livro texto - sociologia das profissões
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Sociologia das Profissões
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Capítulo I
AMBIVALENCIAS E DIFICULDADES NO ESTUDO DASPROFISSÕES
categoria profissão como objeto de estudo sociológico possui
profundas ambivalências, fato que possibilitou a emergência de
distintas correntes de estudo, muitas vezes antagônicas.
Além do mais, a palavra “profissão”, segundo a abordagem sociológica,
é revestida por um conjunto de “pré-construções naturalizadas” que significam
ferramentas de construção do mundo social, acionadas pelos agentes sociais
para dar sentido ao espaço social no qual estão inseridos.
Sabendo que o campo de ação do sociólogo é transformar os problemas
sociais em problemas sociológicos, o processo de trabalho de pesquisa nesta
área de conhecimento tem por objetivo tornar legíveis as formas de se conduzir
dos indivíduos em sociedade como, por exemplo, suas ações, formas de
pensar, sentir, etc., que representam um grupo social em determinado contexto
histórico-social.
Neste sentido, a tarefa do cientista social é, a partir de problemas
práticos, definir um objeto de estudo capaz de “construir um sistema coerente
de relações, que deve ser posto à prova como tal” (Bourdieu, 2005: 32). É por
este motivo que o sociólogo precisa estar atento à “história social dos
problemas”, isto é, ao trabalho social de construção de determinadosproblemas sociais ao longo do tempo em uma determinada sociedade e seus
significados para ela. Bourdieu (2005) chama a atenção para este fato, ao
afirmar que, para conduzir de modo efetivo uma pesquisa sociológica, são
necessários alguns procedimentos, tais como:
“fazer a história social da emergência desses problemas, dasua constituição progressiva, quer dizer, do trabalho colectivo –frequentemente realizado na concorrência e na luta – o qual foi
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necessário para dar a conhecer e fazer reconhecer estesproblemas como problemas legítimos, confessáveis,publicáveis, públicos, oficiais: podemos pensar nos problemasda família, do divórcio, da delinquência, da droga, do trabalho
feminino, etc. Em todos os casos, descobrir-se-á que oproblema, aceito pelo positivismo vulgar (que é a primeiratendência de qualquer investigador), foi socialmente produzido,num trabalho colectivo de construção da realidade social e pormeio desse trabalho; e foi preciso que houvesse reuniões,comissões, associações, ligas de defesa, movimentos,manifestações, petições, requerimentos, deliberações, votos,tomadas de posição, projectos, programas, revoluções, etc.para que aquilo que era e poderia ser continuado a ser umproblema privado, particular, singular, se tornasse numproblema social, num problema público, de que se pode falarpublicamente – pense-se no aborto, ou na homossexualidade –
ou mesmo num problema oficial, objeto de tomadas deposições oficiais, e até mesmo de leis ou decretos” (Bourdieu,2005: 37).
Contudo, é preciso salientar que mesmo o cientista social estando atento
à história social das problemáticas sociais e, por consequência, ao modo como
certas categorias emergiram em um determinado contexto social e o sentido a
elas atribuído ao longo do tempo ou em um determinado momento, nem todaselas são de fácil definição. Ao mesmo tempo, tais categorias/enunciados são
empregados pelos sociólogos para caracterizar seus objetos de estudo sem
que os mesmos as problematizem ou reflitam sobre o processo pelo qual foram
produzidas. Isto ocorre pelo fato destes enunciados representarem “categorias
sociais de entendimento” comuns a toda a sociedade. Conceitos como
homens/mulheres, jovens/velhos, classes etárias, sexuais e taxinomias
profissões são utilizados arbitrariamente pelos sociólogos, sem, muitas vezes,
uma devida reflexão metodológica acerca da construção destes enunciados.
“Mas creio que é preciso ir mais além e discutir não só aclassificação das profissões e os conceitos empregados para designaras classes de ofícios, mas também o próprio conceito de profissão ou,para dizer em inglês, profession , que tem servido de base a todo umconjunto de pesquisas e que, para alguns, representa uma espécie de
palavra de ordem metodológica. Profession é uma noção perigosa etanto mais quanto é certo que, como sucede em casos idênticos, as
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aparências jogam a seu favor e, em certo sentido, o seu emprego temsido acompanhado de um progresso em relação à papa teórica, àmaneira de Parsons. Falar de profession , era tratar de uma verdadeirarealidade, de conjuntos de pessoas com o mesmo nome, os lawyers por exemplo, dotados de um estatuto econômico quase equivalente e,sobretudo, organizados em associações profissionais dotadas de umadeontologia, de instâncias colectivas que definiam regras de entrada,etc. Profession é uma palavra de linguagem comum que entrou decontrabando na linguagem científica; mas é, sobretudo, umaconstrução social, produto de todo um trabalho social de construçãode um grupo e de uma representação dos grupos, que se insinuoudocemente no mundo social. É isso que faz com que o ‘conceito’caminhe tão bem. Bem demais, de certo modo: se vocês o aceitarempara construírem vosso objeto, encontrarão listas já feitas, centros de
documentação que reúnem informações a seu respeito e, talvez, porpouco hábeis que sejais, fundos para o estudar. Ele refere-se arealidades em certo sentido demasiado reais, pois apreende aomesmo tempo uma categoria social – socialmente edificadapassando, por exemplo, para além das diferenças econômicas,sociais, étnicas, que fazem da profession dos lawyers um espaço deconcorrência – e uma categoria mental. Mas se, tomandoconhecimento do espaço das diferenças que o trabalho de agregaçãonecessário para construir a profession teve de superar, eu perguntarse não se trata de um campo , então tudo se torna difícil. Como obter
uma amostra num campo? Se, num estudo do campo da magistratura,não se considerar o presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou se,num estudo sobre o campo intelectual em França em 1950, não seconsiderar Jean-Paul Sartre, o campo fica destruído, porque estaspersonagens marcam, só por si, uma posição. Há posições de um sólugar que comandam toda a estrutura. Numa amostra representativados escritores concebidos como profession , no problem .
Enquanto vocês tomarem o dado – os famosos data dos sociólogospositivistas – tal como ele se dá, dar-se-vos-á sem problemas. Tudoanda por si, naturalmente. (...). Em suma, enquanto vocês
permanecerem na ordem da aparência socialmente construída, todasas aparências estarão a vosso favor, convosco – até mesmo asaparências da cientificidade. Pelo contrário, desde que vocêscomecem a trabalhar num verdadeiro objeto construído, tudo setornará difícil: o progresso ‘teórico’ gera um acréscimo de dificuldades‘metodológicas’. Entre as dificuldades, há a questão de que falei hápouco, a dos limites do campo que os positivistas mais intrépidos (...)resolvem por meio de uma ‘definição operatória’ (‘chamo escritor’)sem verem que a questão da definição (‘fulano não é um verdadeiroescritor’) está em jogo no próprio objecto. Combate-se então para sesaber quem faz parte do jogo, quem merece verdadeiramente o nomede escritor. A própria noção de escritor – e também, apesar de todos
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os esforços de codificação e de homogeneização pela homologação,a noção de lawyer – está em jogo no campo dos escritores – ou doslawyers : a luta a respeito da definição legítima, em que está em jogo(...) a fronteira, o limite, o direito de entrada (...) é a características doscampos na sua universalidade.
Como tentei mostrar a respeito dos custos e dos ganhos científicose sociais das noções de profissão e de campo, é preciso muitasvezes, para se fazer ciência, evitar as aparências da cientificidade,contradizer mesmo as normas em vigor e desafiar os critérioscorrentes do rigor científico (...). As aparências são sempre pelaaparência. A verdadeira ciência, na maior parte das vezes, tem máaparência e, para fazer avançar a ciência, é preciso, frequentementecorrer o risco de não se ter todos os sinais exteriores da cientificidade(esquece-se que é fácil simulá-los). Entre outras razões, porque os
meio-hábeis se prendem com as violações aparentes dos cânones da‘metodologia’ elementar que, por razões de certeza positivista, sãolevados a encarar como ‘erros’ e como efeitos de inépcia ou daignorância das opções metodológicas firmadas nas recusas dasfacilidades da metodologia”.
Fonte: Bourdieu, 2005: 39-42.
1.1. DIFERENÇAS ENTRE PROFISSÃO, OCUPAÇÃO E TRABALHO
Pensar a categoria profissão remete a uma reflexão sobre a relação
deste conceito com os enunciados “trabalho” e “ocupação”. É necessário, por
este motivo, atentar para as definições teórico-metodológicas em relação a
estas noções.
A categoria trabalho constitui-se em um conceito que perpassa, de
alguma forma ou outra, a preocupação dos pensadores desde as baseshistóricas da sociologia. Os autores clássicos da Sociologia (Marx, Durkheim e
Weber) abordam em suas obras a importância do trabalho, e suas
características, em um modelo de organização social pautado no sistema
capitalista.
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DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE TRABALHO
Marx Durkheim Weber
* Processo entre a natureza
e o homem, isto é, processoem que o indivíduo realiza,regula e controla, mediantesua própria ação, seuintercâmbio com a natureza.
* Logo, é uma atividadehumana básica, presente aolongo da história dahumanidade.
* Divisão do trabalho
produz solidariedade, poisela cria entre osindivíduos todo umsistema de direitos edeveres que os ligam unsaos outros de maneiradurável.
