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SEMINÁRIO TEOLÓGICO MARCOS BATISTA - Curso Básico em Teologia
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SEMINÁRIO TEOLÓGICO MARCOS BATISTA - Curso Básico em Teologia
SUMÁRIO:
1. CONCEITO GERAL
2. LIVROS PROFÉTICOS
3. O PROFETA ISAÍAS
4. O PROFETA JEREMIAS
5. LAMENTAÇÕES
6. O PROFETA EZEQUIEL
7. O PROFETA DANIEL
8. O LIVRO DE OSÉIAS
9. O LIVRO JOEL
10. O LIVRO DE AMÓS
11. O LIVRO DE OBADIAS
12. O LIVRO DE JONAS
13. O LIVRO DE MIQUÉIAS
14. O LIVRO DE NAUM
15. O LIVRO DE HABACUQUE
16. O LIVRO DE SOFONIAS
17. O LIVRO DE AGEU
18. O LIVRO DE ZACARIAS
19. O LIVRO DE MALAQUIAS
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1. CONCEITO GERAL
1.1. A divisão dos Livros
Os 17 livros do Antigo Testamento, de Isaías a Malaquias, são classificados como
proféticos. Antigos eruditos dividiram estes livros em dois grupos:
a) Os cinco livros: Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel e Daniel, foram designados
como livros dos “Profetas Maiores”.
b) Os outros 12 livros foram designados como livros dos “Profetas Menores”.
A divisão entre profetas “Maiores” e “Menores” consiste, não que esse profeta seja maior
ou menor que aquele, mas em que, uns proferiram maior ou menor número de profecias.
Nesta seção estudaremos os chamados “Profetas Maiores”
1.2. Quem eram esses Profetas?
Os livros dos profetas, formando quase um terço do Velho Testamento, contêm a doutrina
e, em certos casos, a história pessoal dos profetas que apareceram isolados, a intervalos ou
contemporaneamente, desde o séc. VIII ao séc. IV A. C. Este período é notável pelo largo
desenvolvimento do pensar humano, e pelo aparecimento de ilustres orientadores do espírito em
todos os países do globo.
Quando Sofonias previa a desgraça que devia cair sobre Jerusalém, e Naum descrevia a
ruína de Nínive, Zoroastro, segundo um cálculo provável, empenhava-se a fundo na reforma da
antiga religião iraniana. Quando Jeremias e Ezequiel insistiam na pregação do culto interior e
puro a Deus, na conduta sincera e na responsabilidade pessoal, Confúcio dava à religião da
China uma forma definitiva, enquanto Sidarta na Índia lançava os fundamentos do Budismo.
Na era dos profetas que surgiram depois do exílio, encontrava-se em elaboração a antiga
religião grega, enquanto os filósofos da Jônia concebiam novos e elevados conceitos do universo
e os dramaturgos da Ática representavam os mistérios da vida humana, sem esquecerem o
espírito de justiça a que devia subordinar-se.
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Atravessava-se, então, um período de grandes acontecimentos políticos: Israel, deixava de
existir; a Assíria perdia a sua independência; Babilônia era submetida pelos persas; Jerusalém,
após ter sofrido uma destruição total, vivia um período de ressurgimento nacional. A Grécia,
depois de se libertar galhardamente do inimigo invasor, via-se a braços com a praga das lutas
internas. Roma, a expandir-se avassaladoramente. Enfim, uma época brilhante em todos os
ramos da ciência, da política e da estratégia, sem que, todavia, nenhum sábio, nenhum político,
nenhum herói tenham superado esses homens de poder e de visão, que foram os profetas de
Israel e de Judá.
1.3. A Vocação de um Profeta
Os pregadores do séc. VIII não foram os primeiros profetas, no sentido que normalmente
lhe atribuímos. Vêm de longe, pois desde os tempos remotos de Abraão se vêm verificando esses
testemunhos duma doutrina fixa, que, revelada gradualmente, se baseou, sobretudo, na pregação
de Moisés. Os profetas, tal como este patriarca, foram "chamados" por Deus, que os encarregou
duma missão altamente espiritual.
Os diferentes nomes que a Escritura atribui aos profetas dizem algo do caráter e da
natureza da obra desses homens excepcionais. O que vinha a ser então o profeta? Primeiramente
um "homem de Deus", quer dizer mais intimamente ligado a Deus do que os outros homens, e,
portanto, mais reto e mais justo do que eles. Em segundo lugar o profeta é um "servo DO
SENHOR", com uma missão especial a cumprir, a de entregar uma mensagem aos povos. Daí ser
o profeta o "mensageiro DO SENHOR". As suas palavras tinham uma autoridade e uma força
que só podiam advir de Deus. Finalmente o profeta é um "homem de Espírito", no dizer de
Oséias (Veja: Os 9.7). Isto no que se refere ao poder e à autoridade do profeta. Mas, se
atendermos ao fato de que era esse homem que explicava aos povos a mensagem divina,
podemos ainda acrescentar aos epítetos do profeta o de "intérprete".
Mais três nomes vêm-nos indicar como o profeta recebia a sua mensagem, e a seguir como
a tornava conhecida. Dois deles roeh e chozeh significam "vidente". O profeta vê o que não é
dado ver aos restantes homens, mas não por mérito próprio devido a uma excepcional
perspicácia, ou a um poder de penetração, que são apanágio de inteligências agudas e
experientes. Também não se trata do emprego de meios semelhantes aos que se utilizavam na
adivinhação ou no ocultismo. A "visão" do profeta resulta exclusivamente dum dom
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sobrenatural, independente da vontade do mesmo profeta, pois o objeto dessa visão é revelado
por Deus. Não vá julgar-se, porém, que tal submissão a Deus pode implicar uma passividade
absoluta. O uso das faculdades normais do profeta não fica em suspenso, como se pode deduzir
da palavra "vidente", já que, quando mais não seja, a visão exige não pequeno esforço da parte
do profeta, preparando-se para ela, as mais das vezes, com oração e com rogos (cfr. Dn 9.3).
A terceira palavra em questão, mais frequente e que se traduz por profeta, é nabi, e dá a
entender que a pessoa assim designada é um verdadeiro intérprete.
Ao contrário de Elias e Eliseu, os últimos profetas não operavam milagres. Confiavam
inteiramente nas palavras escritas ou proferidas, e reforçadas de vez em quando por uma ação
simbólica (cfr. Jr 28.10). Embora unidos ao passado, interessavam-lhes, sobretudo, as
circunstâncias do presente. Por isso, as suas obras refletem a vida política, econômica, social,
moral e religiosa da época em que viveram. Assim se explicam algumas das descrições de
reinados sucessivos dos livros dos Reis e das Crônicas.
1.4. O Que Acontecia Na História
Durante os vários séculos da atividade dos profetas, a história de Israel e de Judá foi
largamente afetada pelas ambições de três grandes países: Assíria, Babilônia e Pérsia. E de tal
modo o domínio foi exercido pelos vencedores, que podemos agrupar os acontecimentos
conforme o período desse domínio exercido. As datas são, por vezes, apenas aproximadas, e por
isso não admira que nem sempre concordem as cronologias apresentadas.
a) O Período Assírio
Durante a maior parte do reinado de Jeroboão II (783-743 A. C.) a Assíria encontrava-se
plenamente absorvida com os seus assuntos internos, de maneira a não incomodar as pequenas
nações, que prosseguiam tranquilamente na sua política individualista. Jeroboão estendera as
fronteiras do norte até aos limites do reinado de Davi, com exceção de Judá. Este acontecimento,
já foi anunciado por Jonas (Veja: 2Rs 14.25), foi seguido por um largo período de prosperidade
material, como se depreende da pregação de Amós e Oséias. Estes profetas não deixam, todavia,
de acentuar o declínio espiritual e a corrupção dos costumes que então atingiram um nível nunca
alcançado.
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Em 745 A. C. Tiglate-Pileser III, após uma série de campanhas militares, procurou
infiltrar-se na Ásia ocidental, acontecimento também previsto por Amós e Oséias, mercê dos
pecados de Israel. Amós, por exemplo, profetizou a destruição da corte real, profecia que se
cumpriu quando Zacarias, sucessor de Jeroboão, foi assassinado pelo usurpador Salum, após um
efêmero reinado de 6 meses. Com a queda da dinastia de Jeú a história de Israel sofreu novas
alterações. Cinco reis subiram ao trono e em breve espaço desapareceram. Ao cabo de um mês
Salum foi assassinado por Menaém, que passou a reinar dez anos, embora durante quase cinco
pagasse tributo à Assíria. Quando, porém, subiu ao trono seu filho Pecaías, uma revolta
substituiu-o por Peca que, não concordando com a política da Assíria, formou uma aliança com a
Síria e atacou Judá, possivelmente por não querer aderir àquela aliança. Foi nesta altura que
Isaías previu a queda de Samaria e Damasco. Não obedecendo aos conselhos do profeta, o rei da
Judéia, Acaz, pediu socorro à Assíria, a que Tiglate-Pileser III respondeu com a invasão duma
grande parte de Israel, levando a população dos territórios invadidos e reduzindo o reino do norte
a estreitas fronteiras. Peca foi assassinado por Oséias, e Israel mais uma vez passou a pagar
tributo à Assíria. Em 732 A. C. Damasco sofre a invasão da Assíria, o mesmo sucedendo dez
anos mais tarde a Samaria. Oséias, encorajado pelo Egito, revolta-se contra a Assíria, mas falhou
a tentativa de atingir a liberdade. A cidade foi cercada pelo exército de Salmaneser V e, após três
anos, capitulou ao seu sucessor Sargom II. Os sobreviventes foram exilados e o reino do norte
deixou de existir.
Como Israel, no reinado de Jeroboão, Judá no tempo de Uzias aproveitou a relativa
liberdade e independência para desenvolver o poderio militar e intensificar o comércio. Coroadas
de êxito tais tentativas, não deixou, todavia, esta prosperidade material de conduzir ao
esquecimento de Deus. Isaías, que começou a sua missão profética no ano da morte de Uzias
(cfr. Is 6), oferece-nos uma descrição real dos males sociais e religiosos do tempo de Jotão. Em
virtude de Acaz, seu sucessor, não ouvir as advertências do profeta na altura da guerra entre a
Síria e Efraim, Judá perdeu a sua independência, o que veio trazer consequências desastrosas
para a vida religiosa da nação.
Durante algum tempo, Ezequias continuou a política de sujeição de seu pai e, quando o
Egito pensou em fomentar uma revolta entre as nações menores, Isaías opôs-se a uma aliança e
previu a queda do país. Associou, todavia, o usurpador babilônico a Merodaque-Baladã, depois
do que profetizou o cativeiro de Babilônia (cfr. 2Rs 20.12-21). Morto Sargom II em 705 A. C.,
Ezequias revoltou-se contra a Assíria e atacou os filisteus, que eram seus tributários. A invasão
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de Senaqueribe, que terminou pela libertação miraculosa de Jerusalém, causou uma profunda
impressão, e passou-se a confiar no Senhor, pelo amor que dedicava à Cidade Santa. Durante o
período difícil, Isaías encorajou o rei e o povo a confiarem sempre no Senhor. Mais tarde, porém,
vai censurar a nação por não dar glória a Deus, que acabava de derrotar o inimigo. A reforma de
Ezequias, efetuada no tempo de Isaías e Miquéias, eliminou as práticas introduzidas por seu pai
Acaz (cfr. 2Rs 16.2-4,10-12). Seu filho Manassés, porém, prestou vassalagem à Assíria e voltou
ao paganismo, desta vez acompanhado duma série de perseguições e de atos de violência, que
tornaram detestável o seu reinado.
Sofonias, ao profetizar o reinado de Amom, filho de Manassés, apresenta-nos também um
esboço da sociedade do seu tempo. Após dois anos de governo, Amom foi assassinado pelo
chefe dum partido, que poderíamos chamar reformador. Entretanto, o poder da Assíria entrava
no seu declínio. Ao findar o reinado de Assurbanípal (668 -630 A. C.), a atenção do rei de tal
modo se concentrava nos acontecimentos do oriente e do sul, onde as invasões citas se tornavam
um perigo ameaçador, que o Egito podia à vontade consolidar a sua posição de reino
independente. Só depois da morte daquele rei em 625 A. C. Nabopolassar fundava o Império
neo-babilônico. Como causa destes acontecimentos, em Judá, o filho de Amom, Josias, podia
executar a reforma indicada no livro que encontrou no templo e estender a sua atividade até
Samaria. Como Naum previra, Nínive foi conquistada pelos medos e pelos babilônios em 612 A.
C. O império assírio perdia-se irremediavelmente, seguindo-se o domínio evidente de Babilônia.
b) O Período Neo-Babilônico
Em 608 A. C. Faraó Neco levou a cabo uma expedição ao Eufrates, e Josias, receando
talvez pela liberdade do seu povo, saiu-lhe ao encontro e deu-lhe batalha em Megido. Os
acontecimentos que se seguiram em Judá têm uma estranha semelhança com a de Israel nos
últimos anos. Só um dos quatro restantes reis de Judá morreu de morte natural. Tal como os
profetas Oséias e Isaías-um dentro e outro fora do reino-estiveram em contato com os
acontecimentos de Israel, assim Jeremias e Ezequiel na luta final de Judá foram os mensageiros
da palavra de Deus ao povo.
Depois da morte de Josias subiu ao trono seu filho Jeocaz, num reinado de curta duração,
pois após três meses foi deposto, e exilado por Faraó Neco, que entregou o trono a seu irmão
Jeoaquim. Jeremias compara a injustiça deste com o reto proceder do pai em relação aos pobres e
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necessitados (Veja: Jr 22.13-19). E das suas palavras se conclui, que neste reinado também se
levantou uma onda de paganismo gigantesca e avassaladora. A série de reformas promulgadas
não alteraram o espírito da nação. Quem se beneficiou foi o Egito, que imediatamente aproveitou
a sua supremacia para influir nos ânimos mais tímidos.
Em 605 A. C. Neco perdeu a vida na batalha de Carquémis em luta com os babilônios.
Judá foi subjugada e durante três anos Jeoaquim prestou vassalagem a Nabucodonosor, filho de
Nabopolassar. Pouco depois Judá revoltou-se, mas, antes que Nabucodonosor interviesse para
dominar a situação, faleceu Jeoaquim e subiu ao trono Joaquim, seu filho. Três meses mais tarde,
em 597 A. C., capitulou e Nabucodonosor levou-o cativo para Babilônia, juntamente com as
pessoas mais destacadas do país. Esse cativeiro durou trinta e cinco anos.
A capitulação do rei de Judá veio, no entanto, prolongar a vida de Jerusalém por mais dez
anos. Matanias, tio do rei cativo, foi colocado no trono por Nabucodonosor que lhe mudou o
nome para Zedequias. Em 594 A. C. surgem embaixadores dos pequenos estados vizinhos a
solicitarem apoio para uma revolta comum. Isto deu azo à discussão travada entre Jeremias e
Hananias, em virtude de o primeiro não ser favorável à dita revolta (Veja: Jr 28.1-7). No
momento o motim não chegou a realizar-se, vindo, porém a suceder mais tarde no tempo de
Faraó Hofra com um novo cerco a Jerusalém. Faraó. O resto do povo, conduzido por Joanã,
dirigiu-se para o Egito e com ele seguiu Jeremias. Estabelecendo-se nas cidades fronteiriças,
depressa foi posto de lado o culto DO SENHOR. É que os espíritos ficaram completamente
transtornados após a destruição de Jerusalém. Quando Jeremias protestou contra o culto da
Rainha do Céu, então freqüente entre os judeus no Egito, as mulheres logo replicaram que não
podiam abandonar tal culto, uma vez que só a adversidade as perseguia, desde que seus pais
deixaram de o praticar.
Dos primeiros cativos levados para Babilônia salientaram-se Daniel e seus companheiros,
que, apesar de viverem na corte pagã, ficaram sempre fiéis ao culto DO SENHOR. De dois
passos de Ezequiel (Veja: Ez 14.14,20) muitos concluem ser familiar à história de Daniel aos
outros exilados, que lhes servia de exemplo.
O livro de Ezequiel fala-nos largamente dum grupo de judeus cativos que, levados com
Joaquim, se tinham estabelecido num lugar chamado Tel-Abibe. O profeta era um membro desta
colônia. Da carta que Jeremias lhes dirigiu (Veja: Jr 29) pode deduzir-se que gozavam de grande
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liberdade, pois é provável que vivessem em bairros próprios ou então num extenso território
demarcado, onde não poderiam considerar-se prisioneiros no sentido rigoroso da palavra. Foram
os anciãos que aí organizaram a vida social e religiosa, enquanto outros se entregavam
livremente ao comércio, que prosperava cada vez mais, como podemos verificar pelos impostos
que mais tarde foram lançados para a reconstrução do templo. Sob o aspecto religioso foi maior
ainda o progresso. Longe de Canaã, nunca mais se deixaram seduzir pelos seus Baals. Nada
poderia conduzi-los ao culto dos deuses dos vencedores assírios e egípcios. Graças à eficiente
pregação de Ezequiel, e esquecidos os deuses de Babilônia, depressa era fácil regressar ao Deus
de seus antepassados. Os sacrifícios não poderiam com facilidade ser oferecidos ao SENHOR,
mas a oração substitui-los-ia. Guardava-se o sábado. Provavelmente lia-se a Bíblia com
regularidade e em público, o que vinha fortificar os espíritos e contribuir para a divulgação da
verdade. Era o princípio da sinagoga.
Em 561 A. C. morreu Nabucodonosor. Os três reis que lhe sucederam reinaram por
períodos relativamente curtos. Julga-se que o último, Nabonido, se tenha retirado para a Arábia,
depois de ásperas contendas com os sacerdotes. Tornou-se co-regente seu filho Baltasar. Alguns
anos antes Ciro, governador de Chuchan, pequena província do Elã, revoltou-se contra Astíages,
rei da Média, e iniciou uma série de conquistas. Espreitava-o, porém, a ambição desmedida da
Lídia, da Babilônia e do Egito, que se apressaram a formar uma coligação contra ele. Creso, rei
da Lídia, todavia, atreveu-se sozinho a enfrentá-lo e em 546 A. C. viu a sua capital Sardes
invadida e todo o reino devastado. Ciro então voltou a Babilônia, que submeteu sem esforço, em
539 A. C. O gênio militar e outras virtudes guerreiras deste monarca entusiasmaram a
imaginação dos escritores antigos. E assim termina o período babilônico com a subida ao poder
do grande rei.
c) O Período Persa
Inicia-se este período por um fato importante: o do cumprimento das profecias da
restauração. Ciro simpatizava-se com as aspirações religiosas dos diferentes povos do seu
império. Conta Josefo, que chegou a proteger os judeus, só porque lhe tinham sido apresentadas
as profecias de Isaías. Em 538 A. C. publicou mesmo um decreto autorizando-os a voltar e a
reconstruir a sua cidade. Partiram nesse ano os primeiros cinquenta mil, chefiados por Sesbazar.
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Após sete meses de trabalhos intensos, estava restaurado o altar e já ali se ofereciam
sacrifícios ao Senhor. Dois anos depois cavavam-se as fundações para a reconstrução do templo.
Mas, devido à oposição da população local, as obras foram interrompidas até 520 A. C., e só se
iniciaram de novo graças aos estímulos dos profetas Ageu e Zacarias. Zorobabel, neto de
Joaquim, passou a governar o reino de Judá.
O império persa via-se agora a braços com diversas revoltas que vieram ofuscar o
alvorecer do reinado de Dario. Todas as atividades invulgares passaram então a ser objeto de
suspeita. Tatenai, governador persa da Síria, mandou abrir um inquérito acerca da reconstrução
do templo, e os judeus viram-se obrigados a recorrer à autoridade do decreto de Ciro, uma vez
que a notícia confirmada chegara à corte persa. Dario, porém, atendeu às reclamações dos
judeus, por serem justas e conformes à lei, e o templo ficou concluído em 516 A. C.
Nada mais se sabe dos restantes exilados, até que em 458 A. C. chega Esdras com um novo
grupo vindo de Babilônia e portadores de consideráveis presentes para o culto do templo. É
talvez melhor colocar o ministério de Malaquias neste período desconhecido antes do
aparecimento de Esdras, do que propriamente na altura em que Neemias se encontrava ausente
na Pérsia. Sendo assim, facilmente se compreende que a missão de Esdras e a obra reformadora
de Neemias vêm completar a doutrina que encerram os livros, cujos autores são aqueles profetas.
Artaxerxes encarregara Esdras de organizar o culto do templo e de instruir o povo em
conformidade com a Lei de Moisés. Catorze anos após a sua chegada,
Neemias era nomeado governador da província e conseguiu restaurar as muralhas da
cidade no curto espaço de cinqüenta e dois dias. Era o início da campanha reformadora, em que
se empenhara, exterminando os abusos e fazendo uma aliança solene com o povo. Esta
implicava, em princípio, a guarda da Lei Mosaica, a supressão dos casamentos com estrangeiros
e do comércio ao sábado, e finalmente uma contribuição pecuniária para o culto do templo.
A relação entre estas reformas, a que o povo se submetia, e as que Malaquias lhe pregava,
dão a entender que aquela aliança pode ser considerada como o fruto da pregação do profeta.
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1.5. Suas Doutrinas
a) A natureza de Deus
Podemos considerar a religião como uma tentativa eficaz para estarmos de boas relações
com o supremo Poder do Universo. O caráter e o valor dessas relações, dependem muito do
conceito que formamos do objeto do culto. Ao tempo da morte de Josué, embora Israel já tivesse
entrado na Terra de Canaã, os seus habitantes ainda não tinham sido completamente dominados.
As grandes tribos e muitos outros grupos organizados continuaram a lutar por mais algum tempo,
com mais ou menos êxito. Mas gradualmente os invasores estabeleceram-se lado a lado com as
outras populações e, esquecendo as ordens DO SENHOR, com elas se misturaram em
casamentos e começaram a adorar os seus deuses. Ainda mesmo quando conservavam pura a
ideia do monoteísmo, os seus pensamentos começavam a deixar-se influenciar pelas opiniões
que os vizinhos pagãos formavam das suas divindades. É muito possível que alguns adorassem o
verdadeiro Deus, apenas enquanto era um dos muitos a quem podia prestar-se culto. Pensavam,
por exemplo, que para obter o auxílio divino era suficiente transportar a arca para a batalha
(Veja: 1Sm 4.5), ou então oferecer sacrifícios, embora com a consciência manchada por uma
conduta irregular (Veja: Os 8.12-13). Sendo estes os frutos da primeira apostasia, a missão dos
profetas era a de tornar conhecida a natureza de Deus, ou antes dirigir de novo a atenção para ela
e considerá-la melhor. Cada um utilizava um processo diferente, porque as mensagens dos
profetas variavam conforme a sua experiência pessoal, as circunstâncias particulares de cada
caso e a cultura daqueles a quem eram dirigidas. Mas há um conjunto de verdades primordiais,
que mais ou menos constituem a doutrina dos profetas.
1) DEUS É O LEGISLADOR ONIPOTENTE DO UNIVERSO. É o Deus ou o Senhor
dos Exércitos (Veja: Am 5.27). Quanto ao significado original desse epíteto, não é fácil
descobrirmos se relaciona com o comando das tropas de Israel ou com os exércitos celestes. Nos
últimos tempos, todavia, é possível que se refira a este último caso. As miríades de estrelas
simbolizavam os exércitos dos céus, e o comando de tais estrelas implicava naturalmente a
Onipotência (Veja: Is 40.26). A tradução da Septuaginta dá um equivalente exato: pantokrator. O
poder de Deus não se manifestou só na criação. Todos os dias o podemos admirar espalhado pela
natureza. Ele é o Criador dos confins da terra e não se esgota a Sua energia criadora (Veja: Is
40.28). Ele formou os corpos celestes e as massas rochosas das montanhas. Ele aciona os ventos,
dirige a luz e orienta a chuva. O prado verdejante é um precioso dom de Deus. O míldio, os
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gafanhotos e outras forças ocultas de destruição obedecem às Suas ordens (Veja: Am 4). O poder
do Senhor manifesta-se ainda, e em larga escala, em todos os acontecimentos da história
humana. Foi Ele quem retirou os israelitas do Egito e os levou para além de Damasco; (Veja:
Am 5.27), quem levou o povo da Síria para Quir, de onde o tinha retirado (Veja: Am 1.5; Am
9.7). A Assíria é a vara da Sua ira (Veja: Is 10.5). Foi Ele quem suscitou os caldeus para realizar
os Seus desígnios, (Veja: Hc 1.6), e quem cinge Ciro para realizar o que Lhe agradar (Veja: Is
44.28; Is 45.5).
2) DEUS É QUEM GOVERNA MORALMENTE O MUNDO. Ele é santo, reto, justo e
misericordioso. A palavra "santo", referindo-se a Deus, atinge nos profetas um significado moral,
enquanto O distingue do homem na sua existência e na sua essência como criatura. A
intervenção DO SENHOR na vida dos homens e nas nações nada tem do capricho que
frequentemente se atribui aos deuses pagãos. Tudo contribui para o desenvolvimento do plano
que desde a eternidade tem em vista. Todos os homens são iguais perante Ele. Ele está presente
em toda a parte a observar a conduta dos homens, cujos segredos conhece, mesmo os mais
íntimos pensamentos (Veja: Am 4.13). Quando castiga um país ou um indivíduo, é porque existe
uma causa grave e não por mera bagatela como sucedia com os deuses olímpicos, que por uma
insignificância, dizia-se, se iravam contra os homens. Há sempre um motivo: a violação da lei da
justiça, que é comum a Deus e aos homens.
3) É O DEUS DA ALIANÇA COM ISRAEL. Enquanto criou e governa todas as
criaturas Deus quis um parentesco especial e único com Israel e os seus habitantes. Vejamos:
Escolheu-os de entre todas as nações da terra (Veja: Am 3.2); chamou-os do Egito e instruiu-os
paternalmente (Veja: Os 11.1-4); deu-lhes a Lei para os orientar (Veja: Os 8.12); exortou-os a
obedecerem aos mandamentos (Veja: Jr 11.7), etc. Mas o Seu povo revoltou-se contra Ele,
expondo-se a sofrer graves consequências. Mesmo assim não o abandonou e manteve firme o
plano previsto (Veja: Is 6.13; Mq 5.7-8). Deus só deseja o bem do Seu povo. Por isso não o
entrega nas mãos dos inimigos, senão após inúmeros conselhos (Veja: Jr 25.4,11).
b) O Pecado E O Arrependimento
Os profetas denunciam o pecado em termos decisivos, mas não deixam de insistir no valor
do arrependimento. Amós, apesar do realce que dá à justiça inexorável, em nome de Deus incita
Israel a procurá-lo para viver (Veja: Am 5.4). Oséias alude à bondade divina e apela
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continuamente para que voltem para Aquele que é todo bênção e todo perdão (Veja: Os 14).
Jeremias, seguindo as pisadas de Oséias, proclama em termos ameaçadores a condescendência e
a compaixão de Deus (Veja: Jr 3.12). Isaías, cujo conceito de Deus é o mais elevado, declara que
o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, habita também com o contrito e abatido de espírito,
para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos (Veja: Is 57.15).
Noutro lugar frisa que Deus é grandioso em perdoar (Veja: Is 55.7). Também Ezequiel, que tão
profundamente descreveu a majestade e a santidade de Deus para os exilados, assevera-lhes que
esse Deus não deseja a morte do ímpio, mas que se converta dos seus pecados e viva (Veja: Ez
18.23). Tais mercês nem só a Israel são reservadas. Estranhos, como Ebede-Meleque, podem
entrar na aliança e participar das bênçãos divinas (Veja: Jr 39.15 e segs.; Is 56.4-7) e até os
confins da terra são convidados a procurar a salvação de Deus (Veja: Is 45.22).
Como orientadores ou chefes espirituais e religiosos, os profetas não tinham que escolher
entre o seu Deus e a bondade. A doutrina que pregavam acerca do homem e dos seus problemas
dependia diretamente da maneira como criam em Deus. Antes de tudo eram teólogos; e só em
segundo lugar mestres e orientadores morais. Como Isaías, todos eram pecadores que alcançaram
misericórdia e obtiveram o perdão, graças ao poder divino nele manifestado. Depois de pregarem
Deus, a sua principal missão era a de convencer os homens de que eram pecadores, que deviam
arrepender-se e deixar-se guiar pelo caminho da justiça. Por isso, as obras dos profetas não se
apresentam como tratados sistemáticos, tal como os dos moralistas gregos. A doutrina dos
profetas era de caráter acidental, a maior parte das vezes apresentada negativamente, na
descrição e na denúncia do pecado. São, todavia, numerosos os casos de afirmações positivas,
por exemplo em Mq 6.8, onde se resumem os principais deveres a cumprir.
Ao tratarmos do aspecto moral dum corpo de doutrina, é costume considerar-se o que se
entende por sumo-bem, ou ideal; por virtude e por dever. Observando a doutrina moral dos
profetas, fácil será verificar, que o sumo-bem é apresentado sob várias formas. Umas vezes,
parece ser o conhecimento de Deus, outras a justiça, ou a graça divina concedida aos justos. Seja
como for, há uma relação íntima entre todas estas formas. Sem o conhecimento de Deus, não é
possível a justiça. Ora, enquanto a justiça implica a ideia do comportamento do homem perante o
seu semelhante, na doutrina pagã não passa duma virtude de fundo muito variável; mas nos
profetas, tem um sentido religioso. Ser justo é obter um voto favorável no tribunal de Deus. Em
alguns casos a palavra chega quase a ter o significado de "prosperidade". Daí, o condizer com o
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sumo-bem, que vem a ser a graça divina ou seja uma bênção não só espiritual, mas material
também.
O pecado é que impede de se procurar e atingir o sumo-bem; afeta o culto e a conduta dos
povos; conduz à idolatria e afasta as almas do caminho do bem apontado pelo SENHOR. Entre
as personagens de maior destaque, merecedoras duma especial censura devida aos pecados
cometidos, contam-se reis, políticos, sacerdotes, falsos profetas, comerciantes e chefes de
família. Passemos agora a enumerar os principais pecados a que se faz alusão com frequência:
1) PECADOS DO CULTO DE ADORAÇÃO. Estes pecados incluem a idolatria e todas
as práticas que com ela andam associadas, a negligência no cumprimento dos deveres do culto,
ou então uma atenção meramente externa com prejuízo do espírito da Lei (Veja: Ml 1.13; Os
6.6), e a profanação do sábado (Veja: Jr 17.19 e segs.).
2) PECADOS DE ORGULHO. Estes conduzem à descrença e à indiferença em relação
às ordens DO SENHOR, originando nos tempos difíceis uma confiança ilimitada nos chefes
políticos e no poderio das nações, com desprezo absoluto pelo poder que vem do alto (Veja: Jr
13; Is 9.9).
3) PECADOS DE VIOLÊNCIA E OPRESSÃO. Os profetas defendem a causa das
classes desprotegidas: os pobres, os órfãos, as viúvas, os escravos, e falam contra as prepotências
dos ricos e dos poderosos.
4) PECADOS DE LUXÚRIA E INTEMPERANÇA. Estes pecados, que por um lado
levam ao não cumprimento dos deveres, por outro incapacitam os homens de os cumprir
devidamente.
5) PECADOS DE MENTIRA E DE IMPUREZA. Pelo primeiro desaparece a confiança
política, comercial e social; pelo segundo, arruínam-se os fins da vida familiar.
Segundo os profetas, as virtudes máximas do crente resumem-se a três: o arrependimento,
a fé e a obediência a Deus. O arrependimento, que os profetas tanto pregam, implicando
conhecimento do pecado, supõe um pesar por havê-lo cometido, que ao mesmo tempo obriga o
homem a voltar-se para o bom caminho de Deus, enquanto se desvia do caminho da iniquidade.
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A confiança em Deus é a fonte de energias para o cumprimento do dever, é o guia nas horas
incertas, o conforto nas horas tristes, a prosperidade da vida espiritual. O conhecimento de Deus
como aquele que executa a paz, a justiça e a bondade na terra e se compraz nessa execução, é o
que se recomenda acima de tudo (Veja: Jr 9.24). Em seguida, lembra-se que a prática da justiça,
da misericórdia e da humildade (Veja: Mq 6.8) deve ser também do agrado do homem em
obediência à vontade de Deus.
Quanto aos deveres a cumprir, poder-se-ia resumir a doutrina dos profetas com as palavras
de Malaquias, que são o fecho do Velho Testamento: "Lembrai-vos da Lei de Moisés, Meu
servo, a qual lhe mandei em Horebe para todo o Israel, e que são os estatutos e juízos" (Veja: Ml
4.4).
c) Profecias Sobre a Vinda do Messias
Há a registrar ainda um aspecto importante da obra dos profetas, que não deve ser
esquecido, se porventura queremos analisar até que ponto os profetas contribuíram na preparação
de Israel para poder participar na redenção da humanidade. Além de lembrarem o passado e o
presente, não deixaram de dirigir a atenção do povo para o futuro. A idéia de um "dia do Senhor"
em que Ele havia de manifestar-Se em todo o Seu poder não era nova no séc. VIII. Na crença
popular, todavia, significava um tempo quando Israel triunfaria de seus inimigos. Os profetas,
por outro lado, acentuavam que para um povo desobediente seria um dia de trevas e não de luz.
Deus seria vingado pelo castigo de todas os transgressores, fossem pagãos ou israelitas, embora
os privilégios e as bênçãos prometidos aos cumpridores da Lei não sejam distribuídos senão com
um critério justíssimo.
Os profetas, no entanto, consideravam ainda outro aspecto, ao terem em vista o futuro que
apontavam. É que não o faziam com o fim de aterrorizar os pecadores, lembrando-lhes a justiça
retributiva DO SENHOR, mas por outro lado, revelava-lhes o plano de Deus em relação ao povo
escolhido. Como as outras nações, também Israel tinha um ideal em vista, pelo qual a pregação
dos profetas chamou a atenção para a verdadeira vocação do país e procurou exaltar os ânimos
com a visão dum futuro glorioso, que de longe ultrapassaria a história do passado. Embora, por
causa do pecado, o país tivesse de sofrer a perda do território nacional, do templo e da própria
independência, não tardaria a oportunidade em que o povo seria purificado e enriquecido, após
uma restauração vitoriosa, e iria instruir os outros povos no conhecimento do Senhor,
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orientando-os no caminho da justiça e da paz. Ora, o cumprimento de tais promessas vem quase
sempre associado a uma Pessoa, apresentada sob diferentes formas, e ultimamente designada por
Messias (Veja: Dn 9.25-26). Já tinha havido uma série de profecias relativas a essa Pessoa a
começar pelas do Proto-evangelho (Veja: Gn 3.15), mas as que haviam de aludir mais
diretamente ao Messias eram, sem dúvida, as dos profetas do séc. VIII em diante, que não se
cansam de O apelidar Profeta, Sacerdote e Rei. É sobretudo nos últimos capítulos de Isaías que
mais se desenvolvem os dons proféticos do Messias: É chamado desde o ventre (Veja: Is 49.1); a
Sua boca é uma espada aguda, uma frecha limpa na aljava do Senhor (Veja: Is 49.2); O
SENHOR dá-lhe uma língua erudita, para saber dizer a seu tempo uma palavra e todas as manhãs
Lhe desperta o ouvido para que ouça, como aqueles que aprendem (Veja: Is 50.4); a Sua
mensagem é dirigida aos mansos (Veja: Is 61.1), porque foi enviado a restaurar os contritos de
coração e a proclamar a liberdade aos cativos, não só de Israel mas também dos gentios, pois
levará a salvação até à extremidade da terra (Veja: Is 49.6); finalmente, confiado no braço do
Senhor, o Messias prosseguirá tranquilamente a missão de que é incumbido, apesar do desprezo
e das perseguições (Veja: Is 49.7; Is 50.5-7).
Ser profeta entre as nações era, sem dúvida, a vocação de Israel, e o profeta por excelência
só poderia sair de Israel. Mas há ainda outro aspecto a considerar. É que o Servo sairá vitorioso
através do sofrimento e da dor. Ninguém Lhe dará crédito; será desprezado e incompreendido;
levado à morte, mas sem um protesto; considerado um malfeitor, mas sem se opor nem defender;
será atormentado pelos pecados do povo de Deus, e por eles oferecerá a alma ao Deus que o
ressuscitará dos mortos para a justificação de muitos; pela morte será, pois, glorificado (Veja: Is
52.13-53.12). O Novo Testamento atribui estas palavras a um único indivíduo – Nosso Senhor
Jesus Cristo – e não a uma nação inteira (cfr. At 8.35).
Depois do exílio, Zacarias fala dum sacerdote, que será ao mesmo tempo rei. É muito
natural que se trate da mesma pessoa, embora os outros profetas não desenvolvam tão
largamente esta ideia. Ela aparece, todavia, no Sl 110 e é o tema geral da Epístola aos Hebreus.
O rei Davi simboliza dum modo especial o Messias-Rei. Como? O Messias nasce dum dos
ramos da árvore de Davi, embora em circunstâncias humildes (Veja: Is 11.1); é cumulado dos
sete dons do Espírito, por isso só julga em conformidade com a conduta moral; como Juiz, é
justo, reto e fiel; como Rei, subordinará as forças do mal, que irão sendo eliminadas à medida
que o conhecimento de Deus se for espalhando pela terra; finalmente será o Salvador das nações
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e a Esperança de Judeus e de Gentios (Veja: Is 11). Ao contrário dos reis da terra, não usará da
força para obter e defender o seu império. Não cavalgará sobre ginetes de luxo, nem utilizará
carros imponentes. Montará um simples jumentinho e o Seu império estender-se-á de um mar a
outro mar, e desde o rio até às extremidades da terra (Veja: Zc 9.9-10).
Muitos outros passos das obras dos profetas aludem às excelsas virtudes desse grande
Legislador. Isaías chama-Lhe o Deus Forte (Veja: Is 9.6); Jeremias "O Senhor, Justiça Nossa"
(Veja: Jr 23.6); Miquéias declara que as Suas saídas são desde os tempos antigos (Veja: Mq 5.2);
Daniel vaticina-Lhe um domínio eterno, que não passará (Veja: Dn 7.14). Outros textos falam-
nos da missão divina do Messias, sem que por isso impliquem uma realeza no sentido humano.
Zacarias descreve-O como o companheiro do Senhor dos Exércitos (Veja: Zc 13.7) e Malaquias
chama-Lhe o Anjo da Aliança que de repente virá ao Seu templo (Veja: Ml 3.1).
Acabamos de examinar algumas das muitas alusões ao Salvador nas obras dos profetas,
mais que suficientes para provarem os traços gerais das profecias messiânicas, que a partir do
séc. VIII começaram a trazer à luz, embora veladamente, a glória e esplendor celestial do
Messias.
Veremos Agora As Particularidades De Cada Profeta Segundo Uma Fonte
Secular de Conhecimento: A Enciclopédia Barsa.
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2. Livros proféticos.
O último conjunto de livros do Antigo Testamento refere-se a uma das instituições mais
antigas da cultura dos povos semíticos: a profecia. A própria convicção de acreditar-se povo
escolhido por Deus já constituía uma premissa suficiente para o surgimento de profetas, como
intermediários especialmente enviados para transmitir a palavra divina. Os profetas
representaram um papel decisivo para a propagação da moralidade judaica e do monoteísmo. A
filosofia mosaica determinou o caráter fundamental das profecias, que é seu conteúdo
moralizante. O motivo central do discurso profético é o ataque à corrupção religiosa e social,
vista como prenúncio de graves problemas para a nação. Na perspectiva, porém, do castigo
anunciado, surge sempre à esperança de uma futura conversão, e da eterna fidelidade de Deus a
sua aliança com Israel, garantia de felicidade perene, na era messiânica. As declarações dos
profetas eram inicialmente verbais, mas a partir do século VIII a.C. passaram a contar com
registros escritos.
O profeta, como homem que tem uma comunicação direta e imediata com Deus, recebe a
revelação de seus desígnios, que julga o presente e prevê o futuro, e é enviado por Deus para
conduzir os homens a seu amor. É por essas características que se considera Moisés o primeiro
profeta, o maior de todos, que inaugura a linhagem dos herdeiros de seu dom, a começar por seu
sucessor, Josué. O Antigo Testamento apresenta os profetas em duas grandes divisões: os
maiores e os menores. No primeiro grupo figuram Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Os
profetas menores, assim chamados não por serem considerados de menor importância, mas pela
pouca extensão de seus escritos, são Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum,
Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
2.1. Profetas Maiores
As palavras de Isaías ressoam como uma profissão de fé em sua missão profética: "O
espírito do Senhor Iavé está sobre mim, porque Iavé me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova
aos pobres, a curar os quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação
aos que estão presos..." Nascido em 765 a.C., aos 25 anos Isaías recebeu, no templo de
Jerusalém, a missão de anunciar a ruína de Judá e Israel, em castigo pelas infidelidades de seu
povo. A vida do profeta divide-se em quatro períodos: o primeiro vai do início de sua vocação
até à posse do rei Acaz e como principal preocupação à corrupção do reino de Judá, nascida do
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luxo decorrente da prosperidade econômica; o segundo é o da oposição à aliança de Acaz com a
Assíria e a retirada de Isaías da vida pública; o terceiro é também de oposição a qualquer aliança
militar, e de exortação à confiança em Deus; o quarto marca-se pelo apoio ao rei de Judá em sua
resistência ao inimigo e em seu apoio a Jerusalém.
O livro de Isaías compõe-se de duas partes: a primeira é uma advertência ao povo sobre os
castigos decorrentes de sua impiedade; a segunda, uma apresentação das revelações da
misericórdia de Deus em predição da vinda de um messias e seu reino "porque Iavé irá a vossa
frente, o Deus de Israel será a vossa retaguarda (...) entregou a sua alma à morte e foi contado
com os transgressores, mas na verdade levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores
fez intercessão". Por isso mesmo, o livro teve enorme influência sobre o Novo Testamento, que o
cita textualmente mais de cinquenta vezes.
Jeremias escreveu suas profecias entre os anos 620 e 590 a.C. e seu relato, embora não
constitua uma autobiografia, dá a conhecer, como nenhum outro profeta, seu caráter e sua vida.
Jeremias viveu no período trágico em que se consumou a ruína do reino de Judá. Dirigiu seus
oráculos a todas as classes, aos sacerdotes, aos governantes e até às crianças. Os militares
acusaram-no de derrotismo, pela força de suas profecias. Após a tomada de Jerusalém,
permaneceu na Palestina, de onde foi obrigado a fugir para o Egito. Seu drama pessoal está não
somente nos episódios catastróficos que foi obrigado a testemunhar, mas também na contradição
entre sua índole pacífica e terna e a obrigação de lutar contra reis, sacerdotes e falsos profetas, e
predizer tantas desgraças para seu povo.
O livro de Jeremias divide-se em quatro partes: as admoestações e ameaças; a salvação
universal, em virtude da nova aliança; as profecias individuais; e as profecias das nações. A
importância do texto decorre principalmente de sua concepção de Deus e da possibilidade de sua
íntima união com o homem. A profecia de maior influência sobre o Novo Testamento é a da
nova aliança, prometida por Iavé, "não como a aliança que selei com seus pais, no dia em que os
tomei pela mão e os fiz sair da terra do Egito (...) porque esta é a aliança que selarei com a casa
de Israel depois desses dias (...) porque vou perdoar sua culpa e não me lembrarei mais de seu
pecado". Para os cristãos, esse é um dos oráculos do Velho Testamento que prefiguram a vinda
de Cristo.
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Ezequiel foi um sacerdote de educação esmerada, mandado para o exílio por
Nabucodonosor, em 597 a.C. Aos trinta anos, recebeu o chamado profético, e durante 25 anos
exerceu sua missão. O livro de Ezequiel divide-se em quatro partes, além da introdução: a
primeira contém repreensões e ameaças contra os judeus antes do cerco de Jerusalém; na
segunda, o profeta estende as maldições divinas às nações infiéis e seus cúmplices; a terceira
passa-se durante e após o cerco e está cheia de consolações; a quarta encerra uma previsão da era
messiânica. Suas visões darão origem à corrente escatológica, com nítida influência sobre o
profeta Daniel e sobre o Apocalipse de são João.
O profeta Daniel pertencia a uma família importante de Judá. Deportado para Babel por
Nabucodonosor, conseguiu um posto na corte. Graças a sua fiel observância da lei de Deus, foi
favorecido com uma grande sabedoria, e com a capacidade de interpretar sonhos e mistérios. O
conteúdo principal do livro de Daniel é a narrativa dos sucessos por que passou o profeta: a
conquista da confiança do rei; o sonho de Nabucodonosor e sua interpretação; Daniel com seus
amigos Sidrac, Misac e Abdênago, lançados na fornalha, e sua caminhada ilesos no meio das
chamas; a previsão, a partir de outro sonho, da loucura de Nabucodonosor; o festim de Baltasar
com os cálices de ouro saqueados do templo, a interpretação das palavras aparecidas na parede e
as previsões da tomada do reino por Dario e da morte de Baltasar; Daniel na cova dos leões, a
mando de Dario, por força de intriga palaciana, e sua salvação miraculosa. O principal objetivo
do livro foi sustentar a fé e a esperança dos judeus em meio às vicissitudes.
2.2. Profetas Menores
Os 12 livros dos profetas menores foram escritos durante um período muito extenso – do
século VIII ao III a.C. – e por isso constituem fonte inestimável para o conhecimento da antiga
civilização judaica, em seus aspectos sociais, religiosos e políticos. A ordem em que aparecem
não é a mesma nas versões cristãs da Bíblia – a Vulgata e a Setenta – que por sua vez diferem da
adotada pelo texto massorético. Em nenhuma das três a ordem observada é a cronológica. Na
tradição hebraica, são conhecidos pelo nome de tere asar, que na língua aramaica significa 12, e
estão colocados logo depois do livro de Ezequiel.
Oséias viveu no século VIII a.C., no reinado de Jeroboão II, que retomou os territórios
anexados pela Assíria. No plano interno, apesar da prosperidade econômica, seu governo foi
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marcado pela corrupção e pela busca desenfreada de prazer e lucro. É nesse ambiente que Oséias
– como também Amós – vai exercer sua atividade profética e anunciar o processo que Iavé vai
abrir "contra os habitantes do país, porque não há fidedignidade, nem amor, nem conhecimento
de Deus (...) aumentam o perjúrio, a mentira, o assassínio, o roubo e o adultério; sangue
derramado soma-se a sangue derramado".
O segundo dos profetas menores é Joel, que faz uma descrição da praga de gafanhotos que
se abaterá primeiro sobre os campos e depois sobre a cidade, como castigo de Iavé. O país, que
antes da praga era "como um jardim do Éden, depois dele será um deserto desolado". Mas depois
do flagelo, Iavé terá zelo e piedade: "Eis que vos envio trigo, vinho e óleo. Saciar-vos-ei deles.
Não mais farei de vós um opróbrio entre as nações." Em seguida, Iavé derramará seu espírito
sobre todo o povo: "Vossos filhos e filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos, vossos
jovens terão visões." E conclui com a promessa de que "Iavé habitará em Sião".
Pastor e podador de sicômoros, a vida profissional de Amós, terceiro dos profetas menores,
se revela em seu estilo, cheio de imagens retiradas da natureza e da vida campestre. Consciente
da corrupção interna do reino de Jeroboão II, e de que a moralidade social é um fator
determinante da vida de um povo, repreende as classes ricas, que exploram os trabalhadores. Em
conseqüência desses pecados, "porque oprimis o fraco e tomais dele um imposto de trigo", para
proveito próprio, muitos castigos sobrevirão. O penúltimo capítulo do livro relata as visões de
pragas de gafanhotos, seca, fome e luto; no último, vêm as perspectivas de recuperação e de
fecundidade paradisíaca, em que as cidades serão restauradas, os habitantes "plantarão vinhas e
beberão o seu vinho, cultivarão pomares e comerão os seus frutos".
O livro que contém as profecias de Abdias, quarto dos profetas menores, consiste em um
único capítulo, e é o menor da Bíblia. Sua profecia se apresenta em duas partes: o castigo de
Edom, anunciado em pequenos oráculos dispersos pelo livro; e o dia de Iavé, em que Israel se
vingará de Edom. O plano histórico em que desenvolvem essas profecias é o da invasão do sul
da Judéia pelos edomitas, após a ruína de Jerusalém. Constitui na verdade um clamor de
vingança, de espírito nacionalista, embora exalte a justiça e o poder de Iavé, a quem pertencerá
finalmente o reino.
O livro de Jonas é atípico em relação aos outros profetas menores, por dois motivos: seu
título não se refere ao autor, mas ao personagem principal; não apresenta fatos históricos, mas
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uma parábola. Jonas, encarregado por Iavé de pregar a penitência em Nínive, capital da Assíria,
toma outro destino e embarca para Társis. Uma tempestade surpreende o navio, e os marinheiros
suspeitam de que alguém atrai uma maldição divina. Jonas acusa-se, pede para ser lançado ao
mar, é engolido por um grande peixe e cuspido na praia. Vai para Nínive, onde prega nas ruas,
obtém o arrependimento do rei e do povo e assim evita o castigo. O livro é tido como uma
preparação à revelação evangélica do amor de Deus, pela piedade demonstrada em relação a
Jonas, salvo da morte, e a Nínive, salva da destruição.
Contemporâneo de Isaías, Miquéias é um homem do campo, conhece as agruras do
trabalho na terra e as injustas relações de dominação que os donos impõem aos empregados. Por
isso, investe contra "os que comeram a carne do meu povo, arrancaram-lhe a pele e quebraram-
lhe os ossos". Ameaça os usurários, que roubam os campos, tomam as casas, oprimem "o homem
e sua herança". O livro apresenta, em duas sequências, as profecias de castigos e as promessas de
salvação, e conclui por um apelo ao perdão divino, ao Deus que "tira a culpa e perdoa o crime,
que calcará aos pés as nossas faltas e lançará ao fundo do mar todos os nossos pecados".
