marlon hernandes cantarin - uel.br · dedico este trabalho à minha mãe inaura hernandes ......
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MARLON HERNANDES CANTARIN
OH! EU SOU QUMICO!: UM OLHAR LATOURIANO DE
PERFORMANCE EM UM LABORATRIO DE QUMICA DO
ENSINO MDIO
Londrina - PR
2014
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MARLON HERNANDES CANTARIN
OH! EU SOU QUMICO!: UM OLHAR LATOURIANO DE
PERFORMANCE EM UM LABORATRIO DE QUMICA DO
ENSINO MDIO
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Ensino de Cincias e
Educao Matemtica, da Universidade
Estadual de Londrina, como requisito
parcial obteno do ttulo de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Moiss Alves de
Oliveira
Londrina
2014
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MARLON HERNANDES CANTARIN
OH! EU SOU QUMICO!: UM OLHAR LATOURIANO DE
PERFORMANCE EM UM LABORATRIO DE QUMICA DO ENSINO
MDIO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Ensino de Cincias e Educao
Matemtica, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial obteno do
ttulo de mestre.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________
Prof. Dr. Moiss Alves de Oliveira
Universidade Estadual de Londrina
_____________________________
Prof. Dr. Marcelo Pimentel da Silveira
Universidade Estadual de Maring
_____________________________
Prof. Dr. Rosana Figueiredo Salvi
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, 28 de abril de 2014.
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Dedico este trabalho minha me Inaura Hernandes
Cantarin (in memorian), a meu pai Joo Cantarin, pelos
incansveis dilogos durante esta jornada, a meu irmo
Marton, que sempre trouxe palavras de nimo para seguir
em frente e, em especial, esposa Elisangela Franco
Cantarin e minhas duas princesas Yasmin e Giovanna,
que foram meu flego constante, essncia e incentivo a
cumprir esta misso acadmica.
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AGRADECIMENTOS
Ao iniciar a ao de agradecer, vem a pergunta: a quem realmente
demonstrar gratido? uma atitude rdua que pode deixar no caminho marcas de injustia.
Em primeiro lugar, a Deus, que foi minha fonte de inspirao, fora e determinao para
trilhar cada passo nesta jornada. Mas quero aqui valorizar a todos que me auxiliaram a
produzir este enovelado de elocues, pessoas especiais e determinantes nesta caminhada que
traz sinais de pausa, mas que podem sempre estar em aberto.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Moiss Alves de Oliveira, por toda a cautela,
pacincia e sabedoria em orientar algum que estava (des)territorializado com o fluxo terico.
Pelas vrias chamadas quando me deslocava de nossa linha de pesquisa, pela escrita
marlatouriano, mas, acima de tudo, pelo que significa e pelo que contribuiu para minha
formao acadmica, os meus cordiais agradecimentos.
Ao Grupo de Estudos Culturais das Cincias e da Educao, que, em
alguns momentos, contribuiu com a pluralidade de olhares a visualizar as fragilidades deste
trabalho em constante transformao.
Aos Professores Drs. Rosana Figueiredo Salvi e Marcelo Pimentel da
Silveira, por terem prontamente aceitado a fazer parte da banca de defesa deste trabalho, pelo
leque de sugestes que contriburam para uma maior valorizao desta pesquisa. Fica aqui, o
meu muito obrigado.
minha chefia Professora Yolanda, sua assessora tcnica, Professora
Kelly, e coordenadora da Educao Bsica Pedagoga Solange, do Ncleo Regional da
Educao de Cianorte, por toda a credibilidade, confiana e oportunidade que me concederam
durante todo este trajeto a conquistar este sonho.
Ao meu grande amigo e irmo Renato, por todo o apoio tcnico e esttico a
este trabalho, no medindo esforo para me ajudar em qualquer dia da semana noite,
sbados e domingos, inclusive em feriados, valeu mesmo companheiro, h atitudes que ficam
rubricadas em nossa histria, obrigado por fazer parte.
No podia esquecer tambm de agradecer ao Silvio, Felipe, Liana, Valria
e Rogrio, amigos do NRE, que me auxiliaram tambm em algumas etapas deste trabalho,
ouvindo, discutindo e contribuindo com a desconfortvel escrita deste texto.
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A todos aqueles que, na ausncia de minhas atribuies no trabalho,
substituram-me e deram andamento s atividades, para que eu pudesse seguir esta trajetria.
Portanto, obrigado em especial a Ftima, Andria, grupo de Qumica do NRE de Cianorte
e outros que tambm me sustentaram nestes momentos.
Aos meus actantes, alunos do 3 ano B, direo, equipe pedaggica e
funcionrios, que foram primordiais para o desenvolvimento desta pesquisa. Em especial,
Professora Irene, que abriu as portas de seu espao pedaggico para um estrangeiro
etnogrfico, a qual sempre esteve disposio para contribuir com o enriquecimento deste
trabalho, que Deus abenoe sempre voc e sua famlia.
Enfim, obrigado a todos que corroboraram com o desenvolvimento deste
trabalho e seu respectivo pesquisador, propiciando a me tornar um sujeito mais reflexivo,
crtico e de olhar desapegado. O campo de lutas continua; assim, se cheguei at aqui foi
graas a todos vocs que me apoiaram, deram fora, sustentaram-me nos momentos difceis.
a todos, enquanto meus aliados e actantes, que dedico este material de pesquisa, fica a
eterna...
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Existem momentos na vida onde a questo
de saber se se pode pensar diferentemente
do que se pensa, e percerber
diferentemente do que se v,
indispensvel para continuar a olhar ou a
refletir
Michel Foucault
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CANTARIN, Marlon Hernandes. Oh! Eu sou qumico!: um olhar latouriano de
performance em um laboratrio de Qumica do Ensino Mdio. 2014. 174f. Dissertao
(Mestrado em Ensino de Cincias e Educao Matemtica) Universidade Estadual de
Londrina, Londrina, 2014.
RESUMO
Este trabalho de pesquisa foi realizado no Colgio Estadual Itacelina Bittencourt EFM, na
cidade de Cianorte, noroeste do Paran. Buscamos, pelas lentes dos Estudos Culturais da
Cincia, em uma perspectiva latouriana, realizar um estudo etnogrfico acerca do fluxo das
diferenas no laboratrio de Cincias desse colgio. Nosso interesse central acompanhar e
descrever como, no caso especfico de uma atividade prtica de Qumica para alunos do 3
ano do Ensino Mdio, os actantes estabelecem conexes evocando constantemente o par
humano e no humano. O laboratrio escolar e seus instrumentos, durante a realizao da
atividade prtica, so institudos como um lcus, ou seja, um espao de significao, saindo
de um arsenal de recursos tericos e materiais para uma viso panormica, rumo
concretizao do efeito pedaggico pretendido pela professora de Qumica. Os no humanos
ensinam tanto como o humano na captura e sedimentao de informaes, atuam no processo
de (re) produo do laboratrio como local no apenas do saber qumico, mas tambm na
incluso de comportamentos e valores prprios da suposta comunidade cientfica. Portanto, as
atitudes dos alunos em relao prtica demonstraram uma performance, quando, por
exemplo, um desses, ao entrar no laboratrio, afirma: sou qumico, professora. Uma das
possibilidades de leitura dessa prtica oportuniza observar o princpio da simetria na
performance desse par. Naquele contexto, no laboratrio, observamos um processo de
mobilizao de elementos humanos e no humanos, os quais, na relao, foram alistados em
nome da retrica da cincia e que, ao mesmo tempo, tornam o laboratrio um local, um
espao de translao, em que emerge um tipo especfico de performance: a de qumico.
Palavras-chave: Laboratrio escolar. Actantes. Performance.
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CANTARIN, Marlon Hernandes. Oh! I am a chemist!: a Latourian gaze at performance
in a high school Chemistry laboratory. 2014. 174f. Dissertation (Masters in the Teaching
of Science and Mathematical Education) Universidade Estadual de Londrina, Londrina PR
Brazil, 2014.
ABSTRACT
Current research was performed in the government-run Itacelina Bittencourt High School in
Cianorte, a town in the northwestern region of the state of Paran, Brazil. Investigation was
undertaken from the perspective of Science Cultural Studies within a Latourian stance on the
ethnography of the flow of differences in the Science Laboratory of the school. The main
interest was the follow up and description of how agents in the specific case of a Chemistry
practical activity for school-leaving students establish connections through the constant
suggestions of the human and non-human pair. During the practical activity, the school
laboratory and its instruments are a locus, or rather, a significant space, emerging from an
arsenal of theoretical and material resources towards an overall view and the concretization of
the pedagogical effect aimed at by the Chemistry teacher. Non-humans teach as much as
humans in the retrieval and sedimentation of information. They act in the (re)production of
the laboratory as a place of knowledge on chemistry and in the inclusion of behavior and
values proper to the scientific community. Consequently, the students attitudes with regard
to experience showed a performance as, for instance, when one of them stated at the door of
the laboratory: Teacher, I am a chemist! One possible interpretation of such a practice is the
opportunity to see the symmetry principle in the pairs performance. The mobilization of the
human and non-human factors may be observed in the context of the laboratory, listed in the
name of the rhetoric of science within the relationship. At the same time, they transform the
laboratory into a place, a translation space, in which a specific type of the chemists
performance emerges.
