resultantes atestam os prejuízos : como não foi retirada nem 10% da madeira
prevista, antes da formação do “lago”, o fundo do reservatório está se enchendo mais ainda com o
material orgânico em decomposição.
Enquanto isto, e até hoje, as árvores maiores de cerne duro que praticamente não apodrecem,
continuam sendo retiradas por uma espécie de trabalhador genuinamente brasileiro, o “lenhador
subaquático”. Em canoas com moto-compressores a bordo, os mergulhadores descem com ar mandado e
uma moto-serra blindada, a ar comprimido, até o pé de cada árvore valiosa e lá repetem o gesto feito “em
terra”; ao fim da jornada, rebocam as toras boiando até as serrarias na borda do reservatório.
Foram também usados em grande quantidade produtos químicos conservantes, nas toras já abatidas
mas não coletadas, foi comprovado o abandono de tambores ainda cheios, e pior, o seu uso após vazio
como recipiente para combustíveis, para água ! A passagem da Capemi pela região foi desastrosa e, foi
após o seu fracasso em retirar a madeira, é que veio a idéia brilhantemente nefasta de promover uma
espécie de “capina química” numa enorme área florestal sob a qual passa um dos maiores rios do mundo,
com seus pequenos e grandes igarapés afluentes. Aproveito aqui os relatos do estudioso militante
Sebastião Pinheiro, que se envolveu diretamente nesta guerrilha inusitada, parte da guerra geral das
turbinas na Amazônia: “Fomos todos até o depósito da Capemi, onde era proibido entrar. O responsável
fez valer sua condição, mas a presença do delegado de Tucuruí e do delegado Miguel Osório, de Belém o
demoveu. O depósito era um parque, uma parte ao ar livre, com aproximadamente cinco hectares , onde
havia de tudo : vários tratores florestais canadenses do tipo “skidder”, novinhos, como se nunca
tivessem sido usados, oficina mecânica com tornos e milhares de peças; pilhas de vários metros, de vasos
sanitários, caixas d’água, aparelhos de ar condicionado, um automóvel Del Rey com menos de 100 km
no odômetro, mais de dez tanques de caminhão. Tudo sob a intempérie, sendo corroído pela ferrugem e
tapado pelo mato. Era inacreditável. Tudo isto, o suficiente para montar uma ou duas pequenas cidades,
fora adquirido com um empréstimo de duzentos e cinquenta milhões de dólares de bancos franceses.
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... “Subi em uma pilha de toras para tirar uma foto melhor. Acabei decsobrindo um tesouro : por
trás das macegas estavam mais de 600 tambores de 200 litros cada, de pentraclorofenato de sódio ( pó
da China ) e de cromo. Havia ainda galões verdes como o que eu tinha encontrado na ilha Tocantins.
Agora sim eu sabia de onde eles vinham : eram de origem francesa e fazima parte do crédito do Banco
Maison Lazard et Frères. Os dizeres indicavam R.P. / Brasil/ Santos, R.P. de Rhône Poulenc, o
fabricante.” ( p.108-109 )
Assim, em 1984 , o guerreiro gaúcho contra os venenos químicos começou a fechar o quebra-
cabeças arquitetado há dez anos, no início da montagem do esquema de Tucuruí, pelos militares
encravados no governo federal e nas empresas de eletricidade. Ele transcreveu esta notícia de 1982 :
“O presidente da Eletronorte, coronel Raul Garcia Llano confirmou que entre as alternativas à
disposição da empresa para retirar a floresta que hoje cobre a área a ser inundada pela represa de
Tucuruí, há a do uso de herbicidas desfolhantes que seriam despejados de aviões...dentre os produtos
cogitados pela Eletronorte, que vem trabalhando em colaboração com a Defesa Sanitária Vegetal do
Ministério da Agricultura e o CNPq, estão o “2,4, D” e o “2,4,5, T” - que são considerados altamente
tóxicos pela legislação existente.” Estado de S.Paulo, 14 maio 1982, p.38 in S. Pinheiro, p.31-32
Pudera ! Estes desfolhantes, conhecidos comercialmente como “Agente laranja” ( Tordon, Tributon,
Brush Killer, etc ) haviam sido desenvolvidos e aplicados especialmente sobre as matas do Vietnã pela
Força Aérea norte-americana, poucos anos antes, sob protestos internacionais.
Protestos que ressurgiram até no carnaval de Belém, em 1984, quando um bloco da favela do
Guamá lançou o samba “Folia do Tordon”, transcrito pelo Sebastião Pinheiro, pg. 92-93 de seu livro.
“- ô, ô, ô ...cuidado abram alas que a Dow química chegou,
trazendo um veneno bem potente para liquidar com a nossa gente.
Tudo começou lá em Tailândia quando jogaram veneno em nossa banda.
Então chegou a Eletro-morte para acabar com a nossa sorte.
O que era verde ficou tudo incriquilhado, e tanto matou gente como gado.
E com o Tordon, vivemos na ilusão, ele causa desemprego e aumenta a inflação!”
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Estive uma vez, durante apenas três dias no canteiro de obras de Tucuruí, em fins de fevereiro de
1979, numa pesquisa de campo oficialmente solicitada pela Reitoria da UFPb ( onde estava vinculado
desde 1976 ) ao presidente da Eletronorte e à sua gerência em Belém. O primeiro impacto não me foi
estranho: já conhecia o jeitão da cidade “fordista” das grandes empresas, pois desde pequeno freqüentava
nas férias a “modelar” Volta Redonda da época, e ali todos sentiam o dualismo entre a velha cidade
“antes da usina”, e a cidade planejada dos operários e engenheiros.
“Vidas inteiramente para o trabalho e a firma” é o que buscaram os magos das consultorias
Themag, Engevix, CNEC, que criaram a cidadela Tucuruí Nova, bem cercada e com guaritas de acesso e
entre setores internos . Tão planejada e segregada que, para Eletronorte e para a Camargo Corrêa, - deve
ser execrado e interditado um simples namoro de um funcionário que está no Hotel de Trânsito A com
uma funcionária que frequenta o clube C ; tão esquizofrênica que, - para um destes cicerones bobocas,
que nos acompanhou num trajeto mais longo pela loucura do grande canteiro, eu não podia fazer uma foto
dos galpões das sub-empreiteiras, as “gatinhas”, porque aquilo “não existia, não fazia parte da obra !”
Em compensação, apesar de minhas pesquisas e reportagens anteriores em fazendas, usinas de
açúcar, açudes e pequenas fábricas no Nordeste, em MG, no Acre, nunca havia me sentido tão preso e
monitorado dentro de uma organização tão ampla e ramificada, uma cidade inteira, na realidade duas,
porque o “surto” da obra envolvia também a Velha Tucuruí.
Na cidadela empresarial , a ditadura da época se expressava mais do que alhures : toda a vida de
cada um, incluindo visitantes, as 24 horas do dia e da noite, era submissa ao cerceamento e agendamento
de cada passo, de cada trajeto, e sujeita à repressão e ao controle das informações pessoais e familiares,
além das técnicas, comerciais, fundiárias, de salubridade e ambiental.
A estadia na cidadela militar em Tucuruí, em 1979, foi assim valiosa como um primeiro choque
profissional. Depois disto, já sabia o tamanho do bode, e, pude me ajeitar melhor diante das ditaduras
onipresentes e das raras brechas que também existem, em outras empresas de eletricidade, na Petrobrás,
na Usiminas, e até mesmo numa mina de carvão em Treviso, no sul de SC, e no garimpo de estanho de
Bom Futuro, em Rondônia – os piores lugares dentre dezenas de infernos que visitei pelo país adentro!