Diferentemente dos profetas menores já citados, Naum dirige suas críticas apenas aos
estrangeiros, contra quem roga a vingança de Iavé. Em atividade no século VII a.C., entre a
queda de Tebas e a de Nínive, por ele prevista, o profeta é um apaixonado cantor da liberdade.
Seu livro, de apenas dois capítulos, começa por um canto de glorificação a Iavé, como o deus
vingador; seguem-se um poema satírico contra Judá e Nínive, ameaças e palavras de consolação
a Israel; no final, um canto de lamentação fúnebre aos assírios, com o comentário de que todos
os povos aplaudem sua desgraça, pois sobre todos se abatera continuamente sua maldade.
O oitavo profeta menor é Habacuc, cuja mensagem é uma profecia de salvação. O livro
não traz nenhuma informação sobre sua pessoa nem sobre a época em que viveu. Compreende
três capítulos: o primeiro é um protesto à vitória dos caldeus sobre Nínive e ao domínio da
iniquidade no mundo; o segundo, também sobre Nínive, apresenta-se na forma de um diálogo
entre Deus e o seu profeta, e traz uma série de maldições contra o opressor, em forma de duras
críticas aos arrogantes, aos que acumulam o que não lhes pertence, aos que ajuntam ganhos
ilegítimos e "constroem uma cidade com sangue e injustiça"; o terceiro é um apelo à intervenção
de Iavé: "Espero tranquilo o dia da angústia que se levantará contra o povo que nos ataca."
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Contemporâneo de Naum e dos primeiros anos de Jeremias, Sofonias profetizou em Judá,
ao tempo do rei Josias. Seu livro segue a maior parte dos escritos proféticos, com antevisões de
calamidades, oráculos contra povos estrangeiros e profecias de salvação. Em quatro capítulos,
começa por uma longa série de anunciações do dia de Iavé em Judá, quando se levantarão urros e
gritos, e os homens serão castigados. O segundo capítulo dirige-se contra as nações dos filisteus,
moabitas, no ocidente, amonitas no oriente, etíopes no sul e assírios no norte. O terceiro
concentra suas imprecações contra Jerusalém e o templo; a terceira prediz que o esplendor do
segundo templo será maior que o do primeiro; a quarta é uma consulta aos sacerdotes sobre as
impurezas que ameaçam o templo; a última, uma profecia da escolha de Zorobabel como eleito
de Iavé.
As exortações à reconstrução do templo, proferidas por Ageu, encontram eco em seu
contemporâneo Zacarias, sacerdote e penúltimo dos profetas menores. Seu livro contém três
profecias: uma conclamação à conversão, quando então Iavé se voltará para seu povo; uma
narração de visões noturnas; um apelo à continuação do jejum do quinto mês, comemorativo do
incêndio do templo. Os oráculos, também em número de três, apresentam-se nessa ordem: a
vinda do reino de Iavé, com a aniquilação dos poderes terrestres e o recolhimento dos israelitas
dispersos; uma alegoria, que descreve o bom pastor, desprezado pelo rebanho, e o mau pastor,
cuja morte iniciará um processo doloroso de purificação; e dois ataques contra Jerusalém.
O último dos profetas menores, Malaquias, viveu por volta do século V a.C. Há dúvidas se
esse era mesmo seu nome, ou um designativo da função de mensageiro. O livro é um longo
diálogo, iniciado com a palavra de Iavé, ou de seu profeta, que é contraditado pelo povo, ou
pelos sacerdotes, e volta a afirmar o que dissera, de modo mais categórico. O diálogo se
desenrola ao longo de seis alocuções, na seguinte ordem: Iavé assegura seu amor por Israel;
censura os sacerdotes por seu desleixo nos sacrifícios; censura os judeus por seus matrimônios
mistos, com "filhas de um deus estrangeiro", e os divórcios; avisa que só virá como juiz depois
que seu mensageiro purificar o sacerdócio e o templo; promete que tão logo os dízimos sejam
pagos, pontual e integralmente, cessarão as pragas de gafanhotos e a perda de colheitas; promete
também que no dia do juízo os justos serão recompensados e os pecadores castigados; finaliza
com uma exortação à observância da lei de Moisés e com a previsão da vinda de Elias, o profeta,
"antes que chegue o dia de Iavé, grande e terrível". - Fonte: ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações
Ltda.
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3. O PROFETA ISAÍAS
3.1. Quem era Isaias?
Entre a "santa companhia dos profetas", Isaías destaca-se como uma figura majestosa. Pela
elevação e originalidade do seu pensamento, bem como pela qualidade superlativa do seu estilo,
é único no Velho Testamento. Nenhum outro profeta há tão digno como ele de ser chamado "o
profeta evangélico". O seu nome significa "O SENHOR Salva" ou "O SENHOR é Salvação" e,
em dias de crise e catástrofe sem precedentes na história do seu povo, exortava constantemente à
fé naquele que é o único que nos pode livrar. Em horas em que a esperança parecia morta, era
uma inspiração e um repto para a coragem desfalecida dos homens de Judá: O seu ministério foi
longo, desde a sua chamada à missão profética no reinado de Uzias, rei de Judá, através dos
reinados de Jotão, Acaz e Ezequias, com um possível interlúdio de serviço no tempo de
Manassés. Durante todos estes anos revelou-se um estadista que lia o significado geral dos
acontecimentos nos grandes problemas políticos da época e também um profeta verdadeiramente
designado e escolhido pelo Senhor para proclamar o propósito divino com convicção inabalável
e coração ardente.
O nome de seu pai era Amós (Veja: Is 1.1; Is 2.1), segundo uma tradição judaica irmão do
rei Amazias; nesse caso, Isaías seria primo do rei Uzias. Evidentemente que é impossível alguém
pronunciar-se com certeza a respeito deste problema, mas há indicações nítidas de que Isaías
desfrutava, de fato, de entrada imediata e regular na casa real, além de ter acesso às pessoas mais
influentes do seu tempo. Apesar disso, continuou a ser um simples e indômito porta-voz DO
SENHOR, motivo que-ainda segundo reza a tradição -levou à sua execução no reinado do ímpio
Manassés. Era casado e chama a sua mulher "a profetisa" (Veja: Is 8.3); teve dois filhos, Sear-
jasub (Veja: Is 7.3) e Maher-shalal-hash-baz (Veja: Is 8.3), cujos nomes constituíam prenúncio
dos acontecimentos que se avizinhavam e reforçavam a mensagem do profeta. Fora disto, pouco
mais se sabe da sua vida além do que o livro que tem o seu nome nos revela. Não é possível
determinar com exatidão a duração do seu ministério; sabemos, porém, que, durante pelo menos
40 anos, continuou ativo, desde o último ano de Uzias, em 740 a.C., ao décimo quarto ano de
Ezequias em 701 a.C., e que, durante todo este tempo, a sua mensagem e o repto que lançava aos
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seus contemporâneos foram inalteráveis e persistentes, fiéis a um propósito sempre claro e bem
definido -estabelecer a adoração do Senhor em justiça e verdade entre a raça escolhida.
3.2. Sua Formação e influência.
A influência mais destacada e mais perdurável na vida de Isaías foi, sem dúvida, a sua
chamada pessoal e direta ao ministério profético dentro do recinto do templo depois da morte de
Uzias. Este acontecimento é registrado com uma beleza e um brilho tais que indicam claramente
a forte influência que essa visão exerceu sobre ele através de todo o seu ministério.
Provavelmente nada há em toda a literatura dos povos do Oriente que exceda a grandeza e
dignidade deste trecho imortal, em Is 6. Ao entrar no recinto do templo, depara-se, de súbito, ao
jovem Isaías esta visão solene e aterrorizadora o Senhor nas alturas, o séquito celeste, os místicos
serafins, o "chequiná" da santidade, a voz anunciando ao profeta, prostrado perante a majestade
assim revelada, a missão de que era incumbido. No meio duma cena política conturbada e
incerta, ele contempla, com todo o poder de uma revelação direta, o Senhor Deus entronizado
nas alturas, e doravante pousa sobre ele o selo da Sua ordem. Não havia que fugir daí. Embora
isso significasse que o profeta iria levar aos povos do seu tempo uma mensagem que não
receberiam, não havia que fugir à glória da revelação assim outorgada. Foi deste modo que Isaías
saiu do templo com uma nova visão e uma nova noção dos altos e santos perigos da missão que
lhe fora confiada e da incumbência que ficava a seu cargo.
Antes desta experiência notável e decisiva, houvera o fruto do ministério de Amós e
Oséias, o qual se devia encontrar ainda bem fresco na memória e experiência do jovem Isaías.
Em épocas de crise nacional, houvera sempre em Israel, como em Judá, a mensagem do Senhor,
numa ou noutra conjuntura, através da voz dos profetas, e nas palavras de Isaías descortinam-se
vestígios dos elementos característicos das suas mensagens. Para alguém que resolvera
firmemente no seu coração percorrer o caminho do Senhor, essas vozes deviam constituir uma
inspiração incalculável, e as palavras calorosas e comoventes do profeta evangélico, ao apontar
para o Redentor de todo Israel fazem lembrar os termos em que esses servos mais antigos DO
SENHOR haviam proclamado a mensagem divina.
Além desses fatores, Isaías deve ter sido profundamente agitado pelos poderosos
movimentos históricos do seu tempo. Durante o reinado do bom rei Uzias, Judá esteve em paz
durante muitos anos e pouco conheceu das dificuldades que o reino do norte teve de enfrentar.
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Externamente havia paz e piedade, mas por debaixo, e no próprio âmago da vida da nação, havia
desassossego e um afastamento pronunciado da realidade da adoração instituída no Concerto.
(Ver Apêndice 1 de Reis, "A Religião de Israel no Período da Monarquia"). Fora da pátria, o
horizonte apresentava já prenúncios sombrios de invasão e crise e, apesar de todos os eleitos,
Isaías deve ter visto claramente, na fase mais formativa da sua vida, que, se não houvesse um
movimento de regresso ao Senhor, a catástrofe era inevitável. Em certo sentido, todos nós somos
produto do nosso ambiente; chegamos à hora de provação, ou para a enfrentar em toda a sua
magnitude e determinar o seu curso, ou então para sermos moldados pela sua força titânica. No
caso de Isaías, temos um dos exemplos mais frisantes de uma hora grave que encontrou um
homem à sua altura, e de uma voz que se ergueu no próprio momento em que mais necessário
era proclamar a mensagem de Deus.
Isaías pôde trazer à tarefa que foi chamado a desempenhar um dom extraordinário, uma
felicidade de expressão e uma penetração que, sob a mão de Deus, se deveriam transformar no
veículo das verdades mais íntimas e profundas da revelação. Assim, equipado de forma única
para o ministério a que era chamado, e preparado na escola da experiência para a prova que se
avizinhava, no ano em que o rei Uzias morreu e em que o trono, havia tanto ocupado com tal
distinção, vagou uma vez mais, o profeta estava pronto para a alta missão do Senhor
transcendente nas alturas, e não desobedeceu à visão celestial.
3.3. Cronologia histórica.
• 745-Tiglate-Pileser III ascende ao trono da Assíria.
• 740-Morte de Uzias. Jotão sucede-lhe no trono. Visão de Isaías, sendo o profeta
incumbido de exercer o ministério do Santo de Israel.
• 736-Morte de Jotão. Acaz sucede-lhe no trono. O Reino do Norte alia-se à Síria para
atacar Judá.
• 734-732-Tiglate-Pileser ataca e invade Israel e a Síria. Visita de Acaz a Damasco.
• 727-Ascensão de Salmaneser ao trono da Assíria substituindo Tiglate-Pileser.
• 725-Ezequias sobe ao trono, sucedendo a Acaz.
• 722-Ascensão de Sargom II ao trono da Assíria em lugar de Salmaneser. Tomada de
Samaria. Cativeiro de Israel.
• 711-Sargom invade a Síria. Asdode é capturada.
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• 709-Tomada da Babilônia.
• 705-Sargom assassinado; sucede-lhe Senaqueribe.
• 701-Senaqueribe invade Judá.
3.4. Os Reis de Judá que Isaías conviveu.
Isaías nasceu no reinado do bom rei Uzias, e foi no último ano da vida desse monarca que
recebeu a chamada ao ministério profético. Por consenso geral, o caráter de Uzias era exemplar,
mostrando em tudo um espírito de verdadeira piedade e desejo de honrar as coisas de Deus,
embora, nos seus últimos anos, o rei fosse atacado de lepra devido a um ato de orgulho (ver 2Cr
26.16-21). Durante o seu reinado, toda a nação atravessou uma fase de prosperidade e
desenvolvimento material e foi com dor que o seu povo o viu desaparecer da cena numa altura
em que a sua presença parecia mais necessária. Promoveu-se a adoração DO SENHOR, mas o
rei não foi suficientemente forte para conseguir que se destruíssem os altos, onde se celebravam
práticas idólatras. O seu reinado classifica-se necessariamente entre um dos mais distintos do
reino do Sul. Depois dele, subiu ao trono Jotão, seu filho, que já fora regente durante o
isolamento de Uzias. Trilhou as mesmas veredas que seu pai, e sob o seu cetro o povo continuou
a adorar o Senhor O SENHOR de acordo com os mandamentos, embora se permitisse que
continuassem os "aserim" e locais onde se praticava a idolatria.
Um observador superficial julgaria ver provas de devoção verdadeira e profunda, mas, na
realidade, não era assim. Por toda à parte alastravam rápida e espontaneamente o luxo e a
sensualidade, não sendo de surpreender que, em tal ambiente, o espírito da verdadeira piedade
entrasse em rápido declínio (ver Apêndice I de Reis, "A Religião de Israel no Tempo da
Monarquia"). Seguiu-se lhe Acaz, cujo reinado foi, de princípio a fim, uma autêntica crônica de
catástrofes e de destruição (ver 2Rs 16). Impetuosamente, Acaz empenhou-se em derrubar a
forma estabelecida de adoração, quebrou os mandamentos em quase todos os seus pormenores,
impediu a adoração no templo e acabou por fechar as portas da Casa de Deus. Deliberadamente,
conspirou para obliterar a memória do culto do Senhor de todo o Israel, do Redentor, do Deus
Santo. Todos os seus atos foram como que um aguilhão para o caráter devoto e franco do profeta
Isaías que, em público, censurou o rei pelos seus atos extravagantes em matéria de religião,
reprovando os seus pecados e apontando-o ao povo como inimigo do verdadeiro caminho. Isto
de nada serviu; os seus avisos e conselhos foram desprezados pela nação, à frente da qual se
encontrava o rei. Depois, veio Ezequias. Ao contrário de seu pai, Ezequias procurou de muitas
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formas restaurar a adoração no santuário; fez todos os esforços para abolir a idolatria e para
libertar o povo que governava do poder do domínio estrangeiro. No seu reinado, começou-se a
fazer justiça a Isaías, que passou a ser considerado com grande favor, sendo-lhe dadas todas as
oportunidades de aplicar as suas penetrantes e divinamente inspiradas faculdades de
discernimento à análise dos fatos da situação sua contemporânea. Mas as sementes da loucura
passada da nação começavam agora a dar fruto, e era já tarde demais para pôr em prática
reformas eficazes e salutares. Estava próximo o derrubamento de Judá, acontecimento havia
muito profetizado par Isaías e que nada poderia deter.
Ver-se-á claramente, pois, que não foi fácil à tarefa do profeta durante o seu longo e ativo
ministério. A missão que lhe foi confiada no dia da sua chamada ficou amplamente realizada,
pois a mensagem que transmitiu foi, de fato, uma mensagem de condenação, e a profecia então
feita, de que anunciaria a Palavra do Senhor mas que esta, embora ouvida seria incompreendida,
teve cumprimento cabal. A glória da vida de Isaías é que não se esquivou ao problema quando
recebeu a chamada. Através de todos aqueles anos sombrios, enquanto a nação caminhava sem
parar e com rapidez crescente para o abismo e para a catástrofe, ele continuou a proclamar a
mensagem do Senhor, mantendo-se firme como uma rocha da verdade no meio das marés e
redemoinhos da infidelidade e irreligião do mundo.
3.5. Quem escreveu este livro?
- A Problemática Dos Capítulos 40-66
a) A questão em discussão é...
Esta parte importante do livro de Isaías há muitos anos que apresenta espinhosos
problemas de ordem crítica, e nenhum estudo do livro no seu conjunto seria completo sem
referência a este assunto. Há quase um século que se afirma, se põe em dúvida e se nega que
tenha sido Isaías o autor dos capítulos 40 a 66. Esta seção do livro tem sido designada por nomes
diversos, como "o Isaías Babilônico", "o Deutero-Isaías" e "O Grande Anônimo", que são já
lugares-comuns na literatura. Muitos admitirão prontamente, com o Prof. A. B. Davidson, que tal
problema "diz exclusivamente respeito aos fatos e à crítica, não constituindo matéria de fé ou
prática". Admitir-se-á talvez, também, que de ambos os lados o critério tem sido influenciado
pela atitude do estudioso perante a profecia preditiva. Nesta breve introdução, a nossa finalidade
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será reproduzir tão objetivamente quanto possível os principais argumentos aduzidos em apoio
das duas teses, visto nada se ganhar com votar ao desprezo a argumentação apresentada por
aqueles que discordam de nós.
No Dictionary of the Bible, de Hastings, G. A. Smith escreve o seguinte: "Os capítulos 40
a 66 não têm título nem reivindicam Isaías como autor. Os capítulos 40 a 48 referem-se
claramente à ruína de Jerusalém e ao exílio como fatos transatos. O autor dirige-se a Israel como
se tivesse já passado o tempo da sua servidão em Babilônia, e proclama a libertação do povo
eleito como imediata. Chama a Ciro o salvador de Israel, referindo-se lhe como tivesse já
encetado a sua carreira e sido abençoado com o êxito pelo SENHOR. Porquanto, como parte da
argumentação a favor da divindade única do Deus de Israel, Ciro, "vivo, irresistível e já bafejado
pelo triunfo, é apontado como prova insofismável de que se haviam começado a realizar as
velhas profecias respeitantes à libertação de Israel. Em suma, Ciro é apresentado, não como
predição, mas como prova do cumprimento de uma predição. Se não tivesse já aparecido em
cena, e em vésperas de atacar Babilônia com todo o prestígio dos seus triunfos constantes,
grande parte dos capítulos 40 a 48 seria ininteligível". Há, assim, uma data bem nítida a atribuir a
esses capítulos; devem eles ter sido escritos entre 555 a.C., data do advento de Ciro e 538 a.C.,
data da queda de Babilônia".
Esta citação apresenta da forma mais lúcida o problema que tem de enfrentar todo aquele
que estuda o livro de Isaías. Além disso, é de extrema importância assinalar os diferentes pontos
de vista das duas principais divisões do livro. Nos capítulos 1 a 39, por exemplo, é evidente que
o profeta se dirige à sua própria geração, levando a uma situação sua contemporânea à
mensagem viva do seu Deus; mas os capítulos 40 a 66 dirigem-se a uma geração surgida século e
meio mais tarde, os cativos de Babilônia. Não há dúvida de que o Espírito de Deus se poderia
muito bem ter servido de Isaías para falar a uma geração vindoura e de que a predição constitui
um elemento incontroverso na profecia. Todavia, aqueles que consideram estes capítulos como
tendo sido escritos por um autor pertencente a uma data mais avançada afirmam que isso é forçar
o critério e contrariar em grande parte o procedimento normal dos profetas de Israel, através dos
quais a mensagem divina se fazia ouvir poderosamente em relação com situações vivas. Se os
capítulos 40 a 48 se referem de forma tão evidente à ruína de Jerusalém e ao exílio como fatos já
passados, não se deverá aceitar como provável, dizem eles, que a mensagem dirigida nesses
versículos aos filhos de Israel proviesse de alguém que vivia no seu seio?
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b) Argumentos a favor da unidade:
Dentro do âmbito deste trabalho, que não é de natureza especificamente crítica, não há
possibilidade de proceder ao estudo pormenorizado deste problema. Todavia, talvez seja
proveitoso resumir os aspectos principais de ambos os lados da questão.
A favor da unidade de Isaías é unânime toda a evidência invocável de fontes externas. A
evidência externa é toda a favor da unidade do livro; só nos últimos cem anos é que o problema
surgiu. Até então, a comunidade judaica e a Igreja Cristã consideravam, sem hesitar, todo o livro
como procedente da pena de Isaías, filho de Amós. A Septuaginta não contém a menor referência
a uma autoria dupla. Essa antiga convicção foi expressa de forma incomparável pelo filho de
Siraque, que, referindo-se à história dos dias de Ezequias, diz que Isaías, o profeta, "viu por um
espírito excelente o que se passaria no final; e confortou aqueles que choravam em Sião.
Mostrou as coisas que aconteceriam até ao fim dos tempos, e as coisas escondidas antes de
surgirem" (Eclesiástico 48.24-25).
A par disto há que mencionar os muitos trechos do Novo Testamento onde se faz
referência a Isaías e se citam as suas palavras. "Isaías o profeta", eis como se lhe chama
independentemente da parte do livro citada. Quanto às referências, distribuem-se de forma quase
igual entre as duas partes do livro, sendo as da parte final ligeiramente mais numerosas. Isto, em
si, confirma a evidência externa e a tradição dos Pais da Igreja.
É sempre difícil avaliar a argumentação de base linguística, e muito se tem discutido
várias considerações suscitadas por palavras e frases comuns a ambas as partes do livro, bem
como as que são peculiares a uma ou a outra dessas partes. É impossível analisarmos aqui este
aspecto do problema, embora cumpra fazer alguns breves comentários sobre o significado da
alusão ao SENHOR como "o Santo de Israel". Esta expressão ocorre em ambas às partes de
Isaías mas é difícil encontrá-la alhures no cânon bíblico. Trata-se de uma das designações mais
notáveis de Deus comuns a ambas as seções, e de um assunto de importância primacial.
Não se deve confiar demasiado na evidência baseada em sutis e complexas distinções
estilísticas e linguísticas entre as duas partes. Dizer, por exemplo, que a palavra equivalente a
"justiça" ocorre cerca de dezessete vezes na segunda parte e apenas quatro ou cinco na primeira;
que as palavras correspondentes a "trabalho" ou "recompensa" se encontram cinco vezes na
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segunda parte e não ocorrem na primeira; que a palavra que significa "também", ou algo de
semelhante, aparece repetida nada menos de vinte e duas vezes na primeira e não ocorre na
segunda; dizer tudo isso e muito mais pouco prova, visto ser fácil compilar um catálogo de
palavras e expressões características de cada uma das partes do livro. A própria distinção entre
essas duas partes no tocante ao respectivo tipo de mensagem dá origem a distinções de ordem
linguística. Enquanto que a primeira parte se caracteriza por tremenda energia e vigor, os
capítulos 40 a 66 estão impregnados de emoção e de solene beleza, desdobrando-se nas asas de
uma harmonia profunda e eterna. Como em toda a grande poesia, há trechos em que se nos
deparam repetições e duplicações de frases; mas, para o estudioso objetivo, a própria grandeza
da mensagem da redenção e da esperança messiânica, distinta da história direta ou de um rol de
castigos que se avizinhavam para as nações circunjacentes, parecerá ser suficiente para explicar
as diferenças de estilo e linguagem. Pelo que respeita ao estilo literário, até o Dr. Driver, que
escolhe dezoito palavras ou frases nos capítulos 40 a 66, tem de largar mão de doze delas por
haver trechos paralelos na primeira parte. Na realidade, a crítica sóbria tem afirmado que se
exagerou imenso esta questão da diversidade de estilo. Verifica-se haver mais de trezentas
palavras e expressões comuns às partes supostamente "anterior" e "posterior" de "Isaías" e que
não têm qualquer lugar nas profecias mais recentes de Daniel, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Outro elemento a ter presente neste estado e que parece favorecer a unidade do livro é
que a cor local da segunda seção, como na primeira, é principal e notavelmente a da Judéia. A
este respeito, vale a pena reproduzir a seguinte citação do Bible Handbook (página 502) de
Angus e Greene (tradução portuguesa: "História, Doutrina e Interpretação da Bíblia").
"Na paisagística do profeta entram rochedos, montanhas e florestas; os seus horizontes
estendem-se até às ilhas do mar; os rebanhos são os de Quedar; os carneiros são os de Nebaiote;
as árvores são cedros e acácias, pinheiros e buxos, os carvalhos de Basã e as alturas arborizadas
do Carmelo. Sobretudo o terrível trecho que descreve a prolongada idolatria de Judá (Veja: Is
56.9-57.21) enquadra essa cena "nos vales das torrentes, sob as fendas dos rochedos, entre os
calhaus do ribeiro". "Como no solo plano, aluvial, da Babilônia não há torrentes mas apenas
canais", escreve o Deão Payne Smith, "também ali não há leitos de torrentes; no entanto, estes
constituem um traço comum na paisagem da Palestina e de todos os países montanhosos".
Não podemos passar levianamente por cima de evidência como esta, e a opinião do autor
destas linhas é que a cor local presente é tão notavelmente palestiniana que pesa mais na balança
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do que quaisquer alusões aparentes a fatos e incidentes típicos da vida babilônica nos últimos
capítulos.
Além disso, diga-se o, que se disser acerca do resto dos últimos capítulos, os que contêm
essa seção medonha em que se descreve a idolatria carnal de Israel afastam-se de forma tão
completa de tudo o que sabemos acerca da Babilônia e do exílio judaico ali que devem ser
identificados com outro local e época. É inegável que existiam muitos elementos na história
pretérita de Israel e suas relações com as nações limítrofes que poderiam ser utilizados na
elaboração destes trechos terríveis.
Há também que enfrentar este outro problema: como foi que um profeta tão distinto como
o escritor de Isaías 40 a 66 desapareceu por completo no ouvido? Os cuidadosos registros da
Igreja Hebraica nada dizem acerca de o livro de Isaías ter ainda outro autor. Em várias
coletâneas, conforme se salientou, Esdras e Neemias figuravam juntos, mas os judeus jamais os
confundiam, mantendo a sua identidade separada. Sem dúvida que seria um dos fenômenos
literários mais espantosos de todos os tempos se o autor de um livro tão majestoso e tão sublime
ficasse por nomear, e se a raça em cuja língua escreveu e cujos escribas eram tão exatos na sua
compilação de registros o identificassem impensadamente com um dos seus maiores profetas.
Recentemente, os argumentos a favor da unidade do livro foram reforçados pela
descoberta dos manuscritos do Mar Morto, nos quais não há qualquer solução de continuidade no
manuscrito de Isaías entre o final do capítulo 39 e o princípio do capítulo 40, começando, até, o
capítulo 40 na última linha da página. É claro que não se podem extrair daqui quaisquer
conclusões definitivas, mas trata-se de um fato que deve ser considerado importante como
elemento de uma argumentação cumulativa.
Para terminar, não sabemos ao certo em que circunstâncias decorreram os últimos dias da
vida de Isaías. Ameaçado de morte às mãos do ímpio Manassés (Veja: 2Rs 21.16), é muito
possível que se visse forçado a retirar-se da cena pública para o abrigo de qualquer refúgio
obscuro-uma situação algo semelhante àquela em que João escreveu o livro do Apocalipse na
ilha de Patmos. Também João mergulhava o olhar no futuro e registrava o que via. Por que não
poderia o profeta Isaías, filho de Amós, frente ao declínio da religião autêntica na sua própria
cidade de Jerusalém, "o lar dos eleitos de Deus", ser levado pelo Espírito do Senhor a ver e
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afirmar a esperança imperecível dos verdadeiros filhos de Sião e a proclamar às gerações
vindouras a salvação incomparável oferecida pelo seu Deus?
c) Argumentos contra a unidade:
Deve-se, porém, admitir que a opinião dos críticos é preponderantemente contrária à
unidade do livro. De fato, o Professor W. L. Wardle, escrevendo no "Comentário" do Dr. Peake,
vai ao ponto de dizer acerca destes últimos capítulos de Isaías: "Nenhuma conclusão crítica é
mais certa do que a de pertencerem a uma época posterior". A evidência a favor desta opinião
pode-se sintetizar como se segue.
De todos, o maior problema reside na mudança de situação, tempo e lugar verificada no
capítulo 40. Tudo leva a crer que as profecias que ali se iniciam parecem dirigir-se aos filhos
cativos de Israel em Babilônia e numa fase do cativeiro em que a libertação parecia iminente. Se
estas palavras procedem da pena de Isaías, é óbvio que ele já não é um pregador da justiça para a
sua própria geração, mas um vidente arrebatado a um plano de visão de onde contempla os
acontecimentos que terão lugar século e meio mais tarde. As suas mensagens proféticas tornam-
se, assim, um autêntico legado para as gerações vindouras, e não proclamações inspiradas de um
homem arrastado na maré dos acontecimentos contemporâneos, juntamente com os seus irmãos.
É óbvio que nada há de impossível nisto, embora seja algo diferente da prática costumeira
dos profetas. Enquanto que muitos admitirão prontamente que a predição é parte essencial e
integrante da profecia, no entanto parece-lhes que enfrentar assim uma situação que só surgiria
volvido século e meio é tão excepcional que se torna altamente improvável na ausência de
provas concludentes em contrário. Numa nota suplementar ao seu trabalho sobre Isaías, o
Professor Cheyne cita as palavras proferidas pelo Deão Bradley perante a Universidade de
Oxford, em 1875, onde esboça esta opinião preditiva em termos bem vívidos:
"O Isaías", diz ele, "do tempo crítico e conturbado de Acaz e de Ezequias é, ao que se
supõe, transplantado nos seus últimos dias pelo Espírito de Deus para uma época e região
diferentes das suas... Em visão prolongada e solitária, é conduzido a um país cujo solo nunca
pisou, e a uma geração que jamais contemplou. Desvaneceram-se e desapareceram cenas e rostos
familiares rodeado dos quais vivera e trabalhara. Reduzem-se ao silêncio todos os sons e vozes
do presente, e já não o impelem os interesses e paixões a que se consagra com toda a intensidade
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da sua raça e caráter. O presente fenecera no horizonte da visão da sua alma... As vozes que lhe
soam aos ouvidos são de homens ainda por nascer, e vive uma segunda vida entre
acontecimentos e pessoas, pecado e sofrimento, receios e esperanças, fotografados por vezes
com a mais rigorosa exatidão no seu espírito sensível e compassivo; Isaías transforma-se no
denunciador dos pecados característicos de uma geração distante, e no porta voz da fé, esperança
e anseios veementes de uma nação exilada, descendente dos homens vivos na altura em que
escrevia rodeado da paz profunda de uma prosperidade renovada".
Quando estudamos os trechos que se referem ao estado contemporâneo da nação, é
normal presumir que as palavras que lemos são de alguém que vivia naquela altura. Mas esta
posição inverte-se por completo se aceitarmos a unidade de Isaías. Se os capítulos 40 a 48
tivessem chegado anonimamente até nós, nada mais natural do que serem atribuídos à época do
cativeiro. No capítulo 41, o escritor, em pinceladas firmes, aborda uma situação histórica que é
em breve delineada com extrema clareza. Ciro, o libertador, é apresentado como um vulto de
projeção mundial, e em Is 44.24-45.25 depara-se nos toda uma série de profecias que se
relacionam com a sua obra e missão. Argumenta-se que, se trata de escritos preditivos do Isaías
de Jerusalém, temos aqui uma proclamação absolutamente excepcional sem paralelo em toda a
restante literatura profética. Neste contexto, frisa-se também que em parte alguma estes capítulos
reivindicam a autoria de Isaías, encontrando-se, até, separados do resto do livro nitidamente seu
por uma narrativa histórica de certa extensão.
Na sua recente análise de todo este assunto, o Professor C. R. North estuda em pormenor
o Servo Sofredor do "Deutero-Isaías". Enquadram-se bem aqui duas citações: "Enquanto se
julgou que o Livro de Isaías era, na sua inteireza, obra de um profeta do oitavo século, nada mais
natural do que presumir que as partes que têm o exílio como pano de fundo fossem profecia no
sentido preditivo da palavra. Por conseguinte, parecia óbvia a interpretação messiânica do Servo.
Mas, mal se começou a falar num Isaías de Babilônia, os investigadores cristãos passaram a
adotar o ponto de vista que havia muito prevalecia entre os judeus, a saber, que o Servo era a
nação de Israel". (Do capítulo intitulado: "Interpretações Cristãs: de Doederlein a Duhm"). A
página 207, escreve ele: "A objeção fundamental à interpretação tradicional messiânica é a de
esta se encontrar ligada a uma doutrina demasiado mecânica da inspiração, o que parece arredá-
la como indigna de consideração séria. O profeta é um mero amanuense, e aquilo que escreve
nada tem que ver com as condições do seu tempo. Além disso, se isso implica que ele viu
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antecipadamente Alguém que só nasceria cinco ou seis séculos depois, surge o difícil problema
filosófico da possibilidade ou impossibilidade de uma autêntica previsão da história".
Trata-se de afirmações de amplitude tal que exigem estudo muito mais profundo e
pormenorizado do que o possível na presente obra. No entanto, exprimem de forma sucinta e
enfática o ponto de vista da escola crítica a respeito do problema vertente. Pode-se perguntar
com justiça, porém, se deverá considerar adequada uma doutrina da inspiração que não inclui a
possibilidade da visão profética até aos últimos recantos da história. Além disso, não foi à
esperança messiânica uma das mais poderosas influências que moldaram, preservaram e
purificaram o espírito de Israel? Poderia existir tal esperança sem previsão profética?
Salienta-se frequentemente que, além de Ciro ser apresentado como um fato da história
patente perante os seus olhos, esse fato é citado como prova da realização de profecias de longa
data. É ele que torna difícil aceitar o argumento de que, aqui, o profeta se serve do chamado
"perfeito profético" – ou seja, que, no calor do seu discurso, e na certeza da realização futura de
certas coisas, empregava uma linguagem que implicava terem-se já cumprido os acontecimentos
a que faz referência. George Adam Smith formula este argumento como se segue:
"Não é só que a profecia, com o que poderia ser mero ardor visionário, apresenta o Persa
como erguendo-se já acima do horizonte, na maré alta da vitória mas que, no decurso de sóbria
argumentação a favor da divindade única de Deus de Israel-argumentação essa que se desenrola
dos capítulos 41 a 48-Ciro, vivo e irresistível, e já bafejado pelo triunfo, com Babilônia prostrada
a seus pés, é apontado como prova insofismável de que se haviam começado a realizar as velhas
profecias respeitantes à libertação de Israel. Em suma, Ciro é apresentado, não como predição,
mas como prova do cumprimento de uma predição. Se não tivesse já aparecido em cena, e em
vésperas de atacar Babilônia com todo o prestígio dos seus tempos constantes, grande parte de
Isaías 41 a 48 seria completamente ininteligível".
Deixando agora o estudo da citação histórica, pode-se notar que a própria evidência
constituída pela falta aparente de cor local típica de Babilônia é apresentada como um forte
argumento a favor de uma data coincidente com o exílio. Os exilados de todos os tempos e de
todas as raças têm o costume de viver rodeados do espírito do lar por que anseiam. O próprio
desgosto que lhes pesa no coração torna-lhes impossível transformarem-se em verdadeiros
cidadãos de uma cidade estrangeira, e instintivamente surgem pensamentos relacionados com
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uma cena diferente. O mesmo aconteceria com os judeus, banidos como foram de Sião, cidade
do seu Senhor. Além disso, teriam presente grande parte da sua literatura, cuja beleza e
grandiosidade impregnaria a sua alma. Isto, e não as planícies estéreis, planas, do país do seu
cativeiro, seria a fonte da sua inspiração quando falavam.
Tudo isto é bem evidente. Mas há quem afirme também que se exagerou muito a ausência
de cor local nas profecias de Isaías. Aqui temos, por exemplo, uma afirmação nesse sentido: "...
vislumbres constantes de luz e sombra babilônica que se projetam em nosso caminho os templos,
as casas onde se faziam ídolos, as procissões de imagens, os adivinhos e astrólogos, os deuses e
altares especialmente mantidos pelo espírito mercantil característico da terra; a navegação
daquele empório internacional, as multidões dos seus mercadores; o relampejar de muitas águas
e, até, o brilho intolerável que é uma maldição tão frequente dos céus da Mesopotâmia (Veja: Is
49.10)... Os animais que o profeta menciona têm, na sua maioria, sido reconhecidos como
familiares em Babilônia; e, posto que o mesmo se não possa dizer das árvores e plantas que ele
nomeia, observou-se que os trechos em que ocorrem são justamente aqueles em que os seus
pensamentos se encontram fixados na restauração da Palestina" (G. A. Smith. The Book of
Isaiah, II, págs. 13 e segs.).
Finalmente, assevera-se que o contraste entre Jeremias e o livro de Isaías pelo que
respeita à forma de predição do cativeiro é inteiramente único se, de fato, os capítulos 40 a 66
forem anteriores ao exílio. Jeremias falava do exílio e da certeza da libertação, mas sempre no
futuro. Predisse aberta e nitidamente ambos estes acontecimentos, mas com uma reserva e
reticência de pormenores que, segundo se diz, são inteiramente inexplicáveis se estes últimos
capítulos de Isaías tivessem sido já escritos, e por um profeta tão destacado. O apelo do profeta
dirige-se a um povo que sofre há muito sob a mão do Senhor; e é a homens e mulheres cuja
consciência fora avivada e tornada sensível à sua culpa pelo poder punitivo das provações e do
desgosto que é dada à esperança da libertação, sendo Ciro, o libertador, proclamado como
instrumento do seu Deus.
d) Síntese da evidência
A favor de uma autoria dividida, vimos que o livro não contém qualquer evidência
diretamente explícita que prove ter sido inteiramente escrito pelo próprio profeta; que os
capítulos 40 a 66 em parte alguma reivindicam a autoria de Isaías, e que apresentam o exílio, não
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só como um acontecimento transato, mas também como próximo do seu fim, com Ciro prestes a
provocar a queda da Babilônia. Além disso, a restante evidência existente-linguagem e estilo,
teologia e ponto de vista da mensagem do profeta de forma alguma entra em conflito com a
teoria de uma data ulterior. Há um outro problema para o qual alguns estudiosos chamaram a
atenção, o de uma teoria demasiado mecânica da inspiração, que põe o profeta a escrever acerca
de coisas sem relação com o seu tempo e a falar do Servo sofredor de Deus como Alguém muito
distante da cena contemporânea.
Por outro lado, notamos que a evidência externa favorece inteiramente a unidade do livro;
que o argumento da linguagem milita tanto a favor dessa unidade como do seu oposto, se não
mais; que a cor local é predominantemente a da Judéia; que há certos passos nos capítulos 40 a
66 que, até do ponto de vista crítico, devem ser anteriores ao exílio; e que é difícil explicar o
desaparecimento de autor tão notável do palco da história e do campo da literatura.
No primeiro parágrafo desta seção, tivemos ensejo de nos referir ao ponto de vista do Dr.
A. B. Davidson. Eis como ele formula a sua conclusão final: "Tais problemas deveriam ser
mantidos os mais afastados possível de toda a interferência com os artigos de religião. Como
poderá afetar a condição religiosa de cada um o fato de se crer ou não que seja Isaías o único
autor das profecias que lhe são atribuídas, ou de se lhe acrescentarem outros autores? Seja-me
permitido dizer que acho que devíamos repudiar e sentirmo-nos ofendidos com as tentativas que
se fazem para transformar este problema num artigo de fé religiosa, e procurar formulá-lo de
modo que se não transforme em tal".
Embora seja assim, permanece o fato que "a aceitação quase unânime, durante vinte e
cinco séculos, da autoria de Isaías para todo o livro conhecido pelo seu nome só pode ser
explicada pelo fato de tal opinião estar plenamente de acordo com o conceito da profecia
apresentado na Bíblia em geral" (O. T. Allis, "The Unity of Isaiah", página 122). Se aceitar a
predição como elemento fundamental da mensagem do profeta; se ao dirigir-se aos seus
contemporâneos, ele aponta para Aquele que deveria nascer; e se, para ilustrar os poderosos
movimentos providenciais da história, Deus o faz ver antecipadamente o que vai suceder para
que ele possa pregar com maior efeito ao seu povo, e também para que a crônica de épocas
subsequentes possa autenticar a mensagem profética então é inevitável concluir que o livro de
Isaías é indivisível.
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3.6. Profecias Messiânicas
Como estamos estudando sobre os profetas maiores e, especialmente o profeta Isaias,
podemos observar na continuação do estudo, como é que ele fala sobre a vinda do “Messias”.
A Vinda do Senhor Jesus Cristo - o Messias - como salvador da humanidade, bem como
sua obra e sofrimento foram profetizados muitos séculos antes do Seu nascimento. Deus usou
homens santos para predizerem detalhadamente como seria o Messias, sua vinda e manifestação
do Reino dos céus. Como sabemos, o Messias foi rejeitado e morto pelos judeus. Ressuscitado,
está ao lado do Pai e em breve retornará para conduzir os eleitos à morada eterna.
A seguir, conheça as profecias e os livros onde estão narradas, bem como, o seu
cumprimento descrito no Novo Testamento. Observe bem as passagens proféticas do Livro de
Isaias.
Profecia: Onde:
Cumprimento:
Como Filho de Deus Sl 2.7 Lc 1.32,35
Como descendente de mulher Gn 3.15 Gl 4.4
Como descendente de Abraão Gn 17.7; 22.18 Gl 3.16
Como descendente de Isaque Gn 21.12 Hb 11.17-19
Como descendente de Davi Sl 132.11; Jr 23.5 At 13.23; Rm 1.3
Sua vinda em tempo certo Gn 49.10; Dn 9.23,25 Lc 2.1
Seu nascer de uma virgem Is 7.14 Mt 1.18; Lc 2.7
Ser chamado Emanuel Is 7.14 Mt 1.22,23
Nascer em Belém Mq 5.2 Mt 2.1; Lc 2.4-6
Grandes viriam adorá-lo Sl 72.10 Mt 2.1-11
Matança dos meninos de Belém Jr 31.15 Lc 2.16-18
Ter chamado do Egito Os 11.1 Mt 2.15
Ser precedido por João Is 40.3; Ml 3.1 Mt 3.1-3; Lc 1.17
Sua unção com o Espírito Sl 45.7; Is 11.2, 61.1 Mt 3.16; Jo 3.34;
At 10.38
Ser profeta semelhante a Moisés Dt 18.15-18 At 3.20-22
Ser sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque Sl 110.4 Hb 5.5,6
Sua entrada no ministério publico Is 61.1,2 Lc 4.16-21, 43
Se ministério iniciado na galiléia Is 9.1,2 Mt 4.12-16, 23
Sua entrada publica em Jerusalém Zc 9.9 Mt 21.1-5
Sua vinda ao templo Ag 2.7,9; Ml 3.1 Mt 21.12; Lc 2.27-32;
Jo 2.13-16
Sua pobreza Is 53.2 Mc 6.3; Lc 9.58
Sua humildade e falta de ostentação Is 42.2 Mt 12.15,16,19
Sua ternura e compaixão Is 40.11; 42.3 Mt 12.15, 20; Hb 4.15
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Sua ausência de engano Is 53.9 1Pe 2.22
Seu zelo Sl 69.9 Jo 2.17
Sua pregação por parábola Sl 78.2 Mt 13.34,35
Seus milagres Is 35.5,6 Mt 11.4-6; Jo 11.47
Ter sido injuriado Sl 22.6; 69.7,9,20 Rm 15.3
Ter sido rejeitado por seus irmãos Sl 69.8; Is 63.3 Jo 1.11; 7.3
Ser uma pedra de escândalo aos judeus Is 8.14 Rm 9.32; 1Pe 2.8
Ter sido odiado pelos judeus Sl 69.4; Is 49.7 Jo 15.24,25
Ter sido rejeitado pelos lideres judeus Sl 118.22 Mt 21.42; Jo 7.48
Os judeus e os gentios, contra Ele Sl 2.1,2 Lc 23.12; At 4.27
Seria traído por um amigo Sl 41.9; 55.12-14 Jo 13.18-21
Seus discípulos O abandonariam Zc 13.7 Mt 26.31-56
Seria vendido por trinta moedas Zc 11.12 Mt 26.15
Seu preço seria dado pelo campo do oleiro Zc 11.13 Mt 27.7
A intensidade de seus sofrimentos Sl 22.14,15 Lc 22.42,44
Seu sofrimento em lugar de outros Is 53.4-6,12 Mt 20.28
Sua paciência e silencio sob os sofrimentos Is 53.7 Mt 26.63; 27 12-14
Ser esbofeteado Mq 5.1 Mt 27.30
Sua aparência maltratada Is 52.14; 53.3 Jo 19.5
Terem-No cuspido e flagelado Is 50.6 Mt 14.65; Jo 19.1
Cravação de seus pés e mãos à cruz Sl 22.16 Jo 19.18; 20.25
Ter sido esquecido por Deus Sl 22.1 Mt 27.46
Ter sido zombado Sl 22.7,8 Mt 27.39-44
Mel e vinagre ser-Lhe-iam dados Sl 69.21 Mt 27.34
Suas vestes seriam divididas e sortes lançadas Sl 22.18 Mt 27.35
Seria contado com os transgressores Is 53.12 Mc 15.28
Sua intercessão pelos Seus assassinos Is 53.12 Lc 23.34
Sua morte Is 53.12 Mt 27.50
Nenhum dos Seus ossos seria quebrado Ex 12.46; Sl 34.20 Jo 19.33,36
Seria traspassado Zc 12.10 Jo 19.34,37
Seria sepultado com o rico Is 53.9 Mt 27.57-60
Não veria a corrupção Sl 16.10 At 2.31
Sua ressurreição Sl 16.10; Is 26.19 Lc 2.6,31,34
Sua ascensão Sl 68.18 Lc 24.51; At 1.9
Seu assentar à direita de Deus Sl 110.1 Hb 1.3
Seu exercer o oficio sacerdotal, no céu Zc 6.13 Rm 8.34
Seria a pedra principal da igreja Is 28.16 1Pe 2.6,7
Seria Rei em Sião Sl 2.6 Lc 1.32; Jo 18.33-37
Conversão dos gentios a Ele Is 11.10; 42.1 Mt 1.17-21; Jo 10.16;
At 10.45-47
Seu governo reto Sl 45.6,7 Jo 5.30; Ap 19.11
Seu domínio universal Sl 72.8; Dn 7.14 Fp 2.9-11
A perpetuidade de Seu reino Is 9.7; Dn 7.14 Lc 1.32,33
Fonte: Bíblia Vida Nova
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3.7. Nota arqueológica:
3.7.1. O rolo de Isaías.
Até onde sabemos, todos os exemplares originais da Bíblia foram perdidos. A
Bíblia que hoje temos foi feita de cópias de cópias. Até a invenção da
imprensa, em 1454 d.C., essas cópias eram feitas à mão.
Os livros do AT foram escritos em hebraico (uns pequenos trechos em
aramaico). Os livros do NT foram escritos em grego. Os manuscritos mais antigos que temos da
Bíblia inteira datam dos séculos IV e V d.C.. São escritos em grego e contêm, quanto o AT, a
Septuaginta – uma tradução grega do AT hebraico feita no século III a.C.
Os manuscritos mais antigos que conhecemos dos livros do AT foram feitos por volta de
900 d.C. Baseia-se neles o que é chamado Texto Massorético, e a partir destes foram feitas às
traduções em português dos livros do AT. O Texto Massorético proveio de uma comparação de
todos os manuscritos, transcritos de cópias anteriores por muitas linhagens de diferentes escribas.
Entre esses manuscritos, existem variações tão pequenas que os hebraístas concordam
geralmente entre si no sentido de que o texto bíblico, conforme atualmente temos, é
essencialmente idêntico aos dos próprios livros originais.
Posteriormente, em 1947, em Ain Fashkha, quase 12 Km ao sul de Jericó e 1,6 Km a oeste
do Mar Morto, alguns beduínos, enquanto levavam mercadorias do vale do Jordão até Belém,
tiveram que procurar uma cabra perdida num uádi (leito de riacho ou rio) que deságua no Mar
Morto. Ao fazê-lo, eles depararam com uma caverna parcialmente desmoronada, na qual
descobriram vários jarros danificados, de dentre dos quais projetavam-se extremidades de rolos.
Os beduínos arrancaram os rolos e os passaram adiante ao mosteiro Siro-Ortodoxo de São
marcos, em Jerusalém, que os entregou as escolas americanas de Pesquisas Orientais. Esses
rolos, e outros tantos que posteriormente foram descobertos na mesma vizinhança de Qumran,
são conhecidos por rolos do Mar Morto.
Um desses rolos foi identificado como o livro de Isaías, um exemplar escrito há 2 mil anos
– mil anos mais antigo que qualquer manuscrito conhecido de qualquer livro do AT hebraico.
Trata-se de um rolo escrito em hebraico, usando letras antigas, com quase oito metros de
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comprimento, composto de folhas de 25 por 38 cm costuradas umas as outras. Foi feito no século
II a.C..
Esse rolo e outros tantos tinham sido originalmente lacrados em jarros de barro. Segundo
parece, faziam parte de uma biblioteca judaica que alguém escondera nessa caverna isolada em
tempos de perigo, talvez durante a conquista da Judéia pelos romanos.
Os estudiosos bíblicos concluíram que as cópias do livro de Isaías nos rolos do Mar Morto
são essencialmente idênticas ao livro de Isaías das nossas Bíblias – trata-se de uma voz
proveniente de 2 mil anos atrás que vem confirmar a integridade de nossa Bíblia, ao todo, 22
cópias manuscritas do livro de Isaías foram achadas em Qumran, embora nem todas estejam em
perfeito estado de conservação.