* Assim como assimilitudes sociais dãoorigem a um direito e auma moral que asprotegem, a divisão dotrabalho dá origem àsregras que asseguram oconcurso pacífico dasociedade e regulam asfunções divididas.
* O trabalho capitalista
ocidental tem comoprincipal característica aorganização racional dotrabalho livre, ou seja,observa-se umaseparação dos negóciospúblicos da moradia dafamília.
* Este trabalho tem comobase a implementação dacontabilidade racional, daqual emerge a classeburguesa, vinculadaestreitamente à divisão dotrabalho.
Fonte: Quintaneiro (org), 2002.
Deste modo, o “trabalho” apresenta-se como uma problemática sociológica
tradicional, sendo tema de estudos desde os clássicos até os contemporâneos.Independente da perspectiva de análise adotada, este conceito pode ser
definido de forma genérica como uma
“... atividade resultante do dispêndio de energias física emental, direta ou indiretamente voltada à produção de bens(materiais ou imateriais), contribuindo, assim, para areprodução da vida humana, individual e social. Como
categoria abstrata atinente exclusivamente aos seres humanos,o trabalho pode ser entendido como esforço físico oumecânico, como energia dispendida dotada de propósito. Aenergia colocada em movimento (o trabalho) tem por resultadoa transformação dos elementos em estado de natureza ou,ainda, a produção manutenção e modificação de bens ouserviços necessários à sobrevivência humana. Nessa acepção,prevalece, essencialmente, a dimensão física do trabalho. Suavalorização corresponde à utilidade da ação realizada, ou seja,à possibilidade de aproveitamento da força posta emmovimento para a satisfação de necessidades humanas”(Liedke, 2006: 319).
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Se o trabalho é um fenômeno que está presente no cotidiano das
instâncias da vida social é em relação a ele que os enunciados de “profissão” e
“ocupação” precisam ser analisados.
Tais categorias, é preciso salientar, são definidas distintamente,
dependendo da perspectiva metodológica utilizada. Se para a sociologia anglo-
saxônica os termos profissão e ocupação designam práticas sociais distintas,
para a sociologia francesa (e, consequentemente, para os países de língua
portuguesa) esses enunciados são utilizados como sinônimos.
Alheia ao debate entre a distinção de ambas as categorias, a ocupação
é definida neste livro-texto conforme a demarcação apresentada por Franzoi,
cujo significado refere-se ao “... lugar do indivíduo na divisão social e técnica do
trabalho” (Franzoi, IN: http: //www.epsjv.fiocruz.br/dicionário/verbetes/ocu.html).
Esta divisão social e técnica do trabalho é responsável tanto pela
classificação quanto pela hierarquização dos indivíduos na sociedade,
envolvendo, por conseqüência, propriedades identitárias e de ordem subjetiva
que caracterizam os grupos ocupacionais, por meio dos quais os indivíduos se
reconhecem e são reconhecidos.
Quanto à profissão é um conceito difícil de ser preciso, devido às
diversas conotações de ordem metodológica. Se, para determinadas
perspectivas, a profissão diz respeito àquelas práticas de trabalho que
pressupõem uma formação universitária, para outras designa tanto as
atividades que requerem um conhecimento formal (obtido em instâncias
educacionais) quanto aquelas relacionadas ao conjunto de empregos (ou
ocupações de forma geral).
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CONCEITOS ABORDAGEM ANGLO-SAXÔNICA
ABORDAGEM FRANCESA
PROFISSÃO
Designa as profissões “sábias”
que requerem formaçãouniversitária e estãorelacionadas diretamente àexistência de corporações, ouseja, há a presença de umestatuto e das associaçõesprofissionais.
A categoria profissão possui dois
sentidos, designando tanto:“... a totalidade de empregos (eminglês: Occupations ), reconhecidosna linguagem administrativa,principalmente nas classificações derecenseamentos do Estado;As ‘profissões’ liberais e científicas(em inglês: Professions ), ou seja, aslearned professions , a exemplo dosmédicos e dos juristas,notadamente” (Dubar, 163).
Logo, não há diferença entre osignificado dos termos profissão eocupação; ambos são utilizadoscomo sinônimos.
OCUPAÇÃO
Conjunto de empregos demodo geral, que não requeremuma formação formal.Caracteriza as atividades
cotidianas. Presença somenteda organização sindical.Ausência de um código deética e das associações declasse.
Fonte: Claude Dubar, 2005: 163.
Independente das definições sobre os conceitos elencados acima,
ressalta-se que o estudo sociológico das categorias profissão e ocupação
representa um importante instrumento de análise do mundo do trabalho nas
sociedades contemporâneas. Ao dar ênfase à pluralidade das recomposições
culturais, sociais, políticas e econômicas na atualidade, os modelos analíticos
ensejam uma reflexão sobre a dinâmica das instâncias
profissionais/ocupacionais e, consequentemente, àquelas relativas ao cotidiano
social.
1.2. QUAL A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES NAS
SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS?
Compreender a forma como as mudanças sociais, ao longo do tempo,
foram apreendidas e vividas pelos diversos agentes sociais, é fundamental
para o entendimento de sua organização profissional, pois permite perceber as
peculiaridades pertinentes a cada um dos grupos sociais e o modo como elas
influenciaram a sua relação com a sociedade.
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Contudo, entender as peculiaridades de uma comunidade profissional
exige um estatuto conceitual que permita apreender a maneira pela qual se
constituem modelos típico ideais de formas de se conduzir em sociedade. É
através desses modelos que os membros de uma profissão específica
estabelecem suas ações. Nessa perspectiva, a Sociologia das Profissões
apresenta um quadro teórico com grande potencial explicativo das tendências
no mundo do trabalho, pois ela permite compreender os cursos sociais pelos
quais um determinado grupo social passa a se constituir como um dos agentes
indispensáveis na formação de certos padrões de sociabilidade e de
organização das relações sociais (Barbosa, 1993: 03).
Os estudos que se propõem a investigar a categoria “profissão” partem,
segundo Barbosa (1993), de dois eixos de análise, que se referem, de um lado,
à delimitação e ao posicionamento dos grupos profissionais e, de outro, à
coesão ou unicidade interna das profissões. A partir dessas duas temáticas
articula-se a problemática referente à forma “... de constituição dos grupos
sociais em geral e do caráter de seu agenciamento sobre a estrutura da
sociedade” (BARBOSA, 1993: 03).
Diante disso, as propostas investigativas que têm por objetivo analisardeterminada profissão devem ter presente duas questões fundamentais: o que
distingue uma profissão enquanto grupo social? Em que medida pode-se falar
em um espaço específico caracterizado por relações cujo fundamento é a
profissão1?
Para Rodrigues (1997), a interrogação sobre o que é uma profissão e
sobre os traços e características que a distinguem de outras ocupações
1 O processo de profissionalização, segundo Leandri (1999), e o seu correlato “o idealprofissional” com sua ênfase na carreira, na educação especializada e na meritocracia,consolidou-se como um dos princípios organizadores da sociedade do século XX. Emboraalguns autores, como Parkin, já houvessem observado esse fenômeno no século XIX naInglaterra, com a expansão dos grupos de classe média e, dentro deles, do setor profissional, oautor em questão destaca o fato de que se esses grupos ocupacionais “... que lideraron elproceso de profesionalización eran ya notorios en la sociedad del siglo XIX, el proceso em sí,con suas pugnas por el prestigio y los recursos y su búsqueda de legitimidad a partir del apoyoestatal, fue investigado sólo de manera subsidiaria por los historiadores”* (LEANDRI, 1999: 09).Portanto, é somente no século passado que as profissões passaram a ser analisadassociologicamente, em estudos que tinham como objetivo entender a sua essência ou, mais
contemporaneamente, a forma como se estabelece a ação dos indivíduos que pertencem adeterminado grupo profissional.
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constitui-se na principal preocupação de diversos autores, que procuram
identificar esses elementos para definir um tipo ideal de profissão. Uma vez
feito isso, as profissões existentes são identificadas de acordo com as suas
características, seja no seu modo de funcionamento, seja no seu modo
organizacional, com o objetivo de investigar em que medida elas se aproximam
ou se afastam do modelo2 (Rodrigues, 1997: 07).
Embora esses autores procurem encontrar uma definição ideal e
“universal” para o conceito de profissão, Steren (2002) chama a atenção para
as diferenças de significados atribuídos ao conceito entre os países de cultura
inglesa e os de origem latina. Enquanto no primeiro grupo o termo profissão é
utilizado para designar aqueles que possuem um diploma universitário,
definindo como ocupação as atividades de trabalho realizadas pelos que não
têm uma formação acadêmica, no segundo caso, incluindo-se o Brasil, essa
distinção não é muito nítida, podendo ambas as denominações serem usadas
indistintamente. Ou seja, na sociedade brasileira, o termo profissão diz respeito
a qualquer trabalho realizado que demanda algum tipo de qualificação, em
oposição ao trabalho desqualificado. Dessa forma, a sua definição implica uma
competência técnica intelectual e/ou manual.Contrapondo-se às perspectivas de análise clássica dos grupos
profissionais, cujo conceito central é o termo profissão compreendido a partir
de uma perspectiva típico ideal, Bonelli (2006) sugere o uso do conceito de
profissionalismo3. Ao contrário de buscar apreender o conteúdo de uma
determinada profissão, com base na ideia do papel social dos profissionais e
de suas características em um dado contexto, isto é, de construir um
2 Para Rodrigues (1997), o surgimento de novas noções, associadas ao conceito de profissão,como semiprofissão, não profissão, profissionalismo, são utilizadas para classificar aquelasocupações que se afastam do tipo idealmente definido.