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Parte 2. Itaipu que nunca vi
Esclarecimento adicional : Estudo as hidrelétricas desde os anos 1970, visitei várias, prontas e em obras,
enormes, pequenas e mini -usinas; percorri a região das usinas de Foz do Areia e de Salto Segredo, Salto
Santiago, no Paraná, no rio Iguaçu, não muito longe de Itaipu, mas nunca deu certo visitá-la.
As pesquisas de gabinete, biblioteca e computador não substituem jamais a presença “ in loco”, mas
consultei muito material da obra, relatórios, vi fotos, filmes, li outros estudos acadêmicos, livros, fui como todos
bombardeado pela propaganda geral na mídia, e especial assediado pelas investidas publicitárias sobre os
engenheiros e estudantes. Mapeei muitas vezes as obras do rio Paraná, como fiz com as principais bacias com
hidrelétricas no país e no mundo. Dá para escrever algumas páginas e refrescar a nossa memória.
O quê está em foco nesta pequena parte de um artigo maior, é algo modesto: corrigir um êrro de pesquisa
de muitos anos atrás – considerar a área alagada de 1.500 km2 e não a real, de 3.800 km2 !. Aproveito para
insistir numa militância puntual, focada. É para re lembrar os colegas e – se algum político, candidato ou
assessor influente nos der a honra – que esta, como outras mega-usinas e tantos investimentos deste porte e
deste tipo, é uma central de energia elétrica e uma central de problemas profundos e históricos, alvo de uma
guerra econômica que já dura três décadas e um dos vários focos de problemas entre os brasileiros – e com
destaque, os paranaenses – e os vizinhos paraguaios, sem esquecer que, da foz do rio Iguaçu para baixo, o rio
Paraná e as terras ribeirinhas são também argentinas, e que este riozão termina em Buenos Aires.
Itaipu é fruto das decisões de uma galeria de generais – ditadores e seus adjuntos militares e
diplomáticos negociando com os paraguaios, ou seja, com o general Alfredo Stroessner: em 1966, foi
Castelo Branco quem assinou a Ata das Cataratas, em 1973, Garrastazu Médici assinou o Tratado de
aproveitamento hidrelétrico; em 1975 Ernesto Geisel inaugurou o canteiro de obras.
O investimento feito na mega- central hidrelétrica de Itaipu, até 1982, final da construção, e
depois até instalar os dezoito turbo – geradores ( total 12. 600 Megawatts ) foi inicialmente estimado
em 5,8 bilhões de dólares, mas poderia ser medido hoje na casa dos 25 bilhões de dólares, quase
oitenta bilhões de reais, dos quais uma boa fatia de juros acumulados até o início da operação.
Sua venda de energia elétrica para o mercado “atacadista” do Sul e Sudeste brasileiro, ( supondo
que “nossa parte” , a metade das máquinas mais a parte comprada do Paraguay, equivalha a 70% da
capacidade total ao longo do ano ), é da ordem de 90 bilhões de kwh, mais de uma terça parte do total
do consumo da região maior consumidora; o primeiro faturamento, Furnas pagando à Itaipu Binacional
– ficaria na faixa de quatro a cinco bilhões de dólares anuais; os financiamentos ainda estão sendo
pagos, mas não saberia informar quem conhece os números exatos.
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Tais números, devidamente re-equacionados e deflacionados, com as taxas cambiais adequadas
não estão ao alcance de nossas fontes de pesquisa e exigiriam um ferramental especifico para elaborá-
los. Deveriam isto sim, tais números, e tais contratos comerciais e financeiros e suas contabilidades
comerciais e bancárias, se constituirem em objeto sistemático de inquéritos e auditorias, sobretudo em
época de mudança de governo no Brasil e no Paraguay.
Foram decisões e arranjos envolvendo os maiores bancos, os fabricantes de máquinas e os
empreiteiros, e que foram encaminhadas, costuradas pelas duas ditaduras militares da época. Marcaram
e marcam 30 anos depois, a história e a economia dos dois países, Paraguay e Brasil, e aqui de modo
muito especial, marcam a história social e política do Estado do Paraná e a sua região Oeste. Além de
significar um longo entrevero de encenações, disputas de direitos e de obrigações com a Argentina,
que fica rio abaixo da grande barragem.
Os estrategistas da época, ligados aqui e lá aos Estados-maiores que frequentavam o Pentágono,
já falavam em “Cone Sul”, basta lembrar do general Golbery do Couto e Silva, e do coronel Meira
Mattos. Por via das dúvidas, alguns de seus colegas de farda, Costa Cavalcanti, Cesar Cals, Ney Braga
foram dirigir o setor elétrico estatal, a nova empresa binacional e chefiar os canteiros de obras.
Na época do auge do canteiro de obras, lá estiveram os jornalistas Claudio Bojunga e Fernando
Portela, e que vasculhavam vários trechos complicados de nossas divisas com os países vizinhos, cujas
reportagens foram publicadas no livro “Fronteiras – viagem ao Brasil desconhecido”, ( Ed. Alfa-
Omega, SP, 1978 ). Selecionei alguns trechos para compensar, de novo, a lacuna do meu
desconhecimento “in loco” :
“Uma barragem detém um rio e alimenta usinas : inunda aldeias e ilumina cidades, destrói uma
cachoeira e provoca conflitos diplomáticos. Nem sempre os que a levantam com suas mãos ou vivem
de sua energia conhecem suas razões profundas e sua finalidade última. Para os que se limitam ao
preçop das coisas, Itaipu pode permanecer tão misteriosa como uma Bolsa de Valores. Mais do que
um preço, Itaipu é uma polêmica.
Os argentinos por exemplo, consideram-na simbólica de uma opção de desenvolvimento egoísta
e conflitiva, cujo objetivo secreto é consolidfar o domínio geopolítico da bacia pelo Brasil e excluir a
presença argentina. Com quem estará a razão?”(p. 73 )
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Não tem jeito, desde então: as decisões que originaram e concretizaram Itaipu continuarão se
desdobrando em problemas exigindo gestões de primeira ordem para os três governos nacionais e para
o governo paranaense.
Quanto aos que a construíram, por volta de 1980, eram cinqüenta mil homens trabalhando duro e
debaixo de repressão. Uma insistente propaganda federal cuidou de valorizá-los, com as mãos
contornando o mapa do Brasil : “Uma obra tocada a cem mil mãos” ... o quê foi de imediato,
traduzido pela malandragem brasileira, como uma gigantesca masturbação coletiva.
Quanto à região próxima, a obra transformou as cidades, Foz do Iguaçu, Cascavel, Ciudad del
Este, Puerto Stroessner . Antes eram apenas as levas de turistas corajosos para ver as quedas do
Iguaçu; depois, os turistas também visitam a usina e fazem compras no lado paraguaio. Um tipo
especial de “faroeste”. Novamente os jornalistas:
“Na cidade, há uma obra em cada esquina e um especulador imobiliário atrás de cada árvore.
Foz do iguaçu é só aparentemente rica: o turismo das cataratas isentou os hotéis de impostos e a
arrecadação é fraca. Mesmo assim a Prefeitura já irritada pelas constantes visitas da imprensa, diz
pela voz lacônica e mentirosa do seu chefe de gabinete: “não há problema”.
