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ISBN978-85-472-1556-9
LopesJunior,AuryFundamentosdoprocessopenal:introduçãocrítica/AuryLopesJr.–3.ed.–SãoPaulo:
Saraiva,2017.1.Processopenal2.Processopenal-BrasilI.Título.16-1332CDU343.1
Índicesparacatálogosistemático:
1.Processopenal:Direitopenal343.1
PresidenteEduardoMufarej
Vice-presidenteClaudioLensing
DiretoraeditorialFláviaAlvesBravin
Conselhoeditorial
PresidenteCarlosRagazzo
GerentedeaquisiçãoRobertaDensa
ConsultoracadêmicoMuriloAngeli
GerentedeconcursosRobertoNavarro
GerenteeditorialThaísdeCamargoRodrigues
EdiçãoEvelineGonçalvesDenardi|VerônicaPivisanReis
ProduçãoeditorialAnaCristinaGarcia(coord.)|LucianaCordeiroShirakawaClarissaBoraschiMaria(coord.)|KelliPriscilaPinto|MaríliaCordeiro|MônicaLandi|
TatianadosSantosRomão|TiagoDelaRosa
Diagramaçãoerevisão(LivroFísico)Know-HowEditorial
ComunicaçãoeMKTElaineCristinadaSilva
CapaCasadeIdeias/DanielRampazzo
Livrodigital(E-pub)
Produçãodoe-pubGuilhermeHenriqueMartinsSalvador
ServiçoseditoriaisSuraneVellenich
Datadefechamentodaedição:1-11-2016
Dúvidas?
Acessewww.editorasaraiva.com.br/direito
NenhumapartedestapublicaçãopoderáserreproduzidaporqualquermeioouformasemapréviaautorizaçãodaEditoraSaraiva.
AviolaçãodosdireitosautoraisécrimeestabelecidonaLein.9.610/98epunidopeloartigo184doCódigoPenal.
Sumário
AuryLopesJr.
Prefácio(originaldaobraIntroduçãocríticaaoprocessopenal)
Prefácio
Notadoautor–3ªedição
TextoemhomenagemaEduardoCoutureeJamesGoldschmidt
Capítulo1-Ofundamentodaexistênciadoprocessopenal:instrumentalidadeconstitucional
1.1.ConstituindooprocessopenaldesdeaConstituição.Acrisedateoriadasfontes.AConstituiçãocomoaberturadoprocessopenal
1.2.Superandoomaniqueísmoentre“interessepúblico”versus“interesseindividual”.Inadequadainvocaçãodoprincípiodaproporcionalidade
1.3.Ainfluênciadosmovimentosrepressivistas.Tolerânciazeroparaquê(quem)?Desvelandoahipocrisiadodiscurso
1.4.Direitoedromologia:quandooprocessopenalsepõeacorrer,atropelandoasgarantias
1.5.Princípiodanecessidadedoprocessopenalemrelaçãoàpena
1.6.Instrumentalidadeconstitucionaldoprocessopenal
1.7.Anecessáriarecusaàteoriageraldoprocesso.Respeitandoascategoriasprópriasdoprocessopenal.QuandoCinderelaterásuasprópriasroupas?
1.8.Inserindooprocessopenalnaepistemologiadaincertezaedorisco:lutandoporumsistemadegarantiasmínimas
1.8.1.Riscoexógeno
1.8.2.Epistemologiadaincerteza
1.8.3.Riscoendógeno:processocomoguerraoujogo?
1.8.4.Assumindoosriscoselutandoporumsistemadegarantiasmínimas
Capítulo2-Teoriasdaaçãoedascondiçõesdaação.Anecessidadedeconstruçãodeumateoriadaacusação
2.1.Paraintroduziroassunto...
2.2.Açãoprocessualpenal–iusutprocedatur–desdeaconcepçãodepretensãoacusatória.Porquenãoexiste“trancamentodaaçãopenal”?
2.3.Naturezajurídicadaaçãoprocessualpenal.Caráterpúblico,autônomoeabstrato(ouconcreto)?
2.4.Condiçõesdaaçãoprocessualpenal(enãocivil!)
2.4.1.Quandosepodefalaremcondiçõesdaação?
2.4.2.Condiçõesdaaçãopenal:equívocosdavisãotradicional-civilista
2.4.3.Condiçõesdaaçãopenalsegundoascategoriasprópriasdoprocessopenal
2.4.3.1.Práticadefatoaparentementecriminoso–fumuscommissidelicti
2.4.3.2.Punibilidadeconcreta
2.4.3.3.Legitimidadedeparte
2.4.3.4.Justacausa
2.4.3.4.1.Justacausa:existênciadeindíciosrazoáveisdeautoriaematerialidade
2.4.3.4.2.Justacausa:controleprocessualdocaráterfragmentáriodaintervençãopenal
2.4.4.Outrascondiçõesdaaçãoprocessualpenal
2.5.Aproposta:teoriadaacusação.ReflexosnaSantaTrindade“acusação-jurisdição-processo”
2.5.1.Anecessidade:inadequaçõesdecorrentesdoconceitotradicionalde“ação”.Oconceitode“acusação”
2.5.2.Requisitosdeadmissibilidadedaacusação
2.5.3.Reflexosnosconceitosdejurisdiçãoeprocesso
Capítulo3-Jurisdiçãopenal.Aposiçãodojuizcomofundantedosistemaprocessual
3.1.Sistemaacusatório
3.2.Sistemainquisitório
3.3.Oreducionismoilusório(einsuficiente)doconceitode“sistemamisto”:agestãodaprovaeospoderesinstrutóriosdojuiz
3.3.1.Afaláciadosistemabifásico
3.3.2.Ainsuficiênciadaseparação(inicial)dasatividadesdeacusarejulgar
3.3.3.Identificaçãodonúcleofundante:agestãodaprova
3.3.4.Oproblemadospoderesinstrutórios:juízes-inquisidoreseosquadrosmentaisparanoicos
3.4.Críticaaosistemade“justiçanegociada”eofalaciosoargumentodequesetratadeimposiçãodosistemaacusatório.Refletindosobrea"delaçãopremiada"
Capítulo4-Teoriasacercadanaturezajurídicadoprocesso(penal)
4.1.Introdução:asváriasteorias
4.2.Processocomorelaçãojurídica:acontribuiçãodeBülow
4.3.Processocomosituaçãojurídica(ouasuperaçãodeBülowporJamesGoldschmidt)
4.3.1.QuandoCalamandreideixadeserocríticoerendehomenagensaunmaestrodiliberalismo
processuale.Oriscodeveserassumido:alutapelasregrasdojogo
4.3.2.Paracompreendera“obradoautor”éfundamentalconhecero“autordaobra”:JamesGoldschmidt
4.4.Processocomoprocedimentoemcontraditório:ocontributodeElioFazzalari
Capítulo5-(Re)construçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal:apretensãoacusatória(paraalémdoconceitocarneluttianodepretensão)
5.1.Introdução(ouaimprescindívelpré-compreensão)
5.1.1.Superandooreducionismodacríticaemtornodanoçãocarneluttianade“pretensão”.PensandoparaalémdeCarnelutti
5.1.2.Teoriassobreoobjetodoprocesso(penal)
5.2.Estruturadapretensãoprocessual(acusatória)
5.2.1.Elementosubjetivo
5.2.2.Elementoobjetivo
5.2.3.Declaraçãopetitória
5.3.Conteúdodapretensãojurídicanoprocessopenal:punitivaouacusatória?Desvelandomaisumainadequaçãodateoriageraldoprocesso
5.4.Consequênciaspráticasdessaconstrução(ouporqueojuiznãopode(ria)condenarquandooMinistérioPúblicopediraabsolvição...)
Referências
Sobreoautor
Textodeorelha(capa)
Textode4ªcapa
AURYLOPESJR.
DoutoremDireitoProcessualPenalpelaUniversidadComplutensedeMadrid.ProfessorTitulardeDireitoProcessualPenaldaPUCRS.ProfessornoProgramadePós-Graduação–Doutorado,Mestradoe
Especialização–emCiênciasCriminaisdaPUCRS.CoordenadordoCursodeEspecializaçãoemCiênciasPenaisdaPUCRS.Vice-PresidentedaFederasuledaAssociaçãoComercialdePortoAlegre.Pareceristae
Conferencista.AdvogadoCriminalista.www.aurylopes.com.brwww.facebook.com/aurylopesjr
ParaMaíra,retribuocomtuasprópriaspalavras,poisinsuperáveis...
“Euteprometoadoçuraeagraçadomeuamor,mastambémnãodeixo
passarofrionabarrigaeocalordapaixão.Apaixãoquevivemoseque
foimeudelírio:umaforça,umaordem,umavontadequefoialémde
qualquerrazão.Teprometoumapaixãosemrepouso,febril,fascinante,a
nossacara.Umrespeitofácilcalçadonaimensaadmiraçãoquesintopor
ti.Naalegria,terásomeusorrisofrouxoe,natristeza,minhaslágrimas
complacentesehonestas.Nasaúdeenadoença,meuempenhoparaque
sejamossaudáveisdecorpoe,nãomenos,sãosdeespírito.Todososdias,
prometoqueterásaminhadedicaçãoeentregaparaesseamorquetivea
rarasortedeencontrar.”
ParaThaisa,CarmellaeGuilhermina,quemefizeramcompreendero
querealmentesignificaamorincondicional.
Prefácio
(originaldaobraIntroduçãocríticaaoprocessopenal)
Nãodesçasosdegrausdosonho
Paranãodespertarosmonstros.
Nãosubasaossótãos–onde
Osdeuses,portrásdassuasmáscaras,
Ocultamopróprioenigma.
Nãodesças,nãosubas,fica.
Omistérioestáénatuavida!
Eéumsonholoucoestenossomundo...
(MarioQuintana,“Osdegraus”.Antologiapoética,p.93)
Umadas coisasmais interessantespara entenderospernósticos éverMario
Quintanaantesdemorrer(infelizmentejáfazdezanos),dizerqueseumaiorsonho
era escrever um poema bom. Anjo travesso, Malaquias fez – e faz – estrada,
construindo, no jeito gaúcho de ser, coisas maravilhosas, ousadas, marotas,
sérias,pedindopassagementreaspalavras (queas ama tantoquantoele a elas
ama)paranãodeixarimuneacanalhadaqueseentregaaTânatos,pensandoque
podeencontrarEros.Quenada!Aísóseproduzsofrimento,emboranãosedeva
desconsiderar ahipótesedeque tambémsegoza, semembargode sepagarum
preçoparatanto;ecaro,muitocaro.
Eis o retrato da malta que assola a todos, brincando com as imagens;
vilipendiando os sentidos como jaguaras incorrigíveis; falsos brilhantes,
zirconitas.Opaísestárepletodeles,emtodososcampos.
NoDireito,asituaçãoé,quiçá,aindapior.Faz-seumabismoentreodiscurso
e a realidade. Nunca se esteve tão perto, pelas características, do medievo:
pensamentoúnico;dificuldadesde locomoçãopara agrandemaioria (não seria
issoopedágioselvagemimpostoaopaís?);generalizaçãodaignorância,pormais
paradoxalquepossaparecer,porque4/5dapopulaçãoseriamdescartáveis;um
mundopovoadoporimagensmidiáticas,nãorarosobrenaturais,parasemanteras
pessoasemcrença;umespaçoondepolis,civitas,jácontamuitopouco;citoyen,
comoMaximilienRobespierreexigiaserchamadopelofilho,hoje,semembargo
de estar perto do palavrão, é quase tão só inflação fonética de discurso
eleitoreiro.
Ograve,porém,sãoosmercadoresdasimagens;homensdaordem;edaleise
lhes interessa; maniqueístas interesseiros porque, pensando-se do bem (são
sempre os donos da verdade, que imaginam existir embora, cada vez mais,
mostre-secomomiragem),elegemomalnodiferente (emgeralosexcluídos)e
pensam, no estilo nazista, em coisas como um direito penal do inimigo.
Personalidadesdébeisvendemaalmaaodiabo(ouaumdeusqualquercomoo
mercado) para operar em um mundo de ilusão, de aparência, e seduzir os
incautos. Parecem pavões, com belas plumas multicoloridas, mas com os pés
cheiosdecraca.Opioréque,detantoemtanto,metemnoimbrogliogentecoma
cabeçahistoricamentenolugar:
Nel1947FrancescoCarneluttideplorache,inossequioalpregiudizio
pessimistico sulla pena, ogni “penetrazione nel segreto” sia incon-
gruamenteaffidata“allalibertàdelsuotitolare”,sebbenelapubblica
igiene prevalga sull’interesse a nascondere le piaghe: analoghi i due
segreti, fisicoepsichico; ildirittoalsecondo“appartieneauna fase
del pensiero nella quale la pena era ancora concepita come unmale
anzichéunbeneperchilasubisce”;perciòlepolemichesullatortura
trascendono dannosamente “il giusto limite”; “dev’essere respinta
perchénonoffrealcunagaranziadiveritàdellarispostadeltorturato,
nonperchélocostringeapalesareumsegreto”;sequalcheespediente
garantisse l’esito veridico, “senza cagionare notevoli danni al corpo
dell’inquisito, non vi sarebbe alcuna ragione perché non fosse
adottato” (LPP, II, 168). Quattro anni dopo suscita scandalo la
confessione estorta in un famoso caso: il pubblico ministero invoca
l’opinione carneluttiana a sostegno della prassi poliziesca (Corriere
della Sera, 12 gennaio 1952); in Francia “Esprit” dedica una notta,
sotto il titolo La torture modérée, a “ce digne compatriote de
Beccaria” 1.
Naestruturapendularnaqualsevive,odifícilésuportar,notempo,oespaço
de descida e subida do pêndulo, porque nada é feito sem vilipêndio da
democracia. Isso, como é sintomático, produz, nos atingidos – tem gente que
pensa, nessas ocasiões, para atingir os outros, acima do bem e domal – uma
reação que se não pode considerar desproporcional, embora, não raro, tenda a
vilipendiar também ela a democracia. Tudo, enfim, é resultado da falta de
respeitopeladiferença.Nãofoipordiversomotivo(entretantosoutrosdemenor
importância,aoqueparece) terachamada“OperaçãoMãosLimpas”,na Itália,
sidoodesastreque foi, salvo, in terraebrasilis, àqueles pouco esclarecidos e
movidos pelo “ouvir dizer”. Afinal, ninguém discorda que Silvio Berlusconi é
resultadodamaluquicedesepermitiruma,digamos,torturemodérée,como,por
certo, ironizou o “Esprit” referindo-se aos “dignos compatriotas de Beccaria”.
Emmatéria capital à democracia, como se sabe,não se transige, em nome de
nada, de tudo, ou de um deus qualquer; cláusulas pétreas, dizem os
constitucionalistas; e nunca estiveram brincando, pelo menos se não fizessem
parte da canalhada também. Agora, para quem acompanha mais de perto as
vicissitudespeninsulares,Berlusconidáotroco,vilipendiandodamesmamaneira
umademocraciaquesóDeussabecomoresiste2.Ademais,emmatériadogênero
ecomosedissealhures,depoisdedaroprimeirotiro–eisabarbárie–,ninguém
maissabeporqueestáatirando.Quemdissoduvidardeveperguntaràsfamílias
deLivatino,Chinnici,FalconeouBorsellini.Emdefinitivo,oBrasilnãomerece
passarporisso,razãoporqueháderesistiraodesvario,sejaeledequeladofor,
e,paratanto,háqueresistir,comesforçoeobrascomoapresente.
AuryLopesJr.,desdeopontodevistadaresistênciaàbarbárienoDPP,éo
Malaquias do direito processual penal. UmMario Quintana que rompe com a
mesmice – e a canalhice – aí instalada, passada como um raio dos ledores do
código,emgeralleguleios,aosvampirosprofetase/ousalvadoresdapátria.Sem
desmitificar essa gente, todavia, não se vai adiante no jogo democrático; no
crescimento do grau de civilidade. Essa turba tem feito poesia (do DPP) com
esquadroe régua;parasermedidaenãoparaservivida.Sónãosepodeéser
(muito) condescendente com ela. E o Aury não o é. Está aí o sentido do
substantivo “crítica” no título. Só isso já seria suficiente para justificar a
grandezadeumlivrocomoopresente,nominado,comosefosseporMalaquias,
comomeraIntrodução.
Aury, embora muito jovem, tem um longa estrada, toda construída com um
discurso coerente, do seu Sistemas de investigação preliminar no processo
penal 3 ao excelente “(Des)velando o risco e o tempo no processo penal” 4.
DoutoremDireitoProcessualPenalpelaUniversidadComplutensedeMadrid,
ondefoiconduzidopelasmãossegurasdorespeitadoPedroAragonesesAlonso5;
comeleaprofundouosestudosem/nosGoldschmidt,quecontinuamdistantesde
terem uma proposta inaceitável e fornecedora de fundamentos aos “juristas
ligados ao credo nacional-socialista”6. Tudo ao contrário; nunca foi tão
importanteestudarosGoldschmidt,mormenteagoraemquenãosequeraceitar
viverdeaparências.
Noentanto,AuryfazpartedocorpodocentedeumdosmelhoresProgramasde
Pós-graduação do Brasil, ou seja, do multidisciplinar da PUCRS, onde
despontam,comele,RuthGauer(comsuasmãosdeferroecoraçãodemãe),Salo
deCarvalhoetantosoutrosquenãocabenominarnestebreveespaço.
AleituradesteIntroduçãocríticaéumprazerenorme,principalmentequando
estamostãoacostumadosà“manualística”tacanhaecomcheirodebolor.Noeixo
decincograndesprincípios(quedãoazoaoscincocapítulos),Aurynavegapelo
nulla poena, nulla culpa sine iudicio, porque há de ser entendido como o
primeiro princípio lógico do sistema (talvez fosse o caso de dizer que é o
princípionúmerodoisdoconjuntoprocessual);pelagestãodaprovacomonúcleo
do sistema processual e, a partir dela, a separação das atividades de acusar e
julgar (só osmuito alienados não percebem que o princípio inquisitivo rege o
nosso sistema processual e, mais importante, a fase processual da persecução;
pelapresunçãode inocência,semoquenãoacabaoabusobárbarodasprisões
cautelares; pelonullaprobatio sinedefensione, algo vital para compreender o
verdadeiro sentido do processo; por fim, trata da motivação das decisões e
derruba ummito atrás do outro para se aproximar da realidade: “o resgate da
subjetividadenoatodejulgar:quandoojuizsepõeapensaresentir”.
OprezadoprofessordoutoradvogadoAuryLopesJr.brindaopaíscomuma
obra que, dando fundamentos da instrumentalidade garantista, evoca osbons
tempos,nosquaisseacreditava,comfé,nademocracia.Elavemcomo“Eraum
lugar”,do inominávelMarioQuintana, comadiferençadequenãoaceita fazer
partedemuseualgum,anãoserodaresistênciademocrática:
EraumlugaremqueDeusaindaacreditavanagente...
Verdade
queseiaàmissaquasesóparanamorar
mastãoinocentemente
quenãopassavadeumjeito,umtantodiferente,
derezar
enquanto,dopúlpito,opadreclamavapossesso
contrapecadosenormes.
MeusDeus,atéoDiaboenvergonhava-se.
Afinaldecontas,nãoseestavaemnenhumaBabilônia...
Era,tãosó,umacidadepequena,
comseuspequenosvíciosesuaspequenasvirtudes:
umverdadeirodescansoparaamilíciadosAnjos
comsuasespadasdefogo
–umamor!
Agora,
aquelaantigacidadezinhaestádormindoparasempre
emsuaredomaazul,emumdosmuseusdoCéu7.
Prof.Dr.JacintoNelsondeMirandaCoutinho
CoordenadoreleitodoProgramadePós-graduaçãoemDireitodaUFPR.
Prefácio
Afinalesdelosaños90,impartíenlaFacultaddeDerechodelaUniversidad
ComplutenseunCursodeDoctoradosobreuntipodeproceso,el“Procedimiento
abreviadoparadeterminadosdelitos”que,reguladoporlaLO7/1998,de28de
diciembre, trataba de que los delitos menores fueran resueltos en un “plazo
razonable”, sin pérdida de las garantías del “debido proceso”. Entre los
asistentesalcursoseencontrabaunjovenjuristabrasileño:AuryLopesJr.
El método que seguíamos para analizar las peculiaridades dogmáticas y el
régimen jurídico del proceso objeto de nuestro estudio consistía en repartir tal
investigaciónenponenciasacargode losdoctorandosquecomponíanelgrupo.
Una vez expuesta la ponencia, ésta era objeto de discusión en la clase. En sus
intervenciones Aury, haciendo honor a su condición de joven, de jurista y de
brasileño, ponía de relieve en el coloquio: su viveza idealista (propia de su
juventud); su gran formación como estudioso del Derecho (que tenía
sobradamente acreditada al aprobar la oposición para la docencia en 1993 e
implantarenlaUniversidaddeRíoGrandeunServiciodeDefensagratuita);ysu
interés por comprender con exactitud cualquier cuestión que se expusiera en el
coloquio que él estimara que podía ser interesante para la Justicia penal de su
país. A tal efecto, siempre con gran respeto, no dudaba en formular preguntas
sobre el sistema español y en proporcionar datos sobre la realidad jurídica
brasileña,detalmodoque,apenassindarnoscuenta,aquelCursoseconvirtióen
unanálisiscomparativodelossistemasjurídico-penalesdeEspañayBrasil.Ello
nosenriquecióatodos.
TerminadoelCursomepidióquedirigierasuTesis,aloqueaccedíconpleno
agrado.AcordamosquelaTesistuvieraporelobjetoelestudiodelosSistemas
de instrucciónpreliminar en losDerechos español ybrasileño. (Conespecial
referenciaalasituacióndelsujetopasivodelprocesopenal).Comoserecoge
en la Nota preliminar del trabajo “el orden de los vocablos expresa el
predominiodelobjeto(sistemasdeinstrucción)sobreelsujeto(pasivo),demodo
que la investigaciónsevaacentrarenanalizarundeterminadomomentoo fase
delprocesopenal,tomandoenconsideración,especialmente,lasituaciónjurídica
de uno de los intervinientes”. La importancia del estudio de la instrucción
preliminarradicaenque,salvoloscasosdeflagrancia,comonosdiceelautor,
“el proceso penal sin previa instrucción es un proceso irracional, una figura
inconcebible.Elprocesopenalnopuede,ynodebe,prescindirdelainstrucción
preliminar, porque no se debe de juzgar de inmediato. Primeramente hay que
preparar,investigary,lomásimportante,reunirloselementosdeconvicciónpara
justificar la acusación. Es una equivocación que primero se acuse, después se
investiguey,al final, se juzgue.Elcostosocialyeconómicodelproceso,y los
diversostrastornosquecausaalsujetopasivohacennecesarioqueloprimerosea
investigar,parasabersihayqueacusarono”.
Así centrado el tema, mi labor como director consistió, principalmente, en
darle a conocer los métodos complementarios que debían seguirse en la
investigación, según las enseñanzas que yo había recibido de mis mejores
maestros: Werner Goldschmidt (en su concepción tridimensional del mundo
jurídico)yJaimeGuasp(consusistemalógicoformal).
El estudio fue dividido en tres partes: una dedicada a la Introducción
(fundamentode laexistenciadelprocesopenal;sistemashistóricos: inquisitivo,
acusatorio ymixto; y el objeto del proceso penal); otra, sobre losSistemas de
instrucciónpreliminar(enrazónalossujetos:sistemajudicial,fiscalypolicial;
delobjeto:instrucciónplenariaysumaria;ydelosactos:publicidadysecretode
lasactuaciones),ponderandosusventajaseinconvenientes;yunaterceraquese
ocupa del Sujeto pasivo en la instrucción. Terminado el trabajo, la tesis fue
calificada,poreltribunalqueleconfirióelgradodeDoctor,conlamáximanota:
Sobresalientecumlaude.
El resultado constituye, a mi juicio, el mejor estudio de la instrucción
preliminarllevadoacaboenEspaña,loquefueposible,justoesreconocerlo,por
laexistenciademonografíastansugerentescomoladelMagistradoMiguelPastor
López, sobre El proceso de persecución, o investigaciones tan fundamentales
comolosComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminaldelProfesorEmilio
Gómez Orbaneja, o las brillantes exposiciones generales contenidas en los
diversos “Manuales” que los Profesores utilizan, preferentemente, para la
formación universitaria, así como los diversos trabajos que se recogen en la
bibliografíaquefiguraalfinaldelestudio.
Los juristas españoles no tienen la suerte de poder conocer tal trabajo en
castellano, pero sí pueden utilizar el texto publicado enRío de Janeiro, por la
EditoraLumenJurisen2001,conel títuloSistemasde investigaçãopreliminar
noprocessopenal,queesunasíntesisdelatesisdoctoral,quevaparalacuarta
edición.
Aury Lopes Jr ha publicado también, con la misma Editora, su Introdução
críticaaoprocessopenal (Fundamentosda instrumentalidadegarantista). En
esta obra el autor se formula una pregunta que todo jurista debe hacerse
constantemente: Un proceso (o un Derecho), ¿para qué sociedad? ¿Cuál es el
papel de un jurista en ese escenario? El autormuestra su escepticismo ante la
legislación y la jurisprudencia de su país y, por ello, busca ser prospectivo,
librándosedelpesodelatradición.Unapostura“herética”enlamedidaenque
estámásvolcadoenlacreatividadyelfuturoqueenlareproduccióndelpasado.
El estudio crítico contempla los fundamentos de la instrumentalidad garantista
comoun“deberser”ynocomoun“ser”,unsistemaidealopuestoaunsistema
real.Calificado por el Prof.Dr. JacintoNelson deMirandaCoutinho, como el
Malaquías del Derecho Procesal Penal, Aury ha escrito un libro para hacer
pensar.Ello lo lleva a cabo con tal riquezadeperspectivas que, al leerlo, nos
parece estar examinando un diamante tan ricamente tallado que, al contemplar
cadafaceta,nospresentaunaluzdistinta,perosiemprebrillante.Noesextrañoel
éxitoquehaalcanzadoestaobra,quetambiénllegaalacuartaedición.
El currículo de Aury completa el conocimiento de su obra: Profesor del
Programa de Posgrado (Mestrado) en Ciencias Criminales de la Pontificia
UniversidadeCatólica-PUCRS;CoordinadordelCursodePosgradoenCiencias
PenalesdelaPUCRS;InvestigadordelCNPqenDerechoProcesalPenal(elmás
importante centro de investigación científica de Brasil);Miembro del Consejo
Directivo para Iberoamérica de la Revista de Derecho Procesal, y un largo
etcétera.
Paracerrarestanota,ynocomoreproche,sinocomoaugurio,piensoqueun
autorque,acertadamenteentiende,conCarnelutti,quelasimetríaylaarmoníason
elementos indispensables de un trabajo científico, tiene que completar su obra
ocupándosedeltercerelementodelatrilogíadelossujetosdelprocesopenal.Si
yahaanalizadoloqueconciernealórganojurisdiccionalyalsujetopasivo,todos
los que le admiramos en su tarea jurídica, y le queremos como persona,
esperamos un estudio suyo sobre el otro protagonista del proceso penal: la
víctimadeldelito.
Prof.Dr.PedroAragonesesAlonso
ProfesorEméritodeDerechoProcesal
UniversidadComplutensedeMadrid(España)
Notadoautor–3ªedição
Écommuitoprazerque tragoao leitoresta3ª edição, revisadaeatualizada,
agradecendo a confiança dosmeus leitores. Este é um livro de “fundamentos”,
portanto não sofre com as oscilações de humor da jurisprudência ou do
legislador. Possui uma estabilidade decorrente da própria imutabilidade do seu
objeto.Maséclaroqueaproveiteipararevisarecorrigiralgunserrosquesempre
permanecem.
Trata-sedeumaobrade caráter introdutório equevem–comodito antes–
complementare sercomplementadapelomeumanualDireito processual penal,
tendocomopropostaoaprofundamentodoestudodosFundamentosdoprocesso
penal,desdeaperspectivada“santatrindade”:ação,jurisdiçãoeprocesso.
Para analisar os fundamentos do processo penal, partimos de três pilares
básicos:respeitoàscategoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal(e,portanto,
recusa à teoria geral do processo); filtragem constitucional e de
convencionalidade (imprescindibilidade de leitura conforme a Constituição e a
Convenção Americana de Direitos Humanos); e interdisciplinaridade
(consciênciadainsuficiênciadomonólogojurídicoemumasociedadecomplexa).
Iniciamospelofundamentodaexistênciadoprocessopenalepeladefiniçãoda
“instrumentalidade constitucional”, sem, contudo, cair no tradicional e “mero”
instrumentalismo.Parte-sedo“princípiodanecessidade”parademonstrarqueo
processo é um caminho necessário para chegar-se a pena ou não pena, sendo
regido, neste caminhar, pelas “regras do jogo”, como fatores legitimante e
limitadoresdopoder.
Depois, noCapítulo II, analiso as teorias da ação e das condições da ação,
abordando todas as teoriaspara concluir coma ambiçãode construçãodeuma
“teoria da acusação”. Chamo a atenção para a necessidade de atentar para as
condições de admissibilidade da acusação, próprias do processo penal,
abandonando o civilismo (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do
pedido)erroneamenteimportadoe“adaptado”.
O Capítulo III enfrenta a “jurisdição”, deslocando-a para a função de
“garantia”, não apenas com o tradicional civilismo de “poder-dever” dizer o
direito.Mas, indo alémda análise tradicional e básica (que fazemos emnossa
obraDireitoprocessualpenal)dejurisdiçãoecompetência,focamosna“posição
do juiz no processo penal como fundante do sistema processual”. Significa
analisarossistemasprocessuaispenaisinquisitório,acusatórioe(oinsuficiente)
mistoapartirdaposiçãodojuiz(e,claro,vinculandoàgestãodaprova),e,tudo
isso, sempre de olho no Princípio Supremo do Processo: a imparcialidade do
julgador.Nãomaispodemosestudarjurisdiçãosenãonaperspectivadaexigência
sistêmica,etudoissoaserviçodaimparcialidade.
Finalizocomoestudodo“processo”esuanaturezajurídica,últimoelemento
dasantatrindade(ação,jurisdiçãoeprocesso),retomandoBülowparasuperá-lo
com James Goldschmidt e aperfeiçoar com Fazzalari. Não se trata de simples
análise histórica, senão que precisamos falar sobre a natureza jurídica do
processo, não só porque ainda predomina a superadíssima concepção de
“processocomorelaçãojurídica”(Bülow),queconduzaumavisãoautoritáriado
processo e do lugar ocupado pelo juiz, mas também porque precisamos
compreender a real dinâmica da complexa fenomenologia do processo para,
desvelando sua realidade, fortalecer o núcleo de direitos fundamentais.
Compreender a dinâmica realista da concepção de Goldschmidt, do processo
como situação jurídica, é assumir o risco e a incerteza, para então lutar pela
efetividadedasregrasdojogo,entreelasagarantiadocontraditório,cujavisão
de Fazzalari é fundamental (sua teoria se situa em uma continuidade do
pensamentodeGoldschmidt).Por fim,abordamosacomplexidadedoobjetodo
processopenal,demonstrandooerrodepensarem“pretensãopunitiva”.
Enfim, pensamos que o resgate dos “fundamentos do processo penal” é da
maior importância para a compreensão dessa complexa fenomenologia,
oportunizando também a correção de alguns erros e impropriedades que vão,
depois,cobrarumpreçomuitoaltodoprocessopenal.
Como de costume, deixo três canais abertos de comunicação com meus
leitores,agradecendodesdelogotodasascríticasesugestões:
https://www.facebook.com/aurylopesjr
www.aurylopes.com.br
aurylopes@terra.com.br
Esperoquegostemedesfrutemdaleitura!
AuryLopesJr.
TextoemhomenagemaEduardoCoutureeJamesGoldschmidt
Em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt, cujas lições de
humanidadeealtruísmodeveriamservirdeinspiraçãoparaaconstruçãodeuma
sociedademaisjustaetolerante:
[...]
Enelmesdeoctubrede1939recibíunacartadelProfesorGoldschmidt,que
fue Decano de la Facultad de Derecho de Berlín, escrita desde Cardiff, en
Inglaterra.Yacomenzada laguerra,enellamedecía lo siguiente:“conozcosus
librosytengoreferenciasdeUd.EstoyenInglaterraymipermisoderesidencia
venceel31dediciembrede1939.AAlemanianopuedovolverporserjudío;a
Francia tampoco porque soy alemán; a España menos aún. Debo salir de
Inglaterraynotengovisaconsularparairaningunapartedelmundo”.
Aunhombreilustre,porqueenelcampodelpensamientoprocesal,laramadel
derechoenqueyotrabajo,lafiguradeGoldschmidteraalgoasícomounadelas
cumbres de nuestro tiempo, a un hombre de esta insólita jerarquía, en cierto
instantede suvidayde lavidade lahumanidad,comounaacusaciónparaesa
humanidad le faltaba en el inmenso planeta, un pedazo de tierra para posar su
plantafatigada.LefaltabaaGoldschmidtelmínimodederechoatenerunsitioen
este mundo donde soñar ymorir. En ese instante de su vida a él le faltaba el
derechoaestarenunlugardelespacio.Nopodíaquedardondeestabaynotenía
otro lado donde poder ir. Pocas semanas después Goldschmidt llegaba a
Montevideo.
Yo nunca olvidaré aquel viaje hecho ya en pleno reinado devastador de los
submarinos. Vino en un barco inglés, el Highland Princess, en un viaje de
pesadilladondeacadainstanteunsubmarinopodíatraerlamuerte,conchaleco
salvavidassiemprepuesto,viajandoaoscuras.Angustiadolovillegarunatarde
deotoñollenadeluz,serenidadycalmaaMontevideo.
Recuerdodeeseinstanteunaanécdotaconmovedora.MedijoGoldschmidtque
élnodeseabaunapartamentojuntoalmar.Preferíaalgúnlugarcercadelcampo.
Cuando vio elmar desde Pocitos adonde le habíamos llevado, no quiso saber
nadadeél.Merespondióentonces:“Yoyaséadóndeconduce”.
Eranunhombreyunacivilizaciónqueserepelían,seodiabanrecíprocamente.
El venía a ver en el mar el símbolo del odio; a un Continente que lo había
expulsadodesuseno.
Recuerdotambiénqueesamismatarde,pocosminutosdespuésde llegar,me
dijolosiguiente:
“Ud.tendrálabondaddeacompañarmealaPolicía”.
“¿YquétieneUd.quehacerconlaPolicía?”,lecontesté.
“Tengoque inscribirmecomo llegadoalpaís;darcuentaa laPolicíadeque
vivoaquí”,fuesuréplica.
“PeroUd.notieneobligacióndehacerlo”,ledije.
“¿DemaneraquelaPolicíanosabequeyoestoyaquí,nisabedóndeyovivo?”
Selellenaronlosojosdelágrimasydijo:
“Estoeslalibertad”.
[...]
Pocosdíasmás tardepreparabasu terceraclase.Erancomo lasnuevede la
mañana.Goldschmidttuvolasensacióndeunaligeramolestia,quisoreponersey
dejó de escribir. Se acercó a su esposa, recitó unos poemas de Schiller para
distraer lamente, volvió a sumesa de trabajo y como fulminado por un rayo,
quedómuertosobresuspapeles.
Así murió el más eminente de los Profesores de Derecho Procesal Civil
alemán,enunacasadepensióndeMontevideo.Caídosobresuspapelesescritos
en español, que luego recogimos, retirando de sobre ellos su cabeza que
empezabaaenfriarse,paratransmitiralmundoelmensajedequienhabíasufrido
comopocosymuriódedolor,depurodolordevivir.Noolvidarénuncaqueen
esospapeles,queestánpublicadoshoyconeltítulode“Losproblemasgenerales
del derecho”, se dice que el derecho, en último término, en su definitiva
revelación, es la más alta y especificada manifestación de la moral sobre la
tierra. Un sabio que, mediante oscuros instrumentos de derecho había sido
perseguido por sus enemigos, concluía su vida escribiendo páginas que tenían
másdemuertequedevida,enunactodeesperanzaenelpropioderechoquelo
habíacondenado.
[...]
Silahumanidaddenuestrotiemponosecuradeesemalqueazotóalaespecie
a lo largo de los siglos, es porque la humanidad no tiene redención. Si no
comprendemos que los hombres son todos iguales, que la sustancia humana es
siempre lamisma,seacualseaelcolordesupiely lasangrequecorreensus
venas;sinoentendemosquenopuedenidebehaberdistinciónalgunaentre los
hombres,todoelsacrificiosufridopareceríaserenvano.Nuestraenseñanzadebe
ser,hoycomoayer,quenohayhombresinferioresosuperioresyquefrenteala
comunidad, loshombresno tienenmássuperioridadque ladesus talentosode
susvirtudes,comodicelaConstitución.
[...]
JamesGoldschmidtmuriódedolor,porquesumundosehabíaolvidadodetan
sencillasverdades.Murióporlacrueldaddeunaculturaquenosoloseolvidóde
lalibertad,sinotambiéndelamisericordiaqueesunadelasmásfinasysutiles
formasdelalibertad.
TrechosdaPalestradeCoutureintitulada“Lalibertaddelaculturaylaleyde
latolerancia”,proferidanadécadade1940ereproduzidanoperiódicouruguaio
TribunadelAbogado,junho/julhode2000.
Capítulo1
Ofundamentodaexistênciadoprocessopenal:instrumentalidadeconstitucional
1.1.ConstituindooprocessopenaldesdeaConstituição.Acrisedateoriadasfontes.AConstituiçãocomoaberturadoprocessopenal
Aprimeiraquestãoaserenfrentadaporquemsedispõeapensaroprocesso
penal contemporâneo é exatamente (re)discutir qual é o fundamento da sua
existência, por que existe e por que precisamos dele. A pergunta poderia ser
sintetizadanoseguintequestionamento:umProcessopenal,paraquê(quem)?
Buscararespostaaessaperguntanosconduzàdefiniçãodalógicadosistema,
que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais.
Noutra dimensão, significa definir qual é o nosso paradigma de leitura do
processopenal,buscaropontofundantedodiscurso.Nossaopçãoépelaleitura
constitucional e, dessa perspectiva, visualizamos o processo penal como
instrumentodeefetivaçãodasgarantiasconstitucionais.
J.Goldschmidt1,aseutempo2,questionou:
Porquesupõeaimposiçãodapenaaexistênciadeumprocesso?Seoius
puniendi corresponde aoEstado, que temo poder soberano sobre seus
súditos,queacusaetambémjulgapormeiodedistintosórgãos,pergunta-
se:porquenecessitaqueproveseudireitoemumprocesso?
Arespostapassa,necessariamente,porumaleituraconstitucionaldoprocesso
penal.Se,antigamente,ograndeconflitoeraentreodireitopositivoeodireito
natural, atualmente, com a recepção dos direitos naturais pelas modernas
constituições democráticas, o desafio é outro: dar eficácia a esses direitos
fundamentais.
Como aponta J. Goldschmidt3, os princípios de política processual de uma
naçãonãosãooutracoisasenãoosegmentodasuapolíticaestatalemgeral;eo
processopenaldeumanaçãonãoéum termômetrodoselementosautoritários
ou democráticos da sua Constituição. A uma Constituição autoritária vai
corresponder um processo penal autoritário, utilitarista. Contudo, a uma
Constituiçãodemocrática,comoanossa,necessariamentedevecorresponderum
processo penal democrático, visto como instrumento a serviço da máxima
eficáciadosistemadegarantiasconstitucionaisdoindivíduo.
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente
constituir (logo, consciência de que ela constitui a ação), é que se pode
compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal
democráticosedápormeiodasua instrumentalidadeconstitucional. Significa
dizerqueoprocessopenalcontemporâneosomenteselegitimaàmedidaquese
democratizarefordevidamenteconstituídoapartirdaConstituição.
Cremos que o constitucionalismo, exsurgente do Estado Democrático de
Direito, pelo seu perfil compromissário, dirigente e vinculativo, constitui a
açãodoEstado 4!
Com a precisão conceitual que lhe caracteriza, Juarez Tavares5 ensina que
nessaquestãoentreliberdadeindividualepoderdeintervençãodoEstadonãose
pode esquecer de que a “garantia e o exercício da liberdade individual não
necessitamdequalquerlegitimação,emfacedesuaevidência”.
Parece, essa, uma afirmação simples, despida de maior dimensão. Todo o
oposto.Aperigosaviragemdiscursivaquenosestá sendo (im)postaatualmente
pelosmovimentos repressivistas e as ideologias decorrentes faz comque, cada
vez mais, a “liberdade” seja “provisória” (até o CPP consagra a liberdade
provisória...) e a prisão cautelar (ou mesmo definitiva) uma regra. Ou, ainda,
aprofundam-seadiscussãoeosquestionamentossobrealegitimidadedaprópria
liberdade individual, principalmentenoâmbitoprocessualpenal, subvertendoa
lógicadosistemajurídico-constitucional.
Essaperigosainversãodesinaisexigeumchoqueàluzdalegitimaçãoapriori
daliberdadeindividual,eadiscussãodevevoltaracentrar-senopontocorreto,
muitobemcircunscritoporTavares6:“oquenecessitadelegitimaçãoéopoder
depunirdoEstado,eestalegitimaçãonãopoderesultardequeaoEstadoselhe
reserveodireitodeintervenção”.
Destaque-se:oquenecessitaserlegitimadoejustificadoéopoderdepunir,é
a intervenção estatal e não a liberdade individual.Mais, essa legitimação não
poderia resultar de uma autoatribuição do Estado (uma autolegitimação, que
conduzaaumasituaçãoautopoiética,portanto).Masessajáseriaoutradiscussão
emtornodapróprialegitimidadedapena,queextravasaoslimitesdestetrabalho.
A liberdade individual, por decorrer necessariamente dodireito à vida e da
própria dignidade da pessoa humana, está amplamente consagrada no texto
constitucional e tratados internacionais, sendo mesmo um pressuposto para o
EstadoDemocráticodeDireitoemquevivemos.
Essaéumapremissabásicaquenorteiatodaaobra:questionaralegitimidade
do poder de intervenção, por conceber a liberdade como valor primevo do
processopenal.
Nemmesmooconceitodebemjurídicopodecontinuarsendotratadocomose
estivesseimuneaosvaloresdoEstadoDemocrático.ComoadverteTavares7,“a
questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com as
finalidadespolíticasdesegurançapública,porqueseinserecomoumacondição
do Estado Democrático, baseado no respeito dos direitos fundamentais e na
proteção da pessoa humana”. E segue o autor apontando que, em um Estado
Democrático,
o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de
segurança pública, reforçado pela atuação do judiciário, como órgão
fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes
merecedoresdepena,emfacedarespectivaatuaçãodoLegislativooudo
Executivo8.
Atualmente, existe uma inegável crise da teoria das fontes, em que uma lei
ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição, não sendo raro
aquelesquenegamaConstituiçãocomofonte,recusandosuaeficáciaimediatae
executividade.Essarecusaéquedevesercombatida.
A luta é pela superação do preconceito em relação à eficácia da
Constituição no processo penal. Mais do que isso, é necessário fazer-se um
controlejudicialdaconvencionalidadedasleispenaiseprocessuaispenais,na
medidaemqueaConvençãoAmericanadeDireitosHumanos(CADH)gozade
caráter supralegal, ou seja, está abaixo daConstituição,mas acima das leis
ordinárias (como o CP e o CPP). Portanto, é uma dupla conformidade que
devemguardarasleisordinárias:comaConstituiçãoecomaCADH.Esseéo
desafio.
Oprocessonãopodemaisservistocomoumsimplesinstrumentoaserviçodo
poder punitivo (direito penal), senão que desempenha o papel de limitador do
poderegarantidordo indivíduoaelesubmetido.Háquesecompreenderqueo
respeitoàsgarantiasfundamentaisnãoseconfundecomimpunidade,ejamais
se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se,
legitimamente,àpena.Daíporquesomenteseadmitesuaexistênciaquandoao
longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias
constitucionalmenteasseguradas(asregrasdodevidoprocessolegal).
Assim,existeumanecessáriasimultaneidadeecoexistênciaentrerepressãoao
delito e respeito às garantias constitucionais, sendo essa a difícil missão do
processo penal, como se verá ao longo da obra. No processo penal, a
ConstituiçãoeaCADHaindarepresentamumaabertura,umalgoaserbuscado
como ideal. É avanço em termos de fortalecimento da dignidade da pessoa
humana, de abertura democrática rumo ao fortalecimento do indivíduo. Nesse
sentido, nossa preocupação com a instrumentalidade constitucional e o caráter
“constituidor”daCartaedaCADH.
GeraldoPrado9destacaaimportânciadaConstituiçãonaperspectivadefixar
“com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala,
indelevelmente,opactoqueéarepresentaçãodasoberaniapopular,eportantode
cadaumdoscidadãos”.ÉaConstituiçãoumlocus,prossegueGeraldo,deonde
sãovislumbradososdireitosfundamentais,estabelecendoum“nexoindissolúvel
entre garantia dos direitos fundamentais, divisão dos poderes e democracia, de
sorteainfluirnaformulaçãodaslinhasgeraisdapolíticacriminaldedeterminado
Estado”. Finalizando, lembra o autor que o espaço comum democrático é
construídopelaafirmaçãodorespeitoàdignidadehumanaepelaprimaziado
Direitocomoinstrumentodaspolíticassociais,inclusiveapolíticacriminal.
Partimos da mesma premissa de Prado10: a Constituição da República
escolheuaestruturademocráticasobreaqualháqueexistiresedesenvolvero
processo penal, forçado que está – pois modelo pré-constituição de 1988 – a
adaptar-seeconformar-seaesseparadigma.
Então,nãobastaqualquerprocesso,ouameralegalidade,senãoquesomente
umprocessopenalqueestejaconformeasregrasconstitucionaisdojogo(devido
processo) na dimensão formal, mas, principalmente, substancial, resiste à
filtragemconstitucionalimposta.
Feito isso, é imprescindível marcar esse referencial de leitura: o processo
penaldeve ser lidoà luzdaConstituiçãoedaCADHenãoaocontrário.Os
dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma
releituramais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual
Carta,semqueosdireitosfundamentaisnelainsculpidossejaminterpretadosde
formarestritivaparaseencaixarnoslimitesautoritáriosdoCódigodeProcesso
Penalde1941.