3 Bonelli (2006) apresenta quatro formas de profissionalismo: 1) profissionalismo tecnocrático,centrado na ideia de empoderamento e no monopólio de determinados serviços; 2)profissionalismo cívico, cuja base se encontra fundamentada no pressuposto de que osprofissionais recebem um “mandato” que lhes é outorgado pela sociedade. Esse modelo teriaum caráter moral, pois a ética profissional vigiaria a possibilidade de empoderamento dessegrupo; 3) profissionalismo democrático, identificado por promover a participação de clientes/oupacientes na dinâmica profissional. Nesse sentido, a prática profissional impulsiona o caráterdemocrático em detrimento do empoderamento; 4) profissionalismo organizacional, cuja forma
é explicada pelos discursos moldados a partir das ideias da lógica burocrática, ou seja, há umapreocupação com a eficácia e o consumo, sendo o Estado o elemento central na mudança daprofissionalização.
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entendimento de como os profissionais são, essa autora considera como
necessária a ênfase no agir profissional. Dessa maneira, ao invés de procurar
apreender a natureza e a substância que definem um conjunto de sujeitos
como profissionais, focaliza a ação desses sujeitos.
Contudo, independentemente das peculiaridades existentes entre os
diferentes matizes de análise teórica, a categoria profissão constitui-se em um
importante elemento de análise nos estudos sociológicos, visto que representa
os diversos modos de agir dos indivíduos na sociedade no que se refere ao
campo do trabalho.
TEMAS DE REFLEXÃO
• Significado do conceito de trabalho na sociologia clássica
• Definição de trabalho, profissão e ocupação
• Diferenças entre ocupação e profissão
• Abordagem anglo-saxônica versus abordagem francesa
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. A sociologia das profissões: em torno dalegitimidade de um objeto. BIB. Rio de Janeiro Nº 36/setembro/1993. pg. 3-30.
BONELLI, Maria da Glória et alli. Profissões jurídicas identidades e imagempública. São Carlos: EDUFSCAR, 2006 . 179 pág.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
DUBAR, Claude. A socialização – Construção das identidades sociais eprofissionais. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2005.
FRANZOI, Naira Lisboa. Verbetes Profissão, Ocupação, Trabalho. Disponível emhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes. Acesso em 07 de maio de 2012.
LEANDRI, Ricardo González. Las profesiones: entre la vocación y el interéscorporativo – Fundamentos para su análisis histórico. Madrid: Catriel, D. L. 1999.
LIEDKE, Élida Rubini. Verbete Trabalho. IN: Dicionário crítico sobre trabalho etecnologia. Petrópolis: Ed. Vozes; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002
QUINTANEIRO, Tânia (org.). Um toque de clássicos: Marx, Durkheim, Weber. BeloHorizonte: Ed. UFMG, 2002 – CAP: 2.
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RODRIGUES, Maria de Lourdes. Sociologia das Profissões. Oeiras: Celta Editora,1997.
STEREN, Tânia. Carreira profissional e gênero: a trajetória de homens e
mulheres no contexto da feminização da medicina. Tese de Doutorado. Instituto deFilosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia,Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
SUGESTÃO DE LEITURABOURDIEU, Pierre (et alli). El oficio de sociologo. 17ª ed. México: Siglo Veintiuno,1994.
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Capítulo II
A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA NO ESTUDODO FENÔMENO PROFISSÃO
m relação aos estudos clássicos, como os de Durkheim, Marx e
Weber, é preciso salientar que eles partem de pressupostos
distintos para explicar a realidade social. A partir de concepções de mundo
singulares, esses autores desenvolvem suas respectivas teorias sobre a
estruturação e o significado das profissões nas sociedades nas quais estãoinseridos.
É importante salientar, no entanto, que a análise dos setores
profissionais não foi considerada como um objeto de estudo específico por
esses autores. Muito pelo contrário. A categoria de profissão estava imersa na
discussão mais ampla das formas de organização e das estruturas sociais, seja
na questão da estratificação social, como enfatiza Durkheim, seja na questão
das disputas entre classes sociais, como quer Marx, ou, então, na produção deuma racionalização das práticas sociais especializadas, como propõe Weber.
São essas as perspectivas, todavia, que são revalorizadas ao longo do
século XX pelos autores situados no campo da História e da Sociologia das
Profissões. Se o funcionalismo era a corrente teórica predominante nas
Ciências Sociais até a primeira metade do século passado, a década de
setenta demarca uma mudança ideológica nos estudos sobre profissões,
abrindo espaço para novas perspectivas de análise como aquelas
apresentadas por Freidson (1978, 1998), Bourdieu (1983, 2007), Collins (2005),
dentre outros.
A fim de apreender os pressupostos teórico-metodológicos das formas
analíticas da categoria profissão na contemporaneidade, torna-se necessário,
contudo, discorrer sobre as contribuições fornecidas pelos clássicos e seus
principais sucessores, uma vez que suas perspectivas foram retomadas e re-elaboradas nas últimas quatro décadas.
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2.1. A DEFINIÇÃO DE PROFISSÃO NA SOCIOLOGIA CLÁSSICA
No que se refere à escola funcionalista, a profissão é entendida como
sinônimo de harmonia e de complementaridade social. Para Durkheim (1995),o grupo profissional possui o papel de organizar integradamente as sociedades
modernas, assegurando a unidade social; por consequência, há uma
preocupação com a moralização da vida profissional. Desse modo, a questão
central para essa perspectiva de análise é investigar a gênese dos grupos
profissionais, suas características, enfim, sua forma de funcionamento, pois é o
próprio grupo profissional quem socializa seus membros, incutindo os valores
coletivos de caráter moral.
Nesse sentido, as organizações profissionais, ou corporações, são
consideradas pelo referido autor como uma pré-condição para a obtenção do
consenso nas sociedades industrializadas, dado que a quebra da ordem
tradicional somente poderia ser restabelecida pelos agrupamentos recrutados
sobre uma base ocupacional e constituídos como comunidades morais
autênticas, exercendo grande interferência na sociedade.
Por consequência, a condição necessária para o surgimento de uma
nova ordem moral, capaz de reduzir a instabilidade da sociedade moderna, é
justamente a consolidação de uma nova ética profissional. São essas
corporações profissionais, constituídas como entidades de representação
intermediária, que possuem papéis sociais distintos e encontram-se voltadas
para (re)estabelecer a ordem social. As profissões são apreendidas, então,
como modelo de organização e funcionamento altruísta de determinada
sociedade.
Na abordagem durkheimiana, a ênfase recai na importância dos valores
compartilhados coletivamente para a coesão social, a qual é assegurada pelas
diversas especializações profissionais que têm o papel de promover a
harmonia social, ou seja, os profissionais são considerados como agentes de
integração social possuindo uma base homogênea, que é adquirida através de
um longo período de treinamento de seus membros.
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Ao contrário do método funcionalista, em outra perspectiva de análise, o
paradigma do poder emerge como forma de explicação das transformações
econômicas e sociais que influenciaram os grupos profissionais. Enquanto o
funcionalismo explicava as profissões através de critérios de legitimidade
social, a perspectiva que concebe os grupos profissionais como grupos que
estão inseridos em relações de poder prioriza o seu poder profissional, social,
econômico e político (Rodrigues, 1997).
Mesmo que a abordagem do poder e saber como sinônimos de mercado
e monopólio tenha sido inicialmente realizada pelas pesquisas da
etnometodologia, sua teorização deu-se através dos autores de formaçãoweberiana. De acordo com Weber (1984), a profissão significa um tipo
específico de especialização de serviços que são prestados por um grupo ou
uma pessoa, tendo a possibilidade duradoura de remuneração e subsistência.
Dessa forma, a análise desse autor enfoca o processo de
profissionalização, destacando que a existência de diversos grupos
profissionais, detentores do saber e do poder, são resultantes da divisão do
trabalho, os quais confrontam-se entre si para alcançar o monopólio de ummercado de atuação específico.
Contrapondo-se à visão harmônica da vida social, presente no
pensamento funcionalista, Weber (1984) privilegia o conflito procedente do
confronto de interesses de indivíduos que se encontram envolvidos em um jogo
de poder e cuja ação racional está relacionada a fins. Desse modo, para
compreender os mecanismos através dos quais atua a dominação de um grupo
profissional sobre um mercado específico, é fundamental que suas teorias
sobre legitimação, hierarquia social e status sejam apreendidas, pois são elas
que permitem um entendimento mais profícuo sobre a maneira como operam
as profissões.
A categoria poder, nesse caso, passa a mediar a incorporação da
divisão social do trabalho como fundamento da existência de grupos
profissionais. Assim, a luta pela constituição de um mercado fechado eprotegido e a luta pelo monopólio são as marcas que distinguem as profissões
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como grupos sociais. Sendo a profissão percebida como um fenômeno
pertencente à dimensão da desigualdade social, na qual estão inseridas
relações de poder, o conceito de status é tido como essencial, sendo sua
busca apreendida como luta por prestígio.