“Iguaçu é zona de Segurança Nacional. Tem cerca de 46 autoridades ( quase todas mais
importantes que os funcionários municipais). Muito militar. Muita vigilância. Muito jornalista. Muita
discrição. Todos fingem que a obra não provocou problemas políticos e que sua significação é
meramente técnica. É normal. Mas a verdade não é bem essta. Itaipu é uma barragem extremamente
política.” (p.74-75)
Itaipu também é, como foram na mesma época as hidrelétricas de Sobradinho ( BA ) e de
Tucuruí ( PA ), um sinônimo e uma comprovação de problemas sociais e ambientais de primeira
grandeza, dramas e prejuízos vividos desde então de uma forma pouco conhecida, a tensão abafada nas
localidades atingidas, “estórias” censuradas e “causos” engavetadas nas edições dos meios de
comunicação, e talvez evitadas pelos participantes por causa das más lembranças da coação e da
repressão. Apesar disto, muitos ainda hoje se lembram e talvez alguns jovens na região e no Estado
saibam da destruição, submergida pelo reservatório, da monumental série de saltos do Paranazão, as
Sete Quedas de Guaíra. Houve reportagens, livros, romarias turísticas de ultima hora, fotos e pinturas
de algo que já não existe, protestos públicos pequenos, intimidados.
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As áreas inundadas somam um total aproximado de 3.800 km2, ou 380 mil hectares , quase 160
mil alqueires paulistas, e foram perdidas mais terras paraguaias na margem direita, quase 2.300 km2,
do que na margem esquerda brasileira, pouco mais de 1.500 km2. ( * ).
( * MEA CULPA : em textos anteriores de minha autoria e em algumas ilustrações que uso em sala de
aula caí na armadilha oficial, mencionei apenas a área alagada do lado brasileiro, 1500 km2; solicito
desculpas aos leitores, decidi agora usar a informação do livro do historiador Warren Dean “ A ferro e fogo. A
história e a mata atlântica brasileira”, respaldado por várias fontes da época sobre Itaipu )
Do lado de cá, há registros da época mencionando mais de 40 mil pessoas desalojadas,
incluindo- se aldeias indígenas da nação Guarani, um processo impressionante de “encercamento”, de
negociação individualizada e seletiva conforme o poderio dos proprietários.
Para quase todos, um processo de expropriação, de desvalorização de benfeitorias, e das safras e
investimentos agrícolas dos moradores, uma trajetória de empobrecimento rápido e em seguida, a
diáspora daquele povo. Vários deles acreditaram nas chances, ou foram recrutados para os projetos do
INCRA e para as colonizações particulares em MT e RO; também ali nos confins do Paraná, além de
outros pontos do país, começou a se formar o atual MST – Movimento dos trabalhadores rurais sem
terra, pois ali nasceu e lutou contra os desmandos de Itaipu uma associação pioneira, o MASTRO,
Movimento dos agricultores sem terra do oeste paranaense.
Do lado de lá do rio - fronteira, muito mais terra perdida, fala-se em mais índios guarani
desalojados. E até hoje, um ressentimento contra os brasileiros ou os governos brasileiros, pois o
Paraguay teria sido prejudicado com a parceria na época, e estaria sendo empobrecido pelos acordos
econômicos e pela atuação da empresa binacional. Como já notavam em 1978, os jornalistas citados:
“Como é que o Paraguai foi prometer construir “em pé de igualdade” com seu sócio a maior
barragem do mundo – cujo custo é várias vezes superior ao seu Produto nacional bruto?
Essas relações não podem ser equilibradas. E quando se sabe que Itaipu só será construída
porque o Brasil empresta o dinheiro ( para o Paraguai integralizar sua cota na empresa binacional ),
constrói a represa e vai comprar metade da energia paraguaia, alguns comentários otimistas soam
pateticamente. Exemplo 1- a fronteira entre os dois países sumiu gradativamente; 2- atualmente todo
o Paraguai é Itaipu. Quer dizer, o Paraguai é Brasil.” ( p.219 )
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Prancha ilustrando os maiores barramentos da bacia do Paraná no Brasil e no baixo vale argentino – paraguaio - uruguaio . Elaborada em 1993, com 48 locais barrados, incluindo-se um projeto que não se concretizou ( 43. Garabi, RS-Argentina, rio Uruguai ) e alguns projetos da época que já se completaram ( 48. Yaciretá-Apipe, Argentina - Paraguay , 41. Itá, RS-SC, rio Uruguai, 46.Porto primavera, MS-SP , 33. CanoasI e II , rio Paranapanema, e 5. Nova Ponte, MG. rio Araguari)
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Numa perspectiva mais ampla, da bacia do Prata, poderia ser melhor estudada a magnitude dos
impactos gerais de todas as obras feitas, e a posição de Itaipu neste conjunto. O rio da Prata forma a
sua vazão com as águas do baixo Paraná, o qual, depois de receber as águas do Chaco e do Pantanal
através do rio Paraguay, atravessa a planície argentina, - e - uma parte menor, com as águas do rio
Uruguay.
O rio Paraná vem das serranias e chapadas brasileiras quase totalmente barrado e com suas
vazões controladas por critérios comerciais, dos quais dependem o dia a dia e a produção de São Paulo
e boa parte do Sudeste e Sul do Brasil. As terras nas suas bacias e dos seus afluentes passaram por
surtos de desmatamento para abrir novas glebas para as plantações e culturas intensivas ( café,
algodão, cana, soja ), e também por causa disto, há problemas graves de erosão de solos. Pela lógica,
alguns reservatórios se entupirão mais rápido que o previsto; aumentará neles, em vários deles, a
concentração de matéria orgânica e resíduos químicos.
Os recordes técnicos são inevitáveis em qualquer menção à mega –obra de Itaipu:
# mais de 120 metros de altura
# 7 km de barramento, num rio de vazões máximas de 20 mil metros cúbicos por segundo;
# os maiores grupos turbo – geradores já fabricados, 700 Megawatts cada!
Certo, Itaipu foi e é a maior intervenção de engenharia em qualquer rio brasileiro, e as únicas
comparações possíveis são as hidrelétricas de Tucuruí ( o rio Tocantins tem o dobro da vazão máxima,
o barramento é parecido, e a altura menor, 90 metros ) e de Xingó ( o rio São Francisco tem metade da
vazão máxima do Paraná, mas a altura da barragem é ainda maior, 150 metros.
Quando comparamos área inundada por hidrelétrica, o único reservatório com área alagada
maior do que Itaipu é o “lago” de Sobradinho, com 4.200 km2, e um degrau de apenas 25 metros! Só
que raramente está cheio, e em alguns períodos fica bem baixo a ponto de emergirem as ruínas das
cidades sepultadas; além de perder bastante água por evaporação numa região com clima semi-árido.
Ao longo do seu trajeto brasileiro, no rio Paraná, quase todo barrado, Itaipu foi a maior mas não
a última: depois, foi barrado rio acima, pela usina de Porto Primavera, ( SP - MS) outros 3.000 e tantos
km2, com potência instalada de cerca de 500 MW, prevendo-se 1.800 MW. Entre as duas, houve
durante muitos anos o projeto de barrar na Ilha Grande, acima de Guaíra, mas parece ter sido
abandonado...
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Rio abaixo, Itaipu permaneceu como a última barragem durante mais de dez anos.
Depois, o Paraná foi também barrado em Yaciretá- Apipe, divisa Argentina - Paraguay , outros 2
mil km2, submergindo quase todo o maior arquipélago fluvial do rio.
Abaixo desta última barragem, na grande planície, quase tudo passa a depender de como operam
as comportas destas mega-obras; logo a seguir, o pesqueiro de Ayolas é considerado o mais fértil dos
dois países e dos aficionados estrangeiros.
Em termos mundiais, o recorde de potência elétrica em uma única barragem será superada pela
usina das Três Gargantas, em obras, no rio Yang-Tsé, na China ( 18.000 Megawatts).
As conseqüências da obra no Yang-Tsé para o povo, o território chinês e os marcos de sua
história já são e serão certamente recordes de toda a história humana. Conseqüências muito maiores do
que as de Itaipu para os brasileiros, os paraguaios e os argentinos, o quê já não é pouca coisa.