1.2.Superandoomaniqueísmoentre“interessepúblico”versus“interesseindividual”.Inadequadainvocaçãodoprincípiodaproporcionalidade
Argumento recorrente em matéria penal é o de que os direitos individuais
devem ceder (e, portanto, ser sacrificados) frente à “supremacia” do interesse
público.Éumamanipulaçãodiscursivaquefazummaniqueísmogrosseiro(senão
interesseiro)paralegitimarepretenderjustificaroabusodepoder.Inicialmente,
há que se compreender que tal reducionismo (público – privado) está
completamente superado pela complexidade das relações sociais, que não
comportammaisessadualidadecartesiana.Ademais,emmatériapenal,todosos
interesses em jogo – principalmente os do réu – superam muito a esfera do
“privado”, situando-se na dimensão de direitos e garantias fundamentais
(portanto, “público”, se preferirem). Na verdade, são verdadeiros direitos de
todosedecadaumdenós,emrelaçãoao(ab)usodepoderestatal.
Jáem1882,ManuelAlonsoMartínezafirmavanaExposicióndeMotivosde
la Ley de Enjuiciamiento Criminal que “sagrada es sin duda la causa de la
sociedad,peronolosonmenoslosderechosindividuales”.
W.Goldschmidt11explicaqueosdireitosfundamentais,comotais,dirigem-se
contraoEstado,epertencem,porconseguinte, à seçãoque tratadoamparo do
indivíduo contra o Estado. O processo penal constitui um ramo do direito
público,e,comotal,implicaautolimitaçãodoEstado,umasoberaniamitigada.
Ademais, existe aindao fundamentohistórico-políticopara sustentar a dupla
função do moderno processo penal, que foi bem abordado por Bettiol 12. A
proteçãodoindivíduotambémresultadeumaimposiçãodoEstadoDemocrático,
pois a democracia trouxe a exigência de que o homem tenha uma dimensão
jurídicaqueoEstadoouacoletividadenãopodesacrificaradnutum.OEstado
deDireito,mesmoemsuaorigem, já representavaumarelevantesuperaçãodas
estruturas do Estado de Polícia, que negava ao cidadão toda garantia de
liberdade,e issosurgiunaEuropadepoisdeumaépocadearbitrariedadesque
antecedeuaDeclaraçãodosDireitosdoHomem,de1789.
A democracia, enquanto sistema político-cultural que valoriza o indivíduo
frenteaoEstado,manifesta-seemtodasasesferasdarelaçãoEstado-indivíduo.
Inegavelmente, leva a uma democratização do processo penal, refletindo essa
valorizaçãodoindivíduonofortalecimentodosujeitopassivodoprocessopenal.
Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no
processopenaléodaproteçãodosinocentes(débil),ouseja,oprocessopenal
como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são, pois só
perdemessestatusapósasentençacondenatóriatransitaremjulgado),poisesse
éodeverqueemergedapresunçãoconstitucionaldeinocênciaprevistanoart.5º,
LVII,daConstituição.
Oobjetoprimordialda tutelanoprocessopenaléa liberdadeprocessualdo
imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no
processo.Osignificadodademocraciaéarevalorizaçãodohomem,
en toda la complicada red de las instituciones procesales que solo
tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su
finalidadpolíticayjurídicadegarantíadeaquelsupremovalorqueno
puedenuncavenirsacrificadoporrazonesdeutilidad:elhombre13.
Não sepodeesquecer, comoexplicaSarlet14, dequeadignidadedapessoa
humanaéum
valor-guia não apenas dos direitos fundamentais,mas de toda a ordem
jurídica(constitucionaleinfraconstitucional),razãopelaqualparamuitos
se justificaplenamentesuacaracterizaçãocomoprincípioconstitucional
demaiorhierarquiaaxiológica-valorativa.
Inclusive, na hipótese de conflito entre princípios e direitos
constitucionalmenteassegurados,destacaSarlet15, “oprincípiodadignidadeda
pessoa humana acaba por justificar (e até mesmo exigir) a imposição de
restrições a outros bens constitucionalmente protegidos”. Isso porque, como
explicaoautor,existeumainegávelprimaziadadignidadedapessoahumanano
âmbitodaarquiteturaconstitucional.
Algumas lições, por sua relevância, merecem ser repetidas nesta obra. É
melhor pecar pela repetição do que correr o risco de perdê-la por uma leitura
pontualquenossosleitoreseventualmentefaçam.Assim,nuncaéexcessorepetir
umaliçãomagistraldeJuarezTavares16,quenosensinaquenessaquestãoentre
liberdadeindividualepoderdeintervençãodoEstadonãosepodeesquecerque
a “garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer
legitimação,emfacedesuaevidência”.
Destaque-se:oquenecessitaserlegitimadoejustificadoéopoderdepunir,é
a intervenção estatal e não a liberdade individual.A liberdade individual, por
decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa
humana, está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados
internacionais, sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de
Direitoemquevivemos.
Não há que se pactuar mais com amanipulação discursiva feita por alguns
autores (e julgadores), que acabam por transformar a “liberdade” em
“provisória” (até oCPP consagra a liberdade provisória...), como se ela fosse
precária,e,entretanto,aprisãocautelar(oumesmodefinitiva),umaregra.
Essaperigosainversãodesinaisexigeumchoqueàluzdalegitimaçãoapriori
daliberdadeindividualeadiscussãodevevoltaracentrar-senopontocorreto,
muitobemcircunscritoporTavares17:“oquenecessitadelegitimaçãoéopoder
depunirdoEstado”.
Essaéumapremissabásicaquenorteiatodaaobra:questionaralegitimidade
do poder de intervenção, por conceber a liberdade como valor primevo do
processopenal.
Entendemosquesociedade–basedodiscursodeprevalênciado“público”–
deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência, e não mais
comoumentesuperiordequedependemoshomensqueointegram.Inadmissível
umaconcepçãoantropomórfica,naquala sociedadeéconcebidacomoumente
gigantesco,ondeoshomens sãomerascélulas,que lhedevemcegaobediência.
Nossa atual Constituição e, antes dela, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não
toleramtalsubmissãodohomemaoentesuperior,essavisãoantropomórficaque
correspondeaumsistemapenalautoritário18.
Namesmalinha,Bobbio19explicaque,atualmente,impõe-seumaposturamais
liberal na relaçãoEstado-indivíduo, demodo que primeiro vemo indivíduo e,
depois, o Estado, que não é um fim em si mesmo. O Estado só se justifica
enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos
fundamentais,porquebuscaobemcomum,quenadamaisédoqueobenefíciode
todosedecadaumdosindivíduos.
Porisso,Ferrajolifaladaleydelmásdébil 20.Nomomentodocrime,avítima
éohipossuficientee,porisso,recebeatutelapenal.Contudo,noprocessopenal,
opera-seuma importantemodificação:omais fracopassa a sero acusado,que
frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do
processo e, posteriormente, da pena. O sujeito passivo do processo, aponta
Guarnieri 21, passa a ser o protagonista, porque ele é o eixo em torno do qual
giramtodososatosdoprocesso.
AmiltonB.deCarvalho22,questionandoparaquê(m)servealei,apontaquea
“aleiéolimiteaopoderdesmesurado–leia-se,limiteàdominação.Então,alei
–eticamenteconsiderada–éproteçãoaodébil.Sempreesempre,éaleidomais
fraco:aquelequesofreadominação”.
Nessademocratizaçãodoprocessopenal,osujeitopassivodeixadeservisto
como um mero objeto, passando a ocupar uma posição de destaque enquanto
parte,23 com verdadeiros direitos e deveres24. É uma relevante mudança
decorrentedaconstitucionalizaçãoedemocratizaçãodoprocessopenal.
Muito preocupante, por fim, é quando esse discurso da “prevalência do
interessepúblico”vematreladoaoPrincípiodaProporcionalidade,fazendouma
viragemdiscursivaparaaplicá-loondenãotemlegítimocabimento.Nessetema,
élúcidaaanálisedoMinistroErosGrau,cujacitação,aindaquelonga,deveser
objetodereflexão.Dizo ilustreMinistrodoSupremoTribunalFederalnovoto
proferidonoHC95.009-4/SP(p.44ess.):
Tenho criticado aqui – e o fiz ainda recentemente (ADPF 144) – a
“banalização dos ‘princípios’ (entre aspas) da proporcionalidade e da
razoabilidade,emespecialdoprimeiro,concebidocomoum‘princípio’
superior,aplicávela todoequalquercasoconcreto,oqueconfeririaao
Poder Judiciário a faculdade de ‘corrigir’ o legislador, invadindo a
competência deste. O fato, no entanto, é que proporcionalidade e
razoabilidadenemaomenossãoprincípios–porquenãoreproduzemas
suas características – porém postulados normativos, regras de
interpretação/aplicaçãododireito”.Nocasodequeoracogitamosesse
falsoprincípioestariasendovertidonamáximasegundoaqual“não
há direitos absolutos.” E, tal como tem sido em nosso tempo
pronunciada, dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e
qualquergarantiaconstitucional.Deveras,acadadireitoquesealega
o juiz responderá que esse direito existe, sim, mas não é absoluto,
porquanto não se aplica ao caso. E assim se dá o esvaziamento do
quanto construímos ao longo dos séculos para fazer, de súditos,
cidadãos.Diantedoinquisidornãotemosqualquerdireito.Oumelhor,
temos sim, vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum é
reconhecívelnaoportunidadeemquedeveriaacudir-nos.
Primeiroessagazua,emseguidadespencandosobretodos,apretextoda
“necessária atividade persecutória do Estado”, a “supremacia do
interesse público sobre o individual”. Essa premissa que se pretende
prevaleça noDireitoAdministrativo – não obstantemesmo lá sujeita a
debate, aqui impertinente – não tem lugar em material penal e
processualpenal.EstaCorteensina(HC80.263, relatorMinistro Ilmar
Galvão) que a interpretação sistemática da Constituição “leva à
conclusãodequeaLeiMaiorimpõeaprevalênciadodireitoàliberdade
emdetrimentododireitodeacusar”.Essaéaproporcionalidadequese
impõe em sede processual penal: em caso de conflito de preceitos,
prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua
supressão. A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie (grifos
nossos).
Em suma: nesse contexto político-processual, estão superadas as
consideraçõesdoestilo“asupremaciadointeressepúblicosobreoprivado”.As
regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas (e,
obviamente, constitucionais), muito além dessa dimensão reducionista de
público/privado. Trata-se de direitos fundamentais – obviamente de natureza
pública,sequisermosutilizaressacategoria–limitadoresdaintervençãoestatal.
1.3.Ainfluênciadosmovimentosrepressivistas.Tolerânciazeroparaquê(quem)?Desvelandoahipocrisiadodiscurso
Osistemapenal (material e processual) nãopode ser objetodeuma análise
estritamentejurídica,sobpenadeserminimalista,ingênuaaté.Oprocessopenal
nãoestáemumcompartimentoestanque,imuneaosmovimentossociais,políticos
e econômicos. A violência é um fato complexo25, que decorre de fatores
biopsicossociais.Logo,oprocesso,enquantoinstrumento,exigeumaabordagem
interdisciplinar, a partir do caleidoscópio, isto é, devemos visualizá-lo desde
váriospontoserecorrendoadiferentescamposdosaber 26.
Daí a importância de enfrentar o tema, abordando, entre outros, a ideologia
repressivista da “lei e ordem”, na medida em que é manifestação do
neoliberalismo para, após, desconstruir o utilitarismo processual por meio do
paradigmaconstitucional.
Avisãodeordemnosconduz,explicaBauman27,adepureza,adeestaremas
coisasnoslugares“justos”e“convenientes”.Éumasituaçãoemquecadacoisa
seachaemseujustolugareemnenhumoutro.Oopostodapureza(oimundo,o
sujo) edaordemsãoas coisas forado seudevido lugar.Emgeral, não sãoas
características intrínsecas das coisas que as transformam em “sujas”, senão o
estar fora do lugar, da ordem. Exemplifica o autor com um par de sapatos,
magnificamentelustradosebrilhantes,quesetornamsujosquandocolocadosna
mesaderefeições.Ou,ainda,umaomelete,umaobradearteculináriaquedá
águanabocaquandonopratodojantar,torna-seumamanchanojentaquando
derramadasobreotravesseiro 28.
O exemplo é interessante e bastante ilustrativo, principalmente em um país
como o nosso, em que vira notícia no Jornal Nacional o fato de um grupo de
moradores da comunidade ter “descido o morro” e “invadido” um shopping
centernoRio de Janeiro.Ou seja, enquanto estiverem no seu devido lugar, as
coisas estão em ordem. Mas, ao descerem o morro e invadirem o espaço da
burguesia,estápostaa(nojenta)omeletenotravesseiro.Estáfeitaadesordem,a
quebradaorganizaçãodoambiente.
ExplicaBaumanque“ordem”
significaummeioregulareestávelparaosnossosatos;ummundoemque
asprobabilidadesdosacontecimentosnãoestejamdistribuídasaoacaso,
mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos
acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis,
algunsvirtualmenteimpossíveis 29.
Ora,talimpériodaordem”sópodeserfrutodoautismojurídicoedeumaboa
dose de má-fé. A falácia do discurso salta aos olhos, pois tal ordem, numa
sociedadederiscocomoanossaecomumaltíssimoníveldecomplexidade,só
podedecorrer do completo afastamentododireitoda realidade e/ouda imensa
má-fé por parte de quem o prega. Não sem razão foi o argumento largamente
utilizadoporprogramaspolíticostotalitários,comoonazismo(purezaderaça)ou
mesmoocomunismo(purezadeclasse).
Mas“cadaesquemadepurezagerasuaprópriasujeiraecadaordemgeraseus
própriosestranhos” 30.Issoserefletemuitobemnatolerânciazeroparaooutroe
tolerância dez para nós e os nossos. E o critério da pureza é a aptidão de
participardojogoconsumista.Osdeixadosdeforasãoosconsumidoresfalhose,
como tais, incapazes de ser “indivíduos livres”, pois o senso de liberdade é
definidoapartirdopoderdeescolhadoconsumidor.
Eis os impuros, os objetos fora do lugar 31. O discurso da lei e da ordem
conduz a que aqueles que não possuem capacidade para estar no jogo sejam
detidoseneutralizados,preferencialmentecomomenorcustopossível.Nalógica
daeficiência,venceoEstadoPenitência,poisémaisbaratoexcluireencarcerar
doque restabelecer o status de consumidor, pormeio de políticas públicas de
inserçãosocial.
Trata-se de uma consequência (penal) do afastamento do Estado do setor
social,ondeummenosEstado-providêncianecessitadeumEstado(mais)penal
paraconteradecorrentemarginalizaçãosocial.ÉoqueWacquant32sintetizaem
supressão do Estado econômico, enfraquecimento do Estado Social,
fortalecimentoeglorificaçãodoEstadopenal.
Nesse cenário, o Manhattan Institute (organismo criado para aplicar os
princípios da economia demercado aos problemas sociais) inicia sua cruzada
contra o Estado-providência de Ronald Reagan investindo em CharlesMurray
(definidoporWacquant33 comoumpolitólogo ocioso de reputaçãomedíocre),
para produzir a nova bíblia do projeto da nova direita americana: Losing
Ground:AmericanSocialPolicy,1950-1980.Na intensa agenda de divulgação
desse livro, milhares de dólares foram gastos em palestras, conferências,
entrevistas,mídiaetc.destinadosademonstrarquea
excessiva generosidade das políticas de ajuda aos mais pobres seria
responsável pela escalada da pobreza nos Estados Unidos: ela
recompensa a inatividade e induz à degenerescênciamoral das classes
populares, sobretudo essas uniões ilegítimas que são a causa última de
todos os males das sociedades modernas – entre os quais a violência
urbana34.
Num desses eventos, estava o promotor Rudolph Giuliani, que acabara de
perder as eleições para o democrata negro David Dinkins. Ironicamente,
empunhandoabandeiradozerotolerance,Giulianivenceaseleiçõesde1993e
transformaNovaYorknavitrinamundialdessapolíticarepressivista.
AindadasmãosdoManhattanInstitute, surgeabrokenwindows theory, ou
mais uma invencionice americana vendida aos incautos como panaceia no
mercado da segurança pública mundial, como definem Jacinto Coutinho e
EdwardCarvalho35,formuladaem1982porJamesQ.WilsoneGeorgeKelling.
Sustentam, em síntese, que todo e qualquer desvio de comportamento deve ser
rigorosamente perseguido e punido, pois quem joga uma pedra e quebra uma
vidraçahoje,amanhãvoltaparacometercrimesmaisgraves.
Obviamentequetal“vidência”jamaisfoicomprovadaempiricamente.
Das mãos de William Bratton (chefe de polícia de Giuliani e ex-chefe de
segurança do metrô de Nova York) surge uma reengenharia de “gestão por
objetivo”,visandoàmáximaeficiênciaapartirderígidoscritériosquantitativos
de avaliação. Como define Wacquant, ele “transforma os comissariados em
centros de lucro, o lucro em questão sendo a redução estatística do crime
registrado.Ecria todososcritériosdeavaliaçãodosserviçosemfunçãodessa
única medida. Em suma, dirige a administração policial como um industrial o
faria com uma firma cujos acionistas julgassem ter um mau desempenho”36.
Obviamente que as detenções arbitrárias e todos os tipos de autoritarismo
policialsãopraticadoscontraosclientespreferenciaisdosistema,comaplena
conivência e até estímulo por parte da administração (incluindo o caso Abner
Luima) 37.
Saltaaosolhosqueomodelodetolerânciazeroécruel,desumanoetotalmente
aético. Os socialmente etiquetados sempre foram os clientes preferenciais da
políciae,comoavaldosgovernantes,nuncasematou,prendeuetorturoutantos
negros,pobreselatinos.Amáquinaestatalrepressoraéeficientíssimaquandose
tratadeprender e arrebentarhipossuficientes.NospaísesdaAméricaLatina, a
situaçãoéaindamaisgrave.
Há que se ter sempre presentes as lições de Cirino dos Santos38, quando
desvelaqueo
direito penal deve ser estudado do ponto de vista de seus objetivos
declaradosoumanifestosedeseusobjetivosreaisoulatentes,nosquais
semanifestamasdimensõesdeilusãoederealidadedosfenômenosda
vidasocialnassociedadescontemporâneas.
Um rápido exemplo dos abusos do zero tolerance encontramos em
Wacquant39.Explicaoautorquedepoisdeumasériedeabusosa “Unidadede
Luta contra os Crimes de Rua” de Nova York passou a ser objeto de intensa
crítica.Trata-sedeuma
tropa de choque de 380 homens (quase todos brancos), que constitui a
ponta de lança da política de tolerância zero, é objeto de diversos
inquéritos administrativos e dois processos por parte dos procuradores
federais sob suspeita de proceder a prisões pelo aspecto (racial
profiling) e de zombar sistematicamente dos direitos constitucionais de
seus alvos. Segundo a National Urban League, em dois anos essa
brigada,querondaemcarroscomunseoperaàpaisana,deteveerevistou
na rua 45.000 pessoas sob a mera suspeita baseada no vestuário,
aparência,comportamentoe–acimadequalqueroutroindício–acorda
pele. Mais de 37.000 dessas detenções se revelaram gratuitas e as
acusaçõessobremetadedas8.000 restantes foramconsideradasnulase
inválidaspelostribunais,deixandoumresíduodeapenas4.000detenções
justificadas:umaemonze.Uma investigação levadaacabopelo jornal
NewYorkDailyNewssugerequepertode80%dosjovenshomensnegros
elatinosdacidadeforamdetidoserevistadospelomenosumavezpelas
forças da ordem. [...] A tolerância zero apresenta portanto duas
fisionomias diametralmente opostas, segundo se é o alvo (negro) ou o
beneficiário(branco),istoé,deacordocomoladoondeseencontraessa
barreira de casta que a ascensão doEstado penal americano tem como
efeito–oufunção–restabelecereradicalizar 40.
Sãodadosestarrecedoresquesóreforçamnossapreocupaçãoporumamatriz
democráticaqueorienteoprocessopenaleodireitopenal.
O movimento da lei e ordem (law and order) é a mais clara manifestação
penaldomodeloneoliberal,dosmovimentosdeextremadireita.É“velhamegera
DireitaPenal”,naexpressãodeKaram41.Pregaasupremaciaestatalelegalem
francodetrimentodo indivíduoede seusdireitos fundamentais.OBrasil já foi
contaminadoporessemodelorepressivistahádécadas,quandoafamigeradaLei
dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), seguida de outras na mesma linha,
marcouaentradadosistemapenalbrasileironaeradaescuridão,naideologiado
repressivismosaneador.Aideiadequearepressãototalvaisanaroproblemaé
totalmente ideológica e mistificadora. Sacrificam-se direitos fundamentais em
nomedaincompetênciaestatalemresolverosproblemasquerealmentegerama
violência.
Nãoénecessáriomaioresforçoparaverqueexemploclarodofracassonosdá
oprópriomodelobrasileiro.Bastaquestionar:comoadventodaLeidosCrimes
Hediondos (e posteriores), houve a diminuição da prática dos delitos ali
enumerados (latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, tráfico de
entorpecentes etc.)? A política de aumentar penas e endurecer o regime de
cumprimentodiminuiuastaxasdecriminalidadeurbana?Obviamentequenão.A
função de prevenção geral desempenhada pela norma penal é mínima ou
inexistente. Tanto é assim que a cada dia ocorrem mais delitos de latrocínio,
extorsãomediante sequestro (agora na sua versão “relâmpago”) e o tráfico de
entorpecentes cresce de forma alarmante, apenas para dar alguns poucos
exemplos.
Como aponta Vera Batista42, nos Estados Unidos, o marketing de que a
reduçãodacriminalidadeurbanaemNovaYorkfoiconsequênciadapolíticade
tolerância zero é severamente criticada. É pura propaganda enganosa. Não é
prendendo e mandando para a prisão mendigos, pichadores e quebradores de
vidraças que amacrocriminalidade vai ser contida. As taxas de criminalidade
realmentecaíramemNovaYork,mastambémdecresceramemtodopaís,porque
não é frutodamágicapolítica nova-iorquina,mas simdeumcomplexo avanço
social e econômico daquele país. É fato notório que os Estados Unidos têm
vividonas últimasdécadasuma eufórica evolução econômica, comaumentoda
qualidadedevidaesubstancialdecréscimodosíndicesdedesemprego(emque
peseissoestarmudandonovamente).Nissoestáarespostaparaadiminuiçãoda
criminalidade: crescimento econômico, sucesso no combate ao desemprego e
políticaeducacionaleficiente.
Ésempreimportantedestacarqueacriminalidadeéfenômenocomplexo,que
decorre de um feixe de elementos (fatores biopsicossociais), emque o sistema
penaldesempenhaumpapelbastantesecundárionasuaprevenção.Ademais,na
expressãodeBitencourt43,a“falênciadapenadeprisão”éinegável.Nãoserve
como elemento de prevenção, não reeduca e tampouco ressocializa. Como
respostaaocrime,aprisãoéuminstrumentoineficienteequeserveapenaspara
estigmatizar e rotularo condenado,que, ao sair da cadeia, encontra-se emuma
situação muito pior do que quando entrou. Dessarte, o direito penal deve ser
mínimoeapenadeprisãoreservadaparaoscrimesrealmentegraves44.Oque
devesermáximoéoEstadoSocial(algoquenuncativemos).
ComoZaffaroni 45,entendemosquetododiscursusreestáemcrise.Apenade
prisãonãoressocializa,nãoreeduca,nãoreinseresocialmente.Dodiscurso“re”
somenteseefetivamareincidênciaearejeiçãosocial.Éumdiscursoaomesmo
temporealefalso.Éfalsooconteúdo,masodiscursoéreal,eleexisteeproduz
efeitos(legitimantesdopoderdepunir).
Só por acidente a pena ressocializa, porque, como defineGarcía-Pablos de
Molina46,
la pena estigmatiza, no rehabilita. No limpia, mancha. ¿Cómo puede
apelarse a su función resocializadora cuando consta empíricamente
todo lo contrario? ¿Cómo se explica el impacto rehabilitador del
castigoy la reinserción socialdelpenado si, en la estimación social,
suelesermáselmerohechodehabercumplidolapenaquelapropia
comisióndeldelito,loqueimplicaungravedeméritoalosojosdelos
conciudadanos.
O lawandorderé pura propaganda enganosa, que nos farámergulhar numa
situação ainda mais caótica. É mais fácil seguir no caminho do direito penal
simbólico,comleisabsurdas,penasdesproporcionadasepresídiossuperlotados,
do que realmente combater a criminalidade. Legislar é fácil e a diarreia
legislativabrasileiraéprovainequívocadisso.
Omovimentode leieordem significauma tristeopçãopelagestãopenalda
pobreza.
Na síntese de Zaffaroni 47, o aumento de penas abstratas oferecidas pela
hipocrisia dos políticos, que não sabem o que propor, não têm espaço para
propor,nãosabemounãoqueremmodificararealidade.Comonãotêmespaço
paramodificararealidade,fazemoqueémaisbarato:leispenais!
Difícil é reconhecer o fracasso da política econômica, a ausência de
programas sociais efetivoseodescasocomaeducação.Aoque tudo indica,o
futuro será pior, pois os meninos de rua que proliferam em qualquer cidade
brasileiraingressamemmassanasfaculdadesdocrime,chamadasFASE(antigas
Febem).Após-graduaçãoéquaseautomática,bastacompletar18anoseescolher
algum dos superlotados presídios brasileiros, verdadeiros mestrados
profissionalizantesdocrime.
Asituaçãoatualmentesevêagravadapelamanipulaçãodiscursivaemtornoda
sociologia do risco, revitalizando a (falsa) crença de que o direito penal pode
restabelecera(ilusãode)segurança.
NacorretadefiniçãodeCarvalho48,
a pretensão e a soberba gerada pela crença romântica de que o direito
penal pode salvaguardar a humanidade de sua destruição impedem o
angustiante e doloroso, porém altamente saudável, processo de
reconhecimentodoslimites.
Dessarte, quanto maior for o narcisismo penal, maior deve ser nossa
preocupaçãocomoinstrumento-processo.Seodireitopenalfalhaemvirtudeda
panpenalização,cumpreaoprocessopenalopapelde filtro,evitandoo(ab)uso
dopoderdeperseguirepenar.Oprocessopassaaserofreioaodesmedidouso
do poder. É a última instância de garantia frente à violação dos Princípios da
IntervençãoMínimaedaFragmentariedade49dodireitopenal.
Contudo,emquepeseacríticaquefazemosàseletividadedosistemapenaleà
faláciadodiscursolegitimadordapena,nãosomosabolicionistas.Pensamosque
punir é necessário e civilizatório. O problema está em “quem punir”, “o que
punir” e, principalmente, “como punir”. Na perspectiva do processo penal,
interessa-nos mais especificamente o “como punir”, isto é, o processo como
caminhonecessárioparachegaràpena(ouànãopena)eaeficáciadoconjunto
deregrasdelegitimação,asregrasdodevidoprocessopenal.
1.4.Direitoedromologia:quandooprocessopenalsepõeacorrer,atropelandoasgarantias
Vivemos numa sociedade acelerada. A dinâmica contemporânea é
impressionantee–comoorisco50–tambémestáregendotodanossavida.Não
sónossoempregoétemporário,poisseacabaramosempregosvitalícios,como
também cada vez é mais comum os empregos em jornada parcial. Da mesma
formanossas“aceleradas”relaçõesafetivas,comaconsagraçãodoficaredono
future.
Quedizerentãodavelocidadedainformação?Agorapassadaemtemporeal,
via internet, sepultando o espaço temporal entre o fato e a notícia. O fato,
ocorridonooutro ladodomundo,pode serpresenciadovirtualmente em tempo
real. A aceleração do tempo nos leva próximo ao instantâneo, com profundas
consequênciasnaquestãotempo/velocidade.Tambémencurtaoumesmoelimina
distâncias.Porisso,Virilio51–teóricodaDromologia(dogregodromos=velo-
cidade)–afirmaque“avelocidadeéaalavancadomundomoderno”.
Omundo, apontaVirilio52, tornou-se o da presença virtual, da telepresença.
Nãosótelecomunicação,mastambémteleação(trabalhoecompraadistância)e
atéemtelessensação(sentiretocaradistância).Essahipermobilidadevirtualnos
leva à inércia, além de contrair espaços e intervalos temporais. Até mesmo a
guerra nas sociedades contemporâneas são confrontos breves, instantâneos e
virtuais, como se fossem wargames de computador, em que toda carga de
expectativaestálançadanopresente.
Soboenfoqueeconômico,o“cassinoplanetário”é formadopelasbolsasde
valores que funcionam 24 horas por dia, em tempo real, com uma imensa
velocidadedecirculaçãodecapitalespeculativo,gerandoumaeconomiavirtual,
transnacionaleimprevisível–libertadopresenteedoconcreto.Issofulminacom
oelosocial,poisaquelesqueinvestemnaeconomiarealnãotêmcomoantecipar
aação,desencorajandoinvestimentos,destruindoempresaseempregos53.
Nessa lógica de mercado, para conseguir lucros, é preciso acelerar a
circulação dos recursos, abreviando o tempo de cada operação. Como
consequência, a contratação de mão de obra também navega nesse ritmo: ao
menor sinal de diminuição das encomendas, dispensa-se a mão de obra. É a
hiperaceleraçãolevandooriscoaoextremo.
Ost54falanoscontratosdeempregotemporáriosapontandoparauma
heterogeneização do tempo social, manifestada em ritmos sempre mais
diversificados. Tempo conjugal e tempo parental dissociam-se55, ao
passoqueaorganizaçãofordistadotrabalhodálugaraumaflexibilidade
dasprestações,mas tambémaumanovaprecariedadedosempregos.A
duraçãoprometeicadosCódigoseapromessadasinstituiçõesdãoentão
lugar a um tempo em migalhas que tem de ser reconquistado a cada
instante.Direitodevisitanegociado,estágioconseguidocomdificuldade,
emprego interino, tudo se passa como se reaparecesse o antiquíssimo
imperativoimpostoaospobres:viverodiaadia.
Sob outro enfoque, a aceleração obtida a partir do referencial luz é
impressionante e afeta diretamente nossa percepção de tempo. Como aponta
Virilio56, a tecnologia do final dos anos 1980 permitiu que os satélites
transmitissem a imagem à velocidade da luz e isso representou um avanço da
mídiatelevisivacomrelevantemudançadeparadigma.
Aimagempassaa tervisibilidade instantâneacomonovoreferencial luz. O
fascínioda imagemconduzaque“oquenãoévisívelenão temimagemnãoé
televisável,portanto,nãoexistemidiaticamente”.
O choque emocional provocado pelas imagens da TV – sobretudo as de
aflição, de sofrimento e morte – não tem comparação com o sentimento que
qualqueroutromeiopossaprovocar.Suplantaassima fotografiaeos relatos,a
pontodeque,quandonãoháimagens,cria-se.A“reconstituição”dasimagensnão
captadaspassa a ser fundamental paravender a emoçãonão apreendidano seu
devidotempo.Exemplostípicossãoosprogramaspoliciaissensacionalistasque
proliferam nas televisões brasileiras, fazendo, inclusive, reconstituições ainda
mais dramáticas dos crimes ocorridos para “captura psíquica” dos
telespectadores.
Mas a velocidade da notícia e a própria dinâmica de uma sociedade
espantosamente acelerada são completamente diferentes da velocidade do
processo, ou seja, existe um tempo do direito que está completamente
desvinculado do tempo da sociedade. E o direito jamais será capaz de dar
soluçõesàvelocidadedaluz.
Estabelece-seumgrandeparadoxo:asociedadeacostumadacomavelocidade
da virtualidade não quer esperar pelo processo, daí a paixão pelas prisões
cautelares e a visibilidade de uma imediata punição.Assimqueremomercado
(que não pode esperar, pois tempo é dinheiro) e a sociedade (que não quer
esperar,poisestáacostumadaaoinstantâneo).
Isso,aomesmotempoemquedesligadopassado,mataodevir,expandindoo
presente. Desse presenteísmo/imediatismo brota o Estado de Urgência, uma
consequência natural da incerteza epistemológica, da indeterminação
democrática, do desmoronamento do Estado social e da correlativa subida da
sociedadederisco,daaceleraçãoedotempoefêmerodamoda.Aurgênciasurge
comoformadecorreratrásdotempoperdido.
ComoexplicaOst, isso significaquepassamosdos“relógiosàsnuvens”,no
sentidodequenãoestamosmaisvivendoummodelomecânico(relógio),lineare
previsíveldeumalegislaçãopiramidal,senãoomodelodas“nuvens”,interativo,
recursivo e incerto de uma regulação em rede. O direito em rede é flexível e
evolutivo. Um conjunto indefinido de dados em busca de um equilíbrio pelo
menosprovisório.Éanormatividadeflexibilizada,própriadeumdireito“mole,
vago,noestadogasoso” 57.
A urgência – ou Estado correndo atrás – deixa de ser uma categoria
extraordinária para generalizar-se, com uma tendência de alimentar-se de si
mesmo,comosedealgumaformaumadassuasintervençõespedisseaseguinte.
Ao não tratar do problema com a devida maturação e profundidade, não há
resultadosduráveis.
As intervenções de urgência parecem sempre chegar ao mesmo tempo
demasiadocedoedemasiadotarde:demasiadocedoporqueotratamento
aplicado é sempre superficial; demasiado tarde porque, sem uma
inversãodelógica,omalnãoparoudesepropagar 58.
Os planos urgentes e milagrosos para “conter” a violência urbana são
exemplos típicos disso: ao mesmo tempo demasiadamente cedo (tratamento
superficial)edemasiadamentetarde(diantedagravidadejáassumida).
Nesse cenário, juízes são pressionados para decidirem “rápido” e as
comissões de reforma, para criarem procedimentos mais “acelerados”59,
esquecendo-sedequeotempododireitosempreseráoutro,porumaquestãode
garantia. A aceleração deve ocorrer, mas em outras esferas. Não podemos
sacrificar anecessáriamaturação, reflexãoe tranquilidadedoatode julgar, tão
importantenaesferapenal.Tampoucoacelerarapontodeatropelarosdireitose
as garantias do acusado. Em última análise, o processo nasce para demorar
(racionalmente, é claro), como garantia contra julgamentos imediatos,
precipitadosenocalordaemoção.
Dizerqueoprocessoédinâmico significa reconhecer seumovimento.Logo,
como todo movimento, está inscrito no tempo de maneira irreversível, sem
possibilidadedevoltaratrás60.Oque já foi feitonãopodevoltaraacontecer,
atéporqueotempoéirreversível,aomenosporora.Seoprocesso,comoavida,
é movimento, o equilíbrio necessário só pode ser dinâmico e, como tal,
extremamente difícil e eivado de riscos. É o que Raux61 define como o
“equilíbriodeciclistafundadosobreomovimento”.
Oprocessopenal tambéméaceleradoemrespostaaodesejodeuma reação
imediata.Surgemosprocedimentossumárioseatésumariíssimos(comoprevisto
naLein.9.099/95);proliferamoscasosdeguiltypleanosEstadosUnidos,de
pattegiamento na Itália ou transação penal no Brasil, até porque as chamadas
zonasdeconsensosãoíconesdeeficiência(utilitarista)eceleridade(leiam-se:
atropelodedireitosegarantiasindividuais).
Retornandoàsituaçãodociclista,odifíciléencontraroequilíbrio,pois,seé
verdadequeumprocessoquesearrastaassemelha-seaumanegaçãodajustiça,
não se deverá esquecer, inversamente, que o prazo razoável em que a justiça
deve ser feita entende-se igualmente como recusa de um processo demasiado
expedito62. O processo tem o seu tempo, pois deve dar oportunidade para as
partesmostraremeusaremsuasarmas,devetertempoparaoportunizaradúvida,
fomentar o debate e a prudência de quem julga. Nesse terreno, parece-nos
evidente que a aceleração deve vir mediante inserção de tecnologia na
administração da justiça e, jamais, com a mera aceleração procedimental,
atropelandodireitosegarantiasindividuais.
Infelizmente, na atualidade, assistimos a umvelhodireito tentando correr no
ritmo da moderna urgência. Para tanto, em vez de modernizar-se com a
tecnologia, prefere os planosmilagrosos e o terror da legislação simbólica.A
inflaçãolegislativabrasileiraemmatériapenaléexemplotípicodessefenômeno.
Nessecomplexocontexto,odireitoédiretamenteatingido,namedidaemqueé
chamadoa(re)instituiroelosocialegarantirasegurançajurídica.Multiplicam-
se os direitos subjetivos e implementam-se uma série de novos instrumentos
jurídicos.O sistema penal é utilizado como sedante pormeio do simbólico da
panpenalização,doutilitarismoprocessualedoendurecimentogeraldosistema.
Éailusãoderesgatarumpoucodasegurançaperdidapormeiododireitopenal,
oerrodepretenderobrigarofuturosobreaformadeameaça.
Nãoseedificaumaordemsocialapenascombasenarepressão.
AcompanhandoasíntesedeOst,oendurecimentodanormapenaléreflexoda
urgência,quedescuidadopassadoefracassanapretensãodeobrigarofuturo.Os
programas urgentes, contudo, permitem resultados rápidos, visíveis e
midiaticamente rentáveis,mas comcertezanão se institui nadadurável emuma
sociedadeapartir,unicamente,daameaçaderepressão.
Mas as condições para que se atue com a necessária reflexão e maturação
desaparecem, uma vez que os discursos da segurança e do urgente (imediato)
invadiramoimagináriosocial.
Quando o direito se põe a correr no ritmo da urgência, opera-se uma
importantemudançadeparadigma,emque“o transitório tornou-seohabitual,a
urgênciatornou-sepermanente”63.Otransitórioeraantesvistocomoumeloentre
dois períodos de estabilidade normativa, um articulador entre duas sequências
históricas. Hoje isso tudo mudou, a duração desapareceu, tornando inúteis os
rearranjos do direito transitório. Todo o direito se pôs em movimento e o
transitórioéoestadonormal,comodireitoemconstantetrânsito,impondo-sea
urgência como tempo normal. Ao generalizar a exceção, o sistema entra em
colapso. Antes, a urgência era admitida no direito com extrema reserva e era
sempre situacional, revogando-se tão logo cessasse o estado de urgência.Hoje
elaestáemtodolugaresurgeindependentementedequalquercrise.
Issotambémsemanifestanoprocessolegislativo.
Aurgênciaimplicanãosóaceleração,mastambéminversão,poispermite“ao
imperium (aforça)precedera jurisdictio (oenunciadodaregra), imunizandoo
facto consumado relativamente a um requestionamento jurídico ulterior”64. É o
que ocorre, v.g., com o chamado “contraditório diferido”, em que primeiro se
decide (poder), para depois submeter ao contraditório (ilusório) de onde
deve(ria)brotarosaber.
Outroexemploseriaabanalizaçãodasmedidasinliminelitis,especialmente
comaantecipaçãodetuteladoCPC,etambémdasprisõescautelaresnoprocesso
penal,emqueaprisãopreventiva–típicamedidadeurgência–foigeneralizada,
comoumefeitosedantedaopiniãopública.
A prisão cautelar transformou-se em pena antecipada, com uma função de
imediataretribuição/prevenção.A“urgência”tambémautoriza(?)aadministração
a tomar medidas excepcionais, restringindo direitos fundamentais, diante da
ameaçaà“ordempública”,vistacomoumperigosempreurgente.
Leva,igualmente,asimplificarosprocedimentos,abreviarprazosecontornar
asformas,gerandoumgravíssimoproblema,pois,noprocessopenal,aformaé
garantia, enquanto limite ao poder punitivo estatal. São inúmeros os
inconvenientesdatiraniadaurgência.
Asmedidasdeurgênciadeveriamlimitar-seaumcaráter“conservatório”ou
“depreservação”atéqueregressasseànormalidade,quandoentãoseriatomadaa
decisão de fundo. Contudo, isso hoje foi abandonado e as medidas
verdadeiramente “cautelares” e “provisionais” (ou situacionais e temporárias)
estãosendosubstituídasporantecipatóriasdatutela(dando-seoquedeveriaser
concedido amanhã, sob o manto da artificial reversão dos efeitos, como se o
direitopudesseavançareretroagircomotempo)comanaturaldefinitividadedos
efeitos.
Na esfera penal, considerando-se que estamos lidando com a liberdade e a
dignidadedealguém,osefeitosdessasalquimiasjurídicasemtornodotemposão
devastadores. A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo,
pois, agora, primeiro prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e
dolorosoefeitodoprocesso(quesomentepoderiadecorrerdeumasentença,após
decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser
revertido, não só porque o tempo não volta,mas também porque não voltam a
dignidadeeaintimidadeviolentadasnocárcere.
Inequivocamente,aurgênciaéumgraveatentadocontraaliberdadeindividual,
levando a uma erosão da ordem constitucional e ao rompimento de uma regra
básica: o processo nasceu para retardar, para demorar (dentro do razoável, é
claro),paraquetodospossamexpressarseuspontosdevistaedemonstrarsuas
versões e, principalmente, para que o calor do acontecimento e das paixões
arrefeça, permitindo uma racional cognição. Em última análise, para que
possamos racionalizar o acontecimento e aproximar o julgamento a um critério
mínimodejustiça.
Oataquedaurgênciaéduplo,pois,aomesmotempoemqueimpedeaplena
juridicidade(ejurisdicionalidade),elaimpedearealizaçãodequalquerreforma
séria, de modo que, “não contente em destruir a ordem jurídica, a urgência
impedeasuareconstrução”65.
Surgeumnovo 66risco:oriscoendógenoaosistemajurídicoemdecorrência
da aceleração e da (banalização) da urgência. Essa é uma nova insegurança
jurídica que deve ser combatida, pois perfeitamente contornável.Não há como
abolircompletamentealegislaçãodeurgência,mastampoucosepodeadmitira
generalizaçãodesmedidadatécnica.
Entendemos que a esse novo risco deve-se opor uma (renovada) segurança
jurídica, enquanto instrumentodeproteçãodo indivíduo.Trata-se de recorrer a
uma clara definição das regras do jogo para evitar uso desmedido do poder,
enquanto redutor do arbítrio, impondo ao Estado o dever de obediência. No
processo penal, é o que convencionamos chamar de instrumentalidade
constitucional, ou seja, o processo enquanto instrumento a serviço damáxima
eficáciadosdireitosedasgarantiasdodébilaelesubmetido.Afinal,oEstadoé
umareservaéticaedelegalidade,jamaispodendodescumprirasregrasdojogo
democráticodeespaçosdepoder.
Interessante é o exemplo trazido por Ost67, de que o Tribunal de Justiça
Europeu decidiu pela “obrigação de não impor aos indivíduos uma mudança
normativa demasiado brutal: por essa razão, a regra nova deve ao menos
comportarmedidastransitóriasembenefíciodedestinatáriosquepossamalegar
umaexpectativalegítima”.Seriaumaespéciede“direitoamedidastransitórias”.
Importantelimiteamudançasradicaisdeatitudeéanecessidadedejustificação
objetivaerazoável(motivação).
Pormeiodeproteçõesecontrapesos,ajurisprudênciadevetentarassegurarao
direitoumpapelgarantidoreemancipador.Assim,deveserrepensadooconceito
desegurançajurídica,enquantofreioàditadura(estatal)daurgência.
A noção de “segurança” no processo (e no direito) deve ser repensada,
partindo-sedapremissadequeelaestánaformadoinstrumentojurídicoeque,
no processo penal, adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e
emancipador do débil submetido ao processo. O processo, enquanto ritual de
reconstruçãodofatohistórico,éúnicamaneiradeobterumaversãoaproximada
do que ocorreu. Nunca será o fato, mas apenas uma aproximação ritualizada
deste.
É fundamental definir as regras desse jogo, mas sem esquecer que mais
importante do que a definição está em (des)velar o conteúdo axiológico das
regras.Aserviçodoqueoudequemelasestão?Voltamossempreàpergunta:Um
processopenalparaquê(quem)?
Nessalinha,evidencia-seocenárioderiscoeaceleraçãoqueconduzatirania
da urgência no processo penal. Essa nova carga ideológica do processo exige
especialatençãodiantedabanalizaçãodaexcepcionalidade.Ocontrasteentrea
dinâmicasocialeaprocessualexigeumagradativamudançaapartirdeumaséria
reflexão,obviamente incompatívelcomoepidérmicoesimbólico tratamentode
urgência.
O processo nasceu para retardar a decisão, namedida em que exige tempo
paraqueojogoouaguerrasedesenvolvamsegundoasregrasestabelecidaspelo
próprio espaço democrático68. Logo, jamais alcançará a hiperaceleração, o
imediatismocaracterísticodavirtualidade.
Ademais, o juiz interpõe-se no processo numa dimensão espacial, mas
principalmente temporal, situando-se entre o passado-crime e o futuro-pena,
incumbindo-se a ele (e ao processo) a importante missão de romper com o
binômio ação-reação69. O processo nasceu para dilatar o tempo da reação,
nasceupararetardar.
Contudo, alguma melhora na dinâmica não só é possível, como também
necessária. Obviamente que não pela mera aceleração procedimental (e
consequentesupressãodegarantiasfundamentais),massimpormeiodainserção
de um pouco da ampla tecnologia à disposição, especialmente na fase pré-
processual. Também devemos considerar o referencial “luz”, a visibilidade.
Nesse (des)velar, a luz é fundamental, ainda que indireta, como ensina Paul
Virillo.Talquestãonosleva–também–arepensarapublicidadeeavisibilidade
dos atos. A transparência do processo, mas sem cair no bizarro espetáculo
televisivo.Esseéumpontodedificílimoequilíbrio.
Noque tange à duração razoável doprocesso, entendemosque a aceleração
deve produzir-se não a partir da visão utilitarista, da ilusão de uma justiça
imediata, destinada à imediata satisfação dos desejos de vingança.O processo
devedurarumprazorazoávelparaanecessáriamaturaçãoecognição,massem
excessos, pois o grande prejudicado é o réu, aquele submetido ao ritual
degradante e à angústia prolongadada situaçãodependência.Oprocessodeve
ser mais célere para evitar o sofrimento desnecessário de quem a ele está
submetido. É uma inversão na ótica da aceleração: acelerar para abreviar o
sofrimentodoréu.
