marx engels educacao ensino navegando ebook
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LS TEXTOS SOBRE
EDUCAOE ENSINO
SRIE
Coord. Jos Claudinei Lombardi
NAVEGANDOp u b l i c a e s
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KARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELS
TEXTOS SOBRE TEXTOS SOBRE TEXTOS SOBRE TEXTOS SOBRE EDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINO
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Textos sobre Educao e Ensino Edio Eletrnica (e-book)
Autores Karl Marx e Friedrich Engels Capa Karl Marx e Friedrich Engels trabalhando conjuntamente. Autor e data da ilustrao desconhecidos. Ftima Ferreira da Silva Gustavo Bolliger Simes Ana Carolina Maluf Diagramao e Composio
Ftima Ferreira da Silva fatima@letraseimagens.com.br Gustavo Bolliger Simes gustavo@letraseimagens.com.br Ana Carolina Maluf ana@letraseimagens.com.br
Srie
Coordenador Jos Claudinei Lombardi www.navegandopublicacoes.net navegandopubl@gmail.com
Produo Editorial
Campinas Brasil 2011
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2011 Navegando Publicaes
Capa e Editorao: Ftima Ferreira Silva e Gustavo Bolliger Simes
Produo editorial: Navegando Publicaes
Ttulo Original: Critique de L'education et de L'enseignement
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP). (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Textos sobre Educao e Ensino / Karl Marx e Friedrich Engels Campinas, SP: Navegando, 2011
1. Educao - Filosofia 2. Engels, Friedrich, 1820 - 1895 3. Ensino 4.
Marx, Karl, 1818 - 1883 I. Engels, Friedrich, 1820 - 1895 11. Ttulo.
04-0863 CDD-370.1
ndices para catlogo sistemtico: Educao: Filosofia 370.1
Ensino: Filosofia 370.1
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SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO
Introduo
1. Os textos ........................................................................................................................... 6
2. Os temas ........................................................................................................................... 9
3. Alguns temas polmicos .......................................................................................... 17
4. Marx e Engels como ponto de partida ............................................................... 20
Nota sobre a presente edio ...................................................................................... 23
I. Sistema de Ensino e Diviso do Trabalho .................................................. 25
II. Educao, Formao e Trabalho ................................................................. 41
III. Ensino, Cincia e Ideologia .......................................................................... 64
IV. Educao, Trabalho Infantil e Feminino ................................................. 83
V. O Ensino e a Educao da Classe Trabalhadora .................................... 111
Bibliografia ........................................................................................................... 141
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INTRODUOINTRODUOINTRODUOINTRODUO
1. OS TEXTOS
Marx e Engels nunca escreveram um texto - folheto, livro ou
artigo - dedicado expressamente ao tema do ensino e educao. Suas
referncias sobre estas questes aparecem separadas ao longo de
sua obra, tanto nos escritos de sua juventude como nos de sua
maturidade, tanto nos Manuscritos como em O Capital. A partir de
sua produo no possvel "levantar" um sistema pedaggico ou
educativo completo e elaborado.
Isso no quer dizer, no entanto, que as referncias sejam
simples opinies conjunturais, e, enquanto tais, perfeitamente
desprezveis do ponto de vista terico. certo que muitas vezes
tratam-se de opinies al filo dos acontecimentos, porm no toa
que, no geral, as afirmaes conjunturais de Marx e Engels no
perdem nunca de vista a generalidade, tanto de seu pensamento
quanto da circunstncia histrica. Nem um nem outro foram
polticos pragmticos ou realistas, tal como esses termos so
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7
entendidos atualmente. Sua inflexvel no renncia aos princpios
proverbial e no pode ser ignorada.
Precisamente por isso, as afirmaes sobre educao e
ensino, como as que fizeram sobre arte e literatura1, dificilmente
podem nos servir para a atual polmica em torno dos problemas do
ensino, convertidas, como costuma acontecer com os argumentos no
curso das polmicas, em armas audaciosas. Mas nos serviro para
um eventual debate sobre a ndole e as condies para a
configurao de um horizonte histrico no qual as relaes de
dominao tenham desaparecido.
Muitas destas opinies e anlises breves surgiram como uma
crtica s situaes que o capitalismo - e concretamente a
manufatura - tinham produzido. Ora, esta crtica nunca foi uma
reconveno moral ou uma tentativa de "reajustar" a situao, de
faz-la mais coerente. Inclusive quando as referncias so
explicitamente concretas - como o caso da interveno na
Internacional (24)2 ou as crticas ao sistema escolar ingls ou
prussiano (31, 32, 33) -, a crtica se desprende do imediato e
estabelece um marco de referncia bem distinto: uma sociedade sem
classes, uma sociedade na qual todos os cidados sejam realmente
iguais e as relaes de dominao brilhem por sua ausncia.
Pensamos que este o ponto que d razo de um interesse: a leitura
atual destes textos.
Este procedimento no exclusivo de Marx e Engels, e seria
injusto ignor-lo ou pretender o contrrio. A primeira metade do
sculo XIX se caracteriza pelo estabelecimento e a traumtica
1 Marx e Engels, Textos sobre a Produo Artstica, Madrid, Comunicacin, 1976. 2 Os nmeros entre parntesis remetem aos textos antologizados.
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consolidao de um modo de produo, o capitalismo, e uma
formao social, burguesa, que vai no s encontrar crticas
circunstanciais, mas tambm abundantes contestaes globais. Todo
o movimento utpico - socialista e anarquista, a cuja justa
reivindicao estamos assistindo - se baseia na construo de
modelos, alguns terminados at com detalhes excessivos, que
contestam o que est sendo estabelecido. No seu seio, a educao
um aspecto prioritrio e acuciante. A falta de ateno s
necessidades sociais no campo da educao e ensino, que prpria
dos primeiros anos do capitalismo - e que todavia arrastamos -,
unida s dramticas condies de trabalho da populao operria -
acentuadas no caso do trabalho infantil e feminino - colocam o
ensino e a educao em primeiro plano.
Todos os socialistas utpicos, todos os anarquistas
chamaram ateno sobre estes aspectos e, ainda mais, confiaram no
ensino e na instruo como instrumentos de transformao. A
emancipao dos indivduos, sua libertao das condies
opressoras s poderia se dar quando tal emancipao alcanasse
todos os nveis, e, entre eles, o da conscincia. Somente a educao, a
cincia e a extenso do conhecimento, o desenvolvimento da razo,
pode conseguir tal objetivo. Aparecem aqui muitos dos tpicos - os
melhores - do pensamento ilustrado, que se impuseram no s por
razes de autoridade ou peso acadmico e intelectual, mas tambm
diante da efetiva transformao das pessoas a que induziam.
Marx e Engels no foram, nem poderiam s-lo, alheios a esta
atmosfera. Seu conflito com o socialismo utpico, pde motivar um
esquecimento injusto de suas propostas igualmente utpicas. Foi
necessria uma ampla reviso, uma profunda transformao das
pautas do debate marxista, para que esses aspectos voltassem a ter a
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importncia que exigem. Trata-se - e esperamos que seja perceptvel
para os leitores da presente antologia - de transformar radicalmente
nosso meio.
2. OS TEMAS
Os textos da antologia incidem sobre uma srie de temas,
alguns dos quais j foram sugeridos. Existe um que se destaca sobre
os restantes, inclusive pela sua extenso: a diviso do trabalho e seus
efeitos. A diviso do trabalho (1, 8), consubstancial ao processo de
implantao do modo de produo capitalista, o eixo sobre o qual
se articulam as colocaes de Marx e Engels, em tomo do tema da
educao e do ensino. Estabelece uma diviso, igualmente radical,
entre os tipos de atividade e os tipos de aprendizagem, prolongando-
se em uma diviso social e tcnica que interfere no desenvolvimento
do indivduo e constitui o ponto chave dessa trama em que se produz
a explorao dos trabalhadores.
A diviso do trabalho , historicamente, exigida pelo
processo do trabalho manufatureiro ou industrial. O
desenvolvimento da mquina incorpora a esta a habilidade do oficio
e os conhecimentos que antes residiam no - e eram possesso do -
trabalhador. Desta forma, a cincia e os conhecimentos passam a ser
propriedade do capital, e o trabalhador se encontra enfrentando-os.
Tal como indica Engels, "vigiar as mquinas, renovar os fios
quebrados, no so atividades que exijam do operrio algum esforo
do pensamento, ainda que, por outro lado, impeam que ocupe seu
esprito em outra coisa" (7). Este um ponto do qual se deduzem,
pelo menos, duas consequncias: por um lado, est na base do
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enfrentamento de classe; por outro, o fundamento de uma
limitao substancial do desenvolvimento do indivduo. Se a
primeira alude diretamente explorao - a apropriao dos meios
produtivos e da cincia e da cultura com eles, permite a explorao -
a segunda afeta substancialmente a educao e formao dos
indivduos - a limitao de seu conhecimento mutila e reprime o
desenvolvimento de suas faculdades criadoras. Eis aqui o "gozno"
sobre o qual se articulam dois aspectos habitualmente separados do
pensamento de Marx e Engels: emancipao social e emancipao
humana.
Em princpio, parece possvel fazer dois tipos de
argumentaes e oferecer dois tipos de dificuldades. Existe um
bastante simples: se certo que com o desenvolvimento do
maquinismo, a cincia e a tcnica se incorporam mquina, certo
tambm que o desenvolvimento desta introduz uma srie de
exigncias de qualificao da fora de trabalho que traz consigo a
apario, consolidao e auge do sistema escolar institucionalizado.
Outra mais complexa: se certo que com o desenvolvimento do
maquinismo se incorporam mquina todas aquelas habilidades,
isso no faz mais que afetar a fora de trabalho, e no a capacidade
criadora do homem.
Mas parece oportuno fazer frente agora a cada uma destas
dificuldades e afirmaes, no tanto por um af polmico, mas
porque no curso da contestao se esclarecem alguns dos aspectos
centrais do pensamento de Marx e Engels.
evidente que a primeira a constatao de um fato
imbatvel. Longe de introduzir um maior nvel de incultura, o
capitalismo exigiu uma crescente capacidade intelectual de todos os
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11
indivduos, estendendo o sistema escolar, institucionalizando-o e
aprofundando-o. Os ndices de analfabetismo se reduzem
drasticamente na medida em que as sociedades agrrias se
transformam em industriais, a indstria da cultura experimenta um
auge importante e a fisionomia cultural da sociedade muda
radicalmente em relao aos sculos anteriores. Neste terreno
parece que as afirmaes dos utopistas, e de Marx e Engels, se
movem no vazio. E mais, parece que em todos eles existe uma certa
nostalgia do arteso perdido.