Keywords: School laboratory. Agents. Performance.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Smbolos que auxiliaram nas descries iniciais. ....................... 62
Quadro 2 Nomes fictcios dos alunos. ........................................................... 71
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Estante onde ficavam os livros de todas as disciplinas do 3 ano B. ...................... 44
Figura 2 TV Pendrive da sala de aula do 3 ano B perodo diurno. ................................... 46
Figura 3 Ala administrativa e o laboratrio. .......................................................................... 51
Figura 4 Sala de hora-atividade dos professores. .................................................................. 52
Figura 5 Sala do 3 ano B: professora de Qumica, alunos e pesquisador em uma das aulas
tericas. ..................................................................................................................................... 53
Figura 6 Laboratrio de Cincias. ......................................................................................... 54
Figura 7 Pedagoga transmitindo recados aos alunos durante a atividade prtica. ................. 57
Figura 8 Pedagoga acompanhando uma das atividades prticas. .......................................... 57
Figura 9 Diretora Charlote durante uma aula terica no laboratrio. .................................... 57
Figura 10 Anlise dos documentos do Colgio Itacelina Bittencourt na biblioteca. ............. 67
Figura 11 Actantes humanos e no humanos deslocando interesses. ..................................... 79
Figura 12 Actantes combinando-se em torno do conceito de hidrocarbonetos. .................. 100
Figura 13 Actantes realizando os procedimentos prticos. ................................................. 115
Figura 14 Actantes emitindo a voz Eu sou qumico. ....................................................... 122
Figura 15 Atores hbridos. ................................................................................................... 128
Figura 16 Interao entre o par de agentes. ......................................................................... 130
Figura 17 Actantes Efeito de sentido a flor. .................................................................. 133
Figura 18 Actantes Efeito de sentido o cavalinho. ....................................................... 134
Figura 19 Atores em ao. ................................................................................................... 136
Figura 20 As vozes dos elementos humanos e no humanos. ............................................. 136
Figura 21 Par humano e no humano promovendo estratificaes. .................................... 142
Figura 22 Atores hbridos desviando-se da performance planejada. .................................. 144
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SUMRIO
1 SINALIZAES DE UM ENSAIO DE CAMPO ............................................................ 12
2 ELEMENTOS TERICOS QUE ME MOVEM ............................................................. 20
2.1 SINTONIZANDO A FREQUNCIA TERICA .............................................................................. 20
2.2 CONECTANDO-SE PERFORMANCE ...................................................................................... 27
2.3 RELEVNCIAS DOS ESTUDOS DE LABORATRIO ................................................................... 31
3 GARIMPANDO UMA TRILHA METODOLGICA .................................................... 38
3.1 ACHANDO UMA PORTA: A EMISSO DO PASSE LIVRE ............................................................ 38
3.2 DOS BASTIDORES AO: ANUNCIANDO OS ACTANTES ....................................................... 42
3.3 OS LAOS EM TORNO DO LABORATRIO .............................................................................. 48
3.3.1 As Primeiras Conexes .................................................................................................... 50
3.3.2 O Laboratrio e Suas Circulaes ................................................................................... 53
3.4 O ESTILO METODOLGICO: REFLEXO DAS VOZES DO CAMPO ................................................ 59
4 AS PRIMEIRAS INTERAES COM AS ATIVIDADES DO COLGIO ................. 76
4.1 A TV PENDRIVE ENQUANTO ALIADA NO-HUMANA ............................................................ 78
4.2 O ALICIAMENTO DO LIVRO DIDTICO DE QUMICA .............................................................. 96
5 AS VASCULARIZAES DO LABORATRIO ESCOLAR .................................... 108
5.1 O FLUXO SANGUNEO DOS NOVOS ALICIADOS .................................................................... 109
5.2 A PARIDADE DE ACTANTES MUDANDO O EFEITO DO SENTIDO............................................. 126
6 ALGUMAS CONSIDERAES ..................................................................................... 150
REFERNCIAS ................................................................................................................... 160
ANEXO .................................................................................................................................. 171
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12
1 SINALIZAES DE UM ENSAIO DE CAMPO
Esta proposta de dissertao traz, em certa medida, um estudo etnogrfico
de um observador que leva consigo a experincia de professor e qumico a pesquisar um
laboratrio1 escolar do Ensino Mdio, do municpio de Cianorte. Como sujeito da
experincia, enquanto acadmico na Graduao em Qumica e, depois, como professor dessa
disciplina no Ensino Mdio tanto de escolas pblicas como privadas, minhas heranas
epistemolgicas faziam-me transitar nos laboratrios dessas instituies de ensino e visualiz-
los como grandes aliados para o ensino de Qumica.
Enquanto professor de Qumica, ao deslocar meus alunos ao laboratrio
escolar, tinha a viso de que este auxiliava na ilustrao dos conceitos qumicos, que poderia
instigar e motivar os alunos com o intuito de despertar seu interesse para a cincia qumica
escolar. Como cita Hodson (1988, p. 14), a tica que tinha desse espao era a de um modelo
verificador da cincia, de confirmao das teorizaes qumicas pelo poder de visualizao
que trazia para aqueles que ali transitavam. E, ao mesmo tempo, observava o envolvimento
dos alunos no espao laboratorial, ao comprovar as teorizaes qumicas por meio de prticas
que demonstravam ser verdades cientficas. Essa era minha inteno ao conduzir os alunos
ao laboratrio, com o intuito de mostrar o que essa disciplina poderia oferecer, objetivando
que estes adquirissem um fascnio por essa cincia escolar.
Depois que passei a ser coordenador de Qumica do Ncleo Regional da
Educao, cuja nomenclatura oficial na SEED2 tcnico-pedaggico, minha viso desse
espao laboratorial modificou em funo da intensidade quanto ao uso dos documentos
oficiais, como PPP3, PPC
4, PTD
5, RE
6, DCEs
7 e CEA
8 e pelo auxlio pedaggico que conferia
aos professores dessa disciplina referente aos municpios jurisdicionados a essa instituio.
Assim, o laboratrio, em minha tica, perpassou o status de ilustrao, desmitificao terica
e aplicao mecanicista de procedimentos laboratoriais com resultados deslumbrantes,
passando a ser visto como um instrumento que auxiliava em reflexes e conexes com o
cotidiano, a desenvolver a argumentao cientfica, que estabelece articulaes entre teoria e
1 Palavra adaptada do francs laboratoire, que designa lugar onde so feitas experincias. Tambm derivada do latim
cientfico laboratorium, que significa local de trabalho (PARAN, 2008). 2 Secretaria de Estado da Educao. 3 Projeto Poltico Pedaggico. 4 Proposta Pedaggica Curricular. 5 Plano de Trabalho Docente. 6 Regimento Escolar. 7 Diretrizes Curriculares Estaduais. 8 Caderno de Expectativa de Aprendizagem.
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prtica, em que os alunos participam do desenvolvimento dos conceitos qumicos, no qual os
professores estabelecem o papel de mediadores e no como um facilitador do conhecimento,
propiciando que os professores oportunizem seus alunos a se deslocar do senso comum ao
cientfico.
Assim, o laboratrio escolar poderia propiciar um ensino de Qumica por
meio de problematizao, sem ser visto como um local de utilizaes pontuais, mas sim de
continuidade com as teorizaes qumicas e suas relaes com a sociedade. Em relao ao
papel da experimentao no ensino de Cincias, Giordan (1999, p. 43) menciona que os
alunos [...] costumam atribuir experimentao um carter motivador, ldico [...]. Quanto
aos docentes, [...] no incomum ouvir de professores a afirmativa de que a experimentao
aumenta a capacidade de aprendizado [...], pois, segundo o relato desses profissionais da
educao, a experimentao possibilita que os alunos se envolvam com maior propriedade nos
temas da cincia. Realmente, essa foi uma das caractersticas que encontrei durante minha
funo enquanto coordenador, ou seja, laboratrios escolares que se configuravam como
verdadeiros locais de ao, enquanto outros se apresentavam como lugares estticos, com
atribuies que se deslocavam do seu papel no ambiente escolar. Tais dicotomias foram
criando em mim um desejo de estudar esse espao mais de perto.
Somado a isso, chego docncia no nvel superior de ensino, onde tive a
oportunidade, por dois anos, de ministrar as disciplinas de Qumica e Fsica Ambiental,
Qumica Geral e Orgnica, Fsica e Metodologia e Instrumentao para o Ensino de Cincias,
disciplinas que tambm me conduziam, juntamente com os acadmicos, ao espao
laboratorial, trazendo sinalizaes desse local como um ponto de passagem obrigatrio.
Guiado por esta hibridizao de experincias com o laboratrio escolar e
acadmico, com a vontade de estudar com maior propriedade esse local no qual circula o
elemento cognitivo, atrelado ao senso crtico que adquiri durante essa trajetria e com um
intuito de trazer novos olhares ao sistema educacional, ingressei no Programa de Ensino de
Cincias e Educao Matemtica da UEL9, com o objetivo de realizar pesquisas referentes aos
estudos de laboratrio. Assim, como menciona Larrosa (2002, p. 24), ao relacionar o sujeito a
sua experincia, [...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar [...] suspender a
opinio, suspender o juzo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ao [...],
estabeleo relao com esta pesquisa, sendo preciso reduzir nossas aes, gerar interrupes e
acompanhar com mais afinco e pacincia o tempo e o espao quanto ao que o campo ir nos
9 Universidade Estadual de Londrina.
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falar, sem nos apegarmos ao que representa a Cincia e o que , mas descrev-la pelo que ela
faz e chegar a ser o que .
Dessa forma, esta pesquisa tem como eixo central a perspectiva de Bruno
Latour, considerado por muitos como filsofo, socilogo e at antroplogo, ttulos dos quais o
prprio autor busca fugir, e, caso realizasse uma tentativa de se posicionar, considerar-se-ia
como um sujeito hbrido (LATOUR, 2004b), entre as classificaes que a comunidade
cientfica poderiam lhe nomear.
Bruno Latour nasceu na cidade de Beaune, Borgonha, em 1947, proveniente
de uma famlia de viticultores, onde teve os primeiros passos como filsofo e antroplogo. De
1982 a 2006, foi professor do Centre de Sociologie de IInnovation na cole Nationale
Suprieure des Mines em Paris e, por vrios perodos, professor visitante na UCSD, na Escola
de Economia de Londres e da disciplina de Histria da Cincia no departamento da
Universidade de Harvard. A partir de outubro de 2013, professor do Centennial, no LSE,
Londres, alm de ser diretor do programa TARDE (Teoria Ator-rede e Pesquisa em
Ambientes Digitais). (FREIRE, 2006; LATOUR, 2011).
Enquanto pesquisador, Latour realizou investigaes na rea de Sociologia
de Desenvolvimento e acabou se interessando pelas Cincias Sociais, migrando para a
Antropologia e, posteriormente, realizando estudos etnogrficos sobre laboratrios cientficos,
com o intuito de analisar a Cincia em ao e, consequentemente, como esta produz fatos e
artefatos.