Também chegou o momento de aprofundar o estudo de um novo direito: o
direito de ser julgado num processo sem dilações indevidas. Trata-se de
decorrêncianaturaldeumasériedeoutrosdireitosfundamentais,comoorespeito
àdignidadedapessoahumanaeàprópriagarantiadajurisdição.Namedidaem
queajurisdiçãoéumpoder,mastambémumdireito,pode-sefalaremverdadeira
mora jurisdicionalquandooEstadoabusardo temponecessárioparaprestara
tutela.
Entendemos adequado falar-se em uma nova pena processual, decorrente
desseatraso,naqualotempodesempenhaumafunçãopunitivanoprocesso.Éa
demora excessiva que pune pelo sofrimento decorrente da angústia prolongada,
do desgaste psicológico (o processo como gerador de depressão exógena), do
empobrecimentodo réu,enfim,por todaestigmatizaçãosociale jurídicagerada
pelosimplesfatodeestarsendoprocessado.
Oprocessoéumacerimôniadegradantee,como tal,ocaráterestigmatizante
estádiretamenterelacionadocomaduraçãodesseritualpunitivo.
Assumidoocaráterpunitivodotempo,nãorestaoutracoisaaojuizque(além
da elementar detração em caso de prisão cautelar) compensar a demora
reduzindoapenaaplicada,pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo.
Para tanto, formalmente,poderá lançarmãodaatenuantegenéricadoart.66do
CódigoPenal.
O próprio tempo do cárcere deve ser pensado a partir da distinção
objetivo/subjetivo, partindo-se do clássico exemplo de Einstein70, a fim de
explicararelatividade:“quandoumhomemsesentaaoladodeumamoçabonita,
durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas umminuto. Deixe-o
sentar-sesobreumfogãoquenteduranteumminutosomente–eesseminutolhe
parecerá mais comprido que uma hora. – Isso é relatividade”. O tempo na
prisão 71deveserrepensado,poisestámumificadopelainstituiçãoegeragrave
defasagemenquantotempodeinvolução.
Em suma, uma infinidade de novas questões que envolvem o binômio
tempo/direitoestápostaeexigeprofundareflexão.
1.5.Princípiodanecessidadedoprocessopenalemrelaçãoàpena
AtitularidadeexclusivaporpartedoEstadodopoderdepunir (oupenar,se
considerarmos a pena como essência do poder punitivo) surge nomomento em
queésuprimidaavingançaprivadaesãoimplantadososcritériosdejustiça.O
Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e o dever) de
protegeracomunidadeetambémopróprioréu,comomeiodecumprirsuafunção
de procurar o bem comum, que se veria afetado pela transgressão da ordem
jurídico-penal,porcausadeumacondutadelitiva72.
À medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que encerra a
autodefesa, assume o monopólio da justiça, ocorrendo não só a revisão da
naturezacontratualdoprocesso,senãoaproibiçãoexpressaparaosparticulares
de tomar a justiça por suas próprias mãos. Frente à violação de um bem
juridicamente protegido, não cabe outra atividade73 que não a invocação da
devida tutela jurisdicional. Impõe-se a necessária utilização da estrutura
preestabelecidapeloEstado–oprocessopenal–emque,medianteaatuaçãode
um terceiro imparcial, cujadesignaçãonão corresponde àvontadedaspartes e
resultadaimposiçãodaestruturainstitucional,seráapuradaaexistênciadodelito
esancionadooautor.Oprocesso,comoinstituiçãoestatal,éaúnicaestruturaque
se reconhece como legítima para a imposição da pena. Não há uma atividade
propriamente substitutiva, pois a pena pública nunca pertenceu aos particulares
paraquehouvessea“substituição”.Por isso,éumaavocaçãoparaoEstadodo
poderdepunir,afastandoasformasdevingançaprivada.
Isso porque o direito penal é despido de coerção direta e, ao contrário do
direito privado, não tem atuação nem realidade concreta fora do processo
correspondente.
Nodireitoprivado,asnormaspossuemumaeficáciadireta,imediata,poisos
particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos, de
modoqueaincidênciadasnormasdedireitomaterial–sejamcivis,comerciais
etc.–édireta.Aspartesmateriais,emsuavidadiária,aplicamodireitoprivado
semqualquerintervençãodosórgãosjurisdicionais,que,emregra,sãochamados
apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do
acordado. Em resumo, não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do
direito privado e “ni siquiera puede decirse que estatísticamente sean sus
aplicadoresmásimportantes”74.
Noentanto,totalmentedistintoéotratamentododireitopenal,pois,aindaque
ostipospenaistenhamumafunçãodeprevençãogeraletambémdeproteção(não
sódebensjurídicos,mastambémdoparticularemrelaçãoaosatosabusivosdo
Estado), sua verdadeira essência está na pena e essa não pode prescindir do
processo penal. Existe um monopólio da aplicação por parte dos órgãos
jurisdicionaiseissorepresentaumenormeavançodahumanidade.
Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um
injustoculpável,mastambémqueexistapreviamenteodevidoprocessopenal.A
penanãosóéefeitojurídicododelito75,senãoqueéumefeitodoprocesso;mas
oprocessonãoéefeitododelito,senãodanecessidadedeimporapenaaodelito
pormeiodoprocesso.
A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do
processo penal, posto que, se o processo termina antes de desenvolver-se
completamente (arquivamento, suspensão condicional etc.) ou se não se
desenvolvedeformaválida(nulidade),nãopodeserimpostaumapena.
Existeuma íntimae imprescindível relaçãoentredelito,penaeprocesso,de
modoquesãocomplementares.Nãoexistedelitosempena,nempenasemdelito
e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma
pena.
Assim,ficaestabelecidoocaráterinstrumentaldoprocessopenalcomrelação
aodireitopenaleàpena,poisoprocessopenaléocaminhonecessárioparaa
pena.
ÉoqueGómezOrbaneja76denominaprincipiode lanecesidaddelproceso
penal,amparadonoart.1ºdaLECrim77,poisnãoexistedelitosempena,nem
penasemdelitoeprocesso,nemprocessopenalsenãoparadeterminarodelito
eatuarapena.Oprincípioapontadopeloautorresultadaefetivaaplicaçãono
campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio,
expressando omonopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a
instrumentalidadedoprocessopenal.
Sãotrês78osmonopóliosestatais:
a)exclusividadedodireitopenal;
b)exclusividadepelostribunais;e
c)exclusividadeprocessual.
Comoexplicamos,atualmente,apenaéestatal(pública),nosentidodequeo
Estadosubstituiuavingançaprivadae,comisso,estabeleceuqueapenaéuma
reação doEstado contra a vontade individual. Estão proibidas a autotutela e a
“justiça pelas própriasmãos”. A pena deve estar prevista em um tipo penal e
cumpre aoEstado definir os tipos penais e suas consequentes penas, ficando o
tema completamente fora da disposição dos particulares (vedada, assim, a
“justiçanegociada”) 79.
Rogério Lauria Tucci 80 aponta para a imposição de uma autolimitação do
interesse punitivo do Estado-administração, que somente poderá realizar o
direitopenalmedianteaaçãojudiciáriadosjuízesetribunais.
Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal deve ser
analisadaemconjuntocomaexclusividadeprocessual,pois,aomesmotempoem
queoEstadoprevêquesóostribunaispodemdeclararodelitoeimporapena,
tambémprevêaimprescindibilidadedequeessapenavenhapormeiododevido
processo penal. Ou seja, cumpre aos juízes e tribunais declararem o delito e
determinarapenaproporcionalaplicável,eessaoperaçãodevenecessariamente
percorrer o leito do processo penal válido com todas as garantias
constitucionalmenteestabelecidasparaoacusado.
AosdemaisPoderesdoEstado–LegislativoeExecutivo–estávedadaessa
atividade.Nãoobstante, comodestacaMonteroAroca81, absurdamente“[...] se
constata día a día que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos
imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud, muchas veces, que ni siquiera
pueden ser impuestas por los tribunales como penas”. Da mesma forma, na
execução penal, constata-se uma excessiva e perigosa administrativização, em
que faltas graves – apuradas em procedimentos administrativos inquisitivos –
geramgravíssimasconsequências82.
Por fim,destacamosqueoprocessopenalconstituiuma instância formal de
controle do crime83, e, para a Criminologia, é uma reação formal ao delito e
também pode ser considerado um instrumento de seleção, principalmente nos
sistemas jurídicos que adotam princípios como o da oportunidade, plea
bargaining eoutrosmecanismosdeconsenso.Ademais,damesma formaqueo
direitopenaléexcludente(tantoquantoasociedade),oprocessoeseuconteúdo
aflitivosóagravamaexclusão,eisquesetratadeinegávelcerimôniadegradante
quepossuiseus“clientespreferenciais”.
1.6.Instrumentalidadeconstitucionaldoprocessopenal
Estabelecidoomonopóliodajustiçaestataledoprocesso,trataremosagorada
instrumentalidade. Desde logo, não devem existir pudores em afirmar que o
processo é um instrumento (o problema é definir o conteúdo dessa
instrumentalidade,ouaserviçodeque(m)elaestá)equeessaéarazãobásicade
suaexistência.Ademais,odireitopenalcareceriaporcompletodeeficáciasema
pena,eapenasemprocessoéinconcebível,umverdadeiroretrocesso,demodo
quearelaçãoeinteraçãoentredireitoeprocessoépatente.
A strumentalità84 do processo penal reside no fato de que a norma penal
apresenta,quandocomparadacomoutrasnormasjurídicas,acaracterísticadeque
o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou
imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado, que é
chamado a aplicar a pena. Não é possível a aplicação da reprovação sem o
prévioprocesso,nemmesmonocasodeconsentimentodoacusado,poiselenão
pode se submeter voluntariamente à pena, senão por meio de um ato judicial
(nulla poena sine iudicio). Essa particularidade do processo penal demonstra
queseucaráterinstrumentalémaisdestacadoqueodoprocessocivil.
Éfundamentalcompreenderqueainstrumentalidadedoprocessonãosignifica
que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade, qual seja, a
satisfaçãodeumapretensão(acusatória).
Ao lado dela está a função constitucional do processo, como instrumento a
serviçodarealizaçãodoprojetodemocrático,comomuitobemadverteGeraldo
Prado85.Nesseviés,insere-seafinalidadeconstitucional-garantidoradamáxima
eficácia dos direitos e garantias fundamentais, em especial da liberdade
individual. Ademais, a Constituição constitui, logo, necessariamente, orienta a
instrumentalidadedoprocessopenal.
Otermo“instrumentalidade”,quesempreremeteuaalgumasliçõesparciaisde
Dinamarco86, deve ser revisitado.Claro que nunca pactuamos com qualquer
visão“eficientista”oudequeoprocessopudesseserusadocomoinstrumento
políticodesegurançapúblicaoudefesasocial.
Resultaimprescindívelvisualizaroprocessodesdeseuexterior,paraconstatar
queosistemanãotemvaloremsimesmo,senãopelosobjetivosqueéchamadoa
cumprir(projetodemocrático-constitucional).Semembargo,devemostercuidado
na definição do alcance de suas metas, pois o processo penal não pode ser
transformado em instrumento de “segurança pública”. Nesse contexto, por
exemplo, insere-se a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais,
especialmenteaprisãopreventivapara“garantiadaordempública”.Trata-sede
buscar um fim alheio ao processo e, portanto, estranho à natureza cautelar da
medida. Trataremos novamente desse tema quando analisarmos a presunção de
inocênciaeasprisõescautelares.
Nessesentido,importanteéaanálisedeMoraisdaRosa87quandosublinhao
perigo de – a transmitir-semecanicamente para o processo penal as lições de
Dinamarco – pautar a instrumentalidade pela conjuntura social e política,
demandando um “aspecto ético do processo, sua conotação deontológica”
(expressãodeDinamarco).
Explica Morais da Rosa que “esse chamado exige que o juiz tenha os
predicados de um homem do seu tempo, imbuído em reduzir as desigualdades
sociais”88, baseando-se nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado
Social,mas
vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático,
dando-lhe poderes sobre-humanos, na linha de realização dos escopos
processuais, comforte influênciadasuperada filosofia da consciência,
deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de Juízes
JusticeirosdaSociedade.
Econcluioautorafirmandoquea
pretensãodeDinamarcodequeojuizdeveaspiraraosanseiossociaisou
mesmo ao espírito das leis, tendo em vista uma vinculação axiológica,
moralizante do jurídico, com o objetivo de realizar o sentimento de
justiçadoseutempo,nãomaispodeseracolhidademocraticamente89.
Nenhumadúvidatemosdoenormeacertoevalordessaslições,edequeesse
perigo denunciado porMorais da Rosa é concreto e encontra em movimentos
repressivos, como lei e ordem, tolerância zero e direito penal do inimigo, um
terrenofértilparasuasnefastasconstruções.
Ainda mais danosas são as viragens linguísticas, os giros discursivos,
pregadosporlobos,queempeledecordeiro(ealgunsaindadizemfalaremnome
daConstituição...)seduzememantêmemcrençaumamultidãodeingênuos,cuja
frágil base teórica faz com que sejam presas fáceis, iludidos pelo discurso
pseudoerudito desses ilusionistas. Cuidado leitor, mais perigosos do que os
inimigosassumidos(e,poressaassunção,atémereceriamalgumrespeito)sãoos
que, falando em nome da Constituição, operam num mundo de ilusão, de
aparência, para seduzir os incautos. Como diz Jacinto Coutinho90, “parecem
pavões,combelasplumasmulticoloridas,mascomospéscheiosdecraca”.
Em suma, nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima
eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, pautando-se
pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual
judiciário.
Voltando ao binômio direito penal-processual, a independência conceitual e
metodológica do direito processual em relação ao direito material foi uma
conquista fundamental. Direito e processo constituem dois planos
verdadeiramente distintos no sistema jurídico, mas estão relacionados pela
unidade de objetivos sociais e políticos, o que conduz a uma relatividade do
binômiodireito-processo(substance-procedure).
Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento
científico, o processo penal está a serviço do direito penal, ou, para sermais
exato, da aplicação dessa parcela do direito objetivo91. Por esse motivo, não
podedescuidardofielcumprimentodosobjetivostraçadosporaquele,entreos
quaisestáodeproteçãodoindivíduo.
A autonomia extrema do processo com relação ao direito material foi
importantenoseumomento,e,semela,osprocessualistasnãohaveriampodido
chegartãolongenaconstruçãodosistemaprocessual.Masissojácumpriucoma
sua função. A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a
instrumentalidadeestáservindopararelativizarobinômiodireito-processo,para
aliberaçãodevelhosconceitosesuperaroslimitesqueimpedemoprocessode
alcançaroutrosobjetivos,alémdolimitadocampoprocessual.
A ciência do processo já chegou a um ponto de evolução que lhe permite
deixar para trás todos osmedos e preocupações de ser absorvida pelo direito
material,assumindosuafunçãoinstrumentalsemqualquermenosprezo.Odireito
penal não pode prescindir do processo, pois a pena sem processo perde sua
aplicabilidade.
Com isso, concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o
fundamento de sua existência, mas com uma especial característica: é um
instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais. É uma especial
conotaçãodocaráterinstrumentalequesósemanifestanoprocessopenal,pois
se trata de instrumentalidade relacionada ao direito penal e à pena, mas,
principalmente, um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias
constitucionais. Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto
constitucional.
Trata-se de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido (réu, por
evidente), cuja debilidade é estrutural (e estruturante do seu lugar). Essa
debilidade sempre existirá e não tem absolutamente nenhuma relação com as
condiçõeseconômicasousociopolíticasdoimputado,senãoquedecorredolugar
em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual
judiciário (pois é ele o sujeitopassivo, ou seja, aquele sobre quem recaemos
diferentes constrangimentos e limitações impostos pelopoder estatal).Essa é a
instrumentalidadeconstitucionalqueanossojuízofundasuaexistência.
1.7.Anecessáriarecusaàteoriageraldoprocesso.Respeitandoascategoriasprópriasdoprocessopenal.QuandoCinderelaterásuasprópriasroupas?
Era uma vez três irmãs, que tinham em comum, pelo menos, um dos
progenitores: chamavam-se a Ciência doDireito Penal, a Ciência do Processo
PenaleaCiênciadoProcessoCivil.Eocorreuqueasegunda,emcomparação
comasdemais,queerambelaseprósperas,teveumainfânciaeumaadolescência
desleixada,abandonada.Durantemuito tempo,dividiucomaprimeiraomesmo
quarto.Aterceira,belaesedutora,ganhouomundoedespertoutodasasatenções.
Assim começa Carnelutti, que com sua genialidade escreveu em 1946 um
breve, mas brilhante, artigo (infelizmente pouco lido no Brasil), intitulado
“Cenerentola” 92(aCinderela,daconhecidafábulainfantil).
O processo penal segue sendo a irmã preterida, que sempre teve de se
contentarcomassobrasdasoutrasduas.Durantemuitotempo,foivistocomoum
meroapêndicedodireitopenal.Evoluiumpoucorumoàautonomia,éverdade,
mas continua sendo preterido. Basta ver que não se tem notícia, na história
acadêmica, de que o processo penal tivesse sido ministrado ao longo de dois
anos,comocostumeiramenteoéodireitopenal.Secompararmoscomoprocesso
civilentão,adistânciaéaindamaior.
Mas,emrelaçãoaodireitopenal,aautonomiaobtidaésuficiente,atéporque,
comodefineCarnelutti, delitoepena sãocomocarae coroadamesmamoeda.
Comoosãodireitopenaleprocessualpenal.Recorde-seoquefalamossobreo
princípiodanecessidade.
O problemamaior está na relação com o processo civil.O processo penal,
como a Cinderela, sempre foi preterido, tendo de se contentar em utilizar as
roupas velhas de sua irmã. Mais do que vestimentas usadas, eram vestes
produzidasparasuairmã(nãoparaela).Airmãfavoritaaqui,corporificadapelo
processocivil,temumasuperioridadecientíficaedogmáticainegável.
TinharazãoBettiol,comoreconheceCarnelutti 93,dequeassistimosinertesa
umpancivilismo.E issonascenaacademia, comas famigeradasdisciplinasde
“Teoria Geral do Processo”, tradicionalmente ministradas por processualistas
civisquepoucosabemepoucofalamdoprocessopenale,quandoofazem,écom
umolharediscursocompletamenteviciado.
Nessalinha,noBrasil,entreospioneiroscríticosestáTucci,queprincipiao
desvelamentodofracassodaTeoriaGeraldoProcessoapartirdadesconstrução
do conceito de lide (e sua consequente irrelevância) para o processo penal,
passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de
jurisdiçãopenal(paraalémdascategoriasdejurisdiçãovoluntáriaelitigiosa)e
oprópriorepensaraação(açãojudiciáriaeaçãodaparte).
Apontaoautor,aindacriticandoaTeoriaGeraldoProcesso,que
esse, aliás, foi umdos (poucos, raros) aspectos negativosdagrandiosa
obradeJoséFredericoMarques,aotransplantar(sem,ou,àsvezes,com
modestos,avaros,retoques)institutosdeprocessocivilparaoprocesso
penal,numanítidaadaptaçãodosElementosdedireitoprocessualpenal
às Instituições de direito processual civil [...] incorporando-se numa
prolixaeconfusaconcepção,quepoderiaserdenominadateoriacivildo
processopenal[...] 94.
ComoadverteCoutinho95,outroantigocríticodaTeoriaUnitária,“teoriageral
do processo é engodo; teoria geral é a do processo civil e, a partir dela, as
demais”.Ou seja, pensam tudo desde o lugar do processo civil, comumolhar
viciado, que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do
processocivil.
Todoumerrodepensar,quepodemsertransmitidaseaplicadasnoprocesso
penal as categorias do processo civil, como se fossem as roupas da irmãmais
velha,cujasmangassedobram,paracabernairmãpreterida.Éavelhafaltade
respeito, a que se referia Goldschmidt, às categorias jurídicas próprias do
processopenal.
Contudo, há chegado omomento (e se vãomais de 60 anos do trabalho de
Carnelutti)dedesvelaradiversidadefenomenológica(emetodológica)dasduas
irmãsprocessuais96ecompreenderqueoprocessopenalpossuisuascategorias
jurídicaspróprias,suadiversidadeinerente,equenãomaissecontentaemusar
asvestesdairmã.
Como explica Carnelutti, o processo civil é, nove de cada dez vezes, um
processo de sujeitos que “têm”, e, quando um dos dois não tem, aspira muito
“ter”.Éoprocessodo“meu”edo“teu”,oqueestáemjogoéapropriedade,é
umarelaçãocoisificada,diriaSimmel 97(muitoantesemuitoalémdosjuristas).
O processo civil é o cenário da riqueza (de quempossui), ao passo que no
processopenal,cadavezmais,éoprocessodequemnãotem,doexcluído.Isso
contribuiparaoestigmadagataborralheira,masnãojustifica.
Noprocessopenal,em(radical)câmbio,doqueestamostratando?Nãoédo
ter,mas sim da liberdade.No lugar da coisa, pensa-se na liberdade, de quem,
tendo, está na iminência de perder, ou que já não tendo pode recuperá-la ou
perdê-la ainda mais. Trata-se de voltar para casa ou ser encarcerado. Como
adverteCarnelutti,écomaliberdadeoqueverdadeiramentesejoganoprocesso
penal.“Aljuezpenalselepide,comoaljuezcivil,algoquenosfaltaydelocual
no podemos prescindir; y es mucho más grave el defecto de libertad que el
defectodepropiedad”98.
Significadizerqueaojuizpenalnãosepede,comoaojuizcivil,algoquenos
falta,otal“bemdavida”comosereferemoscivilistas.Éaprópriavidaqueestá
em jogo.ParaCarnelutti, tanto ao juiz penal comoao juiz civil, competedar a
cadaumo seu.A (imensa)diferençaestáemquenopenal édispordopróprio
“ser”,aopassoquenociviléo“ter”.
Não se pode esquecer, ainda, como adverte certeiramente JuarezCirino dos
Santos99,deque
o processo penal não se constitui processo de partes livres e iguais –
comooprocessocivil,porexemplo,dominadopelaliberdadedepartes,
em situação de igualdade processual –, mas uma relação de poder
instituídapeloEstadocomafinalidadededescobriraverdadedefatos
criminososepunirosautoresconsideradosculpados.
Sãoaausênciadeliberdadeearelaçãodepoderinstituída(emcontrastecom
aliberdadeea igualdade)oselementosfundantesdeumadiferençainsuperável
entreoprocessocivileopenal.
Emrelaçãoaodireitopenal,aautonomiaobtidaésuficiente,atéporque,como
defineCarnelutti,delitoepenasãocomocaraecoroadamesmamoeda.Comoo
sãodireitopenal e processual penal, unidospelo “princípiodanecessidade”–
nullapoenasineiudicio–tãobemdefinidoporGomezOrbaneja.Odireitocivil
se realiza todo dia sem processo civil (negócios jurídicos etc.), pois é
autoexecutável,temrealidadeconcreta.Odireitocivilsóchamaoprocessocivil
quando houver uma lide, carneluttianamente pensada como um conflito de
interesses qualificado por uma pretensão resistida. Já no campo penal tudo é
diferente.Odireitopenalnãoéautoexecutávelenãotemrealidadeconcretafora
doprocesso.Écastrado.Sealguémforvítimadeumcrime,apenanãocaidireta
eimediatamentenacabeçadoagressor.Odireitopenalnãotemeficáciaimediata
eprecisa,necessariamente,doprocessopenalparaseefetivar,poisoprocessoé
umcaminhonecessárioeinafastávelparachegarnapena.
Porisso,oprincípiodanecessidadedemarcaumadiferençainsuperávelentre
penalecivil,jácobrandosuadiferençanascondiçõesdaação,comoveremos.
Vejamos alguns rápidos exemplos (teria muito mais...) da (dis)torção
conceitual e absurdos processuais realizados em nome da Teoria Geral do
Processo:
a)Noprocessopenal,formaégarantiaelimitedepoder,poisaquiseexerce
o poder de punir em detrimento da liberdade. É um poder limitado e
condicionado,queprecisaselegitimarpelorespeitoàsregrasdojogo.Logo,
não sedeve importar a tal “instrumentalidadedas formas”e“informalismo
processual”,poisaquiofenômenoécompletamentediferente.
b) Precisamos abandonar as teorias da ação, pois tudo o que se escreveu
desdeapolêmicaWindscheid–Muther,passandopelasteoriasdaaçãocomo
direitoabstrato(Plosz),comodireitoconcreto(Wach)oudireitopotestativo
(Chiovenda) não pode ser aplicado ao processo penal sem muito ajuste,
muita costura, quaseuma roupanova.Comoafirmarque ação é umdireito
público,abstratoeautônomo?Seforassim,umapessoapodeprocessaroutra
diretamente, semnadadeprovas,de forma totalmenteautônomaeabstrata?
Noprocessocivil,sim.Noprocessopenal,nempensar,poiséprecisodesde
logodemonstrarummínimodeconcretude,deindíciosrazoáveisdeautoriae
materialidade.Eojuízodemérito,aindaquesuperficialmente,éfeitodesde
logo.Portanto,osconceitosdeautonomiaeabstraçãotêmdeserrepensados,
senãocompletamente redesenhados.Maisdoque isso,precisamoselaborar
uma“teoriadaacusação”,adequadaàrealidadedoprocessopenal.
c) Dizer que as condições da ação no processo penal são interesse e
possibilidadejurídicadopedidoéumerro,repetidosemmaiorreflexãopor
grande parte da doutrina. Como falar em “interesse” se aqui a regra é a
necessidade?Discutir“interessedeagir”eoutroscivilismosédesconhecero
que é processo penal. Pior é tentar salvar o “interesse” por meio do
entulhamentoconceitual,atribuindoumconteúdoaessacategoriaqueelanão
comporta. Esse é o erro mais comum: para tentar salvar uma inadequada
categoria do processo civil, vão metendo definições que extrapolam os
limites semânticos e de sentidos possíveis. Para salvar uma categoria
inadequada não fazem outra coisa que matá-la, mas mantendo o mesmo
“nome”, para fazer jus a “teoria geral”. E a tal “possibilidade jurídica do
pedido”?Oqueéisso?Outracategoriainadequada,atéporque,noprocesso
penal, o pedido é sempre o mesmo... Mas e o que fazer para salvar um
conceito erroneamente transplantado? Entulho-o de coisas que não lhe
pertencem.Falam em suporte probatóriomínimo, em indícios razoáveis de
autoriaematerialidadeetc.,ouseja,deoutrascoisasquenadatêmavercom
possibilidade jurídica do pedido. Enfim, temos de levar as condições da
ação a sério, para evitar essa enxurrada de acusações infundadas que
presenciamos, servindo apenas para estigmatizar e punir ilegitimamente.
Juízesqueoperamnalógicacivilistanãofazemaimprescindível“filtragem”
para evitar acusações infundadas. A Teoria Geral do Processo (TGP)
estimula o acusar infundado (afinal, é direito “autônomo e abstrato”) e o
recebimento burocrático, deixando a análise do “mérito” para o final,
quando, no processo penal, ab initio precisamos demonstrar o fumus
commissi delicti (abstrato, mas conexo instrumentalmente ao caso penal,
diriaJacintoCoutinho).
d)Lidepenal?Outroconceitoimprestávelequenãofazqualquersentidoaqui.
Inclusive, é um erro falar em “pretensão punitiva”, na medida em que o
Ministério Público não atua no processo penal como “credor” (cível) que
pedeaadjudicaçãodeumdireitopróprio.AoMPnãocompeteopoderde
punir,mas de promover a punição. Por isso, no processo penal não existe
lide,atéporquenãoexiste“exigênciapunitiva”quepossasersatisfeitafora
do processo (de novo o princípio da necessidade). O MP exerce uma
“pretensãoacusatória”eojuizopodecondicionadodepunir.Sobreoobjeto
doprocesso,trataremosadiante.
e)Eoconceitode jurisdição?Temoutradimensãonoprocessopenal, para
alémdopoder-dever,éumagarantiafundamental,é limitedepoder,éfator
de legitimação, sendo que o papel do juiz no processo penal é distinto
daqueleexercidonoprocessocivil.Porisso,agarantiadojuiznaturalémais
sensível aqui, até porque o juiz é o guardião da eficácia do sistema de
garantiasdaconstituiçãoeque láestápara limitarpoderegarantirodébil
submetidoaoprocesso.Dessarte,graveproblemaexistenamatrizdaTGPe
suas noções de competência relativa e absoluta, desconsiderando que no
processopenalnãoháespaçoparaa(in)competênciarelativa.Éporissoque
estão manipulando a competência no processo penal, esquecendo que o
direito de ser julgado pelo “meu juiz”, competente em razão de matéria,
pessoa e (principalmente) lugar, é fundamental. A dimensão do julgamento
penal é completamente diferente do julgamento civil, pois não podemos
esquecerqueo“casopenal”éumalesãoaumbemjurídicotuteladoemum
determinadolugar.Oualguémvaidizerqueofatodeumjúrisernacidade
“A”ounacidade“B”éirrelevante?Óbvioquenão.MasoquesabeaTGP
decrimeejúri?
f)Juiznaturaleimparcial.Aestruturaacusatóriaouinquisitóriadoprocesso
penal(comoveremosadiante)éumdostemasmaisrelevantesediretamente
ligado ao princípio supremodo processo: a imparcialidade do julgador.A
posição do juiz é fundante no processo penal, desde sua perspectiva
sistêmica (e, como tal, complexa) para garantia da imparcialidade. Como
ensinam os mais de 30 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de
DireitosHumanos,juizquevaiatrásdaprovaestácontaminadoenãopode
julgar. Trata-se de uma preocupação específica do processo penal e
desconhecidapeloprocessocivilepelaTGP.
g)Juiz natural e imparcial II.Aprovada alegação incumbe a quemalega?
Claro que não! No Processo Penal não existe “distribuição de carga
probatória”, senão “atribuição” integral ao acusador, pois operamos desde
algoqueoscivilistasnãoconhecemetampoucocompreendem:presunçãode
inocência.
h) Juiz natural e imparcial III. Julgar em dúvida razoável é um dilema,
especialmente quando os adeptos da TGP resolvem “distribuir” cargas
probatóriase,emdúvida,resolvem“iratrásdaprova”.Pronto,estácriadoo
problema.OativismojudicialmataoProcessoPenal.Juizator,quevaiatrás
da prova, desequilibra a balança, mata o contraditório e fulmina a
imparcialidade. Sim, aqui a situação é bem complexa...Então o que fazer?
Compreenderquenoprocessopenalmuitagentequeimounafogueira(aTGP
nãoconheceEymericheoDirectorumInquisitorum)parachegarmosno in
dubioproreo.Semcompreenderessecomplexo“caldocultural”eosvalores
em jogo, especialmenteo indubiopro reo, como regra de julgamento, e a
presunção de inocência, como regra de tratamento, é impossível analisar a
questão.
i) Fumus boni iuris e periculum in mora? É impactante ver um juiz
(de)formado pela TGP decretar uma prisão preventiva porque presentes o
fumusboniiuriseopericuluminmora.Ora,quandoalguémécautelarmente
presoéporquepraticouumfatoaparentementecriminoso.Desdequandoisso
é “fumaça de bomdireito”?Crime é bomdireito?Reparemno absurdo da
transmissão de categorias! E qual é o fundamento da prisão? Perigo da
demora?Oréuvai“perecer”?Claroquenão...Masnãofaltaráalguémpara–
incorrendoemgravereducionismo–dizerqueéapenas“palavra”.Maisum
erro.Paranós,nodireitopenaleprocessualpenal,palavraélimite,palavra
élegalidade,aspalavras“dizemcoisas”etrabalhamosdelupaemcimado
quedizapalavraedoqueointérpretedizqueapalavradiz.Logo,nuncase
digaqueé“apenas”palavra,poisapalavraétudo.
j) Poder geral de cautela? De vez em quando, algum juiz “cria” medidas
restritivasdedireitosfundamentaisinvocandooCPC(!!)eo“podergeralde
cautela” (ilustre desconhecido para o CPP). Mais um absurdo de quem
desconhece que o sistema penal se funda no princípio da legalidade, na
reserva de lei certa, taxativa e estrita. Não se admite criar “punição” por
analogia!Sim,maséissoquefazemosqueoperamnalógicadaTGP.
k) Vou decretar a revelia do réu! Não raras vezes ouvimos isso em uma
audiência.Gostaríamosdeperguntar:vaiinverteracargadaprovatambém,
Excelência? Elementar que não. A categoria “revelia” é absolutamente
inadequadaeinexistentenoprocessopenal,sendofiguratípicadoprocesso
civil, carregada de sentido negativo, impondo ainda a “presunção de
veracidade” sobre os fatos não contestados e outras consequências
inadequadas ao processo penal. A inatividade processual (incluindo a
omissão e a ausência) não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica.
Não conduz a nenhuma presunção, exceto a de inocência, que continua
inabalável. O não agir probatório do réu não conduz a nenhum tipo de
puniçãoprocessualoupresunçãodeculpa.Nãoexisteumdeverdeagirpara
oimputadoparaqueselhepossapunirpelaomissão100.
l) Esse recurso especial/extraordinário não tem efeito suspensivo! Até
recentemente,porculpadaTGP,aspessoaseram“automaticamente”presas
aoingressarcomessesrecursos,porqueaLein.8.038(civilista...)dizque
tais recursosnão têmefeito suspensivo.Masdesdequandoprenderalguém
oudeixarem liberdadeestá situadonadimensãodeefeito recursal?Desde
nunca! É um absurdo gerado pela cultura da TGP, que desconhece a
presunçãodeinocência!
m)Nulidaderelativa.EssaéafaturamaisaltaqueaTGPcobradoprocesso
penal:acabaramcomateoriadasnulidadespelaimportaçãodopomposopas
nullitésansgrief.Tãopomposoquantoinadequadoedanoso.Iniciemospor
um princípio básico – desconhecido pela TGP, por elementar: forma é
garantia.O ritual judiciárioestáconstituído,essencialmente,pordiscursos
e,nosistemaacusatório,formaégarantia,poisprocessopenaléexercíciode
poder e todo poder tende a ser autoritário. Violou a forma? Como regra,
violouumagarantiadocidadão.Eotal“prejuízo”?Éumacláusulagenérica,
deconteúdovago, imprecisoe indeterminado,quevaiencontrar referencial
naquiloquequiserojuiz(autoritarismo-decisionismo-espaçosimprópriosde
discricionariedade, conforme Lenio Streck). Como dito, no processo penal
existeexercíciocondicionadoelimitadodepoder,sobpenadeautoritarismo.
Eesselimitevemdadopela“forma”.Portanto,flexibilizaraformaéabrira
porta para que os agentes estatais exerçam o poder sem limite, em franco
detrimento dos espaços de liberdade.É rasgar o princípio da legalidade e
todaateoriadatipicidadedosatosprocessuais.ÉrasgaraConstituição.Por
culpa da TGP, está chancelado o vale-tudo processual. O decisionismo se
legitimanaTGP.Eu-tribunalanulooqueeuquiser,quandoeuquiser.Eviva
ateoriageraldoprocesso!
Portanto,emrápidaspinceladasestádemonstrada(edesenhada)anecessidade
de se recusar aTeoriaGeral do Processo e assimilar o necessário respeito às
categoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal.
Voltandoaoiníciocarneluttiano,Cinderelaéumaboairmãenãoaspirauma
superioridade em relação às outras, senão, unicamente, uma afirmação de
paridade.O processo civil, ao contrário do que sempre se fez, não serve para
compreenderoqueéoprocessopenal:serveparacompreenderoquenãoé.Daí
porque,comtodoorespeito,bastadeTeoriaGeraldoProcesso.
1.8.Inserindooprocessopenalnaepistemologiadaincertezaedorisco:lutandoporumsistemadegarantiasmínimas
Comojáapontamos,vivemosemumasociedadecomplexa,emqueoriscoestá
em todos os lugares, em todas as atividades e atinge a todos de forma
indiscriminada. Concomitantemente, é uma sociedade regida pela velocidade e
dominadapelalógicadotempocurto.Todaessaaceleraçãopotencializaorisco.
Alheio a tudo isso, o direito opera com construções técnicas artificiais,
recorrendo a mitos como “segurança jurídica” 101, “verdade real”,
“reversibilidade demedidas” etc. Em outrosmomentos, parece correr atrás do
tempo perdido, numa desesperada tentativa de acompanhar o “tempo da
sociedade”. Surgem então alquimias do estilo “antecipação de tutela”,
“aceleraçãoprocedimental”etc.
Oconflitoentreadinâmicasocialeajurídicaéinevitável,evidenciandouma
vezmaisafalênciadomonólogocientíficodiantedacomplexidadeimpostapela
sociedadecontemporânea.Nossaabordageméintrodutória,umconviteàreflexão
peloviés interdisciplinar, com todososperigosque encerrauma incursãopara
alémdeumsabercompartimentado.Semesquecerque,emmeioatudoisso,está
alguém sendo punido pelo processo e, se condenado, sofrendo uma pena,
concreta,efetivaedolorosa.
1.8.1.Riscoexógeno
Nãohácomoiniciarumaabordagemsobreriscosemfalarnarisksocietyde
Beck 102.Obviamentequeaanáliseperpassaessavisão,queserveapenascomo
ponto inicial. A doutrina de Beck desempenha uma importante missão na
superaçãodacompreensãodequeosofrimentoeamisériaeramapenasparao
outro,poishaviamparedesefronteirasreaisesimbólicasparanosescondermos.
Isso desapareceu com Chernobil. Acabaram-se as zonas protegidas da
modernidade,“hallegadoelfinaldelosotros” 103.Ograndedesafiopassaaser
viver com essa descoberta do perigo. Caiu o manto de proteção, deixando
descobertoessedesoladorcenário.
A sociologia do risco é firmada e definida pela emergência dos perigos
ecológicos, caracteristicamente novos e problemáticos. Mas a dimensão desse
risco transcende a esfera ecológica e também afeta o processo, pois alcança a
sociedadecomoumtodo,eoprocessopenalnãoficaimuneaosriscos.
ComoapontaBeck,associedadeshumanassemprecorreramriscos,maseram
riscos e azares conhecidos, cuja ocorrência podia ser prevista e sua
probabilidade,calculada.Osriscosdassociedadesindustriaiseramimportantes
numadimensãolocalefrequentementedevastadoresnaesferapessoal,masseus
efeitos eram limitados em termos espaciais, pois não ameaçavam sociedades
inteiras104.Atualmente,asnovasameaçasultrapassamlimitesespaciaisesociais
e também excedem limites temporais, pois são irreversíveis e seus efeitos
(toxinas) no corpo humano e no ecossistema vão se acumulando. Os perigos
ecológicosdeumacidentenuclearemgrandeescala,pelaliberaçãodequímicos
ou pela alteração e manipulação da composição genética da flora e fauna
(transgênicos), colocam em risco o próprio planeta. Existe um risco real de
autodestruição.
Outro problema é que nos riscos ecológicos modernos, segundo Beck105, o
pontodeimpactopodenãoestarobviamenteligadoaoseupontodeorigemesua
transmissãoemovimentospodemsermuitasvezesinvisíveiseinsondáveisparaa
percepçãoquotidiana.Éumgravíssimoproblemaquedificultaouimpossibilitaa
identificação do nexo causal, como ocorreu, v.g., com as contaminações pelo
Antraz.
Se, na sociedade pré-industrial, o risco revestia a forma natural (tremores,
secas,enchentesetc.),nãodependendodavontadedohomeme,sendopor isso,
inevitável,o risconasociedade industrialclássicapassouadependerdeações
dos indivíduos ou de forças sociais (ex.: perigo no trabalho em razão da
utilizaçãodemáquinasevenenos;noâmbitosocial,operigododesempregoeda
penúria, ocasionado pelas incertezas da dinâmica econômica etc.). Nesse
momento,nasceailusãodoEstadoSegurança.
Em que pese o fato de certos perigos e azares constantemente ameaçarem
determinados grupos, tais riscos eram conhecidos, cuja ocorrência poderia ser
prevista e cuja probabilidade poderia ser (ou será?) calculada.Mas os riscos
contemporâneos são qualitativa e quantitativamente distintos, pois assumem
consequências transgeracionais (pois sobrevivem aos seus causadores) e
marcados pelo que Beck chama de glocalidade (globais e locais ao mesmo
tempo).
Ademais,épatenteadesconstruçãodosparâmetrosculturaistradicionaiseas
estruturas institucionais da sociedade industrial (classe, consciência de classe,
estrutura familiar e demarcação de funções por sexo). Não há estratificação
econômicarígida,funçõesdemarcadasporsexoenúcleofamiliar.Todoooposto.
OmitodoEstadoSegurançacaiporterraquandoseverificaafragilidadede
seuspostulados.Beck106justificaoestadodeinsegurançasustentandoque
a dimensão dos riscos que enfrentamos é tal, e os meios pelos quais
tentamos lutar contra eles, a nível político e institucional, são tão
deploráveis, que a fina capa de tranquilidade e normalidade é
constantementequebradapelarealidadebemduradeperigoseameaças
inevitáveis.
Porconseguinte,asatuaisformasdedegradaçãodoambienteatingematodos
indistintamente,ouseja,nãoháqueseconsiderarqualquertipodebarreirasocial
ou geográfica como meio de proteção contra tais perigos. Os gases poluentes
emitidospelosautomóveisquecirculamnasgrandescidadesatingemdamesma
forma ricos e pobres, causando-lhes osmesmosproblemas respiratórios, assim
comoofatodemorarnaperiferiadeumagrandecidadeouemumbairronobre
nãoprotegeninguémdeumacatástrofe.
Oriscotambémestánotrabalhoemanifesta-sepelodesempregoestruturalem
largaescalaealongoprazo.Nãohámaisestruturadetrabalhoporsexo;háuma
quedadotrabalhoportempointegraleoaumentodasjornadasparciais;operou-
se um rompimento da estrutura tradicional do emprego regular (vitalício);
flexibilidade geral das relações. Tudo isso gera uma grande insegurança
econômicaquesevaialastraremtodofeixederelaçõesdosindivíduos.
Tambémnaesferadasrelaçõesafetivasenaprópriaestruturafamiliar,orisco
estámaispresentedoquenunca.Nonúcleofamiliar,nãohámaisadistinçãoentre
trabalho doméstico (não remunerado e educação dos filhos) e trabalho
assalariado(privativodohomem).Estáconsagradaadecadênciadopatriarcado.
Intensificou-se a individualização com o rompimento das funções tradicionais
(homememulher)edasforçasideológicasqueajudavama“prender”aspessoas.
A insegurança multiplicou-se em relação ao núcleo familiar com o divórcio,
paternidadeoumaternidadeunilateraletambémimplicaumanovadinâmicadas
relaçõesinterpessoais,emqueocasar-sepassaaumsegundoplano,valorizando-
se mais a realização profissional e o individualismo (logo, relacionamentos
afetivossuperficiais).
A dinâmica do tempo curto e a ditadura do instantâneo potencializam esse
riscodasrelaçõesafetivas,poisnãoexistemmaisoslongosnamoros,seguidosde
noivadoecasamentoparatodaavida.Aspessoas“ficam”,oquesignificaamais
completa falta de compromisso com o passado e de comprometimento com o
futuro.Éopresenteísmoemgraumáximo.
Que dizer do “futuro”? É totalmente contingente, pois – explicaOst107 – se
opera uma ruptura com a experiência vulgar do tempo – enquanto simples
reconduçãodopassado–poistudosetornapossível.Ofuturoéverdadeiramente
contingente, indeterminado; o instante é verdadeiramente instantâneo, suspenso,
sem sequência previsível ou prescrita. Projetos e promessas (impulso
prometeico)perdemtodapertinência.Éaincertezaelevadaaoquadrado.
Maisradical,Comte-Sponville108chamadenadificação.Maisdoqueisso,éa
nadificação do nada, pois o passado não existe, uma vez que já não é, nem o
futuro,jáqueaindanãoé.Eopresentesedividenumpassadoenumfuturoque
não existem. Logo, é o nada, pois, entre dois nada: o tempo seria essa
nadificaçãoperpétuadetudo.
Sob outro aspecto, indo além nessa análise, é importante considerar que
vivemos numa sociedade em busca de valores (parafraseando a obra109 de
PrigogineeMorin).
Nessabuscadevalores,devemosconsiderarqueestamosnumasociedadepós-
moralista110, que, liberta da ética de sacrifícios, é dominada pela felicidade,
pelos desejos, pelo ego e pelos direitos subjetivos, sem qualquer ideal de
abnegação. E mais, tais benefícios devem ser obtidos a curto prazo, pois
igualmente inseridos na lógica da aceleração, na qual qualquer demora é vista
comoumsofrimentoinsuportável.
São fatores que conduzem a um individualismo sem regras, sem limites,
desestruturado e sem futuro. Esta é apenas (mais) uma das faces das nossas
sociedades, que não sepultou a moral, senão que a deseja nomesmo nível de
complexidade (uma moral à la carte diria Lipovetsky111, pois sentimental,
intermitente,epidérmica,umaúltimaformadoconsumo interativodemassa,eis
que fortemente influenciada pelo discurso midiático). Até mesmo em torno da
moralreinaamaisabsolutaincerteza,poisevidenteoestadodeguerraentre“os
váriostiposdemoral”.
Outra face importante das nossas sociedades contemporâneas é o
infantilismo112, externado pelodesejoepeloconsumismo, fazendo despertar a
criançaqueexisteemcadaumdenós.Aliadoaodesejoinfantildetudopossuir,
nãosabemoslidarcomotempoearecusa.Umavezmaisestamos inseridosna
urgência (da satisfação do desejo), na qual qualquer demora é um retardo
dolorosoeinsuportável,nãoqueremosenãoprecisamosesperar,poislançamos
mãodocrédito,provocandoumverdadeirocurto-circuitonotempo,comodefine
Bruckner 113.Ocréditopermitefazerdesaparecer,comoqueporpassedemágica,
o intervalo entre desejo e satisfação, inserindo-nos numa perspectiva
(imediatista)tipicamenteinfantil,dacriançaquenãoconhecearenúncia.
Como se não bastasse isso, os jovens de 1968 (do históricomaio de 1968)
cresceram, tornando-se, eles próprios, pais. E, quando isso ocorreu, não
ensinaramoutracoisaaosseusfilhosdoquearecusaaqualquerautoridade.É
umageraçãodominadapelaideologiaderenunciaràrenúncia.Isso,obviamente,
acarretagravesproblemas,namedidaemqueoconflitocomodireito(limitee
imposição de renúncia) é inevitável e doloroso. Isso gera, ao mesmo tempo,
violênciaeinsegurança.