Talvez exista alguma nostalgia do arteso perdido nos
socialistas utpicos, porm, no em Marx e Engels. Sua pretenso
no retomar a situaes pr-capitalistas nem criar o osis do pr-
capitalismo e artesanato na sociedade industrial. Sua pretenso no
terminar com a escola para voltar a uma instruo natural (isto ,
uma instruo tampouco natural como a proporcionada pela Igreja, a
famlia tradicional, os meios burgueses de comunicao etc.). Marx e
Engels no pretendem voltar atrs, mas sim ir em frente; no
pretendem voltar ao artesanato, mas sim superar o capitalismo, e
essa superao s pode se realizar a partir do prprio capitalismo,
acentuando suas contradies, desenvolvendo suas possibilidades.
Neste caso, no se trata de voltar situao pr-escolar,
instruo baseada na leitura bblica ao amor do fogo, muito pelo
contrrio. As propostas de Marx e Engels se movem num horizonte
bem concreto: criticar a atual instituio escolar e mud-la.
Marx e Engels escreveram num momento em que o
desenvolvimento das foras produtivas era reduzido. Sabe-se que os
primeiros tempos da industrializao se caracterizaram pelo
aumento do trabalho simples - com a perda da capacidade artesanal
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existente - a extenso do trabalho infantil e feminino em condies
de vida inferiores s existentes nas formaes sociais agrrias.
Porm, no ignoraram que, primeiro, esta situao teria de ser
transitria e, segundo, que o desenvolvimento cultural era
necessrio para a consolidao e posterior desenvolvimento das
foras produtivas. Suas referncias s necessidades da burguesia e
incapacidade de boa parte desta para assumi-la, so um bom
exemplo desta colocao (31, 34). Sua concepo no se reduz ao
simplismo de enviar outra vez as pessoas para o campo - como se a
vida no campo no fosse igualmente miservel -, mas o que pretende
corrigir a situao e colocar as bases de um modo diferente.
Reivindicaes to concretas como "ensino gratuito e obrigatrio"
para todas as crianas, muito conhecida no Manifesto, tambm
conhecida em outros textos (41), a delimitao do trabalho das
crianas, adolescentes e mulheres (24, 27) etc., vo por esse
caminho. Sua preocupao em introduzir um novo tipo de ensino,
unindo o trabalho manual ao intelectual, pretende estabelecer as
bases de um sistema novo que terminar com a ideologizao da
cincia e as estruturas familiares e educativas estabelecidas.
Estavam conscientes das necessidades culturais - cientficas
e tcnicas - das foras produtivas que a sociedade industrial havia
posto em marcha; isto se manifesta quando lemos suas opinies
sobre o comportamento da burguesia francesa, inglesa e alem;
porm, estavam conscientes tambm da incapacidade desta em
resolver os problemas colocados e da exclusiva capacidade do
proletariado para lev-los a bom termo (24, 27, 31, 33 e 40). Esta a
perspectiva com que Marx e Engels abordam o tema do ensino e
educao: a da classe operria.
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Ambos procuraram fugir de colocaes abstratas,
excessivamente gerais ou excessivamente vagas. A situao que lhes
interessa a dos trabalhadores e o modelo em que pensam o de
uma estrutura social onde os trabalhadores tenham a hegemonia,
onde desaparea a diviso do trabalho e a felicidade substitua a
necessidade. Para chegar at a, no se deve voltar atrs, deve-se
caminhar adiante.
A segunda dificuldade e argumentao a que fizemos
referncia mais complexa. As afirmaes iniciais pressupunham a
identificao de fora de trabalho e capacidade criadora,
identificao que de nenhuma maneira est verificada e que
dificilmente pode ser aceita.
Com efeito, Marx e Engels levaram a cabo esta identificao,
ainda mais, combateram por ela como uma das bases fundamentais
de suas propostas revolucionrias. Ao longo da histria, e muito
especialmente depois da instalao definitiva da concepo crist, a
sociedade veio mantendo uma noo cindida do homem. Cindido
entre o divino e o humano, o indivduo ia introduzir uma segunda
ciso (que podia ter ou no justificativa e fundamento naquela
primeira) entre o trabalho e o gozo. O desenvolvimento da revoluo
industrial faz desta diviso a base do sistema de trabalho e sua
organizao social. A diferena entre tempo de trabalho e tempo
livre aumenta medida em que a manufatura ocupa todos os
espaos da produo.
At certo ponto, cabe dizer que a trajetria intelectual de
Marx e Engels vai por um caminho crtico que atravessa estas
mesmas etapas. Nos primeiros textos sobre A Questo Judaica ou A
Sagrada Famlia se ocupam da crtica da alienao religiosa - no seio
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do debate ps-hegeliano, que tanta importncia teve na poca e que
est na base de sua formao filosfica e intelectual em geral3 -,
chegando, em profundidade crtica, a analisar a alienao produzida
pela explorao.
Talvez seja nos Grundrisse4 onde Marx explicitou de maneira
mais clara suas propostas em torno da necessidade de assimilar
fora de trabalho e capacidade criadora dos homens. O modo de
produo capitalista se caracteriza pela explorao; isto , pela
apropriao da fora de trabalho. O capital se apropria da fora de
trabalho e a objetiva, a realiza a fim de gerar mais-valia. Trabalho
produtivo aquele que gera mais-valia (35)5. Ora, por ele mesmo o
capital somente se apropria daquela fora de trabalho que pode
gerar mais-valia, procurando que toda fora de trabalho esteja em
condies de ger-la. Esse "estar em condies de" obtido atravs
da qualificao com um ensino adequado. Mas, como s possvel
realizar a explorao atravs do mercado, orienta a qualificao para
aquelas atividades ou formas (no seio de uma atividade) que tem
maior acesso e predicamento no mercado. O sistema de ensino
entendido, assim, como uma concreta qualificao da fora de
trabalho que alcanar seu aproveitamento mximo se conseguir
tambm o ajuste e a integrao dos indivduos no sistema, nica
maneira de no desperdiar sua fora de trabalho, mas sim,
aproveit-la. Dito de outra forma: reproduz o sistema dominante,
tanto a nvel ideolgico quanto tcnico e produtivo.
3 Cfr. M. Rossi, A Gnese do Materialismo Histrico, especialmente os dois primeiros volumes, A Esquerda Hegeliana e O Jovem Marx, Madri, Comunicacin, 1971. 4 Os Fundamentos da Crtica da Economia Poltica, Madri, Comunicacin, 1972, 2 vols. 5 Cfr., O Capital, I, Mais-valia absoluta e relativa.
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A qualificao da fora de trabalho encaminha-se para a
produo; a educao ideolgica, que atura o que explicitamente lhe
superposto (especialmente nos primeiros nveis do sistema
escolar), as quais so atacadas duramente por Marx e Engels (42),
pretende um ajuste ou integrao social. Nada prprio sobra ao
indivduo e dificilmente suportaria tal presso se no fosse
compensado por um tempo de cio, seu tempo livre, aquele em que
pode fazer o que quiser, desenvolver sua capacidade criadora, suas
inclinaes, suas prticas pessoais... Limitadas sero umas
inclinaes, que s contam com o autodidatismo, separadas de sua
fora de trabalho, pobres resduos de uma capacidade criadora
exausta aps a jornada de trabalho.
Ainda que tenham surgido algumas das incidncias que esta
situao produz no sistema de ensino, parte do sistema educativo,
conveniente que nos estendamos um pouco mais sobre elas.
Antes de mais nada, necessrio assinalar que o aparato
escolar levantado pelo modo de produo capitalista se configura
ideologicamente no s em funo dos componentes explicitamente -
tematicamente - ideolgicos que comporta, mas tambm porque cria
- e consolida - um marco de ciso onde a alienao da fora de
trabalho um fato natural. A educao no se produz somente no
seio das disciplinas "no teis" que possam dividir-se nas chamadas
matrias humansticas, mas, muito especialmente, na organizao de
todo o sistema. Da que a luta pela transformao do sistema no se
leve a cabo contra esta ou aquela ideologia, seno contra o carter
ideolgico que possui sua prpria estrutura (o que no impede que
eventualmente se combata esta ou aquela ideologia, precisamente a
que tematiza e defende aquele carter), tal como Marx e Engels
colocam em relevo.
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Tudo isso no faz mais que nos reconduzir ao ponto inicial,
porm agora com um conhecimento maior: a relao entre a diviso
do trabalho e a educao e o ensino no uma mera proximidade,
nem tampouco uma simples consequncia; uma articulao
profunda que explica com toda clareza os processos educativos e
manifesta os pontos em que necessrio pressionar para conseguir
sua transformao, conseguindo no s a emancipao social, mas
tambm, e de forma muito especial, a emancipao humana.
Dada sua importncia, este tema se estende praticamente a
todas as reflexes de Marx e Engels sobre o ensino, sobretudo
quelas - abundantes - que criticam o trabalho infantil e feminino, o
trabalho dos adolescentes e as que expem a necessidade de
introduzir um sistema educativo que elimine a situao dominante.
Parece-me oportuno assinalar aqui que Marx e Engels vangloriam-se
de um conhecimento exaustivo da legalidade' existente e da
realidade concreta que esto denunciando. Tambm neste ponto se
movem no mbito prprio dos socialistas utpicos e dos primeiros
socialistas6.
Propem uma srie de transformaes dentre as quais
distinguimos duas perspectivas diferentes: a curto e mdio prazo e a
longo prazo. A curto e mdio prazo so algumas das propostas que
Marx faz em sua exposio diante do Conselho Geral da AIT em
agosto de 1869, ou em sua Crtica do Programa de Gotha (39);
enquanto que uma transformao a longo prazo se vislumbra nos
Princpios do Comunismo, de Engels, j citados, ou nas precises de
Marx a propsito da Comuna (40).