3.7.2. Os rolos do Mar Morto.
Com frequência somos indagados: Como saber se a Bíblia que temos nas mãos chegou
até nós com exatidão? Considerando que os manuscritos de hoje são cópias de cópias, como
saber se o texto foi transmitido com exatidão?
A descoberta dos rolos do Mar Morto confirmou que o texto do Antigo Testamento não
mudou substancialmente no decorrer dos séculos.
Em março de 1947, um pastor beduíno, à procura de uma cabra perdida perto do mar
Morto, jogou uma pedra para exortar outros animais e ouviu o som de algo quebrar-se. Foi
buscar um companheiro, e juntos entraram em uma caverna onde viram diversos grandes jarros
contendo rolos de couro e papiros enrolados em panos. Contrabandearam-nos pela fronteira entre
Israel e Jordânia que existia naquele tempo, e encontraram um comerciante de antiguidades em
Belém, que os comprou por preço mínimo. O comerciante contou a respeito dos rolos a um
erudito sírio em Jerusalém, o qual não conseguiu identificar a idade nem o significado deles. O
sírio adquiriu alguns dos manuscritos e guardou-os no mosteiro de São Marcos na velha
Jerusalém.
ÉCOLE BIBLIQUE, instituição dominicana francesa em Jerusalém, dedicada ao estudo
bíblico e arqueológico. Um professor holandês visitou o mosteiro, examinou um dos textos e
reconheceu tratar-se de um exemplar antigo do profeta Isaias. Quando contou aos colegas da
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ÉCOLE BIBLIQUE, garantiram-lhe que nenhum manuscrito tão antigo poderia ainda existir, por
isso o assunto foi abandonado.
Finalmente dois bibliotecários da Universidade Hebraica de Jerusalém visitam o mosteiro e
reconheceram que esses manuscritos precisavam ser avaliados por peritos em paleografia (O
estudo das formas antigas de escrita). Quando o professor E.L. Sukenik da Universidade
Hebraica voltou dos Estados Unidos para Jerusalém, em novembro de 1947, percebeu que “esta
pode ser uma das maiores descobertas já feitas na palestina”. E foi.
Ao todo, as cavernas forneceram cerca de catorze descobertas importantes, entre elas o que
se acreditava ser uma biblioteca, no interior da caverna.
3.8. De onde vieram esses rolos?
Em 140 a.C. um grupo de indivíduos chamado essênios deixou a cidade de Jerusalém para
viver nas áridas e secas cavernas das montanhas da Judéia. Qumran, como se chamava o local,
foi criado para preservar a pureza do sacerdócio e o apego à lei de Moisés e aos profetas.
Em mais ou menos 60 d.C., Roma cansou-se das rebeliões dos judeus e decidiu sufoca-los
completamente, incluindo a comunidade essênia. Quando as tropas romanas saíram de Jericó em
direção a Qumran, os essênios imediatamente esconderam seus rolos em cavernas próximas e
fugiram para as montanhas, esperando escapar à ira dos romanos. Foi assim que esses rolos
permaneceram nessas cavernas por cerca de dois mil anos!
3.9. Qual a importância deles?
Até que esses rolos fossem encontrados, os mais antigos manuscritos do Antigo
Testamento datavam apenas de 800 d.C., aproximadamente. Essas edições do Antigo Testamento
hebraico são conhecidas como Texto massorético, assim chamados por causas de um grupo de
intelectuais chamados “massoretas” , que tomavam grande cuidado ao copiar o texto do Antigo
testamento, certificando-se de que correspondesse com os manuscritos mais confiáveis.
A melhor coisa depois de ter os originais é retroceder às cópias mais próximas deles. Foi o
que os rolos do mar Morto permitiram fazer.
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Esses rolos são cerca de oitocentos a mil anos mais
antigos do que os outros manuscritos previamente
conhecidos. Encontrara-se porções de cada livro do
antigo Testamento, exceto Éster. O curioso é que
nenhuma obra apócrifa foi encontrada. Mais
importante ainda foi o rolo completo do livro de Isaias. Isso tem dado aos eruditos uma
oportunidade maravilhosa de comparar o texto dos rolos com os textos previamente conhecidos.
3.10. As conclusões?
Primeiramente, os rolos do mar Morto dão confirmações independentes do texto de
nossos atuais livros do Antigo Testamento. Por exemplo, o texto de Isaias provou ser
substancialmente o mesmo que é conhecido como Texto Massorético. O dr. Gleason L. Archer
observa que as duas cópias de Isaias encontradas nas cavernas apóiam “a integridade do texto
massorético”, pois “tal texto concorda com o manuscrito de Isaias encontrado [...] em 95% de
seu conteúdo. Os restantes 5% compreendem erros de escrita a variações de ortografia”. {01}
Para dar um exemplo específico:
Das 166 palavras de Isaias 53, há apenas dezessete letras [no rolo de Qumran que diferem
do texto massorético padrão]. Dez dessa letras são simplesmente uma questão de ortografia, que
não afetam [o significado]. Mais quatro letras são alterações de estilo sem importância, tais como
conjunções. As tres letras restantes compreendem a palavra “luz”, que foi acrescentada no
versículo 11, e não afeta o significado de maneira especial.{2}
Lembre-se, quando os escribas transcreviam uma página, contavam realmente o numero
de palavras e até de letras para certificar de que os manuscritos se equivaliam entre si. Graças a
tais padrões de exatidão, o texto hebraico do Antigo Testamento disponível aos estudiosos de
hoje é essencialmente igual ao original. Os rolos do mar Morto simplesmente confirmaram a
exatidão geral da transmissão dos escribas.
Em segundo lugar, devemos destacar que o texto de um dos rolos fala sobre “um líder da
comunidade que foi condenado à morte”. O texto utiliza termos associados com o messias, tais
como “o cajado”, “o Renovo de Davi” e a “Raiz de Jessé”. Isto mostra que embora a maioria dos
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judeus no tempo de Cristo aguardasse um Messias político que os libertaria da ocupação romana,
havia alguns que criam que o Messias sofreria e morreria. {3}
Resumindo, os rolos do mar Morto confirmaram que o que temos em mãos é um exemplar
confiável dos documentos originais. Podemos com segurança dizer que a Palavra de Deus foi
preservada ao longo dos séculos, de modo que podemos conhecer a vontade de Deus para nós e
seus planos para um mundo futuro.
Concluo com as palavras de Millar Burrows: “O leitor comum e o estudante da Bíblia
podem ficar satisfeitos em observar que em tudo isso nada altera nossa compreensão dos
ensinamentos religiosos da Bíblia”. {4}
Bibliografia.
Texto Baseado nos escritos do Livro: 7 RAZÕES PARA CONFIAR NA BÌBLIA,
Erwin Lutzer, ed. Vida, p. 71-76.
{1} – Norman I. GEISLER & William E. NIX, Introdução bíblica, São Paulo, Vida,
1997, p. 140.
{2} – GEISLER & NOX, A general introduction to the Bible, cit, 1968, p. 263.
{3} – BOYD, Handbook of pratical apologetics, p. 175-7.
{4} – GEISLER & NOX, A general introduction to the Bible, cit, 1968, p. 263.
NOTA ARQUEOLÓGICA:. O ESPLENDOR DA BABILÔNIA
(Is 13:19)
A Babilônia com seus templos e palácios veio a ser uma cidade
belíssima (ver Dn 4:29-30) Os jardins suspensos de Nabucodonosor
eram uma das sete maravilhas do mundo. O império neobabilonico de 612-539 a.C.
era comandado pelo povo caldeu do sul da Babilônia. Nabopolassar reuniu as tribos
caldeias em c. de 623 a.C. e seu filho Nabucodonosor passou a ser o governante mais
poderoso do novo império (605-562 a.C).
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NOTA ARQUEOLÓGICA:. SARGOM e ASDODE (Is 20:1)
Sargom II, que reinou de 721-705 a.C. É mencionado por nome
somente aqui no AT. Asdode era uma das cinco cidades dos filisteus,
e localizava-se perto do mar mediterrâneo, cerca de 28 Km a
nordeste de Gaza. A cidade se rebelara em 713 a.C, com seu rei, Azuri, contra a
Assíria. Em 1963 d.C três fragmentos de um monumento comemorativo da vitória de
Sargom, citando este rei nominalmente foram encontrados em Asdode..
NOTA ARQUEOLÓGICA:. O TÚMULO DE SEBNA. (Is 22)
O túmulo de Sebna que é mencionado nas verso de 15-25 talvez seja
aquele que foi achado a leste do núcleo central de Jerusalém por
Charles Clermont-Ganneau em 1870. A inscrição nesse túmulo,
situado na aldeia de Silwan, conforme a tradução do professor Avigad, diz (com a
ajuda de restauração): “Esse é [o túmulo de sebna] – yahu que é o administrador do
palácio [...] maldito o homem que abrir isso”. O mesmo titulo “administrador do
palácio” é usado a respeito de Sebna em Is 22:15.
NOTA ARQUEOLÓGICA:. O MURO DE EZEQUIAS. (Is 22)
No bairro judaico de Jerusalém, o professor Naum Avigad descobriu
as ruínas de um muro enorme (a parte ainda conservada tem mais de
60 mts de comprimento, 6,5 mts de espessura e 3 de altura). Esse
muro tinha sido edificado encima de casas que tinham sido destruídas – conforme Is
22:10 diz a respeito de Ezequias. “Examinaram as casas de Jerusalém e derrubaram
algumas delas a fim de usar as pedras na reconstrução das muralhas. (NTLH)”
NOTA ARQUEOLÓGICA:. EZEQUIAS e SENAQUERIBE (Is
36:1)
Ezequias reinou como monarca exclusivo de 715 a 686 a.C, mas era
co-regente desde c. 729 a.C. Senaqueribe reinou sobre a Assíria de
705 a 681 a.C.Senaqueribe mandou registrar em sua campanha contra a Fenícia,
Judá e o Egito, em 701 a.C.Ele declara em seus anais que conquistou 46 das cidades
fortificadas de Ezequias, bem como inúmeras aldeias abertas, e ter levado 200150
habitantes para o cativeiro. Declara que fez de Ezequias “um prisioneiro de
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Jerusalém, sua residência real, como um pássaro numa gaiola”. Mas não diz que
conquistou Jerusalém.
Prisma Taylor originário de Nínive, capital Assíria (no atual Iraque) no Período
Neo-assírio; Durante o Reinado de Senaqueribe, 689 A.C. Construída em Barro
assado; Medindo 38.0 cm x 14.0 cm Comprado em Bagdá, 1919
Nos seis lados inscritos deste prisma de barro, o Rei
Senaqueribe registrou oito campanhas militares empreendidas
contra vários povos que recusaram submeter-se à dominação
assíria. Em todas as instâncias, ele reivindica ter sido
vitorioso. Como parte da terceira campanha, ele invadiu
Jerusalém e impôs um pesado tributo a Hezequias, Rei Judá. O
exército assírio tinha passado sobre a Síria e Israel como um
rolo compressor, e depois atacou Judá, conquistou todas as
suas cidades fortificadas e cercou Jerusalém. Senaqueribe, o
rei assírio, escreveu em suas próprias crônicas que tinha
fechado Ezequias (rei de Judá) como um pássaro numa gaiola.
A conquista assíria de Jerusalém, capital de Judá, parecia inevitável. Contudo, uma
vez que o monarca assírio precisava lutar em outras frentes de batalha, ele preferiu
simplesmente intimidar os israelitas para que se rendessem. Ele enviou Rabsaqué, seu
principal oficial, a Jerusalém para começar uma campanha de propaganda destinada
a persuadir os homens de Judá a desistir sem lutar. Confrontando a narrativa no
prisma, a Bíblia narra diferentemente o episódio, três capítulos registram o discurso
de Rabsaqué: 2 Reis 18; 2 Crônicas 32 e Isaías 36.
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4. O PROFETA JEREMIAS
4.1. Introdução
4.1.1. O Que Estava Acontecendo Na História Secular
Quando Deus chamou Jeremias ao ministério profético em 626 A.C., a Assíria, senhora do
mundo, sujeitara Judá ao seu domínio, cobrando-lhe tributo. Todavia, a própria Assíria
gradualmente enfraqueceu, após a morte de Assurbanipal em 633 A. C. Certas províncias do
império perderam-se em 614 A. C., e outras no cerco final de dois anos. Assurubalut foi o último
monarca reinante, conservando-se em Harran durante, pelo menos, dois anos após a destruição
de Nínive em 612 A. C.
Potencialmente, o trono da Assíria estava aberto a qualquer cabo de guerra do tempo.
Neco, do Egito, conduziu as suas forças até ao norte da Palestina, defrontando e matando Josias,
rei de Judá, em Megido em 609 A. C., subjugando a Síria e pondo-se novamente em marcha até
ao Eufrates. Foi, porém, enfrentado por Nabucodonosor da Babilônia, que desbaratou os seus
exércitos na histórica batalha de Carquemis e o obrigou a recuar para as suas próprias fronteiras,
pondo, assim, termo temporário à ambição egípcia de dominar o Oriente. Foi deste modo que
Judá, até ali sujeito à Assíria, passou automaticamente para o controle da Babilônia.
Depois da morte trágica de Josias, o seu povo ungiu Jeoacaz, seu filho, rei em seu lugar.
Neco, porém, depô-lo a favor de Jeoaquim, seu irmão, pensando que ele serviria melhor os
interesses egípcios. Que esta convicção tinha bons fundamentos prova-o claramente o tratamento
a que Jeoaquim sujeitou o profeta Jeremias. Depois de Carquemis, Nabucodonosor interessou-se
menos por Judá, possivelmente por o descontentamento em Babilônia exigir o seu regresso
imediato após ter sido desferido um golpe decisivo contra o Egito. Entretanto, Jeoaquim,
confiante nas promessas egípcias de auxílio maciço, fez uma tentativa de sacudir o jugo de
Babilônia. Em resultado disso, em 596 A. C., Nabucodonosor, consolidado o seu poder na pátria,
atacou Jerusalém, prendeu Jeoaquim, filho do rebelde e agora seu sucessor, e levou-o com algum
do seu povo para o cativeiro. Ao mesmo tempo, pôs Zedequias no trono.
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O Egito não ousava arriscar uma guerra com Babilônia; em vez disso, procurava
enfraquecer pela intriga os laços impostos por Nabucodonosor à Síria e Palestina. A Neco
sucedeu no trono egípcio Psamatique II, e presumivelmente foi ele quem procurou persuadir
estes países a tomarem parte numa aliança com o Egito contra Babilônia. Zedequias foi um dos
monarcas abordados, e parece haver fortes indícios de ter existido um partido pró-egito na corte.
Ananias, o profeta, salientava-se bastante nesta conjuntura, mas Jeremias opôs-se firmemente à
proposta. Ver, por exemplo, o capítulo 28, com o seu oráculo do jugo de ferro.
Jeremias opunha-se vigorosamente a estes funcionários da corte. Como porta-voz DO
SENHOR, denunciava-os como falsos profetas, afirmando que as suas atividades pró-Egito eram
contrárias à Sua vontade e teriam um resultado trágico. Sem dúvida se consideravam verdadeiros
patriotas, e é evidente que o seu ódio feroz a Jeremias se fundamentava no fato de, na opinião
deles, o profeta ser um traidor confesso. Chamando-lhes falsos profetas, Jeremias não implica
necessariamente que fossem homens cruéis, mas antes que a sua intuição ou critério não eram
inspirados pelo SENHOR. A sua acusação contra os seus adversários é que não forao SENHOR
quem os mandara, mas que eles se destacam por iniciativa própria, pelo que as suas predições
não se realizarão. Era, pois, aí que residia a falsidade. Falavam em nome do SENHOR quando,
afinal, Ele não lhes tinha ordenado que o fizessem. De tudo isto se depreende que a sinceridade
não basta; só a inspiração divina é que faz de alguém um profeta.
É impossível dizer se Nabucodonosor tinha recebido um aviso direto do descontentamento
que grassava, ou apenas boatos, mas o certo é que Zedequias foi intimado a avistar-se com ele e
a descrever as condições na sua pátria. O seu regresso implica que deu garantias de fidelidade. É
pena que, ao que parece, ele não tivesse a coragem e a força moral para resistir à influência de
conspiradores pró-egipcistas como Ananias e os seus confederados. Jeremias instava
constantemente com o rei para que permanecesse fiel ao seu compromisso, mas quando Hofra se
tornou faraó em 589 A C., sucedendo a Psamatique II, a influência egípcia na corte acentuou-se
ainda mais e, em resultado de tramas urdidas em segredo, Zedequias foi finalmente induzido a
faltar à sua palavra para com Nabucodonosor. O Egito foi lento no seu socorro, e o monarca
babilônio tornou a pôr cerco a Jerusalém em 587 A. C. Por fim, apareceu o exército egípcio e os
babilônios levantaram o cerco temporariamente. Foi nessa altura que Jeremias foi preso como
desertor que procurava fugir para os caldeus (ver Jr 37.11-15).
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A repetição do assédio parece ter provocado uma crise. Jeremias tinha a certeza de que a
sua intuição provinha de Deus, de que Ele lhe revelara os Seus propósitos de transformar
Babilônia no instrumento da Sua vontade. A confiança no Egito, portanto, só poderia abrir
caminho à tragédia e ao exílio. Além disso, os inimigos do profeta serviam-se do nome do
SENHOR para apóiar a sua política pró-egipcista. Por conseguinte, afirmavam que a atitude e as
palavras de Jeremias enfraqueciam a vontade nacional de combater. Esta luta revela-se de forma
crucial na pessoa de Zedequias, que se erguia entre as duas facções, sendo atraído ora para um
dos partidos, ora para o outro. Costuma-se dizer que Zedequias era um fraco, incapaz de tomar
uma decisão e enfrentar as consequências. Percebe-se que Jeremias não o conseguiu influenciar
de forma a fazê-lo manter-se firme no seu juramento de fidelidade para com Nabucodonosor. A
batalha foi ganha pelos falsos profetas e Zedequias arriscou a sua sorte, mas pagou amargamente
a sua decisão e delongas. O Egito revelou-se uma cana quebrada; o segundo cerco foi coroado de
êxito, os babilônios comportavam-se de forma desapiedada e, com grande desgosto seu, Jeremias
assistiu à amarga realização da sua profecia.
Este livro dá-nos pormenores referentes à vida de Jeremias até à sua partida forçada para o
Egito. Depois, abatem-se as trevas sobre o profeta, atenuadas, se porventura o são, apenas por
vagas tradições. Nada há que permita chegar a conclusões definitivas quanto à sua sorte.
Segundo uma tradição cristã, alguns cinco anos depois da queda de Jerusalém, foi lapidado em
Tahpanhes pelos judeus, que, mesmo então, se recusavam a comungar na sua visão e na sua fé.
4.2. O que podemos aprender com o livro de Jeremias
Politicamente, como vimos, o profeta perdeu, mas espiritualmente obteve retumbante
vitória. Com Amós e Oséias, confiava em como, apesar de a idolatria e a infidelidade ao
SENHOR acarretaram necessariamente o castigo, Israel e Judá não seriam destituídos
definitivamente da graça de Deus. Com esses profetas, comungava também na fé que o exílio
como disciplina seria, não totalmente trágico, mas uma experiência corretiva. O estado como
estado estava condenado, mas a fé no SENHOR e a fé do SENHOR no Seu povo escolhido
permaneceriam e sobreviveriam àquele choque crucial.
Viu também que o antigo concerto centralizado no templo e no seu cerimonial era ineficaz.
Assim, acabou por descortinar que O SENHOR escreveria um novo concerto no coração do
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"remanescente", através do qual a religião vital se manteria dinâmica e seria um veículo de
bênção para além das fronteiras da nação.
Quando o livro da Lei encontrado por Hilquias nas ruínas do templo provocou a reforma
do reinado de Josias em 621 A. C., parece evidente que, de princípio, Jeremias vibrou no mesmo
entusiasmo que o monarca, emprestando a este a sua influência e auxílio. Parece igualmente
evidente, porém, que, mais tarde, a sua confiança nesse avivamento começou a enfraquecer,
considerando-o o profeta demasiado fácil e superficial para satisfazer os requisitos do SENHOR.
A grande necessidade era de uma mudança de coração, só possível num povo que depositasse a
sua fé tão-somente no SENHOR. Ora, a geração de Jeremias recusava-se a conceder essa
centralidade de fé.
Muitos comentadores têm afirmado que Jeremias, com outros profetas, se opunha ao ritual
de sacrifícios, considerando-o algo que não fora ordenado pelo SENHOR e que Lhe repugnava.
Todavia, a atitude de Jeremias será melhor interpretada se nós descortinarmos a lição de que,
sempre que um sacrifício não constitui um verdadeiro índice da adoração e arrependimento do
indivíduo, então esse sacrifício não terá valor, sendo, portanto, contrário ao desejo e vontade do
SENHOR. Quando muito, um sacrifício só poderia ser um meio para atingir o fim espiritual de
um regresso contrito ao Senhor, jamais podendo constituir um fim suficiente em si.
4.3. O Autor
Trata-se de um problema muito complexo que não pode ser eficazmente abordado numa
breve introdução como esta. Em Introduction to the Old Testament, de E. J. Young, encontrar-
se-á formulada a posição conservadora acompanhada de um sumário das várias correntes
críticas. O próprio livro diz que Baruque, o escriba, escreveu as profecias que Jeremias
pronunciou (ver especialmente Jr 36.32), e declara que "ainda se acrescentaram a elas muitas
palavras semelhantes". Duma maneira geral, Baruque parece ter sido fiel amanuense de Jeremias
e, note-se, acompanhou-o até ao Egito (Veja: Jr 43.6).
As próprias profecias não vêm em ordem cronológica, o que pode causar confusão numa
mentalidade ocidental, habituada a encarar tais problemas de uma maneira lógica. Em The New
Bible Handbook, de G. T. Manley, o leitor encontrará um esquema das datas prováveis
correspondentes aos vários capítulos. O problema resulta ainda mais complicado por haver
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grandes diferenças entre o texto hebraico e o dos Setenta deste livro, fenômeno que se verifica
mais nele do que em qualquer outro. Estas diferenças não dizem respeito apenas às palavras mas
afetam a ordem de apresentação do conteúdo. Para uma breve análise das discrepâncias e uma
hipótese de explicação, ver Introduction to the Old Testament, de E. J. Young, obra a que já se
fez referência. No corpo do comentário, apontam-se sempre os passos em que a versão dos
Setenta parece derramar luz sobre o texto hebraico.
Quem Era Jeremias
Jeremias era, de fato, um homem de Deus, sensível a toda a influência espiritual, suscetível
de profunda emoção, dotado de visão clara e critério cristalino. Não podia ser comprado nem
cavilosamente convencido. Seguia o caminho traçado pelo seu espírito, este sempre apoiado no
sentimento de adoração que vivia dentro dele. Foi um homem de Deus do princípio ao fim e,
portanto, um patriota fiel até à tragédia. Não era cego para o pecado e loucura do seu povo.
Descortinou com profunda amargura o nexo férreo entre o pecado e o castigo, e previu o exílio
como uma punição inevitável e irrevogável, a não ser que se verificasse uma conversão. Foi para
a provocar que despendeu sem reservas todo o seu esforço.
Essencialmente, foi um mediador impelido pelo patriotismo e pela fé em Deus. Daí a
veemência das suas emoções e mensagens, ora contra o seu povo, ora intercedendo junto do
Senhor. Daí também o seu isolamento, a sua agonia de espírito, os seus cruciais conflitos
íntimos. A sua paixão iluminava-lhe os passos, o que facilitou a sua tarefa, embora tornando-a
desagradável. Viu a condenação, mas não a tragédia final. Tanto Israel como Judá tinham um
futuro em Deus, o Qual seria a sua justiça. Haveria um novo concerto. Em Deus leu promessas,
não futilidade, pelo que "ficou firme como vendo o invisível". Neste vulto descarnado, clamante,
vemos o que Deus ousa pedir ao homem, e o que um homem assim pode dar. A descoberta do
Jeremias autêntico pode bem constituir o renascimento de quem o descobre.
É importante você saber...
MÊNFIS. Como outros sítios arqueológicos do antigo Egito, a cidade de Mênfis é
conhecida sobretudo pela escavação de suas necrópoles, que proporcionam descobertas mais
surpreendentes que a própria cidade.
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Mênfis era capital do antigo Egito durante o terceiro milênio anterior à era cristã. Suas
ruínas estão localizadas ao sul do delta do Nilo, a cerca de 25km do Cairo. Acredita-se que a
cidade tenha sido fundada em 2925 a.C., com o nome de Anbu-hedj ("muros brancos"), por
Menés, o faraó que supostamente unificou as regiões do alto e baixo Egito. Em meados do
terceiro milênio, Mênfis tornou-se importante centro político e religioso, com um complexo
arquitetônico em que se destacavam o palácio real e o grande templo do deus local, Ptah. Depois
de Menés, faraós das III e IV dinastias edificaram em Mênfis monumentos grandiosos, entre os
quais a pirâmide construída em Saqqarah pelo famoso arquiteto Imhotep, no reinado do faraó
Djoser.
Durante a VI dinastia, o faraó Pepi I mandou construir a pirâmide Men-nefer, de que
derivou o nome atual da cidade. Embora tenha visto sua importância decair à medida que
Heliópolis progredia, Mênfis manteve seu prestígio até o médio império (entre 1938 e 1600 a.C.,
aproximadamente), graças à condição de centro religioso. Após um longo período de crises,
marcado pela invasão dos povos hicsos, a cidade experimentou uma nova fase de prosperidade e
provavelmente se tornou segunda capital do Egito ou capital do norte do país. O templo dedicado
a Ptah passou a ser o local de culto preferido dos faraós e foi ampliado por Tutmés I e Tutmés
IV.
Na XIX dinastia, os faraós fixaram residência no delta do Nilo, mas mantiveram o
esplendor de Mênfis, com a construção de estátuas colossais e do templo do Serapeum, dedicado
ao deus Ápis. Na dinastia seguinte, a unidade do Egito começou a desmoronar novamente, mas
foi restabelecida pelo rei Piankhi, da Núbia, que conquistou o Egito no século VIII a.C. Um
século mais tarde, os assírios começaram a destruir a cidade, processo que foi continuado por
invasores persas e gregos. Com Alexandre o Grande a cidade transformou-se num centro de
planejamento para a construção de Alexandria, cidade que pôs fim à hegemonia de Mênfis.
A cidade recuperou seu antigo caráter cosmopolita na época ptolomaica e foi mais tarde
transformada pelos romanos numa próspera capital de província. Mênfis começou a decair com a
ascensão do cristianismo, quando fanáticos religiosos destruíram o pouco que restava dos
templos, e recebeu o golpe de misericórdia com a ocupação muçulmana. As ruínas da cidade
foram utilizadas na edificação de outras construções em áreas vizinhas, entre as quais Fustat, que
deu origem à cidade do Cairo. Esquecida durante séculos, Mênfis começou a ser recuperada em
meados do século XIX, com as escavações arqueológicas.
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Jr-5.27 gaiola. Sem dúvida, isto é uma referência à uma armadilha ou gaiola armada,
como o Dr. Blayney traduz, na qual caçadores colocam várias aves amansadas para atrair outras
aves para a armadilha que lhes foi armada. - Fonte: ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
5. LAMENTAÇÕES
5.1. Introdução
5.1.1. Título
O título mais completo, "As Lamentações de Jeremias" é encontrado nos manuscritos
gregos e na Septuaginta. Mas o Talmude e os escritores rabínicos se referem a ele simplesmente
como "Lamentações" (qinoth) ou como "Como!" (’ ekhah), a palavra inicial no hebraico.
5.1.2. Sua Posição Na Bíblia
Consoante o título mais longo, a Septuaginta coloca o livro imediatamente após as
profecias de Jeremias, tal como em nossas versões portuguesas. Na Bíblia hebraica esse livro não
é encontrado entre os livros proféticos, mas ocupa a posição média entre os Rolos Festivos
(Megilloth) que seguem imediatamente os três livros poéticos da Hagiógrafa, ou seja, a terceira
divisão do cânon hebreu. Cada um dos Megilloth era lido por ocasião de uma festividade anual,
sendo que o livro de Lamentações era lido no nono dia de Ab (cerca de meados de julho),
aniversário da destruição do templo por Nabucodonosor, rei da Babilônia. No Talmude, os livros
poéticos e o Megilloth aparecem rearranjados numa ordem que parece ser a ordem cronológica, a
saber, Rute, Salmos, Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cantares de Salomão, Lamentações, Daniel,
Ester, etc.
5.1.3. Autor E Data Da Composição
A tradição que Jeremias compôs esses poemas recua até à posição e ao título do livro na
Septuaginta, onde é introduzido mediante as palavras: "E sucedeu, após Israel ter sido levado
cativo, e Jerusalém ter ficado desolada, que Jeremias se assentou a chorar, e lamentou com esta
lamentação por causa de Jerusalém e disse...". Também é asseverado no Targum Siríaco e no
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Talmude (Baba Bathra) que: "Jeremias escreveu seu próprio livro, Reis, e Lamentações". Em
2Cr 35.25 é feita referência às lamentações desse profeta por causa da morte do rei Josias, e ali
se acha escrito que tal lamentação foi registrada e ficou como "estatuto em Israel"; com isso cfr.
Lm 4.20 e Lm 2.6. Porém, nosso presente livro gira não tanto em torno da morte de um rei como
em torno da destruição de uma cidade, e Lm 4.20 com igual justiça poderia referir-se a
Zedequias, a despeito de sua falta de dignidade (cfr. o sentimento em 2Sm 1.14,21). Não
obstante, na qualidade de profeta chorão (ver Jr 9.1; Jr 14.17-22; Jr 15.10-18, etc.), Jeremias bem
poderia ser concebido como autor, igualmente, do livro de Lamentações, não fosse o fato de
existirem certas dificuldades para que se aceite essa opinião. O estilo é muito mais elaborado e
artificial que o do próprio livro de Jeremias e, nos capítulos 2 e 4, é mais parecido com o estilo
de Ezequiel. O capítulo 3 faz lembrar Sl 119 e 143. A atitude para com os poderes estrangeiros,
subentendida em Lm 4.17, certamente não é a do "colaboracionista" Jeremias e não reflete a
própria experiência do profeta.
Por conseguinte, muitos consideram que o autor do livro de Lamentações tenha sido um
contemporâneo mais jovem de Jeremias, o qual, à semelhança dele, fora testemunha ocular das
entristecedoras calamidades que sobrevieram a Jerusalém por ocasião da captura efetuada pelos
exércitos de Babilônia em 587-586 a.C. Outros consideram os capítulos 2 e 4 como obra de uma
testemunha ocular (note-se a preocupação do escritor pelo destino das crianças, em Lm 2.11-
12,19-20; Lm 4.4-10), cerca de 580 a.C., aos quais foram então adicionados, talvez originados
em fontes diferentes, o lamento nacional do capítulo primeiro, o lamento pessoal do capítulo 3, e
a oração do capítulo 5. A data desse material pode ser fixada em cerca de 540 a.C. Alguns,
porém, preferem datar a coleção inteira como pertencente a período bem posterior, fazendo o
livro referir-se ao cerco de Jerusalém, em 170-168 a.C., por Antíoco Epifânio, ou mesmo em 63
a.C., por Pompeu; porém, isso é altamente improvável. Em favor da data tradicional que é o
período do exílio temos a nota de desânimo, de princípio ao fim do livro, que sugere um tempo
antes do levantamento de Ciro, o persa. Há também o fato que esse período particular da história
da Babilônia é notório por seus hinos fúnebres em memória de cidades caídas. Existem
inscrições cuneiformes nas quais "a filha de..." é exortada a lamentar sua sorte (cfr. Lm 2.1).
Essa técnica, portanto, pode ter sido aprendida pelos judeus, no exílio.
5.1.4. Composição
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Os comentadores rabínicos se referem aos "sete acrósticos" e pode ser observado de
imediato que cada capítulo tem vinte e dois versículos, que correspondem ao número e à ordem
das letras no alfabeto hebraico, fazendo exceção o capítulo 3, que possui sessenta e seis
versículos, no qual cada letra sucessiva conta com três versículos dedicados à mesma, em lugar
de um versículo. Diz-se que esse arranjo alfabético tem o propósito de mostrar que "Israel pecou
de álefe a tau", isto é, como diríamos, de A a Z, assim como em Sl 119 a implicação é que a lei
deve merecer a atenção e o desejo totais do homem. No capítulo 5, entretanto, não são
empregadas as letras do alfabeto em ordem sucessiva ainda que alguns eruditos afirmem que
esse deve ter sido o caso, originalmente.
Os quatro primeiros poemas fazem uso do ritmo desigual, conhecido como canto fúnebre
(qinah), isto é, Lm 3.2, e que também se encontra no livro de Jeremias.
É importante você saber...
ISHTAR. "Rainha das determinações divinas, luz radiante, mulher doadora da vida,
amada do céu e da terra, a suprema." Esse trecho, de um hino a Ishtar, retrata uma deusa que era
sempre representada como jovem, bela e impulsiva, de temperamento contraditório: honesta e
trapaceira; alegre e chorosa; a que ateia o fogo e o apaga. Ishtar era o nome pelo qual os acádios
e, posteriormente, os assírio-babilônios chamavam a deusa suméria Inanna, personificação do
planeta Vênus. Era a deusa principal tanto no panteão sumério quanto no acádico. Tem atributos
idênticos aos da deusa fenícia Astartéia, aos de Afrodite, na Grécia, e aos de Vênus, em Roma.
A mitologia em torno de Inanna-Ishtar é extremamente complexa, devido ao sincretismo
dos panteões sumério e acádico. Segundo uma dessas tradições, ela é a filha do deus-céu An;
segundo outra, descende da deusa-lua Nanna-Sin e é irmã do deus-sol Utu-Shamash. Seu nome
foi também associado a diferentes maridos: Zabada de Kish, Ashur, An e Dumuzi (ou Tammuz).
Da literatura cuneiforme dos acádicos e sumérios emergem diversas imagens de Inanna-Ishtar:
ora é deusa do amor e da sexualidade, ora deusa da guerra, da chuva e do trovão e, mais tarde, a
própria rainha do Universo.
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5.2. Babilônia
A capital da Mesopotâmia foi famosa por seu poderio e esplendor cultural e por seus
belos edifícios e construções monumentais, entre elas os jardins suspensos, uma das sete
maravilhas do mundo antigo.
Fundada pelos acadianos (ou acádios) fora da zona de poderio sumério, a Babilônia
ficava às margens do Eufrates, ao sul da futura Bagdá. Na origem, foi uma colônia comercial
dentro do âmbito econômico sumério; mas, graças ao intenso tráfico mercantil e a sua estratégica
posição geográfica, transformou-se, depois da queda da Suméria, em cidade independente e
próspera, capaz de impor seu poder sobre o resto da Mesopotâmia, antes da era cristã.
No começo do segundo milênio a.C., vários povos de origem semita, procedentes do
oeste, estabeleceram-se na Babilônia. Um desses povos foi o amorreu (ou amorrita, amorreano),
que levou a Babilônia a seu máximo poder imperial, comparável apenas ao que conseguiu
posteriormente com os caldeus.
O nome Babilônia parece proceder do acádico Bab-ilu, que significa "porta de Deus". A
cidade sagrada, descrita pelo historiador grego Heródoto no século V a.C., foi descoberta por
arqueólogos alemães no fim do século XIX da era cristã. Espalhava-se em torno do Eufrates e
era protegida por altas muralhas, nas quais se abriam diversas portas de acesso. Dessas portas só
se conservaram sete, entre as quais se destaca a de Ishtar.
A cidade possuía numerosos palácios e templos, construídos sobre terraços de terra batida
ou de adobe. Os palácios eram grandes edifícios com muitos aposentos, dispostos em torno de
um pátio central e adornados com jardins, entre os quais se destacavam os chamados jardins
suspensos, construídos em terraços sobre salas com tetos de pedra.
Em meio aos edifícios dessa monumental cidade, os de caráter religioso sobressaíam pela
imponência e elevado número. O principal era o grande templo dedicado a Marduk, Esagila
("casa de teto alto"), decorado com ouro e pedras preciosas. Ao norte desse ficava o Etemenanki
("templo dos alicerces do céu e da terra"), templo escalonado que possivelmente seria a torre de
Babel citada na Bíblia.
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Dinastia amorrita. O fundador da dinastia real amorrita foi Sumu-abum, que governou de
1894 a 1881 a.C. Seus sucessores ampliaram os domínios da Babilônia mediante uma política de
pactos e alianças com as cidades mais poderosas e ricas do território.
Na primeira metade do século XVIII a.C., Hamurabi empreendeu a conquista da
Mesopotâmia e criou o primeiro império babilônico. O caráter desse rei, conforme documentos
que chegaram até nós, mostra traços de um homem astuto, prudente, diplomático, alheio a
impulsos passionais e, fundamentalmente, grande conhecedor de sua época. Político hábil,
Hamurabi conseguiu consolidar seu estado, alternando conquistas militares com reformas
legislativas internas.
Quando Hamurabi subiu ao trono, o reino babilônico limitava-se a noroeste com a
Assíria, ao norte com a região de Eshnuna e a leste e sudeste com os domínios de Larsa. O
monarca tornou a Babilônia potência hegemônica da Mesopotâmia. Aproveitando a morte de seu
inimigo assírio Shamsi Adad I, enfrentou e venceu o rei de Larsa, Rim-Sin, arrebatando seus
domínios. Depois combateu encarniçadamente e derrotou uma coalizão de povos e cidades
(elamitas, assírios, gutis). Dessa forma a Mesopotâmia tornou-se submissa ao poder babilônico e
Hamurabi reuniu sob sua autoridade toda a região compreendida entre o golfo Pérsico e o rio
Habur. Estadista inteligente e civilizado, não se impôs de modo arbitrário ou violento,
conservando os monarcas derrotados, na qualidade de vassalos, em seus respectivos tronos.
Hamurabi foi o primeiro legislador conhecido da história. Deu impulso à organização
judicial e ao trabalho legislativo. O famoso Código de Hamurabi, baseado na lei de talião, indica
a preocupação do monarca em estender o direito sumério a todos os povos que habitavam os
territórios do império.
Com a morte de Hamurabi, a unidade mesopotâmica desapareceu. Seu filho Samsu-iluna
combateu as sublevações de Elam, Suméria e Assur e enfrentou as invasões de povos como os
hurrianos e os cassitas. Estes últimos, repelidos depois de uma primeira tentativa de colonização,
penetraram depois lentamente em território babilônico.
Apesar dos denodados esforços de Samsu-iluna para manter o império do pai, a unidade
política se desintegrou. Alguns de seus descendentes, como Ammiditana e Amisaduqa,
conseguiram esporádicas vitórias sobre as cidades rivais, mas com Samsuditana o poderio
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babilônico decaiu por completo. Apesar disso, a cidade continuou sendo um centro cultural,
artístico e comercial de primeira ordem, para onde acorriam viajantes e peregrinos de todo o
Oriente Médio.
Em 1595, o rei hitita Mursilis I atacou a Babilônia. A cidade foi arrasada e incendiada e
seu rei, o último da dinastia amorrita, morreu na luta.
Dinastia cassita. No início do século XVI a.C., os cassitas, procedentes dos montes
Zagros, ocuparam a Babilônia e introduziram o cavalo e o carro como armas de guerra. Não
conheciam a escrita mas aceitaram e assimilaram a superior cultura babilônica. Agum II
soergueu o estado. Conquistou Eshnuna, dominou Assur, submeteu os gutis e estendeu seu poder
do Eufrates à cordilheira dos Zagros. Seus descendentes consolidaram o reino no terreno
econômico, graças ao comércio, embora no aspecto político a Babilônia se tenha conservado
apenas como mais um estado dentro do universo mesopotâmico.
A partir da segunda metade do século XIV a.C., os assírios começaram a intervir na
política interna da Babilônia, atraídos por sua prosperidade. Depois do reinado de Burnaburiash
II, que conseguiu manter a estabilidade política na cidade, as relações com a Assíria começaram
a deteriorar-se. O rei assírio Salmanasar I iniciou uma política expansionista e, ao norte da
Babilônia, os hititas também pretenderam imiscuir-se nos assuntos internos do império. Sob o
reinado de Kashtiliash, a paz, que já durava três séculos, foi interrompida pela invasão de Tukulti
Ninurta I, em 1234 a.C., que arrasou a próspera cidade, destruiu seus templos e palácios e
prendeu seu rei.
Crises no império assírio – assassinato de Tukulti Ninurta I –, e no reino hitita –
agressões externas – deram ao rei babilônico Adad-shun-natsir a oportunidade para reconstruir
seu maltratado império e submeter o estado assírio. Depois de um período de paz, em que Meli-
Shipak devolveu a prosperidade à Babilônia, os elamitas invadiram e saquearam a cidade, em
1153 a.C, levando para Susa a famosa pedra do Código de Hamurabi.
O novo império babilônico. O fim do período cassita anunciou uma época obscura para a
Babilônia, dominada sucessivamente por elamitas e assírios até o século VII a.C., quando os
caldeus ascenderam ao poder. O fundador da dinastia caldéia foi Nabopolassar (reinou de 626 a
605), que, inspirado pelos deuses locais, Marduk e Nabu, empreendeu uma política expansionista
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orientada para a recuperação do antigo poderio da Babilônia. Nabopolassar, auxiliado pelo rei
meda Ciaxares, moveu uma campanha contra Assur, que pretendia dominar o território
mesopotâmico. Depois da vitória, os dois monarcas partilharam as terras conquistadas, e a
Babilônia pôde reconstruir seu antigo império. Em seguida, Nabopolassar ordenou a conquista
da Síria a seu filho Nabucodonosor, que, depois de cruzar rapidamente o Eufrates, destruiu
Carchemish, conseguindo para a Babilônia a maior parte da Síria e da Palestina, anteriormente
em poder dos egípcios.
Após a morte do pai (605 a.C.), Nabucodonosor II assumiu o trono. Durante seu reinado
(604-562), empreendeu várias campanhas militares que lhe renderam avultados butins e glória
pessoal. Uma sublevação do reino de Judá obrigou-o a manter uma guerra cruenta que durou de
598 a 587 a.C., ano em que destruiu Jerusalém e deportou milhares de judeus (o "cativeiro da
Babilônia" mencionado no Antigo Testamento).
Nos anos seguintes, Nabucodonosor promoveu um intenso trabalho de reconstrução,
reparando as cidades devastadas pela guerra. Com sua morte (562), sucederam-se as lutas
internas pelo trono. Nabonido conseguiu o poder em 555 e governou até 539, mas, como não era
de estirpe real, encontrou férrea oposição entre os sacerdotes de Marduk e alguns comerciantes
ricos, que lideraram uma sublevação, com o apoio do rei persa Ciro II. Derrotado e prisioneiro
dos persas, Nabonido foi, no entanto, tratado com moderação por Ciro, que lhe concedeu o cargo
de governador de uma região da Pérsia.
Decadência. A queda da Babilônia em 539 a.C. e sua incorporação ao império persa
acarretou o fim da Mesopotâmia como região histórica independente.
Sob o domínio dos persas Aquemênida, a cidade manteve seu esplendor. Em 522 a.C.,
Dario I sufocou uma revolta popular; mais tarde, Xerxes reprimiu outra insurreição e ordenou a
destruição da estátua de Marduk, símbolo religioso da Babilônia. Alexandre o Grande a
conquistou em 331 a.C. e, depois de reconstruir alguns de seus monumentos, morreu no palácio
de Nabucodonosor, quando voltava da Índia. Durante a época selêucida, a cidade decaiu
rapidamente, até desaparecer.
Cultura e sociedade. Os babilônios estenderam seus conhecimentos a todos os ramos do
saber, mas se destacaram principalmente pelas grandes descobertas matemáticas e astronômicas.
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Também cultivaram as artes e as letras com singular mestria. A epopéia de Gilgamesh, obra-
prima da literatura babilônica, é um poema cujas primeiras compilações remontam a 2500 a.C.;
misto de epopéia e alegoria, seus personagens principais são Enkidu e Gilgamesh. O primeiro
representa a passagem do estado natural ao civilizado, enquanto Gilgamesh simboliza o herói
que busca a imortalidade. O dilúvio universal também aparece mencionado nesse poema, quando
Gilgamesh encontra Utnapishtim, o Noé babilônico, que lhe descreve a técnica de fabricação da
nave que, a conselho de Ea, construiu para salvar-se do cataclismo. Outro poema épico
conhecido é o Enuma elish (Quando no alto...), que trata da origem do mundo.
A religião babilônica compreendia um grande número de deuses que, venerados nos
templos, em muitos casos se assemelhavam aos homens. Para os babilônios, o homem foi criado
por Marduk, a sua imagem, com barro e seu próprio sangue. O templo era a morada da
divindade, enquanto o zigurate (torre) era o lugar destinado ao culto. Cada templo era
administrado pelo sumo sacerdote, que, ajudado por sacerdotes menores, magos, adivinhos e
cantores, devia prestar contas ao rei, representante do deus Marduk.
A sociedade babilônica tinha estrutura piramidal, com o rei, vicário (substituto) da
divindade, no topo. O poder e as riquezas do soberano tornavam-no um homem respeitado e
temido. Os funcionários reais, os sacerdotes e os grandes proprietários constituíam o suporte do
monarca e formavam a categoria superior dos homens livres. Os escravos eram adquiridos por
compra ou como resultado de butim de guerra. Numa terceira categoria social estavam os
cidadãos humildes, cuja falta de recursos lhes impedia o acesso às categorias superiores, embora
fossem livres.
O homem livre podia possuir bens, terras ou dedicar-se à indústria ou ao comércio. Sua
condição lhe permitia pertencer ao conselho da cidade, embora pudesse cair na escravidão se não
pagasse no prazo devido as dívidas contraídas.
A família era monogâmica e a instituição matrimonial se regia por um contrato, realizado
pelo marido diante de testemunhas, no qual se estabeleciam os direitos e obrigações da esposa. O
chefe de família exercia a autoridade e dispunha de total independência no manejo dos bens.
Todas essas normas, contidas no código legislativo de Hamurabi, consolidaram a sociedade de
forma estável e duradoura.
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Com o fim da próspera civilização babilônica, a Mesopotâmia deixou de ser terra de
grandes impérios e converteu-se em objeto de conquistas das novas potências do mundo antigo.
Sua cultura exemplar e sua organização legal são comparáveis ao brilho mais tarde alcançado
por Atenas e Roma.
6. O PROFETA EZEQUIEL
6.1. Introdução
6.1.1. O que ocorre quando um ser humano morre?
Ocorrem vários processos a partir do momento que uma pessoa morre ate chegar ao
estado de ossos secos. Eles obedecem, de uma forma resumida, a seguinte ordem:
1º) ABIOTICOS (SEM VIDA) - São fenômenos que ocorrem logo após a morte.
Observamos as seguintes características: insensibilidade a dor, calor ou temperatura;
imobilidade; fácies hipocratica (uma face característica do morto, sem expressão); falta de
respiração e circulação do sangue; resfriamento do corpo.
2º) PUTREFAÇÃO – É a fase quando as bactérias se reproduzem e destroem os órgãos
do corpo. Ela apresenta duas subfases: a GASOSA onde ocorre intensa formação de gases,
inchando o corpo. Fica parecendo um balão. E tem a COLIQUATIVA em que o corpo perde a
forma porque os órgãos vão sendo destruídos e não dá mais para distinguir o que é coração, rins,
fígado, etc. Vira uma massa disforme.
3º) ESQUELETIZAÇÃO – É a destruição total dos órgãos, mistura do que resta deles
com a terra sobrando apenas os ossos.
Ezequiel viu um exercito em estado de esqueletização. Mas quando e como eles
morreram?
6.1.2. O pecado e a morte
O povo de Israel estava exilado quando Ezequiel teve a visão do vale dos ossos secos. Os
ossos representavam a sua situação espiritual e política naquele momento, mortos e sem
esperança. Essa historia não começou no exílio. Deus os alertou para os perigos do pecado (Dt
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30:15,19,20), quando fez o pacto com o povo. A obediência a Ele geraria vida, a desobediência
(pecado), levaria a morte. O povo preferiu desobedecer e se transformou no que Ezequiel viu. É
isso mesmo o que o pecado faz conosco (Tg 1:15).
Sua ação é parecida com a da morte física, observem:
1º) ABIOTICOS (SEM VIDA) – O pecado nos afasta de Deus e com isso, retira de nós
a “vida” (Sl 36:9). Os sintomas são a perda da consciência (Não ouvimos mais o Espírito Santo),
frieza nos relacionamentos, insensibilidade com as mazelas do próximo, imobilidade entre
outros.
2º) PUTREFAÇÃO – fase GASOSA: Com a “vida” fora, o nosso ego cresce, ocupa
todo o nosso corpo. É só tamanho, porque se examinarmos por dentro é só podridão. Fase
COLIQUATIVA: Nos envolvemos tanto com o pecado e nos afastamos de Deus, que não
diferenciamos mais nada, não distinguimos entre o certo e o errado. Nosso caráter vira uma
grande massa disforme.
3º) ESQUELETIZAÇÃO – Depois de “sugar até os ossos”, tudo de bom que temos, o
que sobra de nós é a ossada seca. Esse é o “fundo do poço”.
Mas acaba assim? Claro que não!
6.1.3. A reconstrução
Ezequiel, por ordem de Deus, profetiza (prega) para os ossos. De repente os ossos
começam a se juntar. Aparecem tendões, músculos, a pele recobre o corpo e a vida retorna. São
novos seres humanos.