Desnecessárioseguir,poisorisco,aincertezaeainsegurançaestãoemtudo.
Nemsequerosexovirtual, tidocomoseguro,ficouimuneaorisco.Osvírusda
internet, cada vez mais sorrateiros e destrutivos, acabaram com qualquer
esperançade“segurança”.
Vivemos inseridos na mais completa epistemologia da incerteza. Como
consequênciadessecenárioderiscototal,buscamosnodireitopenalasegurança
perdida. Queremos segurança em relação a algo que sempre existiu e sempre
existirá:violênciaeinsegurança.
Aqui devemos fazer uma pausa e destacar que muito se tem manipulado o
discursoparautilizaressesnovosriscoscomolegitimantedaintervençãopenal.
Nãoéessanossaposição.
Estamos de acordo com Carvalho114, de que o direito penal (e também o
processopenal),“aoassumiraresponsabilidadedefornecerrespostasàsnovas
demandas (aos novos riscos), redimensiona, vez mais, sua estrutura” num
“narcisismoinfantil”115.Surgedo“delíriodegrandeza(messianismo)decorrente
da autoatribuição do papel de proteção dos valoresmais caros à humanidade,
chegandoaassumirresponsabilidadepelofuturodacivilização(tutelapenaldas
gerações futuras); estabelece uma relação consigomesma que a transforma em
objetoamoroso”.
Esse cenário conduzàonipotênciaque incapacitaodireitopenal aperceber
seuspróprioslimites,inviabilizandoumarelaçãomaduracomosoutroscampos
dosaber(interdisciplinaridade).Aonãodialogar,odireitopenalnãopercebea
falência do monólogo científico, o que conduz ao agravamento da crise e do
próprioautismojurídico.
Nossaabordagemsitua-senessadimensão: reconhecero riscopara legitimar
umsistemadegarantiasmínimas.Éfazerumrecortegarantidorenãopenalizador
nasociedadedorisco.
Paraconcluir,recordemosaliçãodeGauer 116deque
violênciaéumelementoestrutural,intrínsecoaofatosocialenãooresto
anacrônico de uma ordembárbara emvias de extinção.Esse fenômeno
aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer
civilizaçãoougrupohumano:bastaatentarparaaquestãodaviolênciano
mundoatual, tantonasgrandescidadescomotambémnosrecantosmais
isolados.
1.8.2.Epistemologiadaincerteza
Aliadoatudoisso,aepistemologiadaincertezaearelatividadesepultamas
“verdades reais”117 e os “juízos de certeza ou segurança” (categorias que o
direitoprocessualtantoutiliza),potencializandoainsegurança.
Com Einstein e a relatividade, sepultou-se de vez qualquer resquício dos
juízosdecertezaouverdadesabsolutas:
a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre, outra coisa
totalmentediversaparaomotorista,eaindaoutracoisadiferenteparao
aviador.Averdadeabsolutasomentepoderiaserdeterminadapelasoma
detodasobservaçõesrelativas118.
Hawking119explicaqueEinsteinderrubouosparadigmasdaépoca:orepouso
absoluto,conformeasexperiênciascomoéter,eo tempoabsolutoouuniversal
que todos relógios mediriam. Tudo era relativo120, não havendo, portanto, um
padrãoaserseguido.
Partindo da premissa de que todo saber é datado, Einstein distingue uma
teoria verdadeira de uma falsa a partir do seuprazode validade:maior tempo
paraaprimeira,talcomodécadasouanos;jáparaadesmistificaçãodasegunda,
bastamapenasdiasouinstantes121.
Nesse ínterim,“somenteháumaverdadecientíficaatéqueoutravenhaa ser
descobertaparacontradizeraanterior”122.Casocontrário,avidaseresumiriaem
reproduziroconhecimentocientíficodosantepassados,assimcomonãohaveria
motivoparaaciênciabuscarnovasfronteiras.
Em síntese, a ciência estrutura-se a partir do princípio da incerteza. E por
causadele
nãohaveráapenasumahistóriadouniversocontendovidainteligente.Ao
contrário: as histórias no tempo imaginário serão toda uma família de
esferas ligeiramente deformadas, cada uma correspondendo a uma
histórianotemporealnaqualouniversoinflaporumlongotempo,mas
não indefinidamente. Podemos então perguntar qual dessas histórias
possíveiséamaisprovável 123.
Essa incerteza também está intimamente relacionada com a noção de futuro
contingente,emqueseoperaumarupturacomaexperiênciavulgardotempo–
enquantosimplesreconduçãodopassado–,poistudosetornapossível.Ofuturo
é verdadeiramente contingente, indeterminado, o instante é verdadeiramente
instantâneo, suspenso, sem sequência previsível ou prescrita124. Projetos e
promessas(impulsoprometeico)perdemtodapertinência.Éaincertezaelevada
aoquadrado.
Como aponta Ost125, “toda ciência começa por uma recusa [...] o espírito
científico mede-se pela sua capacidade de requestionar as certezas do sentido
comum – tudo aquilo que Bachelard designava pelo nome de obstáculo
epistemológico”, pois “uma teoria nunca pode ser provada positivamente, nem
definitivamente: lá pelo facto de termos contado milhares de cisnes brancos,
comopoderíamosteracertezadenãoexistirpelomenosumquefossepreto?”A
ciênciaestásempreemsuspenso.
Nessaperspectivadeincerteza,aordemé,pois,excepcional:éocaosqueé
regra.
Aprópriademocraciaéuma“políticadeindeterminação”,poistornaopoder
infigurável.Aocontráriodototalitarismo,explicaOst126,nademocracianinguém
temodireitonaturaldedeteropoder.Ninguémpodeaspirarexercê-lodeforma
durável.Nenhumaforçaoupartidopoderáapropriar-sedopoder,senãopormeio
do abuso. Enquanto o totalitarismo erradica o conflito e reduz toda espécie de
oposição,ademocraciaestábaseadanopluralismodeopiniõesenasuaoposição
conflitual(éumavisãodecaoscomoregra).Ademocracianãoeliminaoconflito,
apenas tenta garantir um desfecho negociável (por meio de procedimentos
aceitos).Nuncaháumaconclusão,masapenasumadecisãoquegeraumacordo
apenasparcial,umaverdadeaproximada.
Inserida na epistemologia da incerteza, a democracia está centrada num
conflito interminável, pois ela é essencialmente transgressiva e desprovida de
baseestável.Recordemosque,etimologicamente,políticonãoserefereapenasa
polis,mastambémapolemos,istoé,àguerra,deformaqueoespaçopolíticonão
éapenasaquelereconciliadoeharmônico,daordemconsensual,mastambémdo
conflito.Aarteconsisteemtransformaroantagonismopotencialmentedestruidor
emagonismodemocrático127.
1.8.3.Riscoendógeno:processocomoguerraoujogo?
Masoriscoeaincertezanãoestãoapenasforaouemtornodoprocesso.São
inerentesaopróprioprocesso,sejaeleciviloupenal.
Anoçãodeprocessocomorelaçãojurídica,estruturadanaobradeBülow 128,
foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da
chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as
parteseojuiz.Oerrofoiodecrerquenoprocessopenalhouvesseumaefetiva
relaçãojurídica,comumautênticoprocessodepartes.
A teoria do processo como uma relação jurídica (a seguir analisada no
Capítulo“Teoriasacercadanaturezajurídicadoprocesso(penal)”)éummarco
relevanteparaoestudodoconceitodepartes,principalmenteporquerepresentou
umaevoluçãodeconteúdodemocrático-liberaldoprocessoemummomentoem
queoprocessopenaleravistocomoumasimplesintervençãoestatalcomfinsde
“desinfecçãosocial”ou“defesasocial”129.Comcerteza,foimuitosedutoraatese
dequenoprocessohaveriaumsujeitoqueexercitasseneledireitossubjetivose,
principalmente, que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela
jurisdicionalsolicitadasobaformaderesistência(defesa).Apaixonante,ainda,a
ideiadeque existiriauma relação jurídica, obrigatória, do juiz com relação às
partes,queteriamodireitodelograrpormeiodoatofinalumverdadeiroclima
delegalidadeerestabelecimentoda“pazsocial”.
Tal relação deveria instaurar-se entre as partes (MP e réu) e o juiz, dando
origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais. Ademais, a
existência de partes constitui uma exigência lógica da instituição, da própria
estruturadialéticadoprocesso, pois, dogmaticamente, oprocessonãopode ser
concebidosemaexistênciadepartescontrapostas,aomenosinpotentia130.
MasatesedeBülowgeroudiversascríticase,semdúvida,amaisapropriada
veio de JamesGoldschmidt e sua teoria do processo como situação jurídica,
tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage, publicada em Berlim em
1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor.
Goldschmidt ataca, primeiramente, os pressupostos da relação jurídica, em
seguida,negaaexistênciadedireitoseobrigaçõesprocessuais,ouseja,opróprio
conteúdodarelaçãoe,porfim,reputadefinitivamentecomoestáticaoumetafísica
a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos.Nesse sentido, os
pressupostos processuais não representam pressupostos do processo, deixando,
porsuavez,decondicionaronascimentodarelaçãojurídicaprocessualparaser
concebidoscomopressupostosdadecisãosobreomérito.Interessa-nos,pois,a
críticapeloviésdainérciaedafalsanoçãodesegurançaquetrazínsitaateoria
do processo enquanto relação jurídica. Foi Goldschmidt quem evidenciou o
caráterdinâmicodoprocessoaotransformaracertezaprópriadodireitomaterial
naincertezacaracterísticadaatividadeprocessual.Nasíntesedoautor,durantea
paz,a relaçãodeumEstadocomseus territóriosdesúditoséestática,constitui
umimpériointangível.
Semembargo,ensinaGoldschmidt,
quandoaguerraestoura,tudoseencontranapontadaespada;osdireitos
mais intangíveis se convertem em expectativas, possibilidades e
obrigações, e tododireitopode seaniquilar comoconsequênciadenão
ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação; como,
pelocontrário,aguerrapodeproporcionaraovencedorodesfrutedeum
direitoquenãolhecorresponde 131.
Ficamos apenas nessa introdução, pois a Teoria de JamesGoldschmidt será
analisadacomprofundidadenopróximocapítulo,quandotrataremosda“natureza
jurídicadoprocessopenal”.
EssarápidaexposiçãodopensamentodeGoldschmidtserveparamostrarque
oprocesso–assimcomoaguerra–estáenvoltoporumanuvemdeincerteza.A
expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença
desfavorávelestásemprependentedoaproveitamentodaschancesedaliberação
de cargas. Em nenhum momento, tem-se a certeza de que a sentença será
procedente.Aacusaçãoeadefesapodemserverdadeirasounão;umatestemunha
pode ou não dizer a verdade, assim como a decisão pode ser acertada ou não
(justaouinjusta),oqueevidenciasobremaneiraorisconoprocesso.
Omundodoprocessoéomundodainstabilidade,demodoquenãoháquese
falaremjuízosdesegurança,certezaeestabilidadequandoseestátratandocomo
mundodarealidade,oqualpossuiriscosquelhessãoinerentes.
Éevidentequenãoexistecerteza(segurança),nemmesmoapósotrânsitoem
julgado,poisacoisajulgadaéumaconstruçãotécnicadodireito,quenemsempre
encontra abrigo na realidade, algo assim como a matemática, na visão de
Einstein132. É necessário destacar que o direitomaterial é ummundo de entes
irreais,vezqueconstruídoàsemelhançadamatemáticapura,enquantoomundo
do processo, como anteriormente mencionado, identifica-se com o mundo das
realidades(concretização),peloqualháumenfrentamentodaordemjudicialcom
aordemlegal.
Por derradeiro, tanto no jogo (Calamandrei) como na guerra (Goldschmidt),
importamaestratégiaeobommanuseiodasarmasdisponíveis.Mas, acimade
tudo,sãoatividadesdealtorisco,envoltosnanuvemdeincerteza.Nãohácomo
prever com segurança quem sairá vitorioso.Assim, deve ser visto o processo,
umasituaçãojurídicadinâmicainseridanalógicadoriscoedogiuoco.Reinaa
incerteza até o final.A consciência dessa realidade processual é fundamental
paradefinirmosumsistemadegarantiasmínimasetambémdemarcaromelhor
possível o espaço decisório. Importante compreender que a assunção da
incertezaedainsegurançadizrespeitoàdinâmicadoprocessoenãosignifica,
emhipótesealguma,queestejamosavalizandoo“decisionismo” 133.
1.8.4.Assumindoosriscoselutandoporumsistemadegarantiasmínimas
Emquepeseoriscoinerenteaojogoouàguerra,emqualquerdosdoiscasosé
necessáriodefinirumsistema(aindaquemínimo)deregras(limites).
Diantedessecenárioderiscototalemqueoprocessopenalseinsere,maisdo
que nunca devemos lutar por um sistema de garantiasmínimas. Não é querer
resgatarailusãodesegurança,massimassumirosriscosedefinirumapautade
garantias formais das quais nãopodemos abrirmão. É partir da premissa de
que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que, no processo penal,
adquirecontornosdelimitaçãoaopoderpunitivoestataleemancipadordodébil
submetidoaoprocesso.
Nessa linha, pensamos que se deve maximizar a eficácia das garantias do
devidoprocessopenal 134:
a) jurisdicionalidade: especialmente no que tange ao juiz natural e à
imparcialidade;
b)princípio acusatório (ou dispositivo): fundando o sistema acusatório em
conformidadecomaConstituição;
c) presunção de inocência: enquanto pré-ocupação de espaços mentais (do
julgador) e, portanto, no viés de “dever de tratamento” e “regra de
julgamento”;
d)ampladefesae contraditório: aindaquedistintas, sãoduasgarantiasque
mantêm íntima relação e interação, necessitando ser maximizadas no
processopenal;
e)motivação das decisões: especialmente no viés de legitimação do poder
jurisdicionalexercidoeinstrumentodecontrolecontrao“decisionismo”eo
arbítrio.
Nãosetratademeroapegoincondicionalàforma,senãodeconsiderá-lauma
garantiadocidadãoefatorlegitimantedapenaaofinalaplicada.
Mas–éimportantedestacar–nãobastaapenasdefinirasregrasdojogo.Não
é qualquer regra que nos serve, pois, como sintetiza Jacinto Coutinho135,
devemos ir para além delas (regras do jogo), definindo contra quem se está
jogandoequaloconteúdoéticoeaxiológicodoprópriojogo.
Nossaanálisesitua-senessedesvelardoconteúdoéticoeaxiológicodojogoe
desuasregras,indomuitoalémdomero(paleo)positivismo.EstamoscomBueno
deCarvalho136aodefenderapositividadecombativa, segundo a qual devemos
lutarpelamáximaeficáciadosdireitosedasgarantiasfundamentais,fazendocom
quetenhamvidareal.Comodefineoautor:
Éoreconhecimentodequeodireitopositivado,pormuitasvezes,resume
conquistasdemocráticas(emboraoutrastantasvezesnãosejaaplicado).
E,emtalacontecendo,háqueseofazerviger 137.
Tampouco podemos confundir garantias com impunidade, como insistem
alguns defensores do terrorismo penal, subvertendo o eixo do discurso. As
garantias processuais defendidas aqui não são geradoras de impunidade, senão
legitimantes do próprio poder punitivo, que, fora desses limites, é abusivo e
perigoso.
Adiscussão,comomuito,podesituar-senocampodarelaçãoônus-bônus.Que
preço estamos dispostos a pagar por uma “segurança” que, como apontado,
sempreserámaissimbólicaesedantedoqueefetivaeque,obviamente,sempre
terá uma grande margem de falha (ausência de controle)? De que parcela da
esfera de liberdade individual estamos dispostos a abrir mão em nome do
controleestatal?
É aceitável que – em situações extremas e observadas as garantias legais –
tenhamosdenossujeitaraumainterceptaçãotelefônicajudicialmenteautorizada,
porexemplo.Contudo,seráqueestamosdispostosapermitirqueessasconversas
sejamreproduzidaseexploradaspelosmeiosdecomunicação?
Em definitivo, é importante compreender que repressão e garantias
processuaisnãoseexcluem,senãoquecoexistem.Radicalismosàparte,devemos
incluirnessatemáticaanoçãodesimultaneidade,emqueosistemapenal tenha
poderpersecutório-punitivoe, aomesmo tempo, esteja limitadoporumaesfera
degarantiasprocessuais(eindividuais).
Considerando que risco, violência e insegurança sempre existirão, é sempre
melhorriscocomgarantiasprocessuaisdoqueriscocomautoritarismo.
Emúltimaanálise,pensamosdesdeumaperspectivadereduçãodedanos,em
que os princípios constitucionais não significam “proteção total” (até porque a
falta,ensinaLacan,éconstitutivaesempreláestará),sobpenadeincidirmosna
errôneacrençanasegurança(esermosvítimasdenossaprópriacrítica).Trata-se,
assim, de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do
exercício (abusivo ou não) do poder. Uma verdadeira política processual de
reduçãodedanos,pois,repita-se,odano,comoafalta,sempreláestará.
Ademais, é preferível um sistema que falhe em alguns casos por falta de
controle (ou de limitação da esfera de liberdade individual) do que umEstado
policialescoeprepotente,poisafalhaexistirásempre.Oproblemaéque,nesse
últimocaso,oriscodeinocentespagarempeloerroéinfinitamentemaioreesteé
umcustoquenãopodemostolerarsemresistir.
Capítulo2
Teoriasdaaçãoedascondiçõesdaação.Anecessidadedeconstruçãodeumateoriada
acusação
2.1.Paraintroduziroassunto...
Inicialmente, como advertem Emilio Gómez Orbaneja e Vicente Herce
Quemada138,éimportantedestacarqueoconceitodeaçãopenaléprivativodo
processopenalacusatório.Issosignifica“nosoloquelaacciónesunacosayotra
diferente el derecho de penar, sino que la acción es un concepto puramente
formal”.
Mastambémsedevesublinharqueapolêmicaemtornodoconceitodeação
foidesviadaparaumcaráterextraprocessual,buscandoexplicarofundamentodo
qualemanaopoder,afastando-sedoinstrumentopropriamentedito.Assim,hoje,
podemosclaramentecompreenderqueessedesvioconduziuaquefossemgastas
milharesemilharesdefolhasparadiscutirumaquestãoperiférica,principalmente
paraoprocessopenal,regidopeloprincípiodanecessidadeecomumasituação
jurídicacomplexa,completamentediversadaquelaproduzidanoprocessocivil.
Ésempreimportanteevitarlongascitaçõesliterais,paranãocansaroleitore
truncar a exposição. Mas a lição de Alcalá-Zamora139 exige um tratamento
diferenciado,dadasuaimportância:
Possivelmenteaverdadeiraíndoledaaçãohouvessesidodilucidada,já
há bastantes anos, se os processualistas tivessem se preocupado um
poucomenos com o direito romano, para ocupar-se um poucomais da
realidadeprocessual.Porquê?Simplesmenteporqueaaçãonãoémais
uma figura pertencente a arqueologia jurídica, para cujo conhecimento
deva-seremontarasistemaspretéritos,nemtampoucoumainstituiçãoque
atualmente surja em raríssimas ocasiões, senão que é um fenômeno
diário,queseofereceemtodosospaísescomummínimodeorganização
dejustiça,nãoemmilhares,massimemmilhõesdeprocessosdosmais
variadosgêneroseespécies.Então,aonãofaltarmaterialvivo,porassim
dizer,paraaobservaçãodireta,deveriamosprocessualistasprestaruma
atençãomuitomaiordoqueaqueladedicada.Istoé,senãohouvessemse
involucradonoestudohistóricodoqueaaçãofoi,massimcomoestudo
doqueaaçãoé,ouemoutrostermos,seaprimeiraindagaçãohouvesse
sidoreservadaaromanistasehistoriadoresdodireitoesobreasegunda
tivessem consagrado suas energias os processualistas, provavelmente o
avançoteriasidomaisprofundoemaisfirmeemambasasdireções,não
sóporrazõesdeespecialização(aindaquesendoexcelentesromanistas
muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam), senão pelas
incertezasqueemtornodecertostextosdodireitoromanosuscitamsuas
lacunas ou a crítica interpolacionista e, sobretudo, porque, como antes
dissemosapropósitodasinterpretaçõesprivatistasacercadanaturezado
processo, a marcha do processo romano clássico era distinta do tipo
normaldeprocessodenossosdias.Agravitaçãoromanistaemrelaçãoà
ação deve ser advertida, ademais, emoutros sentidos: por exemplo, na
persistência com que se segue falando de ação, em hipóteses onde o
termo correto a empregar seria o de pretensão, ou, ainda, na quase
incomovível fidelidade com que legisladores e práticos – e até alguns
docentes–, seguemestimandocomoclassificaçãoprocessualdas ações
aquela que as divide em pessoais, reais e mistas ou emmobiliárias e
imobiliárias(traduçãonossa).
Comacerto,Afrânio Jardim140 afirmaque, “modernamente, a teoria da ação
deixoudeseropolometodológicodaciênciadoprocesso,estandoosestudiosos
mais preocupados com o objeto do processo e a demanda, como categorias
centraisdetodoosistemaprocessual”.Destacaainda,naesteiradeTornaghi,que
tal perspectiva já vinha, de há muito, sendo utilizada pelos processualistas
alemães.
Para Guasp, tais teorias buscam explicar a essência jurídica do poder em
virtudedoqualaspartesengendramobjetivamenteumprocesso,odireitoque
justificaaatuaçãodessasparteseoporquêjurídicoquelevaumparticulara
colocaremmarcha,validamente,oórgãojurisdicional.
A multiplicidade de acepções do vocábulo “ação” também foi um fator
relevantenainfindáveldiscussãoexistenteemtornodoseuconceito.Chamandoa
atenção para tal fenômeno, Alcalá-Zamora141 aponta que, a rigor, no processo
penal,devemosfalarem“açãoprocessualpenal”,paranãoconfundircomaação
puníveloudelitiva,objetododireitopenalenãodoprocessopenal.
Grave problema é o fato de que pouco se escreveu ou pensou sobre ação
processualpenal,ouseja,muitosautorespreferempassaràmargemdatemática,
limitando-seaexplicaraaçãopenalpública(condicionadaeincondicionada)ea
açãopenalprivadanasistemáticadoCPP.Outrosatéenfrentamoproblema,mas,
incidindo no erro da teoria geral do processo, explicam toda a evolução da
discussãoemtornodaação(pública,abstrata,concretaetc.)utilizandotodosos
conceitos e construções do processo civil, ou seja, a velha historinha da
Cinderela–LaCenerentola,deCarnelutti–easroupasvelhasdairmã...
Não se nega a importância das longas polêmicas travadas pelos
processualistascivis,masfaltaumaestruturaçãodeconceitosdesdeascategorias
jurídicas próprias do processo penal. Daí por que nossa tarefa, além de
complexa,éextremamenteperigosa,namedidaemque, saindoda tranquilidade
dolugar-comumjádesenhadopeloprocessocivil,dispomo-nosapensaraação
processual penal a partir das concepções de pretensão acusatória e processo
comosituaçãojurídica.Elementarqueacompreensãodessamatériapressupõea
pré-compreensãodoconceitodepretensãoacusatóriadesenvolvidoemcapítulo
anterior.Issoexplicaporquenãofaremosatradicionalevoluçãoapartirdaação
noprocessocivil.Opontonuclearedeterminantedadiversidadedeconcepçãojá
foiexpostoedefinidoquandoabordamosoconceitodepretensãoacusatóriaao
qualremetemosoleitor.
2.2.Açãoprocessualpenal–iusutprocedatur–desdeaconcepçãodepretensãoacusatória.Porquenãoexiste“trancamentodaaçãopenal”?
EstamosdeacordocomGuasp142quandoafirmaqueadeclaraçãopetitória,
contidanoconceitodepretensãoacusatória,poderiareceberonometécnicode
ação, terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe
corresponde.Exige-se, contudo, cuidado, para ter presente que essaconcepção
representa uma recusa à tradição secular que se esforçou em averiguar a
essênciadopoderjurídicoaqueditaaçãoestávinculadaenãoàsuaverdadeira
função.
Apretensãoacusatóriaéumadeclaraçãopetitória143ouafirmação144dequeo
autor tem direito a que se atue a prestação pedida. É, no processo penal,uma
declaraçãopetitória.
Nãoéumdireitosubjetivo,masumdireitopotestativo:opoderdeproceder
contraalguémdiantedaexistênciadefumuscommissidelicti.Aissocorresponde
oconceitodeação,quenãopodeserconfundidocomodeacusação(instrumento
formal).
Recordemosqueoobjetodoprocessopenaléumapretensãoacusatória(enão
punitiva), e sua função é a satisfação jurídica das pretensões ou resistências,
conforme explicaremos no último capítulo. Na estrutura da pretensão,
encontramos elementos subjetivos, objetivos e de atividade (declaração
petitória).
Como explicaremos, ao tratar do objeto, no processo penal o fenômeno é
diversodoprocessocivilenãoháquesefalarempretensãopunitiva.Oacusador
detémumdireitopotestativode acusar, quenasce comodelito e édirigido ao
tribunal.Deoutrolado,existeopoderdepunirdotribunal(correspondeaojuize
não ao acusador) que é condicionado ao exercício e admissão da pretensão
acusatória.
Nessa linha, a declaração petitória corresponde ao que entendemos por
acusação.É importantedestacarque tal conceitovai ser empregadono sentido
literal, de instrumento portador de umamanifestação de vontade, por meio do
qual senarraum fato comaparênciadedelito e se solicita a atuaçãodoórgão
jurisdicional contra uma pessoa determinada. No sistema brasileiro,
corresponderáàdenúnciaouqueixa.
Medianteaacusaçãosecumpreajurisdição,serealizaefetivamenteodireito.
Ademais, principalmente no processo penal, a ação como invocação
corporificada na acusação, leva à estrita observância do princípionemo iudex
sineactore,coroláriodosistemaacusatório.
Sobreoconfusionismoqueimperaemtornodotema,Coutureesclarecequea
ambiguidade do vocábulo foi fator definitivo. Especificamente em sentido
processual – o que já exclui uma diversidade de outras –, o mesmo autor 145
apontaparatrêsacepções:
a)Comosinônimodedireito:éosentidoque temovocábuloquandosediz
queoautorécarecedordeaçãoouprosperaaexceptiosineactioneagit.
b) Como sinônimo de pretensão: este é o sentido mais usual do vocábulo,
principalmente na doutrina e na legislação que utilizam ainda expressões
comoaçãopessoalereal;açãocivileaçãopenaletc.Nessescasos,aaçãoé
apretensãodequesetemumdireitoválidoeemnomedoqualsepromovea
demanda respectiva. A excessiva valoração da ação também levou a que
algumadoutrinaaapontassecomooobjetodoprocesso.
c)Comosinônimodefaculdadedeprovocaratutelajurisdicional.Fala-seno
poder jurídico que tem o indivíduo como tal e em nome do qual lhe é
possibilitadoacudiraostribunais.Éopoderjurídicodeinvocaçãodatutela
jurisdicional.Nessaconcepção–pornósutilizadaatéentão–,ofatodeser
essapretensão fundadaou infundadanãoafetaanaturezadopoder jurídico
deacionar.Éamerafaculdadedeinvocaratutelajurisdicionalpormeioda
acusaçãoformalizadanadenúnciaouqueixa–iusutprocedatur.
Assim, retomando o desvio histórico, pensamos que o conceito de ação
processual penal, na estrutura da pretensão acusatória, circunscreve-se a um
poder jurídico constitucional de invocação da tutela jurisdicional e que se
exterioriza pormeio de uma declaração petitória (acusação formalizada) de
que existe o direito potestativo146 de acusar e que procede a aplicação do
poderpunitivoestatal.
Porfim,recordemosaperguntafeitanotítulodessetópico:porquenãoexiste
“trancamentodaaçãopenal”?
Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há
quesefalaremtrancamentodaação,umerroquedecorredaconstanteconfusão
entre ação e pretensão. Inclusive há quem empregue o vocábulo “ação” como
sinônimodepretensão.Contudo,arigor,açãoéopoder jurídicodeacudiraos
tribunais para ver satisfeita uma pretensão. Logo, não há que se falar de
“trancamento”dopoderquejáfoiexercido.
Daíporqueaboatécnicaaconselhaaquesefaleemtrancamentodoprocesso
penal, pois é o curso dele (processo) que se quer fazer parar. Ou seja, o
trancamento (do processo, não da ação) corresponde a uma forma de extinção
anormal,prematura,doprocesso.Ninguémjamaisfalouemextinçãoprematurada
ação...poisoqueimpedeoprosseguimentoéoprocessopenal.
Emsuma,podemosresumirdaseguinteformaaíntimarelaçãodosconceitos
deação,pretensãoeacusação(demanda),parafacilitaracompreensão:
1. Ação: direito potestativo (poder de acusar e submeter ao processo)
concedidopeloEstado(aoparticularouaumdeterminadoórgãodoEstado–
Ministério Público) de acudir aos tribunais para formular a pretensão
acusatória. É um direito (potestativo) constitucionalmente assegurado de
invocarepostularasatisfaçãodepretensões.Vedadaaautodefesa(estatalou
privada),odireitodeaçãoencontraabrigonanossaatualConstituição,em
queoart.5º,XXXV,asseguraque“aleinãoexcluirádaapreciaçãodoPoder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Mais específico, o art. 129, I, da
ConstituiçãoasseguraopoderexclusivodoMinistérioPúblicodeexercera
açãopenal (melhor, aacusaçãopública).Éumagarantiaconstitucionalque
asseguraoacessoaoPoderJudiciário.Alcalá-ZamoraeLevene147definem
como“elpoderjurídicodepromoverlaactuaciónjurisdiccionalafindeque
el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de
aquélla reputa constitutivos de delito...medio de provocar el ejercicio del
derechodepenar”.
2.Pretensão acusatória: é uma declaração petitória de que existe o direito
potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal.
Trata-se de umdireito potestativo, pormeio do qual se narra um fato com
aparênciadedelito(fumuscommissidelicti)esesolicitaaatuaçãodoórgão
jurisdicional contra uma pessoa determinada. É composta de elementos
subjetivo, objetivo (fato) e de atividade (declaração petitória), como
explicamosemcapítulosanteriores.
3.Acusação (declaração petitória): é o ato típico e ordinário de iniciação
processual,queassumeaformadeumapetição,atravésdaqualapartefaz
uma declaração petitória, solicitando que se dê vida a um processo e que
comece sua tramitação148. No processo penal brasileiro, corresponde aos
instrumentos“denúncia” (noscrimesdeaçãopenalde iniciativapública) e
“queixa” (delitos de iniciativa privada). É, na verdade, o veículo que
transportaráapretensãosemdeixardeserumdosseuselementos.
2.3.Naturezajurídicadaaçãoprocessualpenal.Caráterpúblico,autônomoeabstrato(ouconcreto)?
Semesquecer-sedasressalvasanteriormentefeitas,apóssecularesdiscussões,
pensamosque foi fundamentalparaodesenvolvimentocientíficodoprocessoo
reconhecimentodaaçãoedasrelaçõesdedireitomaterialeprocessual.
Constituiummarconadiscussãoa famosapolêmica travadaentreos juristas
alemãesBernhardWindscheideTheodorMuther 149,ocorridanofinaldoséculo
XIX (entre 1856 e 1857 são as publicações e amplia-se o debate nas décadas
seguintes). Sublinhe-se que toda a discussão e construção teórica foi feita por
civilistasepensadaparaoprocessocivil.Atransmissãodessascategoriasparao
processopenalsefezaumaltocusto,quefoiodedesconsideraraespecificidade
doprocessopenal.Dequalquerforma,éimportanteresgataraevoluçãohistórica.
Em uma revisão sumária (literalmente, uma cognição sumária do tema), até
entãovigorava anoçãodeactio dodireito romano e a fórmula deCelso (mas
tambémdeUlpiano),segundoaqualaçãoé(nadamaisque)odireitodepedirem
juízo aquilo que nos é devido. A actio era dirigida à parte contrária, em uma
perspectivaprivada,dedireitodirigidodiretamenteaoutroparticular,atéporque
aconcepçãoreinanteeradequeodireitoprocessualeraapenasodireitomaterial
em movimento. Era absoluta a vinculação entre a actio e o direito material,
inclusive, nem sequer se cogitavada separação entitativadodireito processual
em relação ao direito material. Nesse ponto, justiça deve ser feita a Bülow
(1868),cujateoriadarelaçãojurídicateveograndeméritodepretenderseparar
a relação jurídicadedireitomaterialda relação jurídicadedireitoprocessual,
sendo muito importante para a construção do conceito de ação e da própria
evoluçãocientíficadodireitoprocessual.
EraummomentodeprofundainfluênciadasteoriascivilistasdeSavigny,que
reforçavamavisão“privada”daactioromanaeaprimaziadodireitomaterial.
AtesedeWindscheidabalouaestruturadepensamentovigente,namedidaem
que“agitó lasaguasestancadas”150 e sedebruça sobreoconceitodeanspruch
(palavradedifíciltradução,dadaapolissemiadesentidos,masprocessualmente
concebidocomo“pretensão”),comoumdireitoautônomoediverso.Evidencioua
diferença entre a actio romana e o que modernamente se considerava acción
(klagerecht), distinção até então pouco levada a sério. Tal perspectiva já se
percebianosescritosdeDegenkolbePlószcomoumdireitopúblicosubjetivo,
independente do direito material. Também contribuiu, a continuação, o
pensamentodeAdolfWach,comsuaconcepçãode“açãocomodireitoconcreto”,
demonstrando ainda um enraizamento no direitomaterial,mas já concebendo a
açãoprocessualcomoalgodistintododireitomateriale,principalmente,dirigido
emfacedoEstado(enãocontraoparticular).
ComoexplicaChiovenda151,Windscheidafirmaqueoquenascedalesãoaum
direito,comoodepropriedadeporexemplo,nãoéumdireitodeacionar,senão
um direito a restituição da coisa (no exemplo dado), e esta obrigação – como
outras – só configura um direito de acionar quando não seja satisfeita. É o
nascimentodaconcepçãodepretensão, lide,satisfaçãodepretensões,exercício
dapretensãoetc.Masessaconcepçãonãoéacabadaedeuorigemainfindáveis
discussões, o que se revela emumgrandevalor, por estabelecer a discussão e
permitiraevoluçãocientíficadosconceitos.
Mas e a polêmica? A obra de Windscheid abalou o pensamento alemão
vigorante, profundamente enraizado no direito romano Justiniano, inicialmente
por recomendar o abandono desta matriz em favor dos estudos atuais e as
dogmáticasmodernas,demonstrandoqueoconceitoromanodeactioeraestranho
aodireitomodernoenãocoincidiacomode“ação”,recomendandooabandono
de talconfusão terminológica.Fincapénoestudoda“pretensão”–anspruch –
comoequivalentemodernodoconceitode“ação”.
Desenvolvendo o conceito de pretensão, Windscheid equipara ao conceito
actio do direito romano, distinta da ação de direito processual que não se
confundiria com o direito subjetivo, permitindo assim que aflorasse o conceito
abstrato de ação. Mas o autor acaba por ceder a “uma espécie de variação
semântica” do conceito de actio, ora operando-a como sinônimo de pretensão
perseguívelemjuízo,oraentendendo-acomoumdireitoàprestaçãojurisdicional,
agravandoaconfusãoentreaaçãodedireitomaterialeaaçãoprocessual,como
explicaRicardoJacobsenGloeckner 152.
O problema é que a actio, na visão pandectista alemã, equivale à ação de
direitomaterial e, portanto, ação para realização de direitos, acabando por, no
processo penal, contribuir para a equivocada concepção de Binding de que o
objeto do processo penal é uma “pretensão punitiva”. Isso porque, nessa linha
equivocada,haveriauma“exigênciapunitiva”quefundariaa“pretensãopunitiva”
como objeto do processo, esquecendo-se de que não existe no processo penal
uma“açãodedireitomaterial”.OerrodestaconcepçãonóstratamosnoCapítulo
IV,dedicadoaoestudodo“objetodoprocessopenal”,paraoqualremetemoso
leitor.
Apressou-se o jovem professorMuther (que tinha poucomais de 30 anos e
recentemente–noanoanterior–haviasidonomeadoProfessorExtraordináriona
UniversidadedeKönigsberg,ecomumaparcaproduçãocientífica,aocontrário
deWindscheid,noveanosmaiorecomsólidaprodução)arefutá-la,comalguma
dureza até, reafirmando a posição tradicional. Ao longo da polêmica travada
entre os dois autores, com direito a réplica e tréplica,muitos conceitos foram
sendoajustados,apontode,nofinal,ChiovendaafirmarqueMuthernãofezmais
doquecomplementaropensamentodeWindscheidpeloestudodoselementospor
elenegados.
Em linhas (bem) gerais, Muther insistia na concepção tradicional de que
acionar (actio)éumdireitoprivado(poisabaseéodireitomaterialprivado).
Pode-se,comoexplicaPugliese,considerarqueaparte“crítica”deMuthernão
logou impedir os pontos de vista de Windscheid; mas a parte “construtiva”,
entretanto, foi muito mais fértil. Sustentou Muther que a actio era um direito
exercido frente ao juiz (e não contra o particular), um direito frente aoEstado
para a prestação da tutela jurídica. Neste ponto, obteve grande repercussão.
CompartilhoudestaposiçãoWindscheidemaisconcretamenteWach,queadotou
edesenvolveutaltesecomgrandepropriedadeetranscendência.Asconcepções
processuaisoupublicistasdaaçãoforamfavorecidaspelaabsorçãodoconteúdo
substancialdaactionanoçãodepretensãodeWindscheid,massemprebuscando
como fonte o escrito de Muther. Essa última concepção foi posteriormente
trabalhadaporDegenkolbePlószparaafirmarqueessedireitosubjetivopúblico
de acionar é independente da correspondência efetiva de um direito privado
(caráterabstrato) 153.
A“polêmica”éextremamentecomplexaeenvolveumalongadiscussãosobre
as “fórmulas”, a actio romana, a “litiscontestatio” e uma série de categorias
inerentes ao direito romano e que estavam sendo colocadas em dúvidas pelo
pensamento“moderno”encampadoporWindscheid.De tudo isso, interessa-nos
agoraumponto-chavedamudançadeconcepções:atéentão,aestruturaromânica
entendiaqueaactioeraumpoderfrenteaoadversárioenãoumdireitofrenteao
Estado,alémdeconterumavisãoestritamenteprivatista.Comapolêmicaháuma
mudançadecompreensão,vislumbrandoaaçãocomoumpoderexercido frente
aoEstadoecomcaráterpúblico.
Emsuma,comoafirmaPugliese154: a publicaçãodeWindscheid é a “ata de
nascimento”daproblemáticamodernaacercadaação.
Feitaessasumáriadigressãohistórica,vejamosocenárioatualnoprocesso
penal.
Discussão hoje superada é o caráter público ou privado da ação processual
penal. Se no processo civil alguma razão existia, no processo penal, o caráter
público é evidente.Couture155 conceitua ação como “o poder jurídico que tem
todosujeitodedireitodeacudiraosórgãos jurisdicionaispara reclamar-lhesa
satisfaçãodeumapretensão”.Éumpoderjurídicoquecompeteaoindivíduo.É
umatributodesuapersonalidade.Esseéumconceitorigorosamenteprivadoque
nãopodeseraplicadoaoprocessopenaldeformaautomática,masquecolocaem
relevoaaçãocomopoderjurídicoe,comotal,perfeitamentecompatívelcomo
conceito de Goldschmidt de pretensão acusatória – ius ut procedatur –
anteriormenteexplicado.
ExplicaaindaCouturequeaaçãotem,aomesmotempo,naefetividadedesse
exercício, um interesse da comunidade, que lhe confere ocaráter público. Por
meiodapretensãoacusatória,oEstadopoderáatuaropoderdepenaremrelação
ao que cometeu um injusto típico, instrumentalizando o próprio direito penal
(direitopúblico).Alcalá-ZamoraeLevene156 explicamquequando se apontao
caráterpúblicodaaçãopenalsequerdizerqueelaserveparaarealizaçãodeum
direitopúblico,qualseja,odeprovocaraatuaçãodopoderpunitivodoEstado.
Osautores,advirta-se,perfilam-seentreaquelesque,comoGoldschmidt,negama
pretensão punitiva e atribuem ao acusador o poder de proceder contra alguém,
poderdiversodaqueledepunir,quecorrespondeaoEstado-juiz.
Portudoisso,arigor,constituiumaimpropriedadefalaremaçãopenalpública
e privada, eis que toda ação penal é pública, posto que é uma declaração
petitória, que provoca a atuação jurisdicional para instrumentalizar o direito
penalepermitiraatuaçãodafunçãopunitivaestatal.Seuconteúdoésemprede
interessegeral.
O correto é classificar em acusação pública e acusação privada, ou, se
preferiremseguirclassificandoapartirdocrime,teremosaçãoprocessualpenal
deiniciativapúblicaeaçãoprocessualpenaldeiniciativaprivada.
Contudo,noBrasil,origortécnicofoideixadodeladoejáestáconsagradaa
terminologiadelitosdeaçãopenalpúblicaedelitosdeaçãopenalprivada.A
justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir: será pública
quandopromovidapeloMinistérioPúblico(porumadenúncia)eprivadaquando
couberàvítimaexercê-laatravésdequeixa.
Eocaráterdeabstraçãoouconcretude?
Defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação, Degenkolb e depois
Plószforamosmarcosteóricosdosquaisseestruturaramoutrosestudos.Paraos
defensores dessa posição, a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é
independentedodireitomaterial emdiscussão,demodoqueaaçãopoderá ser
exercidaeoprocessonasceresedesenvolver,aindaqueoautornãotenharazão.
Ouseja,mesmoqueasentençanegueopostulado,aaçãoterásidoexercida,
pois a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável demérito.
Para essa corrente, a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao
nascimentodoprocesso.Éumdireitoqueexisteepodeserexercidoaindaquea
ação seja julgada improcedente. Têm ação aqueles que promovem a demanda
aindaquesemdireitoválidoatutelar.
ExplicaCouture157 – com deliberado exagero, como elemesmo esclarece –
queaaçãoéumdireitodosquetêmrazãoeaindadosquenãotêmrazão.Trata-
sedeumdireitoinerenteàprópriapersonalidadedaspessoas.
Posteriormente,Wach,aperfeiçoandoaconcepçãodoprocessocomorelação
jurídica de Bülow, defende a tese de que a ação é um direito autônomo (até
porquearelaçãojurídicadedireitoprocessualindependedarelaçãojurídicade
direitomaterial),masconcreto,poissomentehaveráaçãoquandooautorobtiver
uma sentença favorável (daí por que é o direito a uma sentença favorável, na
acepçãodoautor).Emoposiçãoàabstração,ateoriadodireitoconcretosustenta
– em suma – que a ação somente compete aos que têm razão. Na síntese de
Couture158, a ação não é o direito; mas não há ação sem direito. Mas a
concepção de ação como direito concreto acabou não vingando, especialmente
porque era incapaz de justificar toda a situação criada e a jurisdição
movimentada,quandoasentençanãofossefavorável.Significariadizer,apontam
oscríticos,que,seasentençafosseimprocedente(absolutória),aaçãonãoteria
existidoeoprocessotampouco(comopoderiahaverprocessosemação?).Sendo
assim, como explicar toda a atividade desenvolvida até então? Inclusive com
manifestaçãoeexercíciodajurisdição?
Noprocesso penal, igualmente se afirma a autonomia da ação processual
penal,atéporque,comoexplicamosaoabordaroobjeto,odireitopotestativode
acusar não se confunde com o poder de punir (direito material). Ou seja, o
acusadornãoexercenenhumapretensão(material)punitiva,senãoumapretensão
processualacusatória.
Nãohácomoaceitar,integralmente,aaçãocomodireitoconcreto,namedida
em que o poder jurídico constitucional de proceder contra alguém (ius ut
procedatur)existiuefoirealizadoaindaqueasentençasejaabsolutória.Istoé,a
pretensão acusatória pode ser exercida, originar um processo penal que se
desenvolvadeformaválidae,aofinal,oréuserabsolvidoporquesuacondutaé
atípica(oulícita).
Com isso, a pretensão acusatória foi realizada, ainda que o Estado-juiz não
tenhapodidoatuaropoderdepenar.Essecaráterficaaindamaisevidentequando
secompreendeoobjetodoprocessopenal,explicadoanteriormente,noqualse
vêquenãotemoacusadorumapretensãopunitiva,poisnãolhecompeteopoder
depunir,massimumapretensãoacusatória,queédiversadopoderpunitivoque
édoEstado,queoexercenoprocessocomojuiz.
Ainda, tendo em vista que adotamos como função do processo a satisfação
jurídicadepretensõese/ouresistências,nenhumadúvidaexistedequeoprocesso
tambémterácumpridosuafunçãoemcasodesentençaabsolutória.
No entanto, não se pode olvidar o princípio da necessidade, em que, se a
pretensão acusatória é autônoma, não o é o poder de punir, que só existe no
processoesomentepodeseefetivarquandoaacusaçãoforintegralmentelevadaa
caboeacolhida.Ouseja,opoderdojuizdepenarestácondicionadoaoexercício
integral da pretensão acusatória. Não é esse poder de punir autônomo, mas
totalmentecondicionado.
Mas também não satisfaz, no processo penal, a plena abstração da ação
penalacusatóriaemrelaçãoaofatocriminoso.Issoporque,comoexplicaGómez
Orbaneja159,
puedeafirmarsequeadiferenciadelprocesocivil,queseconstituyede
una vez y definitivamente, con unos límites objetivos y subjetivos
inalterables,mediantelapresentacióndelademanda,elprocesopenal
se desenvuelve escalonadamente. El fundamento de la prosecusión, o
inversamente de su exclusión, puede depender tanto de razones
substantivascomoprocesales.
Está correto. No processo civil, o início e o desenvolvimento dependem
exclusivamentedecritériosformais,denaturezaprocessual.Oprocessocivilse
desenvolve por meio de decisões interlocutórias, de conteúdo puramente
processual (formal), sem entrar na questão de fundo, que deve ficar reservada
para a sentença. Por isso, em geral, até a sentença, o juiz cível somente terá
aplicadonormasprocessuais160.