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Parte 3. Kararaô que ajudei a repudiar e Belo Monte que espero ninguém veja [*]
[* ] trechos extraídos do livro inédito A Guerra das Turbinas Capitulo 2. Indio quer turbina ? Fria ou quente ? E o branco ? [ Rondônia, Amazonas, Pará ]
3.1. A “frente de obras” planeja chegar no rio Xingu, mas o povo de Altamira só queria mesmo o “linhão”!
Nada das complicações, conflitos e desastres em Tucuruí, desviou o CNEC, a ELETRONORTE e
seus parceiros externos ( cada vez mais escassos, e mais desconfiados ... ) - do rumo que eles haviam
traçado há mais de uma década. Em meados de 1988, a população brasileira de Altamira e de São Félix
do Xingu é comunicada que seriam feitas sete grandes barragens , todas com nomes indígenas locais, ao
longo do rio, compondo o “aproveitamento hidrelétrico integral” do rio Xingu , desde a fronteira PA- MT
, até a última delas, que sepultaria a imensa Cachoeira do Juruá , um bom pedaço do rio Bacajá, e o
arquipélago da Volta Grande, batizada pelos empreendedores de U.H.E. Kararaô.
Primeiro êrro dos poderosos , a palavra, tão sonora, é um brado de guerra no dialeto Kaiapó!
Esqueceram de avisar os próprios indígenas, em dezenas de aldeias de diversas nações, direta ou
indiretamente prejudicados pelo anunciado surto de obras. Tampouco os empreendedores avisaram os
milhares de indígenas que estão no Parque Nacional do Xingu, no mesmo rio, acima, em MT, e que não
seriam diretamente atingidos pelas primeiras obras; mas , uns e outros ficaram sabendo, e puderam se
organizar rapidamente.
Sinal dos tempos, ... isto foi possível graças às ligações, recentemente consolidadas entre os indios
daqui, os de fora, e vários grupos de brancos simpatizantes e solidários, dos antropólogos que os estudam
, dos padres que os doutrinam, às ligações com Belém, com Brasilia, com o Rio e São Paulo, com o
exterior, e, em parte também graças à mídia, jornais, tv, revistas, na época muito mais pluralistas e
criativos do que hoje.
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Relembro neste artigo três “produtos” típicos desta movimentação tão peculiar:
# um grande evento multi - tribal e com representantes de diversas instâncias, e duas expressões
sociais e artísticas,
# um livro preparado para o evento, divulgado na ocasião, e distribuido aos indigenas que seriam
afetados pelas hidrelétricas do Xingu, e
# uma reportagem de vídeo, que construiu um enredo histórico da ocupação no eixo da
Transamazônica e centro a conjuntura na cobertura detalhada do evento em Altamira.
Revistos mais de dez anos depois, o documentário dirigido pelo repórter Delfino Araújo, da TV
Cultura de SP, - “Kararaô, um grito de guerra “, e o livro – coletânea , com mais de vinte autores,
organizado pelas antropólogas Lúcia Andrade e Leinad Santos, da Comissão Pró-Indio de SP “ As
hidrelétricas e os povos indígenas do Xingu”. , continuam tão relevantes e oportunos quanto foram na
época. Fazer grandes barragens para instalar turbinas no rio Xingu era, e continua sendo um
problemão...É que veremos.
De que se tratava afinal este Complexo hidrelétrico de Altamira?
Voltemos ao escritório de consultoria CNEC. Já em 1980 estavam lá, no ar refrigerado da Zona Sul
paulistana, a calcular e re-calcular, com base em poucas informações e muitas deduções e suposições,
qual seria o “potencial máximo” de eletricidade a ser extraído do rio Xingu? Em outros termos , se
fossem destruir o que é sagrado para os índios, fonte de sua vida e de seus trajetos, - quanto lucro, que
parece ser sagrado, seria possível, para o capital ?
A isto intitulavam “Estudos de inventário hidrelétrico da bacia hidrográfica do rio Xingu”, e
segundo seus autores, meros instrumentos da megalomania, seriam feitos em toda a porção média e baixa
do rio Xingu, cinco barramentos, o mais alto, na cota 281 metros, em Jarina, na área do Parque Nacional
do Xingu, fronteira MT-PA, mais Kokraimoro, Ipixuna, Babaquara e Kararaô, cuja saída d’água fica
abaixo da cota 6 metros, bem pouco acima do nivel da foz do Xingu no delta do Amazonas... Além de um
outro barramento no principal afluente do Xingu, o Iriri.
O auto-denominado , pela Eletronorte, Complexo de Altamira seria formado pelas duas barragens
de Babaquara ( na cota máxima 166 metros ) e de Kararaô ( na cota máxima 96 m ), por seus imensos
lagos artificiais e por suas casas de máquinas, respectivamente, com 18 grupos turbo-geradores e potência
de 6.600 MW, e com 21 TG e potência de 11.000 MW, totalizando uma potência prevista de 17.600 MW.
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Na época, o custo de investimento apenas na obra e montagem das centrais, sem os juros do
empréstimo e sem o custo da transmissão, era estimado em quase 11 bilhões de dólares !
Projetava - se a maior hidrelétrica da bacia Amazônica, ou, simplesmente, uma das maiores obras
de engenharia fluvial em todo o mundo. Se fosse feita, seria comparável às de Itaipu, no Brasil, ou à de
Grand Coulee, no noroeste dos EUA, à de Guri, Venezuela, ou à de Krasnoiarsk, na Sibéria Central.
Ou, apenas um pouco menor do que as obras atuais das Três Gargantas, no rio Yang-Tsé, China.
Por esta mesma razão, hoje em dia, mais ainda, devem ser lidos e vistos os documentos e as
memórias daquela “Guerra altamirense das turbinas”, pois os argumentos contra as obras permanecem,
mas há menos recursos para investimento, e menos mercados que justifiquem um grande acréscimo de
potência naquela região – a não ser que se queira construir lá, para depois perder, em 3 mil km. de
transmissão, 20 % da eletricidade gerada, antes de ser consumida por aqui no Centro Sul!
Mesmo assim, o segundo governo Cardoso- Maciel, até o seu fim constrangedor nestas eleições de
2002, insistiu em apadrinhar, fomentar, estimular e favorecer os antigos ou eventuais novos
empreendedores para que seja feita pelo menos uma das barragens do Xingu, - aquela que foi primeiro
batizada de Kararaô, e em pouco tempo, a Eletronorte rebatizou de Belo Monte, nome da cidadezinha
onde os passageiros e cargas da Transamazônica, vindas de Marabá e Tucuruí, pegam a balsa para
continuar na direção de Altamira, Itaituba e Santarém.
3.2. “Kararaô, um grito de guerra” – uma rara e justa reportagem de TV .
Quando foram anunciadas e logo questionadas as obras do Xingu, e, especialmente o “complexo
Kararaô – Babaquara”, não vivíamos mais, formalmente, numa ditadura militar. Era o governo Sarney,
ex-presidente do partido político da ditadura, a Arena- PDS , vice do moderado Tancredo Neves, mas
ambos eleitos indiretamente. Menos mal, já havíamos saído às ruas , numerosos, várias vezes, e , já estava
em vigor a Constituição duramente batalhada por tanta gente.
Pode ser curta a nossa memória, hoje, tão saturada destes espetáculos circenses em voga, mas, há
pouco tempo, as manifestações populares e de entidades eram freqüentes, algumas bem concorridas,
barulhentas. Certamente não tiveram este estrondo e esta presença na midia global, que tiveram os atos e
protestos de 1999, 2000, 2001, dos militantes anti - globalização em Seattle, EUA, em Praga, Republica
Tcheca, em Nice, França, Genova, Itália – locais onde se reuniram os que mandam no dinheiro do mundo.