De outra forma, se, para os modelos de análise funcionalista e
weberiana, o elemento central de definição de um grupo profissional estava
atrelado à formação educacional, essa questão, no paradigma marxista, ocupa
uma posição secundária na investigação da dinâmica das profissões.
Tanto os aspectos cognitivos quanto técnicos encontram-se
subordinados ao sistema de classes sociais. Por consequência, a situação
profissional dos sujeitos é determinada pela sua estrutura objetiva e pela sua
relação com o mundo produtivo e com os demais indivíduos da sociedade.
Assim, a relação entre classe e profissão faz emergir várias situações,
ou seja, pode-se perceber a existência dos profissionais assalariados,
responsáveis pela esfera de produção e de circulação de capital, compondo a
classe trabalhadora; dos profissionais-empresários, que detêm em suas mãos
os meios de produção, contratando, consequentemente, a força de trabalho
para a produção de mercadorias; e, por fim, da classe média, composta por
profissionais liberais, também conhecidos como trabalhadores autônomos, cuja
posição na estrutura social tem como principal característica a circulação do
capital.
Concebendo a atividade humana como fundamental para a
transformação da natureza e da sociedade como um todo, Marx (1980)sublinha que as mudanças sociais observadas na sociedade industrial, a partir
dos avanços tecnológicos de seu tempo, são produtos da ação humana. Desse
modo, os profissionais, ao deterem o saber teórico e/ou prático, têm o papel de
transmitir ou aplicar o conhecimento gerado coletivamente pela sociedade no
seu processo de desenvolvimento..
Nesse modelo a posição social das profissões é definida através da
utilização de critérios puramente econômicos, o que, na visão de Bourdieu
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(2005), reduz o mundo social ao campo das relações econômicas, deixando de
lado a influência exercida por outras instâncias da vida social no exercício da
prática profissional.
TEMAS DE REFLEXÃO
• Características teórico-metodológicas da sociologia clássica
• Noção de profissão para os clássicos
• Harmonia e equilíbrio social
• Poder e status
• Sociedade de classes e desigualdades sociais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Ed.Edusp; Porto Alegre, Ed. Zouk, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
COLLINS, Randall. Sociología de las filosofias: uma teoría global del cambiointelectual. Barcelona: Ed. Hacer, 2005.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Ed. Martins Fontes,1995.
FREIDSON, Eliot. Renascimento do profissionalismo. São Paulo: Edusp, 1998.
______________. La profesión médica - um estudio de sociologia delconocimento aplicado. Barcelona: Ed. Península, 1978.
MARX, Karl. Conseqüências sociais do avanço tecnológico. São Paulo: Ed.Populares, 1980, v. 1.
RODRIGUES, Maria de Lourdes. Sociologia das Profissões. Oeiras: Celta Editora,1997.
WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1984.
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Capítulo III
PERSPECTIVAS TEORICO-METODOLÓGICAS DA SOCIOLOGIADAS PROFISSÕES
objetivo deste capítulo é apresentar as principais fases de
desenvolvimento teórico e metodológico que marcaram a história
da Sociologia das Profissões. Dentre as principais perspectivas de análise
destacam-se as abordagens funcionalista, interacionista e os estudos
comparativos.
3.1. SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES – I FASE
Neste subcapítulo pretende-se discutir as teses funcionalistas e as teses do
interacionismo simbólico em relação à categoria profissão. O período histórico-
temporal compreende os anos trinta aos anos sessenta do século passado.
Estas perspectivsa de análise buscam definir, por um lado, um tipo ideal de
profissão, ou seja, um modelo de profissão, visto que uma atividade somente
pode ser denominada como profissional se possuir um conjunto preciso e
específico de características e, por outro, enfatizar os processos de interação
social presentes em um determinado grupo social que o definem como uma
categoria profissional.
3.1.1. A abordagem funcionalista
O que é funcionalismo?“Hipótese inicialmente inspirada noorganicismo do séc. XIX, que postula, na suaforma radical, que os elementos de umasociedade constituem um todo indissociável,
desempenham um papel vital na manutençãodo equilíbrio de conjunto e são, portanto,
O
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indispensáveis (Malinowski 1944, Radcliffe-Brown 1952). Este funcionalismo pressupõe,portanto, a estabilidade e a integração dossistemas sociais, e tende a reduzir a
explicação dos factos sociais aoesclarecimento das suas funções – uma vezque eles existem em função daquilo para queservem. A relativização destas concepçõespor parte de R.K. Merton (1949) deu à análisefuncional uma paradigma forma que convida ainterpretar, em certos casos, os factos sociaiscomo ‘consequências objectivas’ da satisfaçãode necessidades próprias de certossegmentos previamente definidos da estruturasocial. O funcionalismo estrutural (Parsons1961) é, por seu turno, uma teoria geral que
mostra como os imperativos funcionais maisimportantes de todo o sistema social sãosatisfeitos pelos ‘elementos estruturais’ desteúltimo. Além disso, o funcionalismo comportauma abordagem original da questão dosconflitos (Coser 1956), mas manem-selimitado, em T. Parsons, a uma concepçãoevolucionista da mudança social” (Boudon,1990: 111-112).
“O processo de socialização consiste entãoem inscrever a norma na consciência a fim deque os agentes sociais possam adotar ocomportamento requerido pela sociedade paramanter um estado de coesão social” (Riutort,2008: 207).
O funcionalismo é uma das tradições sociológicas que privilegiam a
interação social, isto é, as normas sociais e a sua interiorização pelos
indivíduos.
Se desde a sua origem a Sociologia sempre levantou questões sobre a
ordem social e, por conseqüência, sobre as formas pelas quais os membros de
uma determinada sociedade interiorizam e respeitam essa ordem, a
perspectiva funcionalista, adepta dessa abordagem holística, enfatiza o
processo de socialização, inclusive suas contradições, “... sobretudo quando
se trata dos problemas postos pelo desvio em relação às normas legítimas e
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pelas maneiras como a sociedade, por sua vez, sanciona os ‘desobedientes’,
impondo-lhes o respeito das regras do jogo social” (Riutort, 2008: 206).
Mesmo que o funcionalismo caracterize uma das perspectivasmetodológicas dos pensadores que fundaram a disciplina de sociologia (como
Durkheim, por exemplo), a partir da década de trinta do século passado, devido
à emergência da pluralidade de estudos empíricos nas ciências sociais, esta
corrente de pensamento rompe com as “filosofias evolucionistas” que
marcaram as obras de alguns de seus fundadores (Lallement, 2004).
Como outras perspectivas teóricas e metodológicas o funcionalismo
também possui seus clássicos e suas derivações analíticas na sociologia
contemporânea. Dentre estas derivações, destacam-se três abordagens
principais: “... o funcionalismo absoluto que conheceu o maior sucesso em
antropologia (com B. Malinowski, A.R., Radcliffe-Brown, C. Kluckhohn...), o
estrutural-funcionalismo de Talcott Parsons e o funcionalismo moderado de
Robert K. Merton” (Lallement, 2004: 110-111). Para fins de análise da
Sociologia das Profissões elencam-se a segunda e a terceira abordagem.
Ressalta-se, ainda, que o principal interesse dos pensadores adeptos do
funcionalismo em analisar o objeto “profissão” deriva particularmente do seu
interesse em indicar o valor social que as profissões têm na sociedade
industrial; para tanto, enfatizam as funções dos grupos profissionais no sistema
social, visto que, nesta perspectiva de análise, não é o sistema capitalista, ou o
livre mercado, que caracteriza a sociedade industrial, mas o surgimento dos
grupos profissionais. É por este motivo, que a idéia de “autonomia profissional”
é central para esta corrente de pensamento.
Como explica Gonçalves (2007), a obra dos cientistas sociais britânicos
Carr-Saunders e Wilson – datada no ano de 1933 – é considerada como o
marco fundador do estudo da categoria profissão pela sociologia. Nela, os
autores dão ênfase às características singulares das profissões, as quais não
são observadas em ocupações comuns, e defendem o profissionalismo,
entendido como um sistema de valores sociais, como instância fundamentalpara o funcionamento das sociedades capitalistas. Desse modo, explicam que
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“... todos os atributos que caracterizam uma profissão são odesenvolvimento natural, de facto inevitável, da aplicação de
uma técnica intelectual a assuntos da vida quotidiana. Poroutras palavras, se, e quando, se desenvolver uma técnicaintelectual de gestão de negócios, que só pode ser adquiridapor formação intelectual especializada, nascerá a profissão deadministração e gestão de negócios” (apud Rodrigues, 1997:04).
É deste estudo que derivam os questionamentos que irão subsidiar as
indagações do funcionalismo sobre as profissões, quais sejam:
“... o que é uma profissão? Quais os atributos que possuem,em termos de natureza e organização do trabalho e dosvalores, que as distinguem das ocupações comuns? Qual afunção social das profissões? Que contributos poderãofornecer para a manutenção das sociedades capitalistas?”(Gonçalves, 2007: 179).
As abordagens funcionalistas sobre o objeto “profissão” foram
fundamentais para delimitar o campo de análise sociológica sobre esta
questão. Com base na metodologia comparativo-taxinômica (que privilegia
tanto as análises entre profissões quanto os estudos entre as profissões e as
ocupações comuns) uma série de estudos emergiu entre os anos cinquenta e
os anos sessenta com o objetivo de mapear, empiricamente, os atributos dos
grupos profissionais e ocupacionais.