Esse texto nos leva a pensar nas seguintes afirmações:
1º) Pecado (desobediência a Deus) e morte espiritual vem no mesmo “pacote”.
Escolhemos aquele, fatalmente receberemos esta.
2º) Só Deus tem poder para reconstruir a nossa vida a partir dos “ossos secos” que o
pecado nos reduz, através do sacrifício de Jesus. E o melhor de tudo: ESTA OPORTUNIDADE
ESTÁ DISPONÍVEL PARA QUALQUER UM DE NÓS!
6.2. Analisando o contexto histórico
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O contexto histórico do livro de Ezequiel é a Babilônia durante os primeiros anos do
exílio babilônico. Nabucodonosor, rei caldeu, destruiu Jerusalém, incendiou o templo e saqueou
a riqueza que ali havia, levando cativos os judeus de Jerusalém para a Babilônia em três etapas:
(1) em 605 a.C., jovens judeus escolhidos foram deportados para Babilônia, entre eles
Daniel e seus três amigos;
(2) em 597 a.C., 10.000 cativos foram levados à Babilônia, estando Ezequiel entre eles; e
(3) em 586 a.C. as forças de Nabucodonosor destruíram totalmente a cidade e o templo, e
a maioria dos sobreviventes foi transportada à Babilônia. O ministério profético de Ezequiel
ocorreu durante a hora mais tenebrosa da história do AT: os sete anos que precederam a
destruição, em 586 a.C. (593-586 a.C.), e os quinze anos seguintes (586-571 a.C.).
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É relatado a atividade do profeta Ezequiel durante o exílio na Babilônia, que dirige suas
mensagens a seus compatriotas cativos e também ao povo hebreu que ainda reside na Palestina.
Ambos os grupos permaneceram obstinados e impenitentes, mesmo depois da captura de
Jerusalém levada a cabo pelo rei babilônio Nabucodonosor, e do exílio de Joaquim, rei de Judá,
que levou para Babilônia as pessoas preeminentes do país e os tesouros da casa de Deus e da
casa do rei. Entre os cativos se achavam a família do rei e os príncipes; os valentes, poderosos;
os artífices e construtores; uma considerável parte da população e Ezequiel, filho de Buzi, o
sacerdote (2 Re 24:11-17; Ez 1:1-3), no ano de 597 a.C. Pesarosos, estes israelitas exilados
haviam completado a sua cansativa jornada, de uma terra de colinas, fontes e vales para uma de
vastas planícies. Moravam então junto ao rio Quebar, no meio dum poderoso império, cercados
de um povo de costumes estranhos e de adoração pagã. Portanto, Deus atribuiu a Ezequiel a
tarefa de denunciar a casa rebelde de Israel e predizer a destruição de Jerusalém e a deportação
de um número ainda maior. Seis anos depois de Ezequiel haver começado a pregar, suas palavras
se cumpriram. No ano de 586 a.C., Nabucodonosor destruiu Jerusalém e levou cativos para a
Babilônia quase todos os sobreviventes. Mas, a despeito da infidelidade de Israel, Deus mostrou-
se misericordioso. Ezequiel recebeu instruções no sentido de proclamar as boas-novas de que o
exílio terminaria e Israel recuperaria sua posição de instrumento da salvação de Deus para todos
os homens.
Nabucodonosor permitiu que os israelitas tivessem as suas próprias casas, servos, e que
praticassem o comércio. (Ez 8:1; Jr 29:5-7; Es 2:65) Se fossem diligentes, poderiam prosperar.
Cairiam nos laços da religião e do materialismo babilônicos? Continuariam rebeldes contra
Deus? Aceitariam o seu exílio como disciplina procedente dele? Haviam de enfrentar novas
provações na terra de seu exílio.
Durante esses anos críticos que culminaram na destruição de Jerusalém, Deus não privou
a si nem aos israelitas dos serviços de um profeta. Jeremias atuava na própria Jerusalém, Daniel
na corte de Babilônia e Ezequiel era o profeta para os exilados judeus em Babilônia. Ezequiel era
tanto sacerdote como profeta, distinção que gozava também Jeremias e, mais tarde, Zacarias. (Ez
1:3) Do começo ao fim de seu livro dirige-se mais de 90 vezes a ele como “filho do homem”, um
ponto importante quando se estuda a sua profecia, porque, nas Escrituras Gregas, Jesus também é
chamado de “Filho do homem” cerca de 80 vezes. (Ez 2:1 ;Mt 8:20)
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6.3. Ocasião histórica, data e autoria
Esses três problemas estão ligados no que diz respeito a este livro. O livro foi composto
principalmente na primeira pessoa e propõe ter sido escrito pelo profeta Ezequiel, que é
identificado como um dos exilados judeus deportados em companhia do rei Joaquim, em 597
a.C. (Veja: Ez 1.1 e segs.). A narrativa é pontilhada por avanços progressivos de tempo,
começando pelo quinto ano do cativeiro, 593 a.C. (Veja: Ez 1.2), e continuando até a vigésimo
quinto ano do cativeiro, quando foram escritos os capítulos 40-48 (Veja: Ez 40.1; Ez 29.17 e
segs., escritos no ano vigésimo sétimo do cativeiro, foram mais tarde inseridos pelo profeta,
nesse ponto, por uma razão especifica; ver notas no corpo do comentário).
Até tempos recentes a autenticidade deste livro era aceita em geral; porém, no século
atual, ele tem provido oportunidade de muitos eruditos demonstrarem sua engenhosidade. Seus
trabalhos, por outro lado, têm servido para apresentar claramente a natureza dos problemas
exibidos por esse livro e têm capacitado seus sucessores a abordarem-no com mais inteligência.
Das duas principais dificuldades que aparecem no caminho da aceitação da autenticidade
de Ezequiel, a primeira pode ser tratada de modo sumário. É afirmado que este profeta, como
seus antecessores, foi pregador de condenação, e nada mais. Todos os profetas pré-exílicos se
declararam contra a escatologia popular de seus dias e pronunciaram apenas julgamentos contra
Israel. Como, é interrogado, poderia um profeta proclamar numa ocasião a vinda de julgamento
contra os pecados, e na próxima falar de maravilhosas promessas a um povo pecaminoso?
Alguns mantêm, além disso que a ideia de uma era abençoada se originou na Pérsia, pelo que
todas as passagens que falam dessa era devem necessariamente datar de um período posterior ao
exílio, quando os israelitas estiveram em contato com aquela nação. Segundo esse ponto de vista
uma considerável porção de Ezequiel tem que ser reputada como interpolação posterior, e tal é a
posição de Hölscher. Seu discípulo, von Gall, aplicou o mesmo critério a todos os profetas; o
processo postulado de edições graduais dos livros proféticos, nas quais eram feitos "acréscimos"
sucessivos ao texto em gerações sucessivas, evoca grande admiração em vista da engenhosidade
do esquema, mas é por demais complicado para ser real. A maioria dos eruditos rejeitam a noção
de que a esperança de um reino de Deus era propriedade exclusiva da nação persa; essa
esperança também era indígena em Israel.
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É difícil de compreender por qual motivo os profetas não poderiam ter predito uma
restauração após o julgamento; não se deve inferir que viam apenas o caos em vista de suas
profecias de condenação, como também não se pode dizer que Jesus via apenas a ruína para o
povo escolhido, quando predisse a destruição de Jerusalém (Veja: Mc 13.2). Partindo da
evidência bíblica é difícil resistir ao ditado de Gressmann: "Renovação mundial necessariamente
se segue à catástrofe mundial". O próprio Ezequiel provê a melhor resposta para essa questão:
"Como pôde um profeta ligar ameaçar com promessas para que essa combinação surtisse algum
efeito sobre os seus ouvintes?" À parte do desenvolvimento observável na tendência geral de sua
profecia-primeiro o julgamento (1-32), e então a consolação (33-48) -ele mistura os dois
elementos de tal maneira que cria um senso de vergonha no momento mesmo em que é
apresentada a promessa. Ver especialmente Ez 20.42 e segs.: "E sabereis que eu sou o Senhor,
quando eu vos fizer voltar à terra de Israel... E ali vos lembrareis de vossos caminhos, e de todos
os vossos atos com que vos contaminastes, e tereis nojo de vós mesmos, por todas as vossas
maldades que tendes cometido". (A passagem inteira de Ez 20.33-44 deve ser cuidadosamente
lida, pois aqui também se pode observar uma espécie de doutrina sobre a remanescente). Pode-se
adicionar que essa posição geral está sendo adotada por um número cada vez maior de eruditos
do Antigo Testamento; quanto a detalhes maiores, o estudante poderá examinar as obras padrões
sobre a teologia e a escatologia do Antigo Testamento.
A segunda consideração principal é mais importante e tem ocasionado a maior parte das
teorias mais recentes a respeito do livro de Ezequiel. Apesar de que o profeta vivia na Babilônia,
dirigia-se constantemente aos judeus deixados em Jerusalém. Expedia profecias simbólicas para
benefício deles, as quais não obstante, não podiam ver; conhecia perfeitamente a situação deles;
descrevia acontecimentos que testemunhara suceder em Jerusalém e suas circunvizinhanças,
como, por exemplo, as idolatrias dos anciães no templo (capítulo 8), a súbita morte de um deles
(Veja: Ez 11.13), a tentativa de Zedequias para escapar de Jerusalém à noite (Veja: Ez 12.3-12),
o fato de Nabucodonosor ter consultado sortes em encruzilhadas de estradas a caminho daquela
cidade (Veja: Ez 21.18 e segs.) e o fato de mais tarde haver-se acampado fora de Jerusalém
(Veja: Ez 24.2). Que um homem que vivia na Babilônia pudesse testemunhar acontecimentos
dessa ordem em lugar tão remoto como Jerusalém parece falta de bom senso para uma época
científica como a nossa; por conseguinte, alguns argumentam que deve ser procurada alguma
outra solução. Ou Ezequiel realmente vivia em Jerusalém, e não na Babilônia, e seu livro
encorpora suas profecias genuínas com as de um redator posterior que se dizia viver como
exilado (conforme opinião de Herntrich); ou a situação inteira é fictícia e a obra é comparável
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aos escritos apocalípticos pseudônimos do judaísmo posterior, e pertenceria, em realidade, à
época de Alexandre (segundo opinião de Torrey). Dessas duas alternativas dificilmente alguém
leva a sério a segunda, mas a primeira merece considerável atenção e é aceita por Oesterley
(Introduction to the Old Testament, págs. 324-325). Cooke, entretanto, é o porta-voz dos
sentimentos de muitos críticos ao dizer que é tão difícil acreditar num redator altamente
imaginário como aceitar as declarações contidas no texto (I. C. C., pág. 23). Conseqüentemente,
ele aceita a autenticidade do livro nos seus aspectos principais; e o consenso da erudição
moderna está de seu lado. Guillaume tem, além disso, relacionado esse extraordinário dom de
segunda vista possuído por Ezequiel a outros fenômenos semelhantes do Antigo Testamento, e
até mesmo no moderno mundo beduíno. Mediante suas pesquisas ele nos tem capacitado a
compreender melhor um tipo de mente que tem pouco em comum com a moderna civilização
ocidental (Prophecy and Divination; ver especialmente as págs. 155-158). Se essa controvérsia
não tiver servido para outro propósito, portanto, do que de destacar o caráter verdadeiramente
extraordinário de Ezequiel, mesmo assim não terá sido vã.
Ezequiel, pois, ministrou para sua nação, tanto para aquela porção que estava no exílio
como para aquela outra que permaneceu na pátria. Ele era contemporâneo mais jovem de
Jeremias; e, a julgar pelos ecos do profeta mais idoso no livro de Ezequiel, aquele deve ter
mantido considerável contato com este.
6.4. Teor do livro
Conforme demonstra o esboço do conteúdo (ver adiante), o livro foi construído segundo
um plano claramente definido, e o escritor aderiu firmemente aos assentos de cada seção. Após a
visão introdutória dos capítulos 1-3, Ezequiel se concentra quase exclusivamente em desnudar a
iniquidade de seu povo. Sem dó arrasta seus pecados para debaixo da luz e pronuncia contra eles
o julgamento de Deus. Por meio de ações simbólicas, parábolas, oratória inflamada e declarações
lógicas ele reitera seu tema que versa sobre a iniquidade da nação e sobre sua inevitável
destruição. A repetição da denúncia e da ameaça de condenação é tão constante a ponto de fazer
o leitor recuar horrorizado, especialmente em vista do fato que, enquanto que outras obras
proféticas iluminam suas ameaças com promessas, este elemento falta quase inteiramente na
primeira seção do livro de Ezequiel. E quando ele permite que brilhe algum raio de esperança,
este usualmente se torna vermelho como fogo, pelo que a restauração referida se torna algo
vergonhoso e não algo que causasse alegria (ver, por exemplo, Ez 16.53-58; Ez 20.43-44). Nisso,
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como também em outros aspectos, Ezequiel mostra afinidades com o autor do livro de
Apocalipse, pois ambas as obras exibem, como nenhum outro em seus respectivos Testamentos,
o insaciável terror da ira de Deus.
A segunda seção (capítulos 25-32) limita-se aos oráculos dirigidos centra as noções
circunvizinhas de Israel, tanto os estados vassalos que assaltaram os judeus em sua hora de
amargura como as grandes nações da época. Aqui a imaginação poética de Ezequiel sobe a seu
clímax; são-nos dados alguns dos quadros falados mais vividos do Antigo Testamento em seus
oráculos contra o príncipe de Tiro e o Faraó do Egito. É curioso que Ezequiel faça silêncio
quanto ao destino da Babilônia, o principal poder destruidor de Jerusalém. Alguns acreditam
que, visto que essa nação deve ter necessariamente figurado nas profecias condenatórias de
Ezequiel, que a Babilônia deve aparecer aqui sob o símbolo de Gogue, na profecia dos capítulos
38 e 39. Não obstante, não existe no texto a menor indicação dessa possibilidade, e tudo parece
apontar contra tal identificação. Pode-se sentir que, à semelhança de Jeremias, Ezequiel
considerava Nabucodonosor como um servo do SENHOR, e assim considerava suas ações como
divinamente ordenadas; diferentemente de Jeremias, porém, Ezequiel não recebeu qualquer
palavra subsequente a respeito da Babilônia, e por isso deixou a questão nas mãos de Deus.
O ponto principal do ministério de Ezequiel foi ocasionado pela chegada de um
mensageiro enviado de Jerusalém, anunciando a queda da cidade (Veja: Ez 33.21). Em face do
consistente ceticismo do povo para com sua pregação, esse acontecimento constituiu a
confirmação divina a seu ministério. Daí por diante o povo se reunia para ouvi-lo (Veja: Ez
33.30). Agora ele estava livre para entregar-se à tarefa de reabilitar a nação espalhada, e isso
forma o tema dos capítulos 33-37.
Desde muito tem sido motivo de perplexidade o fato que, após a restauração da nação na
era messiânica, Ezequiel tenha falado sobre um novo levante de poderes estrangeiros contra
Israel (38 e 39). Existem, não obstante, razões convincentes por detrás desse ensino, e não
podemos ver qualquer necessidade de negar sua autoria a Ezequiel. Ver as notas introdutórias a
esses dois capítulos, no corpo do comentário.
A conclusão do livro (40-48) é o produto de uma mente devota que por longo tempo e
afetuosamente ponderou a respeito da adoração de Israel em sua vindoura era de bênção. Somos
aqui fortemente relembrados que Ezequiel era ao mesmo tempo um sacerdote e um profeta.
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Nessa qualidade, ele combinava em si mesmo as duas grandes correntes da tradição de Israel.
Numa terra purificada de toda impureza, é exibida a adoração ideal num templo ideal a ser
observada por um povo ideal.
6.5. Peculiaridades
Duas características da personalidade de Ezequiel já têm sido mencionadas, a saber, a
vivacidade de sua imaginação e seus poderes sem paralelo de telepatia, clarividência e
prognóstico. Essas coisas se combinavam com um senso avassalador sobre a transcendência de
Deus que pode produzir passagens de literatura que, de muitos modos, parecem estranhas para a
mente moderna, mas que são ricamente recompensadoras para o investigador. Por exemplo,
quantos são os que têm ficado tão perplexos pelo relato de Ezequiel sobre sua visão inaugural, no
capítulo primeiro, a ponto de não continuarem a leitura de seu livro? No entanto, uma vez
compreendido esse capítulo fica percebido que ele é altamente significativo e dotado de grande
valor espiritual, como os próprios judeus reconheciam. (Uma afirmação do Mishnah registra que
a Carruagem, isto é, Ez 1, e a Criação, isto é, Gn 1, são dois particulares que devem ser expostos
apenas para uma pessoa prudente; Ag 2.1, citado por Cooke, pág. 23). Observações semelhantes
poderiam ser feitas no tocante a muitas passagens obscuras e negligenciadas de Ezequiel.
Em certas direções Ezequiel foi o pioneiro de movimentos de pensamento que estavam
destinados a se desenvolverem como características do judaísmo posterior. Ele foi o primeiro a
declarar, com clareza dogmática, a verdade da obrigação individual. Mediante a frequência de
suas visões e a natureza de êxtase de muitas de suas afirmações, e especialmente mediante suas
profecias concernentes a Gogue e o reino futuro, ele moldou um tipo de profecia que, no tempo
devido, conduziu ao movimento apocalíptico. Ezequiel, pois, é a ponte entre a profecia e o
apocalipse. Além disso, devido a seu treinamento sacerdotal ele se sentia naturalmente mais
interessa do na adoração do que no evangelismo; consequentemente, o espírito missionário, tão
evidente nos últimos capítulos, de Isaías está quase totalmente ausente nos escritos de Ezequiel.
Em todas essas questões, a saber, a obrigação individual, a profecia apocalíptica e o
esquecimento dos gentios na contemplação de reino de Deus, o judaísmo foi muito além de
Ezequiel e, em certas direções produziu, realmente, uma caricatura de seu ensinamento. (Ver,
por exemplo, as anotações introdutórias ao capítulo 18, no corpo do comentário). É injusto,
todavia, culpar Ezequiel desses desenvolvimentos infelizes, como é injusto culpar Daniel por
causa das puerilidades de alguns escritos apocalípticos, ou culpar o apóstolo Paulo por causa da
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doutrina da predestinação à condenação. Onde Ezequiel e Daniel fizeram silêncio, ou quando
muito, se mostraram implícitos, o judaísmo se tornou explícito e exagerado, tal como a lógica de
algumas pessoas as leva até uma posição que a maioria dos crentes cristãos acredita seria
rebatida por Paulo. É infeliz em alto grau, por conseguinte, que muitos eruditos bíblicos
depreciem Ezequiel como retrógrado em sua doutrina. Pelo contrário, seu livro faz
importantíssima contribuição, na providência de Deus, para o desdobramento da revelação de
Deus na Bíblia. Precisa ser estudado com maior simpatia do que alguns estudiosos modernos
estão presentemente inclinados a fazê-lo.
Finalmente, poderia ser talvez mencionado que em alguns lugares o texto de Ezequiel
tem sofrido muito devido à transmissão do texto. Indicar cada uma dessas dificuldades exigiria
mais espaço do que é permitido num comentário desta extensão. Somente as correções mais
importantes têm sido salientadas na exposição. Ao estudante interessado é recomendado um
utilíssimo comentário, por G. A. Cooke, no I. C. C. Apesar de que em alguns respeitos ultrapassa
na questão de conjetura além do que os eruditos conservadores geralmente permitiram, tal
comentário é caracterizado em seu corpo principal pelo menos por uma recomendável
sobriedade de julgamento. Este escritor não tem hesitado em aproveitar dele frequentemente.
6.6. Indomável cabeça dura / face inflexível
Ezequiel tem sido considerado, com frequência, uma pessoa severa, insensível. Tem-se
dito que é impessoal, indiferente a seus ouvintes, e só lhe preocupa a vindicação da glória de
Deus, mesmo na proclamação da misericórdia. Conquanto seus sentimentos não aflorem à
superfície, como no caso de Jeremias, a afirmativa de que ele não é compassivo equivaleria a ir
além das evidências. Os atos simbólicos que ele executa e as visões que recebe não são, em
essência, diferentes dos que os outros profetas registram.
A partir de anotações biográficas deixadas por Ezequiel, podemos deduzir que tipo de
pessoa era.
O Senhor lhe disse: “Mas eu tornarei a tua face tão inflexível como a deles (a face dos
israelitas) e a tua fronte tão inflexível como a sua. Farei a tua fronte semelhante ao diamante
que é mais duro do que uma rocha” (Ez 3, 8-9). Tão inflexível que foi capaz de suportar, sem
nenhum sinal de aflição, a dor pela morte da esposa, "o desejo dos teus olhos" lhe foi tirado de
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um golpe, enquanto realizava sua missão por ordem de Deus, no dia em que Nabucodonosor
começou o seu cerco final de Jerusalém. (24:2,18). Enfim, um indomável cabeça-dura, capaz das
ações mais incompreensíveis para chamar a atenção de seu povo para as mensagens do seu
Senhor. Agia de maneira muito estranha, como quando, para expiar as culpas dos reinos de Israel
e de Judá, ficou deitado por 390 dias sobre o lado esquerdo e 40 dias sobre o direito. Para evitar
a tentação de se mover, amarrou-se com cordas. Imaginem a reação dos deportados quando viam
esse profeta manter-se obstinadamente naquela posição estranha e, além disso, tomar aquele tipo
de refeição, obedecendo às ordens de Deus: “Este alimento tu o comerás sob a forma de pães de
cevada, assados à vista deles com excrementos humanos secos” (Ez 4, 12).
6.7. Conclusão
O caráter de Ezequiel como escritor e poeta é admiravelmente descrito pelo hábil Bispo
Lowth da seguinte maneira: "Ezequiel é bem inferior em elegância do que Jeremias. No que diz
respeito à sublimidade, porém, Ezequiel não é sobrepujado nem mesmo por Isaías. Mas sua
sublimidade é de um tipo totalmente diferente. É profundo, incisivo, trágico. Seus sentimentos
são de ânimo, entusiasmo, inflamação e cheios de indignação. As imagens usadas são múltiplas,
grandiosas, assustadoras. Sua linguagem é grandiosa, austera, rude, e, às vezes, indelicada.
Repetições são comuns, não para dar graça ou elegância ao texto, mas por causa da veemência e
indignação do profeta. Todos os assuntos são abordados com diligência. Dificilmente deixa de
proceder assim, mas atém-se aos assuntos. Por isso fica clara a conexão entre um assunto e outro.
Em outros aspectos, talvez Ezequiel seja excedido por outros profetas. Porém, nas peculiaridades
da composição, provindas de seus dons naturais a força, o ímpeto, a seriedade e a grandeza-
nenhum dos escritores sacros é superior a Ezequiel. Seu estilo é bastante perspicaz. A
obscuridade se deve à natureza dos assuntos. Visões (como por exemplo as de Oséias, Amós e
Zacarias) são forçosamente obscuras e confusas.
A maior parte de Ezequiel, especialmente a parte do meio do livro, é poética, se
considerarmos a natureza da linguagem." O arcebispo Newcome observa com razão: O profeta
não deve ser considerado simplesmente um poeta, ou um moldureiro das visões majestosas e
impressionantes, que ele descreveu; deve ser considerado um instrumento nas mãos de Deus, que
houve por bem revelar-se durante um longo e sucessivo período de tempo, não apenas em
diversas partes que constituem um todo magnífico e uniforme, mas também de diversas
maneiras, entre as quais pela voz, por sonhos, por inspiração e por visões claras ou enigmáticas.
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"Ezequiel é um grande poeta, cheio de originalidade. E, na minha opinião, se alguém o censurar
como ele fosse apenas um imitador de profetas antigos, nunca pôde sentir o poder dele. Em
geral, ele não deve ser comparado com Isaías e o restante dos profetas antigos. Aqueles são
grandes; Ezequiel também é. Aqueles possuem o seu estilo poético; Ezequiel possui o seu." Para
justificar o seu carácter, o sábio prelado se atém às particularidades e dá alguns exemplos
adatados, não somente claros, fluentes e tensos, mas sublimes. Ele conclui suas observações
sobre o estilo, afirmando ser da opinião que "o estilo expressa a época antiga da linguagem e
composição hebraicas (como tem sido alegado); é um estilo firme e vigoroso, e deveria induzir-
nos a definir a sua infância e maturidade com a melhor atenção." Como profeta, Ezequiel nunca
deve ser elevado à uma posição muito elevada. Mas poucos profetas deixaram um tesouro mais
valioso para a igreja do que Ezequiel.
É verdade, ele é obscuro em várias partes, mas isso é resultado da natureza dos assuntos
tratados ou dos eventos profetizados, que ainda estão para se cumprir. Quando o tempo remover
a névoa do futuro, gerações posteriores perceberão a sabedoria celeste com que este profeta
negligenciado falou. No entanto, uma grande parte do livro de Ezequiel não é obscura, mas
extremamente edificante. Ele predisse de maneira acurada e minuciosa a sorte e a condição de
várias nações e cidades. Nada pode ser mais interessante do que observar o cumprimento exato
destas profecias nos relatos fornecidos por historiadores e viajantes. O profeta usa o elegante
símbolo de um novo templo a ser construído, um novo culto a ser introduzido e uma Nova
Jerusalém a ser edificada, destinando-se a terra às doze tribos. Com isso pode-se descobrir a
grande extensão e glória da igreja do Novo Testamento.
7. O PROFETA DANIEL
7.1. A História de Sundar Singh
O mundo dele se desmoronou quando ele tinha catorze anos de idade e sua mãe mor reu.
Sem esperança e desanimado, ficou com raiva do mundo. No seu desespero, comprou uma Bíblia
cristã para poder arrancar página por página e jogá-la no fogo.
Depois, profundamente abatido, entrou no seu quarto e ficou lá durante vários dias. Uma
noite orou com todo o fervor: "Oh, Deus – se é que Tu existes – revela-Te a mim esta noite." O
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expresso de Ludhiana para Lahore passaria às cinco da manhã, e ele decidiu que se Deus não Se
revelasse até então, ele iria aonde o trem passava e colocaria a cabeça nos trilhos para pôr um
ponto final na situação. E orou a noite inteira.
Durante a noite, o Senhor apareceu lhe e disse: "Por que me você Me persegue? Lembre
se que Eu dei a Minha vida por você na cruz."
Quinze minutos antes das cinco, ele saiu do seu quarto correndo para ir acordar o pai.
Contou-lhe que havia visto uma visão de Jesus e que agora era cristão!
O pai respondeu:
- Você deve estar louco! Vem me acordar para dizer que é cristão; e não faz nem três dias
você queimou o livro cristão!
Sundar endireitou se, olhando para as mãos.
- Foram estas mãos que fizeram isso. Nunca mais, até ao dia em que eu morrer,
conseguirei limpá-las desse pecado! - depois voltando se para o seu pai disse, - Mas até chegar
esse dia, a minha vida pertence a Ele!
E assim foi.
Como ele queria ganhar a Índia para Cristo e como havia muitos preconceitos contra tudo
o que fosse ocidental, ele adotou o traje amarelo de sadhu e o usou até morrer.
O sadhu, Sundar Singh, também tinha um grande desejo de evangelizar o Tibete e era um
aventureiro inato. Durante o resto da sua vida, quase todos os verões ele conseguiu de alguma
forma chegar ao Tibete, embora fosse alvo de perseguições frequentes. Um verão as coisas
correram especialmente mal. As encrencas começaram no dia em que atravessou as montanhas.
Os aldeões lhe recusaram toda e qualquer hospitalidade. Sundar Singh quase se afogou na cor
rente de um rio gelado. A comida era escassa, e foi tratado com crueldade. Lamas e sacerdotes
instigavam as perseguições que os camponeses lhe faziam. Pregar Jesus no Tibete poderia
facilmente representar a morte. Mas a morte não o apavorava. Sua única preocupação era ser leal
ao seu Senhor.
As coisas ficaram especialmente ruins numa cidade chamada Razar. Ele começou a
pregar no mercado, dormindo à noite no complexo desabrigado onde comerciantes e animais
dormiam encostados uns nos outros para se esquentarem. No princípio, a sua pregação atraiu
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muitas pessoas curiosas. Mas, quando o principal Lama ouviu falar da pregação dele, a
curiosidade das pessoas transformou se em fúria.
Uma manhã, o guarda no mosteiro agarrou o sadhu e o arrastou para um julgamento
sumário. E, ao olhar para o rosto do dalai lama, sabia que poderia lhe acontecer uma das duas
coisas: ou o colocariam dentro da pele molhada de um iaque, que depois costurariam e deixariam
no calor do sol para secar e encolher, até o esmagar; ou seria jogado num poço profundo e seco
em cima dos cadáveres daqueles que haviam sido atirados para lá antes dele, e o deixariam
morrer de fome.
Escolheram o poço. O arrastaram até lá e lhe bateram até que um soco o jogou de cabeça
dentro do poço. Depois ouviu a tampa sendo trancada. O fedor era medonho, pois muitos outros
haviam mor rido ali.
Sundar orou para que o Senhor o libertasse, mas não fazia ideia como isso aconteceria.
Como tinha um dos braços quebrados, não podia de maneira alguma subir até ao topo. Ainda que
pudesse, não conseguiria sair, porque o próprio dalai lama tinha a única chave, que agora deveria
estar tinindo outra vez no molho de chaves debaixo das suas vestes.
As horas passaram e viraram dias. Sundar passou três dias e três noites com aquele cheiro
insuportável do poço. Então, de repente, ouviu uma chave girar na fechadura. A tampa foi aberta,
guinchando com a sua dobradiça enferrujada, e ele sentiu uma corda tocar o seu rosto. No final
da corda tinha uma laçada. Enfiando uma perna na laçada, segurou a corda com o braço são.
Lentamente o puxaram até ao topo onde ele caiu no chão e encheu os pulmões com o ar fresco da
noite. Mas quando olhou em volta, o seu libertador havia desaparecido.
Devagar e penosamente, arrastou se até ao lugar onde dormira antes. Conseguiu dormir
um pouco, o que o renovou. Quando o dia nasceu, tomou um banho para se livrar do cheio da
morte e voltou ao mercado para pregar!
Uma hora depois, voltou a ser preso por monges furiosos. O dalai lama o inter rogou
vezes sem conta. Quem o havia ajudado a escapar? Foi homem ou mulher? E, fosse quem fosse,
como é que ele ou ela havia conseguido a chave? Essa era a grande questão. Só havia uma chave
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e deveria estar na posse do lama. O lama afastou as vestes, levantou se e pegou no molho de
chaves preso na cor rente.
- Só existe uma chave para o poço. Deveria estar aqui. Quem a roubou para libertar você?
Como...
De repente, ficou apavorado, e virou se para os monges, furioso, mas com medo:
- Levem este homem embora... para longe desta cidade... soltem no... e nunca mais
permitam que ponha os pés em Razar!
A chave do poço ainda se encontrava no seu molho de chaves!
Sundar confiava em Deus para tudo: proteção, comida ou qualquer coisa que ele
precisasse. Quando lhe perguntaram qual era o segredo da sua imunidade ao perigo, ele
respondeu simplesmente que Deus o protegia. E era óbvio que Deus realmente o protegia,
porque até animais selvagens não lhe faziam mal.
Numa ocasião ele estava na casa de um amigo, nas colinas de Simla. O jantar havia
terminado e os dois se sentaram tranquilamente na varanda. Quando pararam de conversar por
um pouco, Sundar levantou se e atravessou calmamente o gramado em direção às árvores da
floresta que rodeavam o jardim. Ficou ali olhando para as luzes das aldeias no outro lado do vale.
De repente, ainda na varanda, o seu amigo ficou tenso e levantou se de um pulo,
aterrorizado com o que viu. Saindo lentamente de entre as árvores apareceu um leopardo. Parou,
olhou por um momento para o sadhu imóvel e depois começou a avançar para ele. O amigo não
se atreveu a gritar com medo que isso fizesse o animal dar o bote. Mas também não podia ficar
calado. Sundar virou se calmamente, viu o animal e estendeu a mão para ele. O leopardo
levantou se, avançou e ficou do lado de Sundar, que afagou a sua cabeça como se fosse um
animal de estimação. O amigo descontraiu se. Não havia necessidade de temer. Nunca tinha
havido. O leopardo ficou ali, levantando a cabeça para Sundar de vez em quando. E quando o
sadhu veio para casa, o robusto leopardo desapareceu por entre as árvores.
Será que o Deus a quem nós servirmos não seria capaz de operar um livramento igual ou
superior a este, também por nós?
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Como esta história, que é verdadeira, o profeta Daniel também tem as suas histórias de
livramento e de bênçãos. E é este Livro que iremos estudar agora.
7.2. Introdução ao livro do profeta Daniel
7.2.1. Sua posição na bíblia
Na Bíblia hebraica o livro de Daniel se encontra na terceira divisão, os Hagiographa, e
não na segunda, na qual aparecem os livros proféticos. A razão disso não é que Daniel tenha sido
escrito depois dos livros proféticos. Em algumas listas, pode-se observar, Daniel é incluído na
segunda divisão do "cânon". Entretanto, o motivo pelo qual Daniel veio a ser colocado na
posição que atualmente ocupa depende da posição de seu escritor na economia do Antigo
Testamento.
Os autores dos livros proféticos eram homens que ocupavam a posição técnica de profeta;
isto é, eram homens especialmente levantados por Deus para servir de mediadores entre Deus e a
nação, declarando ao povo as palavras idênticas que Deus lhes tinha revelado. Daniel, porém,
não foi profeta nesse sentido restrito e técnico. Foi antes um estadista na corte de monarcas
pagãos. Na qualidade de estadista, possuía realmente o dom profético, embora não tenha
ocupado o ofício profético, e é nesse sentido, aparentemente, que o Novo Testamento o chama
de profeta (Veja: Mt 24.15). Portanto, Daniel foi estadista, inspirado por Deus para escrever o
livro que tem seu nome, pelo que também esse livro aparece no "cânon" do Antigo Testamento
na terceira divisão, entre os escritos de outros homens inspirados que não ocuparam o ofício
profético.
7.3. A intenção do livro
No monte Sinai, no deserto, o Deus do céu e da terra depositou Sua afeição de modo
peculiar sobre Israel, escolhendo essa nação para ser Seu povo e declarando que Ele seria seu
Deus. Dessa maneira entrou em relação de concerto com Israel, manifestando tal relação por um
poderoso ato de livramento. Seu propósito para com essa nação era que ela fosse um "reino de
sacerdotes" e que Deus fosse seu governante. Assim foi estabelecida a teocracia (governo de
Deus). Israel deveria ser uma nação santa, uma luz para iluminar os gentios e dar testemunho do
conhecimento salvador do verdadeiro Deus a todos.
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Israel, todavia, não foi fiel a esse alto propósito. Depois que já se achava por algum
tempo na Terra Prometida, exibiu insatisfação com os princípios fundamentais da teocracia ao
solicitar um rei humano, para que fosse semelhante às nações ao seu derredor. Em primeiro lugar
lhe foi dado um homem mau como rei, e então um homem segundo o próprio coração de Deus.
Davi, entretanto, era homem de guerra, pelo que não foi senão durante o reinado pacífico de
Salomão que o templo, o símbolo externo do reino de Deus, foi edificado. Após a morte de
Salomão rebelaram-se as tribos do norte, renunciando às promessas da aliança. Dessa ocasião em
diante, tanto nos reinos do norte como do sul, a iniquidade passou a caracterizar o povo, pelo que
Deus anunciou Sua intenção de destruí-los (cfr. Os 1.6; Am 2.13-16; Is 6.11-12, etc.). Os
instrumentos que o Deus soberano empregou para realizar Seu propósito de fazer ponto final na
teocracia foram os assírios e babilônios. Sob o poder dessas nações o povo teocrático foi levado
em cativeiro, e o exílio ou período de "Indignação" foi iniciado (Veja: Is 10.25; Dn 8.19). O
próprio exílio foi seguido por um período de expectativa e preparação para a vinda do Messias.
Foi revelado que um período de setenta vezes sete tinha sido determinado por Deus para a
materialização da obra messiânica (Veja: Dn 9.24-27).
O livro de Daniel, um produto do exílio, serve para mostrar que o próprio exílio não seria
permanente. Pelo contrário, a própria nação que havia conquistado Israel desapareceria da cena
da história para ser substituída por outra e, de fato, por três outros grandes impérios humanos.
Enquanto esses impérios estivessem em existência, entretanto, o Deus do céu erigiria outro reino
que, diferentemente dos reinos humanos, seria ao mesmo tempo universal e eterno. O propósito
de Daniel, por conseguinte, é ensinar a verdade que, embora o povo de Deus esteja escravizado
em uma nação pagã, o próprio Deus é seu soberano e aquele que em última análise dispõe dos
destinos, tanto dos indivíduos como das nações.
Essa verdade é ensinada por meio de um rico uso de símbolos e comparações, e o motivo
dessa característica se encontra no fato que as revelações feitas a Daniel tiveram a forma de
visão. O livro de Daniel, pois, pode assim ser chamado de obra apocalíptica, mas se eleva muito
acima dos apocalipses pós-canônicos. A única obra que pode com justiça ser-lhe comparada é o
livro neo-testamentário do Apocalipse. Essencialmente, Daniel exibe as qualidades de um livro
verdadeiramente profético e suas comparações são usadas tendo em vista um propósito didático.
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7.4. Quem escreveu
O livro de Daniel é um produto do exílio e foi escrito pelo próprio Daniel. Pode-se notar
que Daniel fala na primeira pessoa do singular e assevera que as revelações foram feitas a Ele
(Veja: Dn 7.2,4 e segs.; Dn 8.1 e segs. Dn 8.15 e segs.; Dn 9.2 e segs. etc.). Visto, entretanto, que
esse livro forma uma unidade, segue-se que o autor da segunda porção (capítulos 7 a 12) deve
também ter composto a primeira (capítulos 1 a 6). O segundo capítulo, por exemplo, é
preparatório para os capítulos 7 e 8, que desenvolvem seu conteúdo de modo mais completo e
claramente o pressupõem. As ideias do livro refletem um ponto de vista básico e essa unidade
literária tem sido reconhecida por eruditos de diferentes escolas de pensamento. O livro de
Daniel reflete ambientes babilônicos e persas, e as alegadas objeções históricas (que serão
discutidas no comentário) não são realmente válidas. Finalmente, uma aprovação indireta à
autenticidade do livro parece encontrar-se nas seguintes passagens do Novo Testamento: Mt
10.23; Mt 16.27 e segs.; Mt 19.28; Mt 24.30; Mt 25.31; Mt 26.64.
Na Igreja Cristã tem sido tradicionalmente mantido, devido às reivindicações do próprio
livro, que o Daniel histórico foi seu autor. A primeira dúvida conhecida a ser lançada sobre esse
ponto de vista veio da parte de Porfírio de Tiro (nascido cerca de 232-233 A. C.), um vigoroso
oponente do Cristianismo, que sustentava que essa obra era produto de um judeu que vivera no
tempo dos macabeus. Durante os séculos XVIII e XIX, particularmente este último, a opinião de
Porfírio parece ter ocupado posição proeminente no mundo erudito. Foi largamente mantido que
o livro de Daniel fora escrito por um judeu desconhecido, que vivera no tempo de Antíoco
Epifanes. Os motivos para tal opinião eram a notável exatidão pela qual aquele período é
descrito em Daniel, as supostas inexatidões históricas no livro, e a alegada linguagem mais
recente empregada na composição da profecia. Algumas vezes, igualmente, podia-se verificar
uma atitude de aversão para com o caráter sobrenatural do livro, o que evidentemente tinha
levado certos homens a procurarem negar seu autêntico caráter profético. Recentemente,
contudo, talvez principalmente como resultado do estudo de Hölscher ("Die Entstehung des
Buches Daniel", em Theologische Studien und Kritiken, XCII, 1919, págs. 113-138), tem sido
mais evidente a tendência de reconhecer a antiguidade de muito material básico em Daniel. Mas
até hoje é mantido-erroneamente, segundo acreditamos-que o livro, em sua presente forma, vem
desde o segundo século A. C., mas que muito de seu material, particularmente na primeira
porção, é muito mais antigo.
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Será útil considerar de passagem algumas das objeções históricas que têm sido levantadas
contra o livro de Daniel.
Em primeiro lugar é alegado que o uso do termo "caldeu" deixa entrever uma era
posterior ao século VI A. C. No livro de Daniel esse termo é empregado num sentido étnico para
denotar uma raça e é igualmente usado de modo mais restrito para indicar uma classe particular,
a saber, os sábios. Segundo é alegado, porém, este último uso só teve origem muito depois do
tempo de Daniel. Em resposta pode-se dizer que Heródoto (cerca de 440 A. C.,) fala dos caldeus
como uma casta de tal modo que demonstra que assim deveria ser considerado já desde muito
antes desse tempo. Mas, visto que as referências extra bíblicas são tão poucas, não sabemos
bastante para asseverar que as representações em Daniel acham-se em erro.
Também têm alguns acusado que Daniel nunca teria sido admitido no sacerdócio
babilônico nem teria sido feito seu cabeça. A leitura cuidadosa da profecia, entretanto, mostra
que Daniel meramente exercia autoridade política (Veja: Dn 2.48-49). Não existe evidência de
que ele tenha sido admitido ou iniciado em qualquer casta religiosa. Se o livro de Daniel fosse
realmente de data posterior, como poderíamos conceber que o autor posterior pintasse Daniel a
entrar numa casta pagã?
Algumas vezes tem sido mantido que não há alusões extra bíblicas referentes ao relato da
loucura de Nabucodonosor, pelo que concluem que essa narrativa bíblica não é histórica. Não
obstante, o historiador Eusébio cita, de Abidenus, uma descrição sobre os últimos dias de
Nabucodonosor na qual a linguagem é tal que subentende que algo estranho havia ocorrido perto
do fim da vida do rei. Existem algumas similaridades nesse relato com o que é exposto em
Daniel. Em Berossus, igualmente (registrado na obra de Josefo, Contra Apionem, 1.20) há certo
reflexo sobre o fato da loucura do rei. Deveria ser salientado, entretanto, que mesmo que não
houvesse ecos extra bíblicos sobre o fato do desvario de Nabucodonosor, por si mesmo isso não
significaria que o relato bíblico não é histórico.
A objeção a ter sido Daniel autor do livro também tem sido apresentada baseada no fato
que a linguagem aramaica, na qual uma porção do livro foi escrita, pertence a um período
posterior ao de Daniel. Apesar de que nada existe no próprio aramaico do livro de Daniel para
excluir a autoria de Daniel, parece muito provável que os caracteres aramaicos são aqueles
chamados aramaico "Reich" ou "Reino"; isto é, o que foi introduzido no Império persa por Dario
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I. Esse fato, entretanto, exclui Daniel como autor? De maneira alguma. É perfeitamente possível
que o aramaico no qual o livro de Daniel se encontra escrito seja simplesmente uma
modernização do aramaico no qual o livro foi originalmente composto. A questão da autoria do
livro deve ser estabelecida sobre outras bases que não a da linguagem em que foi escrito.
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7.5. Conceito GERAL
7.5.1. Significado da expressão "profetas menores”
Embora os dezessete livros proféticos do Antigo Testamento sejam o “continente obscuro
da Escritura”, as pessoas têm ainda menor familiaridade com os doze profetas menores como um
todo do que com os cinco profetas maiores. Estes doze livros se tornaram conhecidos como
Profetas Menores no final do quarto século d.C., não porque foram considerados menos
importantes ou menos inspirados, mas porque são geralmente menores do que os cinco Profetas
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Maiores, especialmente os livros de Isaías e Jeremias. Suas mensagens são mais sucintas do que
as dos Profetas Maiores, mas igualmente poderosas.
Antes do tempo de Cristo, estes doze livros foram reunidos em um só rolo, coletivamente
conhecidos como “Os Doze”. Sua extensão combinada (sessenta e sete capítulos) é
aproximadamente igual à de Isaías. A única importância cronológica da ordem dos Profetas
Menores na Bíblia portuguesa é que os seis primeiros foram escritos antes dos seis últimos.
Os Profetas Menores, de Obadias a Malaquias, cobrem quatro séculos de história através
dos Impérios Assírio, Babilônico e Persa. Três foram profetas do reino do norte (Jonas, Amós,
Oséias). Seis foram profetas do Reino do Sul (Obadias, Joel, Miquéias, Naum, Sofonias e
Habacuque). Embora todos os profetas menores sejam nomeados, muito pouco se conhece da
maioria deles. Seus antecedentes e personalidades são completamente diversos, mas os quatro
temas proféticos básicos se encontram em todos eles.
7.5.2. Significado do nome de cada profeta
Quase invariavelmente o nome de cada profeta tem um significado que se harmoniza de
maneira extraordinária com a sua mensagem. Essa "coincidência" providencial tinha um
significado genuíno na opinião dos hebreus antigos, para quem os nomes eram muito
importantes. Com muita freqüência, Deus usou nomes para transmitir mensagens.
7.5.3. Disposição de acordo com a cronologia
Embora os Profetas Maiores estejam dispostos em ordem cronológica, os Menores não
têm essa disposição. Não há acordo entre os comentadores (talmúdicos ou modernos) quanto ao
verdadeiro objetivo da ordem canônica. Os primeiros seis são cronologicamente anteriores aos
últimos seis, e estes últimos estão em ordem cronológica. Mas a ordem dos primeiros seis é um
enigma, exceto pelo fato de que todos eles tratam do período anterior ao cativeiro do norte.
Oséias pode ter sido posto em primeiro lugar devido ao seu comprimento, mas a disposição dos
outros nada tem que a ver com tamanho.
7.5.4. Disposição de acordo com tema fundamental
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Entre cronologia e estilo, este último tem geralmente primazia (por exemplo, Epístolas do
Novo Testamento), especialmente para os hebreus que tinham um conhecimento profundo da sua
história pelos Livros Históricos. Era o povo da aliança e o tema aliança aparecia em larga escala
em toda a sua literatura. Poderemos deduzir que a ordem dos livros seja motivada pela ênfase do
caráter divino e pelo tema da aliança.
8. O LIVRO DE OSÉIAS
8.1.1. Esboço do Livro
Título (1.1)
I. O Casamento de Oséias Ilustra a Infidelidade de Israel, e a Rejeição e Restauração da
Nação (1.2—3.5)
A. O Casamento com Gomer (1.2)
B. O Nascimento dos Três Filhos (1.3-9)
C. Profecia da Restauração (1.10—2.1)
D. Gômer Como Símbolo de Israel (2.2-23)
1. O Adultério de Israel (2.2-5)
2. O Juízo Divino (2.6-13)
3. Deus Promete a Restauração de Israel (2.14-23)
E. A Redenção de Gomer (3.1-5)
II. A Mensagem de Oséias Descreve a Infidelidade, Rejeição e Restauração de Israel
(4.1—14.9)
A. O Adultério Espiritual de Israel (4.1-19)
B. O Juízo Divino Sobre Israel (5.1-14)
C. O Arrependimento Insincero de Israel (5.15—6.3)
D. O Registro dos Pecados de Israel (6.4—8.6)
1. Violação do Concerto (6.4-10)
2. Recusa em Confiar em Deus, e Obedecê-lo (6.11—7.16)
3. Servir a Falsos Deuses (8.1-6)
E. A Predição do Juízo de Israel (8.7—10.15)
1. Será Devorada pelas Nações (8.7-14)
2. A Prosperidade Evaporará (9.1-9)
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3. A Madre se Tornará Estéril (9.10-17)
4. A Nação Será Destruída (10.1-15)
F. O Amor Persistente de Deus por Israel (11.1-11)
G. Repetição dos Pecados de Israel (11.12—12.14)
H. O Cuidado Passado de Deus e Sua Ira Presente (13.1-16)
1. A Idolatria de Israel (13.1-3)
2. O Cuidado Divino no Êxodo (13.4-6)
3. O Plano Divino em Destruir Israel (13.7-13)
4. O Plano Divino para a Restauração Final de Israel (13.14)
5. Insistência na Destruição Iminente de Israel (13.15,16)
I. Deus Promete Restaurar Israel (14.1-9)
1. A Chamada ao Arrependimento (14.1-3)
2. A Promessa de Bênçãos Abundantes (14.4-9)
8.1.2. Autor
Oséias, cujo livro se encontra no início do rolo dos doze profetas, marca um novo estágio
na profecia hebraica, pois ele é o primeiro ou um dos primeiros profetas a pôr em forma escrita
as suas profecias. E a profecia escrita não poderia desejar para seu início um livro mais nobre.
Parece que o profeta era nativo do reino do norte. De qualquer modo, parece que ele era
bem versado com sua geografia e os detalhes de sua vida política, religiosa e social.
A parte principal e mais volumosa do livro é notável por seu interesse no reino de Israel;
as referências à nação irmã do sul são escassas. Seu ministério como profeta foi prolongado; e
sobre isso, a lista de reis que aparece no começo do livro é evidência suficiente. Por qual razão o
profeta deu início à sua lista dando primeiramente os nomes dos reis de Judá, é algo difícil de
dizer. Talvez ele assim tenha feito a fim de demonstrar seu respeito à linha legítima e davídica de
reis, que governavam em Jerusalém (cf. 8.4). Com toda a probabilidade seu ministério principal
se estendeu desde os últimos dias do reinado de Jeroboão II (782-741 a.C.) até à queda de
Samaria (722 a.C.).
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8.1.3. Conteúdo
O conteúdo do livro serve de espelho para as condições políticas, sociais e religiosas que
prevaleciam em Israel nos dias do profeta. As últimas décadas da vida do reino do norte foram
marcadas por uma frenética e insensata alteração na orientação agora cortejando o favor da
Assíria, em seguida tentando subornar o Egito. Em lugar de depositarem sua confiança em seu
Deus, os líderes da nação tentaram salvar o país por meio de esquemas políticos que, pela
própria natureza das coisas, estavam destinados a conduzir ao desastre.