Situação completamente diversa ocorre no processo penal, em que as
condiçõesdepunibilidadepodemconfundir-secomospressupostosprocessuais
e,principalmente,paraqueoprocessopenalpossa iniciaredesenvolver-se,é
imprescindívelquefiquedemonstradoofumuscommissidelicti.
Ouseja,noprocessopenal,desdeo início,é imprescindívelqueoacusador
público ou privado demonstre a justa causa, os elementos probatóriosmínimos
quedemonstrema fumaçadapráticadeumdelito,nãobastandocumprimentoe
critériosmeramenteformais.Nãohá,comonoprocessocivil,apossibilidadede
deixaraanálisedaquestãodefundo(mérito)paraasentença,poisdesdeoinício
ojuizfazjuízoprovisório,deverossimilhançasobreaexistênciadodelito.
Éimportantedestacarqueoprocessopenaladotaumsistemaescalonadoque
vai refletir o grau de sujeição do imputado e de diminuição do seu status
libertatis. O processo penal é um sistema escalonado e como tal, para cada
degrau,énecessárioum juízodevalor.Essaescada é triangular,poispodeser
tanto progressiva como também regressiva de culpabilidade (no sentido de
responsabilidade penal). A situação do sujeito passivo passa de uma situação
maisoumenosdifusaàdefinitivacomasentençacondenatóriaoupodevoltara
serdifusaedarorigemaumaabsolvição.Inclusive,épossívelchegaraumjuízo
definitivodecaráternegativo,emquesereconhececomocertaanãoparticipação
doagentenodelito.
Portudoisso,defineMiguelPastorLópez161queasituaçãojurídicadosujeito
passivoécontingente,provisionaledeprogressiva(ouregressiva)determinação.
Com a sentença penal condenatória, inicia-se uma nova etapa, a execução da
pena. A absolvição não cria uma situação nova, senão que restabelece com
plenitudeoestadodeinocente.Osujeitopassivonãoperdeostatusdeinocente
no curso do processo, mas sem dúvida que ele vai se debilitando. Se com a
condenação definitiva o estado de inocência acaba, com a absolvição é
restabelecidocomsuamáximaplenitude.
Concordamos comGómez Orbaneja162 quando define a ação penal como o
direitomeramenteformaldeacusar(aquiestáasementeda“teoriadaacusação”),
na qual não se faz valer uma exigência punitiva, senão que se criam os
pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à
averiguação do delito e de seu autor.O acusador não exerce o poder de punir
(nissoresideaautonomiaque tambémconstituiumrecortedeabstração),senão
queafirmandoseunascimentoepostulaaefetivaçãodopoderdepunirqueédo
Estado-juiz,queexercerápelaprimeiraveznasentença.
Pensamos que no processo penal o conceito mais adequado está no
entrelugarou,melhor,noentreconceito.
Osconceitostradicionaisde“abstração”,deumlado,ededireitoconcreto,de
outro, não satisfazem a necessidade do processo penal. Há que se buscar o
entreconceito, entre o abstrato e o concreto. É algo a ser construído à luz da
especificidadedoprocessopenal 163.
Nessa linha,Coutinho164 – inspiradoemLiebman–desenvolveaconcepção
dedireito“conexo instrumentalmenteaocasopenal”.Advertequeofatodeser
umdireito abstratonão significaque seja ilimitadoe incondicionado.Deve ser
dosado e condicionado, somente podendo exercê-lo aquele que preencher
determinadas condições. Está vinculado a um caso concreto, determinado e
exatamenteindividuado.Assim,aabstraçãoéadmitida(poisnãohácomonegar
que a ação existe e foi devidamente exercida ainda que a sentença seja
absolutória),bemcomoaautonomia(poisodireitopotestativo165deacusarnão
se confunde com poder [material] de punir), mas ambas são atenuadas –
aproximando-sedoconceitodedireitoconcreto–namedidaemqueseexigeque
aaçãoprocessualpenaldemonstreumaconexãoinstrumentalemrelaçãoaocaso
penal (visto aqui como elemento objetivo da pretensão acusatória, conforme
conceitosdesenvolvidosanteriormente,quandodoestudodoobjetodoprocesso).
TambémdessaconcepçãoseaproximaTucci 166,aodefiniraaçãoprocessual
penal como um direito subjetivo de índole processual, instrumentalmente
conexo a uma situação concreta.Aconexão instrumental é uma exigência do
princípiodanecessidade,emqueodelitosomentepodeserapuradonocursodo
processo,poisodireitopenalnão temrealidadeconcretanempodercoercitivo
forado instrumentoprocesso.Tambémsevincula ànoçãode instrumentalidade
constitucionalanteriormentedesenvolvida,poisoprocessoéuminstrumentopara
apuraçãodofato,masestritamentecondicionadopelaobservânciadosistemade
garantiasconstitucionais.
Naaçãoprocessualpenal,ocaráterabstratocoexistecomavinculaçãoauma
causa, que é o fato aparentemente delituoso. Logo, uma causa concreta. Existe
assim uma limitação e vinculação a uma causa concreta que deve ser
demonstrada,aindaqueemgraudeverossimilhança,ouseja,defumuscommissi
delicti.
Portanto, nesta linha de pensamento (que é amais próxima da realidade do
processopenal,sublinhe-se),aaçãoprocessualpenaléumdireitopotestativo
deacusar,público,autônomo,abstrato,masconexoinstrumentalmenteaocaso
penal.
2.4.Condiçõesdaaçãoprocessualpenal(enãocivil!)
2.4.1.Quandosepodefalaremcondiçõesdaação?
Segundo o pensamento majoritário, as condições da ação não integram o
méritodacausa,massãocondiçõesparaqueexistaumamanifestaçãosobreele.
Assim, questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva (negativa de
autoria), não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevem-se às
situações previstas no art. 395, II, do CPP, impedindo a manifestação sobre o
casopenal(mérito)emjulgamento.Tambémencontramosaausênciadecondições
da ação nas causas de absolvição sumária, no art. 397, demonstrando o quão
próximoestãodomérito,ouseja,docasopenal(elementoobjetivodapretensão
acusatória).
Antes de entrar nessas questões, é importante fazer um questionamento-
advertência: é correto falar em condições da ação processual penal? Existem
condiçõesqueefetivamentecondicionemoexercíciodaaçãoprocessual?
Ora,secomoafirmadoanteriormenteaaçãoéumpoderpolíticoconstitucional
de invocar a tutela jurisdicional e encontra sua base no art. 5º, XXXV, da
Constituição, como se pode falar em condições nas quais a Constituição não
condiciona?
Parachegar-seàresposta,énecessáriocompreenderqueodireitodeaçãoé
um“direitodedoistempos”167.
No primeiro momento, estamos na dimensão constitucional do poder de
invocar a tutela estatal. Esse poder – ius ut procedatur – é completamente
incondicionado. Ou seja, não existem condições para que a parte o exerça e
tampouco possibilidades de impedir seu exercício. Não há como proibir ou
impediralguémdeajuizarumaqueixa-crimeoudeoMinistérioPúblicooferecer
uma denúncia168. Essa é a dimensão constitucional, abstrata e incondicionada
dessedireito.
OmestrecomplutenseJaimeGuasp169,comentandoopensamentodeCarnelutti
na obra Lezioni sul processo penale, afirma que ação é um direito público
subjetivoque“expulsaenrealidadelconceptodeaccióndelcampodelderecho
procesalparaencajarloenelcampodelderechopúblico”,ouseja,comopoder
político-constitucionaldeinvocação.
Masexisteosegundomomento,denaturezanãomaisconstitucional,massim
processual penal. É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela
postulada,obterounãoa resposta jurisdicionalalmejada,movimentarounãoa
máquinaestatal.NasíntesedeJardim170,ascondiçõesdaaçãonãosãocondições
paraaexistênciadodireitodeagir,massimparaoseuregularexercício.
Considerando o custo que encerra o processo e o fato de não haver
possibilidadede–aqualquermomento–serextintosemjulgamentodemérito,a
análise das condições da ação como requisitos a serem preenchidos para o
nascimentodoprocessoeobtençãodatutelapedidaéfundamental.
Feitaessaadvertência,sublinhe-se,ainda,quenãohádúvidadequeojuizfará
umasumáriaincursãopeloméritodacausa,e,aindaqueteoricamentesejaclaraa
separação entitativa entre a esfera regida pelo direito material e a situação
processual,éevidentequenoplanoontológicodoprocessoexisteumaprofunda
interação entre elas. Como aponta Tourinho Filho171, “queiram ou não, as
condições da ação servem de cordão umbilical entre a causa petendi e o
exercício do direito de ação. Como poderá o juiz apreciar a legitimatio ad
causamsenãoemfacedacausapetendi?”Vejamosagoraascondiçõesdaação
noprocessopenal.
2.4.2.Condiçõesdaaçãopenal:equívocosdavisãotradicional-civilista
Segundo o pensamento majoritário, as condições da ação não integram o
méritodacausa,massãocondiçõesparaqueexistaumamanifestaçãosobreele.
Assim, questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva (negativa de
autoria), não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevem-se às
situações previstas no art. 395, II, do CPP, impedindo a manifestação sobre o
casopenal(mérito)emjulgamento.Tambémencontramosaausênciadecondições
da ação nas causas de absolvição sumária, no art. 397, demonstrando o quão
próximoestãodomérito,ouseja,docasopenal(elementoobjetivodapretensão
acusatória).
Quantoàscondiçõesdaação,adoutrinacostumadividi-lasem:legitimidade,
interesseepossibilidadejurídicadopedido.Oproblemaestáemque,natentativa
de adequar ao processo penal, é feita uma verdadeira ginástica de conceitos,
estendendo-os para além de seus limites semânticos. O resultado é uma
desnaturação completa, que violenta amatriz conceitual, sem dar uma resposta
adequadaaoprocessopenal.Vejamosporque:
a)Legitimidade:esseéumconceitoquepodeseraproveitado,poissetratade
exigir uma vinculação subjetiva, pertinência subjetiva, para o exercício da
ação processual penal.Apenas, como explicaremos na continuação, não há
quesefalarem“substituiçãoprocessual”nocasodeaçãopenaldeiniciativa
privadaetampoucoédeboatécnica(emquepeseaconsagraçãolegislativa
edogmática) adivisãoemaçãopenalpública eprivada.Comovisto, toda
ação é pública, por essência. Não existe ação processual penal (ou
processual civil) privada. Trata-se de um direito público. O problema
costumasercontornadopelainserção“deiniciativa”públicaouprivada.
b) Interesse: para ser aplicado no processo penal, o interesse precisa ser
completamentedesnaturadonasuamatrizconceitual.Lánoprocessocivil,é
visto como “utilidade e necessidade” do provimento. Trata-se de interesse
processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse
material. É a tradicional concepção de Liebman, do binômio utilidade e
necessidadedoprovimento.Noprocessopenal,algunsautoresidentificamo
interessedeagircomajustacausa,demodoque,nãohavendoummínimode
provas suficientes para lastrear a acusação, deveria ela ser rejeitada (art.
395,III).
Crítica: Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta
inaplicávelaoprocessopenal.Issoporqueoprocessopenalvemmarcadopelo
princípio da necessidade, algo que o processo civil não exige e, portanto,
desconhece.Seo interesse, civilisticamentepensado, corresponde à tradicional
noçãodeutilidadeenecessidadedoprovimento,nãohánenhumapossibilidade
decorrespondêncianoprocessopenal.
O princípio da necessidade impõe, para chegar-se à pena, o processo como
caminho necessário e imprescindível, até porque o direito penal somente se
realizanoprocessopenal.Apenanãosóéefeitojurídicododelito172,senãoque
é um efeito do processo; mas o processo não é efeito do delito, senão da
necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo. Então ele é
inerenteàaçãoprocessualpenal,nãocabendoadiscussãoemtornodointeresse.
Para o Ministério Público, tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa
(pública) comonos crimes de iniciativa privada, o interesse é inerente a quem
tiverlegitimidadeparaproporaação,poisnãoháoutraformadeobtereefetivar
apunição.
Então,oquefazadoutrinaprocessualpenalparaaproveitaressacondiçãoda
açãoprocessualcivil?Entulhamentoconceitual.Aintençãoéboa,eissonãose
coloca em dúvida, mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo.
Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam emmuito seus
limites,culminandoporgerarumconceitodiverso,mascomomesmonome(que
nãomaislheserve,porevidente).Nessalinha,costumamtratarcomo“interesse”
questõesquedizemrespeitoà“punibilidadeconcreta”,talcomoainexistênciade
prescrição,oumesmode“justacausa”,comooprincípiodainsignificância.
c) Possibilidade jurídica do pedido: quanto à possibilidade jurídica do
pedido, cumpre, inicialmente, destacar que o próprio Liebman, na terceira
edição do Manuale di diritto processuale civile, aglutina possibilidade
jurídica do pedido com o interesse de agir, reconhecendo a fragilidade da
separação.Comoconceberqueumpedidoéjuridicamenteimpossíveldeser
exercidoe,aomesmotempo,provenientedeumapartelegítimaequetenha
um interesse juridicamente tutelável? Ou, ainda, como poderá uma parte
legítima ter um interesse juridicamente tutelável, mas que não possa ser
postulado?Sãoquestõesquesópodemserrespondidasdeformapositivapor
meio de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico
oníricodealguns.Assim,frágilacategorização,mesmonoprocessocivile,
principalmente,noprocessopenal.
Superada essa advertência inicial, o pedido da ação, no processo penal de
conhecimento, será sempre de condenação, exigindo um tratamento
completamente diverso daquele dado pelo processo civil, pois não possui a
mesma complexidade. Logo, não satisfaz o conceito civilista de que o pedido
deve estar autorizado pelo ordenamento, até porque, no processo penal, não se
pede usucapião do Pão de Açúcar... (típico exemplo dosmanuais de processo
civil).
Adoutrinaqueadotaessaestruturacivilistacostumadizerqueparaopedido
(de condenação, obviamente) ser juridicamente possível a conduta deve ser
aparentementecriminosa(oqueacabaseconfundindocomacausadeabsolvição
sumária do art. 397, III, do CPP); não pode estar extinta a punibilidade (nova
confusão,agoracomoincisoIVdoart.397)ouaindahaverummínimodeprovas
paraampararaimputação(oque,naverdade,éajustacausa).
Crítica:Naverdade,oqueseverificaéumaindevidaexpansãodosconceitos
do processo civil para (ilusoriamente) atender à especificidade do processo
penal.
Emsuma,oquesepercebeclaramenteéa inadequaçãodessascategoriasdo
processo civil, cabendo-nos, então, encontrar dentrodopróprioprocessopenal
suascondiçõesdaação,comosefaránacontinuação.
2.4.3.Condiçõesdaaçãopenalsegundoascategoriasprópriasdoprocessopenal
Agora, diante da necessidade de respeitarem-se as categorias jurídicas
próprias do processo penal, devemos buscar as condições da ação dentro do
próprioprocessopenal,apartirdaanálisedascausasderejeiçãodaacusação.
Assim,dorevogadoart.43edoatualart.395,sustentamosquesãocondiçõesda
açãopenal 173:
práticadefatoaparentementecriminoso–fumuscommissidelicti;
punibilidadeconcreta;
legitimidadedeparte;
justacausa.
Vejamos agora, sucintamente, cada uma das condições da ação processual
penal.
2.4.3.1.Práticadefatoaparentementecriminoso–fumuscommissidelicti
Tradicionalmente, entendeu-se que “evidentemente não constituir crime”
significava, apenas, atipicidade manifesta. Contudo, este não é um critério
adequado.
Inicialmente,deve-seconsiderarqueo inciso IIIdoart.397doCPPfalaem
“crime”.Aindaquesepossadiscutirsecrimeéfatotípico,ilícitoeculpávelou
uminjustotípico,ninguémnuncadefendeuqueoconceitodecrimeseresumiaà
tipicidade. Logo, atendendo ao referencial semântico da expressão contida no
CPP, deve-se trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente.
Quanto ao conceito de crime, nenhuma dúvida temos de que a acusação deve
demonstraratipicidadeaparentedaconduta.
Paraalémdisso,dasduasuma:ouseaceitaoconceitodetipodeinjusto,na
esteira de Cirino dos Santos, em que se exige que, além dos fundamentos
positivosdatipicidade,tambémdevehaveraausênciadecausasdejustificação
(excludentes de ilicitude); ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e
ilicitudedesmembrados.
Emqualquercaso, sehouverelementosprobatóriosdequeoacusadoagiu–
manifestamente – ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, deve a
denúnciaouqueixaserrejeitadacombasenoart.395,II(poisfaltaumacondição
da ação). A problemática situa-se na demonstração manifesta da causa de
exclusão da ilicitude. É uma questão de convencimento do juiz.Mas, uma vez
superada essa exigência probatória, se convencido de que o acusado agiu ao
abrigodeumacausadeexclusãodailicitude,deveojuizrejeitaraacusação.
Casoesseconvencimentosomentesejapossívelapósarespostadoacusado,a
decisãopassaráaserdeabsolviçãosumária,nostermosdoart.397.
Superadaessaquestão(tipicidadeeilicitude),surgeoquestionamento:ese
o acusado agiu –manifestamente – ao abrigo de uma causa de exclusão da
culpabilidade,podeojuizrejeitaraacusação?
Pensamosquesim.
Assim,havendoprovadacausadeexclusãodaculpabilidade(comooerrode
proibição, por exemplo), pré-constituída na investigação preliminar, está o juiz
autorizadoarejeitaraacusação.
Oquenosimportaagoraéque,umavezdemonstradaacausadeexclusãoe
convencido o juiz, está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou
queixa. Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério
Público.
Adenúnciadeveráserrejeitada,nostermosdoart.395,II,doCPP,complena
produçãodosefeitosdacoisajulgada(formalematerial).
Emsuma,aquestãodeveseranalisadadaseguinteforma:
a)seacausadeexclusãodailicitudeouculpabilidadeestiverdemonstradano
momentoemqueéoferecidaadenúnciaouqueixa,poderáojuizrejeitá-la,
com base no art. 395, II (falta uma condição da ação penal, qual seja, a
práticadeumfatoaparentementecriminoso);
b) se o convencimento do juiz (sobre a existência da causa e exclusão da
ilicitude ou da culpabilidade) somente for atingido após a resposta do
acusado,játendosidoadenúnciaouqueixarecebidaportanto,adecisãoserá
deabsolviçãosumária(art.397).
2.4.3.2.Punibilidadeconcreta
Exigiaoantigo(e já revogado)art.43, II,doCPPquenãose tenhaoperado
umacausadeextinçãodapunibilidade,cujoscasosestãoprevistosnoart.107do
Código Penal e em leis especiais, para que a ação processual penal possa ser
admitida. Agora, essa condição da ação também figura como causa de
“absolviçãosumária”,previstanoart.397,IV,doCPP.Masissonãosignificaque
tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente
possaserreconhecidapelaviadaabsolviçãosumária.Nadadisso.Deveo juiz
rejeitaradenúnciaouqueixaquandohouverprovadaextinçãodapunibilidade.A
decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova
somente é produzida apóso recebimentodadenúncia (ou seja, após a resposta
escritadoacusado).
Quando presente a causa de extinção da punibilidade, como prescrição,
decadênciaerenúncia(noscasosdeaçãopenaldeiniciativaprivadaoupública
condicionadaàrepresentação),adenúnciaouqueixadeveráserrejeitadaouoréu
absolvidosumariamente,conformeomomentoemquesejareconhecida.
2.4.3.3.Legitimidadedeparte
Dessa forma, nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos
perseguíveis pormeio de denúncia (ou de ação penal de iniciativa pública), o
polo ativodeverá serocupadopeloMinistérioPúblico, eisque, nos termosdo
art.129,I,daConstituição,éoparquetotitulardessaaçãopenal.
Nasaçõespenaisde iniciativaprivada,caberáàvítimaouseu representante
legal (arts. 30 e 31 do CPP) assumir o polo ativo da situação processual. A
doutrina brasileira, na sua maioria, entende que nessa situação ocorre uma
substituição processual, verdadeira legitimação extraordinária, nos termos do
art.6ºdoCPC,namedidaemqueoquerelantepostulariaemnomepróprioum
direitoalheio(iuspuniendidoEstado).Éumerrobastantecomumdaquelesque,
sematentarparaascategoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal,aindapensam
pelasdistorcidaslentesdateoriageraldoprocesso.CompreendidoqueoEstado
exerceopoderdepunirnoprocessopenalnãocomoacusador,mascomo juiz,
tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é
próprio (ius ut procedatur, pretensão acusatória), ou seja, o poder de acusar.
Logo,nãocorrespondeopoderdepuniraoacusador,sejaelepúblicoouprivado,
namedida em que ele detém amera pretensão acusatória. Assim, em hipótese
algumaexistesubstituiçãoprocessualnoprocessopenal.
Alegitimidadedeveserassimconsiderada:
a) Legitimidade ativa: está relacionada com a titularidade da ação penal,
desdeopontodevistasubjetivo,demodoqueseráoMinistérioPúblico,nos
delitosperseguíveismediantedenúncia, edoofendidoou seu representante
legal,nosdelitosperseguíveispormeiodequeixa.Éocupadapelotitularda
pretensão acusatória. Especificamente no processo penal, a legitimidade
decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não
propriamentedointeresse.Porimperativolegal,nosdelitosdeaçãopenalde
iniciativapública,oMinistérioPúblicoserásemprelegitimadoparaagir.Já
nosdelitosdeaçãopenalde iniciativaprivada, somenteoofendidoouseu
representante legal poderá exercer a pretensão acusatória por meio da
queixa-crime.
b)Legitimidadepassiva: decorredaautoriado injusto típico.O réu,pessoa
contraaqualéexercidaapretensãoacusatória,deveterintegradoasituação
jurídicadedireitomaterial que se estabeleceucomodelito (autor-vítima).
Emoutraspalavras,alegitimaçãopassivaestárelacionadacomaautoriado
delito. Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela
culpabilidade penal, especialmente no que se refere à inimputabilidade
decorrentedamenoridade,emqueomenorde18anos(edenadainteressa
eventual emancipação civil) é ilegítimo para figurar no polo passivo do
processopenal.
A imputaçãodeve serdirigidacontraquempraticouo injusto típico.Não se
deveesquecerdequenessemomentonãopodeserfeitoumjuízodecerteza,mas
simdemeraprobabilidade,verossimilhançadaautoria.Ailegitimidadeativaou
passivalevaàrejeiçãodadenúnciaouqueixanostermosdoart.395,II,doCPP,
ou,ainda,permiteotrancamentodoprocessopormeiodehabeascorpus,eisque
setratadeprocessomanifestamentenulo(art.648,IV)porilegitimidadedeparte
(art.564,II).
A ilegitimidade da parte permite que seja promovida nova ação, eis que tal
decisão faz apenas coisa julgada formal. Corrigida a falha, a ação pode ser
novamenteintentada.Éoqueacontece,v.g.,quandooofendidoajuízaaqueixaem
delitodeaçãopenalpública.ArejeiçãodaqueixanãoimpedequeoMinistério
Públicoofereçaadenúncia.
2.4.3.4.Justacausa
Previstanoart.395,III,doCPP,ajustacausaéumaimportantecondiçãoda
açãoprocessualpenal.Emprofundoestudosobreotema,MariaTherezaRocha
AssisMoura174 adverte sobrea indefiniçãoquepairaem tornodoconceito,na
medida em que “causa possui significado vago e ambíguo, enquanto que justo
constitui um valor”. E prossegue175 lecionando que a justa causa exerce uma
funçãomediadoraentrearealidadesocialearealidadejurídica,avizinhando-se
dos “conceitos-válvula”, ou seja, de parâmetros variáveis que consistem em
adequarconcretamenteadisciplinajurídicaàsmúltiplasexigênciasqueemergem
da trama do tecido social. Mais do que isso, figura como um “antídoto, de
proteçãocontraoabusodeDireito”176.
Evidenciaassim,aautora,quea justacausaéumverdadeiropontodeapoio
(topos)paratodaaestruturadaaçãoprocessualpenal,umainegávelcondiçãoda
ação penal, que, para além disso, constitui um limite ao (ab)uso do ius ut
procedatur,aodireitodeação.Considerandoainstrumentalidadeconstitucional
doprocessopenal,conformeexplicamosanteriormente,oconceitodejustacausa
acabaporconstituirumacondiçãodegarantiacontraousoabusivodopoderde
acusar.
Ajustacausaidentifica-secomaexistênciadeumacausajurídicaefáticaque
legitimeejustifiqueaacusação(eaprópriaintervençãopenal).Estárelacionada,
assim, com dois fatores: existência de indícios razoáveis de autoria e
materialidade de um lado e, de outro, com o controle processual do caráter
fragmentáriodaintervençãopenal.
2.4.3.4.1.Justacausa:existênciadeindíciosrazoáveisdeautoriaematerialidade
Deve a acusação ser portadora de elementos – geralmente extraídos da
investigação preliminar (inquérito policial) – probatórios que justifiquem a
admissãoda acusaçãoeo custoque representaoprocessopenal em termosde
estigmatizaçãoepenasprocessuais.Casooselementosprobatóriosdoinquérito
sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal, deve o juiz
rejeitaraacusação.
Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação
(fumuscommissidelicti).Lá,exigimosfumaçadapráticadocrime,nosentidode
demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica, ilícita e
culpável.Aqui,aanálisedeverecairsobreaexistênciadeelementosprobatórios
deautoriaematerialidade.Talponderaçãodeverárecairnaanálisedocasopenal
àluzdosconcretoselementosprobatóriosapresentados.
Aacusaçãonãopode,diantedainegávelexistênciadepenasprocessuais,ser
levianaedespidadeumsuporteprobatóriosuficientepara,àluzdoprincípioda
proporcionalidade,justificaroimensoconstrangimentoquerepresentaaassunção
dacondiçãode réu.Éo“lastroprobatóriomínimo”,aquealudeAfrânioSilva
Jardim177, exigidoaindapelosarts.12,39,§5º,46,§1º, e648, I (acontrário
senso),doCódigodeProcessoPenal.
2.4.3.4.2.Justacausa:controleprocessualdocaráterfragmentáriodaintervençãopenal
ComobemsintetizaCezarRobertoBitencourt178, “o caráter fragmentário do
direitopenalsignificaqueodireitopenalnãodevesancionar todasascondutas
lesivas a bens jurídicos,mas tão somente aquelas condutasmais graves emais
perigosas praticadas contra bens mais relevantes”. É, ainda, um corolário do
princípio da intervenção mínima e da reserva legal, como aponta o autor. A
filtragemoucontroleprocessualdocaráterfragmentárioencontrasuajustificativa
enecessidadenainegávelbanalizaçãododireitopenal.
Quandosefalaemjustacausa,estásetratandodeexigirumacausadenatureza
penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas
processuaisqueelecontém. Inclusive, sedevidamenteconsiderado,oprincípio
daproporcionalidadevistocomoproibiçãodeexcessode intervençãopodeser
considerado a base constitucional da justa causa.Deve existir, nomomento em
que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa, uma clara
proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e
processual,deumlado,eocustodoprocessopenal,deoutro.
Nessa dimensão, situamos as questões relativas à “insignificância” ou
“bagatela”. Considerando que toda “categorização” implica reducionismo e
frágeis fronteiras à complexidade, não negamos que a insignificância possa ser
analisada na primeira condição (fumaça de crime), na medida em que incide
diretamentenatipicidade.
Contudo,paraalémdasinfindáveisdiscussõesteóricasnocampodadoutrina
penal, nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso, à luz da
proporcionalidade, da ponderação dos bens em jogo, ou, ainda, da própria
estrutura do bem jurídico e da missão do direito penal. E, quando fizer isso,
estaráatuandonajustacausaparaaaçãoprocessualpenal.
2.4.4.Outrascondiçõesdaaçãoprocessualpenal
Para além das enumeradas e explicadas anteriormente, existem outras
condições,que igualmentecondicionamaproposituradaaçãoprocessualpenal.
Algunsautoreschamamdecondiçõesespecíficas,emcontrastecomascondições
genéricas, anteriormente apontadas. Mais usual ainda é a classificação de
“condiçõesdeprocedibilidade”,especificamenteemrelaçãoàrepresentaçãoeà
requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública
condicionada.
Contudo, razão assiste a Tucci quando esclarece que tais classificações não
possuem sentido de ser, na medida em que tanto a representação como a
requisiçãodoMinistrodaJustiçanadamaissãodoque“outrascondiçõesparao
exercíciododireitoàjurisdiçãopenal”179.
Mas, para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça,
existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal,
como,porexemplo(enumeraçãonãotaxativa):
a) poderes especiais emenção ao fato criminoso na procuração que outorga
poderesparaajuizarqueixa-crime,nostermosdoart.44doCPP;
b)aentradanoagentenoterritórionacional,noscasosdeextraterritorialidade
daleipenal,paraatenderàexigênciacontidanoart.7ºdoCódigoPenal;
c)otrânsitoemjulgadodasentençaanulatóriadocasamentonocrimedoart.
236,parágrafoúnico,doCP;
d) prévia autorização daCâmara dosDeputados nos crimes praticados pelo
Presidente ouVice-Presidente daRepública, bemcomopelosMinistros de
Estado,nostermosdoart.51,I,daConstituição.
Emqualquerdessescasos,adenúnciaouqueixadeveráserrejeitadacombase
no art. 395, II, do CPP. Caso não tenha sido percebida a falta de uma das
condições da ação e o processo tenha sido instaurado, deve ser trancado (o
processo)pormeiodehabeascorpus, ou extintopelo juiz (decisãomeramente
terminativa). Quanto aos efeitos da decisão, não haverá julgamento de mérito,
podendo a ação ser novamente proposta, desde que satisfeita a condição,
enquantonãoseoperaradecadência(nocasodarepresentaçãooudeprocuração
compoderesespeciaisparaaqueixa)ouaprescrição.
2.5.Aproposta:teoriadaacusação.ReflexosnaSantaTrindade“acusação-jurisdição-processo”
2.5.1.Anecessidade:inadequaçõesdecorrentesdoconceitotradicionalde“ação”.Oconceitode“acusação”
Não é precisomaior esforço para perceber que toda a discussão acerca da
“ação”eseusdemaiscaracteresfoifeitadesdeaperspectiva,ascategoriaseas
especificidadesdoprocessocivil.
Essa construção teórica foi transplantada, com muito sacrifício conceitual,
paraoprocessopenal,esbarrando,otempotodo,noslimitesdesuainadequação.
Basta,porexemplo,verificarqueaconcepçãodeaçãopenalpúblicaeação
penalprivadaéumerro,pois todaaçãoépública,por isso, temosde falar em
açãopenal de “iniciativa” pública ou “iniciativa” privada, para tentar salvar o
transplanterejeitado.
Outro obstáculo epistemológico são as concepções de ação como direito
concretoeaçãocomodireitoabstrato,namedidaemque–noprocessopenal–
nãonosservenemumanemoutraconcepção.
Issofezcomque,paratentarsalvaracategoria“ação”,fossecriadaa“teoria
eclética”,poisnãorarasvezes,quandoodireitonãodácontadacomplexidade
fenomenológica de algo, recorre a vagueza conceitual de teorias “ecléticas”,
“mistas” e coisas do gênero. É, para superar esse arremedo conceitual, que
proporemosaseguiraconstruçãodeuma“teoriadaacusação”,quepossasuperar
essastransmissõesinadequadas.
As condições da ação do processo civil (legitimidade, interesse e
possibilidade jurídica do pedido) seguem sendo repetidas de forma
absolutamente inadequada no processo penal e ainda esbarram em outro
problema: o escalonamentodoprocessopenal.Ao contrário doprocesso civil,
em que o autor somente tem de demonstrar “condições” formais para que a
demandasejarecebida,noprocessopenalasituaçãoécompletamentedistinta.
Noprocessocivil,todasasquestõesdeméritoficamreservadasparaanálise
nasentença(comoregra,éclaro).Jánoprocessopenal,desdeoinício,paraque
a acusação seja recebida, deve o acusador demonstrar a fumaça domérito, ou
seja, a viabilidade em sede de verossimilhança (fumus commissi delicti). Isso
porqueoprocessopenaltemumelevadocusto,estigmatizae,principalmente,jáé
uma pena em si mesmo. Na lendária frase de Carnelutti, a maior miséria do
processopenaléquepunimosparasabersedevemospunir.
É uma distinção tão relevante que faz com que não se possam importar as
condições da ação, nem sequer “adaptando-as”, pois o problema é outro, é na
base epistemológica do instituto. O processo penal tem um escalonamento
progressivo ou regressivo de culpabilidade, de modo que a acusação somente
pode ser admitida se houver fumaça da prática de um crime (logo indícios
razoáveis do própriomérito) e, se essa fumaça desaparecer com os elementos
trazidospeladefesa,deveojuizabsolversumariamenteoréu,semprecisarhaver
odesenvolvimentocompletodoprocedimento.Ouseja,épossívelumadecisão
sobre o mérito – absolvição sumária – antes da sentença final. Tudo isso é
completamente contrário à base conceitual desde sempre pensada para as
condiçõesdaaçãopeloprocessocivil.
Por tudo isso, nossa proposta parte da assunção das categorias jurídicas
próprias do processo penal e da necessidade de superação da inadequada
estrutura teórica existente. Pensamos ser necessário construir uma teoria da
acusação, que liberta dos dogmas e polêmicas (processuais civis) do passado,
contribua para a elaboração de uma teoria de base e que melhor atenda às
necessidadesespecíficasdoprocessopenal.
Concordamos comGómez Orbaneja180 quando define a ação penal como o
direitomeramenteformaldeacusar(aquiestáasementeda“teoriadaacusação”),
na qual não se faz valer uma exigência punitiva, senão que se criam os
pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à
averiguação do delito e de seu autor.O acusador não exerce o poder de punir
(nissoresideaautonomiaque tambémconstituiumrecortedeabstração),senão
queafirmandoseunascimentoepostulaaefetivaçãodopoderdepunirqueédo
Estado-juiz,queexercerápelaprimeiraveznasentença.
Precisamos sepultar a equivocada concepção de que haveria uma exigência
punitiva (ação de direito material) a ser exercida no processo penal sob a
roupagemde“pretensãopunitiva”.Comoexplicamosanteriormentenoestudodo
“objetodoprocessopenal”,odireitopenalédespidodepodercoercitivodireto,
necessitandosempredoprocessopenalparaserealizareefetivar(Princípioda
Necessidade=nullapoenasineiudicio).Noprocessopenal,oacusadorexerce
umpoderprópriodeacusar(iusutprocedatur=pretensãoacusatória),eojuiz
exerceaofinal(preenchidososrequisitosparatanto)outropoder,qualseja,o
poderdepunir(oudepenar).
O poder de punir é do juiz e não do acusador. AoMinistério Público não
compete o poder de punir, mas a pena de promover a punição (Carnelutti). O
acusadornoprocessopenalnãoestánaposiçãode“credor”dodireitocivil, a
exigiraadjudicaçãodeumdireitopróprio.Nãoédissoquesetratae,portanto,
erroprimevodaconcepçãode“pretensãopunitiva”tradicionalmenteutilizada.
Oacusadorexerceumdireitoprópriodeacusar,quenãoseconfundecomo
poder condicionado de punir, do juiz. Uma vez exercido o poder de acusar e
demonstrada a existência de um caso penal no devido processo penal
(especialmente na dimensão de decisão construída pelo procedimento em
contraditório [Fazzalari]), criam-se as condições de possibilidade para o
exercíciodopoder(condicionado,portanto)depunir,queédojuiz.
A acusação – vista como instrumento portador do direito potestativo de
proceder contra alguém – gera uma obrigação do órgão jurisdicional de
manifestar-se(atéporconsequênciadoprincípiodanecessidade).Semdúvida,há
uma situação de sujeição do acusado à situação jurídico-processual
estabelecida, na concepção dinâmica de Goldschmidt. Por meio da acusação
invoca-seaatuaçãoda jurisdição,dando inícioaoprocesso(situação jurídica),
queculminarácomadecisão.
O simples exercício da acusação – ius ut procedatur – coloca o sujeito
passivonumanovaposição jurídica,adesubmetidoaumprocessopenal.Com
isso,estarásujeitoàincidênciadasnormaseinstitutosprocessuaispenais,como
prisãopreventiva,liberdadeprovisóriacomfiança,deverdecomparecimentoaos
atos do processo etc. Adotamos, assim, a posição de Giovanni Leone181, em
relação ao binômio direito subjetivo/potestativo. Para o autor, a posiçãomista
decorredanecessidadedeadotarumnovocaminhoquerepresenteaconfluência
dasconcepçõesdistintas–masnãoopostas–deaçãocomodireitosubjetivoe
açãocomodireitopotestativo.
Emdefinitivo,onascimentodoprocessopenalestabeleceumanovasituazione
giuridicasubjettivaqueacarretaerefleteummaiorgraudediminuiçãodostatus
libertatisdosujeitopassivo.Aacusaçãoéaomesmotempoumdireitosubjetivo
– em relação ao Estado-Jurisdição – e um direito potestativo em relação ao
imputado182.
No primeiro caso, corresponde à obrigação da prestação da tutela
jurisdicionaledeemitirumadecisão;nosegundo,háumasujeiçãodoimputado
àsconsequênciasprocessuaisproduzidaspelaação.
Aqui, destaque-se, para evitar críticas fundadas na incompreensão dessa
construção, que não existe sujeição do imputado em relação ao acusador (sob
penadevoltarmosàequivocadaconcepçãodeexigênciapunitiva),massimem
relaçãoàsituaçãojurídicaprocessualnascidadaadmissãodaacusação.Nãose
sujeita o réu ao acusador, mas ao processo e ao conjunto de atos nele
desenvolvido.
Concebidaaacusaçãocomopoderdeproceder(iusutprocedatur),portadora
docasopenal(fumuscommissidelicti),pelaqualseinvocaaatuaçãodopoder
jurisdicional, não necessitamos mais utilizar o conceito de “pretensão
acusatória”.Umavezabandonados–porinadequados–osconceitostradicionais
de ação, o também tradicional conceito de pretensão perde sentido,
principalmenteoerradoconceitodepretensãopunitiva.
Sustentamos a concepção de pretensão acusatória, usando como referencial
teóricoasconstruçõesdeGuasp,GómezOrbanejaeGoldschmidt,demonstrando
inicialmenteoerrodepensar-seaexistênciade“pretensãoacusatória”namedida
emqueoacusadornãoétitulardenenhumaexigênciapunitiva,tampoucoexistea
possibilidade de realização dela fora do processo penal (princípio da
necessidade) e, principalmente, por representar uma transmissão mecânica de
categoriasdoprocessocivil.Oacusador,sejapúblicoouprivado,nãoédetentor
de uma pretensão “punitiva”, na medida em que não são detentores de uma
exigência punitiva e tampouco do poder de punir. O poder de punir é de
atribuição do juiz. Ao acusador compete apenas um poder de acusar, logo,
pretensãoacusatória.
Contudo, pensamos que se pode prescindir do conceito de “pretensão
acusatória”nomomentoemqueserompercomavisãotradicional.Épreciso
assumir, ainda que seja um conceito muito mais acertado que o de “pretensão
punitiva”, que tal construção é – na sua essência – fruto das construções
civilistas. Não deixa de ser uma “roupa da irmã mais velha”, na fábula
carneluttiana. Rompendo-se com a visão tradicional de ação, esvazia-se a
concepçãodepretensão.
Assim, trabalhamoscomaacusaçãocomo“poderdeprocedercontraalguém
em juízo”, ius ut procedatur, o instrumento capaz de provocar a manifestação
jurisdicional,quedeveserportadordo“casopenal”.Feitaessaressalva,umavez
admitidaaacusaçãoeiniciadooprocesso,o“objeto”passaaseraimputação,o
casopenaltrazido,obrigandoaumareformulaçãodenossaconcepção.
Essaacusação,portanto,seráoinstrumentoportadordoiusutprocedatur,isto
é,dopoderdeacusarenoprocessopenalbrasileiroseconcretizaránadenúncia
ou queixa, conforme o delito seja de acusação pública ou privada (quanto à
iniciativa).
Liberto das categorias e polêmicas seculares, podemos considerar que a
acusação será pública quando levada a cabo pelo órgão oficial do Estado,
MinistérioPúblico.Poderáseraindaumaacusaçãopúblicacondicionada,quando
a lei impuser a necessidade de uma prévia autorização da vítima para que o
Estadopossaprocedercontraalguém(representação).
Já a acusação será privada nos delitos emque a lei outorga ao particular o
poder de acusar, concretizando essa acusação na queixa-crime. Superadas as
concepções públicas e privadas do passado, pode-se trabalhar a partir da
legitimidade ativa para definição. Considerando que tanto a iniciativa pública
como a privada estão previstas na Constituição, podemos perfeitamente
conceituar como um poder constitucional, de iniciativa pública ou privada, de
acusaralguémfrenteaoórgãojurisdicional.É,portanto,nestemomento,umpoder
deagirincondicionado.
Deve ser completamente abandonadoo civilismode pensar ser o querelante
um“substitutoprocessual”, figuradoprocessocivil, trazidaà forçaporalguma
doutrinaparaoprocessopenal.Nãoexiste substituiçãoprocessualnoprocesso
penal, namedida emque o particular exerce umpoder próprio (de acusar) em
nomepróprio.Afigurado“substituto”foiumanecessidadedecorrentedaerrônea
concepção de “pretensão punitiva”, de modo que um erro levou a outro para
justificarapremissainicial(errada).Oparticularnãoexerceopoderdepunire,
porisso,nãoexerceemnomepróprioumdireitoalheio...Eleétitulardopoder
de acusar, da mesma forma que o Ministério Público, havendo uma única
diferença, que é a legitimidade para exercê-lo, fruto de opção de política
processual.Nadaalémdisso.
2.5.2.Requisitosdeadmissibilidadedaacusação
Uma vez recebida a acusação, caberá ao juiz a análise dos requisitos de
admissibilidadedaacusação.Nãohásentidoemseguirutilizandoacategoria
das“condiçõesdaação”,comopesohistóricoquetem,namedidaemquehoje
elasconstituem,naverdade,requisitosdeadmissibilidadedaacusação(denúncia
ouqueixa).
As condições da ação sempre foram definidas como condições para o
exercício do direito de ação, seu regular exercício. Mas atualmente, mesmo a
açãoévistacomoumpoderpolítico-constitucionaldeinvocação,absolutamente
“incondicionado”nasuaessência,surgindoanecessidadedesepensaremação
como direito “de dois tempos”, como anteriormente explicado, para salvar o
conceito.
Considerando que o poder de invocação da tutela jurisdicional é
essencialmente “incondicionado” e que eventual controle se dará no segundo
estágio,quandoojuizdecideseadmiteounãoaacusação(ouaaçãonocível).
Por isso, tampouco é de todo correto seguir operando com a categoria
“condições”dealgoqueconstituiumpoderincondicionado...
Por isso, pensamos que na reestruturação teórica do instituto, mais um
inconvenienteasersolucionadoéesse:abandonodacategoria“condições”para
situarnadimensãode“requisitosdeadmissibilidade”,poisédissoquesetrata.
Umavezexercidaaacusaçãopúblicaouprivada,verificaráojuizseaadmiteou
não, analisandoos requisitos já conhecidos de fumaça da prática de umcrime,
punibilidade concreta, justa causa e legitimidade ativa/passiva. Preenchidos,
poderáojuizreceberaacusação.
Portanto,essessãoos“requisitosdeadmissibilidadedaacusação”:
a)Legitimidade ativa e passiva: em que se verificará, à luz da tipicidade
aparente,queméoacusadoratribuídoporlei,sepúblicoouprivado.Quanto
ao polo passivo, trata-se de análise sumária da figura do acusado, não
admitindoaacusaçãoquesedirijacontraalguémquemanifestamentenãoéo
autor/partícipedofatoaparentementecriminoso,ousejainimputável.
b)Práticade fatoaparentementecriminoso:éoconhecido fumuscommissi
delicti, cabendo ao acusador demonstrar a tipicidade aparente
(verossimilhançaacusatória),mastambémaaparênciadeilicitude.Havendo
elementosprobatóriosdequeoimputadoagiu,manifestamente,aoabrigode
uma causa de exclusão da ilicitude, deve a acusação ser rejeitada (não
admitida).
c)Punibilidade concreta: superada a visão civilista de que isso seria uma
discussão acerca do “interesse”, a exigência de demonstração da
punibilidadeconcretatambémpodeserpensadacomoumelementonegativo,
ou seja, não pode ter ocorrido uma causa de extinção da punibilidade
(prescrição, decadência etc.), prevista no art. 107 do CP ou em leis
especiais.
d) Justa causa: pensada como um limite contra o uso abusivo do poder de
acusar,éaexigênciadequesedemonstrejurídicaefaticamenteuma“causa
penal”que justifiqueaacusação.Pensamos, comoexplicadoanteriormente,
queajustacausadizrespeitoàexistênciadeindíciosrazoáveisdeautoriae
materialidadedeumladoe,deoutro,comocontroleprocessualdocaráter
fragmentáriodaintervençãopenal.
Para evitar repetições, remetemos o leitor para a explicação feita, quando
tratamosdas“condiçõesdaação”.
Essessãoverdadeirosrequisitosparaqueumaacusação–públicaouprivada
– seja admitida, dando início ao processo. Não preenchidos, deverá o juiz
“rejeitaraacusação”.
2.5.3.Reflexosnosconceitosdejurisdiçãoeprocesso
Definidaaacusaçãocomoosubstitutivoconceitualadequadoparaaquiloque
tradicionalmente se denominou “ação processual penal”, vejamos agora as
demaiscategoriasdejurisdiçãoeprocesso.
A jurisdição tradicionalmente vista como “poder-dever dizer o direito”
precisaserrepensadaàluzdasespecificidadesdoprocessopenal.Semdúvidaé
umpoder,opoderdepunir,maséumpodercondicionadoe,principalmente, é
umaatividadeprotetivadedireitosfundamentais.