Desse modo, as principais características que as pesquisas de cunho
funcionalista apresentam ao investigar o fenômeno das profissões, segundo
são:
• centralização na definição dos atributos dos grupos profissionais
investigados;
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• ênfase na perspectiva empirista das pesquisas realizadas e uma
“despreocupação” pela reflexão teórica como fundamento da
investigação empírica;
• a “atomização analítica” das profissões mediante às dinâmicas e
particularidades do capitalismo.
Para Gonçalves (2007), tais características fizeram com que este objeto de
estudo fosse observado através de uma leitura “heuristicamente fraca”,
impossibilitando uma análise mais crítica e reflexiva sobre as suas dinâmicas,
processos e relações. Isso se deve pelo fato da perspectiva funcionalista
privilegiar
“... na explicação das práticas profissionais, a estrutura socialdo profissionalismo, separadamente das suas estruturascognitivas. Apesar de o reconhecimento esotérico serconsiderado como um traço distinto das profissões em todas aslistas definidoras do ideal-tipo, o conteúdo e a natureza doconhecimento profissional não foi objecto, nem de análisesteóricas, nem empíricas; foi tomado como uma constante domodelo, uma caixa preta” (Rodrigues, 1997: 39).
Aspectos da constituição da profissão segundo Carr-Saunders eWilson:
“A constituição das profissões decorreria de:(i) uma especialização de serviços, permitindo a crescente
satisfação de uma clientela;(ii) a criação de associações profissionais, obtendo para seus
membros a protecção exclusiva dos clientes eempregadores recorrendo tais serviços, isto é,estabelecendo uma linha de demarcação entre pessoas
qualificadas e não qualificadas, fixando códigos de condutae de ética para os qualificados;(iii) o estabelecimento de uma formação específica fundada
sobre um corpo sistemático de teorias, permitindo aaquisição de uma cultura profissional”.
(Fonte: Rodrigues, 1997: 04).
Aspectos metodológicos da abordagem funcionalista sobre asprofissões:
“A perspectiva funcionalista sobre as profissões (tambémdesignada de essencialista ou taxinómica), desenvolvida com maior
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ênfase nos anos cinqüenta e sessenta no seio da sociologia norte-americana, produziu um conjunto abundante de esquemasclassificatórios (Goode, 1960; Barber, 1965; Greenwood, 1966, entreoutros), que isolam as profissões das restantes ocupações. Àsprimeiras são-lhes conferidos atributos exclusivos como o altruísmo ea orientação vocacional, a posse de conhecimentos científicos etécnicos, complexos e especializados, obtidos após uma longaformação universitária, utilizados de modo racional e não mercantil, ea orientação das práticas profissionais por princípios éticos edeontológicos. Daqui emerge o conceito de profissão, de naturezaenumerativa, tendo como exemplos paradigmáticos os médicos e osadvogados, que servirá como tipo ideal para a selecção eidentificação das ocupações em geral. Simultaneamente, ossociólogos funcionalistas, no contexto amplo do mundo do trabalho,
valorizaram política e socialmente o modelo profissional face aomodelo do trabalho assalariado e ao modelo empresarial.
A par dos esquemas classificatórios, um outro elemento principaldo quadro teórico funcionalista sobressai: a concepção dasprofissões como instrumentos de resposta às necessidades sociaisque concorrem para a integração e coesão sociais nas sociedadescapitalistas. É Parsons (1958, 1972, 1982) um dos sociólogos querecupera esta tese de Durkheim ([1897] 1973 e [1893] 1984),enfatizando-a na sua análise e rompendo, em simultâneo, com aperspectiva de natureza sociográfica sobre as profissões que era
apanágio de outros sociólogos funcionalistas. A posse deconhecimentos científicos e técnicos e o ideal de serviço àcolectividade são consideradas como as principais fontes delegitimidade social das profissões e uma garantia da suaimprescindibilidade funcional para as sociedades.”
(Fonte: Gonçalves, 2007: 179).
3.1.2. Talcott Parsons e seus estudos sobre as profissões
Os estudos de Parsons sobre “profissão” têm origem em 1939, ano em que
o autor elabora um texto que problematiza a definição da teoria econômica do
utilitarismo em relação ao comportamento dos agentes sociais sobre a
economia. Nesse texto, argumenta que as profissões, ao contrário de serem
orientadas exclusivamente por motivações econômicas, agem com base em
aspectos altruístas, ou seja, sua dinâmica é determinada pelos laços de
solidariedade social presentes dentro do grupo profissional.
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Sua obra, no que tange à temática em discussão, é marcada por uma
constante preocupação em identificar os princípios que dão coerência aos
atributos das profissões; nesse sentido, procura construir uma teoria que
explique o seu funcionamento e a sua gênese, por conseqüência.
Se, para Durkheim (2001), a dimensão coletiva do trabalho, com especial
ênfase na solidariedade, tem um papel central, para Parsons (1974), principal
representante do estrutural-funcionalismo no século XX, as motivações
individuais, aliadas à procura de status e de ascensão social, são privilegiadas
no estudo dos grupos profissionais.
Assim, enquanto o primeiro atribui sentido às profissões como alicerces da
divisão do trabalho, para compreender a sociedade moderna e seu
funcionamento, o segundo privilegia a integração sistêmica através da escolha
racional de alternativas de ação, quer dizer, Parsons busca explicar a ação
como uma construção intencional. Essa ação social é o resultado das opções
individuais, tendo um significado para o ator. Todavia, “... essas opções se
acham ligadas a um conjunto global de valores comuns (expressão simbólica
das preferências coletivas) e se inscrevem em uma rede de normas constitutiva
da estrutura da sociedade, elementos coercitivos da ação social” (Lallement,
2004: 115).
A perspectiva parsoniana, por sua vez, entende que uma profissão é
caracterizada a partir dos seguintes traços: ela é portadora de um treinamento
técnico formal, tendo por isso validade institucional; possui domínio sobre a
racionalidade cognitiva, que pode ser aplicada a um campo específico; tem um
domínio da tradição cultural, a partir do desenvolvimento de uma habilidade
especial; e, por fim, exerce o controle entre pares (Parsons, 1974; 1973). Ao
contrário de Durkheim, Parsons enfatiza mais os aspectos da ação individual
em detrimento da ação coletiva.
A problemática das profissões passa a girar, então, em torno das
orientações dos atores, uma vez que elas são consideradas como fechadas em
si mesmas e convivendo democraticamente entre si. A relação estabelecidaentre médico e paciente, por exemplo, é considerada como modelo de análise,
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uma vez que ambos têm seus papéis sociais definidos de forma normativa,
fazendo com que o trabalho profissional consista em diagnosticar e curar o
problema (BARBOSA, 1993: 07).
Nesse sistema, o papel exercido pelos membros de uma profissão está
diretamente relacionado aos clientes, visto que aqueles possuem
conhecimento, autoridade e legitimidade atribuídos pelos últimos. Quer dizer,
para que a relação entre médico e paciente torne-se funcional,
“... o médico deve inscrever o seu papel sob os auspícios daperformance (ele possui, para tanto, competências que foramsocialmente validadas), do universalismo (os sentimentos erelações particulares que o médico pode por outro lado tercom seu paciente não devem interferir no tratamento), daespecificidade (ele é especialista apenas da saúde) e daneutralidade (o médico não deve sucumbir à sedução de seupaciente sob o risco de não poder exigir-lhe os sacrifícios àsvezes necessários ao tratamento)” (Lallement, 2004: 120).
A ação do médico, ao contrário da dos empresários que atuam em defesade seus interesses pessoais, está orientada para a coletividade. Quanto à ação
do enfermo, este desempenha um papel guiado pela afetividade, pois pode
guiar suas práticas através de seus sentimentos explícitos, pela qualidade
individual, quer dizer, sua avaliação repousa naquilo que o outro é, e pelo
particularismo, utilizando, para isso, critérios específicos para avaliar os atores
(neste caso, médicos) e as coisas (ações desempenhadas pelos profissionais
da saúde).
Ao privilegiar as investigações sobre as práticas profissionais de médicos e
advogados (e, sucessivamente ao enfatizar a relação médico-doente, técnico-
profano) Parsons parte da relação profissional-cliente para apreender o
fenômeno das profissões. Para ele “... o papel dos profissionais exerce-se na
relação com os clientes e é a sua reciprocidade assimétrica
(conhecimento/ignorância) que permite a sua institucionalização
(autoridade/confiança)” (Rodrigues, 1997: 09). É por este motivo que o
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fundamento de sua teoria sobre o fenômeno profissão tem como base os
mecanismos de legitimidade social, entendida pelo autor como integração e
controle social.
As três dimensões específicas do papel do profissionalsegundo Parsons:
“1) dupla competência, pela articulação do saber prático fundadona experiência ou na ciência aplicada com o saber teórico adquiridodurante uma formação longa e sancionada; 2) competênciaespecializada, fundada numa especialização técnica que limita aautoridade do profissional, unicamente, a um domínio legítimo da
sua actividade; 3) desinteresse ou desprendimento, pela articulaçãoda norma da neutralidade afectiva com o valor da orientação para osoutros, do interesse empático para com o cliente”.
(Rodrigues, 1997: 10).