Os líderes religiosos do povo mostraram ser igualmente indignos. A forma de religião
que prevalecia nos dias de Oséias era um amálgama de adoração a Jeová com a religião idólatra
de Canaã. Nessa mistura, de Jeová era retido apenas o nome; o ritual era tirado inteiramente das
práticas corruptas da adoração a Baal. Essa adoração exercia um efeito corruptor sobre o povo,
visto que estava intimamente ligado a atos de grosseira imoralidade. A situação se agravava
ainda mais pelos sacerdotes, cuja única preocupação era promover seus próprios interesses
materiais, o que não hesitavam em fazer encorajando o povo a permitir-se cair em seus pecados,
assim aumentando as rendas dos sacerdotes mediante as ofertas pelo pecado.
Sob tais condições, não é de estranhar que os padrões morais, e religiosos do povo
estivessem tão baixos. Um quadro vívido, embora patético, sobre esse estado de coisas, é dado
na parábola transmitida pela tragédia da vida em família de Oséias. O profeta se casara com uma
Jovem que, com a passagem do tempo, mostrou-se infiel. Os nomes que o profeta deu aos filhos
de sua esposa são sinais da agonia crescentemente aguda pela qual ele passava. A despeito de
toda a sua perversidade, entretanto, e embora seu pecado a tivesse levado a ser a concubina-
escrava de outro homem, o profeta a reclamou como sua legítima esposa, e sua atitude para com
ela, depois disso, é um belo equilíbrio de amorosa ternura e severo julgamento. Tal é o conteúdo
de seu livro. Passagens de ternura sem paralelo e de duro julgamento estão mescladas
mutuamente a fim de demonstrar os sentimentos de Deus para com Seu povo em desobediência.
O tema em redor do qual gira a mensagem inteira da profecia é a queixa de Deus de que Seu
povo é falto de conhecimento; e por esse termo devemos entender não simplesmente algum
conhecimento teórico, mas um contato íntimo e caloroso do coração do povo com o amoroso
coração de Deus.
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8.1.4. A teologia de Oséias
Oséias concentra sua atenção na relação de Deus com Israel. Enquanto Amós está
preocupado com a soberania divina com o interesse de Jeová por outras nações, a abordagem de
Oséias é uma preocupação exclusiva com a relação de Israel com Deus pertinente ao concerto.
"A nação abandonou seu marido Yahweh, e desempenhou o papel de meretriz quando colocou
sua confiança nos baalins. [...] O pecado não é definido de forma legalista; [...] para ele, a
essência do pecado de Israel é confiar em qualquer ser ou coisa que exclua Deus na busca de
direção e sustento de vida". (DENTON, 1956, p. 1.119). Por isso, o profeta censura severamente
toda forma de idolatria.
A interpretação que Oséias faz da história de Israel prende-se em torno da idéia do amor
divino e do conhecimento de Deus. Por trás da figura da paternidade e do casamento estão duas
palavras hebraicas usadas por Oséias: 'ahab e chesed. A primeira é o equivalente hebraico do
termo amor, usado para referir-se ao amor humano, quer puro ou impuro. A segunda (chesed) é a
palavra traduzida em 2.19 por "benignidade" (RC; ECA; ARA), "amor" (BV; NTLH; NVI) e
"amor firme" (RSV). Também significa "amor de concerto", "amor-concerto", ou seja, o amor
ligado ao concerto. Quando usada em relação a Deus é o equivalente hebraico de "fidelidade" e
quando usada em relação ao homem desdobra-se no sentido de "devoção, religiosidade,
lealdade". A palavra 'ahab é considerada a mais restrita das duas, ao passo que chesed é a mais
nobre. Entretanto, há ocasiões em que 'ahab tem seus termos de elevada nobreza e dignidade. A
palavra 'ahab é empregada para denotar o "amor-eleição" de Deus e forma a base do concerto.
Indica a ação redentora do Senhor na história e na escolha de Israel como seu povo.
Havia duas questões que a lei não podia responder acerca de si mesma. A primeira dizia
respeito à razão para seu próprio estabelecimento. A única resposta achava-se no amor ('ahab) de
Deus. O "amor-eleição" de Jeová por Israel era a base e a causa única da existência do concerto
entre Deus e Israel. De fato, se não fosse pelo "amor-eleição" de Jeová nunca teria havido
concerto e, por conseguinte, Israel. Também de acordo com o concerto, era a contínua
obediência de Israel a Deus que tornava possível sua existência.
Mas, e se Israel fosse desobediente? A lei não tinha resposta! Só o amor fiel de Deus
poderia oferecer uma solução. Isto nos proporciona a segunda síntese entre a lei e o amor no
livro de Oséias. Esta vinculação está ilustrada graficamente pela relação dele com sua esposa
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adúltera. O amor de Deus atinge o ápice da expressão quando Jeová brada: "Como te deixaria, ó
Efraim? Como te entregaria, ó Israel?" (11.8). Oséias usa constantemente a palavra chesed
(amor) para denotar a atitude de Jeová pertinente ao concerto. Portanto, 'ahab é a causa do
concerto e chesed é o meio de sua continuação. Assim, chesed seria a atitude expressa para com
o concerto da parte de Deus e de Israel. (ADAMSON, 1956, p. 764).
Na progressão da ideia de amor em Oséias há três pontos importantes a destacar.
Primeiro, o amor é a base do concerto. Segundo, ele é a resposta ao concerto quebrado e à
existência continuada de Israel. Terceiro, a "firmeza" ou a "fidelidade" é o elemento central no
amor. Portanto, a base do concerto é o amor e não a lei. Mas a santidade de Deus ainda exige que
a lei – a essência do seu amor e concerto – seja guardada e que o transgressor seja excluído da
comunhão divina.
Mesmo que haja o amor (chesed) de Deus por Israel, tem de haver um chesed ao Senhor
proveniente de Israel. É uma relação recíproca. Deus inicia esse amor e Israel, agradecidamente,
retribui. Este é o sentido no qual o amor (‘ahab) é usado de uma forma inferior para uma
superior, o sentido de amor humilde e obediente. O amor do homem por Deus no Antigo
Testamento está baseado no amor do Senhor pelo homem.
A relação não está elaborada de forma sistematizada, mas ela existe. Se Israel precisava
ser grato a Deus por sua eleição, muito mais agradecido precisava ser pelo amor firme e pela
fidelidade do Senhor depois de ter quebrado o concerto com Ele.
Assim, vemos que o pano de fundo do concerto entre Jeová e Israel é a graça, não a lei.
Poderíamos dizer que a lei, como expressão da santidade de Deus, forneceu a essência do seu
amor (chesed) e, portanto, do concerto com seu povo.
O problema do chesed de Deus e do concerto quebrado concentra-se na tensão entre a
santidade e o amor divinos. Qual é o equilíbrio entre a misericórdia e a justiça? O livro de Oséias
é excelente exemplo desta tensão entre a mensagem de destruição proclamada por Deus e sua
misericórdia. Jeová foi constantemente fiel na sua parte do concerto, e é este elemento do amor
de Deus que, no final das contas, ocasiona a solução da tensão entre seu amor e sua santidade.
Deus mesmo ocasionaria esse arrependimento requerido por ele (12.6) e forneceria a expiação
que sua santidade e justiça exigiam (Is 53). É a idéia de amor (chesed) na relação de concerto,
ainda que quebrado, que se desdobra no propósito da graça no Novo Testamento. É também este
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elemento que proporciona o pano de fundo para a profecia do novo concerto em Jeremias e o
fundamento da esperança messiânica.
O segundo elemento no livro de Oséias é o conhecimento de Deus. Esta característica
surge da "comunhão" que é o resultado do "amor de concerto". Esta comunhão no pensamento
hebraico torna-se o método de conhecer Deus. Wriezen comenta: "Este conhecimento de Deus é
essencialmente uma comunhão com Deus, e é também fé religiosa. É algo completamente
diferente de conhecimento intelectual: trata-se de conhecimento do coração e demanda o amor
do homem (Dt 6); sua demanda vital é andar humildemente nos caminhos do Senhor (Mq 6.8); é
o reconhecimento de Deus como Deus, a rendição total a Deus como Senhor". (WRIEZEN,
1961, p. 105).
Com isto em mente, podemos entender por que era tão sério o clamor de Oséias de que
não havia "conhecimento" de Deus em Israel. Indica que não havia fidelidade a Deus, amor a Ele
e comunhão com Ele. O profeta não se refere a um conhecimento intelectual, mas a uma relação
espiritual. Wriezen demonstra esta dedução quando escreve que, no Antigo Testamento, "o
conhecimento de Deus não implica numa teoria sobre a natureza de Deus; não é ontológica, mas
existencial: é uma vida na verdadeira relação com Deus". (WRIEZEN, 1961, p. 105).
A análise descrita acima destaca dois fatores sobre o "conhecimento" no Antigo
Testamento. Primeiramente, é espiritual e relacional e não intelectual. Em segundo lugar, tem
implicações éticas. Snaith ilustra este segundo ponto quando, ao comentar sobre 4.2, diz que "o
verdadeiro chesed (amor) de Israel por Jeová implica [...] fundamentalmente em conhecimento
de Deus e, resultante disso, lealdade na adoração verdadeira e apropriada, junto com o
procedimento adequado a respeito das virtudes humanitárias". (SNAITH, 1946, p. 156). O fato
que conhecimento é essencialmente comunhão, e que isto está baseado necessariamente na
relação de concerto com Jeová, acarreta implicações éticas. Pois se o amor é o elemento básico
no concerto, não pode estar separado da lei que fornece sua essência. Portanto, o conhecimento
de Deus proporciona a transição entre a religião e a ética; assim se justifica o clamor profético
pela justiça social e a insistência que a verdadeira religião é muito mais que a observância ritual.
É evidente que a "ética" de Israel era profundamente pessoal e estava baseada na idéia-concerto
de chesed (amor), o qual está muito bem apresentado nos escritos de Oséias. Visto que seu tema
principal é as relações entre pessoas e seu alvo é a união ou conhecimento no mais pleno sentido
da palavra hebraica, chesed é o meio de vencer o afastamento e a desavença. Isto ocorre porque a
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mente hebraica via o homem, em si, como algo incompleto, alguma coisa menos que ser
humano, quando fica separado da relação de concerto. Torna-se verdadeiramente autêntico
apenas quando descobre sua relação com Deus e com o homem.
A reconciliação ocorre pelo amor de Jeová ao homem e pela resposta humilde do ser
humano em amor. É pelo amor que o homem percebe a verdadeira essência do seu ser.
Oséias com sua teologia de amor prepara o pano de fundo para a idéia do Novo
Testamento de que a existência só é percebida num relacionamento com Deus, e a vida mais
completa é percebida na koinonia (comunhão de amor). O ápice é atingido nos escritos de João
e, sobretudo, em 1Jo 4.16,17: "Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em
Deus, e Deus, nele. Nisto é em nós aperfeiçoado o amor" (ARA).
Nos dias de Oséias, Israel parecia incapaz de arrepender-se e a santidade do Senhor não
podia tolerar o pecado. De alguma forma, o amor firme de Deus acharia um meio de trazer as
pessoas de volta para Ele. Embora o Senhor tivesse pronunciado certa destruição sobre o
pecador, prometeu que nunca abandonaria Israel. O povo israelita tem de ser julgado, mas Deus,
em seu amor (chesed), não pode destruí-lo. Esta tensão criativa alcança sua maior expressão em
11.8,9 (ARC), onde, depois de predizer o exílio na Assíria, Jeová brada:
Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como Admá?
Por-te-ia como Zeboim? Está mudado em mim o meu coração, todos os meus pesares juntamente
estão acesos. Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir Efraim, porque eu
sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não entrarei na cidade.
8.1.5. Contribuições singulares
8.1.5.1. O livro enfatiza o amor matrimonial de Deus
Oséias revela uma das imagens mais profundas do amor divino encontrado no Antigo
Testamento. Embora forçado a divorciar-se de Israel e julgá-lo devido à sua prostituição (2.2-5),
o Senhor ainda confirmou o seu amor pela nação e sua intenção de cortejá-la e trazê-la de volta
em justiça (2.14-16,20). Ele comparou o relacionamento da sua aliança com Israel a uma união
conjugal profunda e íntima.
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8.1.5.2. O poder secreto do amor Divino (14.9)
Este versículo final é um desafio aos mais sábios e perspicazes para que esquadrinhem o
singular poder do amor de Deus. Embora o amor divino por Israel parecesse fútil e infrutífero no
tempo de Oséias, assim não aconteceria em longo prazo, pois "os caminhos do Senhor são retos"
(14.9). Seu amor por Israel continuaria apesar da obstinação do povo e, no final, se justificaria
numa colheita de justiça. Deus não faz maus investimentos (2.19).
8.1.5.3. O Profeta e seu casamento falido (1.2; 3.1-3)
A ordem que Oséias, o profeta, recebeu do Senhor para casar-se com uma prostituta é
chocante e cria um dilema (1.2). De conformidade com a Lei de Moisés, Gômer deveria ser
apedrejada como prostituta (Lv 20.10; Dt 22.2124). Não se sabe se ela já era prostituta ao casar-
se ou tornou-se depois. Qualquer que seja o caso, os tempos de Oséias não eram normais, pois a
terra estava cheia de prostituição e os sacerdotes tinham-se tornado um bando de assassinos
(4.12-14; 6.9).
O adultério de Gômer, entretanto, alcançara tamanho grau de baixeza que ela se tornara
uma prostituta escrava (3.1-2). Todavia, a atitude de Oséias ao reivindicá-la e comprá-la tirando-
a do mercado da prostituição não violou a Lei, pois foi ordenada por Deus e realizada sob a
dispensação especial da graça divina (semelhante à graça demonstrada a Davi quando este caiu
em adultério). O Senhor suspendeu o julgamento sobre Israel a fim de revelar aos judeus sua
magnânima graça. Eles mereciam ser totalmente destruídos por prostituírem-se, deixando o
Senhor pelos deuses pagãos (3.1-4).
A analogia divina com o casamento humano aqui apresentada foi planejada e expressa
divinamente, e não deve ser posta de lado. A grande lição que se tira desse fato é que aquela
infidelidade sexual é devastadora para um casamento, provoca o julgamento de Deus e exige
arrependimento verdadeiro, bem como renovação genuína dos votos matrimoniais para que haja
restauração. Apesar de a Lei proibir que a mulher fosse aceita pelo seu primeiro marido, após
haver sido repudiada por este, casado outra vez e seu segundo marido haver falecido (Dt 24.1-4;
Mt 19.8-9), faz parte da graça oferecer misericórdia para a reconciliação numa genuína união
renovada. A mensagem prática de Oséias são os dividendos que tal graça retribui (14.47),
conforme demonstrado profeticamente no livro.
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8.1.5.4. Oséias em relação a Jeremias (11.7-9; Jr 9.1-2)
O que Jeremias foi para Judá, Oséias foi para Israel 140 anos antes. Ambos instaram com
o seu povo, implorando o amor de Deus, enquanto o povo lançava-se à destruição. Ambos
ministraram depois de uma época de prosperidade em toda a nação, seguida de indiferença
espiritual e corrupção moral. Ambos expressaram a tristeza de Deus por ser forçado a divorciar-
se do seu povo por adultério e a permitir sua destruição por um império do oriente (Jr 3.8; Os
2.2-7). Ambos também falaram de uma renovada aliança entre o Senhor e o seu povo na futura
era messiânica (Jr 31.31 e ss.; Os 1.11; 14.1 e ss.).
8.1.5.5. Religião depravada de Israel (6.6-10; 9.15-10.2)
Oséias descreve um dos períodos mais indignos da história religiosa de Israel. Apesar de
guardarem religiosamente os rituais, os judeus praticavam a idolatria. Banditismo era comum
entre o povo e até mesmo os sacerdotes reuniam-se para atacar e assassinar peregrinos no
caminho para Siquém (4.11-13,18; 6.9). Toda a terra mergulhara na prostituição (4.11-14,18;
6.10). Sua hipocrisia era clamorosa. Por esse motivo, o Senhor prometeu vir como um leão,
leopardo, urso e fera selvagem para despedaçá-los e devorá-los (5.14; 13.7-8). O reino do norte
desfez-se e estava com Judá cento e cinqüenta anos mais tarde, na época de Daniel, quando o
Senhor descreveu o seu plano de disciplinar a nação por meio dos quatro "animais" (Daniel 7).
Amós, o profeta do sul,já estivera em Samaria para repreender os líderes do norte pelo seu
arrogante orgulho e ausência de misericórdia e justiça. Do mesmo modo que Amós denunciou o
sistema depravado dos seus compatriotas, Oséias insistiu com eles mostrando o amor divino da
aliança. Tendo rejeitado a correção, estavam sendo destruídos pela "falta de conhecimento" (4.6)
e fadados a ser extintos como nação quase vinte anos mais tarde.
8.1.5.6. Cristologia em Oséias
Em Oséias, as referências ao Messias são raras e um tanto indiretas.
(a) O amor divino por Israel, enfatizado pelo profeta, subentende o amor de Cristo tanto
por Israel quanto pela Igreja (Jo 13.1). O Senhor do Antigo Testamento (YHWH) é a própria
Trindade, e o relacionamento "marido-mulher" representa o relacionamento entre o Senhor da
aliança e o povo da aliança. O amor do Novo Testamento entre Cristo e sua Igreja é outra
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expressão daquele amor divino, mesmo para os que estão fora daquela união da aliança (Ef 2.11-
14).
(b) A referência de 3.5 que "tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao Senhor seu Deus, e
a Davi, seu rei" é provavelmente messiânica. Pode referir-se ao Próprio Messias como "Filho de
Davi" (Mc 12.35). "Nos últimos dias" os filhos de Israel "tremendo se aproximarão do Senhor"
(3.5).
(c) "Do Egito chamei o meu filho" (11.1) é citado em Mateus (2.15) como uma profecia
do Antigo Testamento de que Jesus seria levado ao Egito e chamado pelo anjo do Senhor.
Evidentemente Mateus usa esse texto como uma "profecia" de Cristo, mostrando o
relacionamento íntimo entre o Messias e Israel, até mesmo tendo experiências semelhantes à
aflição vinda dos gentios e ao livramento de monarcas assassinos.
(d) A vitória de Cristo sobre a morte (13.14; 1Co 15.55).
(e) Deus deseja a misericórdia, e não o sacrifício (6.6; Mt 9.13; 12.7).
(f) e os gentios que não eram o povo de Deus, passam a ser seu povo (1.6, 9-10; 2.23; Rm
9.25,26; 1Pe 1.10).
Além dos trechos específicos, o Novo Testamento expande o tema do livro — Deus como
o marido do seu povo — e diz que Cristo é o marido de sua noiva redimida, a igreja (1Co 11.2;
Ef 5.22-32; Ap 19.6-9; 21.1-2, 9-10). Oséias enfatiza a mensagem do Novo Testamento a
respeito de se conhecer a Deus para se entrar na vida (Os 2.20; 4.6; 5.15; 6.3-6; Jo 17.1-3).
Juntamente com esta mensagem, Oséias demonstra claramente o relacionamento entre o pecado
persistente e o juízo inexorável de Deus. Ambas as ênfases são resumidas por Paulo em Rm
6.23: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por
Cristo Jesus, nosso Senhor”.
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9. O LIVRO JOEL
9.1. Esboço do Livro
Introdução (1.1)
I. A Calamidade Atual de Judá (1.2-20)
A. Uma Praga Devastadora de Gafanhotos (1.2-12)
B. A Chamada ao Arrependimento Nacional (1.13,14)
C. A Situação Desesperadora de Judá (1.15-20)
II. A Iminência de um Juízo Ainda Maior (2.1-17)
A. Um Exército Ameaçador Preparado para Marchar contra Judá (2.1-11)
B. A Chamada ao Arrependimento Nacional (2.12-17)
III. O Futuro Dia do Senhor (2.18—3.21)
A. Promessa da Restauração (2.18-27)
B. Promessa do Derramamento do Espírito Santo (2.28-32)
C. Promessa do Juízo e da Salvação (3.1-21)
1. Para as Nações (3.1-15)
2. Para Sião (3.16-21)
9.2. Estilo
O livro de Joel é uma das gemas literárias do Antigo Testamento. É edificado com
cuidado e efeito dramático e aqui e acolá, pelo livro inteiro, há belezas que brilham intensamente
e até deslumbram a imaginação. W. G. Elmslie tem chamado atenção para o fato em The
Expositor, Fourth Series, Vol. 3, p. 162: "Se existe na Bíblia um livro que é uma obra prima de
arte literária, é o livro de Joel. Há outros profetas que escreveram com maior paixão e maior
poder, que se elevam as mais sublimes altitudes da revelação divina; mas dificilmente há um
escritor do Antigo Testamento que tenha demonstrado empenho mais cuidadoso, detalhado e
primoroso para dar polimento, remate e beleza à sua obra literária".
"O estilo de Joel é preeminentemente puro. Caracteriza-se pela fluência e regularidade
nos ritmos, nas sentenças completas e na simetria dos paralelismos. Com o poder de Miquéias
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ele combina a ternura de Jeremias, a vivacidade de Naum e a sublimidade de Isaias" (A. R.
Fausset).
9.3. Data
O livro apresenta ao estudioso muitos problemas e talvez o primeiro e mais importante
deles é determinar onde colocá-lo entre os outros profetas do Antigo Testamento. Essa
dificuldade pode ser mais bem percebida quando se sabe que já foi colocado em quase todos os
períodos da dispensação profética. Pelo simples fato que menção nenhuma é feita sobre a Assíria
ou a Babilônia, é admitido que Joel tenha exercido seu ministério antes do levantamento da
primeira ou depois do declínio da última. Por conseguinte, há concordância quase universal que
o livro deva ser posto ou entre os primeiros livros dos profetas ou entre os últimos.
É verdade que muitos eruditos modernos favorecem a data mais recente, mas isso de
forma alguma é universalmente reconhecido e diversos fatores parecem sugerir que a data mais
antiga está bem dentro dos limites da possibilidade. Entre esses fatores temos primeiramente o
quadro do reino. Toda a menção ao rei é abafada quase ao máximo, o que confirmaria o ponto de
vista que o período do livro foi o de Joás o qual, embora rei, ainda era menor de idade, quando
Joiada agia como regente (2Rs 12.1 e segs.). Paralelamente a isso, no livro de Joel o sacerdócio é
considerado com a maior honra e respeito. A adoração no templo era diligentemente mantida e o
aspecto mais negro do desastre causado pela seca e pelos gafanhotos era o fato que as ofertas
diárias não podiam ser continuadas (1.9). A religião deve ter sido geralmente praticada quando
nenhuma outra coisa parecia pior que isso. Esses fatos, para dizer a verdade, se adaptariam aos
tempos da minoridade de Joás.
Em segundo lugar, além disso, não há qualquer referência ao reino do norte, tão próximo
geograficamente e tão inter-relacionado com Judá em período posterior. Se preferirmos a data
mais antiga parece natural que, em vista de tudo quanto Judá havia sofrido às mãos de Atalia, a
infame filha de Acabe (2Rs 11.1 e segs.), haveria apenas raras referências a Israel, nos apelos do
profeta ao reino do sul.
Uma terceira característica que dá apoio à data mais antiga do livro é que as passagens
condenatórias parecem ser uma relíquia dos dias mais combativos de Israel e não dos dias de seu
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período mais enfraquecido, quando declinava, condição que seria refletida no livro se a profecia
pertencesse a data mais recente como querem alguns críticos.
Outro argumento em favor da data mais antiga é o que se encontra nas referências
cruzadas que podem ser observadas entre as profecias de Joel e de Amós. Naturalmente que
alguns têm argumentado que Joel emprestou dados de Amós; mas, devido ao caráter dessas
várias referências é de argüir-se, se não conclusiva, provavelmente, que se deu justamente o
oposto, ou seja, que Amós iniciou sua profecia onde Joel deixou a sua (cf. Am 4.6 com Jl 2.12;
Am 9.13 com Jl 3.18). Esse ponto é plenamente desenvolvido na obra de Kirkpatrick, Doctrine
of the Prophets, p. 63-65. A tudo isso pode ser adicionado o fato que, no tempo de Amós a idéia
do "dia de Jeová" era comum e que, de conformidade com a aparente íntima conexão entre Amós
e Joel, é evidente que isso só era familiar porque Joel assim o tinha feito, em seu ministério,
anterior ao de Amós.
Concluindo, há certo número de alusões a eventos históricos que, se corretamente
interpretadas, parecem exigir a data mais antiga. Jl 3.17,19, que falam de estrangeiros "a passar"
pela terra e que acusam o Egito e Edom de derramar "sangue inocente", bem podem referir-se à
invasão de Judá por Sisaque (1Rs 14.25) e à revolta dos edomitas durante o reinado de Jorão
(2Rs 8.20-22). Novamente, a acusação de Joel contra os fenícios e filisteus (Jl 3.4,6) pode ser
comparada com o relato do escritor das Crônicas a respeito dos assaltos dos filisteus durante o
reinado de Jorão em Judá (2Cr 21.16), e aos oráculos de Amós contra ambas essas nações (Am
1). Igualmente, na menção ao "vale de Josafá" (Jl 3.2), há uma possível referência ao fato desse
rei haver derrotado Moabe, Amom e Edom, no vale de Beraca (2Cr 20.26). Tudo isso seria
coerente com a posição tradicional que coloca o livro de Joel entre os primeiros profetas no
"cânon", posição essa que não pode ser voluvelmente abandonada como se fosse inteiramente
fortuita, visto que é inegável que o presente arranjo dos livros foi, naquele tempo, tencionado
como cronológico.
Tudo quanto dissemos não deve ser entendido como inferência que não existem
argumentos a favor da colocação do livro de Joel entre os escritos após o retorno do cativeiro. As
principais razões apresentadas em defesa dessa posição podem ser arranjadas como segue.
Segundo dizem, a natureza geral da linguagem e do estilo, particularmente o fraseado de 3.1,17,
parece exigir que o livro tenha sido composto após a destruição de Jerusalém em 586 a.C. A
ausência de qualquer referência ao reino do norte sugere que este, de fato, não mais existia como
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entidade política separada. A ausência de qualquer repreensão aos pecados nacionais e,
especialmente, à idolatria, é incoerente com o estado de coisas que dominava antes do exílio. A
atitude hostil, adotada para com outras nações pagãs, é mais característica de um período
posterior, quando o nacionalismo judaico se tornou mais estritamente exclusivista. A
predominância do sacerdócio nas atividades diárias e a ardente devoção pelos sacrifícios no
templo não eram tão típicas no período pré-exílico, mas, em realidade, pertencem a dias mais
recentes, na comunidade menor e mais intimamente ligada dos exilados que voltaram.
O argumento que se baseia no estilo e na linguagem é, quando muito, extremamente
falho, pois, no caso dos profetas, existem outros fatores, além dos puramente pessoais, a
complicar a questão inteira. "Os remanescentes da literatura hebraica são muito parcos para por
eles decidirmos com certeza o que era e o que não era possível em um período particular. A
uniformidade da pontuação massorética obliterou muitas distinções de pronúncia, que teriam
servido como indicações” (KIRKPATRICK, 1998, p. 72). A referência, em 3.1, a "renovarei o
cativeiro" não tem de significar necessariamente que essas palavras tenham sido proferidas
durante ou após o exílio; também foram empregadas por Amós (Am 9.14) e por Oséias (Os
6.11), e são perfeitamente consistentes quando usadas pelos profetas que viram claramente no
futuro os desastres que profetizaram que sobreviriam.
A ausência de qualquer referência ao reino do norte também não pode ser considerada
conclusiva; pois enquanto que esperanças de reunião foram mantidas por outros dos profetas
anteriores, nenhum deles esteve tão próximo, quanto ao tempo, do amargo e cruel despotismo de
Atalia, como Joel; e seria de esperar que quaisquer referências a essa parte da terra, da qual tinha
vindo uma governante tão cruel e perversa, deveriam desaparecer em segundo plano. Além
disso, em conexão com a ausência de reprovação contra as transgressões nacionais, não podemos
assumir que os dias que se seguiram à volta do exílio foram livres de pecados dignos de ser
acusados, tanto políticos como eclesiásticos. Esdras, Neemias e Malaquias encontraram muito
contra o que falar. Tentar encaixar Joel nessa situação levanta tantas dificuldades quantas se
propõe solucionar. O mesmo também pode ser dito a respeito do argumento de que a atitude
inteira do livro é caracterizada por um nacionalismo fanático, que se manifestou mais tarde.
Nada conclusivo pode ser derivado daí. De fato, esse argumento pode disparar pela culatra. Os
profetas mais antigos ou fazem silêncio (Oséias) sobre a questão dos pagãos, ou se mostram
interessados apenas em sua destruição final (Amós), enquanto que os mais recentes podem ver
um remanescente sendo salvo, dentre cada nação debaixo do sol.
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Quanto à predominância sacerdotal e a tendência ritualista que se afirma ser característica
dos tempos pós-exílicos, é necessário dizer apenas que tal característica pode aparecer em toda
época quando fenece a religião vital.
Que isso não era fenômeno desconhecido nos dias dos primeiros profetas pode ser visto
por Is 1.11-15. Portanto, há sólidas razões para apoiarmos a data antiga, tradicionalmente aceita,
para a profecia de Joel. Por mais imponentes e impressionantes que sejam os argumentos contra
essa posição, parecem envolver-nos cada vez mais, obrigando-nos a ajustar os fatos que
possuímos à teoria sobre uma data mais recente, o que cria mais e maiores dificuldades do que
aquelas que ficam resolvidas.
9.4. O Autor
No tocante ao próprio Joel, pouco sabemos além do fato que ele era filho do Petuel (1.1)
e que, com toda a probabilidade, ele vivia em Jerusalém. As muitas referências à cidade revelam
um grande amor a ela e íntimo conhecimento de sua história e adoração (1.14; 2.1,15,32; 3.1-
2,6,16-17,2021). "Joel", que significa "Jeová é Deus", era um nome favorito (1Sm 8.2; 1Cr 6.36;
7.3; 11.38; 15.7; 27.20). Pelas passagens de 1.13-14 e 2.17 pode-se deduzir que ele não era
sacerdote. Ele viveu e profetizou numa época quando o povo de Judá ainda não havia caído
naquela extrema depravação que, em tempos posteriores, atraiu contra eles tão pesados castigos.
Isso parece situá-lo ou no início do reino de Joás ou entre o reino de Joás e o de Uzias (2Rs
11.17-18; 12.2-16; 2Cr 24.4-14).
Provavelmente ele também era contemporâneo de Oséias e Amós e, assim eles se
dirigiam a Israel, ele se dirigia a Judá. Se esse foi o caso, provavelmente foi logo após o reino
idólatra de Atalia, a infame filha de um iníquo casal, Acabe e Jezabel (2Rs 11), quando, sob a
influência de Joiada (2Cr 23.16-21; 24.14,18), estava tendo lugar algo da natureza de um
reavivamento religioso.
9.5. Circunstâncias
Aconteceu de tal modo que, na providência de Deus, a terra ficou literalmente desolada
por uma praga de gafanhotos, havendo tal escassez de alimentos que provocou a descontinuação
das ofertas de alimentos e das libações na casa de Deus (1.13). "Mas, embora tal praga possa ter,
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a princípio, despertado extrema apreensão no profeta e impulsionado sua alma até às mais baixas
profundezas, depois de examinar suas palavras ficamos convencidos que elas se referem a uma
ansiedade vindoura ainda maior, uma incursão de adversários que infligiria terríveis assolações à
terra, deixando-a desolada e nua atrás de si, segundo haviam feito aqueles gafanhotos".
(WARREN, 1999 p. 437).
Joel apareceu em Jerusalém para declarar que aquela invasão de gafanhotos era um
quadro de uma visita de Deus, em ira e julgamento. Ele apelava em prol de um ato de
arrependimento nacional, uma festa solene (2.12), e exortava os líderes religiosos a mostrar bom
exemplo (2.15-17). Então profetizou o retorno do favor de Deus e da prosperidade da terra (2.18-
20), bem como a remoção de seus inimigos (2.21-27). Depois disso, de um modo que não tem
significação fora da inspiração divina, ele passou a descrever o derramamento do Espírito Santo
que se seguiria (2.28-32). No dia de Pentecoste, o veredicto de Pedro foi: "isto é o que foi dito
pelo profeta Joel" (At 2.16). Adiante, Joel é levado a profetizar sobre a destruição final de todos
os inimigos de Deus e de Seu povo (3.1-21).
9.6. Interpretação
A descrição acima, sobre o conteúdo do livro de Joel, pressupõe uma resposta a uma
pergunta que não é universalmente admitida. Joel estava descrevendo uma real praga de
gafanhotos, que então afligia a nação? Ou estava ele predizendo alguma praga semelhante que se
verificaria no futuro? Ou estava antes predizendo que nações circunvizinhas invadiriam a terra
do mesmo modo que a praga dos gafanhotos? Mesmo todas essas perguntas não exaurem as
linhas possíveis de interpretação. Resta a última pergunta a respeito dos gafanhotos, se eles
seriam ou não "gafanhotos escatológicos" e não históricos. Aqueles que afirmam ser esse o caso,
declaram que em Joel não temos o caso de uma histórica invasão de gafanhotos; mas que tudo é
ideal, místico e apocalíptico.
Pareceria, até mesmo para um leitor casual, que o primeiro capítulo, por exemplo, tem a
clara intenção de ser histórico. G. A. Smith declara que "seus simbolismos são por demais
vívidos, por demais reais, para terem natureza preditiva e mística. E a inteira interpretação
apocalíptica se esbarra no mesmo versículo que a interpretação alegórica, a saber, 1.16, no qual
Joel claramente fala de si mesmo como quem sofreu, juntamente com os ouvintes, por causa da
praga que descreve" (The Twelve Prophets, Vol. 2, p. 395). Por outro lado, "a linguagem do livro
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é muito agravada e ignominiosa para ser limitada à praga natural... sob o simbolismo dos
gafanhotos ele devia estar descrevendo alguma mais fatal agência da ira Deus contra Israel"
(ibid., p. 390).
Por conseguinte, parece óbvio que, na visitação real dos gafanhotos, o profeta viu a
aproximação de uma invasão de exércitos circunvizinhos. Os gafanhotos tinham vindo; as
invasões ainda viriam. Além disso, parece evidente que, por essas coisas sobre as quais o profeta
é impelido a falar, ele foi conduzido a referir-se aos juízos do "dia do Senhor", muito mais
perscrutadores que qualquer praga física. O livro, portanto, é parcialmente histórico e
parcialmente profético.
9.7. O Livro de Joel ante o Novo Testamento
Há dimensões tanto presentes quanto futuras em todas as aplicações de Joel no Novo
Testamento. Os dons do Espírito que começaram a fluir através do povo de Deus, no
Pentecostes, ainda se acham à disposição dos crentes (1Co 12.1—14.40). Além disso, os
versículos que precedem a profecia a respeito do Espírito Santo (isto é, a analogia da colheita
com as chuvas temporãs e serôdias, Jl 2.23-27) e os versículos que se seguem (isto é, os sinais
que se darão nos céus no final dos tempos, Jl 2.30-32) indicam que a profecia sobre o
derramamento do Espírito Santo (Jl 2.28,29) inclui não somente a chuva inicial no Pentecostes,
como também um derramamento final e culminante sobre toda a raça humana no final dos
tempos.
Vários versículos de Joel contribuem poderosamente à mensagem do Novo Testamento.
A profecia a respeito da descida do Espírito Santo (Jl 2.28-32) é citada especificamente por
Pedro em seu sermão no dia de Pentecostes (At 2.16-21), depois de o Espírito Santo ter sido
enviado do céu sobre os 120 membros fundadores da igreja primitiva, com as manifestações do
falar noutras línguas, da profecia e do louvor a Deus (At 2.4,6-8,11,17,18). Além disso, o convite
de Pedro às multidões, naquela festa judaica, a respeito da necessidade de se invocar o nome do
Senhor para ser salvo, foi inspirado (parcialmente) em Joel (Jl 2.32a; 3.14; ver At 2.2, 37-41).
Paulo também cita o mesmo versículo (ver Rm 10.13). Os sinais apocalípticos nos céus que,
segundo Joel, ocorreria no final dos tempos (Jl 2.30,31), não somente foram lembrados por
Pedro (At 2.19,20), mas também referidos por Jesus (e.g., Mt 24.29) e por João em Patmos (Ap
6.12-14). Finalmente, a profecia de Joel a respeito do julgamento divino das nações, no vale de
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Josafá (Jl 3.2, 12-14), é desenvolvida ainda mais no último livro da Bíblia (Ap 14.18-20; 16.12-
16; 19.19-21; 20.7-9).
9.8. Contribuições singulares
9.8.1. Ênfase do Dia do Senhor
Joel é conhecido como o profeta do dia do Senhor, por ter supostamente cunhado a frase
para o grande dia do julgamento das nações pelo Senhor. Entretanto, ele pode ter tomado a
expressão de Obadias que a usou vinte anos antes com referência ao futuro julgamento de Edom.
9.8.2. Profeta do derramamento do Espírito no pentecoste (2.28-32)
Tanto Pedro quanto Paulo usaram esse texto como uma profecia da dispensação cristã (At
2.16-21; Rm 10.13). Pedro usou-o para confirmar a validade do dom de línguas no Pentecoste;
Paulo usou-o para confirmar a validade da oferta de salvação pela fé a todo o mundo. Nenhum
deles afirmou que a profecia tinha sido totalmente "cumprida" no Pentecoste, mas que o
derramamento do Espírito fazia parte dela. A primeira parte foi evidentemente cumprida no
Pentecoste, isto é, o Espírito Santo foi derramado para a proclamação mundial da salvação
simplesmente pela invocação do nome do Senhor. A última parte, referente aos sinais divinos de
perturbações físicas no sol, lua e céu, não ocorreu naquela ocasião, mas acontecerá um pouco
antes do "grande dia da sua ira" (Ap 6.12-17).
É claro que Pedro citou integralmente a profecia no Pentecoste a fim de incluir a oferta
universal de salvação no final (Jl 2.32). Tal como a profecia da vinda do Messias em Isaías 9.6-7,
essa profecia da obra de graça do Espírito Santo e da obra do terrível julgamento tem duas fases,
largamente distanciadas.
9.8.3. Promessa de prosperidade material devida ao arrependimento (2.1827)
Joel dá uma ênfase especial aos benefícios físicos e materiais advindos do
arrependimento e obediência. Tal arrependimento, disse ele, removeria as pragas dos gafanhotos
e da estiagem e restauraria as bênçãos da chuva, boas colheitas e proteção contra os inimigos
(2.19-20). Essas promessas foram para Israel, não necessariamente para a Igreja do Novo
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Testamento. Os judeus achavam-se sob a aliança do Senhor e aqueles benefícios lhes tinham sido
prometidos como frutos da obediência (Lv 26.14-20; Dt 11.13-17). O objetivo do Senhor nessa
promessa a Israel era demonstrar sua soberania sobre toda a natureza como um testemunho tanto
para Israel como para as nações. Nenhuma aliança de "benefícios materiais" foi estabelecida com
a igreja. Tendo demonstrado cabalmente sua soberania em épocas anteriores, o Senhor apela para
a fé na sua Palavra estabelecida, independente de benefícios materiais (Mt 19.21; Lc 14.33). O
princípio universal de esplêndida colheita pela generosa semeadura é, certamente, sempre
aplicável. Mas a colheita pode ser reservada para o céu com as suas recompensas eternas (Pv
11.24; Lc 6.38; Gl 6.7-9).
9.8.4. Fazer do Senhor um aliado (2.16-18)
O versículo 17 é o ponto crucial do livro. Contém a oração de arrependimento
recomendada pelo Senhor para o povo, oração que muda a perspectiva do livro da adversidade
para a bênção. O versículo seguinte principia com "Então o Senhor..." e enumera as diversas
bênçãos que ele poderá dar-Ihes após o arrependimento. Deixaria de ser adversário para tornar-se
um aliado. Transformaria o seu infortúnio em prosperidade. O arrependimento verdadeiro faz de
Deus um defensor do penitente e torna-o capaz de receber as bênçãos divinas.
9.8.5. Cristologia em Joel
Joel, o "profeta do Espírito Santo", não faz muitas referências diretas ao Messias. Em
muitas declarações do Senhor como "Jeová" (YHWH), entretanto, ele fala como o Messias que
virá libertar e governar o seu povo na era messiânica: "Sabereis que estou no meio de Israel"
(2.27), "derramarei o meu Espírito sobre toda a carne" (2.28), "congregarei todas as nações (...)
entrarei em juízo contra elas" (3.2), "Levantem-se as nações, e sigam para o vale de Josafá;
porque ali me assentarei, para julgar" (3.12) e "Eu expiarei o sangue dos que não foram
expiados" (3.21; comparar com Jo 5.22). Apesar de indiretas, essas referências podem ser
consideradas messiânicas através das lentes dos textos posteriores.
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10. O LIVRO DE AMÓS
10.1. Esboço do Livro
Introdução (1.1-2)
I. Oito Oráculos de Julgamentos às Nações (1.3—2.16)
A. Damasco (1.3-5)
B. Gaza (Filístia) (1.6-8)
C. Tiro (Fenícia) (1.9,10)
D. Edom (1.11,12)
E. Amom (1.13-15)
F. Moabe (2.1-3)
G. Judá (2.4,5)
H. Israel (2.6-16)
II. Três Mensagens Proféticas a Israel (3.1—6.14)
A. O Pecado de Israel Torna-o Réu do Juízo Vindouro (3.1-15)
B. A Corrupção de Israel Está em Todos os Níveis (4.1-13)
C. O Justo Castigo de Israel Será a Destruição e o Exílio (5.1—6.14)
1. O Cântico da Morte (5.1-3)
2. Israel Recusa-se a Buscar ao Senhor (5.4-17)
3. A Religião Pervertida de Israel (5.18-27)
4. Repreensão e Ais contra Israel (6.1-14)
III. Cinco Visões da Retribuição Vindoura pelo Pecado (7.1—9.10)
A. Visão dos Gafanhotos Devoradores (7.1-3)
B. Visão do Fogo Consumidor (7.4-6)
C. Visão do Prumo (7.7-9)
D. Parêntese Histórico: Amazias e Seu Castigo (7.10-17)
E. Visão de um Cesto de Frutos de Verão (8.1-14)
F. Visão do Senhor Julgando (9.1-10)
Epílogo: Restauração Futura de Israel (9.11-15)
3.1. O fundo histórico
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Amós, um dos maiores dos chamados profetas "menores" (Cornill o chama de uma das
mais maravilhosas aparições na história do espírito humano), profetizou durante os dias de
Uzias, rei de Judá e de Jeroboão II, rei de Israel. É impossível determinar o ano exato de sua
profecia, mas provavelmente foi cerca de 760 a.C. A referência ao terremoto (1.1), que
evidentemente tinha sido memorável (cf. a alusão de Zacarias ao mesmo, em Zc 14.5, muito
tempo depois), não nos ajuda muito a fixar uma data absolutamente certa.
Em 803 A. C., Adade-Nirari III, da Assíria, infligiu uma esmagadora derrota sobre a
confederação síria. Esse enfraquecimento do vizinho nortista de Israel e subseqüente
preocupação da Assíria com outros locais, deu a Jeoás e a seu filho, Jeroboão II, uma supremacia
na parte norte da Palestina e na Síria provavelmente desconhecida por qualquer de seus
predecessores. Israel estava novamente livre para apropriar-se de novos territórios e isso fez com
o maior zelo, particularmente, às expensas da Síria. Todas as principais estradas estavam em suas
mãos e Samaria, a capital, se tornou ponto de encontro dos mercadores que viajavam entre a
Mesopotâmia e o Egito. Ali se juntavam as caravanas vindas de várias partes do mundo oriental
e Samaria se tornou o empório de mercadorias de toda espécie. As crescentes atividades
comerciais trouxeram a Israel enormes lucros e uma poderosa classe comerciante se
desenvolveu, o que teve largas repercussões sobre o resto dos habitantes.
Essa prosperidade comercial deu origem a um grande programa de edificação de "casa de
inverno" e "casa de verão" (3.15), bem como "casa de marfim". Samaria contava com muitos
palácios (3.10) que pertenciam não só ao próprio rei, mas aos ricos príncipes-comerciantes que
se tinham enriquecido no comércio. Essas grandes casas se tornaram, antes de muito tempo,
depósitos de toda espécie de luxos (3.12; 6.4). A oportunidade de enriquecer tornou os
comerciantes ansiosos para aumentar seus lucros, tanto por meios honestos como por artifícios
desonestos. Mostravam-se impacientes para com os sábados e as luas novas (8.5). Nesse tráfico
mundano eram impelidos por suas mulheres, que exigiam luxos cada vez maiores (4.1).
O ditado que "o dinheiro corrompe" foi verdadeiramente exemplificado no reino do norte
durante os dias de Jeroboão II. O desejo de riquezas teve resultados desastrosos, tanto para o
comerciante como para o pobre aldeão. Os ricos príncipes-comerciantes se tornaram
desmoralizados, corruptos e injustos; os pobres eram oprimidos, roubados e maltratados. Amós
pertencia à classe pobre dos aldeões e provavelmente sabia, por amarga experiência própria, a
que indignidades haviam sido sujeitados os pobres e oprimidos. Os ricos ficavam cada vez mais
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ricos e os pobres tornavam-se cada vez mais empobrecidos. Qualquer propriedade possuída pelo
pequeno proprietário tinha de ser vendida, devido à força bruta de circunstâncias adversas. Para
Amós, pois, não havia justiça na terra. Os que emprestavam dinheiro tomavam as próprias
roupas das pessoas para servirem de garantia pela dívida. Os juízes eram influenciados pelo
suborno e isso significava vitória para a injustiça e derrota para a verdade (8.6). Nenhuma
testemunha honesta podia ser encontrada nos tribunais. O homem honesto perdia o direito da
verdade, da propriedade e da vida. A piedade tornou-se uma qualidade rara e os pobres eram
mantidos com as costas na parede (2.6). O pequeno proprietário independente e o proprietário
aldeão lutavam numa batalha perdida. As áreas menores de terreno eram absorvidas nas
propriedades mais vastas.
No que dizia respeito à religião, os santuários de Betel e de Gilgal, especialmente o de
Betel, estavam apinhados de adoradores. A adoração a Baal certamente havia sido suprimida por
Jeú, o sucessor de Acabe, mas o espírito, se não a forma, havia permanecido nos santuários
autorizados, onde supostamente Jeová era adorado. Ali o opressor do pobre, o rico a regalar-se
em seus luxos, adorava com uma consciência embotada ou morta. Externamente tudo era feito de
conformidade com a regra, mas não havia verdadeira adoração segundo a compreendemos hoje.
Israel tinha cessado de viver perante Deus, tal como havia acontecido no deserto, sob Moisés, e
agora estava meramente existindo para Deus. Os santuários talvez estivessem apinhados de
adoradores, mas Deus não se achava presente. A superstição e a imoralidade tinham tomado o
lugar da piedade e da sinceridade. A religião estava totalmente divorciada da conduta e passou-se
algum tempo antes que Israel pudesse entender que essas duas coisas devem seguir paralelas.
O reino de Jeroboão, portanto, era uma terra de extremos contrastantes: os ricos eram
muito ricos e os pobres eram muito pobres. Sob tais condições era inevitável que crescessem a
insatisfação e o desassossego. Conforme ficou demonstrado pelos acontecimentos subseqüentes,
o país estava maduro para a guerra civil. Após a morte de Jeroboão houve três reis no espaço de
um ano. Revolução seguia-se a revolução e no período de alguns poucos anos uma parte do reino
de Israel havia desaparecido, enquanto que o restante se mantinha numa independência precária,
dependendo da boa vontade da Assíria. Tais condições sociais não podiam prolongar-se
indefinidamente; de fato, tinham em si mesmas a sentença de morte. Amós foi um daqueles
homens que perceberam o fato. Ele percebeu a negra nuvem de julgamento surgir no horizonte.
Havia forças sociais, morais e políticas em operação que realizariam a vontade de Deus e
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executariam o juízo que já tinha sido decretado. Israel, efetivamente, "um cesto de frutos de
verão" e seu fim não podia ser adiado (8.2).
10.2. O Profeta
Amós era nativo de Tecoa, uma pequena cidade cerca de dez quilômetros de Belém. Não
era cortesão como Isaías, nem sacerdote como Jeremias, mas pastor e cultivador de sicômoros.
Por meio das comparações que ele freqüentemente empregou, fica claro que ele estava plena e
pessoalmente familiarizado com as dificuldades e perigos da vida de boieiro. A vida lhe era
difícil e havia pouco luxo. Por outro lado, seu negócio o levava certamente a cidades e mercados
importantes onde, sem dúvida, se encontrava com caravanas de muitas terras. Um homem de seu
calibre sempre mantém os ouvidos abertos para as notícias sobre homens e seus feitos em outros
lugares. Isso explica seu surpreendente conhecimento sobre outras terras e outros povos.
Conforme mostram os capítulos iniciais de seu livro, ele sabia muita coisa sobre a história, as
origens e feitos das nações circunvizinhas. Devido a tais experiências e moldado por sua
observação pessoal e condições na terra desenvolveu-se ele como homem duro e severo, grande
combatente, legítimo campeão dos pobres.