Na Frana, Latour e Michel Callon, ambos pertencentes ao Centre de
Sociologie de lInnovation (CSI) da cole Nationale Suprieure des Mines, sugerem a criao
de uma nova disciplina, denominada Antropologia da Cincia, tendo como objeto de estudo a
inovao cientfica e a tcnica, com um olhar desapegado da cincia convencional,
alimentando-se da Filosofia das Cincias de Michel Serres, do qual tomaram de emprstimo o
termo traduo, tendo tambm como fonte de suas discusses o princpio metodolgico de
simetria do filsofo e socilogo David Bloor, em relao ao seu Programa Forte de
Sociologia, do qual Latour buscou ampliar as discusses e reflexes, pautado em sua prpria
perspectiva em relao cincia (FREIRE, 2006).
Valendo-me do olhar latouriano de que o contexto e o contedo no podem
ser utilizados para explicar a prtica laboratorial10
, pois so produtos do trabalho dos autores
10 Para Hodson (1988, p. 2), existe uma diferena entre experimento e prtica laboratorial: O trabalho laboratorial pode ser
conduzido [...], para demonstrar um fenmeno, ilustrao de um princpio terico, coletagem de dados, teste de hipteses,
desenvolvimento de tarefas bsicas de observao e mensura, familiarizao com os aparatos e propiciao de um show de
sinais luminosos, estrondos e efervees. Assim, experimentos tomam dimenses mais amplas, que perpassam as
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para resolver suas diferenas e inventar o contexto em que atuam, busco trazer associaes
dessa perspectiva para o laboratrio escolar e suas relaes com a cincia qumica (LATOUR,
1994). Refiro-me sobre contexto e contedo no sentido de que o que acontece durante uma
prtica de laboratrio escolar no se limita apenas a esses termos, pois as movimentaes que
ali so geradas fazem parte de uma rede de conexes complexa e imbricada, que precisamos
olhar com maior cautela e minuciosidade, para compreender os elementos significativos que
por ali circulam.
importante salientar que Latour realizou estudos etnogrficos com
cientistas em laboratrios de pesquisa, experincias estas diferenciadas do contexto escolar no
qual inicio minha jornada como pesquisador. Assim, busco trazer reflexes e analogias de sua
perspectiva para um laboratrio escolar e as possveis contribuies que esse exerccio pode
gerar ao ensino de Qumica.
Em particular, pretendo, por meio de meu objeto de estudo, o laboratrio
escolar, pelo olhar latouriano, trazer reflexes e discusses sobre as possibilidades que a TV
multimdia, o livro didtico de Qumica, o laboratrio escolar e outros aliados no humanos11
nas contingncias do Colgio Estadual Itacelina Bittencourt12
, do municpio de Cianorte, em
conjunto com a professora de Qumica e os alunos do 3 ano B trouxeram de significaes
para uma performance especfica desses actantes, levando alguns humanos/no humanos,
durante as cenas prticas, a emitirem vozes de que eram qumicos.
A expectativa deste trabalho trazer o exerccio de olhar para as aulas
tericas/prticas com o princpio de simetria sobre as aes que so movimentadas pelos
actantes13
humanos e no humanos, desfocando da possvel centralidade da dimenso
cognitiva, como se o contedo e o contexto gerassem uma mistura homognea,
proporcionando, assim, uma ampliao da tica desordenada e heterognea desse coletivo que
aplicaes realizadas em um contexto escolar, so eventos projetados e amplamente controlados por cientistas, e que suprem
suas necessidades por meios poderosos de aquisio e teste de conhecimento, que se tornam grandes aliados para que um fato
se efetive, ganhe reconhecimento e aceitabilidade da comunidade cientfica. Assim, este trabalho utilizar como padro o
termo prtica laboratorial, ao se referir s atividades realizadas no laboratrio escolar. 11 Bruno Latour utiliza esse termo com hfen (no-humano[s]). Optamos por utiliz-lo sem hfen (no humano[s]) em
virtude do Acordo Ortogrfico de Lngua Portuguesa, o qual instituiu que todas as palavras precedidas do termo no no
devem ser hifenizadas. 12 Foi a primeira instituio de ensino a ser inaugurada no municpio de Cianorte, em 1955, momento em que essa cidade se
destacava pela expanso da cultura cafeeira, em uma regio que apresentou um crescimento rpido, ligado s questes
econmicas e demogrficas, fazendo com que uma empresa pioneira, a Companhia Melhoramentos Norte do Paran,
juntamente com sua comunidade, unissem-se para criar essa escola. O nome do colgio originrio de uma homenagem feita
mestra do Paran Itacelina Teixeira de Bittencourt, nascida em 04 de fevereiro de 1886, em Curitiba, Paran, a qual
apresenta uma relao com a figura do qumico, pois se casou com o qumico industrial e funcionrio pblico federal senhor
Dmaso Correia de Bittencourt (BITTENCOURT, 2012). 13 Ao utilizar o termo latouriano actantes, no contexto escolar, refiro-me aos alunos, professora de Qumica, TV
Pendrive, ao livro didtico de Qumica, ao laboratrio escolar e a todos os outros instrumentos e reagentes do laboratrio e da
sala de aula terica, que, na relao, foram os atores que mobilizaram significaes, associaes e conexes.
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maestra as cenas de atuao nesse contexto escolar; bem como instigar reflexes de que o
conhecimento qumico apenas um dos elementos circulantes desses espaos experimentais e
das associaes que permitem conectar em uma rede laboratorial escolar enquanto um tecido
cultural.
Visualiza-se que os laos entre os sujeitos e objetos so mais estreitos do
que imaginamos, e que se ali so anunciadas determinadas performances, estas so frutos da
interao entre o conjunto desses actantes. A noo de buscar tratar com os mesmos termos os
vencidos e vencedores nesse ambiente pedaggico de ensino e a natureza e a sociedade me
instigaram a trilhar uma jornada em uma perspectiva latouriana.
Percebi, em minhas pesquisas bibliogrficas, que os estudos de laboratrios
escolares em uma perspectiva dos Estudos Culturais da Cincia ainda so tmidos; assim,
olhar a cincia escolar de forma aberta e incerta, sem ancorar na natureza do que ali acontece,
instigou-me a iniciar essa jornada enquanto pesquisador.
Busquei estudar o laboratrio escolar do colgio onde desenvolvi minhas
pesquisas colocando entre parnteses minhas crenas sobre a cincia e a sociedade, no
fixando olhares no ncleo desse ambiente laboratorial, mas sim tentando acompanhar o que o
leva a ser um grande aliado no processo de ensino da Qumica.
Decidi aterrissar nesse campo do saber, afastando-me da guilhotina do
corte epistemolgico, como afirmam Latour e Woolgar (1997), sem me posicionar a deslocar
do central e ficar no perifrico e vice-versa, pois essa atitude tornar-me-ia assimtrico. A
noo bsica deste trabalho acompanhar os movimentos dos actantes de forma simtrica, o
que os leva a anunciar performances especficas, com ulterioridade e sem rtulos.
Os professores tambm falam de cincia e nesse sentido que busco trazer
associaes com a perspectiva latouriana, levantando discusses desse autor para a cincia
escolar e, em certos momentos, at desconfiando de forma respeitosa com a qual os
informantes falam, mas estando ciente de que eles so minha bssola. O intuito aproximar-
me dessa cincia escolar, mas contornar o discurso pedaggico e analisar as possveis
metalinguagens14
que forem se apresentando nesse processo escolar, permanecendo
independente desse campo e da distncia, no sentido no de ficar sem me aproximar, mas de
no me vincular e filiar a essa cincia, caractersticas dos Estudos Culturais, que me moveram
a este estudo etnogrfico.
14 Abbagnano (2007) refere-se a uma linguagem semanticamente fechada, ou seja, a possibilidade de que a cincia seja
singular, que apresenta uma nica voz, ordenada com apenas uma nota musical. Contrariamente, partimos para a concepo
de que a cincia plural e coletiva.
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Alm disso, refletimos que muitos daqueles que parecem apenas ser
figurantes no processo de ensino possuem voz e ao tanto como aqueles que possam ganhar
papel de destaque no desenvolvimento do saber. Achar que um ambiente escolar meramente
uma correia de transmisso purificar, causar uma desproporo e fragmentar o ensino de
Qumica.
Como dizem Latour e Woolgar (1997), acrescento aqui, neste trabalho,
apenas um pequeno gro de areia no ensino de Qumica e, se existe competncia em um
ambiente laboratorial, ela no tem exclusividade, pois no singular. Desse modo, se
perguntarmos quem movimenta o ensino de Qumica, quem ir responder? O professor, os
alunos, os objetos, ou seja, quem realmente poderia estar habilitado para trazer essa resposta?
Por isso, no cabe a ns buscar elucidar a autoria dessas aes, mas acompanhar o que eles
fazem, no nos apegando nos discursos ordenados ali sinalizados e atentando para a entropia
lingustica desenhada com a prtica laboratorial.
No se objetiva criticar a cincia escolar ali apresentada, mas trazer alguns
termos latourianos para a discusso no ensino de Qumica e desfiliar-se de ideias de que a
performance esteja especificamente atrelada linguagem da ao humana, assim como
deslocar-se a pensar que a direo de um script coletivo, isto , olhar a cincia como um
processo interativo e vocal com pluralidade, fruto de uma relao.
O laboratrio escolar que escolhi estudar pode ser visto como apenas uma
malha dessa rede de ensino, um dos mais antigos do municpio e da regio, surgindo com o
reconhecimento do Ensino Mdio e da necessidade que houve, dcadas atrs, de oferecer um
ambiente escolar aos filhos dos funcionrios da empresa colonizadora CMNP15
, detentora da
cultura cafeeira na regio e, consequentemente, da economia desse municpio. Foi nessa
instituio de ensino na qual tambm iniciei meus primeiros passos como docente.
Mais instigante ainda buscar compreender que o laboratrio desse espao
escolar no possui limites e demarcaes, com muros, ao exercitar os olhares latourianos, e
apresenta competncia local; mas, se ela existe, realmente est to territorializada assim? Ou
seja, resume-se aos actantes ali existentes? Ser que a cincia s aconteceu ali naquele
momento, sem preocupaes em reconstruir o mundo interior desse ambiente escolar, uma
descrio vista do exterior sobre um ambiente com o qual tenho certa familiarizao, por ser
tambm professor? Como indaga Serres (1987), Como o objeto chega ao coletivo?. O que
15 Companhia Melhoramentos Norte do Paran.
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fazem os actantes desse contexto escolar nesse laboratrio? Isso feito sem usar mapa e
instrumentos de definio.