“No conjunto da obra de Parsons, os estudos das profissões sãode importância secundária, apesar de terem fornecido importantesbases para a construção do seu pensamento. Já no texto de 1939esta instrumentalidade é muito evidente: mais importante do que aanálise das profissões é a definição do contributo específico da
sociologia para a compreensão dos fenômenos do mundocontemporâneo, sendo que as profissões permitem a Parsonsafirmar a abordagem sociológica face às abordagens economicistasentão dominantes. Tendo isto em atenção, pensamos que algumasdas críticas formuladas a Parsons não tiveram em conta o contextoteórico da elaboração de seus contributos. No referido texto,Parsons começa por constatar que apesar do aumento e dacrescente importância das profissões na vida social, não sendopossível imaginar cenários nos quais estas estivessem ausentes,nas ‘grandes explicações’ os cientistas sociais nunca apontam o
profissionalismo ou as profissões como o seu traço característico;apontam o capitalismo, a livre iniciativa, o industrialismo, etc., emesmo quando referem a ciência e a tecnologia, essascaracterísticas não são pensadas na sua relação com as profissões(...). A tendência, refere Parsons, é para concentrar no mundoeconômico ou no dos negócios os traços caracterizadores dasociedade, considerando-se conceitos como acquisitive society ouprofit system, os conceitos chave da economia moderna sustentadapor um alto grau de auto-interesse. Justamente a análise dasprofissões proporciona a identificação de diferentes traços,diferentes conceitos e permite a construção de um modeloexplicativo alternativo. Assim, Parsons, ao contrário de Merton que
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ao longo de sua carreira continuará a dedicar-se ao fenômeno dasprofissões, apenas se interessa pelos estudos de profissões numafase inicial de sua carreira, constituindo instrumentos usados naconstrução daquela que viria a ser mais tarde a sua teoria da açãosocial”.
(Fonte: Rodrigues, 1997: 08-09).
3.1.3. Robert K. Merton: o processo de socialização dos integrantes de um
grupo profissional
Realizando seus estudos no mesmo período que Parsons, Merton (1970)busca, por sua vez, renovar o enfoque funcionalista nas Ciências Sociais
daquele período. Ao invés de propor uma teoria sociológica ancorada na
grandiloquência conceitual, como aquela proposta pelo modelo parsoniano, o
autor apresenta uma teoria de “médio alcance”, cujo objetivo é oferecer um
aparato conceitual capaz de ser aplicado às situações concretas da vida social
em condições determinadas, não projetando, portanto, que tal aparato tenha
um alcance universal.
A tentativa de utilizar um arcabouço teórico capaz de orientar um inquérito
empírico permite a Merton desenvolver um ponto de vista crítico em relação ao
método funcionalista, embora continue sendo partidário dele. A
homogeneidade das profissões, ou seja, a orientação comunitária dos
profissionais, elemento central para o funcionalismo, é um dos aspectos que
passa a ter seu argumento problematizado.
Nesse sentido, o controle social dos profissionais, aspecto central
apresentado pelo discurso funcionalista para pensar tanto o desenvolvimento
histórico das profissões quanto suas perspectivas futuras, é posto em debate.
Como explica Leandri (1999), a capacidade de autocontrole das profissões na
sociedade, conforme propõem os primeiros autores vinculados à corrente
funcionalista, como Durkheim e Parsons, por exemplo, seria dada pelos
profissionais, que “... garatizan a la sociedad que impondrán a sus miembros
un entrenamiento y um reclutamiento cuidadosos, una adecuada organización
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y la existencia de unos códigos éticos y de unos tribunales profesionales
encargados de vigilar su acatamiento” (LEANDRI, 1999: 29). A lacuna4
apresentada por esse modelo, centrado na ideia de que o controle da profissão
é realizado pelo próprio corpo profissional, quer dizer, pelos pares, refere-se ao
fato de que suas ferramentas de investigação estão muito mais voltadas para
aquilo que as profissões pretendem ser do que para o que elas realmente são
ou foram em uma determinada realidade. Essa limitação é explicada com base
na premissa de que “... el funcionalismo tendió a dar status teórico a las
perspectivas de las elites de determinadas profesiones, en general aquellas
más tradicionales y exitosas, dentro de unos marcos nacionales muy precisos y
en un particular momento de su historia” (LEANDRI, 1999: 30).
Dado esse contexto, os estudos voltados para a categoria profissão,
especialmente à Medicina, concebem a escola como uma instituição
socializadora, isto é, como uma instância responsável por estabelecer o
processo educativo voltado para a formação do comportamento dos membros
que pretendem fazer parte de uma profissão (Merton, 1957).
A escola médica teria, dessa maneira, por exemplo, a tarefa de transmitir edesenvolver entre os alunos a cultura da Medicina, modelando o principiante
em um prático efetivo, pois ela “... é vista como um decisivo meio-termo entre
as capacidades originais e previamente treinadas de indivíduos selecionados e
a emergência do self profissional, a identificação desses indivíduos, por eles
próprios e pela sociedade, como doutores de medicina” (apud Nunes, 2007:
164). Essa formação torna-se possível a partir do momento em que são
repassados ao corpo discente conhecimentos e habilidades específicas quepermitem a formação de uma identidade profissional. É por meio dessa
4 Problematizando a perspectiva funcionalista, Leandri (1999) explica que o modelo parececonvincente, pois toma como objeto de estudo uma realidade particular, caracterizada pelocontrole bastante efetivo pelos membros de uma dada profissão. Contudo, ao serem realizadosestudos comparativos, o autor observa que essa tendência de autocontrole profissional não serepete em outros contextos como “... Lawrence Stone, por ejemplo, (que) muestra lasprofundas diferencias existentes entre el controle de los sistemas de salud en EE.UU., baseempírica exclusiva de las teorías funcionalistas, y el de Alemania. Mientras en el primer paísdicho control está en buena parte en manos médicas, a través de su potente organización
corporativa, en el segundo los profesionales se ven obligados a negociar permanentemente lasdecisiones relevantes con asociaciones de consumidores que gozan de un importante respaldolegal” (LEANDRI, 1999: 30).
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identidade que o estudante de Medicina adquire os elementos básicos que o
fazem pensar, agir e sentir como médico.
Com base nesses fundamentos, a contribuição de Merton para os estudosda época é a de pensar a escola médica como uma instituição voltada para a
profissionalização, trazendo contribuições importantes para o estabelecimento
de uma pesquisa aplicada. Nesse sentido, segundo Nunes (2007), sua
perspectiva torna-se bastante inovadora para a época, porque passa a
investigar a escola médica como uma instituição. Por conseqüência, a
categoria profissão passa a ser pensada através da perspectiva que centraliza
o papel do processo de socialização dos integrantes de um determinado grupoprofissional.
TEMAS DE REFLEXÃO
• O que é funcionalismo?
• Definição de socialização
• Papéis e funções sociais
• Função social da profissão
• Atributos da profissionalização
• Definição de profissão para Parsons e Merton
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. A sociologia das profissões: em torno dalegitimidade de um objeto. IN: BIB. Rio de Janeiro Nº 36/setembro/1993. pg. 3-30.
BOUDON, Raymond. Dicionário de Sociologia. Lisboa: Publicações Dom Quixote,1990.
DURKHEIM, Émile (et al). Introdução ao pensamento sociológico. São Paulo: Ed.Centauro, 2001.
GONÇALVES, Carlos Manuel. Análise sociológica das profissões: principais eixosde desenvolvimento. IN: Revista da Faculdade de Letras: Sociologia. Porto:
Universidade do Porto, 2007, V. 17/18, pg. 177-224.
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3.2.1. A abordagem do interacionismo simbólico
O que é interacionismo simbólico?Os interacionistas recusam-se a consideraros atores sociais como “idiotas culturais”(cultural dope), pois “... focalizam a atençãosobre as relações sociais, a produção de umaidentidade que se forja no contato com osoutros... e não apenas sobres os simplescomportamentos individuais” (Lallement,2004: 2091).
O intercionismo simbólico, também denominado como segunda Escola de
Chicago, é uma perspectiva de análise que se opõem a outros modelos
teóricos metodológicos presentes nos Estados Unidos após 1945 como, por
exemplo, o funcionalismo, o estruturalismo funcionalista e o culturalismo.
Críticos das perspectivas metodológicas dominantes, em especial da idéia
que concebia a ação social como particularmente passiva, ou hiper-socializada,
os interacionistas enfatizavam o modo como os indivíduos interpretavam as
suas ações, dando atenção especial à dimensão simbólica da realidade social.
Para Blumer, precursor deste modelo paradigmático,
“... a primeira condição é que a ação se desenrole em funçãoda situação. Qualquer que seja o ator, um indivíduo, umafamília, uma escola, uma igreja, uma empresa, um sindicato,um parlamento, etc., toda ação particular é formada em função
da situação na qual ela se situa. Isso faz com que se leve emconsideração a segunda condição, importante, ou seja, a açãoé concebida ou construída interpretando a situação. O atordeve necessariamente identificar os elementos que deve levarem conta: as obrigações, as boas ocasiões, os obstáculos, osmeios, as demandas, os inconvenientes, os perigos, etc.; eledeve avaliá-los de certa maneira e tomar suas decisões a partirdessa avaliação” (apud Riutort, 2008: 363).