6 Especialmente as anlises de R. Owen.
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3. ALGUNS TEMAS POLMICOS
Alm dos temas resenhados, nos textos de Marx e Engels
sobre educao e ensino, aparecem outros que esto na mais
candente atualidade. Entre todos, o mais interessante me parece ser
o que se refere ao "ensino estatal".
O desenvolvimento da revoluo industrial e o triunfo do
liberalismo trouxeram consigo uma transformao fundamental do
aparato escolar. At ento, a educao familiar, gremial e religiosa,
havia sido dominante e suficiente. A instruo nos centros
especializados estava limitada a poucas disciplinas - medicina,
direito, gramtica - e era uma atividade claramente minoritria. As
necessidades tecnolgicas produzidas por mudanas ocorridas nas
foras produtivas e, por outro lado, as exigncias liberais de
entender a educao e o conhecimento como condio da igualdade
entre todos os cidados determinaram a institucionalizao,
extenso e profundizao do aparato escolar.
Nos pases em que isso foi possvel, o ensino passou
paulatinamente a depender do Estado, posto que se considerou
como uma necessidade social que os cidados teriam de satisfazer
pelo simples fato de serem cidados. Porm, esse processo se
realizou com uma lentido considervel e se foi obtida foi,
precisamente, pela presso do movimento operrio, que neste e em
outros setores, colocou em primeiro lugar reivindicaes que
conduziram a uma igualdade efetiva de todos os cidados. Somente
no final do sculo, comea a consolidar-se um aparato escolar de
dependncia estatal, gratuito e amplo, e somente em alguns pases -
Frana, por exemplo. Em outros - na Espanha a incapacidade da
burguesia e do Estado burgus - ou sua especial estrutura - motivou
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um processo muito mais complexo e quebrado onde amplos setores
privados se encarregaram de fazer o que os poderes pblicos no
podiam e/ou no queriam realizar. Desta forma, o aparato escolar
adquiriu, nos diferentes pases europeus, uma fisionomia muito
diversa, ainda que no sculo atual a tendncia homogeneidade
comea a ser mais intensa.
Desde o princpio viu-se que o ensino podia converter-se em
um dos meios fundamentais de dominao ideolgica e, portanto, em
um instrumento essencial para alcanar e consolidar a hegemonia da
classe no poder. O estado de classe estava intimamente ligado ao
ensino de classe. Ainda que no sem tenses, o aparato escolar se
convertia em um apndice da classe dominante. As instituies
tradicionais da sociedade pr-capitalista europeia, a famlia, o
grmio, a Igreja, entram em decadncia e algumas - o grmio -
desaparecem. Ao longo da histria, estas instituies haviam sido o
instrumento de reproduo ideolgica - alm de ter outras funes
que agora no vm ao caso. Sua decadncia acentuou-se pelo auge
dos meios de comunicao de massas, que se converteram no marco,
por excelncia, da reproduo. Ora, as condies culturais das
massas no eram, em princpio, muito adequadas para esse
crescimento. O analfabetismo, geral no campo e muito extenso nos
ncleos urbanos, tornava invivel o rpido estabelecimento de tais
meios. Nestas circunstncias, o aparato escolar apresentava
vantagens bvias e que foram imediatamente aproveitadas pela
burguesia.
Este o contexto em que Marx repudiou a interveno do
Estado (42). Sua preocupao parece clara: que a burguesia no
conte, alm de outros poderes, com o de um aparato escolar posto a
seu servio, diretamente controlado por ela. No entanto, me parece
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justo fazer algum tipo de preciso a propsito desta argumentao
de Marx, pelo menos as seguintes:
Marx e Engels no colocam em dvida a funo de
responsveis que as instituies pblicas tm com respeito
educao. Neste sentido, assinalam a necessidade de certo grau de
centralizao para evitar o "taifismo" do sistema escolar.
O Estado no qual pensam Marx e Engels, o Estado burgus
do sculo passado, possui uma estrutura e funes que no podem
ser identificadas com as do atual. O desenvolvimento dos aparatos
do Estado, a presso do movimento operrio e das reivindicaes
populares, as prprias necessidades da burguesia e, tambm, suas
reivindicaes, complicaram extraordinariamente a configurao e
funes do Estado moderno. Seu carter de classe - que no se
perdeu - no aparece to simples e monoltico como no sculo XIX.
A crtica da dependncia escolar do Estado no tem somente
aspectos negativos. A proposta sugerida de sistema de gesto no
burocrtico, com a interveno direta da populao trabalhadora
atravs de seus delegados e num marco de democracia direta, tal
como colocam em relevo suas indicaes, j assinalados a propsito
da Comuna de Paris.
Somente este tipo de caracterizao permitir utilizar com
algum rigor os escritos de Marx e Engels no debate atual sobre a
problemtica educativa no nosso pas.
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4. MARX E ENGELS COMO PONTO DE PARTIDA
Tal como foi assinalado inicialmente, as referncias de Marx
e Engels no constituem nenhum sistema pedaggico. Ainda mais,
muitos autores negam que estes escritos possam reunir-se sob uma
rubrica de carter estritamente pedaggico, pois em todos os casos
trata-se de escapar s estritas limitaes que coloca a educao
entendida como mera prtica escolar. Este , talvez, um dos pontos
relevantes que convm destacar: se as opinies de Marx e Engels no
constituem um sistema, estabelecem um marco e abrem vias por
onde o sistema pode comear a construir-se. Nesse marco, um dos
pontos chaves , justamente, a rotunda negativa de reconhecer a
educao como um fato estritamente escolar e considerar a atividade
escolar como um fenmeno autossuficiente e independente.
O leitor da presente antologia ver o grande interesse de
Marx e Engels em aclarar, em todos os casos, a complexa articulao
que se d, por um lado, entre formas educativas escolares e no
escolares e, por outro, entre atividade escolar e meio histrico. Esse
interesse no gratuito nem arbitrrio, tal como foi posto em relevo
pela evoluo da pedagogia contempornea, propcia a cair em um
pedagogismo de primeiro grau. Porm, no se trata tampouco, como
j sugerimos, da mera constatao de uma relao, mas sim de uma
anlise concreta atravs da diviso do trabalho nas formaes sociais
capitalistas.
O marco que estas referncias abriam seria captado por
autores e prticas muito diversos dentro do marxismo. Alguns (as) j
se consideram entre os clssicos, outros (as) esto num processo de
reviso e debate que constitui um poderoso estmulo para a
formulao de uma teoria marxista da educao e ensino.
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21
Entre os primeiros, parece possvel destacar a presena de
Antnio Gramsci, que introduz uma 'srie importante de novos
fatores e analisa profundamente o tema da educao com relao a
um problema sempre presente em seus textos: a hegemonia do
proletariado. Entre os segundos, no arriscado mencionar prticas
e escritos to diferentes como os de Proletkult e Makarenko. Em um
ou no outro caso, a necessidade de atender no s precria situao
educativa da URSS nos anos imediatamente posteriores Revoluo
de Outubro, mas tambm de colocar as bases para a construo de
um novo homem, de uma nova sociedade e uma nova histria, so
motivos que desenvolvem esse ponto de partida que foram Marx e
Engels.
Entre ns, a necessidade j incontestvel de acabar com uma
educao e um ensino que se considera como adestramento da fora
de trabalho, da integrao social, da explorao, coloca em primeiro
lugar a adequao da leitura de Marx e Engels e de suas propostas
em torno da transformao mais radical da atual diviso do trabalho.
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KARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELS
TEXTOS SOBRE TEXTOS SOBRE TEXTOS SOBRE TEXTOS SOBRE EDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINO
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NOTANOTANOTANOTA SOBRESOBRESOBRESOBRE AAAA PRESENTEPRESENTEPRESENTEPRESENTE EDIOEDIOEDIOEDIO
Ao realizar esta edio tivemos em conta as antologias e
estudos existentes sobre o tema. Entre eles, destaca-se M. A.
Manacorda, Il Marxismo e l'Educazione (Armando, 1971, 3 vols.),
cujo primeiro volume dedicado a Marx. Mais recentemente
apareceram duas antologias que tiveram alguma incidncia na
Frana e Itlia: Critique de l'Education et de l'Enseignement editada
por Roger Dangeville (Paris, Maspero, 1976) e L 'Uomo fa l'Uomo,
preparada por A. Santoni Rugiu (Firenze, La Nuova Italia, 1976). Em
nosso pas apareceram diversos trabalhos - traduzidos e originais -
sobre os problemas do ensino e da pedagogia do ponto de vista do
marxismo; at agora, porm, carecemos de um volume como o
presente.
sabido que uma antologia pode estender-se tanto quanto o
deseje o editor, mais ainda numa questo que, como esta, enlaa os
temas bsicos do pensamento marxista - a diviso do trabalho, a
formao e o desenvolvimento do indivduo, as condies de
trabalho na sociedade capitalista... Por isso procedente dar alguma
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informao sobre os critrios prticos (posto que os tericos so
explicitados na Introduo) que empregamos.
Adotamos um critrio restritivo a fim de oferecer uma
edio manejvel. Na extensa obra de Marx e Engels possvel
encontrar uma enorme quantidade de referncias aos temas
anteriormente assinalados, tanto que se pretendssemos uma
antologia exaustiva, a edio teria sido impossvel. Por isso, nos
pareceu mais adequado reunir textos exclusivamente significativos
que permitam ter uma ideia, o mais clara possvel, do enfoque com
que Marx e Engels abordaram estes problemas, dos pontos mais
relevantes de sua contribuio e dos dados que prestaram mais
ateno. Porm, procuramos evitar dois riscos que em algumas
antologias de Marx e Engels so muito perceptveis: fingir que Marx e
Engels deram a luz a uma meditao completa em sua disperso
sobre o sistema escolar e a educao ou de, em outra ordem de
coisas, fornecer nesta antologia o pensamento de Marx e Engels em
sua generalidade. Ao contrrio, a edio que oferecemos pretende
incitar leitura dos textos fundamentais dos autores e crtica e
problematizao do sistema vigente de ensino.
Nas ltimas pginas acrescentamos umas referncias
bibliogrficas mnimas que completam as que aparecem em cada
texto. Na medida de nossas possibilidades, procuramos utilizar
edies acessveis a todos.