Como menciona Latour (2006a, p. 339), quando realiza um dilogo com um
estudante de Sociologia da London School of Economics sobre a TAR16
, [...] ela deve ser
til, mas apenas se no for aplicada a nada. Trago esse olhar para este trabalho de pesquisa,
no sentido de deixar apenas que os actantes tenham espao para expressar por si mesmos suas
vitalizaes nas cenas de atuao, sem me ater em emitir inferncias sobre meu objeto de
estudo, ou seja, os estudos de laboratrio no espao escolar, mas apenas descrev-lo da
melhor forma possvel, sem tecer julgamentos e tentativas de enquadrar as aes desse
coletivo em uma moldura.
Assim, introduzimos o mundo dos objetos nesta pesquisa, mostrando que
estes tambm possuem temperatura como os sujeitos no processo de ensino da Qumica.
Busca-se acompanhar a cincia qumica escolar, sem se ater a classificaes sobre aqueles
que movimentam as cenas laboratoriais, trazendo a discusso de que o coletivo de actantes
que traz significaes qumicas e, consequentemente, performances, que o desenvolvimento
do conhecimento qumico17
seria mais produtiva se ocorresse de forma polifnica, ou seja,
sem apagar possveis vozes dos alunos e no humanos no palco onde esses atuam, na tentativa
de clarificar e filtrar o que realmente est alinhado aos interesses da cincia.
Tambm trazemos o pensamento de que podemos olhar para as diversas
conexes e associaes que permeiam as teorizaes qumicas durante uma prtica de
laboratrio, mostrando que as cenas que acontecem em um espao laboratorial fazem parte de
uma rede imbricada e complexa, que estende as malhas de significaes. Talvez a estejam
possveis contribuies para o ensino da Qumica.
Esta pesquisa encontra-se dividida em quatro captulos, com subdivises,
como irei demonstrar a seguir, com um breve resumo sobre o que eles apresentam referente
ao estudo etnogrfico realizado no colgio em questo.
Em Elementos tericos que me movem, busco trazer ao leitor uma
discusso dos termos latourianos que mais me moveram no campo, fruto das vozes do
coletivo dos protagonistas que mobilizaram as significaes qumicas e suas associaes,
16 Nas palavras de Latour (2004b, p. 397), a Teoria Ator-Rede consiste em [...] seguir as coisas atravs das redes em que elas
se transportam, descrev-las em seus enredos [...], mas, para o autor, ela no funciona especificamente como uma teoria com
possveis aplicabilidades e quadros de referncia, mas sim como um mtodo com a possibilidade de seguir a produo da
diferena de um coletivo heterogneo de actantes. 17 Uso essa expresso analogamente perspectiva latouriana de que cada etapa ou procedimento, por exemplo, de uma
prtica laboratorial, fazem parte do interesse da cincia escolar quanto a uma teorizao qumica especfica, e que em nosso
olhar interessante acompanhar esses intermedirios que possam contribuir para a performance do elemento cognitivo no
laboratrio, a cincia em ao que nos move e no o produto final.
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como: actantes, humanos/no humanos, simetria, assimetria, traduo, translao, metfora e
heri, elementos todos conectados a um tipo especfico de performance, a figura do qumico
que se anunciou durante os procedimentos das prticas laboratoriais.
No captulo Garimpando uma trilha metodolgica, apresento o tipo de
pesquisa etnogrfica ao qual me associei, como instrumento metodolgico para descrever os
actantes nas aulas tericas e prticas, ferramentas que utilizei para o registro das vozes dos
elementos humanos/no humanos, identificao dos informantes desse espao escolar, os
laos em torno do laboratrio, algumas particularidades desse local de prticas laboratoriais e
suas circulaes e, por ltimo, as minhas primeiras conexes com esse campo.
Os captulos seguintes so resultado da anlise dos registros de campo.
Assim, em As primeiras interaes com as atividades do colgio, passo a descrever os
primeiros contatos com meus informantes, a professora de Qumica e seus alunos do 3 ano B
perodo diurno e os aliados no humanos (TV Pendrive e livro didtico de Qumica), que,
na interao, ganharam o status de humanos/no humanos, sendo arregimentados aos
interesses dessa cincia escolar, promovendo significaes, associaes, entrelaamentos e
conexes com o laboratrio escolar e, ao mesmo tempo, propiciando visualizar a
multiplicidade de vozes que esse contexto escolar poderia oferecer ao ensino da Qumica.
Na sequncia, apresenta-se As vascularizaes do laboratrio escolar, em
que so apresentadas as vascularizaes que ocorrem durante as prticas laboratoriais, no
como vasos condutores, mas trazendo a discusso de que esse local de atrao e potencial de
visibilidade conecta-se a uma performance especfica, ou seja, a figura do qumico resultado
da mobilizao dos humanos e no humanos, que nem sempre caminham no sentido do
discurso pedaggico, pois promovem aes imprevisveis ao mudar naturalmente o efeito de
sentido durante a interao do coletivo.
Momentos imprevisveis estes que, conectados aos argumentos de Law
(1989), o qual associa a cincia de laboratrio com as atitudes de um empresrio, trouxeram,
como reao da porta-voz dessa cincia escolar e seu discurso pedaggico, novas estratgias
para que os actantes fossem captados aos objetivos das prticas ali executadas. Traz
discusses sobre a porosidade do laboratrio escolar, de como essa rede laboratorial escolar
complexa e imbricada, pois esse coletivo heterogneo que atua no laboratrio estende as
malhas de significaes, fatos que fazem com que o pesquisador/observador siga os passos
desses atores na tentativa de maximizar o que esses movimentam, analisar as convergncias
ou divergncias que levaram a traduzir a performance ali apresentada sem ancorar em sua
origem, trazendo discusses e reflexes para o ensino da Qumica.
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2 ELEMENTOS TERICOS QUE ME MOVEM
Este captulo apresenta os principais termos latourianos que movimentam a
anlise e discusses dos registros de campo desta pesquisa, assim como outros elementos
tericos dessa perspectiva que se conectam com a tematizao proposta, proporcionando ao
leitor uma ideia do pensamento latouriano e a pluralidade de significaes que podem ser
associadas ao ensino de Qumica.
Ao ajustar o rumo terico, transitei brandamente por vrios conceitos e
definies, que foram se inscrevendo durante essa jornada etnogrfica. Cabe, neste captulo,
discutir melhor os conceitos utilizados neste trabalho para saturar as discusses e
interpretaes do que o coletivo movimenta por essa rede laboratorial escolar. Ao exercitar,
como cita Oliveira (2009), a tarefa solidria de escolher um autor e sua perspectiva,
acabamos deixando um rastro de esquecimento de outras possibilidades tericas que
tambm poderiam ser sintonizadas a este trabalho, sem apregoar a ideia de me desvincular de
movimentos estruturalistas ou emitir rtulos, mas trazer o exerccio de pensar sobre o
referencial latouriano e as influncias dos Estudos Culturais da Cincia como mais uma
alternativa de olhar os estudos de laboratrios no contexto escolar.
No busco uma origem nem um ponto de chegada, mas, como menciona
Latour (1994, p. 51), algo [...] que desdobra ao invs de desvelar, que acrescenta ao invs de
amputar, que confraterniza ao invs de denunciar [...], ao se referir ao olhar no moderno,
talvez a estejam minhas associaes, sem fazer juzo de valor sobre outros mtodos que
poderiam ser viveis ou crticas sobre a territorializao das teorizaes qumicas, mas a
possibilidade de mostrar algo com outras lentes, em uma cintica ligeiramente diferente do
que possa ter aparecido na tica do laboratrio escolar quanto ao ensino de Qumica, trazendo
reflexes sobre as produes que navegam por esse espao laboratorial, a partir dessa (re)
olhada.
2.1 SINTONIZANDO A FREQUNCIA TERICA
Neste subitem, apresentam-se os principais elementos tericos que
movimentam o objeto de estudo sobre as contingncias desse tecido cultural, ou seja, o
laboratrio escolar desse colgio e suas conexes. Assim, poderia se perguntar: quem so os
actantes? Utilizo esse termo pela tica de Latour (2000; 2001; 2012), o qual sinaliza que tanto
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as pessoas como as coisas tm emisses de vozes, so representadas. Durante as encenaes
tericas e prticas, aparece a figura dos actantes, que so constitudos por um coletivo de
elementos humanos e no humanos heterogneos e que produzem significaes para a cincia
qumica escolar, termo este tomado de emprstimo da Semitica, como menciona o prprio
autor, para incluir o papel dos no humanos de forma integrada com os elementos humanos
no contexto escolar.
esse conjunto entrelaado e imbricado que nos proporcionar refletir
sobre o desempenho que os actantes anunciam e como os aliados (TV Pendrive, livro didtico
de Qumica, laboratrio escolar e outros protagonistas) interferiram no perfil desses actantes.
Na perspectiva latouriana, os actantes so informantes que trazem elementos
significativos e, portanto, responsveis pela cena de atuao, so as vozes do campo,
disseminadores de um sistema de linguagem, elementos heterogneos que movimentam aes
em prol dessa cincia (LATOUR, 2000).
Mas poderiam perguntar: como visualizamos a paridade dos atores humanos
e no humanos em um contexto escolar? E quem seriam eles? No da simples aproximao
do sujeito e objeto que se anunciam os atores humanos e no humanos; na realidade, a
interao, a relao entre estes, que proporciona a existncia dessa coletividade. Quanto mais
o objeto for usado, mais significao este oportunizar, mais no humano tornar-se- e,
consequentemente, o sujeito reportar tambm o status de humano.
Ao exercitar a ideia de que o ensino de Qumica movimentado por esse
conjunto de humanos/no humanos, pode-se oferecer a oportunidade de ampliar as conexes e
associaes mobilizadas por esses actantes, possibilitando visualizar as cadeias operatrias
que fazem parte do processo de desenvolvimento dos conhecimentos qumicos, gerando
relaes dialgicas que estendam os olhares dessa cincia escolar pelas complexas e
imbricadas redes em que se transita, e que as performances anunciadas por essa cincia so
frutos da ao desse coletivo heterogneo, de uma cincia sempre em movimento e no
estanque.