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Uma década antes, uma manifestação única numa pequena cidade no meio da floresta, teve grande
repercussão no exterior e no Brasil , e mereceu pelo menos uma reportagem justa. O documentário da TV
Cultura tinha um grande apelo de mídia , um evento - âncora sobre o qual se construiu toda a reportagem:
o “Encontro dos Povos Indigenas em Altamira” , que foi organizado pelas lideranças dos índios
brasileiros, com grande apoio da Prelazia de Altamira e seu bispo, dom Erwin Krautler . Lá estavam, na
berlinda, o Ailton Krenak, da UNI-União das Naçoes Indígenas, o Paulo Paiakan, dos Kaiapós – depois ,
nas vésperas da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente no RJ em 1992 , foi devidamente fritado por
denúncias de abuso sexual -, estavam o Davi dos Ianomami, os irmãos Terena, o coronel Tutu Pombo, e o
famoso cacique Raoni, então fazendo parcerias musicais e arrecadando fundos com o cantor inglês Sting.
Durante o Encontro, mais personagens conhecidos do público foram enriquecendo a trama :
lideranças dos índios dos Andes e da América do Norte, a então deputada federal Benedita Silva ( depois
senadora e hoje governadora do R.J. ) , o advogado Fábio Feldmann, lider ambientalista das entidades
Oikos e SOS Mata Atlântica, depois deputado, e secretario de Meio Ambiente do primeiro governo
Covas, em SP, ... e a inesquecível índia Tuíra, que encostou seu facão no rosto redondo e pardo, de
maranhense quase índio, do diretor de Obras da Eletronorte, eng. Muniz Lopes, hoje presidente da
empresa, e que fez deste mega - projeto a sua incansável bandeira nos últimos treze anos.
Evento cheio de performances, belos espetáculos rituais, cantos e músicas dos índios, sob os
holofotes e a tietagem dos brancos e brancas, expressões de um conflito com raízes mais profundas :
dinheiro, surtos de migração, comércio, oportunidades de lucro fácil, posse de terras, uso de rios,
dominação política... Não por acaso, a UDR- União Democrática Ruralista , organização dos
latifundiários, desde então armados, e mais os comerciantes locais mobilizaram o povo altamirense a
favor do “progresso”, ou seja, a favor de esticar o linhão desde Tucuruí, e de construir as obras da
Eletronorte, projetadas pelo CNEC.
Um “progresso” de mão única, iniciado sob o signo da rodovia Transamazônica, nos anos 1970,
expressão radical dos projetos do tempo da ditadura, rompantes, mal feitos, inacabados, deixando até
hoje, conflitos e vítimas em seus rastros de poeira e lama, de tiros e queimadas impunes.
No documentário, temos o prazer de rever um país que parece outro passados alguns anos, as
batalhas dos índios por seus direitos na Constituinte de 1988, as manifestações dentro e fora do Congresso
Nacional. Um tempo, séculos atrasado, de reconhecimento de identidades e de interlocutores, que
vinham sendo negaceados.
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Em seguida, o repórter nos traz de volta ao chão e aos rios da floresta, em 1990, num trajeto
minucioso com os colonos, os agricultores, os posseiros, os garimpeiros, os catadores de folhas de
jaborandi para a fina indústria cosmética alemã, e os cortadores de mogno para a também fina indústria
estrangeira de mobiliário e carpintaria naval...todos de uma forma ou de outra precisando de combustíveis
e de eletricidade para seus afazeres, seus lucros efêmeros, sua locomoção, sua geladeira.
O repórter dialoga com o tecnocrata da empresa elétrica, que nos coloca o falso dilema entre
“barragens amazônicas ou centrais nucleares”. Contrapõe com a visão descentralizadora do ambientalista
Lutzemberger – que , logo depois se tornou ministro de Meio Ambiente do “governo” Collor, até ser
devidamente afastado pelo poder dos madeireiros . Sabendo como a qualidade de vida moderna é algo
carente, desconhecido na região, a reportagem vai averiguar de perto como é a precariedade de tudo em
Altamira e ao longo da Transamazônica, inclusive a precariedade da eletricidade.
No bloco final do documentário, com uma hora e vinte minutos de duração, voltam os índios,
“performáticos” segundo o redator da TV Cultura, discursando e deliberando em assembléia, desfilando
nas ruas, voltando para as aldeias, subindo nos ônibus para as estradas lamacentas, retomando os rios em
seus barcos – casa. Aparecem nas duas “mídias”, a TV focaliza o índio mostrando o livro, carregam
orgulhosos os exemplares, onde os sujeitos das fotos, dos mapas de suas aldeias e seus rios, e onde a
razão de todo o discurso dos acadêmicos, - são êles próprios, povos de sempre neste país, quase extintos,
suas terras, águas, bichos, plantas.
Ali estavam os sujeitos históricos deste vale fluvial:
* os Xipaia e Curuaia, os Kararaô, os Juruna, os Asurini, os Araweté, uma parte dos Parakanã, os
Arara, os Kaiapó-Xicrin, todos que seriam direta e indiretamente atingidos pelas obras perto de Belo
Monte e de Altamira, em várias Areas Indígenas oficiais, e subindo o rio, passando por São Félix do
Xingu e até na franja norte do Parque Nacional do Xingu, fronteira do Pará com o Mato Grosso.
E a repercussão por aqui e alhures ?
O encontro foi transformado em espetáculo pela imprensa escrita e televisada....Recapitulo algumas
passagens, usando aqui alguns trechos do ensaio que elaborei no IEA / USP “Ecologia ou Política no
Xingu?”, coleção Documentos, Serie Ciências Ambientais no. 4, Junho de 1999.
A Folha de São Paulo deu matérias no dia- a- dia do Encontro, com artigos de Fernando Gabeira e
de Marcelo Paiva, deu espaço para os seus editorialistas e colunistas de sempre , p.ex Boris Casoy,
Joelmir Betting, que logo foram deitando explicações e velhos chavões sobre a Amazônia, a Ecologia, o
progresso, etc...
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A revista “Isto é / Senhor “se indignou com o seu editorial “Indios somos todos nós!” , e a Rede
Bandeirantes, com o seu Jornal de Vanguarda, propiciou uma das únicas coberturas apaixonadas do
Encontro – não cultivando o sentimentalismo ambíguo de quase todos os outros.
O processo todo foi desgastante para a Eletronorte e para o chamado Setor Elétrico, mas é apenas
mais uma face do desgaste do próprio Governo Federal, pois naquelas alturas já havia sido colocado no
banco dos réus no Tribunal Bertrand Russel, em Berlim, Outubro de 1988, por crimes contra a
humanidade.
Governo que se colocava na defensiva, posando de “vítima” das críticas de vários editoriais de
importantes jornais estrangeiros, por causa de crimes contra opositores políticos, militantes populares e
contra populações indefesas, e por causa das grandes queimadas e outras destruições da Natureza.
Também, tropeçava o governo em suas próprias pernas, com as declarações desastradas de alguns
porta-vozes, como o Ministro João Alves , do Interior ( “sairia mais barato manter 300 e poucos índios
num hotel cinco estrelas!” ) e o general Leônidas Gonçalves ( “os indígenas têm cultura inferior e gostam
mesmo é de consumir...” ) .