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25
I. I. I. I. SISTEMA DE SISTEMA DE SISTEMA DE SISTEMA DE ENSINOENSINOENSINOENSINO E E E E DIVISO DO TRABALHODIVISO DO TRABALHODIVISO DO TRABALHODIVISO DO TRABALHO
As relaes entre as diferentes naes dependem do estgio de
desenvolvimento das foras produtivas, da diviso de trabalho e das
relaes internas de cada uma delas. Este princpio universalmente
reconhecido. No entanto, no so apenas as relaes entre uma
nao e outra que dependem do nvel de desenvolvimento da sua
produo e das suas relaes internas e externas, o mesmo acontece
com toda a estrutura interna de cada nao. Reconhece-se facilmente
o grau de desenvolvimento atingido pelas foras produtivas de uma
nao a partir do desenvolvimento atingido na sua diviso do
trabalho; na medida em que no constitui apenas uma mera extenso
quantitativa das foras produtivas j conhecidas (como, por exemplo,
o aproveitamento de terras incultas), qualquer nova fora de
produo tem por consequncia um novo aperfeioamento da
diviso do trabalho.
(1)(1)(1)(1)
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26
A diviso do trabalho numa nao obriga em primeiro lugar
separao entre o trabalho industrial e comercial e o trabalho
agrcola; e, como consequncia, a separao entre a cidade e o campo
e oposio dos seus interesses. O seu desenvolvimento ulterior
conduz separao do trabalho comercial e do trabalho industrial.
Simultaneamente, e devido diviso de trabalho no interior dos
diferentes ramos, assiste-se ao desenvolvimento de diversas
subdivises entre os indivduos que cooperam em trabalhos
determinados. A posio de quaisquer destas subdivises
particulares relativamente s outras condicionada pelo modo de
explorao do trabalho agrcola, industrial e comercial (patriarcado,
escravatura, ordens e classes). O mesmo acontece quando o
comrcio se desenvolve entre as diversas naes.
Os vrios estgios de desenvolvimento da diviso do
trabalho representam outras tantas formas diferentes de
propriedade; em outras palavras, cada novo estgio na diviso de
trabalho determina igualmente as relaes entre os indivduos no
que toca matria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho.
(K. Marx, F. Engels, A Ideologia Alem, I. A. "A Ideologia Alem, em
especial, a filosofia alem".)
A diviso do trabalho s surge efetivamente, a partir do momento em
que se opera uma diviso entre o trabalho material e intelectual*. A
partir deste momento, a conscincia pode supor-se algo mais do que
a conscincia da prtica existente, que representa de fato qualquer
coisa sem representar algo de real. E igualmente, a partir deste
instante ela se encontra em condies de se emancipar do mundo e
de passar formao da teoria "pura", da teologia, da filosofia, da
(2)(2)(2)(2)
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27
moral etc. Mas mesmo quando essa teoria, essa teologia, essa
filosofia, essa moral etc., entram em contradio com as relaes
existentes, isso deve-se apenas ao fato das relaes existentes terem
entrado em contradio com a fora produtiva existente; alis, o
mesmo pode acontecer numa determinada esfera nacional porque,
nesse caso, a contradio produz-se no no interior dessa esfera
nacional mas entre a conscincia nacional e a prtica das outras
naes, isto , entre a conscincia nacional de uma determinada
nao e a sua conscincia universal*. Pouco importa, de resto, aquilo
que a conscincia empreende isoladamente; toda essa podrido tem
um nico resultado: os trs momentos, constitudos pela fora
produtiva, o estado social e a conscincia, podem e devem
necessariamente entrar em conflito entre si, pois atravs da diviso
do trabalho torna-se possvel quilo que se verifica efetivamente:
que a atividade intelectual e material, o gozo e o trabalho, a produo
e o consumo, caibam a indivduos distintos; ento, a possibilidade de
que esses elementos no entrem em conflito reside unicamente na
hiptese de acabar de novo com a diviso do trabalho.
Consequentemente, os "fantasmas", "laos", "ente superior",
"conceito", "escrpulos", so apenas a expresso mental idealista, a
representao aparente do indivduo isolado, a representao de
cadeias e limitaes muito empricas no interior das quais se move o
modo de troca que este implica.
Esta diviso do trabalho, que implica todas estas
contradies e repousa por sua vez sobre a diviso natural do
trabalho na famlia e sobre a diviso da sociedade em famlias
isoladas e opostas, implica simultaneamente a repartio do trabalho
e dos seus produtos, distribuio desigual tanto em qualidade como
em quantidade; d origem propriedade, cuja primeira forma, o seu
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germe, reside na famlia, onde a mulher e as crianas so escravas do
homem. A escravatura, decerto ainda muito rudimentar e latente na
famlia, a primeira propriedade, que aqui j corresponde, alis,
definio dos economistas modernos segundo a qual constituda
pela livre disposio da fora de trabalho de outrem. De resto,
diviso do trabalho e propriedade privada so expresses idnticas -
na primeira, enuncia-se relativamente atividade o que na segunda
se enuncia relativamente ao produto desta atividade.
A diviso do trabalho implica ainda a contradio entre o
interesse do indivduo singular ou da famlia singular e o interesse
coletivo de todos os indivduos que se relacionam entre si; mais
ainda, esse interesse coletivo no existe apenas, digamos, na ideia
enquanto "interesse universal", mas sobretudo na realidade como
dependncia recproca dos indivduos entre os quais partilhado o
trabalho. Finalmente, a diviso de trabalho oferece-nos o primeiro
exemplo do seguinte fato: a partir do momento em que os homens
vivem na sociedade natural, desde que, portanto, se verifica uma
ciso entre o interesse particular e o interesse comum, ou seja,
quando a atividade j no dividida voluntariamente, mas sim de
forma natural, a ao do homem, transforma-se para ele num poder
estranho que se lhe ope e o subjuga, em vez de ser ele a domin-la.
Com efeito, desde o momento em que o trabalho comea a ser
repartido, cada indivduo tem uma esfera de atividade exclusiva que
lhe imposta e da qual no pode sair; caador, pescador, pastor ou
crtico e no pode deixar de o ser se no quiser perder os seus meios
de subsistncia. Na sociedade comunista, porm, onde cada
indivduo pode aperfeioar-se no campo que lhe aprouver, no tendo
por isso uma esfera de atividade exclusiva, a sociedade que regula a
produo geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanh outra,
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29
caar de manh, pescar tarde, pastorear noite, fazer crtica depois
da refeio, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar
exclusivamente caador, pescador ou crtico.
(K. Marx, F. Engels, A Ideologia Alem, I, A, 1, "A Histria".)
O poder social, isto , a fora produtiva multiplicada que devida
cooperao dos diversos indivduos, a qual condicionada pela
diviso do trabalho, no se lhes apresenta como o seu prprio poder
conjugado, pois essa colaborao no voluntria e sim natural,
antes lhes surgindo como um poder estranho, situado fora deles e do
qual no conhecem nem a origem nem o fim que se prope, que no
podem dominar e que de tal forma atravessa uma srie particular de
fases e estgios de desenvolvimento to independente da vontade e
da marcha da humanidade que na verdade ela quem dirige essa
vontade e essa marcha da humanidade.
Esta "alienao" - para que a nossa posio seja
compreensvel para os filsofos - s pode ser abolida mediante duas
condies prticas. Para que ela se transforme num poder
"insuportvel", quer dizer, num poder contra o qual se faa uma
revoluo, necessrio que tenha dado origem a uma massa de
homens totalmente "privada de propriedade", que se encontre
simultaneamente em contradio com um mundo de riqueza e de
cultura com existncia real; ambas as coisas pressupem um grande
aumento da fora produtiva, isto , um estgio elevado de
desenvolvimento. Por outro lado, este desenvolvimento das foras
produtivas (que implica j que a existncia emprica atual dos
homens, decorre no mbito da histria mundial e no no da vida
local) uma condio prtica prvia absolutamente indispensvel,
(3)(3)(3)(3)
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pois, sem ele, apenas se generalizar a penria e, com a pobreza,
recomear paralelamente a luta pelo indispensvel e cair-se-
fatalmente na imundice anterior. Ele constitui igualmente uma
condio prtica sine qua non, pois unicamente atravs desse
desenvolvimento universal das foras produtivas que possvel
estabelecer um intercmbio universal entre os homens e porque,
deste modo, o fenmeno da massa "privada de propriedade" pode
existir simultaneamente em todos os pases (concorrncia
universal), tornando cada um deles dependente das perturbaes
dos restantes e fazendo com que finalmente os homens
empiricamente universais vivam numa esfera exclusivamente local.
Sem isto: 1. o comunismo s poderia existir como fenmeno local;
2. as foras das relaes humanas no poderiam desenvolver-se
como foras universais e, portanto, insuportveis, continuando a ser
simples "circunstncias" motivadas por supersties locais; 3.
qualquer ampliao das trocas aboliria o comunismo local.
(K. Marx, F. Enge1s, A Ideologia Alem, I, A, 1, "A Histria".)
A fora de trabalho em ao, o trabalho mesmo, , portanto, a
atividade vital peculiar ao operrio, seu modo peculiar de manifestar
a vida. E esta atividade vital que ele vende a um terceiro para
assegurar-se dos meios de subsistncia necessrios. Sua atividade
vital no lhe , pois, seno um meio de poder existir. Trabalha para
viver. Para ele prprio, o trabalho no faz parte de sua vida; antes
um sacrifcio de sua vida. uma mercadoria que adjudicou a um
terceiro. Eis porque o produto de sua atividade no tambm o
objetivo de sua atividade. O que ele produz para si mesmo no a
seda que tece, no o ouro que extrai das minas, no o palcio que
(4)(4)(4)(4)
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constri. O que ele produz para si mesmo o salrio, e a seda, o ouro,
o palcio reduzem-se, para ele, a uma quantidade determinada de
meios de subsistncia, talvez uma jaqueta de algodo, alguns cobres
ou o alojamento no subsolo. O operrio que durante doze horas tece,
fia, fura, torneia, constri, maneja a p, entalha a pedra, transporta-a
etc., considera essas suas doze horas de tecelagem, fiao, furao, de
trabalho de torno e de pedreiro, de manejo da p ou de entalhe da
pedra como manifestao de sua vida, como sua vida? Muito pelo
contrrio. A vida para ele principia quando interrompe essa
atividade, mesa, no albergue, no leito. Em compensao, ele no
tem a finalidade de tecer, de fiar, de furar etc., nas doze horas de
trabalho, mas a finalidade de ganhar aquilo que lhe assegura mesa,
albergue e leito. Se o bicho-da-seda tecesse para suprir sua exigncia
de lagarta, seria um perfeito assalariado. A fora de trabalho nem
sempre foi uma mercadoria. O trabalho nem sempre foi trabalho
assalariado, isto , trabalho livre. O escravo no vendia sua fora de
trabalho ao possuidor de escravos, assim como o boi no vende o
produto de seu trabalho ao campons. O escravo vendido, com sua
fora de trabalho, de uma vez para sempre, a seu proprietrio. uma
mercadoria que pode passar das mos de um proprietrio para as de
outro. Ele mesmo uma mercadoria, mas sua fora de trabalho no
sua mercadoria. O servo no vende seno uma parte de sua fora de
trabalho. No ele que recebe salrio do proprietrio da terra; antes,
o proprietrio da terra que dele recebe tributo.