A incorporação da categoria “interação”, pelos autores interacionistas, na
investigação das problemáticas sociológicas marca o surgimento de uma nova
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perspectiva teórica nas ciências sociais. Ao contrário das abordagens até então
predominantes no estudo dos fenômenos sociais, a metodologia interacionista
enfatiza
“... a definição de situação, noção que sublinha claramente queos atores devem se por de acordo, ao longo da ação, sobre oque eles estão fazendo: em outras palavras, a ação socialnecessita de uma cooperação mais ou menos voluntária econsciente, por parte de um certo número de indivíduos, quepode variar sensivelmente de uma situação a outra. A interaçãosignifica, portanto, que não basta se referir aos indivíduos, àssuas estratégias, à sua história... nem à ‘sociedade’
considerada como um todo homogêneo para apreender aquiloque efetivamente acontece, mas é necessário acordar umprimado à situação que coloca em ação diversos atores”(Riutort, 2008: 364).
Nesse sentido, o interacionismo simbólico parte do pressuposto de que os
indivíduos produzem os fatos sociais incessantemente (e não os sofrem,
conforme o argumento durkheimiano). Ao interpretarem a situação na qual
estão imersos, os atores sociais apreendem e organizam a sua ação social
constantemente; contudo, não significa que esta ação social tenha um caráter
puramente racional.
Ao privilegiar os sistemas de representações dos atores sociais, ou seja,
seus pontos de vista sobre uma determinada situação, o paradigma
interacionista rejeita os métodos positivistas; ao considerar que o positivismo
cria artefatos, isto é, o uso de métodos estatísticos afasta o pesquisador domundo social que ele pretende investigar, o interacionismo simbólico resgata
“... a experiência imediata e a maneira como, na e pela interação, os atores
atribuem um sentido aos objetos, às situações e aos símbolos” (Lallement,
2004: 294), ou seja, privilegia a dimensão dos processos e interações sociais.
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3.2.2. O significado de profissão para os interacionistas
Os funcionalistas, conforme o capítulo anterior, definiam a profissão como
um modelo, isto é, um fenômeno que apresentava características pautadas emum ideal profissional, cuja base principal era a presença de atributos relativos
ao seu funcionamento e a sua organização. Os interacionistas, por sua vez,
apresentam uma crítica a este paradigma, pois consideram que as profissões
significam processos, permeados por aspectos simbólicos e de interação
social.
Embora vários autores colaborem com esta perspectiva metodológica
como, por exemplo, Bucher e Strauss, Richardson e Hughes, é este último que
apresenta as principais contribuições em relação ao objeto profissão. Mesmo
que a preocupação inicial deste autor não tenha sido a elaboração de uma
teoria das profissões, visto que somente recoloca o fenômeno na análise da
divisão do trabalho, segundo a perspectiva sociológica, seus estudos são
pertinentes pelo fato de enfatizar os procedimentos de distribuição social das
atividades laborais.
“A divisão do trabalho, objecto de conflitos sociais, implica umahierarquização de funções e uma separação entre funçõessagradas e profanas, sendo efectuada com recurso a duasoperações que orientam a selecção dos profissionais: licença emandato. Essas duas noções constituem a base da divisãomoral do trabalho, isto é, o processo pelo qual funçõesdiferentemente valorizadas por uma colectividade sãodistribuídas entre os membros de grupos. Licença é a
autorização legal de exercício de certas actividades interditas aoutros; mandato é a obrigação de assegurar uma funçãoespecífica. Logo que uma ocupação fixa o seu mandatoperante a sociedade, nasceu uma profissão, mas tal fixação é oresultado de um processo social e não de traços quetestemunham o progresso de uma civilização” (Rodrigues,1997: 15).
Desse modo, as peculiaridades do trabalho dos profissionais em detrimento
das atividades ocupacionais encontram-se nas condições de exercício laboral e
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não nas suas características particulares. Tais condições de exercício
profissional são passíveis mediante as seguintes características:
“... existência de autorização e mandato sobre saberes‘sagrados’ e secretos, confiados pela autoridade; existência deinstituições destinadas a proteger o diploma e a manter omandato, intermediárias entre o Estado e os profissionais, eentre estes e o público; existência de carreiras, isto é, espaçosde diferenciação/hierarquização interna (nos quais o essencialdo mandato é reservado aos profissionais dotados dos traçosconformes ao estereótipo dominante) e de socialização (umavez que às licenças e mandatos estão necessariamente
associadas uma filosofia e uma visão de mundo)” (Rodrigues,1997: 16).
O fenômeno da profissionalização e sua história são, portanto, um
processo ligado à presença de mudanças nas sociedades e,
consequentemente, às ocorrências de transformação nas instituições sociais.
Tais ocorrências geram conflitos entre os distintos grupos ocupacionais nelas
presentes. Segundo Hughes essas mudanças decorrem daquilo que eledenomina como “uma história natural”, quer dizer, as novas técnicas que
surgem no mundo do trabalho e nas organizações, o surgimento de atividades
como a saúde, a educação (que anteriormente eram desenvolvidas de forma
amadora) e que demandam cada vez mais os serviços profissionais, a
emergência de ocupações que aspiram ao estatuto de profissão cada vez mais
crescente produzem novas demandas sociais e, por conseqüência, novas
ocupações (Rodrigues, 1997: 16).
Neste sentido, definir em que consiste (ou o que é) uma profissão não é o
questionamento principal das ciências sociais; as ciências sociais, segundo
Hughes, precisam identificar as circunstâncias que levam as ocupações a se
transformarem em profissões, ou seja, torna-se necessário passar
“... da falsa questão ‘é esta ocupação uma profissão?’ parauma mais fundamental, ‘quais as circunstâncias pelas quais aspessoas que têm uma ocupação tentam torná-la uma profissão,
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e a si próprias profissionais?’ e ‘quais os passos pelos quaistentam criar uma identificação com os seus modelos devalores?’.” (apud Rodrigues, 1997: 16).
A dinâmica do processo de profissionalização requer, portanto, instâncias
capazes de atribuir licenças para exercer determinadas atividades
ocupacionais, fixando a distinção entre aqueles que possuem as condições
para realizar certas atividades ocupacionais (verdadeiros profissionais) e os
profanos, isto é, os leigos.
Tal perspectiva processual e relacional identifica as instituições escolares
e, consequentemente, seus professores, como instâncias prioritárias nas ações
de profissionalização, visto que são nelas que os indivíduos adquirem as
licenças para desempenhar determinadas atividades de trabalho. A formação é
percebida então não mais como um atributo (como enfatizavam os
funcionalistas), mas como um recurso acionado pelos agentes sociais para
identificar determinadas atividades ocupacionais como profissões.
“Afinal as pessoas foram treinadas para quê? (...) Numconsiderável número de profissões, as técnicas básicas e asaptidões intelectuais estão a transformar-se em qualquer coisaque se aprende como condição para poder continuar aascensão. (...) As escolas superiores são meras instituiçõesonde as pessoas se adestram para deixar de ser [engenheiros]e se tornarem administradores, da mesma maneira que osdepartamentos servem apenas para movimentar as pessoas deáreas restritras para a grande área da administração escolar.Se o caminho para a promoção numa profissão é em direcçãoà administração, qual deverá ser a formação?” (apudRodrigues, 1997: 17).
A problemática sociológica, segundo os interacionistas simbólicos,
encontra-se no estudo detalhado das práticas dos integrantes de um grupo
ocupacional e, por conseqüência, nas condições que eles acionam para se
tornarem reconhecidos e legitimados como agentes que detêm o monopólio de
uma determinada atividade profissional. Esse reconhecimento e a legitimidade
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social conferem aos membros de um grupo profissional prestígio e status
social. Tais elementos caracterizam a interação social, permeada por situações
de conflito e pelas relações de poder que requerem o controle e o monopólio
de certas atividades profissionais.
As profissões tornam-se objetos de análise das práticas sociais exercidas
quotidianamente. Salienta-se, ainda, que os interacionistas não procuram
definir o que é uma profissão (pelo menos não de forma apriorística ), pois
enfatizam a pluralidade de situações presentes no mundo do trabalho, as quais
resultam de contextos sociais diferenciados, nos quais são exercidas as
atividades correspondentes. Do mesmo modo, privilegiam metodologicamenteas investigações sobre as ocupações consideras pela sociedade de menor
prestígio e status social em detrimento do funcionalismo, que priorizava os
estudos relacionados aos médicos e aos advogados.
Diferença entre a perspectiva funcionalista e a perspectivainteracionista:
“A abordagem interacionista não incide sobre a análise deprivilégios profissionais, nem sobre as condições estruturais da suaexistência; a ênfase é colocada no processo de transformação dasocupações, nas interacções e nos conflitos, bem como nos meios erecursos mobilizados nesse processo, chamando assim a atençãopara o papel jogado pelas reivindicações e os discursos sobre osaber, na transformação de uma ocupação em profissão”(Rodrigues, 1997, 17-18).
Como explica Leandri (1999), ao questionarem o modelo estrutural-funcionalista, a principal contribuição dos interacionistas em relação ao objeto
“profissão” foi enfatizar os mecanismos de socialização presente nas relações
profissionais, além de atribuir uma importância simbólica ao fenômeno. Ao
enfatizar o processo de aprendizagem das “funções” profissionais,
compreendidas como aspectos relacionados a uma determinada maneira de
internalizar formas de comportamento, derivadas de posições sociais
estabelecidas, os autores desta perspectiva metodológica analisam o processopelo qual atravessam os aprendizes de uma determinada profissão, que faz
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com que estes aprendizes internalizem os aspectos sociais e simbólicos que os
convertem em determinados profissionais e não em outros (para melhor
entendimento ver o estudo Boys in White, de Becker).