Portanto,algumasdistorçõesprecisamsercorrigidas,como,porexemplo:
a)Regrasdacompetência: considerandoquea jurisdiçãonoprocessopenal
tem uma função diferente daquela realizada no processo civil, o direito
fundamentalaojuiznatural,comumacompetênciapreviamenteestabelecida
por lei,adquireumarelevânciamuitomaior.Aindaqueacompetênciaseja
vistacomolimiteaopoder,étambémumagarantiafundamentalquenãopode
ser manipulada. No processo penal, podemos seguir trabalhando com a
competênciaemrazãodamatéria,pessoaelugar,desdequenãoseimporte
inadequadamenteaideiadequeacompetênciaemrazãodolugarérelativa.
Issoéumcivilismoinadequado.OCPPnuncadisse–enempoderia,àluzda
Constituição – que a competência em razão do lugar era relativa e que
somente poderia ser arguida pela parte interessada (passiva) no primeiro
momento que falasse no processo sob pena de preclusão. Isso não está
recepcionadopeloprocessopenaleconstituimaisumerrodenãopercebera
dimensãodajurisdiçãonoprocessopenal.
b)Regras da competência II: compreendido o tópico anterior, não há como
admitirqueacompetênciapossasermodificadaapartirdeuma“resolução”
ouqualqueroutroato legislativo inferiora“lei”.Éocaso típicodasvaras
especializadas instituídas no âmbito da justiça federal, a partir de
“resoluções”dosrespectivosTRFs,violandoagarantiadareservadeleie
tambémdojuiznatural.
c)Imparcialidade:quandosesuperaavisãodejurisdiçãocomomeropoder-
dever,paraencará-lacomogarantiado indíviduosubmetidoaoprocesso,a
imparcialidade adquire novos contornos e maior relevância. Deve-se
maximizar a preocupação em evitar os pré-juízos, que geram um imenso
prejuízo.Somenteaadoçãodeumsistemaefetivamenteacusatório,quenão
apenasrespeiteoneprocedatiudexexofficio(durantetodooprocedimento,
nãoapenasnoinício!),mas,principalmente,quemantenhaojuizafastadoda
iniciativa/gestão da prova, é capaz de criar as condições de possibilidade
paraaimparcialidade.Aexigênciadaimparcialidadedeveserpensadapara
além da questão subjetiva (dos pré-julgamentos) mas também objetiva e
estética. Objetivamente se deve mirar para a estrutura processual, não
permitindoqueo juiz “desça”para a arenadaspartes,praticandoatosque
não lhe competem.Na dimensão da “estética” de imparcialidade, como já
denominouoTribunalEuropeudeDireitosHumanos (TEDH),é importante
queojurisdicionadotenhaessapercepçãodaseparaçãodefunçõesepapéis,
comumacusadoreumjulgadorcomlugaresefalasbemdemarcadas.Éessa
estética quedá a necessária confiança ao jurisdicionadode quehaverá um
julgamentojusto.
d) ImparcialidadeII: para além dos pré-julgamentos anteriormente tratados,
precisamosentenderanecessidadedeconceberaprevençãocomocausade
exclusão da competência. Como já decidiu inúmeras vezes o TEDH, juiz
prevento é juiz contaminado, que não pode julgar. Grave erro do sistema
brasileiro é manter a prevenção como causa de fixação da competência,
quandodeveriasertodoooposto.Játratamosdessaquestãodiversasvezes,
sendo desnecessário repetir.Mas é crucial que exista um juiz na fase pré-
processual,encarregadodedecidirsobreasmedidasqueexijamautorização
judicial e também de receber a denúncia, e outro juiz na fase processual.
Algo muito próximo do “juiz das garantias” desenhado no PLS n. 156
(ProjetodeReformadoCPP).
e)PodeojuizcondenarquandooMPpedeabsolvição?Evidentequenão.O
poder depunir titularizadopelo juiz é umpoder condicionado aoprévio e
integralexercíciodopoderdeacusar.Logo,seoacusadordesistirdeacusar,
pedindo a absolvição do imputado, não se criam as condições de
possibilidadeesuficiênciaparaojuizcondenar.Éaacusaçãonãoapenaso
starterdoprocesso,mastambémomotorqueomovimenta,nãopodendoo
juiz, de ofício, condenar. Ademais, também viola a estrutura acusatória, a
imparcialidade ao princípio da correlação, exatamente porque o espaço
decisório vem demarcado pela acusação. Condenar sem pedido – ou seja,
semacusação–éabsolutamenteinaceitável.
f)Princípioda correlação: importante compreender que o espaço decisório
vemdemarcadopelaacusação,queincluinãoapenasumfatoaparentemente
criminoso,mastambémsuatipificaçãolegal.Estácompletamentesuperadaa
reducionistavisãodonarramihifactumdabotibiius,poisaacusaçãodeve
conter a descrição fática e a imputação jurídica (fato processual = fato
natural+fatopenal),havendoadefesanessadupladimensão(fatoedireito).
Portanto, deve-se levar muito mais a sério a mutatio libelli e,
principalmente,extinguir(oureduzirasituaçõesextremasdeevidenteerro)a
emendatio libelli.O que se tem visto noBrasil é o uso indiscriminado (e
errado)doart.383emsituaçõesqueocorretoeraseguiroprocedimentodo
art. 384 com aditamento e contraditório (como v.g. na desclassificação de
crimedolosoparaculposo,consumadoparatentadoetc.) 183.Deve-seatentar
para os requisitos da acusação e sua função definidora dos limites
decisórios, respeitando assim o princípio da correlação, que também se
vinculaàestruturaacusatóriaeàgarantiadaimparcialidade.
g)Revisãoda teoriadanulidades:considerandoqueopapeldo juizéode
garantidor do sistema de garantias constitucionais, é preciso partir da
premissadeque“formaégarantiaelimitedepoder”eincumbeaojuizzelar
pela observância da forma enquanto regras do devido processo. Como já
explicado em outra oportunidade184, precisamos revisar a inadequada
importação das categorias do processo civil, especialmente o famigerado
“prejuízo”,nuncademonstrável,poisdependedodecisionismoilegítimodo
julgador (eis que se trata de uma categoria aberta, que vai encontrar
referencialsemânticonaquiloquequiserojulgador).Ajurisdição,enquanto
garantiafundamental,devezelarpelacontençãodailegalidade.
Enfim,diversassãoasconsequênciasnareestruturaçãodeumateoriageraldo
processopenalquevãoexigir,dajurisdição,aassunçãodeumlugardiferenciado
doatual.
Quanto ao processo, e sua natureza jurídica, o caminho vem dado por
GoldschmidtecomplementadoporFazzalari,ambosanteriormenteestudados,de
modoqueoprocessopenaliniciadopelaacusaçãofrenteaojuizpenaldeveráse
desenvolverdentrodacomplexadinâmicaderiscos,chances,cargadoacusador,
liberaçãodecargasetc.,narealidade,bemexpostapelateoriadoprocessocomo
situaçãojurídica.
Mas é imprescindível o fortalecimento ao contraditório, bem desenhado por
Fazzalari,paraquesepensena jurisdiçãocomogarantidoradocontraditório,
em que o juiz não é o “contraditor”, mas o responsável pela eficácia do
contraditório.Oprocessodeveservistocomoumprocedimentoemcontraditório,
comtodososatosmirandooprovimentofinalque,emúltimaanálise,éconstruído
emcontraditório.
A perspectiva deGoldschmidt, ao desvelar a dinâmica e o risco, coloca de
relevo a falácia de segurança do modelo de Bülow, sublinhando como
decorrência a importância da máxima eficácia das regras do jogo (devido
processo) como instrumentos redutores de danos (de uma sentença injusta). É
desvelaroriscoparafortalecerosistemadegarantias,sem–porelementar–
pactuarcomodecisionismo.
Compreender que no processo penal não há “distribuição de cargas
probatórias”, senão exclusivamente a “atribuição” da carga ao acusador é
fundamental para eficácia da presunção de inocência (regra de tratamento e de
julgamento)ecorretotratamentodaquestãoprobatóriaedoatodecisório.
AperspectivadeFazzalarinãoconstituium“novo”, senãoumacontinuidade
do pensamento goldschmidtiano, fortalecendo a dinâmica e a importância do
contraditório.Ademais, o autor italiano leciona commuita propriedade que os
atos do procedimento estão geneticamente ligados, demodo que a validade do
posterior depende e pressupõe a validade do anterior. Isso é muito relevante
quandose tratadeprovas ilícitasoumesmodasnulidadesprocessuais,poishá
umaperigosatendênciaatualmentedeveroprocedimentocomoumaaglutinação
de atos “estanques”, independentes, de forma completamente equivocada e
utilitarista.
Enfim, nesta breve introdução sobre os Fundamentos do Processo Penal,
pretendemos demonstrar que a construção de uma Teoria (Geral) do Processo
Penal inicia pelo abandono de categorias inadequadas (do processo civil) e a
correta redefinição de outras cruciais, tais como as de acusação-jurisdição-
processo,livrando-sedopesodatradiçãoedasamarrasdopassadopara,liberto,
efetivamente se construir um processo penal constitucional e democrático. É a
propostaparareflexão.
Capítulo3
Jurisdiçãopenal.Aposiçãodojuizcomofundantedosistemaprocessual
Quandosepensaajurisdiçãopenal,normalmenteconceituadacomoo"poder-
deverdedizerodireitonocasoconcreto"(jurisdictio),éprecisoatentarparao
fatodequeajurisdiçãoocupaumaposiçãoefunçãodistintadaquelaconcebida
peloprocessocivil.Aqui,jurisdiçãoégarantiae,semnegarotradicionalpoder-
dever,aeleéprecisoacrescentarumafunçãoaindamaisrelevante:garantidor.O
juizéogarantidordaeficáciadosistemadegarantiasdaConstituição.
Nãosemrazão,oprimeiroprincípio/garantiaqueestudamosnoprocessopenal
éexatamentea“garantiada jurisdicionalidade”,ou seja,de ser julgadoporum
juiz imparcial, devidamente investido, com competência previamente
estabelecidaporlei(juiznatural)queteráamissãodezelarpelamáximaeficácia
dosistemadegarantiasdaConstituição.
Diantedaacusação,vistacomoexercíciodepoder,incumbeaojuizopapelde
guardiãodaeficáciadosistemadegarantias,logo,comolimitadorecontrolador
dessepoderexercidopeloMinistérioPúblicoouoparticular.Ajurisdiçãoaqui,
neste primeiro momento, tem de realizar a filtragem para evitar acusações
infundadasouexcessivas.Éumpapelde limitadorecontroladorda legalidade
da acusação que está sendo exercida. Nesta dimensão, potencializa-se a
importânciada“filtragemjurisdicional”,pormeiodaexigênciadepreenchimento
dosrequisitosdeadmissibilidadedaacusaçãoanteriormentetratados.
Tampoucosepodefalarem“atividadesubstitutiva”,comocostumeiramenteé
adjetivadaajurisdição,namedidaemquenãoexiste–noprocessopenal–uma
efetiva substituição. O juiz não substitui as partes na atividade tendente à
resolução do litígio. E não existe isso, não só porque não existe lide, mas
principalmenteporqueapenaépública.Quandosefalaqueajurisdiçãosubstitui
a “vingança privada”, olvida-se de que o processo penal nasce com a pena
pública e que as demais formas de agir privado que a antecederam não eram
“penas”,masformasdevingançaprivada.Porisso,ojuiznãosubstituininguém.
Oprocessosurgecomapenaexatamenteporsereleocaminhonecessáriopara
chegaraela–nullapoenasineiudicio.
Pretendemos,nestebreveensaio,demonstraraindaqueaposiçãodo juizno
processopenaléfundantedosistemaprocessual.Significacompreenderqueo
processo penal – enquanto um sistema de reparto de justiça por um terceiro
imparcial (jáqueaImparcialidadeéoPrincípioSupremodoProcesso[Werner
Goldschmidt]) – está estruturado a partir da posição ocupada pelo juiz. Nesta
estrutura dialética (actum trium personarum, Bulgaro), a posição do juiz é
crucialparao(des)equilíbriodetodoosistemadeadministraçãodajustiça(edo
processo,porelementar).Sea imparcialidadeéoPrincípioSupremo,deveser
compreendido que somente um processo penal acusatório, quemantenha o juiz
afastadodainiciativaegestãodaprova,criaascondiçõesdepossibilidadepara
termosumjuiz imparcial. Impossívela imparcialidadedo juizemumaestrutura
inquisitória.
Nestecontexto,propomospensara Jurisdiçãoapartirdaposiçãodo juizno
sistemaprocessual, tendocomopanode fundoparaessacompreensãooestudo
dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório, Acusatório e o desvelamento da
insuficiênciaconceitualdochamado"sistemamisto".
Iniciemosporumaconstataçãobásica:nahistóriadodireitosealternaramas
maisdurasopressõescomasmaisamplasliberdades.Énaturalque,nasépocas
emqueoEstadoviu-seseriamenteameaçadopelacriminalidade,odireitopenal
tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse de ser também
inflexível 185.Paratanto,aposiçãoeopapeldojuiznoprocessopenalconstituem
o busílis da questão. Os sistemas processuais inquisitório e acusatório são
reflexosdarespostadoprocessopenalfrenteàsexigênciasdodireitopenaledo
Estado da época.Atualmente, o lawandorder émais uma ilusão de reduzir a
ameaçadacriminalidadeendurecendoodireitopenaleoprocesso.
NaliçãodeJ.Goldschmidt186,
losprincipiosde lapolíticaprocesaldeunanaciónno sonotracosa
quesegmentosdesupolíticaestatalengeneral.Sepuededecirquela
estructuradelprocesopenaldeunanaciónnoessinoeltermómetrode
loselementoscorporativosoautoritariosdesuConstitución.Partiendo
deestaexperiencia,lacienciaprocesalhadesarrolladounnúmerode
principios opuestos constitutivos del proceso. [...] El predominio de
uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente, no es
tampocomásqueuntránsitodelderechopasadoalderechodelfuturo.
Nessalinha,Maier 187explicaquenodireitopenal“ainfluênciadaideologia
vigenteouimpostapeloefetivoexercíciodopodersepercebemaisàflordapele
que nos demais ramos jurídicos”. E esse fenômeno é ainda mais notório no
processopenal,namedidaemqueéele,enãoodireitopenal,quetocanohomem
real, de carne e osso. Como afirmamos anteriormente, o direito penal não tem
realidade concreta fora do processo penal, sendo as regras do processo que
realizam diretamente o poder penal do Estado. Por isso, conclui Maier, é no
direito processual penal que as manipulações do poder político são mais
frequentes e destacadas, até pela natureza da tensão existente (poder de penar
versusdireitodeliberdade).
No processo, o endurecimentomanifesta-se no utilitarismo judicial, em atos
dominadospelosegredo, formaescrita,aumentodaspenasprocessuais (prisões
cautelares, crimes inafiançáveis etc.), algumas absurdas inversões da carga
probatóriae,principalmente,maispoderesparaosjuízes“investigarem”.
Pode-se constatar que predomina o sistema acusatório nos países que
respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base
democrática.Emsentidooposto,osistemainquisitóriopredominahistoricamente
empaísesdemaiorrepressão,caracterizadospeloautoritarismooutotalitarismo,
emquesefortaleceahegemoniaestatalemdetrimentodosdireitosindividuais.
Cronologicamente, em linhas gerais188, o sistema acusatório predominou até
meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo
modeloinquisitórioqueprevaleceucomplenitudeatéofinaldoséculoXVIII(em
algunspaíses,atépartedoséculoXIX),momentoemqueosmovimentossociaise
políticos levaram a uma nova mudança de rumos. A doutrina nacional,
majoritariamente, aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto
(predominaoinquisitórionafasepré-processualeoacusatório,naprocessual).
Ora, afirmar que o “sistema é misto” é absolutamente insuficiente, é um
reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos
históricos),todossãomistos.Aquestãoé,apartirdoreconhecimentodequenão
existemmaissistemaspuros,identificaroprincípioinformadordecadasistema,
paraentãoclassificá-locomoinquisitórioouacusatório,poisessaclassificação
feitaapartirdoseunúcleoédeextremarelevância.
Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo,
vejamos–sumariamente–algumasdascaracterísticasdossistemasacusatórioe
inquisitório.
3.1.Sistemaacusatório
Aorigemdosistemaacusatórioremontaaodireitogrego,oqualsedesenvolve
referendadopelaparticipaçãodiretadopovonoexercíciodaacusaçãoecomo
julgador.Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves (qualquer
pessoa podia acusar) e acusação privada para os delitos menos graves, em
harmoniacomosprincípiosdodireitocivil.
Nodireito romanodaAltaRepública189 surgemasduas formasdoprocesso
penal:cognitioeaccusatio.AcognitioeraencomendadaaosórgãosdoEstado–
magistrados. Outorgava os maiores poderes ao magistrado, podendo este
esclarecerosfatosnaformaqueentendessemelhor.Erapossívelumrecursode
anulação(provocatio)aopovo,semprequeocondenadofossecidadãoevarão.
Nesse caso, omagistradodeveria apresentar aopovoos elementosnecessários
para a nova decisão. Nos últimos séculos da República, esse procedimento
começouaserconsideradoinsuficiente,escassodegarantias,especialmentepara
asmulhereseparaosquenãoeramcidadãos(poisnãopodiamutilizarorecurso
de anulação) e acabou sendo uma poderosa arma política nas mãos dos
magistrados.
Naaccusatio, a acusação (polo ativo) era assumida, de quando em quando,
espontaneamenteporumcidadãodopovo.SurgiunoúltimoséculodaRepública
emarcouumaprofunda inovaçãonodireito processual romano.Tratando-sede
delictapublica,apersecuçãoeoexercíciodaaçãopenaleramencomendadosa
umórgãodistinto do juiz, não pertencente aoEstado, senão a um representante
voluntáriodacoletividade(accusator).Essemétodotambémproporcionavaaos
cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de
declamarempúblico,podendoexibirparaoseleitoressuaaptidãoparaoscargos
públicos.
Comonotascaracterísticas,destacamos:
a) a atuação dos juízes era passiva, no sentido de que eles se mantinham
afastadosdainiciativaegestãodaprova,atividadesacargodaspartes;
b)asatividadesdeacusarejulgarestãoencarregadasapessoasdistintas;
c) a adoção do princípio ne procedat iudex ex officio, não se admitindo a
denúnciaanônimanemprocessosemacusadorlegítimoeidôneo;
d) estava apenado o delito de denunciação caluniosa, como forma de punir
acusações falsasenãosepodiaprocedercontra réuausente (atéporqueas
penassãocorporais);
e)aacusaçãoeraporescritoeindicavaasprovas;
f)haviacontraditórioedireitodedefesa;
g)oprocedimentoeraoral;
h) os julgamentos eram públicos, com os magistrados votando ao final sem
deliberar 190.
Mas,naépocadoImpério,osistemaacusatóriofoisemostrandoinsuficiente
paraasnovasnecessidadesderepressãodosdelitos,ademaisdepossibilitarcom
frequênciaosinconvenientesdeumapersecuçãoinspiradaporânimoseintenções
de vingança. Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de
investigação (os denominados curiosi, nunciatores, stationarii etc.), eram
transmitidosaosjuízesosresultadosobtidos.
A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes
invadissemcadavezmaisasatribuiçõesdosacusadoresprivados,originandoa
reunião,emummesmoórgãodoEstado,dasfunçõesdeacusarejulgar.
Apartirdaí,osjuízescomeçaramaprocederdeofício,semacusaçãoformal,
realizando elesmesmos a investigação e posteriormente dando a sentença. Isso
caracterizavaoprocedimentoextraordinário,que,ademais, introduziua tortura
noprocessopenalromano.
Esenoiníciopredominavaapublicidadedosatosprocessuais,issofoisendo
gradativamentesubstituídopelosprocessosàportafechada.Assentenças,quena
época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do tribunal, no Império
assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência. Nesse momento,
surgemasprimeirascaracterísticasdoqueviriaaserconsideradoumsistema:o
inquisitório.Tambémoprocessopenalcanônico(antesmarcadopeloacusatório)
contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório, mostrando na
InquisiçãoEspanholasuafacemaisduraecruel.
Finalmente,noséculoXVIII,aRevoluçãoFrancesaesuasnovasideologiase
postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços
maiscruéisdosistemainquisitório.
Naatualidade,aformaacusatóriacaracteriza-sepela:
a)claradistinçãoentreasatividadesdeacusarejulgar;
b)ainiciativaprobatóriadeveserdaspartes(decorrêncialógicadadistinção
entreasatividades);
c)mantém-seojuizcomoumterceiroimparcial,alheioalabordeinvestigação
e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação comode
descargo;
d)tratamentoigualitáriodaspartes(igualdadedeoportunidadesnoprocesso);
e)procedimentoéemregraoral(oupredominantemente);
f)plenapublicidadedetodooprocedimento(oudesuamaiorparte);
g)contraditórioepossibilidadederesistência(defesa);
h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre
convencimentomotivadodoórgãojurisdicional;
i) instituição, atendendoa critériosde segurança jurídica (e social)da coisa
julgada;
j)possibilidadedeimpugnarasdecisõeseoduplograudejurisdição.
Éimportantedestacarqueaprincipalcríticaquesefez(esefazatéhoje)ao
modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz (imposição da
imparcialidade), pois este deve resignar-se com as consequências de uma
atividade incompleta das partes, tendo de decidir com base em um material
defeituosoquelhefoiproporcionado.Essesemprefoiofundamentohistóricoque
conduziuàatribuiçãodepoderes instrutóriosao juize revelou-se (pormeioda
inquisição)umgravíssimoerro.
Omaisinteressanteéquenãoaprendemoscomoserros,nemmesmocomos
mais graves, como foi a inquisição. Basta constatar que o atual CPP atribui
poderesinstrutóriosparaojuiz,amaioriadostribunaisedoutrinadoresdefende
essa “postura ativa” por parte do juiz (muitas vezes invocando a tal “verdade
real”,esquecendoaorigemdessemitoenãopercebendooabsurdodoconceito),
proliferamprojetosde lei criando juízes inquisidorese “juizadosde instrução”
etc.
Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma, pois, como diria
Tocqueville,umavezqueopassadojánãoiluminaofuturo,oespíritocaminha
nastrevas.
O sistema acusatório é um imperativo domoderno processo penal, frente à
atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a
tranquilidade psicológica do juiz que sentenciará, garantindo o trato digno e
respeitoso com o acusado, que deixa de ser ummero objetopara assumir sua
posiçãodeautênticapartepassivadoprocessopenal.
Também conduz a umamaior tranquilidade social, pois se evitam eventuais
abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz
“apaixonado” pelo resultado de seu labor investigador e que, ao sentenciar,
olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como
condenadodesdeoiníciodainvestigação.
Em decorrência dos postulados do sistema, em proporção inversa à
inatividade do juiz no processo está a atividade das partes. Frente à imposta
inérciadojulgador,produz-seumsignificativoaumentodaresponsabilidadedas
partes, já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias
parademonstraros fatos. Issoexigeumamaior responsabilidadeegrau técnico
dosprofissionaisdoDireitoqueatuamnoprocessopenal.
TambémimpõemaoEstadoaobrigaçãodecriaremanterumaestruturacapaz
deproporcionaromesmograude representaçãoprocessualàspessoasquenão
têm condições de suportar os elevados honorários de um bom profissional.
Somenteassimsepoderáfalardeprocessoacusatóriocomumníveldeeficácia
quepossibiliteaobtençãodajustiça.
Diante do inconveniente de ter de suportar uma atividade incompleta das
partes(preçoaserpagopelosistemaacusatório),oquesedevefazeréfortalecer
aestruturadialéticaenãodestruí-la,comaatribuiçãodepoderesinstrutóriosao
juiz.OEstado já possui um serviço público de acusação (Ministério Público),
devendoagoraocupar-sedecriaremanterumserviçopúblicodedefesa,tãobem
estruturadocomooéoMinistérioPúblico.ÉumdevercorrelatodoEstadopara
assegurarummínimodeparidadedearmasedialeticidade.
Trata-sede(re)pensaraquestão,apartirdeDussel 191,danecessidadedecriar
umterrenofértilparaqueoréutenha“condiçõesdefala”epossarealmenteter
“fala”.Ouseja,adotarumaéticalibertatórianoprocessopenalenãovoltaràera
daescuridão,comumjuiz-inquisidor.
Emúltimaanálise,éaseparaçãodefunções(e,pordecorrência,agestãoda
provanamãodaspartesenãodo juiz)quecria ascondiçõesdepossibilidade
para que a imparcialidade se efetive. Somente no processo acusatório-
democrático,emqueojuizsemantémafastadodaesferadeatividadedaspartes,
é que podemos ter a figura do juiz imparcial, fundante da própria estrutura
processual.
Nãopodemosesquecer,ainda,aimportânciadocontraditórioparaoprocesso
penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona. Como sintetiza
CunhaMartins192,noprocessoinquisitórioháum“desamor”pelocontraditório,
somentepossívelnosistemaacusatório.
3.2.Sistemainquisitório
Osistemainquisitório,nasuapureza,éummodelohistórico193.Atéoséculo
XII, predominava o sistema acusatório, não existindo processos sem acusador
legítimoeidôneo.
Aacusaçãoeraapresentadaporescrito,indicandoasprovasqueseutilizariam
parademonstraraveracidadedosfatos.Estavaapenadoodelitodecalúnia,como
forma de punir as acusações falsas. Não se podia atuar contra um acusado
ausente.
AstransformaçõesocorremaolongodoséculoXIIatéoXIV,quandoosistema
acusatóriovaisendo,paulatinamente,substituídopeloinquisitório.
Essasubstituiçãofoifruto,basicamente,dosdefeitosdainatividadedaspartes,
levandoàconclusãodequeapersecuçãocriminalnãopoderia serdeixadanas
mãosdosparticulares,poisissocomprometiaseriamenteaeficáciadocombateà
delinquência. Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser
exercida conforme os limites da legalidade. Também representou uma ruptura
definitivaentreoprocessocivilepenal 194.
Amudançaemdireçãoaosistema inquisitóriocomeçoucomapossibilidade
de, juntoaoacusatório, existirumprocesso judicialdeofícioparaoscasosde
flagrantedelito.Ospoderesdomagistradoforamposteriormenteinvadindocada
vezmaisaesferadeatribuiçõesreservadasaoacusadorprivado,atéoextremo
de se reunir no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao
MinistérioPúblicoeaojuiz.
As vantagens desse novo sistema, adotado inicialmente pela Igreja,
impuseram-sedetalmodoquefoisendoincorporadoportodososlegisladoresda
época,nãosóparaosdelitosemflagrante,masparatodaclassededelito195.
Osistemainquisitóriomudaafisionomiadoprocessodeformaradical.Oque
eraumduelolealefrancoentreacusadoreacusado,comigualdadedepoderese
oportunidades,setransformaemumadisputadesigualentreojuiz-inquisidoreo
acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a
atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador.
Confundem-seasatividadesdojuizeacusador,eoacusadoperdeacondiçãode
sujeitoprocessualeseconverteemmeroobjetodainvestigação.
Frenteaumfatotípico,ojulgadoratuadeofício,semnecessidadedeprévia
invocação, e recolhe (também de ofício) o material que vai constituir seu
convencimento.Oprocessadoéamelhorfontedeconhecimentoe,comosefosse
uma testemunha, é chamadoadeclarar averdade sobpenadecoação.O juiz é
livre para intervir, recolher e selecionar o material necessário para julgar, de
modoquenãoexistemmaisdefeitospelainatividadedaspartesetampoucoexiste
umavinculaçãolegaldojuiz196.
O juiz atua como parte, investiga, dirige, acusa e julga. Com relação ao
procedimento,sóiserescrito,secretoenãocontraditório.
Édaessênciadosistemainquisitórioum“desamor”totalpelocontraditório.
Originariamente,comrelaçãoàprova,imperavaosistemalegaldevaloração
(achamadatarifaprobatória).Asentençanãoproduziacoisajulgada,eoestado
deprisãodoacusadonotranscursodoprocessoeraumaregrageral 197.
O processo inquisitório se dividia em duas fases198: inquisição geral e
inquisiçãoespecial.
A primeira fase (geral) estava destinada à comprovação da autoria e da
materialidade,e tinhaumcaráterde investigaçãopreliminarepreparatóriacom
relação à segunda (especial), que se ocupava do processamento (condenação e
castigo).
NotranscursodoséculoXIIIfoiinstituídooTribunaldaInquisiçãoouSanto
Ofício, para reprimir aheresia e tudoque fossecontrárioouquepudessecriar
dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica. Inicialmente, eram
recrutadososfiéismaisíntegrosparaque,sobjuramento,secomprometessema
comunicarasdesordensemanifestaçõescontráriasaosditameseclesiásticosque
tivessemconhecimento.Posteriormente,foramestabelecidasascomissõesmistas,
encarregadasdeinvestigareseguiroprocedimento.
NadefiniçãodeJacintoCoutinho199:“trata-se,semdúvida,domaiorengenho
jurídicoqueomundoconheceu;econhece.Semembargodesuafonte,aIgreja,é
diabóliconasuaestrutura(oquedemonstraestarela,porvezese ironicamente,
povoadapor agentesdo inferno!), persistindopormaisde700anos.Não seria
assimemvão:veiocomumafinalidadeespecíficae,porqueserve–econtinuará
servindo,senãoacordarmos–,mantém-sehígido”.
Para compreender a inquisição, é necessário situá-la num espaço-tempo,
considerando o comportamento da Igreja. Trata-se de um sistema fundado na
intolerância,derivadada“verdadeabsoluta”deque“ahumanidadefoicriadana
graçadeDeus”.ExplicaLeonardoBoff200queahumanidade–comAdãoeEva–
perdeu os dons sobrenaturais (graça) emutilou os dons naturais (obscureceu a
inteligênciaeenfraqueceuavontade).Àmedidaqueahumanidadeseafastaenão
consegue mais ler a “vontade de Deus”, surgem as escrituras sagradas, que
contêm um alfabeto sobrenatural que permite ter acesso às verdades divinas.
Contudo,nasceumnovoproblema:olivropodeserlidodediferentesmaneiras.
Surgem então os Bispos e o Papa, máximos intérpretes e representantes da
vontadedeDeus.Masissonãoésuficiente,poiselessãohumanosepodemerrar.
Era necessário resolver essa questão, e Deus então se apiedou da fragilidade
humanaeconcedeuaseusrepresentantesumprivilégioúnico:ainfalibilidade.
Nessemomento,reforça-seomitodasegurança,oriundodaverdadeabsoluta,
quenãoéconstruída,senãodadapelosconcílios,encíclicaseoutrosinstrumentos
nascidos sob a assistência divina. Recordemos que a intolerância vai fundar a
inquisição. A verdade absoluta é sempre intolerante, sob pena de perder seu
caráter “absoluto”. A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e,
nessaestrutura,aheresiaeraomaiorperigo,poisatacavaonúcleofundantedo
sistema.Foradelenãohaviasalvação.Issoautorizao“combateaqualquercusto”
da heresia e do herege, legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela
empregada. A maior crueldade não era a tortura em si, mas o afastamento do
caminhoparaaeternidade201.
Como explica Boff202, “qualquer experiência ou dado que conflita com as
verdadesreveladassópodesignificarumequívocoouumerro”,umobstáculoou
desvionocaminhodaeternidade.
O crime não é problema nesse trilhar para a eternidade, pois para o
arrependidosempreháoperdãodivino.Oproblemaestánaheresia,naoposição
aodogma,poisissosimfechaocaminhoparaaeternidade;esseéomaiorperigo
detodos.Comotal,exigeomáximorigornarepressão.
OManualdosinquisidores,escritopelocatalãoNicolauEymerichem1376,
posteriormente revistoeampliadoporFranciscode laPeñaem1578,deve ser
lido nesse contexto, pois somente assim podemos compreender sua perfeição
lógica. Boff203 explica que igual raciocínio deve ser empregado para a
compreensãodatorturaerepressãodosregimesmilitareslatino-americanos,pois
perfeitamente encaixados na ideologia da segurança nacional, assimilada na
plenitudepelostorturadoresemandantes;ou,ainda,nalimpezagenéticalevadaa
cabopelonazifascismo.
Oherege, explicaBoff204, nãoapenas se recusaa aceitarodiscursooficial,
senão que cria novos discursos a partir de novas visões; por isso, está mais
voltadoparaacriatividadeeofuturodoqueparaareproduçãoeopassado.É
oqueBoffdefinecomocongelamentodahistória.
O“buscaraverdade”significadinâmica,movimento.Omovimentodebuscar
a verdade evidencia a inércia de quem presume havê-la encontrado. Como
admitirquealguémbusqueenquantoficoinerte?Entãoestouemerroe,portanto,
correndo o risco de afastar-me da salvação? Isso conduz aos processos de
exclusão.ExplicaBoffquenosprimeirosséculosodivergenteeraexcomungado,
umaquestãointraeclesial.Semembargo,quandooCristianismoassumeostatus
de religião oficial do Império, a questão vira política e a divergência afeta a
coesão e a união política. Nesse contexto, a punição sai da esfera eclesial e
legitimaumaseverarepressão,poisseinserenamesmalinhadasideologiasde
segurança nacional (o metafísico interesse público, legitimador das maiores
barbáries) 205.
Oprimeiropasso foioabandonodoprincípioneprocedat iudex exofficio,
inclusiveparapermitiradenúnciaanônima,poisonomedoacusadoreramantido
em segredo. Surgiram em determinados lugares, especialmente nas igrejas,
gavetasoucaixas206,destinadasa receberasdenúnciasanônimasdeheresia.O
quesebuscavaeraexclusivamentepuniropecadoeaheresia,emumaconcepção
unilateral do processo. O actus trium personarum já não se sustenta e, como
destaca Jacinto Coutinho207, “ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar,
transformando-se o imputado emmeroobjeto de verificação, razãopela qual a
noçãodepartenãotemnenhumsentido”.
ComaInquisição,sãoabolidasaacusaçãoeapublicidade.Ojuiz-inquisidor
atua de ofício e em segredo, assentando por escrito as declarações das
testemunhas (cujos nomes são mantidos em sigilo, para que o réu não os
descubra).
ODirectoriumInquisitorum (Manual dos inquisidores), do catalãoNicolau
Eymerich, relata o modelo inquisitório do direito canônico, que influenciou
definitivamente o processo penal: o processo poderia começar mediante uma
acusaçãoinformal,denúncia(deumparticular)oupormeiodainvestigaçãogeral
ou especial levada a cabo pelo inquisidor.Era suficiente um rumor para que a
investigaçãotivesselugarecomelaseusparticularesmétodosdeaveriguação.A
prisãoeraumaregraporqueassimoinquisidortinhaàsuadisposiçãooacusado
para torturá-lo208 até obter a confissão. Bastavam dois testemunhos para
comprovarorumoreoriginaroprocessoesustentaraposteriorcondenação.As
divergências entre duaspessoas levavamao rumor e autorizava a investigação.
Umaúnicatestemunhajáautorizavaatortura.
Aestruturadoprocesso inquisitório foihabilmenteconstruídaapartirdeum
conjunto de instrumentos e conceitos (falaciosos, é claro), especialmente o de
“verdade realouabsoluta”.Nabuscadessa tal “verdade real”, transforma-sea
prisão cautelar em regra geral, pois o inquisidor precisa dispor do corpo do
herege.Depossedele,parabuscaraverdade real,pode lançarmãoda tortura,
quesefor“bem”utilizadaconduziráàconfissão.Umavezobtidaaconfissão,o
inquisidor não necessita demais nada, pois a confissão é a rainha das provas
(sistemadehierarquiadeprovas).Semdúvida,tudoseencaixaparabemservir
aosistema.
Aconfissãoeraaprovamáxima,suficienteparaacondenaçãoe,nosistemade
provatarifada,nenhumaprovavaliamaisqueaconfissão.OinquisidorEymerich
faladatotalinutilidadedadefesa,pois,seoacusadoconfirmavaaacusação,não
havianecessidadedeadvogado.Ademais, a funçãodoadvogadoera fazer com
queoacusadoconfessasselogoesearrependessedoerro,paraqueapenafosse
imediatamenteaplicadaeiniciadaaexecução.
Tendoemvistaaimportânciadaconfissão,ointerrogatórioeravistocomoum
atoessencial,queexigiaumatécnicaespecial.Existiamcincotiposprogressivos
detortura,eosuspeitotinhao“direito”aquesomentesepraticasseumtipopor
dia.Seem15diasoacusadonãoconfessasse,eraconsiderado“suficientemente”
torturado e era liberado. Sem embargo, os métodos utilizados eram eficazes e
quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias. O pior é que em
algunscasosapenaerademenorgravidadequeastorturassofridas.
A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório.
Eymerich alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não
declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente, mas apenas
esclarecerquenadafoilegitimamenteprovadocontraele.Dessaforma,mantinha-
seoabsolvidoaoalcancedaInquisiçãoeocasopoderiaserreabertomaistarde
pelotribunal,parapuniroacusadosemoentravedotrânsitoemjulgado.
OsistemainquisitóriopredominouatéfinaisdoséculoXVIII, iníciodoXIX,
momentoemqueaRevoluçãoFrancesa209, osnovospostuladosdevalorização
do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no
processo penal, removendo paulatinamente as notas características do modelo
inquisitivo. Coincide com a adoção dos Júris Populares, e se inicia a lenta
transiçãoparaosistemamisto,queseestendeatéosdiasdehoje.
ComoexplicaHeinzGoessel 210,oantigoprocessoinquisitóriodeveservisto
como uma “expressão lógica da teoria do Estado de sua época”211, como
manifestação do absolutismo que concentrava o poder estatal de maneira
indivisívelnasmãosdosoberano,quemlegibusabsolutusnãoestavasubmetido
arestrições legais.Nosistemainquisitório,os indivíduossãoreduzidosamero
objetodopodersoberano.NãoexistedúvidadequeaideiadoEstadodeDireito
influideformaimediataediretanoprocessopenal.Porisso,pode-seafirmarque
quando se inicia o Estado de Direito é quando principia a organização do
procedimentopenal 212.
Emdefinitivo,osistemainquisitóriofoidesacreditado–principalmente–por
incidir em um erro psicológico 213: crer que umamesma pessoa possa exercer
funçõestãoantagônicascomoinvestigar,acusar,defenderejulgar.
3.3.Oreducionismoilusório(einsuficiente)doconceitode“sistemamisto”:agestãodaprovaeospoderesinstrutóriosdojuiz
Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório, o
Estado seguiamantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia
abandonaremmãosdeparticularesessepodereafunçãodepersecução.Logo,
era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de
acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas. Nesse novo modelo, a acusação
continuacomomonopólioestatal,masrealizadapormeiodeumterceirodistinto
dojuiz.
Aqui nasce o Ministério Público. Por isso, existe um nexo entre sistema
inquisitivo e Ministério Público, como aponta Carnelutti 214, pois essa
necessidade de dividir a atividade estatal exige, naturalmente, duas partes.
Quandonãoexistem,devemserfabricadas,eoMinistérioPúblicoéumaparte
fabricada.Surgedanecessidadedosistemaacusatórioegaranteaimparcialidade
dojuiz.Eisaquioutroerrohistórico:apretendidaimparcialidade215doMP.
É lugar-comum na doutrina processual penal a classificação de “sistema
misto”,comaafirmaçãodequeossistemaspurosseriammodeloshistóricossem
correspondência comos atuais.Ademais, adivisãodoprocessopenal emduas
fases (pré-processual e processual propriamente dita) possibilitaria o
predomínio, emgeral, da forma inquisitivana fasepreparatória e acusatóriana
faseprocessual,desenhandoassimocaráter“misto”.
Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro é “acusatório
formal”, incorrendonomesmoerrodosdefensoresdosistemamisto.Binder 216,
corretamente, afirma que “o acusatório formal é o novo nome do sistema
inquisitivoquechegaaténossosdias”.
Nós preferimos fugir da maquiagem conceitual, para afirmar que o modelo
brasileiroé(neo)inquisitório,paranãoinduzirninguémaerro.
Historicamente, o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema
mistofoiofrancês,noCoded’InstructionCriminallede1808,poisfoipioneiro
nacisãodasfasesdeinvestigaçãoejuízo.Posteriormente,difundiu-seportodoo
mundoe,naatualidade,éomaisutilizado.
Nessalinha,ocritériodefinidordeumsistemaououtroseriaa“separaçãodas
funçõesdeacusarejulgar”,presenteapenasnomodeloacusatório.
Para Sendra217, o simples fato de estar o processo dividido em duas fases
(pré-processualeprocessualemsentidopróprioouestrito)equeseencomende
cadaumaaumjuizdistinto(juizqueinstruinãojulga)bastariaparaafirmarqueo
processoestáregidopelosistemaacusatório.Nomesmosentido,ArmentaDeu218
entendequeemdeterminadosentidobastariaafirmarqueoprocessoacusatóriose
caracterizapelofatodeser imprescindívelumaacusaçãolevadaacaboporum
órgãoouagentedistintodojulgador(neprocedatiudexexofficio).
Aclassificaçãodesistemamistopecaporinsuficiênciaemdoisaspectos:
Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos, sem
correspondênciacomosatuais,aclassificaçãode“sistemamisto”nãoenfrentao
pontonevrálgicodaquestão:aidentificaçãodonúcleofundante.
Aseparação(inicial)dasatividadesdeacusarejulgarnãoéonúcleofundante
dossistemase,porsisó,éinsuficienteparasuacaracterização.
Nãosepodedesconsideraracomplexafenomenologiadoprocesso,demodo
que a separação das funções impõe, como decorrência lógica, que a
gestão/iniciativaprobatóriasejaatribuídaàspartes(enãoaojuiz,porelementar,
poisissoromperiacomaseparaçãodefunções).Maisdoqueisso,somentecom
essa separação de papéis, mantém-se o juiz afastado da arena das partes e,
portanto,éaclaradelimitaçãodasesferasdeatuaçãoquecriaascondiçõesde
possibilidadeparatermosumjuizimparcial.
Portanto, é reducionismo pensar que basta ter uma acusação (separação
inicial das funções) para constituir-se um processo acusatório. É necessário
quesemantenhaaseparaçãoparaqueaestruturanãoserompae,portanto,é
decorrência lógica e inafastável, que a iniciativa probatória esteja (sempre)
nasmãosdaspartes.Somenteissopermiteaimparcialidadedojuiz.
E,por fim,ninguémnega a imprescindibilidadedocontraditório, aindamais
emdemocracia,eelesomenteépossívelnumaestruturaacusatórianaqualojuiz
mantenha-seemalheamentoe,comodecorrência,possaasseguraraigualdadede
tratamento e oportunidade às partes. Retomamos a lição de CunhaMartins: no
processo inquisitório há um “desamor” pelo contraditório; já o modelo
acusatórioconstituiumadeclaraçãodeamorpelocontraditório.
3.3.1.Afaláciadosistemabifásico
Sobrea faláciado sistemabifásicodoCódigoNapoleônicode1808, coma
fase pré-processual inquisitória e a fase processual (supostamente) acusatória,
ensinaJacintoCoutinho219:
é isso que Jean-Jacques-Régis de Cambacérés faz passar no Código
napoleônico,de17-11-1808.SegundoHélie(Traité,I,178,§539),é‘la
loiprocédurecriminellelamoinsimperfaite’dumond.Enfim,monstro
de duas cabeças; acabando por valer mais a prova secreta que a do
contraditório, numa verdadeira fraude. Afinal, o que poderia restar de
segurança é o livre convencimento, ou seja, retórica e contra-ataques;
basta imunizar a decisão com um belo discurso. Em suma: serviu a
Napoleãoumtirano;serveaqualquersenhor;nãoserveàdemocracia.
É necessário ler com muita atenção para compreender o alcance desse
fenômeno, pois ele reflete exatamente o que temos no sistema brasileiro. O
monstro de duas cabeças (inquérito policial totalmente inquisitório e fase
processual com “ares” de acusatório [outro engodo, ensinará Jacinto na
continuação])éanossarealidadediária,nosforosetribunaisdoPaísinteiro.
Nomesmosentido,Ferrajoli 220 diz que oCódigoNapoleônico de 1808 deu
vida a um “monstruo, nacido de la unión del proceso acusatorio con el
inquisitivo,quefueelllamadoprocesomixto”.
Afraude resideno fatodequeaprovaécolhidana inquisiçãodo inquérito,
sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao final, basta o belo
discursodojulgadorparaimunizaradecisão.Essediscursovemmascaradocom
asmais variadas fórmulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela
provajudicializada;cotejandoaprovapolicialcomajudicializada;eassimtodo
um exercício imunizatório (ou,melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar
uma condenação, que, na verdade, está calcada nos elementos colhidos no
segredodainquisição.Oprocessoacabaporconverter-seemumamerarepetição
ouencenaçãodaprimeirafase.
Ademais,mesmoquenãofaçamençãoexpressaaalgumelementodoinquérito,
quemgarantequeadecisãonãofoitomadacombasenele?Aeleição(culpadoou
inocente) é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita combase nos
elementosdoinquéritopolicialedisfarçadacomumbomdiscurso.
Ora,oualguémimaginaqueNapoleãoaceitariao talsistemabifásicosenão
tivessecertezadequeeraapenasum“mudarparacontinuartudoigual”?
Como“bom”tirano, jamaisconcordariacomumamudançadessanaturezase
não tivesse certeza de que continuaria com o controle total, por meio da fase
inquisitória,detodooprocesso.
Enquantonãotivermosumprocessoverdadeiramenteacusatório,doinícioao
fim, ou, ao menos, adotarmos o paliativo da exclusão221 física dos autos do
inquérito policial de dentro do processo, as pessoas continuarão sendo
condenadas com base na “prova” inquisitorial, disfarçada no discurso do
“cotejando”, “corrobora”... e outras fórmulas que mascaram a realidade: a
condenação está calcada nos atos de investigação, naquilo feito na pura
inquisição.
Isso porque, como concluiu JacintoCoutinho222: “il sistema inquisitorio non
può convivere con il sistema accusatorio, non solo perché la ‘contaminatio’ è
irragionevole sul piano logico, ma anche perché la pratica sconsiglia una
commistione del genere”. Ou seja, uma mistura de tal natureza (inquisitório e
acusatório)éirracional,eapráticadesaconselhatalmescla.
Cumpre,porfim,refletirsobreaúltimafrasedeJacinto:[setalsistema]serviu
a Napoleão, um tirano; serve a qualquer senhor; [obviamente] não serve à
democracia.
Ebasta.