Embora não pertencesse à linha de profetas, nem à escola de profetas, foi chamado, à
semelhança de Eliseu, das atividades diárias de seus deveres para a dignidade do ministério
profético. Não havia dúvidas em sua mente, nem deixava ele qualquer dúvida na mente de outros
homens, que havia sido chamado por Deus, assim como Moisés tinha sido chamado, quando
ocupado em tarefa semelhante à sua. Para Amós seu caso não foi que se tornou profeta a fim de
ganhar a vida; mas se tratava de abandonar suas atividades para tornar-se profeta. Ele não fazia
tentativa para esconder sua vida passada ou emprego e não se envergonhava de tornar conhecido
seu nascimento humilde. O fogo de Deus queimava em sua alma e, à semelhança do apóstolo
Paulo, séculos mais tarde, bem poderia ele ter dito "Ai de mim se eu não falar". Ele via a
corrupção, o pecado e a vergonha do povo a quem Deus havia tirado do Egito e não podia fazer
silêncio. A vereda para a qual foi chamado a palmilhar não era de sua escolha. O Deus das
extremidades da terra, com Quem ele tinha comungado freqüente e longamente na solidão do
deserto de Tecoa, tinha uma mensagem a Seu povo rebelde do norte e era por intermédio de
Amós que essa mensagem de justiça e julgamento devia ser anunciada.
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10.3. A mensagem do profeta
A mensagem de Amós era de julgamento e punição quase sem alívio. Embora nos
últimos poucos versículos do livro relampejem algumas notas de otimismo, revelando a largueza
da misericórdia de Deus através do trono davídico restaurado, a mensagem inteira, todavia, desse
intrépido mensageiro de Deus, precisa ser incrustada no contexto de desastre iminente.
Certamente que ele não agradava aos ouvidos populares, mas mantinha os olhos na mensagem
divina que lhe cumpria proclamar. Pecado nacional conduz a julgamento nacional e quanto
maiores o privilégio e a oportunidade de uma nação, maior também deve ser seu julgamento.
Tanto quanto dizia respeito ao Israel de Jeroboão, externamente tudo parecia estar em
ordem, mas a condenação estava prestes a cair sobre todos. Assim como um leão se prepara para
saltar sobre a presa, igualmente Jeová estava pronto para visitar seu povo com julgamento. A
terra inteira sentiria o impacto desse julgamento. Por muitas e muitas vezes Israel havia sido
advertida, mas sem o menor proveito. Quando o povo continua a desviar os ouvidos da vontade
de Deus, então tem de arcar com as conseqüências.
Em adição à corrupção moral que havia resultado em opressão social e em injustiça legal,
havia a questão dos falsos santuários de Betel e Gilgal. Pois Deus abomina tão asquerosos
rituais. Ele não tolerava suas festas, seus festivais e suas ricas ofertas. Pois tudo não passava de
zombaria; tudo era estranho para Ele. No deserto, nos dias passados, nada disso havia. Qual a
dose de influência era exercida sobre Amós, para ele ser contrário à adoração em Betel e Gilgal,
pelo fato de ser ele do sul, não precisamos interrogar agora. Pouca dúvida pode haver, contudo,
que tais santuários, estabelecidos pouco depois da divisão do reino salomônico, eram
considerados, por todos verdadeiros "ortodoxos" do reino do sul, como abominações contra o
Senhor. Tais santuários, anuncia o profeta, serão totalmente destruídos. Jeová já se encontrava ao
pé do altar (9.1-4) e arruinaria totalmente o local.
Para esses pecados expressos para com o homem por meio da opressão social e da
injustiça, e para com Deus por meio das abomináveis práticas de Betel e Gilgal – só podia haver
um resultado – Israel ser completamente rejeitada. Se o privilégio é a medida da
responsabilidade, então a rebelião de Israel era imperdoável. Deus havia tirado Israel do Egito,
tinha-o guiado pelo deserto e havia-lhe dado possessão de uma terra boa, além de ter posto
profetas em seu meio. O castigo para sua transgressão devia ser proporcional à sua gravidade;
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portanto, Israel seria totalmente rejeitado. O fato que Jeová tinha tirado Israel do Egito agora não
significaria mais que os outros fatos que retirara os filisteus de Creta e os sírios de Quir. A
sentença já havia sido decretada e o julgamento seria executado prontamente. Como o carro de
uma eira, assim Ele esmagaria a nação inteira (2.13-16).
A mensagem de Amós se fundamenta na firme convicção que Jeová é Deus de justiça.
Essa justiça está em conflito com a injustiça do homem e havia-lhe declarado guerra. O resultado
desse conflito seria o juízo mais severo possível contra o homem. O ensino de Amós é de caráter
ético, mas, tal como os outros profetas do oitavo século antes de Cristo, ele não baseava seu
ensino sobre o que havia de bom e reto no homem, mas sobre o que sabia sobre a natureza de
Deus. Para Amós, portanto, o "pecado" é mais que a mera transgressão, mais que o mero lapso
moral em vista de algum código estabelecido; é rebelião contra Deus. Israel estava em relação de
aliança com Jeová. Essa relação impunha-lhe deveres e seu pecado consistia em haver repudiado
os deveres inerentes a essa relação divino-humana. Israel se havia rebelado contra Jeová.
Embora cidadão do reino do sul, a mensagem de Amós era dirigida para e contra o reino
do norte. De fato, ele foi o último profeta enviado ao reino do norte. No todo, bem pouco ele diz
sobre seu próprio povo. Esse silêncio, contudo, não deve ser entendido como a querer ensinar
que o reino do sul estava livre daqueles pecados que o profeta via no norte e que tão
veementemente denunciava. Ele fora chamado para falar a Israel, que estava maduro para o juízo
e se confinou quase exclusivamente a essa parte da nação.
Mas Amós também tinha algo a dizer sobre as nações circunvizinhas. Se condenava
Israel por pecar contra uma lei que Deus lhe tinha tornado conhecida, por outro lado aplicava um
padrão bem diferente para as nações que não estavam em relação de aliança com Deus. O que
Amós via nas nações circunvizinhas era o espetáculo, capaz de partir o coração, de uma
crueldade que ignorava todos os direitos humanos, que negava toda compaixão e que tornava as
relações entre as nações semelhantes às lutas entre as feras. Para qualquer lado para onde o
profeta olhasse, havia sempre algo ausente, a piedade natural do homem para com seu
semelhante. E o que tornava pior a situação era a vantagem trivial que tal conduta proporcionava.
Gaza vendeu uma vila inteira à escravidão para ganhar algum dinheiro. O rei de Moabe queima
os ossos de um inimigo para satisfazer seus desejos de vingança. E assim continua a história. O
senso de amizade do homem com o homem havia desaparecido. Tal mundo não podia continuar,
pois a própria base de sua continuação já não existia.
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Embora Amós não tivesse treinamento acadêmico, não foi ultrapassado por nenhum de
seus sucessores no que diz respeito a vivacidade, vigor e simplicidade de linguagem. Seu estilo é
simples, mas cheio de energia e elegância. O professor Robertson Smith defende Amós como
mestre de puro estilo hebraico. Os termos que empregou eram todos familiares para seus
contemporâneos, pois suas observações são todas derivadas da vida diária. Nenhum outro profeta
nos forneceu tais metáforas tiradas da natureza com uma variedade tão fresca, vívida e variada.
Ele se refere aos trilhos de ferro de debulhador (1.3), à tempestade (1.14); aos cedros e carvalhos
com suas profundas raízes (2.9); ao leão faminto a rugir na floresta (3.4); à ave apanhada ao laço
(3.5); ao pastor que sai em socorro da ovelha (3.12); aos anzóis e redes do pescador (4.2); às
chuvas parciais (4.7); ao bolor e à ferrugem, às colinas e ventos ao nascer do sol, às estrelas, aos
criadores lamentosos, aos terremotos, aos eclipses, ao grão peneirado numa peneira, ao refugo do
trigo, às tendas consertadas etc.
Tal foi esse grande profeta "menor". Vivendo perto de Deus ele conhecida a vontade do
Senhor e tinha Sua mensagem. Embora não gozasse de popularidade, como de fato aconteceu a
quase todo profeta de Israel, ele proclamava com zelo imorredouro a mensagem que Jeová lhe
tinha confiado, pois, juntamente com Martinho Lutero, Amós poderia ter dito: "Não posso fazer
outra coisa; portanto, ajuda-me, ó Deus".
10.4. Cumprimento de Amós ante o Novo Testamento
A mensagem de Amós é vista mais claramente nos ensinos de Jesus e na epístola de
Tiago. Ambos aplicaram a mensagem do profeta, mostrando que a verdadeira adoração a Deus
não é a observância meramente formal da liturgia religiosa: é o “ouvir” e o “praticar” a vontade
de Deus, e o tratamento justo e reto ao próximo (Mt 7.15-27; 23; Tg 2). Além disto, tanto Amós
quanto Tiago enfatizam o princípio de que a “religião verdadeira exige comportamento correto”.
Finalmente, Tiago cita Am 9.11,12 no Concilia de Jerusalém.
10.5. Contribuições Singulares de Amós
10.5.1. A ênfase na justiça social
Nenhum profeta clamou contra a injustiça com mais eloqüência do que Amós. O
versículo-chave do livro tornou-se um clássico da justiça: "Corra porém o juízo como as águas e
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a justiça como o ribeiro impetuoso" (5.24). Apesar de sua cruzada ter sido realizada em Betel,
santuário da adoração do bezerro, Amós praticamente não mencionou esse pecado da nação ao
proclamar a ira de Deus contra a violação dos direitos humanos e exploração dos pobres (5.6-
20). Enfatizou a grande preocupação divina pela moral. Ritual sem justiça não é religião divina,
mas um perigoso desvio do caráter e verdadeiro objetivo dessa religião para com os homens. Nos
seus muitos julgamentos, o profeta enfatizou que qualquer nação, ao violar os conceitos morais e
sociais divinos e entregar-se à exploração do pobre, está fadada à prematura destruição
(1.5,8,10,12,15; 2.3,5,14-16 etc.).
10.5.2. O Profeta do dia de Juízo (4.12)
"Prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus" foi a mensagem clara e franca
de Amós. No resplendor da paz e prosperidade de Israel, ele anunciou um julgamento prestes a
vir. Sua mensagem foi quase implacável ao enfatizar a condenação divina. Embora oferecesse
misericórdia aos que reagissem favoravelmente (5.4,6,14), o profeta declarou que a nação em si
já não tinha perdão e o julgamento era agora inevitável. Esse aviso e a intimação de Deus não
foram entregues por um profeta local (tal como Jonas, que também profetizou naquela ocasião),
mas por um profeta de fora comissionado especificamente para essa missão. Sem aviso prévio,
apareceu na cidadela religiosa de Israel a fim de despertar os lideres. Sua mensagem foi
penetrante e clara: Deus os chamava, para prestação de contas e o dia do juízo estava
estabelecido. O leão destruidor já rugira (3.8; 4.12; 5.27).
O rústico profeta do interior (7.14)
Como Miquéias, que profetizou em Judá 20 anos depois, Amós foi um rústico profeta
oriundo de uma fazenda onde criava gado. Apesar de o seu estilo ser muito elegante e vigoroso,
sua maneira de falar era na realidade rústica. As palavras e símbolos por ele empregados eram os
de um homem da lavoura, tais como lavrar, pomar, vinha, ceifa, gafanhotos etc. Quanto ao modo
de falar, Amós parecia-se com o primeiro grande profeta de Israel, Elias, oriundo das colinas de
Gileade. Esteve também à frente de uma longa fila de profetas e pregadores que lidaram com a
terra, homens comissionados por Deus para o serviço profético de despertar a elite arrogante e
comodista para a realidade de um ajuste de contas prematuro perante Deus. João Batista foi o
último profeta desse grupo.
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10.5.3. Profeta organizado classicamente
Nenhuma profecia é tão bem estruturada como a de Amós. Sua mensagem desenvolve-se
do geral para o particular, vindo em seguida os detalhes. Primeiro ele apresenta o julgamento de
Deus sobre Israel, e em seguida chama a atenção do povo para a necessidade desse julgamento,
levando a nação a concordar sobre a necessidade de o golpe ser desferido. O livro traça, de
muitas maneiras, um esboço do que vai ser dito a seguir, parte por parte. Os capítulos 1-2 são
entrecortados oito vezes pela expressão "Assim diz o Senhor", que serve para dividir suas
mensagens. Os capítulos 3-5 usam três vezes a frase introdutória "Ouvi a palavra", enquanto que
os capítulos 7-8 apresentam as visões com a expressão "O Senhor Jeová assim me fez ver". O
profeta lida com Israel como se este fosse "fruto de verão" (frutos excessivamente maduros, 8.1 e
ss.), mas pronuncia os julgamentos com muito equilíbrio.
10.5.4. Esclarecimento sobre o Dia do Senhor (5.18)
Como Joel fizera 60 anos antes, Amós enfatizou o dia vindouro do Senhor. Porém, ao
contrário de Joel, apresentou-o como um "dia de trevas e não de luz" (5.18). O julgamento
destruiria não apenas os pagãos (o que seria aplaudido por Israel), mas também os pecadores
israelitas. Era esse um esclarecimento essencial para todos eles, já que interpretavam sua aliança
com o Senhor como uma espécie de imunização contra calamidade ou julgamento Jl 3.12-16).
Para a cidadela religiosa do norte, o profeta Amós era um intruso a sacudi-los com a revelação
de que o Senhor não é um Deus parcial que se deixa influenciar por pessoas. Ele julga
desumanidade, injustiça social e corrupção religiosa onde quer que se encontrem. Os religiosos
pecadores, por terem um conhecimento maior, serão julgados com muito mais severidade do que
os de menos luz ou revelação (5.21-24).
10.5.5. Apresentação das visões simbólicas (1.1)
Amós foi o primeiro profeta a empregar visões simbólicas nas declarações proféticas.
Muitos profetas posteriores falaram de revelações semelhantes, tais como os Profetas Maiores e
Zacarias. O poder das visões simbólicas de Amós pode ser ilustrado por sua primeira visão em
1.2. Ela foi a base do julgamento das nações da Palestina nos capítulos 1 e 2. Nela está declarado
que o Senhor rugiria sobre Sião e Jerusalém, e toda a terra, desde os pastos de Tecoa até o cume
do monte Carmelo no norte, estremeceria e se lamentaria. O símbolo do rugido do Senhor, como
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um leão ruge por uma presa, é apresentado em muitas outras passagens do livro, e enfatiza a
iminência do julgamento vindouro. A visão final do Senhor com o grupo de destruição em Betel
junto ao altar completa o ciclo, demonstrando onde começará a demolição divina, e que não
haverá esconderijos que possam escondê-los, mesmo "no cume do Carmelo" (9.1-3). Cada
símbolo, apresentado de maneira notável, é suficiente para que qualquer pessoa entenda e fique
atemorizada.
10.5.6. Cristologia de Amós (9.11-15)
As contribuições messiânicas do livro são reservadas para os últimos quatro versículos,
que descrevem a futura restauração de Israel.
(a) O tabernáculo caído de Davi será levantado (11). É um reconhecimento prematuro de
que a casa de Davi cairia e seria mais tarde levantada para possuir todas as nações. O
levantamento do "tabernáculo davídico" significava o novo estabelecimento do trono para que a
justiça e a benignidade fossem praticadas (Is 16.5), o que sugere o aparecimento do Messias.
(b) Naquele dia o Senhor (Messias) restaurará Israel do cativeiro, reconstruirá para
sempre as cidades e fará um plantio, a fim de gozar da colheita. Todo o texto foi escrito com a
ênfase do Senhor na primeira pessoa e no futuro "Eu" farei. Como o julgamento será orquestrado
pelo próprio Senhor (9.1-8), do mesmo modo ele cuidará pessoalmente da reconstrução (9.915).
11. O LIVRO DE OBADIAS
11.1. Esboço do livro
I. O Juízo de Edom (1-14)
A. A Destruição Que Virá sobre Edom (1-4)
B. A Devastação Será Completa (5-9)
C. Motivo: A Alegria de Edom pelas Aflições de Judá (10-14)
II. O Dia do Senhor (15-21)
A. Julgamento de Edom e Outras Nações (15,16)
B. O Lugar de Israel no “Dia do Senhor” (17-21)
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1. Salvação para Israel (17,18a)
2. Destruição para Edom (18b)
3. As Fronteiras de Israel Alargadas Como Parte do Reino de Deus (1921)
11.2. Autoria
O título desta breve profecia – o livro mais curto do Antigo Testamento – é: "Visão de
Obadias". Quem tenha sido Obadias, não possuímos meios para saber. Seu nome significa "servo
de Jeová" e diversos personagens têm esse nome no Antigo Testamento, mas nada existe para
ligar este profeta com quaisquer dos outros Obadias. Quanto ao emprego do termo "visão", para
descrever o conteúdo da profecia, e que lança luz sobre o modo pelo qual o profeta recebeu sua
mensagem, compare-se com os versículos iniciais de Isaías, Ezequiel, Amós, Miquéias, Naum a
Habacuque; ver também Nm 12.6.
Esta profecia fala sobre "Edom". Edom é denunciada por seu orgulho, especialmente por
sua falta de bondade fraternal para com Judá, e seu julgamento, no dia de Jeová, é predito
juntamente com o de todas as outras nações.
11.3. Considerações preliminares
No livro do profeta Obadias não é mencionada a sua genealogia, nem outro pormenor a
seu respeito. Obadias é um nome bastante comum, e significa “servo do Senhor”. Doze ou treze
pessoas com tal nome são mencionadas na Bíblia (1Rs 18.3-16; 2Cr 17.7; 34.12,13).
Dependemos da data desta profecia para sabermos se o Obadias que escreveu este livro é citado
noutra parte do Antigo Testamento.
Como nenhum rei é mencionado, não sabemos com certeza a data em que foi escrito. A
única alusão histórica diz respeito a uma ocasião em que os edomitas regozijaram-se com a
invasão de Jerusalém, e até mesmo tomaram parte na divisão dos despojos (vv. 11-14). Não fica
claro, porém, qual invasão Obadias tinha em mente. Houve cinco invasões de monta contra a
cidade santa durante os tempos do Antigo Testamento: de Sisaque, rei do Egito, em 926 a.C.,
durante o reinado de Roboão (1Rs 14.25,26); dos filisteus e árabes no reinado de Jorão, entre 848
e 841 a.C. (2Cr 21.16,17); do rei Jeoás de Israel no reinado de Amazias, em 790 a.C. (2Rs
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14.13,14); de Senaqueribe, rei da Assíria, no reinado de Ezequias, em 701 a.C. (2Rs 18.13); dos
babilônios entre 605 e 586 a.C. (2Rs 24;25).
Acredita-se que Obadias tenha profetizado em conexão com a segunda. A destruição de
Jerusalém por Nabucodonosor parece a menos provável, porque não há nenhum indício, no livro,
da destruição completa de Jerusalém ou da deportação de seus habitantes. Os profetas que se
referem à destruição de Jerusalém identificam sempre o inimigo como sendo Nabucodonosor, e
não simplesmente “forasteiros” e “estranhos” (v. 11). Sendo assim, a ocasião da profecia de
Obadias é mais provavelmente a segunda das cinco invasões, quando filisteus e árabes reuniram-
se para pilhar a cidade. Por essa época, os edomitas, que se achavam sob o controle de
Jerusalém, já haviam consolidado sua liberdade (2Cr 21.8-10). Seu júbilo, motivado pela queda
de Jerusalém, fica bem patente e compreensível. Levando-se em conta que o período do reinado
de Jorão vai de 848 a 841 a.C., e que a pilhagem de Jerusalém já era realidade, considera-se 840
a.C. uma data provável à composição da profecia. Parte do contexto da profecia relembra Gn
25.19-34; 27.1—28.9, isto é, a longa rivalidade entre Esaú (pai dos edomitas) e Jacó (pai dos
israelitas). Embora leiamos em Gênesis a respeito da reconciliação entre ambos os irmãos (Gn
33), o ódio entre seus descendentes irrompia freqüentemente em guerras no decurso da história
bíblica (cf. Nm 20.14-21; 1Sm 14.47; 2Sm 8.14; 1Rs 11.14-22). Em consonância com suas
hostilidades, os edomitas regozijaram-se com as adversidades de Jerusalém.
11.4. Edom e Judá
O ancestral epônimo dos edomitas foi Esaú (Gn 36.1,8-9). Suas relações com seu irmão
gêmeo, Jacó, pai da Judá, são descritas em Gn 25-36. Desde quando as crianças lutavam no
ventre de sua mãe, foi-lhe dito pelo Senhor que “Duas nações hão no ventre... e o maior servirá
ao menor" (Gn 25.22 e segs.). Subseqüentemente, Esaú é pintado como alguém que "por um
manjar vendeu o seu direito de primogenitura" (Hb 12.16), mostrando-se insensível para os
valores espirituais. Nasceu dentro da aliança, mas falhou em apreciar o privilégio que lhe
pertencia por direito de nascimento, deixando igualmente de receber as bênçãos acompanhantes.
A estima em que Deus tinha Jacó e Esaú, respectivamente, é sucintamente expressa na
declaração: "Amei a Jacó, e aborreci a Esaú" (Ml 1.2 e segs.; cf. Rm 9.13).
Os Herodes, do Novo Testamento, eram edomitas, e eram fiéis ao seu caráter. Note-se
como se mostravam insensíveis para a verdade espiritual, especialmente quando ela se mostrou
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corporificada em Jesus Cristo, a perfeita representação do Jacó e Judá (Ver. esp., Mt 2; Lc 13.31
e segs.; 23.8 e segs.; At 12.21 e segs.). Gn 36.8 nos relata que "Esaú habitou na montanha de
Seir". O monte Seir é freqüentemente usado como sinônimo para a nação inteira de Edom, a qual
se tornou a terra dos descendentes de Esaú. Edom é a área diretamente ao sul do mar Morto,
especialmente a região montanhosa ao leste da Arabá (isto é, a depressão que liga o mar Morto
ao Golfo de Acaba). A porção sul de Edom é a região de Temã, a qual, algumas vezes, também é
usada, no Antigo Testamento, como sinônimo para toda Edom; e as duas principais cidades de
Edom são Bozra e Sela (Petra); esta última significa "rocha", tanto no hebraico como no grego.
De Eziom-Geber, no golfo de Acaba, saía o "caminho do rei", que atravessava Edom até o norte.
Era ao longo desse caminho que Moisés queria levar os filhos de Israel. O relato sobre a recusa
de Edom, não dando a necessária permissão para tal, se encontra em Nm 20.14-21 (cf. Dt 2.1-
18). O antagonismo continuou mesmo depois dos israelitas se terem estabelecido em Canaã (ver,
por exemplo, 2Sm 8.14; 2Rs 14.7; 2Cr 28.17), e encontramos os profetas a denunciar Edom
constantemente. Quanto às principais profecias contra Edom, ver Is 34.5; Jr 49.7-22; Lm 4.21 e
segs.; Ez 25.12-14; 35; Jl 3.19; Am 1.11 e segs. Um vívido quadro de julgamento a visitar Edom,
nos é dado em Is 63.1-6, e algum tempo mais tarde encontramos uma olhada para a passada
destruição de Edom em Ml 1.2-5. Houve recrudescências do poder e da influência de Edom após
o encerramento do período do Antigo Testamento, mas, hoje em dia, as notáveis ruínas de Petra
são tudo quanto resta da grandeza de Edom.
Quanto à participação de Edom no saque de Jerusalém, em 586 a.C., ver especialmente
Ez 35.5,12,15 e Sl 137.7. Essa participação de Edom não é mencionada nos livros históricos,
embora facilmente possa ser encaixada ali, como, por exemplo, nos assaltos saqueadores
descritos em 2Rs 24.2.
Esaú e Edom ocupam um lugar de profunda significação na revelação divina da verdade.
Essa significação é focalizada agudamente nesta breve profecia de Obadias. "O pano de fundo do
quadro que nos é exposto por Obadias é Jacó; o primeiro plano é Esaú. Jacó e os que dele
descenderam são vistos a passar pelos sofrimentos, da natureza de castigo, mas daí seguem para
a restauração final. Esaú é contemplado como um orgulhoso, um rebelde, um desafiador,
encaminhando-se para a destruição final" (G. C. Morgan). Podemo-nos regozijar que, no dia do
Senhor, "o reino será do Senhor", mas não devemos deixar de acatar o exemplo de Esaú, pois,
afinal de contas, "Não foi Esaú irmão de Jacó?" (Ml 1.2). Em o Novo Testamento, o escritor do
livro de Hebreus nos exorta a "Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de
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que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem...
profano, como Esaú... Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi
rejeitado, porque não achou lugar do arrependimento..." (Hb 12.15 e segs.).
11.5. O Livro de Obadias ante o Novo Testamento
Embora o Novo Testamento não se refira diretamente a Obadias, a inimizade tradicional
entre Esaú e Jacó, que subjaz a este livro, também é mencionada no Novo Testamento. Paulo
refere-se à inimizade entre Esaú e Jacó em Rm 9.10-13, mas passa a lembrar da mensagem de
esperança que Deus nos dá: todos os que se arrependerem de seus pecados, tanto judeus quanto
gentios, e invocarem o nome do Senhor, serão salvos (Rm 10.9-13; 15.7-12).
11.6. Contribuições singulares de Obadias
11.6.1. O triste destino do filho favorito de Isaque
O livro refere-se ao destino final dos filhos gêmeos de Isaque e Rebeca, cujo casamento
foi um dos mais célebres da Bíblia (Gn 24.) Todavia, a ênfase do livro está em Esaú, por
intermédio de quem Isaque insistia que a bênção continuasse, apesar de Deus já ter selecionado
Jacó (Gn 25.23.) A preferência de Isaque por Esaú parecia ser a melhor escolha, de
conformidade com as atividades de ambos em Gênesis. Mas a história decorrente de
independência, vingança e violência dos descendentes de Esaú demonstram o perigo das
escolhas humanas em oposição às divinas.
11.6.2. Uma lição sobre o perigo de rancor na família (10-12.)
Apesar de descenderem de dois irmãos gêmeos, as nações de Edom e Israel tornaram-se
inimigas rancorosas e implacáveis. Essa inimizade começou muito antes com uma "raiz de
amargura" que se tornou uma inimizade mútua, nacional, jamais reconciliada (Hb 12.15-17.)
Ironicamente, começou num lar piedoso, onde o favoritismo foi demonstrado pelos pais, e
provocou intensa rivalidade entre os rapazes e amarga contenda entre os seus descendentes (Gn
25.28 e ss.; 27.41.) Aquela inimizade no seio de uma família ainda produz manchetes
internacionais no Oriente Médio, lembrando-nos do princípio afirmado por Tiago: "Vede como
uma fagulha põe em brasas tão grande selva" (Tg 3.5).
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Livro pequeno com grande prólogo (Gn 25.23; Is 63.1; Ml 1.4.)
A mensagem do livro não pode ser apreciada adequadamente sem o pleno conhecimento
do passado. Obadias não é apenas o menor livro do Antigo Testamento, mas provavelmente
também o de mais longa introdução. A seguir, alguns pontos culminantes da história de Edom:
(a) A história começa com a disputa entre os irmãos gêmeos, na qual Jacó e sua mãe
planejam arrancar de Esaú o seu direito de primogenitura e bênção (Gn 25, 27).
(b) A inimizade e amargura de vinte anos diminuiu um pouco quando Jacó teve um
encontro com Deus, ao voltar de Padã-Arã (Gn 32, 33).
(c) Sua inimizade tornou-se nacional quando Israel voltou do Egito, apesar de o Senhor
ter ordenado a Israel que não se vingasse (Nm 20.14-21; Dt 2.5).
(d) Essa inimizade entre Israel e Edom continuou por 1000 anos, de Moisés a Malaquias,
envolvendo muitas escaramuças de menor importância.
(e) Os edomitas foram condenados por muitos profetas: Nm 24.18-19; Is 11.14; Jr 49.7-
22; Ez 25.12-14; Jl 3.19; Am 1.11-12; Ml 1.3-4.
(f) Mateus apresenta a história de Jesus em Mateus 1-2 com o registro da intensa
inimizade de Herodes, o edomita, que se tinha tornado rei de Israel. Aquela inimizade pode ser
notada em diversas gerações da dinastia herodiana: Herodes, o Grande, procurou assassinar a
Jesus (Mt 2.16); Herodes Antipas tinha assassinado a João Batista, procurado matar a Jesus, e
humilhou-o cruelmente no julgamento da sua morte (Mt 14.10; Lc 13.31; 23.11); Herodes
Agripa I matou a Tiago e tentou matar a Pedro (At 12.1 e ss.).
(g) A nação de Edom (Iduméia), como Israel, extinguiu-se depois da invasão e expurgo
romanos em 70 d.C., sendo que os romanos incorporaram-na à Arábia Pétrea.
(h) Os edomitas são evidentemente muito criticados pelos profetas devido à sua renovada
preeminência nos últimos dias, pois serão eles os inimigos que o Messias destruirá quando vier
em julgamento (Is 34.18; 63.1-4; Ml 1.4).
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(i) Essa destruição final será completa e perpétua, embora outros antigos vizinhos de
Israel sejam restaurados (Is 19.23-25; Jr 49.13; Ez 35.9; Ob 9; Ml 1.4).
Obadias é a síntese do último capítulo da história, como se fosse à conclusão dos livros
sobre Edom. Foi um povo que podia ter se tornado grande, tendo sido dotado de rara sabedoria e
força, mas "vendeu o seu direito de primogenitura" por desprezar a Palavra de Deus e o povo
escolhido por Deus. Os edomitas permitiram que um antigo ciúme se transformasse em amargura
e vingança, incorrendo no eterno julgamento divino. São extremamente raros os edomitas de
renome, tais como Doegue, que matou os sacerdotes de Nobe, Hadade, inimigo de Davi, e
Herodes, que tentou matar o Messias (1Sm 22.18; 1Rs 11.14 e ss.; Mt 2.16).
12. O LIVRO DE JONAS
12.1. Esboço do Livro
I. Primeira Chamada de Deus a Jonas (1.1—2.10)
A. Chamada de Jonas: “Vai à Nínive” (1.1-2)
B. Desobediência de Jonas (1.3)
C. Conseqüências da Desobediência de Jonas (1.4-17)
1. Para os Outros (1.4-11)
2. Para Si Mesmo (1.12-17)
D. A Oração de Jonas no Meio da Calamidade (2.1-9)
E. O Livramento de Jonas (2.10)
II. Segunda Chamada de Deus a Jonas (3.1—4.11)
A. A Chamada de Jonas: “Vai à Nínive” (3.1,2)
B. A Missão Obediente de Jonas (3.3,4)
C. Resultados da Obediência de Jonas (3.5-10)
1.Os Ninivitas Arrependem-se (3.5-9)
2.Os Ninivitas Poupados do Juízo Divino (3.10)
D. A Queixa de Jonas (4.1-3)
E. A Repreensão e a Lição de Jonas (4.4-11)
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O livro de Jonas gira inteiramente em torno das relações pessoais entre Jeová e Seu servo,
Jonas, filho de Amitai. Essas relações se originam numa comissão profética, da qual Jonas
procurou evadir-se. Jonas descobriu que os pensamentos de Deus não eram os seus pensamentos
e que seus caminhos não eram os caminhos de Deus. Mas Deus não deixou Jonas sozinho. Na
primeira metade da história, Deus permite que Jonas chegue ao extremo de quase perder a
própria vida, somente para em seguida restaurá-lo à posição onde ele se encontrava antes dele
tentar, por meios físicos, evitar o mandado de Jeová. Na segunda metade da história o Senhor
permite que Jonas chegue ao extremo da depressão mental e espiritual, somente para revelar a
ele a correção essencial de Seus misericordiosos propósitos.
12.2. A mensagem e sua forma
A forma deste livro é a de uma peça de narrativa biográfica, semelhante (quanto ao estilo,
linguagem, atmosfera e elementos miraculosos) a diversos incidentes de 1 e 2 Reis,
concernentes, a Elias e Eliseu, os quais, realmente, foram predecessores imediatos de Jonas
como profetas no reino do norte, Israel; e eles, à semelhança de Jonas, realizaram parte de seu
trabalho em relação a povos pagãos -Elias à Sidônia, e Eliseu à Síria, enquanto que Jonas em
relação a Nínive.
A história de Jonas, entretanto, não é simplesmente um incidente isolado na história
profética de Israel que facilmente poderia ser encaixada nos livros de Reis, onde o ministério de
Jonas é mencionado (2Rs 14.25). Mas sua mensagem é distinta e cada porção da história é
relatada de forma a exibir essa mensagem. Por essa razão, o livro, encontra posição apropriada
entre os profetas; diz respeito a uma revelação particular da verdade de Deus e essa revelação
está intimamente relacionada com a experiência profética.
A revelação particular com a qual o livro de Jonas se ocupa pode ser expressa nas
palavras que formam a conclusão da história de Pedro e dos gentios, em At 11.18: "Na verdade
até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida". Essa revelação, no livro de Jonas, foi
transmitida de tal modo que salienta, por um lado, a soberana misericórdia e justiça de Deus, ao
conceder a Nínive o "arrependimento para a vida", enquanto que, por outro lado, fica destacado o
pecaminoso particularismo do servo de Deus, Jonas, ao resistir contra essa manifestação da
vontade divina.
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12.3. Base histórica
Visto que o livro de Jonas transmite uma mensagem distintiva, muitas pessoas, em anos
recentes, têm imaginado que a narrativa não é histórica, mas antes, imaginada, e que, à
semelhança da história do Bom Samaritano, por exemplo, deveria ser classificada como uma
parábola. Porém, apesar de que este último ponto de vista não é inteiramente impossível, sem
dúvida não é necessário imaginar que em vista de um livro ter um propósito didático (ou,
conforme preferiríamos dizer, revelatório), não pode, ao mesmo tempo, ser uma narrativa
histórica. At 10.1-11.18, sob certos aspectos é o paralelo neotestamentário de Jonas, tem um
motivo didático semelhante. Porém, ninguém apresenta a sugestão que Lucas pensava estar
escrevendo uma parábola ou uma ficção homilética. Por semelhante modo, naturalmente, a
presença de elemento miraculoso em um relato não é evidência que não foi registrado como
narrativa histórica e que seu autor não tenha tencionado que fosse aceito como tal.
Um grupo mais reduzido de pessoas tem apresentado a suposição que Jonas é uma
alegoria do exílio e da missão de Israel. Jr 51.34 é exibido como possível base para essa história.
Esse ponto de vista, em parte, é uma tentativa de explicar as ocorrências na história que, de outro
modo, teriam de ser consideradas miraculosas, e envolve a teoria, que o livro é produto do
período pós-exílico. Uma vez mais, todavia, apesar de que podemos ter, legitimamente, um
paralelo iluminador entre a experiência de Jonas e a que deveria sobrevir à nação israelita, de
modo algum se segue que a história seja de data mais recente e não-histórica. Os livros da Bíblia
não são produções fortuitas. O fato de Jonas haver sido engolido pelo grande peixe pode muito
bem prefigurar o exílio, como certamente prefigura o sepultamento de Cristo.
Qualquer avaliação do caráter histórico do livro de Jonas precisa levar em consideração
os fatos seguintes: Primeiro, o próprio Jonas, sem dúvida alguma, foi um personagem histórico,
um profeta de Jeová em Israel (2Rs 14.25). Segundo, o livro foi lavrado na forma de narrativa
histórica direta, não havendo indicação positiva que o livro deva ser interpretado doutra forma
que não a literal. Terceiro, se esse livro é uma parábola ou alegoria, então é único e sem analogia
entre os livros do Antigo Testamento. Quarto, nem os judeus nem os cristãos, até recentemente,
jamais consideraram que o livro de Jonas registra outra coisa além de fatos reais, quaisquer que
sejam as interpretações que tenham emprestado à sua mensagem. Finalmente, nosso Senhor
Jesus Cristo claramente acreditava e sabia que o arrependimento dos homens de Nínive foi uma
ocorrência real e é muito natural considerar Sua alusão aos "três dias e três noites no ventre do
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grande peixe", da experiência de Jonas (Mt 12.40-41), do mesmo modo. Em adição, pode-se
argumentar que a força total da autovindicação de Jeová perante Jonas exige uma missão real a
uma cidade pagã, um arrependimento verdadeiro de sua parte, e haverem seus habitantes sido
realmente "poupados" pelo Senhor. Não é fácil acreditar que o desafio que diz: "E não hei de eu
ter compaixão da grande cidade de Nínive...?" tenha sido apresentado ao povo de Israel, por
intermédio do escritor inspirado, mediante uma consideração puramente hipotética.
12.4. Data e autoria
Não se pode chegar a certeza alguma no que diz respeito à data em que o livro foi escrito.
Alguns têm argumentado que a história inteira não teria significado depois que Nínive foi
realmente destruída (em 612 a.C.). Há alguma força nesse argumento. Então "Não hei de eu ter
compaixão... de Nínive...?" não seria apenas uma consideração hipotética, mas uma consideração
bastante mal escolhida. Diversos eruditos proeminentes, em realidade, têm atribuído o livro a
qualquer século, entre o oitavo e o segundo a.C. Porém, deve ser frisado que o principal motivo
pelo qual muitos eruditos mantêm que esse livro seja produto do período pós-exílico é que "o
pensamento geral e o teor do livro... pressupõe o ensino dos grandes profetas", incluindo
Jeremias (S. R. Driver). Porém, não vemos razão que nos incline a acompanhar esse julgamento
altamente subjetivo.
“A presença de aramaísmos no livro não pode ser critério para determinar a data, visto
que os aramaísmos ocorrem nos livros do Antigo Testamento desde os mais recuadas até os mais
recentes períodos" (E. J. Young). Juntamente com a evidência lingüística, deve ser levado em
consideração o fato que "não existe neles (Jonas, Joel, etc.) uma só palavra grega" e "nem uma
palavra babilônica que já não tenha sido encontrada na literatura mais antiga" (R. D. Wilson).
Essa evidência não dá apoio à teoria que Jonas pertence ao período pós-exílico. S. R. Driver, que
defendia o ponto de vista pós-exílico, admitiu como possibilidade que "algumas das
características lingüísticas podem ser consistentes com a origem pré-exílica, ao norte de Israel"
(Introduction, p. 301).
Jonas exerceu seu ministério no reinado de Jeroboão II (793-753 a.C.), e parece muito
natural supor que a história tenha sido originalmente posta em forma escrita algum tempo antes
da queda do reino do norte, em 721 a.C., embora facilmente possa ter havido circunstâncias que
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ocorreram entre 721 a.C. e 612 a.C., quando Israel era governada por Nínive, que tenham
possibilitado uma publicação mais lata do livro naquele período.
Nada é dito no livro de Jonas acerca do seu autor. Embora o próprio Jonas, obviamente,
deva ter sido a principal fonte final de informação para a história não há motivo pelo qual ele
deva ter sido o autor. Sem dúvida a história logo se tornou conhecida em Israel e podemos
presumir que os marinheiros tiveram sua contribuição para propagar o relato. O capítulo
primeiro tem certo número da sinais de que o relato se derivou de outra fonte que não o próprio
Jonas (como Atos 27). O versículo 5a, por exemplo, descreve o que teve lugar enquanto Jonas
estava dormindo no porão do navio e o versículo 16 relata o que fizeram os marinheiros depois
que Jonas foi lançado ao mar. Presumivelmente a embarcação regressou ao porto quando a
tempestade amainou, visto que aparentemente ainda não se haviam afastado muito da terra (1.13)
e, de qualquer modo, a carga havia sido atirada borda fora (1.5). Se Jonas, igualmente, retornou a
Jope, talvez foi à base da informação prestada pelos marinheiros que ele foi capaz de calcular por
quanto tempo estivera debaixo da água.
12.5. Jonas e Jesus
Certo número de importantes passagens bíblicas deveriam ser estudadas paralelamente
com o livro de Jonas. No Antigo Testamento, por exemplo, Jr 1.4-10 (quanto à comissão
profética), Jr 18.7-10 (quanto ao efeito do arrependimento sobre a proclamação de Deus), Sl 139
(quanto à experiência do profeta). Em o Novo Testamento, At 10.1-11.18 e Rm 9-11, ilustram a
mensagem missionária de Jonas, e vice-versa. Porém, em particular, as passagens nos
evangelhos que se referem a Jonas, deveriam ser comparadas e estudadas (Mt 12.38-41 e Lc
11.29-32). Alguns pontos serão abordados no comentário. Aqui, entretanto, podemos notar que
Jonas é o único profeta do Antigo Testamento com o qual Jesus se comparou diretamente,
obviamente Jesus considerava a experiência e a missão de Jonas como de grande significação. É
extremamente interessante, portanto, relembrar que tanto Jesus como Jonas foram "profetas da
Galiléia". A cidade de Jonas, Gate-Hefer, ficava a apenas alguns poucos quilômetros ao norte de
Nazaré, a cidade de Jesus. Era menos que uma viagem de uma hora a pé. Jesus deve ter ido lá
freqüentemente. Talvez até em Seus dias o túmulo de Jonas fosse conhecido ali, como mais
tarde, na época de Jerônimo. Foi ali que, nos dias de Sua obscuridade, Jesus começara a meditar
sobre a significação de Jonas e de Sua própria missão?
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Os fariseus aparentemente se esqueceram de Jonas quando atacaram Nicodemos dizendo-
lhe que "da Galiléia nenhum profeta surgiu" (Jo 7.52). Tivesse ele pesquisado as Escrituras com
mais cuidado, não teriam errado tanto, ao deixar também de perceber que "está aqui quem é mais
do que Jonas" (Mt 12.41).
12.6. Contribuições singulares
12.6.1. Comparação entre Jonas e Obadias
Obadias descreve a ira de Deus sobre os inimigos de Israel. Por sua vez, o Livro de Jonas
contrabalança tal atitude com uma ilustração clássica da misericórdia divina demonstrada a um
dos antigos inimigos dos israelitas. Em Obadias, o julgamento divino é pronunciado contra os
pagãos que rejeitam a oportunidade de arrependimento e persistem em sua arrogância vingativa.
Em Jonas, a misericórdia divina é oferecida aos pagãos, que se arrependem e reagem
favoravelmente ao Deus de Israel. Isso é ilustrado por dois casos extremos: Os edomitas eram
muito chegados a Israel (parentesco e proximidade), mas foram alvo da ira divina devido à sua
arrogância. Em contrapartida, os ninivitas estavam longe e eram depravados, povo belicoso, mas
foram alvo da misericórdia divina devido ao seu arrependimento (Ob 3; Jn 3.5-10).
12.6.2. Laconismo de Jonas (3.4)
Nenhum outro profeta foi tão conciso em sua mensagem. Sua profecia continha apenas
sete palavras (cinco no hebraico): "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida." Ao contrário
de outros profetas da escrita, a mensagem de Jonas era mais de experiência do que de exposição.
Até mesmo sua curta profecia deixou de realizar-se (o que muito o aborreceu). Todavia, sua
experiência foi uma importante mensagem para Nínive, Israel e até mesmo para a Igreja hoje (Mt
12.39-40).
12.6.3. Milagres de Jonas (1.15,17; 2.10; 3.5-10; 4.6)
Enquanto outros Profetas Menores não registram milagres históricos, Jonas registra
diversos, sobre os quais se apóia sua mensagem (aquietando o mar, preservação de Jonas dentro
do peixe, arrependimento de Nínive, o rápido crescimento da planta e o aparecimento do verme).
Jonas tem isso em comum com Isaías e Daniel, pois todos eles registraram diversos milagres
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históricos e são contestados pelos críticos quanto à sua autenticidade e autoria (Is 37.36; 38.8;
Dn 3.25; 6.22). Como o objetivo dos milagres era quase sempre autenticar a revelação (Êx 4.5;
1Rs 18.36-39), a mensagem do julgamento de Deus e sua misericórdia, trazida por Jonas a
Nínive e não compreendida por Israel, era realmente crucial para o profeta e aquela cidade pagã.
A importância adicional da mensagem como um antítipo profético da ressurreição de Cristo
dificilmente pode ser superestimada.
12.6.4. Arrependimento de Nínive (3.5-9)
O Livro de Jonas contém o relato do maior reavivamento registrado na Bíblia: toda a
cidade de Nínive abandonou os seus caminhos iníquos e voltou-se para Deus. Jonas foi também
usado como instrumento de arrependimento para os marinheiros, fazendo com que eles se
voltassem para o Senhor depois de o profeta ter sido jogado ao mar, aquietando-o. Parece que ele
obteve mais resultados "por acaso" do que a maioria dos profetas obtiveram intencionalmente
(Isaías, Jeremias e Ezequiel alcançaram poucos resultados imediatos; Is 6.9-11; Jr 14.1 e ss.; 15.1
e ss.; Ez 3.7). Questiona-se às vezes se o arrependimento de Nínive foi sincero. A resposta do
livro de Jonas é que evidentemente Deus o considerou sincero, pois suspendeu o julgamento que
lhes tinha sido notificado (3.10). Jesus também testificou que "se arrependeram com a pregação
de Jonas" (Mt 12.41), o que Israel deixou de fazer com a pregação do Messias.
12.6.5. "Arrependimento" de Deus (3.9-10)
O livro registra o fato de que Deus também "se arrependeu" ou "compadeceu-se",
conforme a maioria das versões (Heb. nacham). A mesma palavra é usada para o arrependimento
humano (Jó 42.6). Outra palavra também é usada com o sentido de arrependimento e conversão:
shub, conforme está na frase "e se converterão, cada um do seu mau caminho" (3.8-9). Significa
"mudar de idéia". É aqui empregada como uma expressão antropomórfica a fim de mostrar o
aspecto condicional do julgamento divino, o qual depende das ações do homem. Esse princípio é
declarado em Jeremias 18.8. A afirmação de Números 23.19 (1Sm 15.29) de que "Deus não é
homem (...) para que se arrependa" fala da sua veracidade e do seu caráter imutável. O
julgamento de Deus depende sempre das ações do homem.
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12.6.6. Arrependimento de Jonas (Cps. 2, 4)
Embora o livro registre o arrependimento inesperado de um dos maiores tiranos da
história antiga, sua ênfase maior está no arrependimento ou mudança de Jonas. O
arrependimento de Nínive ocupa um capítulo, mas a história da preparação de Jonas e seu
subseqüente treinamento são apresentados em três capítulos (1, 2 e 4). Parece que Deus teve
mais dificuldade em aperfeiçoar Jonas do que todo o povo de Nínive. Quando o profeta foi
conduzido ao ponto de obediência, o reavivamento ocorreu naturalmente. A preparação de Jonas
foi realizada em etapas. A experiência do peixe preparou-o para Nínive, mas ele precisou de
mais treinamento para voltar a Israel. Se o arrependimento da cidade no capítulo três surpreende
a todos, o profeta desapontado do capítulo quatro causa-nos um choque. Ele parece estar mais
interessado em que sua profecia se cumpra, como um crédito à sua profissão, do que a cidade de
Nínive seja poupada do julgamento divino. É desse modo que termina a história, deixando o
leitor inteiramente desapontado diante da atitude do profeta. Jonas parece ser irremediavelmente
egoísta e fanático, até lembrarmos que ele escreveu o livro, sem "dourar" a sua própria imagem
no final. Essa imagem foi obviamente destinada a impressionar e humilhar Israel, pois a atitude
do profeta foi um reflexo da atitude do povo. Os judeus estavam tão envolvidos com os seus
próprios prazeres e prosperidade do período áureo de Jeroboão lI, que tinham perdido de vista a
sua missão como povo da aliança divina.
12.6.7. O lugar de Jonas no ritual judaico
Para os judeus ortodoxos, é tradição usar o Livro de Jonas como leitura obrigatória para o
Culto Vespertino do Dia da Expiação (A. Cohen, The Twelve Prophets, p. 137). Nesse dia de
jejum nacional, lamentação e perdão recíprocos dos pecados, eles relêem a história dos antigos
habitantes de Nínive, que acharam misericórdia por convocarem arrependimento e perdão de
pecados em toda a nação. Apesar de não haver evidência de que os israelitas do tempo de Jonas
tenham reagido dessa forma, judeus ortodoxos usam o livro no seu maior dia anual de jejum a
fim de lembrar que o Senhor é um Deus de misericórdia para o povo arrependido, independente
da sua raça.
Jonas tem um lugar especial no respeito e no ritual dos judeus.
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12.6.8. O livro da misericórdia universal de Deus (4.11)
Nenhum outro livro do Antigo Testamento ensina de maneira tão enfática a extensão da
misericórdia divina às nações gentias. Essa perspectiva mundial da missão de Israel foi
observada anteriormente por Josué e Salomão (Js 4.24; 1Rs 8.43,60), mas tem sido muitas e
muitas vezes esquecida pela nação no decurso das suas muitas apostasias. Nesse ponto central da
história, Jonas foi usado para conclamar a nação a refletir sobre o programa divino do
julgamento universal dos malfeitores e sua oferta universal de misericórdia para o
arrependimento e fé. Frederick Faber, Voice of Thanksgiving Hymnal (Hinário de Ação de
Graças), expressou o seguinte: "Pois o amor divino excede a mente humana, e o coração do
Eterno Deus é de uma bondade surpreendente".
12.6.9. Cristologia de Jonas
A ênfase central de Jonas na misericórdia divina estendida a todas as raças é
exemplificada, de maneira maravilhosa, no ministério de Jesus. Ele chamou todas as pessoas ao
arrependimento, vindo como "luz para alumiar as nações, e para glória de teu povo Israel" (Lc
2.32). Após sua ressurreição, Jesus enviou os Doze para fazer "discípulos de todas as nações"
(Mt 28.19). A relação cristológica mais específica do livro, porém, é a experiência de Jonas no
grande peixe como o antítipo de Cristo (Mt 12.40). Foi Jonas o único profeta indicado por Jesus
como antítipo dele próprio. Do mesmo modo que Jonas esteve no ventre do peixe (lugar de
morte) durante três dias e três noites, assim o Filho do Homem esteve no coração da terra. "Dia e
noite" era uma expressão hebraica para qualquer parte de um dia. Como um antítipo tem apenas
um ponto de analogia (como uma parábola), do mesmo modo Jonas tipificou Cristo apenas em
um ponto, sua experiência no abismo da morte por um período de tempo (Jo 11.17,39). Jesus
usou a experiência de Jonas para tipificar a maior verdade bíblica: sua própria ressurreição
dentre os mortos.