Uma proveta graduada s ser considerada um no humano se estiver
promovendo uma ao em conjunto com os alunos e o (a) professor (a), por exemplo, em um
laboratrio, pois na relao que eles aparecem e geram vitalidade s cenas prticas. E quanto
mais esses aliados forem convocados e usados por mecanismos de repetio nos
procedimentos de uma prtica laboratorial, mais significaes movimentaro aos conceitos
qumicos e, consequentemente, a desempenhos que valorizem esse espao como
privilegiado aos interesses do campo da cincia escolar. Caso contrrio, ser sempre um
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simples objeto em desuso, esttico, sem vitalidade e merc da dicotomia sujeito/objeto, na
guerra de um estrelismo e fragmentao da imponncia de se atribuir especificaes a quem
devem ser conferidas glrias, caractersticas estas de um purismo cientfico.
Na realidade, veremos na sequncia deste trabalho que os actantes
apresentam-se nas contingncias desse campo, ou seja, alguns aparecem de forma inesperada
e imprevisvel, sem uma contratao prvia da cincia. Sigo, portanto, os passos da professora
Irene18
e dos alunos do 3 ano B do diurno, do laboratrio e de outros que se apresentaro
durantes as encenaes desse contexto escolar.
De acordo com Latour (2001), o no humano a verso do tempo de paz
do objeto, uma forma de superar a ambio de distinguir responsabilidades, papis e
definies dessa dupla sem mobilidade quando vista como dissocivel, mas capaz de
transcender essas concepes, afinal esses atores nunca estiveram em um campo de batalha,
seria uma tica reducionista pensar dessa forma.
Os no humanos, conforme menciona Silva (2001), no so marginais e
subculturais; so considerados como hbridos, ou seja, so indissociveis, mobilizam em
conjunto significaes, mas so volteis, imprevisveis, fluidos e possibilitam mltiplas
conexes, o que torna o laboratrio um espao rico de associaes, que configuram e
reconfiguram as encenaes experimentais. Nesse sentido, acompanhar os links
intermedirios19
que esses atores produzem de forma harmoniosa e, ao mesmo tempo,
embaraada, gerando estratificaes por meio de sequncias organizacionais, resultados,
treinos e habilidades traduzem uma performance.
A noo de performance complexa e polmica pela multiplicidade de
formas e olhares explorados na comunidade cientfica, o que leva a abrir vrias possibilidades
interpretativas, portanto optei pelo olhar latouriano, buscando dialogar com outros pensadores
que possam trazer reflexes com essa perspectiva.
Assim, para Latour (2000), a performance est associada essncia do
heri, pois os heris so definidos por seus desempenhos, seja nas histrias da cincia ou nos
contos de fadas, pois a vitria que alcanam depois de batalhas travadas, resistncias e
convencimentos que garante os resultados que lhes proporcionam o reconhecimento.
Trazendo isso para o laboratrio escolar, uma atividade prtica ter xito se todos os passos
18 Nome fictcio dado professora de Qumica do 3 ano B do diurno do Colgio Estadual Itacelina Bittencourt, que foi um
dos actantes desta pesquisa etnogrfica. 19 Utilizo aqui o termo links intermedirios no sentido do olhar latouriano de visualizar a cincia qumica escolar durante
seu desenvolvimento, ou seja, cada etapa dos procedimentos prticos nos proporciona elementos de significao, que
mostram a atuao dos actantes e suas conexes com a performance.
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dos actantes forem bem delineados pelos interesses a que se propem, calculados,
organizados, planejados, monitorados, com mecanismos de repetio e, consequentemente,
anunciando uma competncia, isso que propiciar lentamente desvendar a performance
nesse espao pedaggico.
A figura do heri pode gerar a impresso de que existe uma paisagem
esttica organizada, mas se maximizarmos as cenas que acontecem, por exemplo, no contexto
escolar, veremos que paira uma utopia se estacionarmos nessa tica, pois as significaes
perpassam um possvel estado de repouso.
Para Latour (2001, p. 346, grifo meu), O segredo definir o ator com base
naquilo que ele faz seus desempenhos no quadro dos testes de laboratrio. Mais tarde, sua
competncia deduzida e integrada a uma instituio.. Nesse sentido, a prpria figura do
heri vem acompanhada de sua performance. Sua marca de visibilidade do herosmo surge de
desempenho e competncia, mas, no olhar dos Estudos Culturais, buscamos acompanhar
durante o processo as aes que anunciam vozes de um ato heroico, perpassando possveis
ideias conectadas a esteretipo e tipificao.
Se o laboratrio pode representar lugares de heris, de busca de aspiraes,
de fenmenos visveis, de sucesso, queremos apenas buscar seguir os movimentos dos
elementos humanos/no humanos e mostrar que no existem fronteiras entre eles, e que um
heri no singular, pois seus intermedirios encarregam-se de registrar e demonstrar que
isso seria um pensar antagnico.
Segundo Silva (1974, p. 30), O conceito de heri est estreitamente ligado
aos cdigos culturais, ticos e ideolgicos, dominantes numa determinada poca histrica e
numa determinada sociedade, mas, para Latour, a anatomia do heri acompanhada de sua
performance, que ritualiza uma linguagem, resultado da fuso de aes dos actantes
humanos/no humanos. De acordo com Canela (2008, p. 12), o heri como uma [...] mola
impulsionadora de uma nova procura de equilbrio, mas o instigante nos Estudos Culturais
no pensar em compreender especificamente o que o heri, mas como se chegou a esse
ponto, como cita Latour (2002), analisar essa cascata de imagens em transformao que
possam trazer uma dose de cincia heroica, onde nossas observaes so sempre provisrias.
Quando Latour (1989) remete-se figura do heri com relao, por
exemplo, Histria da Cincia traada por Pouchet e Pasteur, argumenta que os vencedores
no devem ter receio em ver a histria dos vencidos sendo narrada, para eles seria a
concretizao do reconhecimento da comunidade cientfica e, para ns, a justia entre os
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pratos de uma balana em visualizar os possveis caminhos e bifurcaes que poderiam ter
acontecido.
Associando com o contexto escolar, se o laboratrio credita um domnio ao
heri que se estende pela sua performance, cabe a misso de maximizar no mesmo grau os
possveis actantes que, durante o processo de ensino da Qumica, forem ofuscados ou
reprimidos pelos interesses dessa cincia, ou seja, a tentativa de apagar as vozes que possam
deslocar os objetivos durante o ensino de Qumica, o que seria uma das caractersticas da
simetria.
A performance desencadeia um gesto expressivo existente na linguagem,
refletindo que o laboratrio um lcus de informao, de significao e produtividade, fatos
estes que o coletivo dos atores humanos e no humanos potencializa e conecta para alm da
porosidade desse espao prtico. Portanto, as manifestaes performativas presentes na rede
laboratorial escolar tm um sentido lingustico, compreendidas por uma ao, um ato
expandido, o desempenho que chega a uma virtude. Assim, quando os humanos/no humanos
esto, de certa forma, representando no laboratrio, esto vinculando-se a figuras que
transmitem sensao de vencedores, de sucesso e glria, como a do qumico que veremos nas
contingncias prticas, evocada pelos actantes durante as cenas tericas/prticas nesse colgio
(CONTE, 2013).
Pode-se compreender a performance como uma dimenso esttica, uma
forma de comunicao durante o processo de ensino da Qumica que auxilia na validao de
conceitos qumicos e, ao mesmo tempo, gera autenticidade ao que serpenteia pelo laboratrio
escolar, como se legitimasse as teorizaes qumicas. Associando ao pensamento latouriano,
uma voz que ecoa perante os resultados obtidos das atividades tericas/prticas, mas no
ligada especificamente ao discurso pedaggico, e sim fruto dos interesses da cincia qumica
escolar.
Assim, a ideia associar a performance, na perspectiva latouriana, como
resultado de criaes prprias mediadas pelo coletivo de humanos/no humanos e sem
conexo direta aos holofotes da reproduo do conhecimento qumico, pois pensar assim seria
remeter-se a uma expresso de linguagem nica.
Na perspectiva em que este trabalho se apoia, no existe um purismo na
performance, ou seja, est descentralizada, no sentido de que o prato da balana sujeito ou
objeto mais denso. nesse mbito que se encontra sua simetria, vermos em uma relao
de igual para igual as aes movimentadas por eles, desfocando-se da objetividade e
caminhando na subjetividade. A performance uma forma de dialogar a cincia, no
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existindo um anseio em encontrar nela um horizonte, mas sim acompanhar, durante o
processo de ensino da Qumica, os agentes responsveis por essas marcas performativas que
se combinam com as teorizaes qumicas.
Dessa maneira, a performance pode ser vista como o efeito da mobilizao
dos actantes, uma expanso da comunicao, a aplicabilidade de uma ao exitosa. Pode ser
considerada como um ato potencializado do sucesso combinado pela paridade de
humanos/no humanos, ou seja, sinnimo de um excelente desempenho desses actantes. A
performance possui uma mobilidade lingustica ampla e imensurvel quando visualizamos
como elemento que culminou, por exemplo, de uma extensa e imbricada rede laboratorial
escolar.
E se, em um determinado estgio do processo de ensino de Qumica, a
performance proporciona desequilbrio, nossa misso acompanhar o que levou a isso, sem
nos atermos a esse estilo lingustico como um produto final, mas buscando reflexes dos
processos intermedirios que conduziram a isso. A ao performtica, como menciona
Conte (2013), pode refletir em um aliado de domnio da cincia, que apresenta como
sinnimos preciso, organizao, treino, foco, determinao e intencionalidade, pois seria um
ato de inocncia pensar que relativamente por trs isso no estivesse impresso como pano de
fundo na cincia, quando no claramente explcito.
Para Latour, seria ser reducionista pensar que a ltima palavra da
performance vem do sujeito; pensar assim seria apagar, filtrar e fragmentar o acontecimento
performativo, uma sensao ilusionista e enraizada de segurana cnica durante o ensino de
Qumica.