O servo pertence terra e entrega aos proprietrios frutos
da terra. O operrio livre, pelo contrrio, vende a si mesmo, pedao a
pedao. Vende, ao correr do martelo, 8, 10, 12, 15 horas de sua vida,
dia a dia, aos que oferecem mais, aos possuidores de matrias-
primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de subsistncia,
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32
Isto , aos capitalistas. O operrio no pertence nem a um
proprietrio nem terra, mas 8, 10, 12, 15 horas de sua vida diria
pertencem a quem as compra. O operrio abandona o capitalista ao
qual se aluga to logo o queira, e o capitalista o despede quando lhe
apraz, desde que dele no extraia mais nenhum lucro ou no obtenha
o lucro almejado. Mas o operrio, cujo nico recurso a venda de sua
fora de trabalho, no pode abandonar toda a classe dos
compradores, isto , a classe capitalista, sem renunciar vida. No
pertence a tal ou qual patro, mas classe capitalista e cabe-lhe
encontrar quem lhe queira, isto , tem de achar um comprador nessa
classe burguesa.
(K. Marx, Trabalho Assalariado e Capital, I)
Como na cooperao, tambm na manufatura a coletividade de
trabalhadores uma forma de existncia do capital. A fora
produtiva que deriva da combinao dos trabalhadores , pois, a
fora produtiva do capital. Porm, enquanto a cooperao deixava
intacto o modo de trabalho individual, a manufatura o transforma e
mutila o operrio; incapaz de fazer um produto independente,
converte-se em um simples apndice da oficina do capitalista. Os
poderes intelectuais do trabalho desaparecem e desembocam no
outro extremo. A diviso do trabalho manufatureiro produz a
oposio dos trabalhadores s potncias espirituais do processo de
trabalho, que so denominadas pela propriedade de outro e pelo seu
poder. Este processo de separao comea na cooperao,
desenvolve-se na manufatura e se aperfeioa na grande indstria,
que separa o trabalho da cincia, enquanto fora produtiva
autnoma, colocando-a servio do capital.
(5)(5)(5)(5)
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33
Transformado em autmato, o meio de trabalho faz frente,
durante o processo de trabalho, ao prprio operrio, enquanto
capital, enquanto trabalho morto, que suga a fora de trabalho vivo e
a domina.
(F. Engels, A Propsito de "O Capital" de K. Marx, Werke, 16.)
O organismo coletivo que trabalha, na cooperao simples ou na
manufatura, uma forma de existncia do capital. Esse mecanismo
coletivo de produo composto de numerosos indivduos, os
trabalhadores parciais, pertence ao capitalista. A produtividade que
decorre da combinao dos trabalhos aparece, por isso, como
produtividade do capital. A manufatura propriamente dita no s
submete ao comando e disciplina do capital o trabalhador antes
independente, mas tambm cria uma graduao hierrquica entre os
prprios trabalhadores. Enquanto a cooperao simples, em geral,
no modifica o modo de trabalhar do indivduo, a manufatura o
revoluciona inteiramente e se apodera da fora individual de
trabalho em suas razes. Deforma o trabalhador monstruosamente,
levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial
custa da represso de um mundo de instintos e capacidades
produtivas, lembrando aquela prtica das regies platinas onde se
mata um animal apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. No s o
trabalho dividido e suas diferentes fraes distribudas entre os
indivduos, mas o prprio indivduo mutilado e transformado no
aparelho automtico de um trabalho parcial7, tomando-se, assim,
7 Dugald Stewart chama os operrios da manufatura de "autmatos viventes... empregados em trabalhos parciais". Works. Editadas por Sir W. Hamilton, Edimburgo, VIII, 1855, Lectures etc., pg. 318.
(6)(6)(6)(6)
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realidade a fbula absurda de Menennius Agrippa que representa um
ser humano como simples fragmento de seu prprio corpo8.
Originariamente, o trabalhador vendia sua fora de trabalho ao
capital por lhe faltarem os meios materiais para produzir uma
mercadoria. Agora, sua fora individual de trabalho no funciona se
no estiver vendida ao capital. Ela s opera dentro de uma conexo
que s existe depois da venda, no interior da oficina do capitalista. O
trabalhador da manufatura, incapacitado, naturalmente, por sua
condio, de fazer algo independente, s consegue desenvolver sua
atividade produtiva como acessrio da oficina do capitalista9. O povo
eleito trazia escrito na fronte que era propriedade de Jeov; do
mesmo modo, a diviso do trabalho ferreteia o trabalhador com a
marca de seu proprietrio: o capital.
O campons e o arteso independentes desenvolvem,
embora modestamente, os conhecimentos, a sagacidade e a vontade,
como o selvagem que exerce as artes de guerra apurando sua astcia
pessoal. No perodo manufatureiro, essas faculdades passam a ser
exigidas apenas pela oficina em seu conjunto. As foras intelectuais
da produo s se desenvolvem num sentido, por ficarem inibidas
em relao a tudo que no se enquadre em sua unilateral idade. O
que perdem os trabalhadores parciais, concentra-se no capital que se
8 Isto ocorre, com efeito, nas ilhas corais, onde existe sempre um indivduo que atua como estmago de todo o grupo. Porm, sua funo consiste em fornecer ao grupo matria nutritiva, em vez de a arrebatar como faziam os patrcios romanos. 9 "O operrio que domine todo um oficio pode trabalhar e encontrar sustento onde queira. O outro (o operrio manufatureiro) no mais que um acessrio; separado de seus companheiros de trabalho, no encontra sada, nem goza de independncia e no tem, portanto, outro remdio que aceitar a lei que se queira impor" (Storch, Cours d'Economie Politique, edio S. Petesburgo, 1815, I, pg. 204).
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confronta com eles10. A diviso manufatureira do trabalho ope-lhes
as foras intelectuais do processo material de produo como
propriedade de outrem e como poder que os domina. Esse processo
de dissociao comea com a cooperao simples em que o
capitalista representa diante do trabalhador isolado a unidade e a
vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na
manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma frao de
si mesmo, e completa-se na indstria moderna, que faz da cincia
uma fora produtiva independente de trabalho, recrutando-o para
servir ao capital11.
Na manufatura, o enriquecimento do trabalhador coletivo e,
por isso, do capital, em foras produtivas sociais, realiza-se s custas
do empobrecimento do trabalhador em foras produtivas
individuais. "A ignorncia" a me da indstria e da superstio. O
raciocnio e a imaginao esto sujeitos a erros; mas independente
de ambos um modo habitual de mover a mo ou o p. Por isso, as
manufaturas prosperam mais onde a manufatura pode ser
considerada uma mquina cujas partes so seres humanos12.
Realmente, em meados do sculo XVIII, algumas manufaturas
empregavam de preferncia indivduos meio idiotas em certas
operaes simples que constituam segredos de fabricao13.
10 A. Ferguson, History of Civil Society, pg. 281: "Pode ser que uns ganhem o que os outros perdem". 11 "Entre o homem culto e o operrio produtor existe um abismo; e a cincia que, posta nas mos do operrio, serviria para intensificar suas prprias foras produtivas, coloca-se quase sempre frente a ele... A cultura se converte num instrumento suscetvel de viver separada do trabalho e em luta com ele". (W. Thompson, An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth, London, 1824, 1. 274). 12 A. Ferguson, History of Civil Society, pg. 280. 13 J. D. Tuckett, A History of the Past and Present State of the Laboring Population; London, 1856, I, pg 148.
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"A compreenso da maior parte das pessoas", diz Adam
Smith, "se forma necessariamente atravs de suas ocupaes
ordinrias. Um homem que despende toda sua vida na execuo de
algumas operaes simples... no tem oportunidade de exercitar sua
inteligncia... Geralmente ele se torna estpido e ignorante quando
se tornar uma criatura humana". Depois de descrever a imbecilidade
do trabalhador parcial, prossegue Smith: "A uniformidade de sua
vida estacionria corrompe naturalmente seu mbito... Destri
mesmo a energia de seu corpo e torna-o incapaz de empregar suas
foras com vigor e perseverana em qualquer outra tarefa que no
seja aquela para que foi adestrado. Assim, sua habilidade em seu
ofcio particular parece adquirida com o sacrifcio de suas virtudes
intelectuais, sociais e guerreiras. E em toda sociedade desenvolvida e
civilizada, esta a condio a que ficam necessariamente reduzidos
os pobres que trabalham (the labouring poor), isto , a grande massa
do povo14.
Para evitar a degenerao completa do povo em geral,
oriunda da diviso do trabalho, recomenda A. Smith o ensino popular
pelo Estado, embora em doses prudentemente homeopticas.
Coerente, combate contra essa ideia seu tradutor e comendador
francs, G. Garnier, que, no primeiro imprio francs, encontrou as
14 A. Smith, Wealth of Nations, livro V, capo I, a11. II, Como discpulo de A. Ferguson, que exps os efeitos nocivos da diviso do trabalho, A. Smith via isto muito claramente. Na introduo de sua obra, onde se festeja ex professo diviso do trabalho, limita-se a assinal-la acidentalmente como fonte das desigualdades sociais. E no livro V, quando trata da renda do Estado, onde reproduz a doutrina de Ferguson. Em minha obra Misre de la Philosophie eu disse o quanto achava necessrio a relao terica que existia entre Ferguson, A. Smith, Lemontey e Say, em sua crtica diviso do trabalho, ao mesmo tempo que estudou a diviso manufatureira do trabalho como forma especfica do regime capitalista de produo. (K. Marx, Misre de la Philosophie, Paris, 1847, pp. 122 s.).