13. O LIVRO DE MIQUÉIAS
13.1. Esboço do Livro
I. Juízo contra Israel e Judá (1.1—3.12)
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A. Introdução (1.1)
B. Predição da Destruição de Samaria (1.2-7)
C. Predição da Destruição de Judá (1.8-16)
D. Pecados Específicos do Povo de Deus Que Requerem Castigo (2.1-11)
1. Cobiça e Orgulho (2.1-5)
2. Falsos Profetas (2.6-11)
E. Primeiro Vislumbre do Livramento Prometido (2.12,13)
F. Pecados Específicos dos Líderes do Povo de Deus (3.1-12)
1. Injustiça e Opressão (3.1-4)
2. Falsa Profecia (3.5-7)
3. Miquéias, Um Profeta Verdadeiro (3.8)
4. Resumo dos Pecados dos Líderes (3.9-12)
II. Mensagem Profética de Esperança (4.1—5.15)
A. A Promessa do Reino Vindouro (4.1-5)
B. Derrota dos Inimigos de Israel (4.9-13)
C. O Rei Que Virá de Belém (5.1-8)
D. A Natureza do Novo Reino (5.6-15)
III. O Litígio de Deus contra Israel e Sua Misericórdia Final (6.1—7.20).
A. O pleito de Deus contra Seu Povo (6.1-8)
B. A Culpa de Israel e o Castigo Divino (6.9-16)
C. O Lamento Doloroso do Profeta (7.1-6)
D. A Esperança Pessoal do Profeta (7.7)
E. Israel Será Reestabelecido (7.8-13)
F. As Bênçãos Finais de Deus para Seu Povo (7.14-20)
13.2. Data
O versículo inicial fixa o período durante o qual Miquéias profetizou entre os anos 751 e
687 a.C. O mesmo versículo deixa subentendido que Samaria continuava de pé mas que sua
destruição iminente estava sendo declarada, em 1.5-6; portanto, pelo menos esta seção é anterior
a 721 a.C., o ano da queda de Samaria e do colapso do reino do norte. O versículo 9 parece
antecipar a investida de Senaqueribe contra Jerusalém, em 701 a.C. Os sacrifícios humanos
foram uma característica dos dias negros do rei Manassés (696-642 a.C.), mas não é necessário
supor que Mq 6.7 se refira a esse período, visto que tais ritos também foram praticados pelo rei
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Acaz (736716 a.C.): ver 2Rs 16.3. Portanto, parece que Miquéias tenha sido contemporâneo
mais jovem de Isaías: alguns chegam mesmo a considerá-lo como discípulo de Isaías. É
interessante observar que um oráculo semelhante aparece em ambas as profecias (Mq 4.1 e segs.
e Is 2.2 e segs.).
O cumprimento da profecia de Miquéias, em Mq 3.12, foi relembrado mais de cem anos
mais tarde. Ver Jr 26.18, onde é dito que "Miquéias... profetizou nos dias de Ezequias, rei de
Judá". Não resta dúvida que seu principal trabalho foi levado a efeito durante esse reinado (729-
687 a.C.) e, assim, ele teria sido parcialmente responsável, debaixo de Deus, pelo reavivamento
espiritual daquela época (2Cr 30).
13.3. O Problema crítico
Neste livro está contida certa variedade de material e os diversos oráculos não necessitam
ter sido proferidos todos ao mesmo tempo. Excetuando o versículo inicial, não existem outras
indicações claras quanto à data, tais como encontramos, por exemplo, em Ag 1.1; 2.1,10,20, mas
fica subentendido um ministério que deve ter-se prolongado por um número considerável de
anos. Muitos eruditos, por conseguinte, mantêm que quaisquer diferenças quanto ao estilo ou ao
assunto abordado, podem ser imediatamente explicadas pelas necessidades diferentes e pelo
próprio desenvolvimento mental e espiritual de Miquéias, e que, portanto, é desnecessário
imaginar mais que um só autor.
Outros eruditos, porém, não podem acreditar que o profeta que proferiu as inflexíveis
advertências e denúncias dos três primeiros capítulos, também possa ser responsabilizado pela
brilhante visão do capítulo 4 ou pelas reconfortantes promessas do capítulo 5. Na opinião desses,
além disso, os capítulos 6 e 7 contemplam uma situação histórica completamente diferente da
que é pressuposta nas profecias anteriores. Porém, afirmar que o homem que compôs os
capítulos 1 a 3 não poderia também ter composto os capítulos 4 e 5 seria impor a Miquéias um
grande grau de limitação, que é completamente injustificável. Declarar que a pessoa que fala nos
capítulos 1 a 3 estava por demais ocupada com problemas sociais para interessar-se nas
especulações visionárias dos capítulos 4 e 5, seria deixar de perceber que todo reformador social
só pode persistir em sua tremenda tarefa se tiver uma visão de um mundo redimido.
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Não há necessidade de esperar uma conexão óbvia entre os vários blocos de material,
pois dentro de um só capítulo podem ser encontradas diversas declarações que tratam de
assuntos diferentes. Possivelmente, 7.7-20 pode ser um apêndice posterior ao tempo de
Miquéias, mas isso de modo algum é certo.
13.4. O Profeta
Em 1.1 o profeta é descrito como "morastita", isto é, habitante de Moresete-Gate (1.14),
que, segundo Jerônimo, até seus dias era "uma pequena aldeia próxima de Eleuterópolis".
Eleuterópolis tem sido identificada como Beit-Jibrin, e fica em um dos vales que sobem da
planície costeira para as terras altas da Judéia em redor de Jerusalém. Moresete, portanto, ficaria
cerca de quarenta quilômetros ao sudoeste de Jerusalém, na Sefelá, a meio caminho entre a
cidade de Gate, na Filístia (1.10) a oeste, e Adulão (1.15), a leste. Sua relação para com Maresa
(1.15) não é claramente conhecida: alguns as julgam idênticas. Em algum tempo ou outro
parecem ter estado sob a suserania de Gate, ou ter tido alguma conexão com aquela cidade.
Dessa maneira Miquéias não vivia em algum lugar atrasado, porém, no mais importante
dos vales, que oferecia aproximação à capital para quem vinha da planície marítima. Desse ponto
vantajoso ele contemplava a grande estrada costeira, ao longo da qual, por centenas de anos,
haviam passado os exércitos dos conquistadores, as caravanas comerciais e grupos de peregrinos.
Habitando perto da ponte natural entre a Ásia e a África, com o Mediterrâneo como pano de
fundo rebrilhante, 32 quilômetros além, ele se achava em posição de onde podia contemplar o
triste drama de 721-719 a.C., quando, após a queda de Samaria, Sargom passou a empenhar-se
para dominar as forças egípcias na estrada costeira em Ráfia, em 719 a.C. Poucos anos mais
tarde, Judá aliou-se a Edom, Moabe e os filisteus na tentativa de, com a ajuda egípcia (que nunca
veio), quebrar o poder da Assíria na região; porém, os aliados foram duramente enfrentados pelo
tartã, o oficial de Sargom, e Asdode e Gate foram saqueadas (Is 20.1). Mais tarde ainda,
Senaqueribe, que em uma de suas inscrições se vangloria de haver capturado quarenta e seis
aldeias judaicas, talvez tenha conquistado também Moresete-Gate como uma delas.
Além disso, não havia comércio entre o Egito e Jerusalém que Miquéias não observasse.
Ele via Judá pondo sua confiança no Império decadente do Nilo; via as equipes de cavalos e
carruagens egípcias nas quais Judá, uma região montanhosa e imprópria para cavalaria,
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repousava falsamente sua confiança; via as influências corruptoras de uma aliança estrangeira;
via o orgulho crescente e a falta de escrúpulos dos homens da capital.
Na qualidade de homem interiorano, o profeta via na capital de seu país a fonte e o centro
da iniqüidade. "Qual é a transgressão de Jacó? Não é Samaria? e quais os altos da Judá? Não é
Jerusalém?" (1.5). Ele mesmo pode ter sido um fazendeiro e ter sido expulso de sua herdade por
algum ganancioso dono de terras. "E cobiçam campos e os arrebatam e as casas e as tomam:
assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à tua herança" (2.2). Amarga
experiência pessoal e perda, tal vez estejam por detrás dessas palavras. Miquéias era direto em
suas palavras como os homens do interior e também possuía profundeza de confissões e
inflamada indignação.
Não obstante, ele também era capaz de dizer coisas sublimes e belas. Ele ultrapassa o
próprio Isaías na ternura de seus apelos, na lúcida simplicidade e na sublimidade moral que
acompanham seu maior oráculo (6.1-8).
Embora Miquéias tenha vindo do interior, enquanto que Isaías pertencia à capital e à
corte real, as mensagens principais de ambos são substancialmente as mesmas. Isaías, como já
seria de esperar, tem mais a dizer acerca da situação política e acerca das relações com o Egito e
a Assíria; porém, ao abordarem os males sociais e morais, conseqüentes da rejeição ao Senhor
por parte de Israel, ambos os profetas falam num único tom. Cf., por exemplo, Mq 2.1 e segs.,
com Is 5.8 e segs.; Mq 3.1-4 com Is 10.1-4. A nação hebréia estava deixando de cumprir sua
missão no mundo, para a qual Deus a tinha chamado (Mq 2.7; Is 1.21) e, por conseguinte, teria
de ser expurgada por meio de julgamento e repreparada para o serviço (Mq 3.12; 4.6-7; Is 1.25-
27). As mensagens desafiadoras de ambos os profetas devem ter influenciado profundamente
Ezequias em sua obra de reforma.
Miquéias era nome comum entre os judeus, e significa "quem é como Jeová?" (cf.
Miguel, "quem é como Deus?"). É digno de nota que a profecia de Miquéias tem início com as
palavras de um apelo feito anteriormente por um seu homônimo (1Rs 22.28). Dessa maneira,
Miquéias liga-se deliberadamente com aquele campeão mais antigo da verdade.
13.5. Contribuições singulares
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13.5.1. Aterrorizante descida do Senhor a terra (1.3-4)
Miquéias principia apresentando uma das mais tremendas descrições do Senhor: sua
descida à terra com terrível ira. Do mesmo modo que Jonas, Miquéias proclama o julgamento de
Deus antes de declarar sua misericórdia perdoadora. Na realidade, os três livros seguintes
seguem o mesmo tema do Senhor vindo como um guerreiro poderoso que faz "os montes"
tremerem (Na 1.2-6), "os outeiros eternos" se abaterem (Hc 3.6) e toda "a terra" ser consumida
(Sf 1.18). Isaías também apresenta esse terrível quadro nos capítulos 24 e 63, quando descreve as
devastações do Dia do Senhor. Os profetas viram o pecado do homem significando nada menos
do que uma redução catastrófica da terra ao caos (Jr 4.23-26). Miquéias apresenta esse quadro do
Senhor a fim de enfatizar a grande ira divina contra aqueles que praticam violência e injustiça
para com os pobres. Tirar proveito dos pobres, adverte ele, é incorrer na ira do Todo-poderoso
(Dt 15.10; Sl 109.31; 140.12; Pv 14.31; 19.17).
13.5.2. Profeta do homem pobre
Miquéias é conhecido como o profeta do homem comum. Tendo ele mesmo vindo de
berço humilde, conhecia as más condições dos pobres e tomou para si sua causa contra os
vorazes líderes da nação que visavam a seus próprios interesses (3.1-3). Em todo o livro,
Miquéias denuncia a opressão do fraco, o suborno entre os líderes, o ato de expulsar mulheres
dos seus lares e prática de toda espécie de roubo, grande parte dele em nome da religião (2.1-2,
811; 3.1-3,9-11; 6.10-12; 7.1-6). Embora não isente o pobre apenas pela sua pobreza, ele
condena intrepidamente as classes superiores por sangrarem os pobres e indefesos. Ao descrever
a esperança da restauração, Miquéias surpreende a nação com o anúncio de que o futuro
"governador de Israel", o Messias, virá da pequena e insignificante cidade de Belém, ao invés da
opulenta capital Jerusalém (5.2-4). Apresenta-o na condição de um "Pastor", como o era Davi.
Todavia, será maior do que Davi, e "engrandecido até aos confins da terra" (5.4). Miquéias foi o
último profeta a mencionar Belém no Antigo Testamento. Concentrou, porém, a atenção da
nação sobre a pequena cidade por mais de 700 anos.
13.5.3. O Evangelho de justiça social de Miquéias (6.6-8)
No Antigo Testamento, não se encontra um resumo da Lei mais simples e mais profundo
do que o de Miquéias 6.6-8. Suas exigências são simples e sem rodeios: praticar a justiça, amar a
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bondade demonstrando-a, e andar humildemente com Deus. Do mesmo modo que Jesus resumiu
a Lei como "amor" para os insensíveis líderes do seu tempo. Miquéias resumiu-a como justiça,
misericórdia e modéstia para um povo completamente desprovido dessas qualidades, embora
muitíssimo ocupado com religião (3.11). Os "milhares de carneiros" e "dez mil ribeiros de
azeite" (6.7) não podiam subornar Deus a fechar seus olhos à ausência de justiça e misericórdia
entre os homens.
13.5.4. Total depravação de Israel (7.2-6)
À semelhança de lsaías (1.5-6 e 57.1), Miquéias observou que Israel tinha chegado a uma
situação em que se podia muito bem afirmar: "não há entre os homens um que seja reto" (7.2).
Eram todos iníquos e só cuidavam dos seus próprios interesses naquela sociedade idólatra.
Tendo-se afastado da verdade divina, estavam colhendo os efeitos sociais de "os inimigos do
homem são os da sua própria casa", incluindo esposa, filhos e pais (7.5-6). Jesus citou esse texto
de Miquéias em Mateus 10.21,35 para mostrar que a rejeição da verdade que ele estava pregando
no seu tempo traria aquela mesma condição de castigo do tempo de Oséias. Paulo também se
refere a isso em Romanos 1.28-32, mencionando que a depravação social está sempre ligada à
rejeição da verdade.
13.5.5. Cristologia em Miquéias (4.1-8; 5.2-5)
Dois textos de Miquéias falam do reino do Messias e de sua vinda. Nos "últimos dias",
ele reinará no monte Sião, onde prevalecerão a verdade, a justiça, a prosperidade e a paz. Ali os
coxos, os expulsos e os aflitos estarão reunidos a fim de formar o núcleo da sua "poderosa
nação" (4.1-7).
Em 5.2, entretanto, Miquéias revela que esse reino não começará ostentando grandeza,
pois o próprio Messias nascerá na pequena vila de Belém, lugar de criação de carneiros. Ele, que
é eterno, virá de Deus como Pastor de Israel. Mas antes que o Messias se torne grande até os
confins da terra, a nação será abandonada pelo Senhor por um tempo, no fim do qual ele surgirá
para pastorear o seu povo com grande majestade (5.3-4).
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14. O LIVRO DE NAUM
14.1. Esboço do Livro
Título (1.1)
I. A Natureza de Deus e do Seu Juízo (1.2-15)
A. Características da Administração da Justiça de Deus (1.2-7)
B. A Ruína Iminente de Nínive (1.8–11.14)
C. Consolo para Judá (1.12,13, 15)
II. Vaticínio a Respeito da Queda de Nínive (2.1-13)
A. Introdução (2.1,2)
B. O Combate Armado (2.3-5)
C. A Cidade é Invadida e Devastada (2.6-12)
D. A Voz do Senhor (2.13)
III. Razões da Queda de Nínive (3.1-19)
A. Os Pecados da Crueldade de Nínive (3.1-4)
B. A Justa Recompensa da Parte de Deus (3.5-19)
14.2. Data
A profecia de Naum antecipa a queda de Nínive. O profeta fala sobre a queda da cidade
com uma clareza e uma intimidade possíveis somente se tal acontecimento estivesse quase
imediato. Isso data a profecia de Naum como pouco antes da queda daquela cidade, em 612 a.C.
O profeta também menciona o saque de Nó-Amom (3.8), como fato consumado. Essa cidade foi
pilhada pelo rei Assurbanipal, da Assíria, cerca de 670 a.C. Esta profecia, por conseguinte, pode
ser datada entre esses dois eventos. Outra pequena partícula de evidência interna sugere que a
data pode ser fixada com mais precisão como pouco depois da reforma de Josias, em 621 a.C. Há
uma referência (1.15) que sugere que a importância da observância das cerimônias religiosas
estava bem fresca nas mentes do povo de Judá quando o livro foi escrito. Portanto, podemos
estabelecer, como tentativa, a data da profecia, como entre 621 e 612 a.C. O profeta, portanto,
teria sido contemporâneo de Sofonias, Habacuque e Jeremias.
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14.3. O Homem
O escritor é descrito como "Naum, o elcosita". O nome Naum quer dizer "consolação",
"conforto" ou "alívio". Apesar de que a mensagem primária de Naum é a iminente destruição de
Nínive, uma das conseqüências necessárias da queda do tirano assírio era o alívio da oprimida
Judá. Nesse sentido, a mensagem de Naum justifica o nome do profeta. Ele não tinha palavra de
julgamento ou condenação contra seu próprio povo, mas apenas de conforto. Ele declara, em
nome do Senhor: "eu te afligi, mas não te afligirei mais. Mas agora quebrarei o seu jugo de cima
de ti, e romperei os teus laços" (1.12-13).
"Elcosita", a designação suplementar do profeta, indica que Naum estava intimamente
ligado com a localidade conhecida como Elcós. Quatro localizações são sugeridas para esse
lugar. Jerônimo dizia que Elcache (Het kesai) era uma pequena aldeia da Galiléia e que lhe fora
mostrada por um guia. Outra sugestão é Cafarnaum, na Galiléia, nome esse que é transliteração
de duas palavras hebraicas que significam "vila de Naum". Uma terceira identificação é Alquis,
perto de Mossul, na Assíria, que localmente se considera cidade nativa do profeta Naum. Em
quarto lugar, Pseudepifânio mantinha que "Elcesei" era uma vila de Judá.
Dessas quatro tradições, a terceira não recua mais que o século XVI de nossa era. No
concernente às duas primeiras, não há evidência, dentro do texto, que sugira um ambiente galileu
para Naum. Naturalmente, se aceitarmos a tradição que Naum era um deportado na própria
Nínive, não se poderia esperar traços de ambiente galileu. Porém, parece que nos tempos
neotestamentários, não havia tradição que Naum tivesse vindo da Galiléia (cf. Jo 7.52, que,
entretanto, se esquece de Jonas). Tal origem para o profeta pode ser posta em dúvida em outras
bases. A quarta sugestão liga Naum a Elcase, "da tribo de Simeão". Nesse caso, Elcase pode ser
localizada perto de Beit-Jibrin, entre Jerusalém e Gaza. Pode ser observado que há evidência que
aponta para o fato que Miquéias também veio daquelas circunvizinhanças. Essa região parece ter
produzido a piedade juntamente com o gênio.
14.4. Sua mensagem
A nota primária da mensagem de Naum é: "A mim me pertence a vingança; eu retribuirei,
diz o Senhor". "O Senhor é um Deus zeloso e que toma vingança" (1.2). A palavra “zelosa”,
neste passo, significa o intenso sentimento de Deus para com Seus inimigos. Naum apreendeu e
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declarou com apaixonada insistência essa grande verdade que a ira de Deus é provocada pela
iniqüidade. Ele tolera os homens por longo tempo, mas Sua ira termina por ser despertada. Então
Ele castiga aqueles que o têm provocado. Ele golpeia e leva a completo final. A ira de Deus é
terrível e inescapável. Aquele que divide os céus escurecidos pela tempestade com lanças de
faíscas e faz rachar as rochas, é um horrível adversário. O débil homem nada significa perante
Ele. Os homens podem tomar conselho entre si. Podem dizer: "Somos fortes. Quem nos pode
derrubar?" Mas Deus, tratará do caso deles. Não importa quão poderosos sejam, não importa
quantos ajudadores possam ter, Deus infligir-lhes-á um golpe mortal. Tem havido outros mais
fortes que eles. E foram derrubados. Assim também os inimigos de Deus sempre serão vencidos.
Em adição, Naum destaca dois pecados em particular, para denunciá-los. Primeiramente temos o
pecado de violento poder militar. Em resultado desse mal, o sangue se derrama em rios, nações
são aniquiladas, instituições são destruídas e a guerra é feita com toda espécie de ferocidade
(2.11-13). Quanto àqueles que assim violam as decências da existência humana, é declarado:
"Eis que estou contra ti, diz o Senhor dos exércitos".
O outro pecado, que Naum denuncia, é o comércio sem escrúpulos. As nações vizinhas
eram corrompidas para que eles pudessem ministrar aos luxos e vícios da cidade conquistadora.
Os comerciantes, motivados por ambição pelo ouro, vendiam suas mercadorias numa cidade que
desejava coisas finas. Permitia-se que a moralidade e a honestidade perecessem, a fim de que
pudessem ser adquiridas as riquezas e desfrutados os prazeres (3.1-4). Contra esse pecado,
semelhantemente, é decretado o mesmo julgamento, com sombria simplicidade: "Eis que eu
estou contra ti, diz o Senhor dos Exércitos" (3.5).
A seu próprio povo Naum declara que os mensageiros trazendo boas novas já estavam a
caminho. Como expressão de gratidão pela destruição do opressor, o povo de Judá deveria
observar os períodos religiosos e desincumbir-se escrupulosamente das obrigações de sua fé
(1.15).
14.5. Sua significação como profeta
Tal qual Catão, o senador romano, que encerrava cada um de seus discursos no senado
com as palavras Carthago delenda est, ou seja, "Cartago precisa ser destruída", Naum estava
obcecado por uma idéia: Nínive delenda est. Seu olhar estava fixado sobre Nínive e seus
pecados. Embora sincero, intenso e eficaz, ele não tinha muito a dizer sobre os elementos
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íntimos da religião autêntica. Ele não exortava por um retorno pessoal e nacional à justiça, mas
antes à observância das festividades religiosas, como também Amós fazia (Am 4.4-5). Ele não
procurava conquistar seu próprio povo com a ternura de Miquéias (Mq 6.3). Ele não proclamava
misericórdia para com todos os homens, nem mesmo para Nínive, com a largueza de visão e a
diáfana claridade do livro de Jonas.
Não obstante, por mais limitada que tenha sido a mensagem de Naum, sua posição entre
os profetas é garantida. A data em que a sua profecia foi composta pode talvez explicar sua
aparente falta de preocupação pelos pecados de seu próprio povo, bem como suas omissões, não
apontando suas obrigações morais e espirituais, e sua aparente falta de caridade para com a
própria Nínive. Se é que a sua profecia foi composta pouco antes de 612 a.C. (a queda de
Nínive), então não foi escrita muito tempo depois da reforma de Josias (621 a.C.). É verdade que
Jeremias percebeu que essa reforma não era suficiente; mas Naum pode ter sentido que a nação
seguia agora pelo caminho certo. A desilusão provocada pela morte precoce de Josias, em 609
a.C., ainda não havia tido lugar, e o alívio sentido devido à iminente destruição de Nínive era tão
intenso que fazia Naum esquecer-se de todas as demais considerações.
A profecia de Naum tem sido apropriadamente chamada de "o clamor de uma
consciência ultrajada". É uma apaixonada assertiva que a justiça prevalecerá em sua inflexível
retribuição. Essa verdade é por ele declarada com insistência. Ele proclama sua necessidade
moral. Ele contempla sua realização com lucidez sem paralelo. Ele prevê seu cumprimento
completo. No grande corpo de verdade, ensinado pelos doze profetas, essa verdade é
particularmente propriedade de Naum e, se sua profecia é a profecia de uma idéia, pelo menos
ele apresenta essa idéia com grande poder e completa eficácia.
14.6. Contribuições singulares
14.6.1. Caráter retribuidor de Deus (1.2,6)
De modo semelhante a Miquéias, Naum principia enfatizando a grande ira do Senhor
contra o pecado e sua vinda para trazer julgamento aos perversos. Aqui, entretanto, sua ira
dirige-se mais aos inimigos de Israel do que aos israelitas. Naum descreve o Senhor como um
Deus zeloso e vingativo, que virá com ira abrasadora contra seus inimigos. Esse caráter zeloso de
Deus foi apresentado em Êxodo 20.5, e mais tarde com mais pormenores em Deuteronômio
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32.21 e ss. Muitos textos descrevem o Senhor como "tardio em se irar", mas grande em poder e
ira contra aqueles que rejeitam sua graça (Êx 22.24; 32.12; Nm 14.18; Js 7.1; Ed 9.15; Jó 20.23).
No Novo Testamento, os oito "ais" sobre os líderes hipócritas do tempo de Jesus apresentam a
mesma ira ardente para com os que rejeitam deliberadamente a Lei e a graça de Deus (Mt 23).
Essa ira chega ao auge na grandiosa e terrível descrição da vinda do Senhor em Apocalipse:
14.10,19 e 19.15 para julgar seus inimigos enquanto livra o seu povo.
14.6.2. Livro de julgamento não-aliviado
Nenhum outro livro da Bíblia é tão enfático na mensagem de julgamento e misericórdia
não aproveitada. Suas únicas "boas novas" são a profecia sobre a destruição de Nínive (1.15). Foi
tão grande a preocupação do profeta com os pecados e o julgamento daquela cidade, que os
pecados de Israel ou Judá não foram nem mesmo aludidos. O Senhor dedicou um livro inteiro
para descrever vivamente sua grande ira contra um povo que vivia na violência, pilhagem e
derramamento de sangue, e que deixou de permanecer em sua misericórdia dispensada através de
Jonas, profeta de Deus.
14.6.3. Nínive, a grande cidade-rainha destruída.
Não há dúvida de que é este o livro que Jonas gostaria de ter escrito (Jn 4.2), ao não
compreender que o Senhor tinha antes uma colheita a fazer naquela cidade. Sua curta profecia da
destruição de Nínive está aqui amplificada, sem a data de execução, "quarenta dias". Embora o
arrependimento dos ninivitas tenha adiado o seu julgamento, a retomada da antiga perversidade e
violência apenas intensificou o peso do seu castigo, sobretudo diante do desrespeito à sua
misericórdia. A antiga cidade de Nínive era um símbolo clássico do mundo quanto ao seu poder,
violência e rebeldia contra Deus desde o tempo de Ninrode (Gn 10.9-11). Mas quando Deus
ordenou sua destruição, ela foi aniquilada tão completamente que a antiga rainha das cidades
ficou esquecida durante muitos séculos, coberta com areia, transformada em um deserto.
14.6.4. Admoestação internacional de Naum a todas as nações
A notável lição de Naum para as nações é que a "lei da selva" não é a Lei de Deus.
Embora o pecado e a violência possam ficar sem punição por algum tempo dentro da
longanimidade divina, todavia não serão esquecidos. Neste caso não está apenas em jogo o
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"tempo" de Deus, mas também a justificação do seu caráter (Êx 34.6-7; Nm 14.18). Apesar de
ele ser "tardio em irar-se" e estar sempre interessado em mostrar-se misericordioso, não é
absolutamente imune à ira quando sua lei é impugnada e sua graça desprezada. O Deus vingador
descrito por Naum é um dos quadros mais aterradores da Bíblia. Enquanto o Livro de Jonas
apresenta a misericórdia do Senhor estendida aos gentios desconhecedores da lei mosaica, Naum
retrata a ira e o julgamento divino das nações, conheçam ou não a lei de Moisés.
14.6.5. Cristologia em Naum (1.15)
Mesmo sem referências especificas ao Messias no Livro de Naum, a proclamação das
"boas novas" em 1.15 tem uma referência indireta a Cristo e seu evangelho. É uma referência a
Isaías 52.7, mais tarde aplicada por Paulo em Romanos 10.15 quanto ao aspecto libertador do
evangelho. É um lembrete de que o primeiro objetivo de Naum foi consolar Israel a respeito da
ameaça nacional por parte do cruel e perverso inimigo do Oriente. Além disso, as boas novas do
evangelho são que Cristo não somente traz o livramento dos inimigos, mas também os benefícios
reais, da salvação (Lc 1.71). O Deus prefigurado por Naum não é diferente do Cristo do Novo
Testamento.
15. O LIVRO DE HABACUQUE
15.1. Esboço do Livro
Introdução (1.1)
I. As Perguntas de Habacuque (1.2—2.20)
A. Primeira Pergunta: Como Deus Pode Permitir Que a Ímpia Judá Fique sem Castigo?
(1.2-4)
B. Resposta: Deus Usará a Babilônia para Castigar Judá (1.5-11)
C. Segunda Pergunta: Como Deus Pode Usar uma Nação Mais Ímpia Que Judá Como
Instrumento de Juízo? (1.12—2.1)
D. Resposta: Deus Também Julgará Babilônia (2.2-20)
1. Introdução à Resposta (2.2,3)
2. Pecados de Babilônia (2.4,5)
3. Série de Cinco “Ais” contra Babilônia (2.6-19)
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4. O Senhor de Toda a Terra (2.20)
II. O Cântico de Habacuque (3.1-19)
A. A Oração de Habacuque, Pedindo Misericórdia (3.1,2)
B. O Poder do Senhor (3.3-7)
C. Os Atos Salvíficos do Senhor (3.8-15)
D. A Fé Inabalável de Habacuque (3.16-19)
15.2. Autor
Nada sabemos a respeito de Habacuque fora das informações prestadas neste livro, mas
mesmo aqui ele não nos fornece sua genealogia nem nos diz quando profetizou. O próprio nome
é aparentado de um vocábulo assírio, que significa uma planta ou vegetal. Na Septuaginta, seu
nome aparece como Ambakoum. Jerônimo a derivou de uma raiz hebraica que significa
“segurar”, e disse que: “ele é chamado ‘Abraço’ ou por causa de seu amor ao Senhor, ou porque
lutava contra Deus”. Lutero, e muitos comentadores modernos, têm favorecido a mesma
derivação. Certamente não é derivação inapropriada, pois neste pequeno livro vemos um homem,
em ânsia mortal, em luta com o grande problema da teodiceia – a justiça divina – em um mundo
desordenado. Encontramos a mesma espécie de conflito no mais volumoso livro de Jó.
Habacuque foi o primeiro profeta a impugnar não a Israel, porém a Deus. O livro contém
um solilóquio entre ele mesmo e o Todo-Poderoso. O que o deixava perplexo era a aparente
discrepância entre a revelação e a experiência. Ele procurava explicação para isso. Nenhuma
resposta direta é dada à sua interrogação, mas é-lhe assegurado que a fé paciente terminará
saindo vencedora (2.4). Ele expressa sua fé mui vividamente, em 3.17-19, onde o sentimento
encontra um eco mais recente, no hino de William Cowper: “Deus é Seu próprio intérprete, e Ele
deixará claro”.
Por causa do arranjo musical do capítulo 3, alguns têm pensado que Habacuque foi levita.
É possível que ele tenha sido membro de um grupo profissional de profetas, associados ao
templo (1Cr 25.1). Ele é o único dos profetas canônicos que a si mesmo chama de “profeta”
(1.1), e julga-se que isso indica posição profissional.
Habacuque aparece na história apócrifa de Bel e o Dragão, como aquele que livrou
Daniel da cova dos leões pela segunda vez; porém, tudo isso não passa da lenda.
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15.3. Data e ocasião
Em 1.6 somos informados que Deus estava levantando os caldeus (isto é, os babilônios)
como um instrumento de castigo. Sem dúvida isso se refere ao império babilônico revivificado,
que derrubou o enfraquecido império assírio no fim do quinto século a.C. Nínive foi destruída
em 612 a.C. e Nabucodonosor, rei da Babilônia, derrotou Faraó Neco, do Egito, em Carquemis,
em 605 a.C.
Três anos antes dessa batalha, Faraó Neco matou Josias, rei de Judá, em Megido (2Rs
23.29-30; 2Cr 35.20 e segs.), e estabeleceu reis títeres sobre o trono de Judá, porém, nem Faraó
Neco nem eles eram adversários para o crescente poder da Babilônia, e assim, durante os vinte
anos seguintes, Judá ficou à mercê dos caldeus e foi finalmente levado em cativeiro, em 586 a.C.
As profecias de Habacuque se referem claramente a esse período e podem ter sido entregues a
público, ou antes, ou depois da batalha de Carquemis. Em ambos os casos, Habacuque teria sido
contemporâneo de Jeremias (627586 a.C.).
Em favor da data mais antiga temos a sugestão, em 1.5, que o levantamento dos caldeus
ainda era acontecimento futuro e, no tempo em que o profeta falou, era ainda algo que fazia as
pessoas se admirarem (E. B. Pusey, por exemplo, data a profecia tão cedo como o fim do reinado
de Manassés, isto é, tão recuada como a frase em vossos dias, em 1.5, permite); em favor de uma
data depois de 605 a.C. temos a descrição detalhada dos métodos de guerra dos caldeus, como
algo já bem conhecido (1.7-11).
O reinado do mau rei, Manassés fora “uma época que provou a fé das almas piedosas”
(Kirkpatrick). A reforma sob o rei Josias (637-608 a.C.) se tinha mostrado ineficaz, pelo que a
iniqüidade e a perversidade (1.3) da desviada Judá deveriam ser castigadas. Por esse motivo
Deus estava levantando os caldeus.
Esse o ponto de vista geral dos eruditos. Alguns, entretanto, referem 1.2-4 não à desviada
Judá, mas a algum opressor pagão. Esse opressor poderia ser a própria Caldéia; nesse caso, o
texto teria de ser rearranjado para que os versículos 5-11 precedessem os versículos 2-4
(Giesebrecht) ou deveriam ser eliminados (Wellhausen). Ou o opressor poderia ter sido a
Assíria: assim pensa Budde, que coloca os versículos 6-11 após 2.2-4, e data a profecia logo
depois de 625 a.C., quando Nabopolassar, o caldeu, se tornou independente da Assíria. Mas,
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nesse caso, por que a Assíria não é mencionada? Em terceiro lugar, há a possibilidade de referir-
se ao Egito: assim pensa G. Adam Smith, que compara 1.2-4 com 2Rs 23.33-35.
Porém, a queixa de Habacuque, em 1.12-2.1 não é que Deus estava usando uma nação
pagã para castigar outra, mas antes, que o Senhor estava usando uma nação pagã para punir Judá.
A despeito de a lei haver sido redescoberta no templo, em 621 a.C. (2Rs 22.8; cf. Hc 1.4), o povo
de Judá se inclinava para a violência e para a injustiça. O rearranjo do texto, para adaptar-se a
uma teoria particular, é sempre um expediente duvidoso. Parece mais seguro aceitar o texto tal
qual está e atribuir 1.2-4 ao povo de Judá.
Um crítico conservador, W. A. Wordsworth, situa a entrega da profecia um século antes,
fazendo Habacuque ser contemporâneo de Isaías, com cujas profecias encontra ele muitas
afinidades em Habacuque. A data fixadora é, então, a captura de Babilônia pelo caldeu
Merodaque-Baladã, em 721 a.C. Outros, com certa base de apoio à sua posição da parte das
versões gregas, omitem inteiramente a palavra “caldeus”, em 1.6, ou então, juntamente com
Duhm, substituem-na pela palavra “Quitim”, isto é, gregos cipriotas, assim colocando o livro nos
dias de Alexandre, o Grande, cerca de 330 a.C. Tais pontos de vista exigem considerável
manuseio no texto e não são muito plausíveis. Mas é interessante notar que os Papiros do Mar
Morto, recentemente descobertos, que contêm o comentário de Habacuque embora lhe falte a
primeira metade de 1.6 traz a seguinte nota a respeito: “interpretese (isso) como os Quitim, cujo
temor está sobre todas as nações”. Isso, entretanto, pode ter sido apenas uma “aplicação
moderna” de uma situação mais antiga.
Parece melhor, por conseguinte, situar a data do livro de Habacuque cerca de 600 a.C., ou
um pouco antes.
15.4. Texto e Composição
O significado do texto hebraico nem sempre é claro e a Septuaginta apresenta algumas
poucas, mas interessantes variações, como, por exemplo, a grande afirmativa em 2.4, que, em um
texto da Septuaginta é “totalmente messiânica” (T. W. Manson). A incerteza quanto a quem se
referem várias passagens tem levado muitos críticos a rearranjar o texto e, em alguns casos, até a
dividir a autoria do livro. Para alguns, Habacuque seria o autor dos capítulos 1 e 2; para outros,
seria ele o autor do capítulo 1 e da maior parte do capítulo 2, enquanto que o capítulo 3 seria um
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poema posterior, do período persa ou dos macabeus. Mas muitos, à semelhança de Kirkpatrick,
de J. Peterson, e de outros, preferem considerar o livro como um todo artístico e relacionado.
Parece que a intenção da profecia era de ser lida e não de ser ouvida (ver 2.2). Tem mais a
natureza de um poema especulatório e meditativo do que um sermão ou discurso público. O
salmo, no capítulo 3, evidentemente tinha o propósito de encorajar o povo de Deus em período
de adversidade.
15.5. Contribuições singulares
15.5.1. Julgamento Divino da Babilônia (3.12)
O Livro de Habacuque segue logicamente o de Naum no julgamento divino do segundo
maior inimigo de Israel, o destruidor vindo do Oriente. Embora tanto Nínive quanto Babilônia
tenham sido usadas pelo Senhor para destruir Israel no norte e Judá no sul (Is 7.18-20; Jr 27.6),
ambas foram também julgadas pela violência. Esses dois livros registram o castigo dessas duas
nações por sua conduta sanguinária e perversa, não tolerada nem aprovada por Deus. Ambos os
livros revelam a grande ansiedade inspirada pelo Senhor e sua grande ira ao vir em julgamento
para realizar pessoalmente a destruição.
15.5.2. Santidade de deus (1.12; 2.20; 3.3).
O maior interesse de Habacuque é pela santidade divina com respeito tanto à
perversidade de Israel, quanto à soberba da Babilônia. Ele se afligiu por Deus permitir que o
pecado continuasse em Judá sem punição, e depois preocupou-se por Deus usar a Babilônia
como instrumento punitivo, nação ainda mais perversa. Esse problema e a respectiva resposta
estão imortalizados em dois clássicos versículos: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o
mal” (1.13). “Mas o Senhor está no seu santo templo: cale-se diante dele toda a terra” (2.20). Se
o Senhor é longânimo com os pecadores e até escolhe “vasos de ira” (Rm 9.22) para executar os
seus objetivos, não faz, todavia, concessões em assuntos onde está em jogo sua santidade.
Permite, com freqüência, que o pecado siga o seu curso normal e se destrua a si próprio dentro
do seu plano, demonstrando assim a soberania e a grandeza da sua santidade e justiça.
15.5.3. “O justo viverá pela sua fé” (2.4)
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Habacuque tem sido denominado de “o livro que começou a Reforma”. Paulo citou
Habacuque 2.4 ao desenvolver a doutrina da justificação pela fé em Romanos 1.17 e Gálatas
3.11, e esse foi o lema de Lutero e dos Reformadores. Essa frase é também citada em Hebreus
10.38, e as três citações do Novo Testamento têm uma progressão interessante, quanto à ênfase:
Em Romanos 1.17, a ênfase está em “O justo”; em Gálatas 3.11, em “viverá”; e em Hebreus
10.38, em “pela fé”. Todos os três pontos estão enfatizados em Habacuque. Poucos versículos da
Bíblia têm participado com tão profundo efeito no desenvolvimento da teologia e da
proclamação da fé.
15.5.4. Frases citadas com freqüência
O pequeno livro de Habacuque é notável pelos seus muitos textos citados:
(a) “Vós não crereis, quando vos for contada” (1.5).
(b) “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal” (1.13).
(c) “Mas o justo viverá pela sua fé” (2.4).
(d) “Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas
cobrem o mar” (2.14).
(e) “Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro” (2.15).
(f) “Mas o Senhor está no seu santo templo: cale-se diante dele toda a terra” (2.20).
(g) “Aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos” (3.2).
(h) “Exultarei no Deus da minha salvação” (3.18).
15.5.5. Ousado diálogo de Habacuque com Deus
Ao contrário de outros livros proféticos, Habacuque é mais uma oração do que uma
profecia. O preocupado profeta ousa dialogar com Deus, enfrentando-o com perguntas que
parecem desafiar tanto a santidade quanto o amor do Senhor. Essa oração continua em todo o
livro, enquanto o profeta faz a pergunta e espera a resposta de Deus. Constitui também um
sistema de ensino muito eficiente, propondo perguntas difíceis e elaborando respostas com
autoridade divina. Isso foi denominado posteriormente de método “rabínico” ou “socrático”, e
também usado por Jesus com muita eficiência (Mt 24.42 e ss.). A fé divina de Habacuque é tão
vigorosa e profunda, que ele pode expressar honestamente suas dúvidas e ficar satisfeito quando
o Senhor responde com novos apelos à fé.
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15.5.6. Cristologia em Habacuque (2.14,20)
Esse livro também não apresenta referências específicas ao Messias, apenas diversas
inferências da era messiânica. Em 2.14, o profeta declara que o conhecimento da glória do
Senhor será universal. É uma inegável citação e acréscimo de Isaías 11.9, onde o antigo profeta
descreve certos aspectos dos tempos messiânicos. Habacuque especifica que o conhecimento
universal será referente à glória do Senhor. O contraste é com os que labutam inutilmente, até ao
derramamento de sangue, pela breve e passageira glória de reinados temporais. O conhecimento
da glória do Senhor, a qual está atualmente quase escondida, cobrirá e encherá então a terra.
Uma segunda inferência messiânica é a exortação “Cale-se diante dele toda a terra”, bem
como “O Senhor (...) está no seu santo templo” (2.20). Existem afirmações semelhantes em
Sofonias 1.7 e Zacarias 2.13, quando anunciada a vinda do Senhor no Dia do Senhor. Do mesmo
modo, Apocalipse 8.1 fala de um período de silêncio no céu antes do desencadeamento da ira de
Deus na última metade do período de tribulação. Aqueles julgamentos do Apocalipse são vistos
continuamente como procedentes do Senhor no seu santo templo, enfatizando a santidade de
Deus e o despejar de sua justiça e ira (Apocalipse 8.4; 14.15,17; 15.8; 16.1,17). Parece que essa é
também a idéia de Habacuque quando ele apresenta o salmo da ira de Deus contra as nações, em
sua descrição da teofania militante e majestosa (3.3-16).
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16. O LIVRO DE SOFONIAS
16.1. Esboço do Livro
Introdução (1.1)
I. O Julgamento e o Dia do Senhor (1.2—3.8)
A. Julgamento sobre a Terra (1.2,3)
B. Julgamento contra o Povo de Judá (1.4-18)
1. Descrição dos Pecados de Judá (1.4-9)
2. Advertência a Jerusalém (1.10-13)
3. O Grande Dia do Senhor (1.14-18)
C. Chamada ao Arrependimento (2.1-3)
D. Julgamento das Nações (2.4-15)
1. Os Filisteus (2.4-7)
2. Os Amonitas e Moabitas (2.8-11)
3. Os Etíopes (2.12)
4. Os Assírios (2.13-15)
E. Julgamento de Jerusalém (3.1-7)
1. Pecados de Jerusalém (3.1-4)
2. A Justiça Divina contra Jerusalém (3.5-7)
3. Julgamento de Toda a Terra (3.8)
II. A Salvação e o Dia do Senhor (3.9-20)
A. O Remanescente Restaurado e Jerusalém Purificada (3.9-13)
B. O Povo Jubiloso com Deus no Seu Meio (3.14-17)
C. Promessas Finais a Respeito da Restauração (3.18-20)
16.2. Autor e data
O livro de Sofonias é o nono na coleção da literatura profética dos hebreus. Em muitos
particulares é um dos típicos “profetas menores”, mas assinala “a primeira coloração de profecia
com apocalipse”. Sofonias era homem realista, sóbrio e controlado, ainda que não lhe faltassem
poderes impressionantes de imaginação e poderosas e realísticas figuras de linguagem. É certo
que ele era jovem quando escreveu sua profecia, mui provavelmente com não mais de vinte e
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nove anos de idade, quando começou a profetizar. Foi contemporâneo de Jeremias entre os
profetas, e do bom rei Josias, de Judá. Alguns eruditos (KIRKPATRICK, Doctrine of the
Prophets, p. 237) comprazem-se em dizer que Naum também foi contemporâneo de Sofonias e
que Sofonias surgiu perto do fim do ministério daquele, o qual, naturalmente, dizia respeito
exclusivamente à cidade de Nínive. Mas, não podemos concordar com tido isso, pois,
argumenta-se, a destruição de Nínive não teve lugar senão em 612 a.C. e Naum deve ser
considerado como profeta mais próximo desse acontecimento do que do período coberto por
640-621 a.C. que foi a época em que Sofonias deve ter aparecido.
O aparecimento de Jeremias parece ter sido imediatamente depois das primeiras profecias
de Sofonias. Há aqueles que asseveram que eram os dois profetas praticamente da mesma idade,
porém, não existe prova sobre qualquer combinação íntima entre os dois. Efetivamente, em
certos pontos, Jeremias percebeu a fraqueza e o perigo do reavivamento generalizado e súbito de
Sofonias. Indubitavelmente Jeremias se regozijou com as reformas provocadas pela pregação de
Sofonias, realizada por Josias; mas parece que Jeremias podia ver além – talvez por já ter vivido
mais que o outro profeta – e que considera uma parte da reforma como mera formalidade
externa, um gesto próprio de um movimento popular, e não uma purificação sincera e espiritual,
dotada de qualidade de permanência.
Sofonias foi o primeiro profeta no período de duas gerações. Provavelmente já se tinham
passado setenta anos desde que tinham sido ouvidas as vozes dos profetas do período da
ascendência dos assírios – Isaías e Miquéias. A sorte que coube a Samaria, em 712 a.C. servia de
solene memória sobre o poder, a majestade e a retidão de Deus. É possível que os cinqüenta anos
anteriores ao reinado de Josias se tenham caracterizado por uma nova queda na degeneração e na
esterilidade, na história de Judá. Seja como for, o vigor e o zelo da juventude de Sofonias eram
qualidades necessárias em vista da situação que prevalecia, e são qualidades facilmente
discerníveis em seu livro. A franqueza e o tom imperdoável dos pronunciamentos de julgamento
são qualidades típicas de um homem jovem que possui fortes convicções e manifesta um grau
incomum de sensibilidade moral e dedicação. O zelo reformador do jovem rei Josias (639-609
a.C.) tinha paralelo apropriado na fervorosa pregação do novo jovem profeta. Ambos “vieram ao
reino para um tempo tal como aquele” e a juventude de ambos e os anos difíceis que os
moldaram prepararam-nos bem para desempenhar um digno papel naquela nova era. O Dr.
George Adam Smith sugere que o nome de Sofonias, que significa “Jeová tem guardado (ou
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ocultado)”, pode indicar que seu nascimento teve lugar durante o tempo da matança efetuada por
Manassés.
(The Book of the Twelve Prophets, Vol. 2, p. 47). De qualquer modo, o que é certo é que
quando, na providência de Deus, Sofonias se apresentou no palco dos acontecimentos de Judá,
ele marcou o início de uma nova linha de profetas que deveria incluir Jeremias, Habacuque,
Obadias e Ezequiel (além de Naum, se for aceita a data posterior para sua profecia), todos os
quais procuraram salvar Judá da sorte que já tinha envolvido o reino do norte. Por conseguinte, é
possível dizer com certeza que o corpo principal do livro deve ser associado com a reforma
ligada com Josias, que teve lugar em 621 a.C. e é razoável supor que a pregação de Sofonias foi
uma das causas contribuintes dessa reforma. Portanto, podemos concluir que a data provável foi
cerca de 630 a.C.
16.3. Circunstâncias de sua elocução
Conforme já foi indicado, as circunstâncias dentro das quais Sofonias foi chamado a
profetizar eram, a um e ao mesmo tempo, perigosas e promissoras. Durante o longo reinado de
Manassés (696-642 a.C.), o perverso filho do bom rei Ezequias, o estado moral e religioso de
Judá se tinha tristemente deteriorado (2Cr 33.1-11). Durante todo o seu reinado ele se tinha
oposto ao reavivamento religioso que havia caracterizado o reinado de seu pai. Manassés
edificou novamente os altares que seu pai havia derrubado e restaurou a aviltante adoração da
natureza associada à adoração de Baal. Superstição, adoração das estrelas e até mesmo
sacrifícios humanos, se tornaram parte de uma religião de formalidades e cerimônias externas
privada de realidade interna e sem convicções espirituais ou éticas. É possível fotografar tudo
isso como “o sinal de uma alma desesperadamente ansiosa a procurar, cegamente, como
propiciar os misteriosos poderes divinos – a volta fanática à religião de seu avô”, mas, quando
muito não passava de um externalismo e de um sincretismo religioso que pagava muita
deferência aos senhores assírios e, para os profetas, não passava de uma clara e precipitada
iniqüidade. Aqueles que haviam tentado preservar a pureza da adoração a Jeová tinham sido
recompensados por seus esforços, com a perseguição e até mesmo com a morte. “Manassés
derramou muitíssimo sangue inocente, até que encheu a Jerusalém de um ao outro extremo” (2Rs
21.16).