A performance no uma aplicao monolgica, como cita Freire (2006),
quando argumenta da competncia cientfica, discursiva e at poltica, ao retratar os atos de
uma docncia, afinal ela no tem origem em si mesma, na singularidade; seria um idealismo
purificado ter como inteno qualificar um ato performtico durante o ensino terico/prtico
da Qumica. Ao associar um dos elementos centrais deste trabalho, a performance,
educao,
Vale lembrar que o termo performance, que ressoa no campo da educao,
proveniente de uma tradio positivista, compreendida como domnio de
procedimentos e tcnicas, que busca sua legitimao no melhor desempenho
funcional e sistmico dos professores (CONTE, 2013, p. 87).
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Para a autora, a performance ultrapassa a viso de que apenas um
instrumento de linguagem para fins didticos, possui uma veracidade expressiva, mas foca
apenas em alguns actantes presentes nesse processo de desenvolvimento do saber,
especificamente nos sujeitos. A que entra a relevncia em olharmos para o ensino da
Qumica pela paridade de actantes, pois contraditrio acharmos que somos invadidos pelos
objetos, na realidade eles agem em conjunto com os sujeitos, a partir da que o coletivo de
humanos/no humanos aparece, portanto no existem especificaes territoriais ou limites a
ser infringidos, com rotulagem quanto a domnios prprio. Assim, o olhar latouriano convida
a nos deslocarmos para o que esse conjunto heterogneo faz e no para atores que pudessem
ter luz prpria e essencialidade excntrica.
a performance que, segundo Habermas (1987), est associada a
elementos lingusticos, os quais, consequentemente, esto conectados cultura, arte, ao
cotidiano, literatura, ao cinema etc., sinalizando uma linguagem no cenrio laboratorial,
onde a eficincia, os resultados, a tcnica e os esforos de organizao reproduzem o sucesso
esperado; so foras de expresso que confirmam que tudo deu certo, que os jogos de
interesses foram alcanados e que a estabilizao do conceito qumico envolveu ali as
movimentaes performadas por meio da execuo de papis estabelecidos ou imprevisveis.
preciso ver a performance com um olhar desconectado da codificao do
conhecimento, pois o saber e a ao movimentados pelos actantes perpassam a possvel
eleio de um elemento determinista em uma cena de atuao, sem se apegar a revelaes e
tentar achar originalidade entre os actantes, pois a performance est longe de apresentar uma
trivialidade, e a alteridade est nesse coletivo em ao.
Conte (2013, p. 97) cita sobre a performance educativa estar ligada [...]
intensidade lingustica-expressiva de sentido coletivo, e trazemos essa noo para o olhar
latouriano de que as performances possuem um sistema de linguagem e expressividade, mas
conectadas ao que os humanos/no humanos fazem, questionando, portanto, a possvel solidez
que possa existir apenas no sujeito, ou seja, a realizao humana, e se existe uma
racionalidade tcnica de produtividade, a linguagem no singular, monolgica e exclusiva
ao estrelismo de um agente.
Para Deleuze (1997, p. 111), a performance como um smbolo que [...]
no designa nem significa, mas mostra [...], ou seja, ela surge de uma movimentao instvel
e flutuante, no vista como uma formulao com identidade prpria, uma forma determinada,
mas resultado de uma fora componente, em que o visvel performtico e os conceitos
qumicos esto entrelaados por associaes complexas, e se ela aparece, como menciona
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Testa (2012), como um efeito da diferena, reflexo de combinaes, portanto cabe aqui
acompanhar o coletivo heterogneo de actantes que a mobilizou.
2.2 CONECTANDO-SE PERFORMANCE
Durante as anlises das mobilizaes dos actantes e suas conexes com a
performance que se anunciou nesse campo, outros elementos tericos da perspectiva
latouriana conversaram com as vozes emitidas por esse coletivo, tornando-se relevante a
necessidade de trazer discusses desses termos para o corpo deste trabalho.
Buscando analisar a cincia desapegado de uma forma, Latour (1994)
prope visualizarmos o processo cientfico sem separaes, o mundo das coisas de um lado e
o mundo dos sujeitos de outro, mas sendo descritos da mesma maneira, tratados nos mesmos
termos, pois o coletivo que movimenta essas aes, o princpio de ultrapassar essa dupla
separao moderna entre os humanos/no humanos, pois no h uma diferena em espcie
entre eles, e tudo que existe a interao entre ambos.
Se olharmos uma aula terica ou prtica, as interaes que existem entre
professor/alunos so mediadas por objetos, que, na relao, ultrapassam esse estado de frieza
e repouso, geram ao e mobilizam significaes tanto quanto os humanos, levando-nos a
refletir acerca da importncia de visualizar, no ensino da Qumica, que ambos devem ser
considerados. Essa a maneira de entender os estudos cientficos, em nosso caso especial, a
cincia qumica escolar, pois esto pautados em prtica e no em ideias. Como o prprio autor
argumenta, gestos que possam ser considerados como insignificantes podem contribuir para a
efetivao de uma performance, em que essas relaes entre o humano/no humano no so
hierrquicas nem lineares, negando que exista uma separao entre o dentro e fora, por
exemplo, de um laboratrio escolar. Pode at existir entre eles o termo relativamente, mas
esto imbricados, ou seja, h uma constante retroalimentao, com a abolio do pensamento
dualstico (LATOUR, 2000).
O termo latouriano simetria aplicado nesse trabalho no sentido de
exercer o sentido de pluralidade de significaes e de igualdade cnica dos actantes. Como o
autor menciona,
Trata-se, no mnimo de exercer uma justia elementar que convoque as duas partes
da controvrsia para uma espcie de tribunal e que as deixe falar uma de cada vez.
Chamarei de princpio de simetria aplicao desta justia elementar s
controvrsias cientficas (LATOUR, 1989, p. 57, grifo meu).
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Exercitando uma metfora com a perspectiva latouriana quanto atividade
cientfica, podemos dizer que a cincia escolar tem uma dimenso coletiva, em que muitos
aliados so convocados para contemplar os interesses das teorizaes/experimentaes
qumicas, e se em alguns momentos do processo de ensino da Qumica alguns actantes so
vencidos, cabe trazer esses episdios discusso sem privilegiar o polo do sujeito ou do
objeto, isto , valorizar simetricamente o coletivo (LATOUR, 2000).
A assimetria seria justamente uma ao contrria a esse olhar simtrico, de
se apoiar na tentativa de classificar e nomear a quem cabe o peso de uma atuao, isso
fragmentar uma cena qumica escolar, pois o poder de mobilizao recai sobre um nmero
enorme de recursos e aliados no processo de ensino da Qumica, descrevendo o mundo
escolar por meio de suas hibridizaes, ou seja, visualizando que o par humano/no humano
indissocivel.
O olhar assimtrico reproduz traos lineares, baseia-se no produto final de
um fato cientfico ou cena terica/prtica escolar, faz pensar que existe uma diviso entre o
lado de dentro e de fora de um laboratrio, de que os humanos/no humanos agem
separadamente, de que, na interao entre ambos, existe um papel singular de
responsabilidade por uma ao. Seguir essa linha de raciocnio cria uma ponte com o
reducionismo, determinismo e emancipa a cincia, a saga de inclinar a balana para o lado
que conceda o desnivelamento e, consequentemente, a certificao de heri, pautando-se em
formas, como se existisse um grande divisor de guas em um coletivo, a flecha irreversvel
que atribui prmios aos vencedores (LATOUR, 1994; 2000).
Sobre os termos traduo e translao que, na perspectiva latouriana, andam
juntos, o autor menciona:
Alm de seu significado lingustico de traduo (transposio de uma lngua para
outra), tambm tem um significado geomtrico (transposio de um lugar para
outro). Transladar interesses significa, ao mesmo tempo, oferecer novas
interpretaes desses interesses e canalizar as pessoas para direes diferentes
(LATOUR, 2000, p. 194).
O autor se refere ao trabalho pelo qual os actantes modificam, deslocam e
transladam seus interesses, em determinados momentos, at contraditrios. a interpretao
dada pelos construtores de fatos e daqueles que so alistados em prol das intencionalidades
dos cientistas. Traduo essa que, s vezes, apresenta-se contraditria, pois ao mesmo tempo
em que busca trazer novos aliados para que suas caixas-pretas se consolidem e ganhem o
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status de facticidade, usam de estratgias para manipular no sentido do que adotam e
disseminam para que permanea relativamente inalterado.
Trazendo para o contexto escolar, muitas vezes, para atingir, de um lado, os
interesses da cincia qumica escolar e, consequentemente, da porta-voz dessa cincia e, do
outro lado, os interesses dos alunos, estes acabam realizando desvios de rotas de forma
estratgica, de forma sutil e, algumas vezes, sem que percebam, para que seus objetivos sejam
atendidos, como, por exemplo, um aluno comentando sobre um episdio que possa ter uma
conexo com o contedo ministrado, mas com a inteno de diminuir o ritmo cognitivo; ou a
professora dar ateno a um comentrio de um grupo de alunos que possa no ter relao com
o que est sendo ministrado, para que posteriormente sua ateno seja convertida em foco e
rendimento do conhecimento qumico exposto. Compreendo que os tradutores que aparecem
neste trabalho so justamente o coletivo de humanos/no humanos que aparecem nesse
contexto escolar, uma vez que as duas exemplificaes citadas surgem de um coletivo.
Como uma das caractersticas de Latour utilizar metforas20
para realizar
anlises e reflexes sobre estudos cientficos, trago aqui dois exemplos de suas obras Cincia
em Ao e Esperana de Pandora referentes a analogias quanto figura do heri e suas
performances, no sentido de relacion-las com o ensino de Qumica.
A primeira de um exemplo do stio emprico de Luis Pasteur e seu
laboratrio, sobre sua fermentao lctea, considerado pelos historiadores da cincia como um
dos artigos mais importantes deste qumico, em que esse fermento recebeu a nomenclatura de
Cinderela da Teoria Qumica, um personagem glorioso e heroico, e Pasteur, o Prncipe
Encantado com seu esprito triunfador (LATOUR, 2001). Aqui vemos uma associao
interessante do heri com a figura do qumico, que est conectada s anlises etnogrficas
vitalizadas nas atividades experimentais, entre o qumico Liebig vencido, que se pautava
em explicar os processos de fermentao por termos puramente qumico, e Pasteur
vencedor, que se atreveu a quebrar os protocolos da cincia do sculo XIX, afirmando que
existia um micro-organismo responsvel pela fermentao do leite, ou seja, trazer para a
discusso dessa cincia a atuao de algo vivo.