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condies naturais para se transformar em senador. Segundo ele, a
instruo popular contraria as leis da diviso do trabalho e adot-la
"seria proscrever todo o nosso sistema social". "Como todas as
outras divises do trabalho", diz ele, "a que existe entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual"15 se torna mais acentuada e mais
evidente medida que a sociedade" (refere-se naturalmente ao
capital, propriedade das terras e ao estado que de ambos) "se
torna mais rica". Como qualquer outra diviso do trabalho esta
consequncia de progressos passados e causa de progressos
futuros... Deve, ento, o governo contrariar essa diviso e retardar
sua marcha natural? Deve empregar uma parte da receita pblica
para confundir e misturar duas espcies de trabalho que tendem por
si mesmas a se separar?"16.
Certa deformao fsica e espiritual inseparvel mesmo da
diviso do trabalho na sociedade. Mas, como o perodo
manufatureiro leva muito mais adiante a diviso social do trabalho e
tambm, ele que primeiro fornece o material e o impulso para a
patologia industrial"17.
15 "E a prpria inteligncia pode erguer-se em profisso especial nesta poca de divises de trabalho (of separations)", diz Ferguson em sua History of Civil Society, pg. 281. 16 G. Garnier, no tomo V de sua traduo, pgs, 2-5. 17 Rarnazzini, professor de medicina prtica em Pdua, publicou em 1713 sua obra De Morbis Artificicum, traduzida para o francs em 1761, e reeditada em 1841 na Encyclopdie de Sciences Mdicales. 7me. Discours: Auteuers classiques. O perodo da grande indstria enriqueceu consideravelmente, como lgico, seu catlogo de doenas operrias. Leia-se, entre outras obras, a intitulada "Hygiene phisique et morale de l'ouvrier dans les grandes villes en gnral, et dans la ville de Lyon en particular. Par de
Dr. A. M. Fonteret, Paris, 1858, e as Krankheiten, welche verchiedenen Staden,
Altern und Geschlechtern cigentmlich, sind, 6 tomos. Ulma, 1860. Em 1854, a Society of Arts nomeou uma comisso investigadora de patologia industrial. A .lista dos documentos reunidos por esta comisso figura no Catlogo do Twickenham Economic Museum. So importantssimos os "Reports on Public
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Subdividir um homem execut-lo, se merece a pena de
morte, e se no a merece, assassin-lo... A subdiviso do trabalho o
assassinato de um povo18.
(K. Marx, O Capital, I, 4, c.12, "Diviso do trabalho e
manufaturas", 5, "Carter capitalista da manufatura")
Vigiar mquinas, reatar fios quebrados, no so atividades que
exijam do operrio um esforo de pensamento mas, alm disso,
impedem-no de ocupar o esprito com outros pensamentos. J vimos,
igualmente, que este trabalho somente deixa lugar atividade fsica,
ao exerccio dos msculos. Assim, a bem dizer, no se trata de um
trabalho mas de um aborrecimento total, o aborrecimento mais
paralisante, mais deprimente possvel - o operrio de fbrica est
condenado a deixar enfraquecer todas as foras fsicas e morais
neste aborrecimento e o seu trabalho consiste em aborrecer-se
durante todo o dia desde os oito anos. E tambm no se pode distrair
um s instante - a mquina. a vapor funciona durante todo o dia, as
engrenagens, as correias e as escovas zumbem e tilintam sem cessar
aos seus ouvidos, e se quiser repousar, mesmo momentaneamente, o
contramestre cai-lhe em cima com multas. E o operrio bem sente
que est condenado a ser enterrado vivo na fbrica, e vigiar sem
cessar a infatigvel mquina a tortura mais penosa possvel. De
Health", informe de carter oficial. Ver tambm Eduard Reich, M. D., Ueber die
Entartung des Menschen, Erlagen, 1868. 18 "To subdivide a man is to execute him, if he deserves the sentence, to assassinate him, if he does not... the subdivision of labor is the assassination of a people ". (O. Urquhart: Familiar Words, London, 1855, pg 119). Hegel tinha ideias heterodoxas sobre a diviso do trabalho. Em sua Filosofia do Direito, diz: "Por homens cultos devemos entender, antes de tudo, aqueles que so capazes de fazer tudo o que os outros fazem".
(7)(7)(7)(7)
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resto, exerce um efeito extremamente embrutecedor tanto sobre o
organismo como sobre as faculdades mentais do operrio. No se
poderia imaginar melhor mtodo de embrutecimento que o trabalho
na fbrica, e se apesar de tudo os operrios no s salvaram sua
inteligncia, mas tambm a desenvolveram e a aguaram mais do
que os outros, isso apenas foi possvel pela revolta contra a sua sorte
e contra a burguesia. Esta revolta o nico pensamento e o nico
sentimento que o trabalho lhes permite. E se esta indignao contra
a burguesia no se toma o sentimento predominante entre eles, a
consequncia inevitvel o alcoolismo e tudo o que habitualmente
se chama imoralidade.
(F. Engels, A Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra, no
captulo intitulado "Os diferentes ramos da indstria: os operrios de
fbricas propriamente ditos".)
A Rssia tinha, em relao s outras grandes potncias, a vantagem
de ter duas boas instituies: o servio militar obrigatrio e a
instruo elementar para todos. Criou-as em momentos de grande
perigo e contentou-se, em dias melhores, em despoj-las de tudo o
que poderia parecer perigoso, tanto descuidando de sua
administrao quanto restringindo voluntariamente seu campo de
aplicao. De qualquer forma, continuavam existindo pelo menos no
papel, de tal forma que a Prssia conservava a possibilidade de
desenvolver o potencial de energia que repousava docemente sobre
as massas populares, mas que, no momento desejado, passaria a
outro pas que tivesse uma populao do mesmo tipo. A burguesia
tinha interesse em tudo isso: a obrigatoriedade do servio militar de
um ano pelos filhos da burguesia era liberal e bastante fcil de se
(8)(8)(8)(8)
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trocar por jarras de vinho em 1840, ainda mais, porque os salrios
concedidos pelo governo aos oficiais do exrcito, recrutados entre os
comerciantes e industriais mdios, eram baixos.
O ensino obrigatrio, que dotava a Prssia de um grande
nmero de indivduos providos de conhecimentos elementares e de
escolas mdias para a burguesia, era proveitoso para burguesia do
mais alto grau. Com o progresso industrial chegou a ser inclusive
insuficiente. Porm, na poca da Kulturkampf, alguns fabricantes se
lamentavam, na minha presena, por no poder utilizar como
capatazes, alguns operrios excelentes desprovidos, porm, de
conhecimentos escolares. Isto acontecia, sobretudo, em regies
catlicas.
a pequena burguesia, sobretudo, que lamenta o alto custo
destas instituies e da consequente agravao fiscal. A burguesia
progressiva calcula que estes gastos - que incomodam certamente,
mas que so inevitveis se se deseja chegar a ser uma grande
potencia - sero amplamente compensados com os benefcios que
sero obtidos.
(F. Engels, O Papel da Violncia na Histria, Werke, 21.)
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II. II. II. II. EDUCAO, FORMAO EDUCAO, FORMAO EDUCAO, FORMAO EDUCAO, FORMAO E TRABALHOE TRABALHOE TRABALHOE TRABALHO
O problema sobre se possvel atribuir ao pensamento uma verdade
objetiva no um problema terico, mas sim prtico. na prtica
que o homem deve demonstrar a verdade, isto , a realidade e o
poder, a fora de seu pensamento. A disputa em torno da realidade
ou irrealidade do pensamento - isolado da prtica - um problema
puramente escolstico.
A teoria materialista da mudana das circunstncias e da
educao esquece que as circunstncias fazem mudar os homens e
que o educador necessita, por sua vez, ser educado. Tem, portanto,
que distinguir na sociedade suas partes, uma das quais colocada
acima dela.
A coincidncia da mudana das circunstncias com a da
atividade humana, ou mudana dos prprios homens, pode ser
concebida e entendida racionalmente como prtica revolucionria.
(K. Marx, Teses sobre Feuerbach.)
(9)(9)(9)(9)
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Quanto ao que se refere ao contedo de si prprio como criatura, j
vimos que ele no cria em parte alguma este contedo, estas
qualidades determinadas, por exemplo, seu pensamento, seu ardor
etc., mas so somente a determinao refletida neste contedo como
criatura; cria a ideia de que estas determinadas qualidades so suas
criaturas. Nele, todas as qualidades so dadas, e pouco lhe importa
de onde vm. No necessita, pois, de desenvolv-las, no necessita
aprender a danar, por exemplo, para ter o domnio de suas pernas,
nem necessita, para se tomar proprietrio de seu pensamento, de o
exercitar sobre materiais que no so dados a toda a gente e que
nem todos podem conseguir; no tem, tampouco, necessidade de se
preocupar com as condies materiais de que dependem, na
realidade, as oportunidades de desenvolvimento do indivduo.
Stirner, com efeito, apenas se desfaz de uma qualidade
atravs de outra (isto , do domnio que esta "outra" exerce sobre as
demais). Mas, na prtica, isto s possvel na medida em que esta
outra qualidade no permanea somente disposio, mas possa
tambm desenvolver-se livremente; sobretudo, na medida em que as
condies materiais do mundo lhe permitem, desenvolver de
maneira igual uma totalidade de qualidades - portanto, graas
diviso do trabalho - o que lhe permite entregar-se essencialmente a
uma s paixo, a de escrever livros, por exemplo.
, alis, absurdo supor, como So Marx, que seja possvel
satisfazer uma paixo isolando-a de todas as outras, que seja possvel
satisfaz-la sem se satisfazer a si prprio como indivduo vivo
integral. Se esta paixo assume um carter abstrato, parte, se se me
ope sob a forma de uma fora estranha, se, assim, a satisfao do
indivduo surge como a satisfao exclusiva de uma paixo nica - o
mal no est, de forma nenhuma, na conscincia ou na "boa
(10)(10)(10)(10)
-
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vontade", nem sobretudo na falta de reflexo sobre o conceito de
qualidade prpria, como imagina So Marx.