O tema entrou na campanha política de 1989, e vários dos caciques brancos se manifestaram nos
jornais e na TV : Quércia escorou a reação irritada de Sarney com o Encontro de Altamira, e se fez
nacionalista, pois quem sabe? os indios atingidos pelas obras estivessem a serviço de alguma potência
estrangeira. O ministro “ Robertão” Cardoso Alves minimizou o drama do alagamento de mais 800 mil
hectares de matas nas duas obras iniciais, já que “ só um por cento da Amazônia estava desmatada”.
Antonio Ermirio de Moraes joga o seu tanque empresarial sobre os territórios indígenas,
argumentando que “eles atrapalham o progresso e têm muita terra parada...”; Jarbas Passarinho, velho
gendarme da Amazônia militarizada, insiste numa Comissão Parlamentar de Inquérito, pois certamente
haveria alguma subversão para dificultar mais uma mega-usina como a de Tucuruí, que ele muito havia
ajudado a se implantar, ali bem perto da zona de operações anti-guerrilha...
Muitos outros escrevem colunas e longos artigos de fundo : presidenciáveis como Collor, Lula,
Ronaldo Caiado, governadores como Amazonino Mendes ( AM ) , Flaviano Melo ( AC ) e lideranças
emergentes na época, como Abraham Sjazman, da Federação Comercial de SP, e o senador Fernando
Henrique. Longe de Altamira , pequenos e barulhentos grupos fizeram ecoar a briga : artistas plásticos e
pró-indígenas num “happenning” na Avenida Paulista, SP, e ao mesmo tempo, nas ruas de Londres e de
Roma, defronte às suntuosas representações diplomáticas brasileiras.
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E o governo Sarney, já antes desgastado junto ao Banco Mundial por sua incorreção flagrante, e até
dolosa ( nos casos dos financiamentos para a BR-364 e seu programa vinculado PoloNoroeste, e para as
obras da hidrelétrica de Itaparica ), viu secar a fonte de novas mega-obras, já que o Banco cortou a 2ª
parte do empréstimo para o setor elétrico ( PRS-II, 500 milhões US $ ).
3.3. Uma coletânea acadêmica pluralista, abertamente crítica a um grande
projeto: “ As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas ”.
Este livro foi lançado em um seminário no Instituto de Física da USP, em dezembro de 1988, tem
uma bela foto de capa dupla, um grupo de jovens Assurinis se banhando num igarapé, e mais dezenas de
outras fotos, de usinas, indústrias, cidades, mais indígenas em suas aldeias, além de várias cartografias
cobrindo as maravilhas dos locais onde moram os ainda escassos habitantes da bacia do rio Xingu.
Imagens geográficas da vida e do potencial de vida futura – lá mesmo onde os empreendedores só
conseguem enxergar 20 mil Megawatts de “potencial hidrelétrico ”, e parecem ter orgasmos projetando
seis enormes barramentos ...sem nem mesmo saber para quê nem onde seria usada toda esta eletricidade!
Numa das ilustrações mais chocantes, elaborada pelos irmãos ecólogos Miranda, da Embrapa,
podemos ver , a cores, como eram os habitats da vida animal na calha do rio, nas ilhas, praias, corredeiras,
e nas barrancas do Xingu, no trecho previsto para as primeiras obras da série tenebrosa, e, ver também
como estes mesmos nichos fabulosos seriam substituídos por camadas de água e ver também como outros
nichos se formariam nas águas e terras que restassem, se fossem feitas as obras projetadas, e se fossem
formados os dois lagos descomunais:
1º o de Kararaô, com extensão de 110.000 a 120.000 hectares, sepultando o fenômeno Juruá, a
cachoeira – arquipélago – corredeiras de maior volume de água e extensão fluvial de toda a Amazônia,
além de invadir uma grande área do vale do rio Bacajá, e, ainda, todos os igarapés que cortam a área
urbana e arredores de Altamira; e,
2º o de Babaquara, com superfície aquatica estimada entre 560.000 e 620.000 hectares, invadindo
toda a área da foz e um longo trecho do grande vale do Iriri, ... isto, se forem feitos , e se funcionarem
bem os quarenta e sete km. de diques, projetados para conter alguns trechos no entorno do reservatório,
onde a água acumulada naquela altura pode escoar para as bacias fluviais vizinhas!
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Os índios e todos os que viram o livro puderam enfim , se localizar, diante do futuro e de forma
cartográfica, o que é um avanço irreversível num tipo de alfabetização - a geográfica : localizar-se, ler um
mapa, esboçar um croquis ou uma planta de localização - que é tão essencial quanto a alfabetização das
letras e dos números.
Transcrevo a seguir um trecho crucial, que expressa, creio, aquilo que moveu a equipe do livro :
“Ambiente – como ensinam os ecólogos e o bom senso, é uma noção vazia de significado se não se
estabelece previamente um ponto de vista. Só existe um ambiente para alguém, para uma determinada
forma de vida – com valor de variável indepedente. Isto é, todo ambiente é ambiente de um sujeito.
Ora, na concepção expressa no documento da Eletrobrás, o “ambiente” é - o ambiente do sistema
elétrico. O lugar de sujeito do ambiente é deslocado para a obra de engenharia. O reservatório e as
barragens são o “ambientado”; as populações humanas afetadas são parte componente deste ambiente.
Ao contrário, portanto de interferir no ambiente destas populações, a obra é concebida como
afetando e sendo afetada por um ambiente que inclui estas populações. Não é de espantar então que
leiamos que - as comunidades indígenas “ocorrem com freqüência” nas áreas de empreendimentos
hidrelétricos, - quando o caso parecia ser o de - obras hidrelétricas “ocorrerem com freqüência” em
áreas indígenas..
As populações humanas são assimiladas a uma natureza, e a obra recolhe em si os valores de
sujeito. Não é por acaso, portanto, que os processos de tomada de decisão referentes ao planejamento e
execução de grandes hidrelétricas se dêem à inteira revelia dos setores afetados :
- não se consultam objetos.” ( p. 10 )
O livro assim, começa com esta firme intervenção dos antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e
Lúcia Andrade : “Hidrelétricas do Xingu, o Estado contra as sociedades indígenas”; prossegue com
informes sobre a questão energética e o suprimento de eletricidade no país e na região, dos profs. da
Coppe/ UFRJ, Pinguelli Rosa e Roberto Schaeffer, e deste autor, chamando o portentoso rio Xingu
* “a maior jazida de Megawatts”,
...e duvidando que um dia ocorresse um tamanho “trauma histórico”.
Felizmente para todos, passados quase treze anos, ainda não ocorreu.
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Depois destes artigos introdutórios, a coletânea apresenta informes e pesquisas sobre os impactos
ambientais , do jurista Dr. Paulo Affonso Leme Machado, e dos ecólogos da Embrapa, já citados, e, na
seqüência, toda a segunda metade do livro é composta pelos estudos sociais nas áreas de hidrelétricas,
começando com as pesquisas das professoras da área de Ciências Sociais, Angela Tude de Souza ( “Os
trabalhadores na Amazônia paraense e as grandes barragens” ) , Lygia Sigaud ( “Implicações sociais da
política do setor elétrico “) , e Sonia Magalhães ( “Exemplo Tucuruí – uma política de relocação em
contexto” ) . Continuando, o livro fecha com os oito capítulos feitos por vários antropólogos do Museu
Goeldi de Belém, do Museu Nacional/UFRJ, e de São Paulo( USP, Comissão Pró-Indio e Unicamp),
além de dois estrangeiros, todos com experiência de campo no Pará e no Mato Grosso, documentando e
analisando a vida de cada uma das nações e aldeias nos imensos vales do Xingu e do seu maior afluente,
o rio Iriri Um ano depois, devidamente traduzido e com todas as ilustrações, a versão inglesa do livro foi
publicada em Boston,EUA, pela entidade “Culture Survival” .