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É verdade, naturalmente, que Manassés se arrependeu dessa atitude antes de sua morte e
que “humilhou-se muito perante o Deus de seus pais” (2Cr 33.12). Também é evidente que as
más tendências de seu reinado não haviam conquistado inteiramente o apoio do povo. Uma vez
mais, havia um remanescente que não havia dobrado os joelhos; havia aqueles que desejavam e
trabalhavam para a vinda de tempos melhores. Era esse fator que tornava aquele período ao
mesmo tempo promissor e perigoso. Josias tornou-se rei de uma nação, dentre a qual muitos
ansiavam por uma religião mais pura e estavam prontos tanto para ouvir Sofonias como para
seguir o rei em seu zelo reformador.
Também se deve fazer menção da invasão da Média e da Assíria pelos citas, em 632 a.C.
que transformou seus campos frutíferos em um deserto, como se uma nuvem de gafanhotos
tivesse passado por eles. “A guerra era sua principal atividade, e serviram de terrível flagelo para
as nações da Ásia Ocidental. Romperam a barreira do Cáucaso em 632 a.C. e, avançando através
da Mesopotâmia, pilharam a Síria e estavam prestes a invadir o Egito quando Psamatique I os
comprou com ricos presentes” (PORTER, I.S.B.E., p. 2.706). O relato dessa invasão, que é dado
por Heródoto, no Livro IV de sua História, tem recebido alguma confirmação mediante
pesquisas recentes sobre a questão e serve para explicar o decadente poder da Assíria, o que
permitiu Josias levar a efeito suas reformas e deu à Babilônia a oportunidade de assumir a
ascendência.
Alguns eruditos, por outro lado, duvidam da exatidão do relato de Heródoto, em vista dos
erros demonstráveis ali contidos e porque ele é nossa única fonte de autoridade para a história de
que os citas chegaram tão ao sul e ao oeste a ponto de chegarem a fronteira egípcia. Além disso,
é argumentado que, visto que estamos a tratar de uma “linguagem escatológica tipicamente vaga,
em que tudo é visto através de uma nuvem de poeira”, os julgamentos aqui anunciados não
podem referir-se àquela invasão. (ELLISON, Men Spake from God, p. 81). Não é essencial,
entretanto, supor que a invasão cita é aqui retratada, mas é razoável sustentar que, sabendo a
respeito como com certeza sabia, Sofonias teria visto nela um quadro do que aconteceria se Judá
persistisse em seu presente curso de rebelião contra o Senhor. Em realidade, a invasão cita
parece não ter atingido Judá de forma alguma; seu opressor, afinal de contas, e o instrumento do
julgamento de Deus, foi a Babilônia.
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16.4. A mensagem de Sofonias
Sofonias era habitante de Jerusalém. Isso é óbvio em vista de certas referências a locais
específicos da cidade, que só poderiam ter sido feitas por alguém que estivesse bem
familiarizado com eles (cf. 1.4, “deste lugar”; 1.10,11,12). Na cidade, o profeta observava a
populaça, que se inclinava a viver mediante a força e a fraude entre si mesmos, mostrando-se
idólatra e cética para com Deus. Suas primeiras profecias, por esse motivo, estão envolvidas
numa melancolia sem alívio; o traço negro na face de Deus é mui claramente perceptível no
quadro que temos em 1.1-3.8. Desse ponto em diante, todavia, soa uma nova nota -a esperança
de salvação universal e a restauração final para Judá. A seção de 3.9-20 é tão diferente da que a
antecede que alguns eruditos a separam do resto do livro; porém, não há razão pela qual isso
deva ser feito. É verdade que o grande peso da pregação profética de Sofonias dizia respeito ao
julgamento, súbito, iminente e desastroso, contra Judá e as nações circunvizinhas. Contudo,
freqüentemente descobrimos que aqueles que mais claramente discernem os julgamentos de
Deus contra o mundo em geral, são aqueles que também vêem o arco-íris de Seu amor e
misericórdia arqueados no horizonte do futuro. Sofonias, pois, apesar de ter predito os
julgamentos que sobreviriam a Judá, viu-os como um expurgo necessário e essencial para que
Judá se tornasse a nação bendita do Senhor e Sua criada perante o mundo inteiro.
16.5. Objetivo do livro de Sofonias
O objetivo dessa profecia era divulgar um chamado de undécima hora à nação,
condenando sua idolatria e advertindo o povo sobre o grande dia da ira divina que estava para
vir. Além desse aviso, Sofonias enfatizou novamente os resultados finais do julgamento de
Israel, que seria um povo purificado e humilde, restaurado pelo Senhor, e este passaria a habitar
no meio deles.
16.6. Contribuições singulares
16.6.1. “O Grande Dia do Senhor” (1.14)
A grande ênfase de Sofonias é o Dia do Senhor, e o realce de sua fúria. Três profetas
falaram do “grande” dia do Senhor: Joel 2.31 (835 a.C.), Sofonias 1.14 (630) e Malaquias 4.5
(430) (datas aproximadas), havendo entre essas profecias um período aproximado de duzentos
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anos. Cada um desses profetas falou a Judá em época de apostasia, admoestando a nação sobre o
terrível julgamento do Senhor, e também indicando o Deus de Israel como o lugar de refúgio
para o arrependido.
16.6.2. Sofonias e a sua terrível descrição de Deus (1.18)
Embora Miquéias, Naum e Habacuque também apresentassem o Senhor como um Deus
de severo julgamento, a descrição da ira divina dada por Sofonias é provavelmente a mais
terrível da Bíblia. O quadro de 1.18 e 3.8 é como o “colapso final do universo”. O Todo-
poderoso consome toda a terra com o fogo da sua indignação em virtude do pecado e da
intransigência dos homens. Jamais veio de um profeta mensagem mais severa e sombria. O
Rabino Lehrman diz: “A diferença entre Sofonias e os outros profetas é que ele faz da denúncia e
ameaça, e não do ensinamento moral positivo, o principal tema da sua pregação” (COHEN, The
Twelve Prophets (Soncino), p. 233). Ele confronta solenemente os homens com a sombria
realidade do seu iminente encontro com um Deus ultrajado que está prestes a liquidar homens
idólatras e rebeldes. Não é uma apresentação muito popular do cenário da atuação divina,
cenário esse muitas vezes traçado com as tremendas cores de um imaginário “Inferno de Dante”.
Mas esses últimos profetas descrevem o dia da ira de Deus em termos altamente específicos.
Sofonias também realçou a disponibilidade da misericórdia divina para os que o procuram, mas
não admite a diminuição da sua ira, que dará um terrível fim à terra pela sua rejeição obstinada
ao Senhor.
16.6.3. O resumo mais arrebatador das profecias do Antigo Testamento
Já se observou que “se alguém quiser ver todos os oráculos secretos do Antigo
Testamento reduzidos a um pequeno resumo, basta apenas o Livro de Sofonias”. Seu tema
central refere-se ao Dia do Senhor, mostrando sua relação para com Israel e as nações. Descreve
os julgamentos partindo da natureza divina e da rebelião e corrupção dos homens. Como a
maioria dos outros profetas, Sofonias conclui com uma profecia da restauração de Israel após seu
arrependimento. O Senhor vem a ele como um Guerreiro vitorioso, a fim de levar seu povo para
a renovação e o triunfo. Embora Sofonias não apresente muito conteúdo original, resume as
principais características da profecia ao desferir as declarações de caráter decisivo. Foi, mais do
que os outros, o profeta da ênfase e conclusão.
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16.6.4. Catálogo dos pecados religiosos (1.4-6; 3.1-5)
O julgamento do Senhor põe em grande destaque todos os tipos de idolatria e
experiências religiosas superficiais. A lista do profeta inclui:
(a) Adoradores de Baal e de outras divindades cananéias.
(b) Adoradores da natureza, do sol, da lua e das estrelas.
(c) Religiões sincréticas que pressupõem adorar o Senhor, mas também adoram outros
deuses.
(d) Os que abandonam deliberadamente a adoração divina.
(e) Os indiferentes que não se interessam em obedecer às exigências divinas (1.4-6).
Ainda há os que têm idéias deistas, supondo que o Senhor vive muito ocupado e
indiferente às situações angustiosas dos homens (1.12). Sofonias reservou também uma invectiva
contra os corruptos lideres de Jerusalém, tanto religiosos quanto civis, que se tinham tornado
impermeáveis às instruções divinas (3.1-5). Com rematado desdém pelos orgulhosos, o profeta
apenas viu esperança para os humildes que, embora coxos e proscritos, confiavam no nome do
Senhor (2.3; 3.12).
16.6.5. Cristologia em Sofonias (3.15,17)
Ao descrever o desenrolar do dia do Senhor, Sofonias declara que o “Rei de Israel”, que
estará no meio do povo, não será nada menos que o próprio Senhor (YHWH) (3.15). Ele virá
como guerreiro vitorioso para livrá-los de todos os seus últimos inimigos. Sua vinda será alvo de
grande alegria e exultação. Ele restaurará a precária situação dos judeus, tirando-os do opróbrio
para fazer deles “um louvor e um nome em toda a terra” (3.19). Será para todos um lugar de
refúgio (2.3).
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17. O LIVRO DE AGEU
17.1. Esboço do Livro
I. A Primeira Mensagem: Concluir a Construção do Templo (1.1-15)
A. Data: 1º de Elul (29 de agosto) de 520 a.C. (1.1)
B. O Profeta Repreende o Povo por Não Ter Concluído a Construção do Templo (1.2-
11)
C. A Reação do Povo (1.12-15)
II. A Segunda Mensagem: A Promessa de Maior Glória (2.1-9)
A. Data: 21 de Tisri (17 de outubro) de 520 a.C. (2.1)
B. O Último Templo Comparado ao Anterior (2.2-4)
C. A Glória do Último Templo Será Maior (2.5-9)
III. A Terceira Mensagem: A Chamada à Santidade com Bênçãos (2.10-19)
A. Data: 24 de Quisleu (18 de dezembro) de 520 a.C. (2.10)
B. O Efeito Corruptor do Pecado (2.11-14)
C. A Bênção da Obediência (2.15-19)
IV. A Quarta Mensagem: Uma Promessa Profética (2.20-23)
A. Data: 24 de Quisleu (18 de dezembro) de 520 a.C. (2.20)
B. A Ruína Futura das Nações (2.21,22)
C. O Significado Profético de Zorobabel (2.23)
Ageu, o primeiro dos profetas da restauração, não tem história registrada sobre sua
pessoa. Ele era "o embaixador do Senhor" (1.13) e seus testemunhos estão seguramente
entesourados com seu divino Empregador. A mensagem, e não o mensageiro, era de importância
primária. Deus, e não o seu profeta, domina a cena.
17.2. Data
É impossível fixar com exatidão o período coberto pela vida de Ageu. Tem-se
conjecturado que ele vira o templo de Salomão. Essa conjectura se baseia em 2.3 -"Quem há
entre vós que, tendo ficado, viu esta casa na sua primeira glória?" Isso significaria que o profeta
tinha pelo menos oitenta anos de idade quando sua mensagem foi transmitida. Porém, a
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linguagem do versículo, não apoiada por outras evidências, dificilmente poderá sustentar tal
interpretação. É muito mais provável que ele nasceu no tempo e na terra do cativeiro. O período
que apresenta maiores probabilidades, por conseguinte, seria a primeira metade do sexto século.
Sua mensagem, entretanto, está tão ligada com a história de seu tempo que ela pode ser
definidamente fixada como tendo sido proferida em 520 a.C. Sua idade, então, pode ser apenas
conjecturada, e só podemos inferir que Deus considerava isso sem importância. As datas, tão
proeminentes na profecia, se referem, como as datas sempre se referem, a coisas passadas,
porém, por trás delas obtemos um quadro bem focalizado sobre o caráter e os requerimentos
independentes do tempo de Deus.
17.3. Autor
Jerônimo explica o nome Ageu, dizendo que significa "festivo" (derivado de haj, o
"festivo" ou "exuberante"). Isso a não ser que a suposição de Reinke seja verdadeira, de que ele
nasceu em algum dia festivo, sugeriria tanto que seus pais foram guiados divinamente, como
que, sob as circunstâncias da época, uma forte fé da parte deles os tenha levado a escolher tal
nome para seu filho. Parecem ter percebido que, embora ele semeasse entre lágrimas, haveria de
colher com alegria. A profecia envolvida em seu nome, seja como for, foi cumprida, pois Ageu é
um dos poucos profetas que teve o indizível prazer de ver amadurecerem os frutos de sua
mensagem perante seus próprios olhos.
Ficamos limitados inteiramente aos seus próprios escritos para poder fazer a estimativa
do homem. Um par de referências, em Esdras, meramente se referem a ele como "Ageu, o
profeta". Não há vôos poéticos de fantasia neste livro. Seu estilo chega a ser considerado por
alguns, como deslustrado e prosaico. Porém, há certa concisão, franqueza e brevidade naquilo
que ele tem para dizer. Essa brevidade tem levado alguns a considerarem que talvez tenhamos
aqui sua mensagem em forma apenas condensada. Bem pode ser igualmente a verdade que essa
característica, juntamente com as outras, nos forneça provas de que o profeta era um mensageiro
simples, franco e direto. O homem, entretanto, estava engolfado em sua obra. Ele se mostra,
caracteristicamente, profeta de Deus, falando em lugar de Deus e estabelecendo uma espécie de
serviço postal entre Deus e Seu povo.
17.4. Os tempos
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Ageu tinha uma tarefa claramente definida a realizar. Sua tarefa divergia e, em alguns
aspectos, era mais estritamente limitada, da tarefa de qualquer dos profetas anteriores ou de seu
contemporâneo, Zacarias. As circunstâncias eram diferentes daquelas dos dias anteriores ao
cativeiro. Quando os profetas mais antigos entregavam sua mensagem, a casa do Senhor estava
presente com toda a sua glória exterior, uma honrosa herança do passado. As observâncias
cerimoniais eram rigidamente cumpridas, tanto quanto diz respeito às formalidades externas. Tão
meticulosamente observadas eram elas, efetivamente, que afinal o Todo-poderoso ficou
"cansado" daquelas rígidas formalidades mortas. Quando a religião do povo assim se
transformava em joio, este olhava com auto-satisfação e com ilusório orgulho para os
magnificantes edifícios e diziam: "Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é
este" (Jr 7.4). O apelo dos profetas, por conseguinte, era inspirado pelo Espírito e, algumas
vezes, era um grito angustioso para que o povo apreciasse devidamente os valores espirituais e
agisse de conformidade com sua religião transmitida por Deus. Pois o povo dava importância
primária às coisas materiais e formais em suas vidas.
Agora tais edificações estavam em ruínas, e o pêndulo se tinha inclinado para o outro
lado. Nem ao menos havia interesse suficiente nas coisas externas para impelir o povo a
reconstruir o templo.
17.5. A Mensagem
A tarefa especializada e dada por Deus a Ageu era a de galvanizar o povo em ação, num
novo esforço, nessa direção. Os argumentos derivados do passado ou do futuro, eram
empregados por ele e focalizados sobre essa tarefa.
Contemporânea e complementar da obra de Ageu era a tarefa de Zacarias. O próprio zelo
e entusiasmo de Ageu, pela reconstrução material da casa de Deus, poderia tender a fazer o povo
desviar seus pensamentos do Deus da casa e da glória do Messias vindouro. Certamente havia
também espaço para a mensagem de Zacarias. Entretanto, estaríamos sendo muito injustos para
com Ageu se considerássemos que as coisas materiais eram as únicas que o preocupavam, como
alguns afirmam, de que ele estava interessado apenas em "tijolos e massa". O cirurgião que se
especializa em doenças dos pés não e indiferente para com o fato que o coração e o sistema
circulatório são vitais para a saúde do corpo inteiro e essenciais para o sucesso de seus próprios
esforços para tratamento de um membro particular. Semelhantemente, Ageu não se esquecia que
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a religião vital, em sua inteireza, estava por detrás da obra especial do momento; e, nas
revelações que lhe foram concedidas por Deus, havia motivos suficientes para justificá-lo, na
companhia de todos os seus colegas profetas, a buscar "qual a ocasião ou quais as circunstâncias
oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava". Ele via o dia de Cristo à
distância, e com isso, alegrou-se. Ele via a restauração do templo como um elo na grande cadeia
dos acontecimentos orientados por Deus. Ele via em Zorobabel, seu príncipe, uma cadeia viva na
corrente humana da semente de Davi, que continuaria sem interrupções até a vinda do Messias
(Mt 1.12 e segs.). Ele via a glória de um reino para o qual, um dia, as nações fluiriam, como "as
águas cobrem o mar".
O trabalho para o qual Deus chamou ambos os governantes e o povo de Judá, por meio de
Ageu, era o reinício de uma tarefa não terminada (ver Ed 4). Os 50.000 exilados, que tinham
aproveitado o decreto de Ciro e haviam retornado da Babilônia para sua pátria de origem, tinham
iniciado a reconstrução do templo. Essa obra, entretanto, havia sido interrompida, devido, pelo
menos ostensivamente, à feroz oposição e amarga oposição da parte do "povo que habitava a
terra", aqueles colonos que se haviam estabelecido ali durante o período do exílio dos judeus, a
fim de preencher os vazios de uma população dizimada. O verdadeiro motivo dessa interrupção,
entretanto, foi a letargia do povo de Deus. Por cerca de dezesseis anos a casa do Senhor jazia
"desolada", e a melancolia da cena era intensificada pelos sinais da tentativa de reconstrução que
abortara. Subitamente àquele povo letárgico, Ageu aparece, como um mensageiro despachado da
sede do comandante supremo e dramaticamente apresentou sua mensagem. Incidentalmente, o
registro das providências de Deus para com Seu povo revela para nós a chave para a solução do
problema de alimentação no mundo. Condensada nas palavras de Cristo, poderíamos ler:
"Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas" (Mt 6.33).
17.6. Contribuições singulares
17.6.1. Profeta da construção do templo
Mais do que qualquer outra pessoa, Ageu foi o responsável por conseguir que a
construção recomeçasse e fosse terminada. Ele apareceu em cena após uma grande arrancada e
parada brusca na reconstrução do templo. Os líderes estavam assustados e derrotados. Com a
seca de 332 a depressão, não era oportuno o reinício das obras. A despeito das opiniões em
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contrário, Ageu insistiu com os líderes e o povo para atender a essa prioridade, para que Deus
pudesse derramar bênçãos sobre todos os empreendimentos do povo. Evidentemente, isso foi
realizado antes de surgir qualquer indício de que o novo rei persa, Dario I, reagiria de maneira
favorável, conforme ficou demonstrado mais tarde (Ed 5.1; 6.1). O templo que eles
reconstruíram resistiu mais tempo do que qualquer outro dos templos de Israel, tornando-se uma
verdadeira homenagem a Zorobabel, o governador, e a Ageu, o profeta (Ed 5.1-2).
Ageu relacionado com Sofonias
A profecia de Ageu segue a de Sofonias no cânon como um cumprimento parcial da era
pós-exílio. Em Sofonias 3.18, Deus tinha prometido reunir os exilados que se lastimavam pela
interrupção das festas, e restaurar suas alegrias e sua vida normal. Para que as festas fossem
reiniciadas e as atividades restauradas, era necessário que o templo, habitação do Senhor, fosse
reconstruído. Essa era a responsabilidade de Ageu naquele momento. Antes do cumprimento
final da profecia de Sofonias, entretanto, o Senhor ainda irá abalar céu e terra e todas as nações
(2.6-7,22). Isso levou o profeta a lembrar a todos que a grande prosperidade dos tempos
messiânicos ainda estava no futuro, mas que a mão cheia de bênçãos de Deus viria após a
obediência do povo. Se Sofonias tinha uma mensagem catastrófica para alertar todas as nações
sobre o iminente julgamento do Senhor, Ageu tinha uma mensagem encorajadora da presença
imediata do Senhor para abençoar os que construíssem sua casa e observassem a execução de
seus preceitos imediatamente (Sf 3.8; Ag 2.4-5).
17.6.2. Ageu promete prosperidade econômica (1.6,10)
Três profetas relacionaram a prosperidade econômica com a obediência espiritual: Joel,
Ageu e Malaquias (Jl 2.18 e ss.; Ag 1.6-11; Ml 3.10). Tal fato é verdade como um princípio geral
de causa e efeito (Pv 11.24), mas relaciona-se especialmente à aliança mosaica de bênçãos para a
obediência (Lv 26. 14-20). Sua aplicação por Ageu demonstra a continuação do relacionamento
da aliança entre Israel e o Senhor, mesmo depois do exílio. Porém, observam-se muitas exceções
a esse princípio em ambos os testamentos, porquanto Deus usa tanto a adversidade quanto a
prosperidade para amadurecer o seu povo.
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17.6.3. Laconismo e poder de Ageu
Ageu não somente escreveu um dos livros mais curtos do Antigo Testamento (perdendo
apenas para Obadias), como proferiu alguns dos sermões mais curtos (1.13, seis palavras, ou
quatro em hebraico). Embora suas mensagens fossem breves, eram penetrantes e poderosas. O
poder de suas palavras relacionava-se com a autoridade de quem as proferia, pois Ageu sempre
as reforçava com a expressão "assim diz o Senhor" (26 vezes em 38 versículos). Obviamente sua
ênfase estava na autoridade divina; não era apenas mera eloqüência ou argumentação. Ageu foi
um dos profetas mais bem-sucedidos em termos de resultados imediatos. Ele reconheceu o poder
da autoridade do Senhor, mesmo diante de oposição esmagadora.
17.6.4. Cristologia em Ageu (2.7-9)
O livro contém duas referências ao Messias como Sacerdote e Rei. "Encherei de glória
esta casa" é afirmado num contexto de reinado messiânico, provavelmente referindo-se à volta
da glória na pessoa do Messias, conforme explicação de Ezequiel 43.4-7. Ao restante do povo
que tinha visto a antiga glória do templo de Salomão e agora chorava pela insignificância da
nova, o Senhor declarou: "A glória desta última casa será maior que a da primeira" (2.9). Sua
glória verdadeira não seria a prata e o ouro, mas a presença pessoal do Senhor entre eles. Seria
esse o trono do Messias "onde habitarei no meio dos filhos de Israel para sempre" (Ez 43.7).
Uma segunda referência messiânica é a escolha de Zorobabel como "um anel de selar", símbolo
da autoridade real do Messias no reino.
18. O LIVRO DE ZACARIAS
18.1. Esboço do Livro
I. Primeira Parte: Palavras Proféticas no Contexto da Reedificação do Templo (520—518
a.C.) (1.1—8.23)
A. Introdução (1.1-6)
B. Série de Oito Visões Noturnas (1.7—6.8)
1. Visão do Cavaleiro entre as Murtas (1.7-17)
2. Visão dos Quatro Chifres e dos Quatro Ferreiros (1.18-21)
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3. Visão de um Homem Medindo Jerusalém (2.1-13)
4. Visão da Purificação de Josué, o Sumo Sacerdote (3.1-10)
5. Visão do Castiçal de Ouro e das Duas Oliveirs (4.1-14)
6. Visão do Rolo Voante (5.1-4)
7. Visão da Mulher num Efa (5.5-11)
8. Visão dos Quatro Carros (6.1-8)
C. A Coroação de Josué como Sumo Sacerdote e o Seu Significado Profético (6.9-15)
D. Duas Mensagens (7.1—8.23)
1. O Jejum e a Justiça Social (7.1-14)
2. A Restauração de Sião (8.1-23)
II. Segunda Parte: A Palavra Profética a Respeito de Israel e do Messias (sem data) (9.1—
14.21)
A. Primeira Profecia do Senhor (9.1—11.17)
1. A Intervenção Triunfal do Senhor (9.1-10)
2. Anunciada a Salvação Messiânica (9.11—10.12)
3. Rejeição do Messias (11.1-17)
B. Segunda Profecia do Senhor (12.1—14.21)
1. Luto e Conversão de Israel (12.1—13.9)
2. A Entronização do Rei Messias (14.1-21)
18.2. Considerações Preliminares
O primeiro versículo identifica o profeta Zacarias, filho de Baraquias e neto de Ido (1.1),
como o autor do livro. Neemias informa ainda que Zacarias era cabeça da família sacerdotal de
Ido (Ne 12.16). Por esta passagem, ficamos sabendo que ele era da tribo de Levi, e que passou a
servir em Jerusalém, depois do exílio, tanto como sacerdote quanto profeta.
Zacarias era um contemporâneo mais jovem do profeta Ageu. Esdras 5.1 declara que
ambos animaram os judeus, em Judá e Jerusalém, a persistirem na reedificação do templo nos
dias de Zorobabel (o governador) e de Josua (o sumo sacerdote). O contexto histórico para os
capítulos 1—8, datados entre 520—518 a.C., é idêntico ao de Ageu. Como resultado do
ministério profético de Zacarias e Ageu, o templo foi completado e dedicado em 516—515 a.C.
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Em sua juventude, Zacarias havia trabalhado lado a lado com Ageu, mas ao escrever os
capítulos 9—14 (que a maioria dos estudiosos data entre 480— 470 a.C.), já se achava idoso. A
totalidade das profecias de Zacarias foi enunciada em Jerusalém diante dos 50.000 judeus que
haviam voltado a Judá na primeira etapa da restauração. O Novo Testamento indica que
Zacarias, filho de Baraquias, foi assassinado “entre o santuário e o altar” (i.e., no lugar da
intercessão) por oficiais do templo (Mt 23.25). Algo semelhante ocorrera a outro homem de
Deus que tinha o mesmo nome (2Cr 24.20,21).
18.3. Contribuições singulares
18.3.1. Livro de "Apocalipse" do Antigo Testamento
Do mesmo modo que o Novo Testamento termina com uma grande visão apocalíptica dos
tempos do fim, o Antigo Testamento também termina com essa visão, no Livro de Zacarias.
Ambos os livros resumem e esclarecem profecias já apresentadas em termos de realização. Em
Zacarias, as duas vindas do Messias são encaixadas com o intuito de apresentar uma vasta pré-
estréia do futuro de Israel. Em Apocalipse, os muitos detalhes da sua segunda vinda são
correlacionados e postos em relevo para mostrar o auge do programa divino na terra (Zc 9.9-10;
Ap 12.6; 13.5; 14.14 e ss.; 16.18 e ss.; 19.9 e ss.). O Livro de Zacarias, bem como o de
Malaquias, acentua e quase esboça a obra vindoura do Messias para trazer salvação espiritual na
sua primeira vinda, e livramento nacional de Israel na sua segunda vinda (1214).
18.3.2. Livro "muito misterioso"
Muitos intérpretes, tanto judeus como cristãos, consideram esse livro "muito obscuro e de
difícil explicação" (Eli Cashdan, The Twelve Prophets, p. 267). Para alguns, à exceção do fato de
que "Jeová deseja ter o templo reconstruído (...), tudo o mais é obscuro" (Steven Harris,
Understanding the Bibte, p. 123). No entanto, a profecia não foi escrita para mistificar, e sim
para esclarecer as verdades referentes ao futuro de Israel. Quando as verdades centrais das visões
parabólicas são observadas, e todas as visões são relacionadas a profecias anteriores, o motivo
messiânico torna-se central durante as lutas e a marcha dos acontecimentos de Israel. Essa
profecia forneceu alguns esclarecimentos muito importantes para Israel sobre sua redenção e o
futuro nacional, quando o povo entrou em uma outra fase dos tempos dos gentios, com os seus
anseios ainda não cumpridos a respeito da vinda do Messias (8.7-8; 9.9-10; 11.9, 13; 12.10).
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18.3.3. Zacarias em relação a Daniel
Embora as profecias de Daniel e Zacarias estejam ambas cheias de conteúdo profético,
suas ênfases são diferentes:
(a) Daniel associou visões proféticas e predições com conteúdo histórico. Zacarias
apresentou as visões e predições num contexto exortativo (Dn 2; Zc 2).
(b) Daniel enfatizou o futuro profético dos Tempos dos Gentios quando estes se
relacionavam com Israel. Zacarias tratou quase exclusivamente do futuro de Israel, apenas
observando algumas relações gentias (Dn 2,7; Zc 12.3).
(c) Daniel focalizou os reis gentios e a vinda do Anticristo, mencionando o Messias
somente uma vez, quase incidentalmente (Dn 9.26). Zacarias assinala com freqüência a vinda do
Messias, mencionando o aparecimento do Anticristo apenas incidentalmente (11.16).
(d) Daniel foi um estadista da linhagem real de Judá e desvendou a ascensão dos reinados
gentios até o estabelecimento do reino do Messias na terra (Dn 2.44). Zacarias foi um sacerdote
e, de maneira característica, insistiu na reconstrução do templo, na purificação da nação e na
restauração da justiça e santidade da terra (1.4,16; 3.4; 12.10).
18.3.4. O grande dia da batalha do Senhor (14.3)
Zacarias concluiu essa profecia com uma descrição da culminante batalha da terra,
quando o próprio Senhor se envolverá na peleja. Esse "homem de guerra", característica do
Senhor, foi aludido em Êxodo 15.3, dramatizado em Naum 1.2, Habacuque 2.8-15 e Sofonias
3.8, e é apresentado em toda a sua pujança nessa visão conclusiva. Quando o Senhor sair para a
peleja, confrontar-se-á com todas as nações reunidas contra Jerusalém (14.2; Ap 16.14; 19.19).
Suas armas não são reveladas, mas fica-se conhecendo o resultado da batalha: a seus inimigos
sucederá que "a sua carne será consumida, estando eles de pé, e lhes apodrecerão os olhos nas
suas órbitas, e lhes apodrecerá a língua na sua boca" (14.12), uma forte sugestão de fissão
nuclear. Terremotos criarão mudanças topográficas na terra, preparando-a para a era messiânica,
na qual "o Senhor será rei sobre toda a terra" (14.5-10).
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O verdadeiro valor do jejum (7-8)
Estes dois capítulos de Zacarias dão dois esclarecimentos referentes aos jejuns de Israel.
Embora os judeus não tivessem no seu calendário dias de jejum ordenados por Deus, a nação
tinha imposto a si própria dias de jejum em memória de diversas calamidades envolvidas na
destruição de Jerusalém em 586 a.C. Eram os seguintes: (7.5; 8.19)
(a) Décimo mês (10 de janeiro) -Dia em que principiou o cerco de Jerusalém, em 588 (Jr
52.4).
(b) Quarto mês (9 de julho) -Os babilônios romperam o muro de Jerusalém, em 586 (Jr
52.6).
(c) Quinto mês (10 de agosto) - Jerusalém foi destruída e queimada, em 586 (Jr 52.12).
(d) Sétimo mês (1 de outubro) - Gedalias, o novo governador, foi também assassinado em
586 (Jr 41.1).
A questão debatida em Zacarias 7-8 era se aqueles jejuns deviam ou não continuar, pois o
povo já tinha retornado para reconstruir o templo. A resposta do Senhor trouxe dois
esclarecimentos com referência ao jejum (Is 58.4-8):
(a) Essa prática foi designada para a glória de Deus, e não para o mérito do homem. Com
facilidade, a renúncia torna-se comiseração própria e um inútil ritual de egolatria (7.5-6).
(b) O jejum não tem valor, a menos que seja acompanhado de atos de justiça, bondade e
compaixão para com o próximo (7.9-10). A ausência de tais atos em Israel trouxe o julgamento
divino de destruição e desolação (7.11-14).
18.3.5. Cristologia em Zacarias e o Novo Testamento
Este livro é o mais messiânico dos Profetas Menores, e está no mesmo nível de Salmos e
Isaías quanto ao conteúdo messiânico. O Messias está ou no centro ou na periferia de cada visão.
A falha ou a recusa dos comentaristas judeus de aceitar esse messianismo cumprido na primeira
e segunda vinda de Jesus (Mt 21.5) contribui para a confusão no entendimento do livro (Rashi
em H. H. Ben-Sasson, History of The Jewish People, p. 461). Por exemplo, ao explicar "olharão
para mim, a quem traspassaram" (12.10), o Talmude identifica essa expressão como uma
referência ao "Messias, o filho de José, que cairá na batalha" (Eli Cashdan, The Twelve
Prophets, p. 322). Eles o vêem como "alguém dado por Deus à comunidade judaica restaurada,
(...) mas rejeitado por ela e posto à morte". Para eles, esse "mártir" é desconhecido, e não
certamente Jesus.
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Há uma aplicação profunda de Zacarias no Novo Testamento. A harmonização da vida
pessoal de Zacarias, entre os aspectos sacerdotal e profético pode ter contribuído para o ensino
do Novo Testamento de que Cristo é tanto sacerdote quanto profeta. Além disso, Zacarias
profetizou a respeito da morte expiatória de Cristo pelas mãos dos judeus, que, no fim dos
tempos, levá-los-á a prantearem-no, arrependerem-se e serem salvos (12.10—13.9; Rm 11.25-
27). Mas a contribuição mais importante de Zacarias diz respeito a suas numerosas profecias
concernentes a Cristo. Os escritores do Novo Testamento citam-nas, declarando que foram
cumpridas em Jesus Cristo. Entre elas estão:
(a) Ele virá de modo humilde e modesto (9.9; 13.7; Mt 21.5; 26.31, 56).
(b) Ele restaurará Israel pelo sangue do seu concerto (9.11; Mc 14.24).
(c) Será Pastor das ovelhas de Deus que ficaram dispersas e desgarradas (10.2; Mt 9.36).
(d) Será traído e rejeitado (11.12,13; Mt 26.15; 27.9,10).
(e) Será traspassado e abatido (12.10; 13.7; Mt 24.30; 26.31, 56).
(f) Voltará em glória para livrar Israel de seus inimigos (14.1-6; Mt 25.31; Ap 19.15).
(g) Reinará como Rei em paz e retidão (9.9,10; 14.9,16; Rm 14.17; Ap 11.15).
(h) Estabelecerá seu reino glorioso para sempre sobre todas as nações (14.6-19; Ap 11.15;
21.24-26; 22.1-5).
19. O LIVRO DE MALAQUIAS
19.1. Esboço do Livro
Introdução (1.1)
I. A Mensagem do Senhor e as Perguntas Israel(1.2—3.18)
A. Primeira Mensagem: Deus Amou Israel (1.2-5) Pergunta de Israel: “Em que nos
amaste?” (1.2)
B. Segunda Mensagem: Israel Tem Desonrado ao Senhor (1.6—2.9) Perguntas de
Israel: “Em que desprezamos nós o teu nome?” (1.6); “Em que te havemos profanado?”
(1.7)
C. Terceira Mensagem: Deus Não Aceita as Oferendas de Israel (2.10-16) Pergunta de
Israel: “Por quê?” (2.14)
D. Quarta Mensagem: O Senhor Virá de Repente (2.17—3.6) Perguntas de Israel: “Em
que o enfadamos?” “Onde está o Deus do juízo?” (2.17).
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E. Quinta Mensagem: Voltai para o Senhor (3.7-12) Perguntas de Israel: “Em que
havemos de tornar?” (3.7); “em que te roubamos?” (3.8)
F. Sexta Mensagem: Declarações Injustificáveis de Israel contra Deus (3.13-18)
Perguntas de Israel: “Que temos falado contra ti?” (3.13); “Que nos aproveitou termos
cuidado em guardar os seus preceitos?” (3.14)
II. O Dia do Senhor (4.1-6)
A. Será um Dia de Juízo para o Arrogante e o Malfeitor (4.1)
B. Será um Dia de Triunfo para os Justos (2,3)
C. Será Precedido por uma Restauração Sobrenatural dos Relacionamentos entre Pais e
Filhos e entre o Povo de Deus (4.4-6)
19.2. Data
Não é possível fixar a data da escrita do livro de Malaquias com qualquer exatidão.
Sabemos por suas referências ao templo e aos sacerdotes, que ele viveu após o retorno do exílio
babilônico e após a reconstrução do templo (516 a.C.). A referência em 1.3, a um assalto contra
Edom, não nos ajuda a fixar sua data, visto que tais ataques ocorreram em grande número no
quinto e quarto século a.C. Nem a palavra "príncipe", em 1.8, necessariamente se refere a algum
governante persa. Entretanto, o estado de coisas durante o ministério do profeta é semelhante ao
que é pressuposto pelas reformas de
Esdras e Neemias, e muitos eruditos são da opinião que o livro foi escrito pouco antes da
chegada de Esdras. Essa data (cerca 460 a.C.) é mui geralmente aceita.
19.3. Pano de fundo
Os judeus tinham retornado do exílio impulsionados por altas esperanças. Inspirados por
Ageu e Zacarias, haviam reconstruído o templo. Esse edifício não possuía a glória do templo
original, que havia sido destruído pelos babilônios, mas servia para seu propósito. Mas, com a
passagem dos anos, os judeus foram ficando desiludidos. A prosperidade prometida não
retornava. A vida era difícil. Estavam cercados por inimigos, como os samaritanos, os quais
procuravam impedi-los em cada oportunidade. Sofriam por causa da seca e das más colheitas e
da fome.
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Começaram a duvidar do amor de Deus. Punham em dúvida a justiça de Seu governo
moral. Diziam que o praticante do mal era bom aos olhos do Senhor. Argumentavam que não
havia proveito na obediência aos Seus mandamentos e em andar penitentemente perante Ele,
pois eram os ímpios, que dependiam de si mesmos os que prosperavam.
19.4. A mensagem profética
O profeta, então, começou a responder-lhes, mostrando-lhes que tal ceticismo se baseava
na hipocrisia. Se lhes cabia a adversidade, esta havia caído sobre eles, não a despeito de sua
piedade, mas antes, por causa de sua pecaminosidade. Por exemplo, havia a adoração corrompida
em seus deveres no templo. Mostravam-se maus líderes de um povo que trazia ofertas
inaceitáveis, mesmo depois de haverem prometido melhores ofertas. Os próprios gentios
ofereciam sacrifícios mais dignos. O povo também vivia transgredindo, pois os homens se
divorciavam das mulheres com quem se tinham casado na juventude e contraíam casamento com
mulheres estrangeiras. Prevaleciam pecados de todas as espécies: feitiçaria, adultério,
desonestidade, opressão aos fracos e impiedade generalizada. Como poderiam esperar a
prosperidade quando a nação estava apodrecida com tais práticas?
Malaquias, em verdadeira nota profética, condenou os pecados e convocou o povo para
que se arrependesse. Caso purificassem sua adoração, obedecessem à lei e pagassem seus
dízimos na íntegra, então o resultado seria as bênçãos de Deus. Ao fazer soar esse apelo, o
profeta revelou que possuía uma alta concepção sobre Deus. Deus era o majestoso Senhor dos
Exércitos; Seus decretos e juízos eram irresistíveis; Seu amor era santo e imutável.
Malaquias percebia a salvação final para seu povo, não no arrependimento deles, mas na
ação do Senhor. Raiaria o grande dia do Senhor. Esse dia purificaria e vindicaria os piedosos o
destruiria os ímpios. Esse dia seria preparado com a vinda do profeta Elias.
19.5. O homem
Tudo quanto sabemos sobre o profeta propriamente dito, temos de inferir de suas
declarações. Ele era um profeta autêntico. Falava com plena autoridade. Podia realmente dizer:
"Assim diz o Senhor dos Exércitos". Tinha um amor intenso por Israel e pelos serviços efetuados
no templo e sua concepção sobre a tradição e os deveres dos sacerdotes era bem alta. Tem sido
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dito freqüentemente que enquanto outros profetas frisaram a moralidade e a religião no íntimo,
Malaquias punha ênfase sobre a adoravam e o ritual. Mas, apesar de que isso seja verdade quanto
aos aspectos gerais, temos de notar que ele não se esquecia totalmente das obrigações morais de
Israel, e que, para ele, o ritual não era uma finalidade em si mesmo, mas apenas a expressão da fé
do povo no Senhor.
Seu estilo é simples, direto e caracterizado pela freqüente ocorrência das palavras "mas
vós dizeis". Talvez isso signifique mais que um método retórico do escritor; pode ter tido sua
origem nos clamores de protesto e dúvida dos perguntadores, quando ele pregou sua primeira
mensagem nas ruas.
19.6. Citações em o Novo Testamento
Somente três passagens deste livro são referidas ou citadas no Novo Testamento, a saber:
1.2 e segs.; 3.1; e 4.5 e segs. A primeira delas: "Amei a Jacó. E aborreci a Esaú", contém uma
idéia que se tem mostrado um tanto ofensiva para o gosto moderno.
19.6.1. O fim da profecia
Com o livro de Malaquias foi arriada a cortina sobre a cena profética, até a vinda do
Batista. As palavras vívidas e poderosas dos profetas não mais foram ouvidas. Os escribas e os
sacerdotes se tornaram os principais personagens religiosos. A era criativa havia cedido lugar à
era do aprendizado. Os judeus contavam, agora, com grande tesouro literário e seus exegetas,
aqueles que expunham essa literatura, tornaram-se o novo canal para a voz de Deus. A respeito
dessa situação que se aproximava em que a religião era principalmente legalística, temos um
claro sinal no livro de Malaquias.
19.7. Contribuições singulares
19.7.1. Grandeza de Deus
Nenhum outro profeta enfatizou tanto a grandeza de Deus como o fez Malaquias nesse
livro profético inserido no final do Antigo Testamento. Três vezes em 1.11-14, o Senhor chama a
atenção para a sua própria "grandeza", e dez vezes em todo o livro ele chama a atenção para a
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honra devida ao seu nome (1.6,11,14; 2.2; 5; 3.16; 4.2). Quando o pequeno e fragmentado
restante de Israel estava prestes a entrar nos quatrocentos anos de silêncio profético, com os
conquistadores e a cultura gentia rodopiando ao seu redor, precisava lembrar-se da grandeza do
Deus que os chamara. Embora parecesse que os seus dias de grandeza fossem coisas do passado,
a reivindicação do profeta ainda era para a grandeza de Deus, que os tinha chamado para fazer
uma aliança com ele.
Muitas divinas citações de Malaquias
Essa profecia consiste, quase exclusivamente, em citações do Senhor. Do mesmo modo
que Ageu em sua breve mensagem, Malaquias usou continuamente a frase: "Assim diz o Senhor
dos Exércitos" ou seu equivalente. Não é de admirar que ele tenha pronunciado seu próprio nome
apenas uma vez! Ele era simplesmente o porta-voz ou mensageiro do Senhor. Aquela geração,
mais do que qualquer outra, precisava de uma palavra forte e autoritária do Senhor, pois havia
muitas irregularidades precisando de correção. Ao citar o Senhor, o profeta identificou-o como o
"Senhor dos Exércitos" (vinte e quatro vezes). Esse nome-título enfatizava o seu poder como o
Deus dos exércitos, uma designação apropriada para esse livro de julgamento e promessa, diante
de um Israel virtualmente sem poder próprio.
19.7.2. Método de perguntas e respostas de Malaquias (1.2 etc.)
O estilo dialético de Malaquias é um tanto singular entre os profetas, pois a maioria
preferiu um estilo de conferência ou de narrativa. Malaquias registra nove tipos de diálogo do
Senhor com Israel. As perguntas da nação têm sempre um tom de hostilidade ou rebeldia
(1.2,6,7; 2.10,14,17; 3.7,8,13). Nessa forma provocante (chamada mais tarde de método
"rabínico" ou "socrático"), o profeta apresentou as mais importantes queixas do Senhor contra os
judeus e suas reações altivas. O estilo provou ser eficaz por chamar a atenção e chegar
rapidamente ao assunto principal. Jesus também recorreu a um tipo semelhante de comunicação
ao enfrentar os líderes hostis da época (Mt 21.25, 31, 40; 22.42).
19.7.3. A religião corrompida de Israel
Conforme indicação de Malaquias, havia fortes sintomas de degeneração na fé de Israel.
Sua visão de Deus era quase deísta: Questionavam o seu amor (1.2), sua honra e grandeza (1.14;
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2.2), sua justiça (2.17) e seu caráter (3.1315). Essa visão deficiente a respeito de Deus produziu
uma atitude arrogante e fez com que as funções do templo fossem realizadas com enfado, o que
insultava o Senhor ao invés de adorá-lo (1.7-10; 3.14). O dízimo não era dado de todo o coração,
e as ofertas eram compostas de animais doentes e sem valor. Isto ofenderia até o mais simples
governador que recebesse tal presente (1.8). Em reação a isto, o Senhor disse que atiraria lixo ao
rosto dos sacerdotes (2.3) e amaldiçoaria as sementes plantadas (3.11). O resultado moral dessa
religião desprezível foi o povo voltar-se para a feitiçaria, adultério, perjúrio, fraude e opressão do
pobre (3.5). A discórdia familiar era freqüente, levando-os a se divorciarem das esposas judias
para se casarem com mulheres pagãs (2.10 e ss.; 4.6). As condições eram tão más que se fazia
necessária a atuação de um Elias para restaurar a paz familiar e evitar outra destruição do Senhor
(4.5).
19.7.4. Israel peca roubando a Deus (3.8-10)
Um dos pecados mais persistentes de Israel foi o de roubar os dízimos e ofertas
pertencentes ao Senhor. O problema apareceu pela primeira vez com Acã, ao entrarem na Terra
Prometida (Js 6.17-19; 7.11), e foi um dos pecados pelos quais foram exilados para a Babilônia
em 586 (2Cr 36.21). O primeiro erro que muitos reis cometiam ao ser atacados era entregar os
tesouros do templo para tentar apaziguar o inimigo, o que invariavelmente provocava novos
ataques (2Rs 18.14-16). Diante da sonegação dos dízimos, o Senhor lembra-lhes que estavam, na
realidade, roubando a si próprios, pois o resultado de tal atitude era o fracasso das colheitas.
Corriam também o risco de ficarem com a mente cauterizada de tanto repetirem esse pecado
(2.17; 3.15).
19.7.5. Promessa da volta de Elias (4.5-6)
A última promessa do Antigo Testamento é quanto à volta do profeta Elias antes do
"grande e terrível dia do Senhor". Elias e Enoque foram os dois únicos homens que não passaram
pela morte: o Senhor os trasladou para o céu (Gn 5.24; 2Rs 2.11; Hb 11.5). Embora João Batista
tivesse sido semelhante a Elias na sua obra de preparar Israel para o Messias, não foi realmente
Elias (Mt 11.14; 17.11-12; Jo 1.21). João Batista foi o precursor profetizado por Isaías 40.3 e
Mateus 3.3, e o mensageiro de Malaquias 3.1.
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SEMINÁRIO TEOLÓGICO MARCOS BATISTA - Curso Básico em Teologia
Na tradição hebraica, Elias é o maior e mais fabuloso caráter já produzido por Israel (...)
É ele quem abre as portas secretas pelas quais os mártires fogem, quem providencia dotes para as
infelizes filhas dos pobres (...) Há para ele uma cadeira em todas as circuncisões, e um cálice de
vinho em todas as mesas de Páscoa. Ele está nas encruzilhadas do paraíso a fim de saudar todas
as pessoas virtuosas. Será o precursor do Messias, anunciando-o no novo mundo onde já não
haverá sofrimento para Israel e todos os povos. (Abram Leon Sachar, A History the Jews, p. 50 e
ss.).
Em 1Reis 17, Elias parece ter surgido do nada e desaparece de maneira semelhante em
2Reis 2. Entretanto, sua austera figura ainda subsiste na memória reverente dos judeus enquanto
esperam encontrar-se com ele, conforme anunciado por Malaquias.
19.7.6. Últimas palavras de Malaquias (4.4-6)
Esses últimos três versículos são considerados pelos estudiosos um apêndice aos
"Profetas" da Bíblia. Abrangem a Lei e os Profetas em Moisés e Elias. No entanto, sua
perspectiva não é retrospectiva, mas progressiva, olhando com antecipação o julgamento de Elias
e a alegria da era messiânica. Nas Bíblias hebraicas, o versículo 5 é repetido depois do versículo
6 para que o livro não termine com uma palavra de condenação (ocorre a mesma coisa nos livros
de Isaías, Lamentações e Eclesiastes). É interessante observar que nas Bíblias hebraicas não
existe o capítulo quatro em Malaquias. O capítulo três continua até completar vinte e quatro
versículos. A nota dominante dos últimos seis versículos é antecipatória, apontando para os 400
anos de silêncio profético antes que outro "anjo" apareça anunciando a vinda do precursor e do
mui esperado Messias (Lc 1.11,26 e ss.). A última palavra de Malaquias não foi, na verdade, a
última.
19.7.7. Cristologia em Malaquias (1.14; 3.1; 4.2)
Apesar de o Senhor ter assegurado a eles novamente, na introdução do livro, a
continuidade do seu amor imutável, a ênfase básica do livro é julgamento. De acordo com esse
motivo, podem ser discernidos diversos títulos do Messias:
(a) Em 1.14, o Senhor declara ser um "grande Rei", muito maior do que o "governador", a
quem não ofenderiam com uma oferta maculada (1.8). Nessa condição, ele não deixará de julgar
o "impostor", que jura honestidade mas é avarento. Zacarias 14.9 viu a majestade do Rei numa
luz messiânica, quando o seu nome será reverenciado entre todas as nações.
Livros Proféticos
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(b) Em 3.1, o Senhor declara ser o "Anjo da aliança", a quem buscavam.
Mas, ao contrário da orgulhosa maneira de pensar dos israelitas, sua vinda será com
julgamento para os perversos de Israel, a começar pelos filhos de Levi no templo. Sua primeira
vinda ao templo em João 2.14-16 e Mateus 21.12 foi uma antecipação daquela futura vinda para
purificar o povo e a terra.
(c) Aos que temem o seu nome, ele surgirá como o "Sol da Justiça", e trará cura e grande
alegria (4.2; Is 60.19). O mesmo "Sol" que queima os perversos (4.1) curará os que temem o seu
nome. Com essa promessa de sol celestial para purificar e curar a nação ao destruir o perverso
num dia futuro desconhecido, a voz profética silenciou. Os sombrios dias do período
intertestamentário testaram sua fé na palavra profética dada pela lei e os profetas.
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