A causa no est na conscincia, mas no ser. No no
pensamento, mas na vida; a causa est na evoluo e na conduta
emprica do indivduo que, por sua vez, dependem das condies
universais. Se as circunstncias em que este indivduo evoluiu s lhe
permitem um desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em
detrimento de outras, se estas circunstncias apenas lhe fornecem os
elementos materiais e o tempo propcio ao desenvolvimento desta
nica qualidade, este indivduo s conseguir alcanar um
desenvolvimento unilateral e mutilado. E no h prticas morais que
possam mudar este estado de coisas. Por sua vez, o modo de
desenvolvimento desta qualidade privilegiada depende, por um lado,
da matria posta sua disposio para que se desenvolva, e, por
outro, da medida em que e da forma como todas as restantes foram
mantidas abaixo da mdia. em virtude do pensamento ser o
pensamento determinado no s pela individualidade como tambm
pelas condies em que vive; , portanto, intil que o indivduo
pensante se entregue aos meandros de uma longa reflexo sobre o
pensamento em si, para poder declarar que o seu pensamento
verdadeiramente o seu prprio pensamento, a sua propriedade, pois
o pensamento , automaticamente, seu, o seu prprio, um
pensamento determinado particularmente. Ora, a individualidade
prpria de So Sancho revelou ser justamente o "contrrio", uma
individualidade "em si"; por exemplo, num indivduo cuja vida
abranja uma larga escala de atividades diversas e de relaes
prticas com o mundo, que tenha, por conseguinte, uma vida
multiforme, o pensamento assume o mesmo carter de
universalidade que todos os outros passos dados por este indivduo.
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44
No se fixa, portanto, como pensamento abstrato e o indivduo no
necessita, tampouco, de grandes prodgios de reflexo para poder
passar do pensamento a uma outra manifestao da sua vida. O
pensamento sempre, automaticamente, um momento da vida total
do indivduo, que ora se desvanece, ora se reproduz, conforme a
necessidade. Em contrapartida, num professor de escola, ou num
escritor que jamais tenha sado de Berlim, cuja atividade se limite,
por um lado, a um trabalho ingrato, por outro, aos prazeres do seu
pensamento, cujo universo se estenda de Moabit a Kopenick19 e
termine na porta de Hamburgo, como se uma parede o fechasse,
cujas relaes com este mundo estejam reduzidas ao mnimo pela
sua situao material miservel, sem dvida inevitvel que num
indivduo deste gnero que sente necessidade de pensar, o seu
pensamento tome uma feio to abstrata como ele mesmo e a sua
prpria existncia; inevitvel que, face a um indivduo assim
indefeso, o pensamento se mova como forma anquilosada, como
fora cujo exerccio oferece ao indivduo a possibilidade de se evadir,
por instantes, deste "mundo mau" que o seu, a possibilidade de um
prazer momentneo. Num indivduo deste gnero, os escassos
desejos que nele subsistem ainda, e que provm menos do
relacionamento com os homens do que da sua constituio fsica,
manifestam-se apenas em ricochete, isto , assumem no mbito do
seu desenvolvimento limitado, o mesmo carter brutal e unilateral
que o pensamento; surgem somente com longos intervalos,
estimulados pela expanso do desejo predominante (alimentado por
causas diretamente fsicas, como por exemplo, a compresso do
baixo ventre) e surgem ento com veemncia, reprimindo de
maneira mais violenta o desejo natural vulgar, e conseguem exercer
19 Bairros e porta de Berlim (N. do ed.).
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um domnio sobre o pensamento. mais do que evidente que um
pensamento de um professor de escola s possa refletir este fato
emprico maneira dos professores, tornando-o objeto de
lucubraes vrias. Porm, mencionar simplesmente o fato de que
Stirner "cria" as suas qualidades no basta para explicar o seu
desenvolvimento especfico. Em que medida o desenvolvimento
destas qualidades local ou universal, em que medida ultrapassam
os limites locais ou por eles se deixam aprisionar? Tudo isto no
depende de Stirner, mas sim da evoluo do mundo e da sua
participao, ele e a localidade onde vive. No , de modo nenhum,
porque em pensamento os indivduos imaginam abolir a sua
tacanhez local, nem tampouco porque disso tenham a inteno, que
eles conseguem, em determinadas circunstncias favorveis,
libertar-se dela; se o conseguem, pelo fato de que, na sua realidade
material e determinada pelas necessidades materiais, conseguiram
produzir um sistema de troca escala mundial.
Tudo o que o nosso santo consegue nas suas laboriosas
reflexes sobre as suas prprias paixes e qualidades perder todo
o prazer e toda a satisfao que possa ter nelas, a fora de rebuscar
histrias e de se debater com elas.
(K. Marx, F. Engels, A Ideologia Alem, III, 2: "Fenomenologia
do egosta consigo mesmo ou a teoria da justificao".)
O limite da emancipao poltica se manifesta imediatamente no fato
de que o Estado possa liberar-se de um limite sem que o homem
libere-se realmente dele, que o Estado possa ser um Estado livre sem
que o homem seja um homem livre. O prprio Bauer reconhece
taticamente isto quando estabelece a seguinte condio para a
(11)(11)(11)(11)
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emancipao poltica: "Todo o privilgio religioso, em geral,
incluindo portanto o monoplio de uma igreja privilegiada, deveria
ser abolido e se alguns, vrios ou, inclusive, a grande maioria se visse
obrigada a cumprir seus deveres religiosos, o cumprimento destes
deveria ser deixado a seu prprio arbtrio considerado como um
assunto exclusivamente privado". Portanto, o Estado pode ter-se
emancipado da religio mesmo quando a grande maioria continua
sendo religiosa. E a grande maioria no deixar de ser religiosa pelo
fato de sua religiosidade ser puramente privada.
Porm, a atitude do Estado diante da religio, ao dizer isto
refiro-me ao Estado livre, somente a atitude frente religio dos
homens que formam o Estado. Disto conclui-se que o homem se
libera atravs do Estado, libera-se politicamente de uma barreira ao
colocar-se em contradio consigo mesmo, ao sobrepor-se a esta
barreira de um modo abstrato e limitado, de um modo parcial.
Conclui-se, alm do mais, que o homem, ao liberar-se politicamente,
libera-se dando um rodeio atravs de um meio, sequer seja um meio
necessrio, e, finalmente, ainda quando se proclame ateu por
intermdio do Estado, isto proclamando ateu o Estado, continua
sujeito s correntes religiosas: precisamente porque somente se
reconhece a si prprio mediante um rodeio, atravs de um meio. A
religio , cabalmente, o reconhecimento do homem dando um
rodeio. Atravs de um mediador. O Estado o mediador entre o
homem e a liberdade do homem. Assim como Cristo o mediador em
quem o homem descarrega toda sua divindade, toda sua servido
religiosa, o Estado tambm o mediador ao qual desloca toda sua
no divindade, toda sua no servido humana.
A elevao poltica do homem acima da religio compartilha
de todos os inconvenientes e de todas as vantagens da elevao
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poltica em geral. O Estado enquanto Estado anula, por exemplo, a
propriedade privada e o homem declara, de um modo poltico, a
propriedade privada como abolida quando suprime o censo de
fortuna para o direito de sufrgio ativo e passivo, como se realizou
em muitos Estados norte-americanos. Hamilton interpreta este fato
com exatido, do ponto de vista poltico, quando diz: "A grande
massa triunfou sobre os proprietrios e a riqueza do dinheiro". Por
acaso no se suprime idealmente a propriedade privada quando o
despossudo converte-se em legislador dos que possuem? O censo de
fortuna a ltima forma poltica de reconhecimento da propriedade
privada.
No entanto, a anulao poltica da propriedade privada s
no a destri mas, ao contrrio, a pressupe. O Estado anula a seu
modo as diferenas de nascimento, estado social, cultura e ocupao
ao declarar o nascimento, o estado social, a cultura e a ocupao do
homem como diferenas no polticas, ao proclamar todo membro
do povo, sem atender a estas diferenas, como coparticipante por
igual da soberania popular, ao tratar todos os elementos da vida real
do povo do ponto de vista do Estado. No obstante, o Estado deixa
que a propriedade privada; a cultura e a ocupao atuem a seu modo,
isto , como propriedade privada, como cultura e como ocupao,
fazendo valer sua natureza especial. Longe de acabar com estas
diferenas de fato, o Estado somente existe sobre estas premissas,
somente se sente como Estado Politico e somente faz valer sua
generalidade em contraposio a estes seus elementos. Por isto
Hegel determina, com toda exatido, a atitude do Estado poltico
diante da religio, quando diz: "Para que o Estado tenha existncia
como a realidade moral do esprito que se sabe a si mesma,
necessrio que se distinga da forma da autoridade e da f; e esta
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48
distino s se manifesta na medida em que o lado eclesistico chega
a separar-se em si mesmo; somente assim, por cima das igrejas
especiais, o Estado adquire e leva a existncia generalidade do
pensamento, o princpio de sua forma". (Hegel, "rechtsphilosophie",
primeira edio, pg. 346.) De fato, somente assim, acima dos
elementos especiais, o Estado se constitui como generalidade.
O Estado poltico acabado , essencialmente, a vida genrica
do homem em oposio sua vida material. Todas as premissas
desta vida egosta permanecem em p margem da esfera do Estado,
na sociedade civil, porm enquanto qualidades desta. Ali onde o
Estado poltico alcanou seu verdadeiro desenvolvimento, o homem
leva, no s no pensamento, na conscincia, mas na realidade, na
vida, uma dupla vida, uma celestial e outra terrestre, a vida na
comunidade poltica, na qual se considera como ser coletivo, e a vida
na sociedade civil, na qual atua como particular; considera os outros
homens como meios, degradando-se a si prprio como meio e
converte-se em brinquedo de poderes estranhos. O Estado poltico se
comporta, com respeito a ela, na mesma contraposio e supera, do
mesmo modo que a religio, a limitao do mundo profano, isto ,
reconhecendo-a novamente, restaurando-a e deixando-se
necessariamente dominar por ela. O homem na sua imediata
realidade, na sociedade civil, um ser profano. Aqui passa ante si
mesmo e ante os outros por um indivduo real, uma manifestao
carente de verdade. No Estado, ao contrrio, onde o homem
considerado como um ser genrico, ele membro imaginrio de uma
imaginria soberania, encontra-se despojado de sua vida individual
real e dotado de uma generalidade irreal.