Assim, o autor utiliza-se da metfora da encenao para visualizarmos a
ao dos humanos/no humanos em um mesmo plano.
20 Para Silva (2000, p. 78), esse termo refere-se a uma das figuras da retrica clssica, o processo pelo qual um signo
substitudo por outro, ao qual transfere seu significado. Em geral, utiliza-se a metfora para expressar um signo pouco
familiar por outro mais familiar ou um signo mais abstrato por outro mais concreto [...]. Neste trabalho, essas associaes
utilizadas por Latour so transferidas em seus estudos etnogrficos com cientistas para a cincia escolar.
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Essa metfora apresenta a grande vantagem de chamar a ateno para os dois planos
de referncia ao mesmo tempo, ao invs de empurr-los em direes opostas.
Embora o trabalho do encenador ou do titeriteiro vise claramente a seu prprio
desaparecimento desviando a ateno do que acontece atrs do palco para o que
acontece em cena, sem dvida ele indispensvel para o espetculo. Muito do
prazer da plateia provm, com efeito, da presena vacilante desse outro plano, ao
mesmo tempo constantemente sentido e agradavelmente olvidado. Entretanto, junto
com o prazer, manifesta-se a debilidade principal dessa figura de retrica
(LATOUR, 2000, p. 157-158).
Essa metfora, que se encontra conectada ao mundo da arte, oportuniza
refletirmos que uma encenao teatral no se deve apenas aos atores que esto representando
naquele momento perante a plateia, ou seja, necessrio tirar os refletores da ideia de que os
actantes so apenas aqueles que ali se apresentam, mas voltarmos nossos olhares para o fato
de que, mesmo que as atenes estejam voltadas quele momento, os humanos no esto
atuando sozinhos desvinculados dos no humanos. Portanto, se Pasteur traz a noo de uma
figura heroica enquanto qumico, a performance no se deve exclusivamente a ele nem aos
seus micrbios, mas foi o coletivo que rubricou essa cincia gloriosa na histria da cincia.
Ao se utilizar da metfora de encenao para associar aos mritos de
Pasteur/fermento, Latour sinaliza que essa glria nasce de um coletivo e da importncia de
seguirmos todos os caminhos que estes traaram com um olhar simtrico. nesse mesmo
ritmo que trazemos esse pensamento para o ensino de Qumica, de que a sinalizao de uma
performance no contexto escolar precisa ser vista com as mesmas medidas que os
humanos/no humanos desenvolvem em prol dessa cincia.
A segunda metfora refere-se metfora militar que Latour usa para
associar a questo de analisar, durante o processo de construo de uma facticidade cientfica,
a quem realmente se deve o sucesso e o mrito pelo feito realizado. Para isso, sugere a
aplicao de duas etapas metodolgicas: uma de utilizar o mecanismo primrio que
possibilitar analisar o processo de recrutamento e alistamento e outra, um mecanismo
secundrio relacionado com a atribuio de responsabilidade, mas com a conscincia de que o
herosmo parte do processo coletivo.
Quando um historiador diz que Napoleo conduziu o Grande Exrcito atravs da
Rssia, todo leitor sabe que Napoleo, com seu prprio corpo, no era
suficientemente forte para vencer, digamos, a batalha de Borodino. Durante a
batalha, meio milho de pessoas est tomando iniciativas, misturando comandos,
ignorando ordens, fugindo ou morrendo corajosamente. Esse gigantesco muito
maior do que aquilo que Napoleo pode manipular ou mesmo enxergar do topo de
uma colina. Contudo, depois da batalha, seus soldados, o tsar, Kutuzov, que
comanda o exrcito russo, o povo de Paris, os historiadores, todos atribuem a ele e
s a ele a responsabilidade pela vitria [...] (LATOUR, 2000, p. 196-197).
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As relaes so complicadas e imprevisveis, no so frutos apenas de
ordens de comando, assim como na cincia um reconhecimento cientfico no parte apenas de
decises hierrquicas, trazendo para o ensino da Qumica, as teorizaes qumicas no
contexto escolar, que permeiam como um dos elementos circulantes e das diversas
associaes que produzem, so resultados de um coletivo de actantes que mobilizam e
continuam gerando transformaes, portanto eleger a responsabilidade de uma performance
visvel seria, no mnimo, uma atitude utpica, mas acompanhar, por exemplo, as etapas de um
procedimento prtico no laboratrio escolar propiciaria uma gama de interpretaes e
reflexes abertas e provisrias sobre o que realmente ali aconteceu, estendendo a malha de
significaes.
Assim, percebemos que as figuras de heri de Napoleo e a de qumico que
veremos no decorrer deste trabalho no tm exclusividade de cena e de atitudes isoladas, so
reflexos de um conjunto de actantes agindo e promovendo interaes a ponto de visualizar
determinadas performances, sejam na sociedade ou em um laboratrio escolar especfico de
uma instituio de ensino.
A utilizao de metforas na perspectiva latouriana possibilita fazer
analogias com a cincia e mostrar o sentido da coletividade e do exerccio da simetria ao olhar
para as atividades cientficas e escolares, como, por exemplo, entre o laboratrio e seu
entorno, pois pensa a cincia como uma rede de actantes. Na busca de pesquisar o espao
laboratorial desse colgio e suas conexes, fui a campo, como menciona Larrosa (1994, p. 35)
[...] explorar novos sentidos, ensaiar novas metforas, para essa cincia que navega pelos
espaos escolares e traz significaes ao ensino de Qumica, serpenteando pelos eixos da
sociedade.
2.3 RELEVNCIAS DOS ESTUDOS DE LABORATRIO
Sinalizo aqui alguns dos precursores dos estudos de laboratrio que, no
mbito internacional, tm avanado muito com pesquisas nessa rea e que se tornaram
referncias juntamente com Latour, trazendo reflexes pertinentes cincia, como Law
(1989), que retrata sobre redes21
e seus laboratrios, onde realizou uma pesquisa etnogrfica
21 A teoria ator-rede, desenvolvida por Bruno Latour, John Law e outros precursores, busca exercitar olhares voltados para as
prticas cotidianas da cincia, em que os humanos e no humanos entrelaam-se com microconexes e (des) conexes, com
uma dinmica constante de associaes, em que o ambiente se configura e se reconfigura a todo momento pelos movimentos
que esses actantes realizam. No h garantia de estabilidade regida por elementos centralizadores, em que os mediadores no
so puros humanos nem no humanos. a que trazemos o conceito de performance, no sentido de acompanhar as aes
desses actantes no laboratrio escolar do colgio Itacelina Bittencourt.
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em um laboratrio cientfico, acompanhando a cientista Rose e seu grupo na rea de
Bioqumica, que realizou experincias com ratos, com o objetivo de verificar a afinidade de
diferentes polmeros para diferentes tipos de tecidos orgnicos, ou seja, relacionando-os com
os efeitos biolgicos dos polmeros e a ligao destes com possveis medicamentos, em que
usou uma descrio materialista da cincia, trazendo reflexes, como a defesa de que a
cincia do laboratrio no centrada em atividades cerebrais, mas associa a questo de
organizao e prtica desses cientistas a de empresrios, uma metfora que utiliza para a
reflexo da natureza da atividade cientfica.
Trazendo o exerccio de associar a ideia de Law a um cientista empresrio
para o contexto escolar e as movimentaes dos actantes como uma possibilidade de leitura
de que a professora de Qumica, enquanto uma das informantes da cincia escolar, tambm
trouxe caractersticas dessa metfora realizada pelo autor, durante as interaes com os alunos
e outros elementos no humanos. Assim, podemos citar que o imprevisvel traz sinais de que
a professora de Qumica precisou administrar esse fator, para que os interesses da cincia a
qual representava no fossem interrompidos.
O imprevisvel pode ser visualizado como as atitudes geradas pelo coletivo
de actantes que poderia oferecer uma coliso e desvio aos objetivos da prtica docente dessa
informante durante uma aula terica/prtica. Assim, para capturar os alunos ao foco de uma
determinada teorizao qumica, precisou, como veremos nas anlises desta pesquisa,
estabelecer estratgias, rotas de fuga e de elementos de captura, como: trabalho, pesquisa,
relatrios, avaliaes e outros que estariam atrelados a notas, como um poder de
convencimento para trazer os actantes ao seu discurso pedaggico, alm da argumentao de
serem terceiro ano, que precisavam estudar mais para obter um melhor desempenho nessa reta
final do Ensino Mdio e como futuros aspirantes ao Ensino Superior.
Como afirma Law (1989, p. 07), [...] preciso controlar os efeitos de
interrupo [...], reorganizar o espao de atuao para que a regularidade volte a se
estabelecer e, pelo menos por alguns instantes, a linearidade dessa cincia volte a fluir em seu
curso normalmente. So estratgias para que os diferentes elementos de uma rede possam
voltar ao seu estado original; nesse sentido que, muitas vezes, a porta-voz da cincia
associa-se ao cientista empresrio, na tentativa de administrar o espao de atuao dos
actantes e combinar uma srie de recursos heterogneos humano/no humanos como aliados,
para que a performance dessa cincia escolar seja alcanada.
Com o descobrimento do laboratrio como um objeto de investigao e
lugar de observao, vrios socilogos apresentaram uma disputa de quem teria sido o
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primeiro a aterrissar nesse espao como pesquisador. Assim, Knoor-Cetina enfatizou, em
1995, que o seu estudo era um dos primeiros desse local de produo cientfica. A estudiosa
realiza uma pesquisa etnogrfica no Instituto de Microbiologia e Protenas Vegetais em
Berkeley, e argumenta que o laboratrio seria um lcus onde existem, ao mesmo tempo, as
dimenses de ordem social e as dimenses de ordem cognitiva, sem possibilidade de
distines entre elas, como mostra que os objetos cientficos no so fabricados
tecnicamente nos laboratrios, mas esto intrinsecamente construdos de forma simblica e
poltica (KNOOR-CETINA, 2005).