(Obs: uma tradução italiana também foi feita, mas desconheço se foi publicada )
Todos nós, que escrevemos no livro - coletânea , e os companheiros da TV Cultura que produziram
o documentário , devemos a maior parte dos contatos e informações na região, ao padre - engenheiro
Angelo Panza, personalidade rara neste mundo, o primeiro dos não-índios a entender porquê os projetos
de barragens no rio Xingu só podem ser respondidos com um grito de guerra:
Alerta! Kararaô neles !!!
Novamente, em 2002, os índios e muitos outros brasileiros não querem as turbinas que se
alimentam nos “lagos” imensos. Mas, os chefes da ditadura elétrica continuam planejando a central, re-
batizada de “Belo Monte”. Foi até re - desenhada para alagar menos teras e poupar a foz do Bacajá e a
área indígena que seria a mais atingida; gastam uma dinheirama na computação gráfica, animações tri –
dimensionais e folders luxuosos para convencer índios e banqueiros de sua idéia genial. O licenciamento
ambiental está indo aos trancos, como tanta coisa na política estadual paraense, apimentado pela
ambiguidade atual do IBAMA com relação às usinas elétricas, as hídricas e as térmicas.
Mas, num tem jeito não, vão forçar o início do barramento do rio Xingu, ainda virgem de tais obras,
para instalar mais turbinas, gerar muita eletricidade, e, também... para dar uma demonstração política :
* que êles fazem o que bem decidem, onde bem entenderem... Obs. A figura anexa dá uma idéia de onde as coisas acontecem: as estrelas verdes são usinas 1- Tucuruí (PA ) ao sul de
Belém, 2 Serra da Mesa (GO) ao norte de Brasilia, 8. Lajeado, logo abaixo de Palmas (TO ), 11 e o local previsto do projeto Belo Monte, a Leste de Altamira; 5 é a usina de Curuá-Una, perto de Santarém. As estrelas verdes da parte inferior do desenho são as grandes do Triangulo Mineiro. Unindo tudo, a linha dupla preta são as LTs, a ligação Norte-Sul, as linhas marrons são as BRs mais a PA-150 . Extraído de ilustração da tese de doutorado de Artur Moret, FEM, Unicamp, 1992
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Só falta agora eles reconhecerem que - nem sempre conseguem fazer no momento anunciado, e no
caso do Xingu, nem doze, treze anos depois...Falta também êles responderem:
# Eletricidade , aí, agora, para ser consumida onde? Em quê ?
# Quem paga a conta das turbinas indesejadas e de tudo o mais que precisa para elas
serem instaladas e funcionarem ?
3.4. A guerra das turbinas é internacional, e os atingidos de barragens no Brasil estão no campo de batalha
Em 1989, em Altamira, PA, os alvos da “guerra de resistência” dos ameaçados por barragens –
além dos indígenas, os trabalhadores rurais, meeiros e posseiros, os garimpeiros, uma parte dos
moradores de Altamira, mais os pescadores e barranqueiros em geral - foi a Eletronorte, com seus
escudeiros, o CNEC, a empreiteira Camargo Corrêa, - empresas que o povo de Tucuruí, ali perto, já
conhecia. De forma mais imediata, o inimigo era uma empresa federal, com sede em Brasilia e que gera e
vende eletricidade na região. Mas o inimigo também era a UDR, a organização dos grandes fazendeiros,
que estava fomentando a adesão da população ao projeto.
Só que, na prática do mundo dos negócios, cada 1.000 Megawatts instalados , naquele lugar e
naquela época, custaria de 1 a 2 bilhões de dólares, cifras internacionais que seriam emprestadas por
bancos estrangeiros, à Eletronorte. Esta empresa aliás, desde o seu nascimento e até hoje, faz o papel de
engrenagem - chave destes interesses internacionais na Amazônia; por sua vez, ela usaria os montantes
emprestados para pagar às grandes empreiteiras e aos consórcios de fabricantes.
Estes, por sua vez, são “apenas” os grandes cartéis internacionais de fabricantes de máquinas e de
instalações elétricas do tipo usado nestas grandes obras; são os verdadeiros articuladores dos
investimentos, responsáveis e beneficiários principais desta engrenagem de acumulação de capital, mas,
não aparecem em Altamira como inimigos.
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Na realidade, nem são lá conhecidos, nem se tem a menor idéia do seu poderio, que se exerce há um
século, aqui e alhures, onde quer que no mundo haja hidrelétricas ou projetos de hidrelétricas!
Destaco a seguir algumas manchetes de publicidades e de matérias de revista e de um boletim
especializado, que fornecem um bom fio condutor, desde 1981, para o quê desabrochou em Altamira, em
1989, e que repercutiu um ano depois no governo Collor – Itamar, então recém - empossado.
* “Os rios do Brasil são ricos de tesouros, de lendas e de kilowatts. ... Estaremos então em
condições de substituir todas as centrais térmicas movidas a derivados de petróleo, ou, convertê-las para
usar outra fonte de energia. O que significará mais economia de petróleo...”
No original, em francês. Traduzi o titulo e parte do texto de uma publicidade de um quarto de
página, da Eletrobrás, no Le Monde, de 29.01.1981, época em que o presidente general Figueiredo e sua
comitiva estiveram em Paris fazendo negócios, inclusive equipamentos para Tucuruí e outras obras...
“Dam of the month : Tucuruí, Amazonia’s biggest Dam tops the league in rainforest
destruction”. Matéria de pg. inteira com foto da obra, no boletim International DAMS Newsletter,
setembro de 1986.
* “Brazil’s Indians meet New Dam”, titulo de matéria a respeito dos indios da Reserva Indigena de
Lourde, na área deo rio Ji-Paraná, Rondônia, ameaçados por um projeto da Eletronorte com alagamento
previsto da ordem de 100.000 hectares, no boletim World Rivers Review, da entidade International Rivers
Network, de abril de 1988.
* “World Bank backs the Drowning of Amazonia” no boletim World Rivers Review, da entidade
International Rivers Network, de setembro de 1988.
* “ Brazil’s Kayapo Indians . On the move against Xingu Dams” - “ Balbina Dam Spews Toxic
Rot into Uatumã River” no boletim World Rivers Review, da entidade International Rivers Network, de
jan-fev 1989
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* “ A Missão Sting. A preservação da Amazônia agita o rock mundial e contagia os nossos
índios” capa da revista Afinal, 07.03.1989,
* “Nhambiquara impede obra de hidrelétrica” , Titulo de matéria no “Estado de Mato Grosso’, de
31.08.1989, “Indios protestam em Brasilia contra hidrelétrica em área nhambiquara” Titulo de matéria
na Folha de São Paulo, 09 .11.89. Ambas sobre a obra da pequena central hidrelétrica, empresa Goes ( da
Bahia) no rio Doze de Outubro, fronteira MT-Rondônia , próximo de Vilhena, RO.
* Pressão alemã. O governo alemão está quase dobrando a obstinação do Partido Verde : se o
pralamento não autorizar a renovação do Acordo Nuclear com o Brasil, usinas nucleares limpas serão
substituídas por hidrelétricas amozônicas predatórias. Do ponto de vista ecológico , reator é menso
nocivo do que reservatório, discursa o chanceler Helmut Kohl nas páginas da última edição da revista
“Der Spiegel”. Verbete da coluna de J. Betting, na Folha de São Paulo, de 21.10.89 .
“Uma das maiores hidrelétricas previstas no plano 2010 da Eletronorte, Cararaô no rio Xingu,
com geração de 11 mil megawatts, que atingirá algumas áreas indígenas, e com fortes repercussões entre
os ambientalistas, ficará descartada durante o próximo governo. Preocupado com as repercussões
negativas que as hidrelétricas na Amazônia têm causado junto à comunidade financeira internacional.