(K. Marx, A Questo Judaica, I, "Bruno Bauer, Die
Judenfrage, Braunschweig, 1843".)
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Pensar e ser esto, pois, diferenciados e, ao mesmo tempo, em
unidade um com o outro. A morte parece ser uma dura vitria do
gnero sobre o indivduo e contradizer a unidade de ambos; porm,
o indivduo determinado somente um ser genrico determinado e,
enquanto tal, mortal.
De qualquer maneira a propriedade privada somente a
expresso sensvel do fato de que o homem se torna objetivo para si
e, ao mesmo tempo, converte-se melhor num objeto estranho e
desumano, o fato de que sua exteriorizao vital sua alienao vital,
sua realizao sua desrealizao, uma realidade estranha, a
superao da propriedade privada, isto , a apropriao sensvel por
e pelo homem da essncia e da vida humanas, das obras humanas,
no ser concebida somente no sentido do gozo imediato, exclusivo,
no sentido da possesso, do ter, O homem apropria sua essncia
universal de forma universal, isto , como homem total. Cada uma
das suas relaes humanas com o mundo (ver, ouvir, cheirar,
degustar, sentir, pensar, observar, perceber, desejar, atuar, amar),
em resumo, todos os rgos de sua individualidade, como os rgos
que so imediatamente comunitrios em sua forma (VII) so, em seu
comportamento objetivo, em seu comportamento desde o objeto, a
apropriao deste. A apropriao da realidade humana, seu
comportamento desde o objeto, a afirmao da realidade humana20
a eficcia humana e o sofrimento humano, pois o sofrimento,
humanamente entendido, um gozo prprio do homem.
A propriedade privada nos tornou to estpidos e
unilaterais que um objeto somente nosso quando o temos, quando
existe para ns enquanto capital ou quando imediatamente
20 Nota de Marx: E, portanto, to multifacetada como so multifacetadas as determinaes essenciais e as atividades do homem.
((((12)12)12)12)
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possudo, comido, bebido, vestido, habitado; em suma, utilizado por
ns. Ainda que a propriedade privada conceba, por sua vez, todas
essas realizaes imediatas da possesso somente como meios de
vida e a vida a que servem como meios a vida da propriedade
privada, o trabalho e a capitalizao.
Em lugar de todos os sentidos fsicos e espirituais apareceu,
assim, o simples estranhamento de todos estes sentidos, o sentido de
ter. O ser humano tinha de ser reduzido a esta absoluta pobreza para
que pudesse iluminar sua riqueza interior (sobre a categoria do ter
ver Hess nos Einundzwanzig)21.
A superao da propriedade privada a emancipao plena
de todos os sentidos e qualidades humanas; porm, esta
emancipao precisamente porque todos estes sentidos e qualidades
tomaram-se humanos, tanto no sentido objetivo quanto subjetivo. O
olho tornou-se um olho humano, assim como seu objeto tornou-se
um objeto social, humano, criado pelo homem para o homem. Os
sentidos se tornaram, assim, imediatamente tericos na sua prtica.
21 A passagem, de M. Hess a que Marx se referia diz: "A propriedade material o ser-para-si do esprito feito ideia fixa. Como o homem no capta sua exteriorizao mediante o trabalho como seu livre ato, como sua prpria vida, mas sim como algo materialmente diferente, h de guard-lo tambm para si para no se perder na infinidade para chegar a seu ser para si, A propriedade, no entanto, deixa de ser para o esprito o que deveria ser se o que se capta e se faz com ambas as mos como ser-para-si do esprito no o ato da criao, mas sim o resultado, a coisa criada; se o que se capta como conceito a sombra, a representao do esprito, em definitivo, se o que se capta como ser-para-si seu outro-ser. E Justamente a nsia de ser, isto , a nsia de subsistir como individualidade determinada, como eu limitado, como ser finito, a que conduz a nsia de ter. Por sua vez, so a negao de toda determinao, o eu absoluto e o comunismo abstrato, a consequncia da "coisa em si" vazia, do criticismo e da revoluo do dever insatisfeito, os que conduziram ao ser e ao ter". (Philosophie der Tat, nas Einunzwanzig Bogen, Erster Teil, 1843, pg. 329). Marx trata novamente das categorias de ter e no ter em A Sagrada Famlia, MEGA, I, 3, pg. 212.
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Relacionam-se com a coisa por amor coisa, porm a prpria coisa
uma relao humana objetiva para si e para o homem e vice-versa22.
Necessidade e gozo perderam com isso sua natureza egostica e a
natureza perdeu sua utilidade pura, ao converter-se a utilidade em
utilidade humana.
Da mesma maneira, os sentidos e o esprito dos outros
homens convertem-se na minha prpria apropriao. Alm disso,
esses rgos imediatos constituem-se assim em rgos sociais, na
forma da sociedade; assim, por exemplo: a atividade imediatamente
em sociedade com outros etc., se converte em um rgo da minha
manifestao vital e um modo de apropriao da vida humana.
evidente que o olho humano desfruta de modo distinto ao
do olho bruto, que o ouvido humano desfruta de maneira distinta ao
do bruto etc.
Como vimos, somente quando o objeto para o homem
objeto humano, o homem objetivo deixa o homem se perder em seu
objeto. Isto somente possvel quando o objeto se converte para ele
em objeto social, e ele mesmo se converte em ser social, e a
sociedade se converte para ele, neste objeto, em ser.
De um lado, pois, o fazer-se para o homem em sociedade por
todas partes a realidade objetiva, a realidade das foras humanas
essenciais, realidade humana e, por isso, realidade de suas prprias
foras essenciais, se tomam para ele, todos os objetos de objetivao
de si mesmo, objetos que afirmam e realizam sua individualidade,
objetos seus, Isto , ele mesmo se faz objeto. O modo em que se
tornam seus depende da natureza do objeto e da natureza da fora
22 S posso relacionar-me na pratica de um modo humano com a coisa quando a coisa se relaciona humanamente com o homem (nota de Marx).
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52
essencial a ela correspondente, pois justamente a certeza desta
relao configura o modo determinado, real, da afirmao. Um objeto
distinto para o olho do que para o ouvido e o objeto do olho
distinto, que o do ouvido. A peculiaridade de cada fora essencial
precisamente seu ser peculiar, logo tambm, o modo peculiar de sua
objetivao, de seu ser objetivo real, de seu ser vivo. Por isso, o
homem se afirma no mundo objetivo no s em pensamento (VIII),
seno em todos os sentidos23.
De outro modo, e subjetivamente considerando, assim como
somente a msica desperta o sentido musical do homem, assim como
a mais bela msica no tem sentido algum para o ouvido musical24,
no objeto, porque meu objeto s pode ser a afirmao de uma de
minhas foras essenciais, isto , somente para mim na medida em
que minha fora essencial para ele como capacidade subjetiva,
porque o sentido do objeto para mim (somente tem sentido para um
sentido que corresponda a ele) chega justamente at onde chega meu
sentido25 assim tambm, os sentidos do homem social so distintos
dos do homem no social. Somente atravs da riqueza objetivamente
desenvolvida do ser humano , em parte cultivada, em parte criada, a
riqueza da sensibilidade humana subjetiva, um ouvido musical, um
olho para a beleza da forma. Em resumo, somente assim se cultivam
ou se criam sentidos capazes de gozos humanos, sentidos que se
afirmam como foras essencialmente humanas. E no s os cinco
sentidos mas tambm os chamados sentidos espirituais, os sentidos
prticos (vontade, amor etc.), em ltima palavra, o sentido humano, a
humanidade dos sentidos existe unicamente mediante a existncia
de seu objeto, mediante a natureza humanizada. A formao dos
23 Vid. Feuerbach, Essncia do Cristianismo, Cap. I 24 Ibid. 25 Ibid.
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53
cinco sentidos um trabalho de toda a Histria Universal at nossos
dias. O sentido, que presa da grosseira necessidade prtica, tem
somente um sentido limitado. Para o homem que morre de fome no
existe a forma humana da comida, mas somente sua existncia
abstrata; esta poderia apresentar-se em sua forma mais grosseira, e
no se distingue esta atividade de alimentar-se da atividade animal
de se alimentar. Para o homem necessitado, carregado de
preocupaes, no tem sentido o mais belo espetculo. O
comerciante de minerais no v alm do valor comercial, no v a
beleza ou a natureza peculiar do mineral, no tem sentido
mineralgico. A objetivao da essncia humana, tanto no sentido
terico como no prtico, , pois, necessria tanto para tornar
humano o sentido do homem como para criar o sentido humano
correspondente riqueza plena da essncia humana e natural.
Assim como a sociedade em formao encontra atravs do
movimento da propriedade privada, de sua riqueza e sua misria - ou
de sua riqueza e sua misria espiritual e material - todo o material
para esta formao, a sociedade constituda produz, como sua
realidade durvel, para o homem na plena riqueza de seu ser,
homem rico e profundamente dotado de todos os sentidos.
V-se, pois, como subjetivismo e objetivismo, espiritualismo
e materialismo, atividade e passividade, somente no estado social
deixam de ser contrrios e perdem com ele sua existncia como tais
opostos; v-se que a soluo das mesmas oposies tericas somente
possvel de modo prtico e mediante a energia prtica do homem e
que, por ele, esta soluo no , de modo algum, tarefa exclusiva do
conhecimento, seno uma verdadeira tarefa vital que a Filosofia no
pde resolver, precisamente porque a entendia unicamente como
tarefa terica.
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54
V-se como a histria da indstria e a sua existncia, que se
fez objetiva, so o livro aberto das foras humanas essenciais, a
psicologia humana aberta aos sentidos, que no havia sido concebida
at agora em sua conexo com a essncia do homem, seno somente
em uma relao externa de utilidade, porque, movendo-se dentro da
desnaturalizao, somente sabia-se captar como realidade das foras
humanas essenciais e como ao humana genrica existncia geral
do homem, religio ou His
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