Segundo Lenoir (1998), no corao dos laboratrios, existem caracteres de
disperso, como um labirinto com arranjos prticos que transformam uma forma de matria
em outra, produzindo traos escritos que geram inscries literrias, ou seja, criando-se
modelos de representao, como uma cincia de linguagem pela preciso de suas mquinas e
dos fenmenos que ali coexistem, gerando uma prtica escrita-jogo, trazendo a reflexo de
que o conhecimento uma produo local, em que a cincia no autnoma e, muito menos,
desinteressada.
Para Callon (2008), os laboratrios so somente um elemento de
dispositivos mais extensos, e, para compreender a dinmica da produo de conhecimentos e
tcnicas, no basta se interessar somente pelas atividades de laboratrio e pelo que os
cientistas fazem, importante abordar tambm o conjunto de coletivos heterogneos
profissionais e sociais que participam, de uma maneira ou de outra, da concepo, elaborao
e transporte de inovaes. Segundo o autor, no se pode compreender as aes humanas e a
constituio de coletivos sem levar em conta a materialidade, as tecnologias e os no
humanos.
Essas so algumas sinalizaes de como os estudos de laboratrio,
principalmente no que se convencionou chamar de Estudos Sociais das Cincias, em que a
preocupao com os laboratrios enquanto uma unidade analtica da Sociologia da Cincia
estava associada ao desenvolvimento dessa rea (MATTEDI, 2007), demonstram vrios
olhares e discusses fora de nosso pas. Na esfera nacional, segundo uma pesquisa realizada22
,
percebe-se que esses estudos ainda esto mal problematizados, pois no constam trabalhos
22 Foi realizada uma pesquisa nos peridicos da CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior,
com foco em Estudos de Laboratrio no Brasil, buscando encontrar trabalhos similares, segundo a perspectiva latouriana, a
que proponho, e tambm na QNESC Revista Qumica Nova na Escola, que apresenta uma periodicidade trimestral, tendo
como objetivos o trabalho, a formao e a atualizao do ensino de Qumica brasileiro, associado linha editorial da
Sociedade Brasileira de Qumica, realizando uma garimpagem desde o incio de sua publicao, em 1995, at a ltima
edio, em maio de 2013.
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que buscam exercitar analiticamente como a cincia qumica nas bancadas dos laboratrios
est imbricada com seus actantes e suas respectivas performances, olhar que parece no
movimentar a comunidade cientfica que estuda a educao experimental no Brasil,
caracterstica que representa mais um fator motivador a realizar este trabalho de pesquisa.
Buscando nos deslocar de olhares assimtricos que possam exercitar a
atribuio de papis s contingncias desse colgio, reavivaremos aqui um instigante
pensamento do Programa Forte da Sociologia, desenvolvido por David Bloor, por volta de
1976, fundado na Unidade de Estudos da Cincia, da Universidade de Edimburgo, que tinha
como finalidade compreender causas que levavam distintos grupos sociais, entre esses, de
cientistas, a filtrar determinados aspectos da realidade como foco de estudo e argumentaes
cientficas. Bloor via o trabalho dos cientistas como uma construo social, associado tanto a
aspectos internos da comunidade cientfica como a aspectos externos da sociedade, surgindo
da a ideia bsica de levar em conta a simetria do contexto social quanto ao contedo
cientfico, ou seja, de colocar em pratos de uma balana a Sociologia da Cincia e a
Sociologia Social (BLOOR, 1991).
Para Bruno Latour, questionvel esse posicionamento inicial, pois, de
certa maneira, a cincia, vista at ento pela relao de natureza versus epistemologia, transita
agora para um olhar de construo social; assim, a concentrao dessas reflexes e
argumentaes apenas muda de terreno, estabelecendo uma dicotomia entre a Epistemologia e
a Cincia Social. uma reflexo moderna, que, na perspectiva latouriana, estas no tm
relevncia se fragmentadas, portanto busco, neste trabalho, exercitar o princpio simtrico
analtico quanto aos atores humanos e no humanos durante as relaes das aulas
tericas/prticas, que so indissociveis.
Na sequncia, esta pesquisa traz algumas sinalizaes do levantamento
bibliogrfico realizado a nvel de Brasil, referente a alguns trabalhos de pesquisa produzidos
na rea dos Estudos Culturais da Cincia associados aos laboratrios de Qumica, trazendo
indcios de que ainda existem poucas produes nessa rea e, consequentemente, a relevncia
em pesquisar laboratrios escolares nessa perspectiva, trazendo como possibilidade maiores
elementos de discusso para o ensino de Qumica.
Em um dos trabalhos de pesquisa realizados, Oliveira (2009) apresenta um
estudo etnogrfico no Colgio So Jos, em So Leopoldo Rio Grande do Sul, com o ttulo
Os laboratrios de Qumica no Ensino Mdio: um olhar na perspectiva dos estudos culturais
das cincias, que resultou em sua tese de Doutorado, na qual buscou realizar tradues da
cincia dura para a cincia escolar, com o intuito de analisar o funcionamento enunciativo de
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um laboratrio escolar do Ensino Mdio. Seu objetivo foi observar as pessoas, o local, os
instrumentos que ali se apresentassem, e buscou manter-se fiel ao que os professores e alunos
fizeram em suas prticas nos laboratrios, sinalizando algumas problematizaes referentes a
como as atividades de laboratrio do Ensino Mdio se articulam com o corpo escolar e o
social de uma maneira mais geral; referente a inscries produzidas pelos alunos, como
relatrios, provas, como eles entram no ciclo de interesses da cincia escolar e como
funcionam os jogos que do autoridade a certos discursos e apagam outros.
Tambm apresenta artigos pertinentes a essa linha de pesquisa na
perspectiva latouriana, como Estudos de Laboratrio no Ensino Mdio a partir de Bruno
Latour, trazendo reflexes acerca da superao da crena das atividades escolares de
laboratrio serem apenas simples correias de transmisso dos conhecimentos qumicos
(OLIVEIRA, 2006). Publicou tambm o artigo O Terceiro tempo, estudos de laboratrio no
Ensino Mdio a partir dos pressupostos de Bruno Latour, uma proposta de possibilidade,
posta em discusso, realizando uma articulao com os Estudos da Cincia, a partir de
proposies sobre o sistema ator/rede e enunciados cientficos, por meio das descries que
realizou em um laboratrio de Ensino Mdio (OLIVEIRA, 2005). E para finalizar sobre esse
autor, soma-se aqui seu artigo O laboratrio didtico de qumica: uma micronarrativa
etnogrfica pela tica do conceito de articulao, resultado de um estudo etnogrfico no qual
foram estudados os movimentos enunciativos da cincia em um laboratrio de Qumica do
Ensino Mdio no Colgio So Jos, So Leopoldo, RS, apresentando uma microanlise dos
eventos desse laboratrio, contribuindo para a compreenso de como produzida a ideia de
natureza das coisas em jogos de convencimento, contatos e relaes, em especfico, o
conceito de articulao (OLIVEIRA, 2008).
A pesquisa de Silva (2002), intitulada A Construo do Conhecimento
Cientfico: o processo, a atividade e a comunicao cientfica em um laboratrio de pesquisa,
traz uma abordagem sobre as redes cientficas, seu papel na construo do conhecimento e
como se estabelecem para viabilizar a construo dos fatos cientficos em um laboratrio de
Qumica de Bioinorgnica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O artigo Um sobrevo no Caso Marie Curie: um experimento de
antropologia, gnero e cincia, de Pugliese (2007), tem como intencionalidade explorar
relaes constituintes da controvrsia enquanto desdobramentos do prmio Nobel de 1903,
que laureou a descoberta da radioatividade e de elementos radioativos, analisando mediaes
entre relaes de gnero e os no humanos que so mobilizados nos laboratrios. Tambm
descreve a diferena de possibilidades masculino/feminina em fazer existir a natureza em
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relao ao poder que a definio de gnero d a uns em detrimento de outros, e como ao
fazer/existir a radioatividade, que constitui um devir, muda o efeito de sentido, mostrando que
o envolvimento da cincia nas relaes de gnero e o envolvimento das relaes de gnero na
produo cientfica so indissociveis.
Em um dos trabalhos apresentado por Marras (2010), que leva o nome de
Dialtica do Estvel e do Instvel: Recintos, Agentes de Interesse e do Meio em
laboratrios de Qumica e Biologia, esse autor levanta consideraes sobre a noo da
estabilizao ou estabilidade, rea que fundamentou o estudo etnogrfico que realizou em sua
tese de Doutorado, como cita em: [...] em torno de uma antropologia da cincia e da
modernidade, inspirando-se nos escritos de Bruno Latour (MARRAS, 2009, p. 6).
Traz a reflexo de que, no fluxo das relaes, os mais diversos agentes
humanos/no humanos possuem uma composio interminvel. Entre seus apontamentos, traz
a problematizao sobre o escolher entre uma e outra imagem de mundo ou tentar consider-
las simultaneamente, simetricamente, e de que o estvel e a discusso se o estvel e instvel
so realidades simultaneamente criadas. Quanto aos recintos de laboratrio, suas
produtividades e dificuldades, traz indagaes sobre os meios pelos quais os agentes fazem
parte dos materiais de interesse, na relao so ordinariamente purificados e isolados, agentes
do meio que acabam sendo eclipsados e tratados especificamente como dados tcnicos
ordinrios.
Na dissertao de Rezzadori (2010), realizado um estudo etnogrfico em
um laboratrio de Qumica do Ensino Mdio do Centro Estadual de Educao Profissional
Professora Maria do Rosrio Castaldi de Londrina PR, que recebeu o ttulo A Rede
Sociotcnica de um Laboratrio de Qumica do Ensino Mdio, em que buscou descrever a
rede desse laboratrio, apresentando como elemento-chave de seu trabalho o conceito de
traduo/translao, que auxiliou a compreender que, para tornar o espao laboratorial uma
organizao reconhecida e consolidada, este depende de um conjunto heterogneo de
elementos mobilizados por seus atores; e que, para viabilizar a construo desse espao, sua
produo dependente da rede que atua e das associaes, alinhamentos e estratgias
realizadas pelos actantes.
Este trabalho busca trazer discusses sobre essa temtica contagiante que
so os Estudos Culturais da Cincia, sobre um estudo etnogrfico no laboratrio do Colgio
Estadual Itacelina Bittencourt EFM, do municpio de Cianorte, utilizado em momentos
pontuais em que a professora de Qumica, os alun
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