NA PERSPECTIVA DE ANÁLISE DOS INTERACIONISTAS AS PROFISSÕES SIGNIFICAM
OBJETOS DAS AÇÕES COTIDIANAS, OU SEJA, PRODUTOS DA VIDA SOCIAL. DESTE
MODO, AS PROFISSÕES NÃO PODEM SER PENSADAS DE ACORDO COM UM
CONCEITO ELABORADO COM BASE NAS REGRAS DO RACIOCÍNIO CIENTÍFICO.
“Strauss – A aposta metodológica do interacionismoQuem estuda a identidade deve necessariamente examinar a
fundo a interação. Com efeito, é no decorrer do face a faceinteracional, e graças a este, que se pode avaliar melhor tanto a simesmo como os outros. É certo que o termo ‘interação’ é tãoambivalente que não pode significar mais que encontro e efeitorecíproco entre pessoas. Existem no entanto maneiras de considerare analisar o processo de interação; e logo se poderá perceber que aminha é guiada por interesses de ordem teórica devidos acima detudo à minha posição de sociólogo. Estou, por exemplo, muito menosinteressado nos processos interpessoais que os psiquiatras.Interesso-me, antes de tudo, pela interação entre pessoas enquantomembros de grupos, seja qual for a sutileza do caráter de suapresença. Na preocupação de estudar e compreender as estruturasdos grupos e instituições, alguns sociólogos propuseram métodos deanálise convencionais, mas eficazes, da interação entre as pessoaspertencentes ou não ao mesmo status social [...].A interação de tipo face a face é um processo fluido, dinâmico,‘contínuo’; dá um lugar a uma sucessão de reações recíprocas dosparceiros. Ora se afastam, ora evoluem ao ritmo de um balépsicológico, mas passam sempre por fases de posições sucessivas.A decifração inicial da identidade do outro limita-se a levantar ocenário onde se desenrolará a ação e oferece a cada ator algumasindicações sobre o seu papel. Os acontecimentos podem desenrolar-se como o previsto; sempre é possível que um observador atento, aofundo, perceberá a presença de efeitos recíprocos que haviampassado despercebidos.Pode-se às vezes, com fins de terminados, contentar-se emdescrever a interação como aquilo que passa entre pessoas quandocada uma desempenha um papel ou ocupa uma certa condição
social. Diz-se então que os atores apreendem a situação, conforma-se com o que está previsto segundo a condição social de cada um e
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adotam a linha de comportamento exigida ou escolhida. Se essaforma de descrição basta na maior parte dos casos para falar dosacontecimentos que ocorrem entre representantes de cestasposições sociais, não convém a nossas finalidades. O fato de assumirum papel conhecido (por exemplo, o de um advogado dando umconselho) em face de uma pessoa cuja posição é determinada (umcliente) sugere simplesmente o quadro geral em cujo interior sedesenrolará a ação. É evidente que o advogado respeitará os limitesda convivência e irá agir segundo os direitos e deveres de suaprofissão, assim como os concebe. Mas a consciência da sua própriasituação é o objeto de interações muito sutis. Os atores ‘representamseus papéis’ – mas como? Os termos ‘representar’ ou ‘desempenharum papel’ têm um poder sugestivo, mas não abrangem nem acomplexidade nem a evolução por fases de interdependência e não
levam em conta os resultados verdadeiramente surpreendentes dodrama interacional. O modelo da interação por desempenho de papeloferece todavia um bom ponto de partida para se estudar aquilo queacontece quando duas pessoas falam e agem no encontro face aface” (Lallement, 2004: 2091-293).
“Trabalho e interação: a contribuição de Everett C. Hughes(1897-1983)
Ex-aluno de R. Park, E. C. Hughes se dedicou, no seio doDepartamento de Sociologia de Chicago, onde lecionou de 1937 a1963, a patrocinar muitas monografias e pesquisas de campo. Naqualidade de pesquisador, aborda objetos como os grupos étnicos esuas culturas, as instituições ou ainda o trabalho e as profissões.Quanto a este último tema, a perspectiva adotada por E. C. Hughesmerece mais atento, sobretudo por estar em perfeita oposição aoesquema estrutural-funcionalista. Com efeito, E.C. Hughes rompecom a idéia de que os grupos profissionais (como por exemplo osadvogados, os médicos, ...) são o fruto de uma divisão natural do
trabalho. O sociólogo prova que são, ao contrário, o fruto de umtrabalho de construção feito por atores que procuram estabilizar einstitucionalizar um reconhecimento social. Da mesma forma, a fimde compreender a estruturação das situações de trabalho, E.C.Hughes privilegiou o estudo de profissões marginais, e isto emvirtude de uma dupla justificação. Os detentores de profissões comstatus pouco elevado não sofrem tanto a tentação, em primeirolugar, ‘de opor aos pesquisadores símbolos valorizados (éticaprofissional”, ‘saber científico’) aos quais são, pelo fato de suaprópria posição social, levados a aderir’. Em seguida, os estudos
dessas profissões servem como referencial comparativo paraapreender a lógica da divisão do trabalho, do controle do processo
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de trabalho e do desenrolar das carreiras nas outras profissões.Hughes acredita com efeito que certos comportamentos ou fatoresestruturantes da relação de trabalho se encontram tanto nasprofissões mais valorizadas como no seio das mais marginais.Assim, por exemplo, o ‘dirty work’ (trabalho sujo ou inferior) que éignorado pelos estudos ‘oficiais’ de sociologia do trabalho é um traçocomum às relações empregada-locatário, médico-enfermeira, ouainda guarda-diretor de prisão. Na lógica de E.C. Hughes, importaigualmente não pensar a divisão do trabalho como um fatopreexistente, mas se questionar sobre as condições de suaprodução. Noutros termos, em oposição à tradição funcionalista,E.C. Hughes considera que a divisão do trabalho deve sercompreendida como o resultado de processos sociais. Neste quadro,e reintegrada em uma análise global que liga profissão e sociedade,
a profissão se define não mais como um conjunto particular deatividades, mas na base do papel que um indivíduo vai exercer noseio de um universo profissional. A noção de papel ganha corpoentão, aqui, com a importante ativação de conceito de ‘carreira’. Nasua dimensão objetiva, observa E.C. Hughes, uma carreira secompõe de uma série de status e de empregos claramente definidos,de sequências de posições, de realizações, de responsabilidades eaté de aventuras. Na sua dimensão subjetiva, uma carreira é feita demudanças na perspectiva segundo a qual a pessoa percebe suaexistência como uma totalidade e interpreta o significado de suas
diversas características e ações, bem como tudo aquilo que lheacontece” (Lallement, 2004: 295-296).
TEMAS DE REFLEXÃO
• O que é interacionismo simbólico?
• Definição de interação
• Interação e situação
• Profissão como processo de interação
• Processo de aprendizagem profissional
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LALLEMENT, Michel. História das idéias sociológicas: de Parsons aos
contemporâneos. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004, 2ª ed.
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LEANDRI, Ricardo González. Las profesiones: entre la vocación y el interéscorporativo – Fundamentos para su análisis histórico. Madrid: Catriel, D. L. 1999.
RIUTORT, Philippe. Compêndio de Sociologia. São Paulo: Ed. Paulus, 2008.
RODRIGUES, Maria de Lourdes. Sociologia das Profissões. Oeiras: Celta Editora,1997.
SUGESTÃO DE LEITURABECKER, H. Boys in white - student culture in medical school. University ofChicago Press, Chicago, Illinois, 1961.
HUGHES, E. C. Ofício institucional e a pessoa. IN: American Journal of Sociology,XLIII, 1937.
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3.2. SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES – II FASE
O objetivo neste subcapítulo é apresentar as principais tendências teóricas
e metodológicas vigentes na sociologia das profissões a partir da década desetenta do ano século passado. O quadro teórico-conceitual que emerge nessa
segunda fase de desenvolvimento é fortemente marcado pelas influências
metodológicas de cunho weberiano e marxista.
3.2.1. O poder das profissões
Entre os anos setenta e os anos oitenta os estudos sociológicos sobre as
profissões passam por uma segunda fase de desenvolvimento. Críticos do
modelo ideal de profissão (apresentado pelos funcionalistas) e da perspectiva
que apreende as profissões de acordo com os privilégios matérias e simbólicos
que os membros de determinadas atividades ocupacionais possuem (como
enfatizavam os interacionistas), os autores que escrevem neste segundo
momento privilegiam as noções de “poder” e de “monopólio” dos profissionais.
Dentre eles, destacam-se os estudos de Freidson, Johnson e Larson, os quais,segundo Gonçalves (2007) fomentam reflexões acerca dos seguintes aspectos:
“... a natureza não científica do tipo ideal de profissão, namedida em que é fundamentado numa selecção acrítica dosatributos - não mais do que a duplicação, no discursosociológico, do discurso auto-justificativo feito pelas profissões- e não validado metodologicamente; a aplicação a-histórica da
noção de profissão, desvalorizando os contextos sócio-históricos em que se institucionalizam as profissões; o cunhoprofundamente essencialista da análise, ocultando a trama derelações e de processos sociais que
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