3.3.2.Ainsuficiênciadaseparação(inicial)dasatividadesdeacusarejulgar
Apontadapeladoutrinacomofatorcrucialnadistinçãodossistemas,adivisão
entre as funções de investigar-acusar-julgar é uma importante característica do
sistemaacusatório,masnãoéaúnicaetampoucopode,porsisó,serumcritério
determinante, quando não vier aliada a outras (como iniciativa probatória,
publicidade,contraditório,oralidade,igualdadedeoportunidadesetc.).
Dadaasuacomplexidade,comoconjuntodeatosconcatenados,oprocessoé
formadoportodaumacadeiadecircunstânciasqueseinter-relacionameinfluem
noresultadofinal.Bastaanalisarosistemainquisitório,paraverqueaoladoda
acumulação de funções (investigar, acusar e julgar) existe toda uma gama de
princípiosquejuntoscompõemedãoconteúdoaotodo.Especialatençãomerece
ocontraditório,poisexisteumaacertada tendênciadeconsiderá-lo fundamental
paraaprópriaexistênciadoprocessoenquantoestruturadialética.
Comrelaçãoàseparaçãodasatividadesdeacusarejulgar,trata-serealmente
deumanotaimportantenaformaçãodosistema.Contudo,nãobastatermosuma
separaçãoinicial,comoMinistérioPúblicoformulandoaacusaçãoe,depois,ao
longodoprocedimento,permitir queo juiz assumaumpapel ativonabuscada
prova oumesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora, como, por
exemplo, permitir que o juiz de ofício converta a prisão em flagrante em
preventiva (art. 310), pois isso equivale a “prisão decretada de ofício”; ou
mesmodecreteaprisãopreventivadeofícionocursodoprocesso(oproblema
nãoestánafase,mas,sim,noatuardeofício!),umabuscaeapreensão(art.242),
osequestro(art.127);ouçatestemunhasalémdasindicadas(art.209);procedaao
reinterrogatório do réu a qualquer tempo (art. 196); determine diligências de
ofícioduranteafaseprocessualeatémesmonocursodainvestigaçãopreliminar
(art.156,IeII);reconheçaagravantesaindaquenãotenhamsidoalegados(art.
385);condeneaindaqueoMinistérioPúblicotenhapostuladoaabsolvição(art.
385),altereaclassificaçãojurídicadofato(art.383)etc.
Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se,
depois,ojuizassumeumpapelclaramenteinquisitorial.Ojuizdevemanteruma
posição de alheamento, afastamento da arena das partes, ao longo de todo o
processo.
Daí por que é reducionista algumadoutrinaque focada exclusivamenteno
aspecto histórico da separação de funções (ne procedat iudex ex officio) aí
ancora, passando a criticar aqueles que propõem a superação de tais
reducionismos e posturas mitológicas. Pensamos que, se originariamente o
sistema acusatório teve por núcleo a separação de funções, o nível atual de
desenvolvimento e complexidade do processo penal não admite mais tais
simplificações.
Não há mais espaço, compreendida a complexidade do processo penal,
voltamosarepetir,paraquealguémseescondaatrásdecategoriasestéreisede
arqueologia histórica, desconectando institutos dentro do processo,
compartimentalizando-os. A concepção de sistema acusatório está íntima e
indissoluvelmente relacionada, na atualidade, à eficácia do contraditório e,
principalmente, da imparcialidade (princípio supremo do processo penal,
recordemos).
Portanto, pensar sistema acusatório desconectado do princípio da
imparcialidadeedocontraditórioéincorreremgravereducionismo.
É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se
rompa e, portanto, é decorrência lógica e inafastável, que a iniciativa
probatória esteja (sempre) nas mãos das partes. Somente isso permite a
imparcialidadedojuiz.
Aseparaçãodefunçõesdosistemaacusatórioestáaserviçodoquê?Porque
existe? Por que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em diversas
oportunidades temdecididoqueo juizque atua como investigadorna fasepré-
processualnãopodeseromesmoque,noprocesso,julgue?
Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e
imparcialidade,porqueaimparcialidadeégarantidapelomodeloacusatórioe
sacrificadanosistemainquisitório,demodoquesomentehaverácondiçõesde
possibilidadedaimparcialidadequandoexistir,alémdaseparaçãoinicialdas
funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade
investigatória/instrutória.
Éissoqueprecisasercompreendidoporaquelesquepensamsersuficientea
separação entre acusação-julgador para constituição do sistema acusatório no
modeloconstitucionalcontemporâneo.Éumerrosepararemconceitosestanques
aimensacomplexidadedoprocessopenal,fechandoosolhosparaofatodequea
posiçãodojuizdefineoníveldeeficáciadocontraditórioe,principalmente,da
imparcialidade.
Como explica J. Goldschmidt223, no modelo acusatório, o juiz se limita a
decidir, deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material
àquelesquepersegueminteressesopostos,istoé,àspartes.Oprocedimentopenal
seconvertedessemodoemum litígio, eoexamedoprocessadonão temoutro
significadoqueodeoutorgaraudiência.Partedoenfoquedequeamelhorforma
deaveriguaraverdadeerealizar-seajustiçaédeixarainvocaçãojurisdicionale
a coleta do material probatório àqueles que perseguem interesses opostos e
sustemopiniõesdivergentes.Deve-sedescarregaro juizdeatividades inerentes
às partes, para assegurar sua imparcialidade. Com isso, também se manifesta
respeitopelaintegridadedoprocessadocomocidadão.
Para além disso, recordemos que o processo tem por finalidade (além do
explicado noCapítulo 1) buscar a reconstituição de um fato histórico (o crime
sempreépassado,logo,fatohistórico),demodoquea“gestãodaprova,naforma
pela qual ela é realizada, identifica o princípio unificador”224, como
explicaremosadiante.
3.3.3.Identificaçãodonúcleofundante:agestãodaprova
Aindaque todosos sistemas sejammistos,não existe umprincípio fundante
misto.Omistodeveservistocomoalgoque,aindaquemesclado,naessênciaé
inquisitórioouacusatório,apartirdoprincípioqueinformaonúcleo.
Então,noqueserefereaossistemas,opontonevrálgicoéa identificaçãode
seunúcleo, ou seja, do princípio informador, pois é ele quem vai definir se o
sistema é inquisitório ou acusatório, e não os elementos acessórios (oralidade,
publicidade,separaçãodeatividadesetc.).
Como afirmamos anteriormente, o processo tem por finalidade (além do
explicado noCapítulo 1) buscar a reconstituição de um fato histórico (o crime
sempreépassado,logo,fatohistórico),demodoqueagestãodaprovaéerigida
àespinhadorsaldoprocessopenal,estruturandoefundandoosistemaapartirde
doisprincípiosinformadores,conformeensinaJacintoCoutinho:
a)Princípiodispositivo225:fundaosistemaacusatório;agestãodaprovaestá
nasmãosdaspartes(juiz-espectador).
b)Princípioinquisitivo:agestãodaprovaestánasmãosdojulgador(juiz-ator
[inquisidor]);porisso,elefundaumsistemainquisitório.
Daí estar complena razão JacintoCoutinho226 quandoexplicaquenãohá–
nempodehaver–umprincípiomisto,oque,porevidente,desconfiguraodito
sistema.Paraoautor,ossistemas,assimcomoosparadigmaseos tipos ideais,
nãopodemsermistos;elessãoinformadosporumprincípiounificador.Logo,na
essência,osistemaésemprepuro.Eexplica,nacontinuação,queo fatodeser
misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a
referida adjetivaçãopor conta dos elementos (todos secundários), que de um
sistemasãoemprestadosaooutro.
J. Goldschmidt227, ao tratar dos princípios fundamentais do procedimento,
explicaque“elprincipiocontrarioaldispositivoloformaeldelainvestigación,
que domina el procedimiento penal, y que recibe también los nombres de
principio inquisitivo, de instrucción, ou principio del conocimiento de oficio
(principiodelaverdadmaterial)”.
Compreenda-se:osistemainquisitórioéfundadopeloprincípioinquisitivo,ou
seja, de instrução e conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade
material.
Étudooquenãosequernoatualníveldeevoluçãocivilizatóriadoprocesso
penal.
Issonãosignificaque,aoladodessenúcleoinquisitivo(derivadodoprincípio
inquisitivo,emqueagestãodaprovaestánasmãosdojuiz),nãopossamorbitar
características que geralmente circundam o núcleo dispositivo, que informa o
sistema acusatório. Em outras palavras, o fato de um determinado processo
consagrar a separação (inicial) de atividades, oralidade, publicidade, coisa
julgada,livreconvencimentomotivadoetc.,nãolheisentadeserinquisitório.Éo
caso do sistema brasileiro, de núcleo inquisitório, ainda que com alguns
“acessórios”quenormalmenteajudamavestirosistemaacusatório(masquepor
sisósnãootransformamemacusatório).
A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema, explica
Ferrajoli 228,estáinevitavelmentecondicionadaporjuízosdevalor,porcontado
nexo que, sem dúvida, cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo
garantistae,noentanto,entresistema inquisitório,modeloautoritárioeeficácia
repressiva.
Nessecontexto,dispositivosqueatribuamaojuizpoderesinstrutórios,comoo
famigeradoart.156,IeII,doCPP,externamaadoçãodoprincípioinquisitivo,
que fundaumsistema inquisitório, pois representamumaquebrada igualdade,
docontraditório,daprópriaestruturadialéticadoprocesso.Comodecorrência,
fulminamaprincipalgarantiadajurisdição,queéaimparcialidadedojulgador.
Estádesenhadoumprocessoinquisitório.
Aposiçãodojuizéopontonevrálgicodaquestão,namedidaemque
ao sistema acusatório lhe corresponde um juiz-espectador, dedicado,
sobretudo, à objetiva e imparcial valoraçãodos fatos e, por isso,mais
sábioque experto; o rito inquisitório exige, semembargo, um juiz-ator,
representantedo interessepunitivoe,por isso,umenxerido229, versado
noprocedimentoedotadodecapacidadedeinvestigação230.
O tema também está intimamente relacionado com a questão da verdade no
processo penal. No sistema inquisitório, nasce a (inalcançável e mitológica)
verdade real, em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de
investigação,“detentordaverdadedeumcrime”231,e,portanto,submetidoaum
inquisidor que está autorizado a extraí-la a qualquer custo. Recordemos que a
intolerânciavaifundarainquisição.Averdadeabsolutaésempreintolerante,sob
penadeperderseucaráter“absoluto”.
A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e, nessa estrutura, a
heresiaeraomaiorperigo,poisatacavaonúcleofundantedosistema.Foradele
nãohaviasalvação. Issoautorizao“combateaqualquercusto”daheresiaedo
herege,legitimandoatémesmoatorturaeacrueldadenelaempregadas.Amaior
crueldade não era a tortura em si, mas o afastamento do caminho para a
eternidade232.
A matéria raramente é objeto de análise por nossos tribunais, e, mais raro
ainda,éserdevidamentetratada.
Sem embargo, merece transcrição a acertada decisão abaixo, que bem
demonstraaimportânciadaquestão233:
CORREIÇÃOPARCIAL.
–Oórgãoacusador–partequeéepoderesque tem–nãopodeexigir
que o Judiciário requisite diligências, quando o próprio Ministério
Públicopodefazê-lo.
–Omitodequeoprocessopenalmiraa“verdadereal”estásuperado.A
buscaéoutra: julgamentojustoaoacusado(liçõesdeAdautoSuannese
LugiFerrajoli).
– O papel do juiz criminal é de equidistância: a aproximação entre
acusadorejulgadoréprópriadomedievalinquisitório.
–Correiçãoparcialimprocedente.
Dessarte, fica fácil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara
matriz inquisitória,eque issodeve ser severamente combatido,namedidaem
quenãoresisteànecessáriafiltragemconstitucional.
Ouseja,aestruturadoCódigodeProcessoPenalde1941deveseradequada
e, portanto, deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente, cujos
alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório. É uma imposição de
conformidadedasleisprocessuaispenaisàConstituição,e,portanto,aosistema
acusatório,comotãobemdefiniuGeraldoPrado234.
Sempre se reconheceuo caráter inquisitório da investigaçãopreliminar e da
execuçãopenal, encobrindooproblemada inquisiçãona faseprocessual.Mas,
compreendidos os sistemas e os princípios que os estruturam, a conclusão só
pode ser uma, como claramente aponta Jacinto Coutinho235: “O sistema
processual-penal brasileiro é, na sua essência, inquisitório, porque regido pelo
princípioinquisitivo,jáqueagestãodaprovaestá,primordialmente,nasmãosdo
juiz”.
Nos tribunais superiores, a questão já começa a ser vista comoutros olhos.
Nessalinha,destacamosadecisãoproferidapeloSTJnoRHC23.945/RJ:
MAGISTRADO.PARCIALIDADE.
Na espécie, ainda na fase de investigação preliminar, antes que fosse
oferecida a denúncia, o juiz, por entender que a causa era complexa,
iniciou a realização do interrogatório de alguns réus. O referido
procedimento não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, o
quetornamnulosnãoapenasosatosdecisórios,mastodooprocesso.O
juiz não pode realizar as funções do órgão acusatório ou de Polícia
Judiciária, fazendoagestãodaprova, pois seria retornarao sistema
inquisitivo.Assim,aTurma,pormaioria,deuprovimentoaorecursopara
declararanulidadedetodooprocesso,nãoapenasdosatosdecisórios,
bemcomodosatospraticadospelojuizduranteafasedasinvestigações
preliminares, determinando que os interrogatórios por ele realizados
nesse período sejam desentranhados dos autos, de forma que não
influenciemaopiniodelictidoórgãoacusatórionaproposituradanova
denúncia236.
Compreendida a questão e respeitada a opção “acusatória” feita pela
Constituição,sãosubstancialmenteinconstitucionaistodososartigosdoCPPque
atribuampoderesinstrutóriose/ouinvestigatóriosaojuiz.
3.3.4.Oproblemadospoderesinstrutórios:juízes-inquisidoreseosquadrosmentaisparanoicos
Compreendida a necessidade de buscar o núcleo fundante de um sistema a
partirdagestãodaprova,restaverificaraproblemática(einquisitiva)atribuição
depoderesinstrutórios/investigatóriosaojuiz.
Atribuir poderes instrutórios a um juiz – em qualquer fase237 – é um grave
erro,queacarretaadestruiçãocompletadoprocessopenaldemocrático.Ensina
Cordero238 que tal atribuição (de poderes instrutórios) conduz ao primato
dell’ipotesisuifatti,geradordequadrimentaliparanoidi.Issosignificaquese
operaumprimado(prevalência)dashipótesessobreosfatos,porqueojuizque
vaiatrásdaprovaprimeirodecide(definiçãodahipótese)edepoisvaiatrásdos
fatos (prova) que justificam a decisão (que na verdade já foi tomada). O juiz,
nessecenário,passaafazerquadrosmentaisparanoicos.
Namesmalinha,JacintoCoutinho239afirmaque
abre-seaojuizapossibilidadededecidirantese,depois,sairembusca
domaterial probatório suficientepara confirmar a suaversão, isto é, o
sistema legitimaapossibilidadeda crençano imaginário, aoqual toma
comoverdadeiro.
Éevidentequeorecolhimentodaprovaporpartedojuizantecipaaformação
do juízo. Como explica Geraldo Prado240, “a ação voltada à introdução do
material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos
rumos que o citado material, se efetivamente incorporado ao feito, possa
determinar”.Ojuiz,aoteriniciativaprobatória,estáciente(prognósticomaisou
menos seguro) de que consequências essa prova trará para a definição do fato
discutido,pois“quemprocurasabeaocertooquepretendeencontrareisso,em
termosdeprocessopenal condenatório, representauma inclinaçãoou tendência
perigosamentecomprometedoradaimparcialidadedojulgador”241.Maisdoque
uma “inclinação ou tendência perigosamente comprometedora”, trata-se de
sepultardefinitivamenteaimparcialidadedojulgador.Nessamatéria,nãoexiste
investigadorimparcial,sejaelejuizoupromotor.
Omodeloacusatório(constitucional)traznasuaessênciaanecessidadedeum
amplo debate sobre a hipótese acusatória. Para tanto, Ferrajoli 242 define as
seguintesgarantiassecundárias:publicidade,oralidade,legalidadedoprocessoe
motivaçãodadecisãojudicial.Taisgarantiassãocondiçõesnecessáriasparaque
odebatetranscorracomtransparênciaeigualdadedeoportunidades,ouseja,no
ambientequeseesperadaestruturadialéticadoprocesso.
Semprequeseatribuempoderesinstrutóriosaojuiz243,destrói-seaestrutura
dialéticadoprocesso,ocontraditório,funda-seumsistemainquisitórioesepulta-
se de vez qualquer esperança de imparcialidade (enquanto terzietà =
alheamento). É um imenso prejuízo gerado pelos diversos “pré-juízos” que o
julgadorfaz.
Nãosódiversosmodeloscontemporâneosdemonstram isso (bastaestudaras
reformas da Alemanha em 1974, Itália e Portugal em 1987/88 e também as
mudançaslevadasacabonaEspanhapelaLO7/88,feitaàspressasparaadequar-
se àSentençadoTribunalConstitucional n. 145/88),mas tambémahistória do
direito processual, especialmente o erro iniciadono sistema acusatório romano
de atribuir poderes instrutórios ao juiz, que acabou levando ao sistema
inquisitório.
Comoexplicamosanteriormente,a imparcialidadedo juiz ficaevidentemente
comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor ou quando lhe
atribuímos poderes de gestão/iniciativa probatória. É um contraste que se
estabeleceentreaposição totalmenteativaeatuantedo instrutor,coma inércia
quecaracterizaojulgador.Umésinônimodeatividade,eooutro,deinércia.
EssaquestãofoimuitobemtratadapeloMin.ErosGrau,noHC95.009-4/SP,
p.36ess.244.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, há muito tempo e em diversas
oportunidades, tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em
situações assim, destacando, ainda, uma especial preocupação coma aparência
de imparcialidade, a estética de imparcialidade, queo julgador deve transmitir
paraossubmetidosàAdministraçãodaJustiça,pois,aindaquenãoseproduzao
pré-juízo, é difícil evitar a impressão de que o juiz (instrutor) não julga com
plenoalheamento. Issoafetanegativamenteaconfiançaqueos tribunaisdeuma
sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados, especialmente na
esferapenal.
Masrealmenteainteriorizaçãodospostuladosconstitucionaisésemprelentae
não raras vezes nunca se efetiva. Ainda é possível encontrarmos prisões
preventivasdecretadasdeofíciopelo(mesmo)juizquedepoisirájulgaracausa.
Nessalinha,decidiuoTJRS245:
HABEASCORPUS.RECEPTAÇÃO.SentençaCondenatóriaRecorrível.
OrdemPública.PrisãodeOfício.
[...]
3. Além de a segregação cautelar ter ferido frontalmente o sistema
acusatório, pois a decretação foi de ofício, prática rejeitada pela
Constituiçãode1988, foi totalmente desnecessária, tendo emvista que
os pronunciamentos no âmbito da Casa Legislativa, onde o paciente é
vereador, criticando instituições, não ameaçam a ordem do Estado de
Direito,cujaartificialreasontranscendeaoslimitesdaurbelocalizada.
[...]
LIMINARCONFIRMADA.ORDEMCONCEDIDA(grifosnossos).
Nocorpodovotodorelator,Des.NereuGiacomolli,encontramosimportante
lição,nosentidodeque,
[...] mesmo diante da ausência de requerimento, o julgador a quo
decretouasegregaçãocautelardeofício.ApósoadventodaConstituição
de 1988, a qual adotou o sistema acusatório, caracterizado,
essencialmente, pela distinção entre as atividades de acusar e julgar;
imparcialidade do juiz; contraditório e ampla defesa, motivação das
decisões judiciais, livre convencimento motivado, entre tantas outras,
totalmente descabida qualquer decretação ex officio. A acusação, nos
termosdoart.129daConstituição,estátotalmenteacargodoMinistério
Público,constituindo-seemilegalidadeadecretaçãodeprisãodeofício.
Como sintetiza a Exposição de Motivos do Código-Modelo para Ibero-
América,enuncaédemais recordar,“obominquisidormataobomjuiz,ouao
contrário,obomjuizdesterraoinquisidor”.
Por fim,perguntaquepodesurgir é:que instrumentoprocessualpenalpode
ser utilizado quando nos deparamos com um juiz inquisidor na condução do
processo?
Elementarquecadasituaçãoapresentarásuaspeculiaridadesecomplexidades.
Emlinhasgerais,pensamosque,seoprocessoestáemdesenvolvimento,poderá
ser arguida a “exceção de suspeição”, demonstrando, a partir da análise do
discursoouatospraticados,quehouveumaquebradagarantiadaimparcialidade
(recorde-se sempre que ela é o princípio supremo do processo). Quando
tratarmosdaexceçãodesuspeição,aseutempo,voltaremosaotema.Contudo,já
existindo uma sentença condenatória, a situação fica mais difícil, mas em tese
deveserarguidaaviolaçãodaimparcialidadeeconsequentenulidadedosatos,
empreliminardeapelação.
3.4.Críticaaosistemade“justiçanegociada”eofalaciosoargumentodequesetratadeimposiçãodosistemaacusatório.Refletindosobrea"delaçãopremiada"
A Lei n. 9.099/95246 inseriu o processo penal brasileiro na perspectiva da
justiça negociada e dos espaços de consenso. Para alémdo velado fundamento
utilitarista, o modelo vem envolto por uma fina camada argumentativa de que
seria uma imposição ou decorrência lógica e necessária da adoção do sistema
processualacusatório.Éumargumentofalacioso,comoveremosagora.
A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua
fungibilidade.Ainderrogabilidadeégarantiaquedecorreeasseguraaeficáciada
garantiadajurisdição,nosentidodeinfungibilidadeeindeclinabilidadedojuízo,
assegurando a todoso livre acesso aoprocesso e aopoder jurisdicional.Nessa
linha, osmodelos de justiça negociada (e consensuada) representam importante
violaçãoàgarantiadainderrogabilidadedojuízo.Alógicadapleanegotiation
conduzaumafastamentodoEstado-juizdas relações sociais,nãoatuandomais
comointerventornecessário,masapenasassistindodecamaroteaoconflito.
Com o advento da Lei n. 9.099/95, cujo campo de incidência foi
substancialmente ampliado pela Lei n. 10.259/2001, foi introduzida247 uma
variação no modelo de reparto até então adotado no nosso processo penal: a
justiça negociada. Para grande parte da doutrina brasileira, uma inovação
revolucionária (ou perigoso retrocesso?). Contudo, com o passar dos anos, a
criatura virou-se contra o criador ou, melhor, mostrou sua verdadeira cara:
utilitarismoprocessualeabuscadamáximaeficiência(utilitarista).
NossacríticanãoselimitaaoaspectonormativodaLein.9.099,senãoquevai
à base epistemológica que a informa, constando que o problema será
potencializadocomoaumentodaschamadaszonasdeconsenso,comojáocorreu
comaLein.10.259/2001.
Opensamentoquenosorientaéprospectivo,olhamosparaofuturo.Asituação
atualjáépreocupante,maspretendemosdemonstrar–pormeiodacrítica–quea
ampliação do campo de atuação da justiça consensuada será desastrosa para o
processopenal.Devemosrecordar,ainda,ocontextosocialeeconômiconoqual
ela se insere (e foi gerada), até porque o sistema penal não está num
compartimentoestanque,imuneaosmovimentossociais,políticoseeconômicos,
conforme explicamos nos capítulos anteriores, onde tratamos da ideologia
repressivistada“leieordem”edaeficiência(antigarantista).
Ea“delaçãopremiada”?
A“barganhaea justiçacriminalnegocial”, comomanifestaçõesdosespaços
de consenso no processo penal, vêm (pre)ocupando cada vez mais não só os
estudiosos, mas também os atores judiciários. A tendência de expansão é
evidente, resta saber que rumo será tomado, se seguirá o viés de influência do
modelo norte-americano da plea bargaining; o italiano do patteggiamento; o
prático-forensealemão(cujaimplantaçãoevidenciouoconflitodolawinaction
como law in books); ampliaremos o tímido (mas crescente)modelo brasileiro
introduzido pelaLei n. 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional) até
chegarnaLein.12.850/2013eacolaboraçãopremiada.Querumotomar?Quais
os limites? Que vantagens e inconvenientes isso representa? São questões
importantesaseremponderadas.
A expansão dos espaços de consenso decorre de fatores utilitaristas e
eficientistas, sem falar na evidente incompatibilidade com o Princípio da
Necessidade(nullapoenasineiudicio),maséumarealidadequeseimpõediante
da insuficiênciaestruturaldoPoderJudiciário (sustentamosdefensoresdoviés
expansionista).Masaaceleraçãoprocedimentalpodeser levadaaoextremode
termosumapenasemprocessoesemjuiz?Sim,poisagarantiadojuizpodeficar
reduzidaaopapeldemero“homologador”doacordo,muitasvezesfeitoàsportas
do tribunal (nos Estados Unidos, acordos assim superam 90% dos meios de
resoluçãodecasospenais).
Anegotiationvioladesdelogoopressupostofundamentaldajurisdição,pois
a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e
tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do
Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. Isso significa uma
inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser
dominadapelo tribunal,queerroneamente limita-seahomologaro resultadodo
acordoentreoacusadoeopromotor.Nãosemrazão,afirma-sequeopromotoré
ojuizàsportasdotribunal.
Opactonoprocessopenalpodeseconstituiremumperversointercâmbio,que
transforma a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar
autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo
ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança. O
furornegociadordaacusaçãopodelevaràperversãoburocrática,emqueaparte
passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar-se em uma
complexaeburocráticaguerra.
Tudoémaisdifícilparaquemnãoestádispostoao“negócio”.
Oacusadorpúblico,dispostoaconstrangereobteropactoaqualquerpreço,
utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão, solicitando altas
penasepleiteandooreconhecimentodefigurasmaisgravesdodelito,aindaque
semomenorfundamento.Atalpontopodechegaradegeneraçãodosistemaque,
de forma clara e inequívoca, o saber e a razão são substituídos pelo poder
atribuídoaoMinistérioPúblico.Oprocesso,aofinal,étransformadoemumluxo
reservadoaquemestiverdispostoaenfrentarseuscustoseriscos(Ferrajoli).A
superioridadedoacusadorpúblico,acrescidadopoderdetransigir,fazcomque
aspressõespsicológicaseascoaçõessejamumapráticanormal,paracompeliro
acusadoaaceitaroacordoetambéma“segurança”domalmenordeadmitiruma
culpa,aindaqueinexistente.Osacusadosqueserecusamaaceitaradelaçãoou
negociação são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesará todo o
rigor do direito penal “tradicional,” em que qualquer pena acima de 4 anos
impedeasubstituiçãoe,acimade8anos,impõeoregimefechado.Opanoramaé
aindamaisassustadorquando,aoladodaacusação,estáumjuizpoucodispostoa
levaroprocessoatéofinal,quiçámais interessadoqueoprópriopromotorem
que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível. Quando as
pautas estão cheias e o sistema passa a valorarmais o juiz pela sua produção
quantitativadoquepelaqualidadedesuasdecisões,oprocessoassumesuaface
mais nefasta e cruel. É a lógica do tempo curto atropelando as garantias
fundamentaisemnomedemaioreficiência.
NoBrasil,atendênciadeexpansãoéevidenteeapreocupação,crescente.Dos
limitestímidosdatransaçãopenalesuspensãocondicionaldoprocesso,caímos
nooutro extremo:o amorfismoda colaboração (leia-se: delação)premiada e a
Lein.12.850/2013.
Em julho de 2015 foi, noticiada uma sentença penal condenatória na
denominada “Operação Lava Jato” em que alguém – beneficiado pela delação
premiada (ou seja, pena negociada) – é condenado a 15 anos e 10 meses em
regimede“reclusãodoméstica”ou“prisãodomiciliar”.Depoisvemumregime
“semiabertodiferenciado”(??)eumaprogressãoparaoregimeabertoapósdois
anos...tudoissosoboolharatônitodoCódigoPenal,quenãosereconhecenessa
“execuçãopenalàlacarte”.
Masissoéoutrodireitopenal?Comcerteza.Eoutroprocessopenaltambém.
Masoqueéesse“outro”?Aserviçodequê(m)eleestá?Quaisseuslimitesde
incidência?Pormaisqueseadmitaqueoacordosobreapenasejaumatendência
mundialeinafastável,(mais)umaquestãoquepreocupamuitoé:ondeestãoessas
regraselimitesnalei?Ondeestáoprincípiodalegalidade?Reservadelei?Será
quenãoestamosindonosentidodanegociação,masabrindomãoderegraslegais
claras,paracairnoerrododecisionismoenaampliaçãodosespaçosindevidos
da discricionariedade judicial? Ou ainda, na ampliação dos espaços
discricionáriosimprópriosdoMinistérioPúblico?Ficopreocupado,nãoapenas
comabanalizaçãodadelaçãopremiada,mascomaausênciadelimitesclarose
precisos acerca da negociação. É evidente que a Lei n. 12.850/2013 não tem
suficiênciaregradoraeestamoslongedeumadefiniçãoclaraeprecisaacercados
limitesnegociais.
A delação premiada, enquanto forma de consenso sobre a pena, precisa ser
objeto de uma problematização muito mais complexa (para além da simples
recusa,poiselaestáaí),comoporexemplo:
a) Quais os limites quantitativos e qualitativos acerca da pena? Como fixar
umapenade15anosemregimedeprisãodomiciliar?Easpenasacessórias?
Qualocritérioparafixaçãodosvalores(milionários)aseremrestituídos(ou
penapecuniária)?
b)Atéquemomentopodeserefetivada?Apenasnafasepré-processual?Após
adenúnciamasantesdainstrução?Aqualquermomento(entãonãohaveráa
aceleraçãoprocedimentalcaracterística)?
c) Que consequências procedimentais ela gera em termos de aceleração e
limitaçãodacognição?
d) Uma vez feita, mas por qualquer motivo não efetivada ou descumprida,
comovamos lidar comaconfissão já realizada?Eopré-julgamento, como
fica?Ojuizque tevecontatocomaconfissão/delaçãodeveserafastadoou
continuaremoscomailusãodequenãoháquebradaimparcialidade,deque
ojuizpodedarumrewindedeletaroqueouviu,viueleu?
e) Nos casos penais de competência do tribunal do júri, como se dará o
julgamento?Haverájúrieosjuradospoderãonãohomologaradelação?Ea
íntimaconvicção,comofica?Haveráquesitaçãosobreadelação?Oucoma
negociaçãousurparemosacompetênciadojúri?
f)Havendoassistentedaacusação,poderáseoporanegociaçãosobreapena?
Qual o espaço da vítima no ritual negocial? Ela poderá estabelecer
“condições” ou será ignorada (como ocorre na transação penal oferecida
peloMinistérioPúbliconasaçõespenaisdeiniciativaprivada)?
g)Existeum“direito”doimputadoaoacordooueleéumpoderdiscricionário
doMinistérioPúblico?
h)Qual o nível e dimensãode controle jurisdicional feito?Qual o papel do
juiznoespaçonegocialsemqueeledeixedeser“juiz”(ouseja,imparcial)?
Muitas são as perguntas não respondidas pelo sistema jurídico brasileiro,
chegando-seaumaelasticidadeabsurda(edecisionismoigualmenteabsurdo)de
fixarumapenade15anosdereclusãoasercumpridaemregimederecolhimento
domiciliar,absolutamenteforadetudooquemtemosnoCódigoPenalbrasileiro.
Mas,antesdepensarmosque“legislar”éasoluçãoparatudoisso,façomais
um questionamento: já foi elaborado um sério e profundo “estudo de impacto
carcerário” da expansão do espaço negocial? A expansão da possibilidade de
concretização antecipada do poder de punir, por meio do reconhecimento
consentidodaculpabilidade,nãorepresentaráumaumentosignificativodanossa
já inchada população carcerária? Como o sistema carcerário sucateado e
medieval que temos irá lidar com isso? Pois é, parece que mais uma vez
legislaremosprimeiro,paraveroquevaiocorrerdepois.
Dessarte,estamosentrando–semmuitorumoouprumo–emterrenominado
(em grande parte), desconhecido e muito perigoso para o processo penal
democráticoeconstitucional.
A premissa neoliberal de Estado mínimo também se reflete no campo
processual, na medida em que a intervenção jurisdicional também deve ser
mínima(najustiçanegociada,oEstadoseafastadoconflito),tantonofatortempo
(duraçãodoprocesso)comotambémnaausênciadeumcomprometimentomaior
porpartedojulgador,quepassaadesempenharumpapelmeramenteburocrático.
Éinegávelquevivemosnumasociedaderegidapelavelocidade,masissonãonos
obrigaatoleraroatropelodedireitosegarantiasfundamentaiscaracterísticodos
juizadosespeciais.
A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas “zonas de
consenso”tambémestásustentada,emsíntese,portrêsargumentosbásicos:
a)estarconformeosprincípiosdomodeloacusatório;
b)resultardaadoçãodeum“processopenaldepartes”;
c)proporcionarceleridadenaadministraçãodejustiça.
A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do “modelo
acusatório”edo“processodepartes”é totalmente ideológicaemistificadora,
como qualificou Ferrajoli 248, para quem esse sistema é fruto de uma confusão
entreomodelo teóricoacusatório–queconsisteunicamentenaseparaçãoentre
juizeacusação,naigualdadeentreacusaçãoedefesa,naoralidadeepublicidade
do juízo – e as características concretas do sistema acusatório americano,
algumasdasquais,comoadiscricionariedadedaaçãopenaleoacordo,nãotêm
relaçãoalgumacomomodeloteórico.
Omodeloacusatórioexige–principalmente–queojuizsemantenhaalheioao
trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas, tanto de
imputação como de descargo. A gestão/iniciativa probatória, no modelo
acusatório, está nas mãos das partes; esse é o princípio fundante do sistema.
Ademais, há a radical separação entre as funções de acusar/julgar; o processo
deveser(predominantemente)oral,público,comumprocedimentocontraditório
e de trato igualitário das partes (e nãomeros sujeitos). Com relação à prova,
vigoraosistemadolivreconvencimentomotivadoeasentençaproduzaeficácia
decoisajulgada.Aliberdadedapartepassivaéaregra,sendoaprisãocautelar
uma exceção. Assim é o sistema acusatório, não derivando dele a justiça
negociada.
A verdade consensuada, que brota da negotiation, é ilegítima. Ferrajoli 249
lembraquenenhumamaioriapodefazerverdadeirooqueéfalso,oufalsooqueé
verdadeiro,nem,portanto,legitimarcomseuconsensoumacondenaçãoinfundada
porhaversidodecididasemprovas.
Com isso, surge o equívoco de querer aplicar o sistema negocial, como se
estivéssemostratandodeumramododireitoprivado.Existem,inclusive,osque
defendem uma “privatização” do processo penal partindo do princípio
dispositivo do processo civil, esquecendo que o processo penal constitui um
sistema com suas categorias jurídicas próprias e de que tal analogia, além de
nociva,éinadequada.ExplicaCarnelutti 250queexisteumadiferençainsuperável
entre o direito civil e o direito penal: “en penal, con la ley no se juega”. No
direitocivil,aspartestêmasmãoslivres;nopenal,devemtê-lasatadas.
O primeiro pilar da função protetora do direito penal e processual é o
monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva. A justiça negociada
viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental, pois a violência
repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se
submeteaoslimitesdalegalidade,senãoqueestánasmãosdoMinistérioPúblico
evinculadaàsuadiscricionariedade.
É a mais completa desvirtuação do juízo contraditório, essencial para a
própriaexistênciadeprocesso,eseencaixamelhorcomaspráticaspersuasórias
permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo. É
transformar o processo penal em uma “negociata”, no seu sentido mais
depreciativo.
Nosistemanorte-americano,muitasnegociaçõessãorealizadasnosgabinetes
do Ministério Público sem publicidade, prevalecendo o poder do mais forte,
acentuandoaposiçãodesuperioridadedoParquet.ExplicamFigueiredoDiase
CostaAndrade251queapleabargainingnosEstadosUnidoséresponsávelpela
soluçãode80%a95%detodososdelitos.
Ademais,ascifrascitadascolocamemevidênciaqueemoitoounovedecada
dezcasosnãoexistenenhumcontraditório.
No mesmo sentido, o Juiz Federal dos Estados Unidos, Rubén Castillo252,
afirmaquedetodososprocessoscriminaisiniciadosmaisde90%nuncachegam
ajuízo,poisadefesaacordacomoMP.
Oquecaracterizaoprincípiodocontraditórioéexatamenteoconfrontoclaro,
públicoeantagônicoentreaspartesemigualdadedecondições.Essaimportante
conquista da evolução do Estado de Direito resulta ser a primeira vítima da
justiçanegociada,quecomeçaporsacrificarocontraditórioeacabapormatara
igualdadedearmas.Que igualdadepodeexistirna relaçãodocidadãosuspeito
frenteàprepotênciadaacusação,que,aodispordopoderdenegociar,humilhae
impõesuascondiçõeseestipulaopreçodonegócio?
Em última análise, o sistema de justiça negociada funda-se sobre a base da
categoria “autonomia de vontade”. Uma base excessivamente porosa, para não
dizerfalaciosa.ComoapontaPrado253,
os desníveis socioeconômicos ainda vivos na sociedade brasileira
interditam a pretensão de garantir ao sujeito, principalmente ao sujeito
investigado/imputado, condições de exercer plenamente suas
potencialidades e, pois, posicionar-se conscientemente diante da
proposta de transação, compreendendo seu largo alcance como
instrumentodepolíticacriminal.
Noquedizrespeitoàtransaçãopenal,Prado254fazlongoecriteriosotrabalho
de crítica, demonstrando todos os inconvenientes do instituto e desvelando a
faláciadodiscursofavorávelàtransaçãopenal.Bastariareconheceragravíssima
e insuperável violação do princípio da necessidade, fundante e legitimante do
processo penal contemporâneo, para compreender que a transação penal é
absolutamente ilegítima, pois constitui a aplicação de uma pena sem prévio
processo. Põe-se por terra a garantia básica do nulla poena sine iudicio. A
transação penal não dispõe, explica o autor, de um verdadeiro procedimento
jurisdicionalconformeanoçãodedevidoprocessolegal.
Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a
credibilidade da justiça, pois ninguém gosta de negociar sua inocência. Não
existe nadamais repugnante que, ante frustrados protestos de inocência, ter de
decidirentrereconhecerumaculpainexistente,emtrocadeumapenamenor,ou
correroriscodesubmeter-seaumprocessoqueserádesdelogodesigual.
Éumpoderosoestímulonegativosaberqueterádeenfrentarumpromotorcuja
imparcialidadeimpostaporleifoienterradajuntocomafrustradanegociação,e
queacusarádeformadesmedida,inclusiveobstaculizandoaprópriadefesa.Uma
vezmaistemrazãoGuarnieri,quandoafirmaqueacreditarnaimparcialidade255
doMinistérioPúblicoéincidirnoerrode“confiarallobolamejordefensadel
cordero”.
Noplanododireitomaterial,asbasesdosistemacaempor terra.Onexode
casualidade entre delito, pena e proporcionalidadedapunição é sacrificado.A
penanãodependerámaisdagravidadedodelito,masdahabilidadenegociadora
dadefesaedadiscricionariedadedaacusação.Ainda,conformeseviunoBrasil,
contribui para a banalização do sistema penal, com todos os graves
inconvenientesdodireitopenalmáximo.Emsíntese, tudodependerádoespírito
aventureirodoacusadoedeseupoderdebarganha.
O excessivo poder – sem controle – doMinistério Público e seu maior ou
menor interesse no acordo fazem com que princípios como os da igualdade,
certeza e legalidade penal não passem de ideais historicamente conquistados e
sepultados pela degeneração do atual sistema. Tampouco sobrevivem nessas
condiçõesapresunçãodeinocênciaeoônusprobatóriodaacusação.Oprocesso
penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena, e, com isso, o
status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e,
principalmente,semqueparaissoaacusaçãotenhadeprovarseualegado.
Asuperioridadedopromotor,acrescidadopoderdetransigir,fazcomqueas
pressõespsicológicas e as coações sejamumapráticanormal, para compelir o
acusadoaaceitaroacordoetambéma“segurança”domalmenordeadmitiruma
culpa,aindaqueinexistente.Osacusadosqueserecusamaaceitaratransação
penaloua suspensãocondicionaldoprocesso sãoconsiderados incômodose
nocivos,esobreelespesarãoacusaçõesmaisgraves.
Não podemos nos esquecer de que o mesmo juiz que preside a fase
conciliatória (com a vítima) será o que, frustradas a conciliação e a negociata
(com o MP), julgará o processo. Logo, está claramente contaminado e será
imenso o prejuízo causado pelo “pré-juízo”. Não há como controlar a imagem
negativaqueseformaráno(in)conscientedojulgador,pelafrustraçãodoacordo
pela recusa do réu. Dependendo do caso, o argumentado e admitido na fase
negocial acabará fulminando– initio litis – no (in)consciente do juiz a própria
presunçãodeinocência.
Criticandoosistemanodireitoespanhol–críticasperfeitamenteaplicáveisao
nossocaso–,VictorFairenGuillen256assinalaqueo
paradoxomaiorestánofatodequeumEstado,quenomomentosegueum
regimepolíticoque intervémemquase todasasesferasdeatividadedo
cidadão,funcioneemsentidocontrário,abandonandoocampodoDireito
Públicoembenefíciodointeresseparticular–nãosevenhadizeragora,
ao cabo de mais de vinte anos de experiência do plea bargain nos
Estados Unidos, que o Ministério Público, ao pactuar, está sempre
convencidodosmotivoscívicos,públicos,admiráveis,doacusado[...].
Tambémentendemosqueaparticipaçãodavítimanoprocessopenalnãodeve
ser potencializada257 para evitar uma molesta contaminação pela sua “carga
vingativa”. Seria um retrocesso à autotutela e autocomposição, questões já
superadaspelosprocessualistas.Nãosepodeesquecerdequeaparticipaçãoda
vítima no processo penal, em geral, e do assistente da acusação em especial
decorredeumapretensãocontingente: ressarcimentoe/ou reparaçãodosdanos.
Isso acarreta uma perigosa contaminação de interesses privados em uma seara
regida por outra lógica e princípios. Desvirtua por completo todo o sistema
jurídico-processual penal, pois pretende a satisfação de uma pretensão
completamentealheiaasuafunção,estruturaefinalidade.
GómezOrbaneja258apontaparaoinconvenientedaprivatizacióndelproceso
penal, completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e o caráter
estatal da pena. Não resta dúvida de que as vítimas, em muitos casos
(especialmentepormeiodaassistência),utilizamoprocessopenalcomoumavia
maiscômoda,econômicaeeficienteparaalcançarasatisfaçãopecuniária.Ora,
paraissoexisteoprocessocivil...
Parafinalizar,possivelmenteaúnicavantagem(paraosutilitaristas)dajustiça
negociada seja a celeridade com que são realizados os acordos e, com isso,
finalizados os processos (ou nem sequer iniciados). Sob o ponto de vista do
utilitarismojudicial,existeumaconsideráveleconomiadetempoedinheiro.Ou
seja,éummodeloantigarantista.
Tambémo argumento de que a estigmatização do acusado émenor não é de
todoverdadeiro.Emmodeloscomoonosso,arotulaçãoseproduzemmassa,na
medidaemquesebanalizaosistemapenalaoressuscitarevivificartodoumrol
decrimesdebagatelaedecompletairrelevânciasocial.Há,ainda,oscasos(não
raros)emqueuminocenteadmiteaculpa(inexistente)paranão“correrorisco”
doprocesso.
Emsíntese,ajustiçanegociadanãofazpartedomodeloacusatórioetampouco
podeserconsideradacomoumaexigênciadoprocessopenaldepartes.Resulta
ser uma perigosa medida alternativa ao processo, sepultando as diversas
garantiasobtidasaolongodeséculosdeinjustiças.
Ademais,estáintimamenterelacionadaaoafastamentodoEstadoimpostopelo
modeloneoliberaletambémcomomovimentodaleieordem,eisqueressuscitou
noimagináriocoletivoumroldecondutasquenãodeveriammaisserobjetode
tutelapenal(nocasodosdelitosdemenorpotencialofensivo).Contribui,assim,
paraapanpenalização.
Por derradeiro, ainda que o campo de negociação previsto pela Lei n.
9.099/95 (e,noâmbito federal, pelaLein.10.259/2001) seja restrito, a crítica
justifica-se na medida em que os problemas já existem e podem ser
potencializados em caso de ampliação da chamada “zona de consenso”. Como
explicamosnoinício,otrabalhoéprospectivoeestápreocupadocomosfuturos
problemas.
Se seguirmos nesse rumo, ampliando o espaço da justiça negociada,
fulminaremos com a mais importante de todas as garantias: o direito a um
processopenaljusto.
Capítulo4
Teoriasacercadanaturezajurídicadoprocesso(penal)
4.1.Introdução:asváriasteorias
Questãomuitorelevanteécompreenderanaturezajurídicadoprocessopenal,
oqueelerepresentaeconstitui.Trata-sedeabordaradeterminaçãodosvínculos
queunemossujeitos(juiz,acusadoreréu),bemcomoanaturezajurídicadetais
vínculosedaestruturacomoumtodo.
Analisando a história do processo, Pedro Aragoneses Alonso259 divide as
diferentesteoriasemtrêsgrandesgrupos,asaber:
1.Teoriasqueutilizamcategoriasdeoutrosramosdodireito
1.1.Teoriasdedireitoprivado
1.1.1.Processocomocontrato
1.1.2.Processocomoquasecontrato
1.1.3.Processocomoacordo
1.2.Teoriasdedireitopúblico
1.2.1.Processocomorelaçãojurídica(Bülow)
1.2.2.Processocomoserviçopúblico(JèzeeDuguit)
1.2.3.Processocomoinstituição(Guasp)
2.Teoriasqueutilizamcategoriasjurídicaspróprias
2.1.Processocomoestadodeligação(Kisch)
2.2.Processocomosituaçãojurídica(Goldschmidt)
3.Teoriasmistas260
3.1.Teoriadavontadevinculatóriaautárquicadalei(Podetti)
3.2.Processocomorelaçãoquesedesenvolveemsituações(Alsina)
3.3.Processocomoentidadejurídicacomplexa(Foschini)
Asteoriasdedireitoprivado(contrato,quasecontratoeacordo)foramsendo
completamenteabandonadasatéofinaldoséculoXIX,quandooprocesso(civile
penal) deixa de ser considerado um mero apêndice do direito privado para
adquirirsuaautonomia.Naesferapenal,influênciadecisivaparaoabandonodas
teorias privadas foi o fato de a pena passar ao estágio depena pública, como
explicadoanteriormente,exigindoqueaAdministraçãodaJustiçafosseexercida
pelo Estado, pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a
proibiçãodavingançaprivada.