Collor pretende dar construção à termelétrica de Urucu, que utilizará as reservas de mais de 10 bilhões
de m3 de gás descobertas pela Petrobrás.. e também descartará a construção da hidrelétyrica de Ji-
Paraná, que consta do Plano 2010...” matéria do Jornal do Brasil, de 13.02.1990, com o titulo
“Termelétrica de Urucu terá prioridade no govêrno Collor”.
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Portanto, a guerra de Altamira foi internacional, no conteúdo, pois envolve dinheiro, capital, juros e
comércio internacional, e também na repercussão. Suas imagens e sons exuberantes e seus
pronunciamentos viscerais, que raramente são vistos e ouvidos, foram reproduzidos nos monitores de
TVs de outros países e de outras aldeias, no Brasil e fora.
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Barragens criaram problemas no mundo todo, continuam criando, vão criar cada vez mais, pois
envelhecem e podem ter acidentes; e ainda há centenas de projetos anunciados, alguns em obras, em
muitos países. Não é a toa que, nestes mesmos locais, surgiram movimentos, entidades, manifestações
políticas de moradores ameaçados e de outros já “remanejados”; faz sentido que, do lado dos
empreendedores e governos, foram criadas, há algumas décadas, comissões e congressos internacionais
para acompanhar as questões.
Em muitos países, já há representações, de âmbito regional, ou nacional, de entidades que
congregam várias lutas regionais, é o caso do MAB- Movimento nacional dos trabalhadores atingidos por
barragens, criado em 1989-90 , a partir das lutas da CRAB , atingidos do RS e SC, do Mastro e Mastes,
antecessores do MST - Movimento dos Sem Terras, no Oeste paranaense, das lutas dos sitiantes, meeiros
e pequenos fazendeiros do Polo intersindical dos trabalhadores rurais do São Francisco, com pessoal dos
lados pernambucano e baiano do grande rio, atingidos pela obra da usina de Itaparica, e da luta das
entidades de defesa dos atingidos de Tucuruí.
Em sua Carta de Goiânia, de 21 de abril de 1989, exigem, em nome de mais de trinta entidades de
muitos Estados:
“1) elaboração de uma nova política para o setor elétrico com a participação da classe trabalhadora;
2) que sejam imediatamente solucionados os problemas sociais e ambientais gerados pelas
hidrelétricas já construidas , e que isto seja uma condição para implantação de novos projetos;
3) cumprimento dos acordos já firmados entre os atingidos e as concessionárias do setor elétrico;
4 ) fim imediato dos subsídios às indústrias favorecidas pelo setor elétrico”
Passados dez anos, poucos problemas foram resolvidos, e várias novas obras vão criando mais levas
de atingidos; vários projetos continuam sendo anunciados, e criam novas levas de ameaçados.
A CMB - Comissão Mundial de Barragens realizou em SP , 12 e 13 de agosto de 1999, uma
Consulta regional intitulada: “ Grandes Barragens e suas alternativas para a América Latina; experiências
e lições”. O MAB esteve presente, reconhecido enfim como interlocutor dos “empresários e governos
barrageiros” . Contando com a valiosa colaboração dos colegas professores Carlos Vainer, do IPPUR /
UFRJ , Célio Bermann, do IEE / USP, e da antropóloga Sônia Magalhães, a representação dos atingidos
brasileiros encaminhou publicamente uma série de 12 propostas, das quais reproduzo as seguintes :
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“ A CMB deverá contribuir na formulação de formas concretas de reparação para os atingidos, ...
na elaboração de propostas a serem encaminhadas aos governos nacionais e as agencias multilaterais (
BIRD, BID, etc ) de modo que assumam integralmente os custos das reparações e ou indenizações, e, a
suspensão de investimentos em novos projetos enquanto as situações pendentes não estejam devidamente
solucionadas”
“Garantir os direitos das comunidades atingidas... às informações sobre os projetos de construção
de barragens desde a primeira solicitação de intenção submetida à ANEEL- Agência Nacional de
Energia Elétrica e ao órgão ambiental estadual...que as populações atingidas possam vetar projetos que
a prejudicar as comunidades ou pôr em risco sua sobrevivência”
“... que as empresas e o governo não se utilizem de pressão ou coação para forçar as famílias a
sairem da terra ou a aceitaram os termos da negociação...
“ Exigir que todos os custos sociais incluindo reassentamento, e ambientais , sejam discutidos com
as entidades representativas dos atingidos, e incorporados no EIA- Estudo de Impacto Ambiental, antes
da concessão da Licença Prévia...”
Três anos depois, o mega - projeto hidrelétrico parece ter se tornado um pouco menos improvável
de ser implantado, ali entre Altamira e Belo Monte. Os herdeiros da era militar e os novos arautos do
desenvolvimentismo parecem se encantar novamente com as sereias e os arautos das mega-obras.
E como reagem os atingidos e ameaçados por mais esta insanidade que os ameaça há treze anos?
É visível que os atingidos brasileiros pelas obras hidrelétricas são bem mais
civilizados do que os investidores, estatais ou estrangeiros :
# Reconhecem que já perderam várias guerras, e exigem que não inventem novas
guerras antes de acertar os estragos anteriores !
# Exigem que a guerra seja declarada,
e que possam saber previamente onde as bombas vão ser jogadas,
e o tamanho das crateras após o bombardeio!
# E que não venham passar o trator em cima, pois eles moram lá! ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
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P. S. Uma explicação pouco usual sobre a insanidade eletrocrática, já que estava no titulo desta
série de três reportagens: a historinha que conto em sala de aula há tempos. Há um tipo de gente que
anda anda anda até chegar numa cachoeira, olha, saca a calculadora, mede, olha o relógio, chuta a
vazão de água, estima a altura da queda, e sai calculando quantos dólares poderia ganhar fazendo ali
uma hidrelétrica. Diante da beleza e do usufruto, ver apenas uma outra coisa, parece um tipo de
alienação doentia, quase uma esquizofrenia. Como não sou especialista , insisto que é uma espécie
de insanidade, pois estes tipos quando no poder, nas empresas, no Estado, nos bancos, fazem o que
vimos nestas páginas.
Outros humanos, mais do meu tipo, assuntam e vão atrás das cachoeiras para passar o dia, respirar
ar puro, tomar banho nos poços, massagear nas duchas, deitar nas pedras olhando as bromélias,
orquideas e samambaias. Ao chegar, preciso saber se há esgotos rio acima, testar a correnteza e me
inteirar dos perigos ao nadar e escalar as rochas, saber dos mosquitos e sacar o repelente, estudar a
luz e a sombra para fazer várias fotos e tentar acertar algumas.
As vezes, encontro uma mini-usina, quase sempre abandonada, sucateada, algumas em ruínas,
outras virando boteco para os banhistas e trilheiros. O tema está detalhado em outro texto, sobre “as
caixas d’água do Brasil Central”, que será também inserido na página eletrônica.
Diante disto, fica fácil decifrar: o tipo que acredita na validade do conceito, e argumenta com o dito
“potencial hidrelétrico”, acha que todos os rios devem ser barrados, e ponto.
Mas os rios não estão aí para serem barrados. Nem as pessoas estão aí para serem tripudiadas e empobrecidas a cada “jazida de megawatts” que alguns decidam construir.
Campinas, setembro de 2002 A . Oswaldo Sevá Filho Admirador radical das cachoeiras, saltos, ilhas, e adepto histórico dos banhos de rio limpo
Colaborador de entidades de defesa dos trabalhadores atingidos e de defesa de etnias ameaçadas, Professor do Departamento de Energia / Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp
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