Dentre as teorias de direito público, foi a noção de processo como relação
jurídicadeOskarvonBülowaqueteve(etem)maioraceitação,atéosdiasde
hoje.Asdemais,processocomoserviçopúblico(JèzeeDuguit)eprocessocomo
instituição (Guasp), tiveram pouca aceitação e apenas contribuíram para
enriquecer a discussão e a evolução do processo,mas não foramadotadas.Da
mesmaformaosestudosdeKisch,Podetti,AlsinaeFoschini.
Foi,semdúvidaalguma,JamesGoldschmidtomaioreúnicoopositoràaltura
da tesedeBülow,comsua teoriadoprocessocomosituação jurídica.Maisdo
que estruturar uma nova leitura da complexa fenomenologia do processo,
Goldschmidt mostra os graves equívocos e a insustentabilidade da noção de
processocomorelaçãojurídica.
Assim,considerandooslimitesdopresentetrabalho,centrar-nos-emosnessas
duasteorias.
4.2.Processocomorelaçãojurídica:acontribuiçãodeBülow
AobradeBülowLateoríadelasexcepcionesdilatóriasylospresupuestos
procesales,publicadaem1868261,foiummarcodefinitivoparaoprocesso,pois
estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a
consequenteindependênciadasrelaçõesjurídicasqueseestabelecemnessasduas
dimensões.Éodefinitivosepultamentodasexplicaçõesprivativistasemtornodo
processo.
Ateoriadoprocessocomoumarelaçãojurídicaéomarcomaisrelevantepara
oestudodoconceitodepartes,principalmenteporquerepresentouumaevolução
deconteúdodemocrático-liberaldoprocesso,emummomentoemqueoprocesso
penal eravistocomoumasimples intervençãoestatal comfinsde“desinfecção
social”ou“defesasocial”262.
Como aponta Chiovenda, “la sencillísima pero fundamental idea notada por
Hegel,afirmadaporBethmann-HollwegydesenvueltaprincipalmenteporBülow
ymástardeporKohleryporotrosmuchos,inclusoenItalia: 263elprocesocivil
contieneunarelación jurídica”264, criouumnovomarconadoutrinaprocessual
civiletambémnoprocessopenal.
Na realidade, não se pode afirmar que Bülow criou a teoria da relação
jurídica, pois, como aponta Alonso265, o tema já havia sido aludido por
Bethmann-Hollweganteriormente.Ademais, existemantecedenteshistóricosnos
juristas italianosmedievais,comoBúlgaro266,que,aoafirmarque judicium est
actus triumpersonarum, judicis, actoris, rei, contemplava no processo as três
partes:ojuizquejulgue,oautorquedemandeeoréuquesedefenda.Contudo,
foi ele quem racionalizou a teoria e, principalmente, a desenvolveu
sistematicamentefrenteaoprocesso.
Apartirdaí,não sóoprocesso sedesenvolvecomo instituição, senãoquea
“ação” (processual) passa a adquirir uma nova dimensão, que conduz a
importantes estudos e evolução científica e dogmática de conceitos. Couture
apontaque,paraaciênciadoprocesso,aseparaçãoentredireitoeaçãoconstituiu
umfenômenoanálogoaoquerepresentouparaafísicaadivisãodoátomo.
ParaBülow, o processo é uma relação jurídica, de natureza pública, que se
estabeleceentreaspartes(MPeréu)eojuiz,dandoorigemaumareciprocidade
dedireitoseobrigaçõesprocessuais.Suanaturezapúblicadecorredofatodeo
vínculo se dar entre as partes e o órgão público da Administração de Justiça,
numaatividadeessencialmentepública.Nessesentido,oprocessoéumarelação
jurídica de direito público, autônoma e independente da relação jurídica de
direitomaterial.
No processo penal, representou um avanço no tratamento do imputado, que
deixadeservistocomoummeroobjetodoprocesso,parasertratadocomoum
verdadeirosujeito,comdireitossubjetivosprópriose,principalmente,quepode
exigir que o juiz efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada (como
garantidordaeficáciadosistemadegarantiasprevistonaConstituição).
Segundo Bülow 267, o processo é um conjunto de direitos e obrigações
recíprocos,istoé,umarelaçãojurídica.Talrelaçãoépública,poisosdireitose
asobrigaçõesprocessuaissedãoentreosfuncionáriosdoEstadoeoscidadãos,
desdeomomentoemquesetratanoprocessodafunçãodosagentespúblicos.É,
ainda,umarelaçãocontínua,poisavançagradualmenteesedesenvolvepassoa
passo,numasequênciadeatoslogicamenteconcatenados.
Desenvolve-se,ainda,demodoprogressivo,entreotribunaleaspartes.Para
isso,énecessário saberentrequepessoaspodeseestabelecer, aqueobjeto se
refere,queatooufatoénecessárioparaseunascimentoequemécapazouestá
facultadopararealizartalato.ParaBülow,oselementosconstitutivosdarelação
jurídico-processual são: pessoas, matéria, atos e momento em que se
desenvolvem.
Assim chegamos a outra preciosa contribuição do autor para a ciência do
processo: a teoria dos pressupostos processuais268, que surge basicamente da
distinção entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídico-
processualeprocuradefinirquaissãoospressupostosdevalidadeeexistência
doprocesso.
Combasenospressupostosprocessuais,foipossívelcompreenderaexistência
do processo e, entre outras coisas, desenvolver uma teoria sobre as nulidades
processuaiscomfundamentomaisadequado.
Essarelaçãojurídico-processualétriangular,comoexplicaWach269(seguindo
aBülow),edadasuanaturezacomplexaseestabeleceentreasparteseentreas
parteseojuiz,dandoorigemaumareciprocidadededireitoseobrigações.Negar
issoéomesmoquevoltaràideiadeumEstadototalitário,emquenãoexisteo
binômiopoder-deverjurisdicional.Oprocessoéumaviademãodupla,emque
as partes têm direito à tutela jurisdicional, e o juiz, o dever de conduzir o
processoatéalcançarasentença.
Quandoverificamosqueexisteumarelaçãodedireitosedeveres recíprocos
entre acusador e acusado (como ocorre em relação aos direitos fundamentais),
não sepodenegarqueexistaumaverdadeira relação jurídica (complexa) entre
eles.Graficamente,ateoriapodeserrepresentadadaseguinteforma:
PartindodosfundamentosapontadosporBülow,aperfeiçoadosporWach270e
posteriormente por Chiovenda, pode-se afirmar que o processo penal é uma
relaçãojurídicapública,autônomaecomplexa,poisexistem,entreastrêspartes,
verdadeiros direitos e obrigações recíprocos. Somente assim estaremos
admitindo que o acusado não é ummero objeto do processo, tampouco que o
processoéumsimplesinstrumentoparaaaplicaçãodojuspuniendiestatal.
O acusado é parte integrante do processo, em igualdade de armas com a
acusação (seja ela estatal ou não), e, como tal, possuidor de um conjunto de
direitossubjetivosdotadosdeeficáciaemrelaçãoaojuizeàacusação.
MesmoentreosseguidoresdeBülow,nãoexisteacordoentrequemestabelece
a relação processual. Para alguns, estabelece-se entre as partes e o juiz
(Hellwig); paraoutros, somente entre aspartes (Kohler); e, finalmente, existem
aqueles que concebem a relação como triangular (Wach). Na Itália, a base da
teoria da relação jurídica foi adotada, entre outros, por Carnelutti 271,
Chiovenda272,BettioleRocco.
A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas, tanto na sua
aplicaçãoparaoprocessocivilcomotambémparaoprocessopenal,mas,emque
pesesuainsuficiênciaeinadequação,acabousendoadotadapelamaiorparteda
doutrinaprocessualista.
Acríticamaiscontundenteeprofundaveio,semdúvida,deGoldschmidt,por
suatesedequeoprocessoéumasituaçãojurídica,comoseveránacontinuação.
4.3.Processocomosituaçãojurídica(ouasuperaçãodeBülowporJamesGoldschmidt)
Anoçãodeprocessocomorelaçãojurídica,estruturadanaobradeBülow 273,
foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da
chamada relação de direitos e deveres estabelecida entre as partes e entre as
parteseojuiz.Oerrofoiodecrerquenoprocessopenalhouvesseumaefetiva
relaçãojurídica,comumautênticoprocessodepartes.
Comcerteza,foimuitosedutoraatesedequenoprocessohaveriaumsujeito
queexercitavaneledireitos subjetivose,principalmente,quepoderia exigirdo
juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de
resistência (defesa). Apaixonante, ainda, a ideia de que existiria uma relação
jurídica,obrigatória,dojuizcomrelaçãoàspartes,queteriamodireitodelograr
pormeiodoatofinalumverdadeiroclimadelegalidadeerestabelecimentoda
“pazsocial”.
Foi James Goldschmidt e sua Teoria do processo como situação jurídica,
tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage, publicada em Berlim em
1925eposteriormentedifundidaemdiversosoutrostrabalhosdoautor 274,quem
melhorevidenciouasfalhasdaconstruçãodeBülow,mas,principalmente,quem
formulouamelhorteoriaparaexplicarejustificaracomplexafenomenologiado
processo.
Parao autor, o processo é visto comoumconjuntode situaçõesprocessuais
pelasquaisaspartesatravessam,caminham,emdireçãoaumasentençadefinitiva
favorável.Negaeleaexistênciadedireitoseobrigaçõesprocessuaiseconsidera
queospressupostosprocessuaisdeBülowsão,naverdade,pressupostosdeuma
sentençadefundo.
Goldschmidt ataca, primeiramente, os pressupostos da relação jurídica, em
seguidanegaaexistênciadedireitoseobrigaçõesprocessuais,ouseja,opróprio
conteúdo da relação, e, por fim, reputa definitivamente como estática ou
metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos. Nesse
sentido,ospressupostosprocessuaisnãorepresentampressupostosdoprocesso,
deixando, por sua vez, de condicionar o nascimento da relação jurídico-
processualparaserconcebidoscomopressupostosdadecisãosobreomérito.
Interessa-nos,pois,acríticapeloviésdainérciaedafalsanoçãodesegurança
quetrazínsitaateoriadoprocessoenquantorelaçãojurídica.
Foi Goldschmidt quem evidenciou o caráter dinâmico do processo, ao
transformar a certeza própria do direitomaterial na incerteza característica da
atividadeprocessual.Nasíntesedoautor,duranteapaz,arelaçãodeumEstado
comseusterritóriosdesúditoséestática,constituiumimpériointangível.
Semembargo,ensinaGoldschmidt,
quandoaguerraestoura,tudoseencontranapontadaespada;osdireitos
mais intangíveis se convertem em expectativas, possibilidades e
obrigações, e tododireitopode seaniquilar comoconsequênciadenão
ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação; como,
pelocontrário,aguerrapodeproporcionaraovencedorodesfrutedeum
direitoquenãolhecorresponde 275.
Essadinâmicadoestadodeguerraéamelhorexplicaçãoparaofenômenodo
processo,quedeixadeladoaestáticaeasegurança(controle)darelaçãojurídica
para inserir-senamaiscompletaepistemologiada incerteza.Oprocessoéuma
complexa situação jurídica, na qual a sucessão de atos vai gerando situações
jurídicas,dasquaisbrotamaschances, que,bemaproveitadas,permitemquea
parte se liberte de cargas (probatórias) e caminhe em direção favorável. Não
aproveitandoaschances,nãoháaliberaçãodecargas,surgindoaperspectivade
umasentençadesfavorável.
Oprocesso,enquantosituação–emmovimento–,dáorigemaexpectativas,
perspectivas,chances,cargaseliberaçãodecargas.Doaproveitamentoounão
dessaschances,surgemônusoubônus.
As expectativas de uma sentença favorável dependerão normalmente da
práticacomêxitodeumatoprocessualanteriorrealizadopelaparteinteressada
(liberaçãodecargas).Comoexplicaoautor 276,
se entiende por derechos procesales las expectativas, posibilidades y
liberaciones de una carga procesal. Existen paralelamente a los
derechosmateriales,esdecir,alosderechosfacultativos,potestativosy
permisivos [...].Las llamadasexpectativas sonesperanzasdeobtener
futurasventajasprocesales,sinnecesidaddeactoalgunopropio,yse
presentanraravezeneldesenvolvimientonormaldelproceso;pueden
servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la
demanda que padezca de defectos procesales o no esté debidamente
fundada[...].
Aspossibilidadessurgemdeumachance,sãoconsideradas“lasituaciónque
permite obtener una ventaja procesal por la ejecución de un acto procesal”277.
Como esclarece Alonso278, a expectativa de uma vantagem processual e, em
últimaanálise,deumasentençafavorávelàdispensadeumacargaprocessual,ea
possibilidade de chegar a tal situação pela realização de um ato processual
constituemosdireitosemsentidoprocessualdapalavra.Naverdade,nãoseriam
direitos propriamente ditos, senão situações que poderiam denominar-se com a
palavrafrancesachances279.Diantedeumachance, a parte pode liberar-se de
uma carga processual e caminhar em direção a uma sentença favorável
(expectativa), ou não se liberar, e, com isso, aumentar a possibilidade de uma
sentençadesfavorável(perspectiva).
Assim,semprequeaspartesestiverememsituaçãodeobter,pormeiodeum
ato,umavantagemprocessual e, emúltimaanálise,umasentença favorável têm
uma possibilidade ou chance processual. O produzir uma prova, refutar uma
alegação, juntar um documento no devido momento são típicos casos de
aproveitamentodechances.
Tampouco incumbem às partes obrigações, mas sim cargas processuais,
entendidascomoa realizaçãodeatoscoma finalidadedeprevenirumprejuízo
processual e, consequentemente, uma sentença desfavorável. Tais atos se
traduzem,essencialmente,naprovadesuasafirmações.
É importante recordar que, no processo penal, a carga da prova está
inteiramentenasmãosdo acusador, não sóporque a primeira afirmação é feita
porelenapeçaacusatória(denúnciaouqueixa),mas tambémporqueoréuestá
protegidopelapresunçãodeinocência.
Infelizmente, é comum nos deparamos com sentenças e acórdãos que fazem
uma absurda distribuição de cargas no processo penal, tratando a questão da
mesma forma que no processo civil. Não raras são as sentenças condenatórias
fundamentadasna“faltadeprovasda tesedefensiva”,comoseoréu tivessede
provarsuaversãodenegativadeautoriaoudapresençadeumaexcludente.
Éumerro.Nãoexisteuma“distribuição”, senãoqueacargaprobatóriaestá
inteiramentenasmãosdoMinistérioPúblico.
Oquepodemosconceber, indoalémdanoção inicialde situação jurídica, é
umaassunçãoderiscos.Significadizerqueàluzdaepistemologiadaincerteza
que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de
convencimento(comoexplicaremosaseu tempo),anãoproduçãodeelementos
de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu
acabepotencializandooriscodeumasentençadesfavorável.Nãoháumacarga
para a defesa,mas sim um risco. Logo, coexistem as noções de carga para o
acusadoreriscoparaadefesa.
Cargaéumconceitovinculadoànoçãodeunilateralidade,logo,nãopassível
dedistribuição,massimdeatribuição.Noprocessopenal,aatribuiçãodacarga
probatória está nas mãos do acusador, não havendo carga para a defesa e
tampouco possibilidade de o juiz auxiliar o MP a liberar-se dela (recusa ao
ativismojudicial).
Adefesaassumeriscospelaperdadeumachanceprobatória.Assim,quando
facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o
aproveitamentodessa chance, assume a defesao risco inerente à perdadeuma
chance,logo,assunçãodoriscodeumasentençadesfavorável.Exemplotípicoé
oexercíciododireitodesilêncio,calcadononemotenetursedetegere.Nãogera
umprejuízoprocessual,poisnãoexisteumacarga.Contudo,potencializaorisco
deumasentençacondenatória.Issoéinegável.
Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um
prejuízoimediatoetampoucopossuiumdeverdeliberação.Aquestãodesloca-se
para a dimensão da assunção do risco pela perda de uma chance de obter a
capturapsíquicado juiz.Oréuquecalaassumeoriscodecorrentedaperdada
chancedeobteroconvencimentodojuizdaveracidadedesuatese.
Mas,voltandoàconcepçãogoldschmidtiana,aobrigaçãoprocessual(carga)é
tidacomoumimperativodoprópriointeressedaparte,diantedaqualnãoháum
direitodoadversáriooudoEstado.Por issoéquenãose tratadeumdever.O
adversário não deseja outra coisa senão que a parte se desincumba de sua
obrigaçãodefundamentar,provaretc.Comefeito,háumarelaçãoestreitaentreas
obrigações processuais e as possibilidades (direitos processuais da mesma
parte),umavezque“cadapossibilidadeimpõeàparteaobrigaçãodeaproveitar
apossibilidadecomoobjetivodeprevenirsuaperda”280.
Aliberaçãodeumacargaprocessualpodedecorrertantodeumagirpositivo
(praticandoumatoquelheépossibilitado)comotambémdeumnãoatuar,sempre
queseencontreemumasituação“quelepermiteabstenersederealizaralgúnacto
procesalsintemordequelesobrevengaelperjuicioquesueleserinherenteatal
conducta” 281.
Já a perspectiva de uma sentença desfavorável dependerá sempre da não
realizaçãodeumatoprocessualemquealeiimponhaumprejuízo(pelainércia).
Ajustificativaencontra-senoprincípiodispositivo.Anãoliberaçãodeumacarga
(acusação) leva à perspectiva de um prejuízo processual, sobretudo de uma
sentença desfavorável, e depende sempre que o acusador não tenha se
desincumbidodesuacargaprocessual 282.
NasíntesedeAlonso283,
alserexpectativasoperspectivasdeun fallo judicial futuro,basadas
en las normas legales, representanmás bien situaciones jurídicas, lo
quequieredecir estadodeunapersonadesdeel puntode vistade la
sentenciajudicial,queseesperaconarregloalasnormasjurídicas.
Assim, o processo deve ser entendido como o conjunto dessas situações
processuais e concebido “como um complexo de promessas e ameaças, cuja
realizaçãodependedaverificaçãoouomissãodeumatodaparte”284.
Outracategoriamuitoimportantenaestruturateóricadoautoréadederecho
justicialmaterial.Nessavisão,odireitopenaléumderechojusticialmaterial,
postoqueoEstadoadjudicouoexercíciodoseupoderdepuniràJustiça.Mas,
principalmente,asnormasqueintegramoderechojusticial sãomedidasparao
juízo do juiz, regras de julgamento e condução do processo, gerando para as
partesocaráterdepromessasoudeameaçasdedeterminadacondutadojuiz.Os
conceitosdepromessasoudeameaçasdevemservistosnumalógicade“ônus”e
“bônus”, logo, promessas de benefícios (sentença favorável etc.) diante de
determinada atuação ou, ainda, ameaças de prejuízos processuais pela não
liberaçãodeumacarga,porexemplo.
EssarápidaexposiçãodopensamentodeGoldschmidtserveparamostrarque
oprocesso–assimcomoaguerra–estáenvoltoporumanuvemdeincerteza.A
expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença
desfavorávelestásemprependentedoaproveitamentodaschanceseliberaçãoda
carga.Emnenhummomentotem-seacertezadequeasentençaseráprocedente.A
acusaçãoeadefesapodemserverdadeirasounão;umatestemunhapodeounão
dizeraverdade,assimcomoadecisãopodeseracertadaounão(justaouinjusta),
oqueevidenciasobremaneiraorisconoprocesso.
Omundodoprocessoéomundodainstabilidade,demodoquenãoháquese
falaremjuízosdesegurança,certezaeestabilidadequandoseestátratandocomo
mundodarealidade,oqualpossuiriscosquelhesãoinerentes.
Éevidentequenãoexistecerteza(segurança),nemmesmoapósotrânsitoem
julgado,poisacoisajulgadaéumaconstruçãotécnicadodireito,quenemsempre
encontra abrigo na realidade, algo assim como a matemática, na visão de
Einstein285. É necessário destacar que o direitomaterial é ummundo de entes
irreais,umavezqueéconstruídoà semelhançadamatemáticapura,enquantoo
mundodoprocesso,comoanteriormentemencionado,identifica-secomomundo
dasrealidades(concretização),peloqualháumenfrentamentodaordemjudicial
comaordemlegal.
A dinâmica do processo transforma a certeza própria do direitomaterial na
incerteza característica da atividade processual. Para Goldschmidt286, “a
incertezaéconsubstancialàsrelaçõesprocessuais,postoqueasentençajudicial
nunca se pode prever com segurança”. A incerteza processual justifica-se na
medida emque coexiste em iguais condições apossibilidadedeo juizproferir
umasentençajustaouinjusta.
Não se pode supor o direito como existente (enfoque material), mas sim
comprovarseodireitoexisteounãonofimdoprocesso.Justamentepor issoé
queseafirmaqueoprocessoéincerto,inseguro.
Avisãodoprocessocomoguerraevidenciaarealidadedequevence(alcança
a sentença favorável) aqueleque lutarmelhor,quemelhor souber aproveitar as
chancesparalibertar-sedecargasprocessuaisoudiminuirosriscos.Entretanto,
nãohácomoprever comsegurançaadecisãodo juiz.Eesse éopontocrucial
aondequeríamoschegar:demonstrarqueaincertezaécaracterísticadoprocesso,
considerandoqueoseuâmbitodeatuaçãoéarealidade.
4.3.1.QuandoCalamandreideixadeserocríticoerendehomenagensaunmaestrodiliberalismoprocessuale.Oriscodeveserassumido:alutapelasregrasdojogo
É importante destacar que Goldschmidt sofreu duras e injustas críticas, até
porquemuitosnãocompreenderamoalcancedesuaobra.Partedosataquesdeve
ser atribuída ao momento político vivido e à ilusão de “direitos” que Bülow
acenava, contrastando com a dura realidade espelhada por Goldschmidt, que
chegouaserrotuladodeteóricodonazismo.Umaimensainjustiça,repetidaaté
nossos dias por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem
completamenteoautordaobra(comoveremosàcontinuação).
Inclusive, é interessante como a história demonstrou que as três principais
críticas (estamos sintetizando, é claro) 287 feitas a essa concepção acabaram se
transformandoemdemonstraçõesdeacertoedagenialidadedoautor.
Vejamosascríticas,principalmentedeCalamandrei:
a)Adequeateoriadasituaçãojurídicaestavaestruturadaemcategoriasde
carátersociológico (expectativas,perspectivas, chancesetc.).Goldschmidt
refutou, apontando que o direito civil sempre trabalhou com o conceito de
expectativa de direito, conhecido e reconhecido hámuito tempo. E seguiu
mostrando que tais concepções eram “pouco sociológicas”. Há que se
compreender à luz da racionalidade da época. Hoje, a discussão estaria
noutra dimensão, semmedo de assumir o caráter sociológico e demonstrar
suaabsolutanecessidade.E,assim,acríticaserevelouinfundada,namedida
em que, atualmente, a complexidade que marca as sociedades
contemporâneasevidenciouafalênciadomonólogocientífico,especialmente
o jurídico.Ou seja, a complexidade social exige umolhar interdisciplinar,
quetranscendaascategoriasfechadas–comoastradicionalmenteconcebidas
no direito – para colocar os diferentes campos do saber para dialogar em
igualdade de condições e, assim, construir uma nova linguagem. Isto é,
Goldschmidt já percebia a insuficiência do monólogo jurídico e a
necessidade de uma abertura, dialogando com a sociologia para com ela
construirumanova linguagemquedessecontadacomplexa fenomenologia
doprocesso.Logo,umgrandeacerto,que,porseralémdoseutempo,nãofoi
compreendido.Hoje,atualíssimo.
b) A segunda crítica foi a de que ele estava “rompendo com a unidade
processual”.Calamandreiafirmouqueessaconcepçãonãoera“conveniente,
nemcientífica,nemdidaticamente”,equeavisãodoautorfaziacomqueo
processo parecesse não mais uma unidade (relação jurídica), mas uma
sucessão de situações distintas. Goldschmidt respondeu, afirmando que a
unidadedoprocesso“égarantidaporseuobjeto”equenarelaçãojurídicaa
unidade maior é só em aparência. É o objeto (a pretensão processual
acusatória, que explicaremos na continuação) que mantém a unidade, pois
tudo a ele converge. Toda a atividade processual recai sobre um objeto
comum, fazendo comque, para nós, a unidade sejamantida por imantação.
Maisdoqueisso,recorremosnovamenteaoconceitodecomplexidadepara
demonstrarqueatal“unidadeprocessual”remontaumpensamentocartesiano
quenãocompreendeaaberturaeumadosedesuperaçãodobinômioaberto-
fechado.Logo,novoacertopelasuperaçãodosistemasimpleseunitário.
c)Porfim,foicriticadoporterumaconcepção“anormaloupatológica”do
processo. Ora, esse foi, sem dúvida, omaior acerto do autor (ao lado da
dinâmica da situação jurídica).Ele, já em1925, incorporou no processo a
epistemologia da incerteza, influenciado, quem sabe 288, pelos estudos de
Einsteinemtornodarelatividade(1905e1916)edaquântica.Infelizmente
aindaestáporserescritoumtrabalhoqueinvestigueainfluênciaeinsteiniana
nosgrandesjuristasdaépoca...MasGoldschmidtestavacerto,tãocertoque
Calamandrei retifica sua posição – e críticas – para assumir a noção de
processo como jogo. O que o jurista alemão estava desvelando é que a
incertezaéconstitutivadoprocessoenuncasepodeprevercomsegurançaa
sentençajudicial.Alguémduvidadisso?Elementarquenão.Comoassumiu,
anosmaistarde,Calamandrei,paraobter-sejustiçanãobastaterrazão,senão
que é necessário fazê-la valer no processo, utilizando todas as armas,
manobrasetécnicas(obviamentelícitaseéticas)paraisso.
Assim, no plano jurídico-processual, Calamandrei foi um opositor à altura.
Inclusive, as três críticas anteriormente analisadas foram pontos focados no
sugestivo artigo “El proceso como situación jurídica”, de onde outros tantos
aderiram.
Contudo,apósascríticasiniciais,todasrefutadas,Calamandreiperfilou-seao
lado de Goldschmidt no célebre trabalho “Il processo come giuoco”289.
Posteriormente, escreveu “Un maestro di liberalismo processuale”290 em sua
homenagem. Podem até dizer que não se tratava de uma plena concordância, é
verdade, mas sim de uma radical mudança: de crítico visceral a pequenas
divergências periféricas, com as homenagens pelo reconhecimento do acerto
substancial.
Nasuavisãodoprocessocomoum jogo,Calamandreiexplicaqueaspartes
devem, em primeiro lugar, conhecer as regras do jogo. Logo, devem observar
como funcionam na prática, eis que a atividade processual trabalha com a
realidade. Além disso, é preciso “experimentar como se entendem e como as
respeitamoshomensquedevemobservá-las,contraqueresistênciascorremrisco
de se enfrentar, e com que reações ou com que tentativas de ilusão têm que
contar”291.Entretanto, para seobter justiça, nãobasta tão somente ter razão.O
triunfo do processo depende, outrossim, de “sabê-la expor, encontrar quem a
entenda,eaqueiradar,e,porúltimo,umdevedorquepossapagar”292.
Nesse jogo, o sujeito processual ou o “ator”, como denomina o próprio
Calamandrei,movimenta-seafimdeobterumasentençaqueacolhaseudireito,
muitoemboraoresultado(procedência)nãodependaunicamentedesuademanda,
considerando que nesse contexto insere-se a figura do juiz. Assim, o
reconhecimentododireitodo“ator”dependenecessariamentedabuscaconstante
da convicção do julgador, fazendo-o entender a demanda. Ou nas palavras de
Calamandrei 293:
O êxito depende, por conseguinte, da interferência destas psicologias
individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo
demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na
consciênciadojulgador.
Contudo,oárbitro(juiz)nãoélivreparadarrazãoaquemlhedêvontade,pois
seencontraatreladoàpequenahistória retratadapelaprovacontidanos autos.
Logo, está obrigado a dar razão àquele quemelhor consiga, pela utilização de
meios técnicos apropriados, convencê-lo. Por conseguinte, as habilidades
técnicas são cruciais para fazer valer o direito, considerando sempre o risco
inerente à atividade processual: “Afortunada coincidência é a que se verifica
quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso”.
Entretanto,quandonãohátalcoincidência,“oprocesso,deinstrumentodejustiça,
criado para dar razão aomais justo, passe a ser um instrumento de habilidade
técnica,criadoparadarvitóriaaomaisastuto”294.
A sentença – na visão de Calamandrei – deriva da soma de esforços
contrastantes,ouseja,dasaçõesedasomissões,dasastúciasoudosdescuidos,
dos movimentos acertados e das equivocações, considerando que o processo,
nesseínterim,“vemasernadamaisqueumjogonoqualháquevencer”295.
Elementarqueafirmaçõesassim,lidasapressadamenteedeformasuperficial,
podem causar algum choque. Mas, destaque-se, não estamos “criando” nada e
tampoucosetratadequestõesnovas.
Sepudéssemossintetizar(advertindosobreoriscoeodanodasíntese)osdois
pontos mais importantes do pensamento de Goldschmidt para o processo,
destacaríamos:
1. O conceito aplicado de fluidez, movimento, dinâmica no processo, que
incorporaaconcepçãodesituaçõesjurídicascomplexas.Essaalternânciade
movimentos, inerenteaoprocesso,éumgenialcontrasteeevoluçãoquando
comparadocomainérciadarelaçãojurídica.Foielequemmelhorpercebeu
eexplicou,pormeiodasua teoria,aessênciadoprocedere que imprimea
marcadoprocessojudicial.
2.Oabandonodaequivocadae (perigosamente) sedutora ideiade segurança
jurídicaquebrotadaconstruçãodoprocessocomorelaçãojurídicaestática,
comdireitosedeveres“claramenteestabelecidos”entreasparteseojuiz.É
um erro, pois o processo se move num mundo de incerteza. Mais, é uma
noçãode segurança construída erroneamente apartir da concepção estática
do processo. Não que se negue a necessidade de “segurança”, mas ela
somente é possível quando corretamente percebido e compreendido o
próprio risco.Segurançasedesenhaapartirdo riscoe,principalmente,do
risco que brota da própria incerteza do movimento e da dinâmica do
processo.Ésegurançanaincertezaenomovimento.Logo,oquenossobraé
lutarpelaforma,ouseja,umconceitodesegurançaqueseestabeleçaapartir
do respeito às regras do jogo. Essa é a segurança que se deve postular e
construir.Detalheimportante:obviamentenãofoiGoldschmidtquem“criou”
a insegurança e a incerteza 296,mas sim quem as desvelou. Elas lá sempre
estiveram 297, pois são inerentes ao processo e à justiça. Houve sim um
encobrimentona teoriadeBülowda incertezaapartirde todoumcontexto
históricoprocessualesocial.Eraumavisãomuitosedutora,principalmente
naquelemomentohistórico.Masa razãoestácomGoldschmidt:oprocesso
se move no mundo de incerteza, onde as chances devem ser aproveitadas
paraqueaspartespossamseliberardas“cargasprobatórias”ecaminharem
direçãoaumasentença favorável.Aúnica segurançaquesepostulaéada
estrita observância das regras do jogo – a forma como garantia – e,mais,
anterioraela,noconteúdoaxiológicodaprópriaregra.
O maior mérito do autor, infelizmente ainda a ser reconhecido, foi ter
evidenciadoofracassodaunidadeepistemológicadodireito(processual),com
ainserçãodecategoriassociológicas(expectativas,perspectivas,chances);a
epistemologia da incerteza (e a imprevisibilidade do processo); a noção de
fluidez,dinâmicaemovimento;eterdenunciadoofracassodateoriageraldo
processo (o erro da transmissão mecânica de categorias). Por fim, ao
incorporar o risco (muito antes de Beck, Giddens e todos os sociólogos do
risco!), evidencia a falácia da noção tradicional de “segurança jurídica”
fomentadapelainérciadarelaçãojurídicadeBülow.
É interessante como a tradição resiste ao novo, principalmente quando é
desorganizadorda ilusória tranquilidadedostatusquo.Secompararmoscoma
receptividade (até nossos dias) da concepção de Bülow, veremos que foi
quantitativamente bem superior do que a aceitação da revolucionária tese de
Goldschmidt.Possivelmente,entreoutrosfatores,porquefoipoucocompreendida
suacomplexanoçãodeprocesso.
Contudo,comomuitobemdefineJoséVicenteGimenoSendra298,acríticaque
realizou Goldschmidt à relação jurídica processual foi tão sólida que seus
defensoresatuaisforamobrigadosaadotarumadessastrêsposições:
1. Pretender defender a conciliação da teoria da relação jurídica com a da
situaçãojurídica 299.
2. Estender o conceito de relação jurídica a limites inimagináveis e
insustentáveis, como são as tentativas de dar-lhe dinamicidade, fluidez e
complexidade.
3. Esvaziar o conteúdo da relação jurídica, substituindo os “direitos e
obrigaçõesprocessuais”pelascategoriasgoldschmidtianasdepossibilidades
e cargas (e, às vezes, até de expectativas, chancesprocessuais etc.), o que
significaesvaziarcompletamenteonúcleofundantedatesedeBülow.
Em todos os casos, deve-se termuita atenção, pois estamos diante de um
autoreposiçõesteóricasque,paratentarsalvararelaçãojurídica,nãofazem
maisquematá-la.Tudoparamanteratradiçãoepseudossegurançadeconceitos,
ou,ainda,porforçadaleidomenoresforço.
É chegada (ou já passada...) a hora de compreender e assumir a incerteza
característica do processo.A balança oscila, tanto pende igualmente para um
ladocomoparaoutro.Estálançadaasorte.Se,retomandoEinstein,atéDeusjoga
dados com o universo, seriamuita arrogância (senão alienação) pensar que no
processo seria diferente... Seria como dizer: a concepção de universo, em
constante mutação, incorpora como elemento fundamental o princípio da
incerteza,masissosóseaplicaaouniverso,nãoaodireitoprocessual...
Sabe-sequeEinsteinfalhou300 aonãoconsideraroprincípioda incertezana
Teoria da Relatividade Geral, pois o universo pode ser imaginado como um
gigantescocassino301,comdadossendolançadoseroletasgirandoportodosos
ladoseemtodososmomentos.Odetalhefundamentaléqueosdonosdecassinos
nãoabremasportasparaperderdinheiro,pois eles sabemque,quando se lida
com um grande número de apostas, a média dos ganhos e perdas atinge um
resultado que pode ser previsto. E eles se certificam de que a média das
vantagensestejaafavordeles,obviamente.
O crucial é que, se amédia de um grande número demovimentos pode ser
prevista,oresultadodequalquerapostaindividualnão!Esseéoponto.
Logo,noprocesso,asituaçãoéigual.Namédia,pode-seafirmarqueajustiça
eoacertodosresultadosestãopresentes.Ouseja,comoexistemmuitosmilhares
de lançamentos de dados diariamente (distribuição, tramitação e julgamento),
pode-sepreverqueamédiaserádeacertodasdecisões(senãoajustiça,comoos
donos de cassino, não teria funcionado por tantos séculos!), mas o resultado
concreto de um determinado processo (aposta individual na roleta) é
completamente incerto e imprevisível. Essa é uma equação que precisa ser
compreendida,principalmentepelosingênuosapostadores...
Somente a partir da compreensão dessas categorias podemos construir um
sistemadegarantias(semnegarorisco)paraoréunoprocessopenal,deixando
deladoasilusõesdesegurançae,principalmente,abandonandoaingênuacrença
na“bondadedosbons”302. Essa crença infantil de que o processo e o juiz são
capazes de revelar a verdade, e que a justiça (para quem?) será efetivamente
feita, impede a percepção do que está realmente por detrás daquele ritual (il
giuoco!). Mas o mais grave: impede que se duvide da bondade (do juiz, do
promotoredopróprioritual)equesequestioneapróprialegitimidadedopoder.
Tanto no jogo comona guerra, importam a estratégia e o bommanuseio das
armasdisponíveis.Mas,acimadetudo,sãoatividadesdealtorisco,envoltasna
nuvem de incerteza. Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso.
Assim deve ser visto o processo, uma situação jurídica dinâmica inserida na
lógicadoriscoedogiuoco.Reinaamaisabsoluta incertezaatéo final.A luta
passa a ser pelo respeito às regras do devido processo e, obviamente, antes
disso,porregrasquerealmenteestejamconformeosvaloresconstitucionais.
Aassunçãodesses fatoresé fundamentalparacompreendera importânciado
estritocumprimentodasregrasdojogo,ouseja,dasregrasdodueprocessoflaw.
Trata-sedelutarporumsistemadegarantiasmínimas.Nãoéquererresgatar
ailusãodesegurança,massimassumirosriscosedefinirumapautamínimade
garantias formais das quais não podemos abrirmão. Trata-se de reconstruir a
noçãodesegurança(garantia)apartirdaassunçãodorisco,ouseja,perceberque
agarantiasomenteseconstituiapartirdaassunçãodafaltade.
Épartirdapremissadequeagarantiaestánaformadoinstrumentojurídicoe
que,noprocessopenal,adquirecontornosdelimitaçãoaopoderpunitivoestatal
e emancipador do débil submetido ao processo. Não se trata de mero apego
incondicional à forma, senão de considerá-la uma garantia do cidadão e fator
legitimantedapenaaofinalaplicada.
Mas–éimportantedestacar–nãobastaapenasdefinirasregrasdojogo.Não
é qualquer regra que nos serve, pois, como sintetiza Jacinto Coutinho303,
devemos ir para além delas (regras do jogo), definindo contra quem se está
jogandoequaloconteúdoéticoeaxiológicodoprópriojogo.
Nossaanálisesitua-senessedesvelardoconteúdoéticoeaxiológicodojogoe
desuasregras,indomuitoalémdomero(paleo)positivismo.
Em definitivo, é importante compreender que repressão e garantias
processuaisnãoseexcluem,senãoquecoexistem.Radicalismosàparte,devemos
incluirnessatemáticaanoçãodesimultaneidade,emqueosistemapenal tenha
poderpersecutório-punitivoe, aomesmo tempo, esteja limitadoporumaesfera
degarantiasprocessuais (e individuais).Mesmasimultaneidadenecessáriapara
pensar-seagarantiaprocessualsemnegarorisco.Coexistênciaesimultaneidade
de conceitos são imperativos da complexidade que nos conduzem, inclusive, a
trabalharnoentrelugar,noentreconceito.
Considerando que risco, violência e insegurança sempre existirão, é sempre
melhorriscocomgarantiasprocessuaisdoqueriscocomautoritarismo.
A segurança jurídica só pode ser concebida a partir da assunção da
insegurança,doriscoedaimprevisibilidade.Nãoseconstróiumconceitoque
dêconta–aindaqueminimamente,poisaplenitudeéideal–semaconsciência
dasua“falta”,poisa“falta”éconstitutiva.Logo,segurançajurídicaseconstróia
partirdaassunçãodainsegurança,dodesvelamentodoriscoedaincerteza(sem
deixardeladoasubjetividade,queosrecepcionaeporeleséconstituído).
Emúltimaanálise,pensamosdesdeumaperspectivadereduçãodedanos,na
qualosprincípiosconstitucionaisnão significam“proteção total” (atéporquea
falta,ensinaLacan,éconstitutivaesempreláestará),sobpenadeincidirmosna
errônea crençana tradicional segurança.Trata-se, assim, de reduzir os espaços
autoritáriosediminuirodanodecorrentedoexercício(abusivoounão)dopoder.
Umaverdadeirapolíticaprocessualdereduçãodedanos,pois,repita-se,odano,
comoafalta,sempreláestará.
Para que isso seja possível, é preciso abandonar a ilusão de segurança da
teoria do processo como relação jurídica para assumi-lo na sua complexa e
dinâmicasituaçãojurídica,desvelandosuasincertezaseperigos.
4.3.2.Paracompreendera“obradoautor”éfundamentalconhecero“autordaobra”:JamesGoldschmidt
ComoexplicaAlflendaSilva304,Goldschmidt,comoafirmadoporEberhard
Schmidt,teve“oméritoimperecíveldetersubmetidoo‘pensamentoprocessual’
a uma ‘crítica’ e de ter desenvolvido rigorosamente a heterogeneidade
fundamentaldomododecontemplarmaterialeprocessualmenteodireito”305.Em
virtudede sua perspicácia invulgar e originalidadede suas ideias, chegou-se a
afirmarqueGoldschmidt tinhaa“raracapacidadedeadentrarnamaisprofunda
das profundezas”306. Em um artigo escrito em memória aos dez anos de seu
falecimento, em 1950, Ernst Heinitz qualificou-o “como professor de grande
vitalidade e temperamento, como homem de humor e, em certo sentido,
representante típico dos cientistas do estilo antigo”307. Considerado pelos
nazistas, primeiramente, como um “embaixador e divulgador da cultura
alemã”308,apósaascensãodopartidoaopoder,noentanto,restouporsetornar
mais uma vítima do nacional-socialismo. O presente trecho apresenta uma
homenageminmemoriamaestegrandejurista.
Oriundo de família judaica, James Paul Goldschmidt nasceu em 17 de
dezembrode1874,nacidadedeBerlim,Alemanha.Seupai,RobertGoldschmidt,
erabanqueiroeseuirmão,HansWalterGoldschmidt,foiprofessordaFaculdade
deDireitodaUniversidadedeKöln.Comseisanosdeidade,JamesGoldschmidt
ingressou na escola francesa (Französisches Gymnasium) em Berlim309. A
frequência à escola francesa, que encerrou em 1892 com a realização do
vestibular,capacitou-oaredigir,emperíodoposteriordesuavida,umapartede
seus trabalhos em francês, italiano e espanhol, posto que ali lhe haviam sido
proporcionadosconhecimentosemtaisidiomas.Ejustamenteemrazãodisso,ele
permaneceu um período de sua vida estreitamente vinculado com a cultura
francesa.
Naviradade1892para1893,GoldschmidtcomeçouseusestudosdeDireito
naRuprecht-KarlUniversidadedeHeidelbergeumanomais tardesetransferiu
para aFriedrich-WilhelmUniversidadedeBerlim.Nas cátedrasdeRudolfvon
GneistedeJosefKohler,Goldschmidtaprendeudireitopenal,processopenale
processocivil(matériasestasque,maistarde,elemesmotambémlecionou).Na
cátedra de Hugo Preuß, o redator da Constituição do Império de Weimar,
Goldschmidtestudoudireitodoestado.Em1895,concluiuseusestudoserealizou
o primeiro exame estadual em direito (ersten juristichen Staatsexamen) e em
dezembrodaquelemesmoanoapresentousuatesedoutoralintituladaAteoriada
tentativa perfeita e imperfeita (Lehre vom unbeendigten und beendigten
Versuch).
Até a realização do seu segundo exame estadual em direito (zweiten
juristichenStaatsexamen),noanode1900,Goldschmidtatuoucomoestagiário
doServiçoJudiciárioprussianoe,apósisso,trabalhoucomoassessornoServiço
Judiciário e preparou sua tese de habilitação, concluída em junho de 1901.
Naquelemesmoano,eleapresentoua tesedehabilitaçãoàcátedra,emBerlim,
intitulada A teoria do direito penal administrativo (Die Lehre vom
Verwaltungsstrafrecht),aqualfoidesenvolvidasoborientaçãodeJosefKohlere
FranzvonLiszt310.Apósahabilitação,Goldschmidt–alémdesuaatividadede
assessor–começouaproferir,naqualidadededocenteprivado,suasprimeiras
palestras na Universidade de Berlim, além de desenvolver muitas atividades
científicaseelaborardiversostrabalhoscientíficos311.
Em 1906, Goldschmidt casou-se com Margarete Lange, de cujo casamento
nasceramquatrofilhos:Werner(1910-1987),Robert(1907-1965),Victor(1914-
1981)eAda(1919-?).WernereRobert,assimcomoopai,foramprofessoresde
direito,sendoqueoprimeiroatuouemdiferentesuniversidadesdeBuenosAires
eosegundoatuoueminúmerasuniversidadesnaAméricaLatina,particularmente
emCórdoba (Argentina) e naVenezuela.O filhomais novo,Victor, estudou na
França, onde, como professor, lecionou Filosofia e História em diversas
universidades.SobreodestinodafilhaAda,nãosetemconhecimento.
Apósseteanosdeatividadecomodocenteprivado,em23deagostode1908,
Goldschmidt tornou-se oficialmente professor extraordinário e, em 1919,
professorordinárionaFaculdadedeDireitonaUniversidadedeBerlim312.
Na Primeira Guerra Mundial, Goldschmidt foi Presidente do Senado no
Tribunal Imperial de Arbitragem para questões econômicas
(Reichsschiedsgericht für Wirtschaftsfragen). Este Tribunal era mantido para
disputas havidas no setor econômico, assim como, por exemplo, para questões
relacionadasaocontroledocomércioexterioreabastecimentodeenergia.
Em1919,Goldschmidt recebeuumaCátedradeDireitoPenalno Institutode
Criminologia da Universidade de Berlim, o qual ele dirigiu com seu colega
EduardKohlrausch.Nomesmo ano, foi chamadopara atuar como colaborador,
juntoaoMinistériodaJustiçadoImpério,nareformaprocessualpenal 313, tendo
recebidooencargodeelaboraroProjetodeumnovoCódigodeProcessoPenal.
Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial, ele apresentou o, até hoje
considerado,maismodernoProjetodeCódigodeProcessoPenal(Entwurfeiner
Strafprozessordnung). Em seu Projeto, Goldschmidt previu a consequente
efetivação do processo acusatório por meio da eliminação dos resquícios do
processoinquisitório.Alémdisso,oprojetopreviuapossibilidadederecursosa
todasasinstânciaspenaiseaparticipaçãogeraldeleigosnaprimeirainstância,
noâmbitodoTribunaldoJúri(tendoemvista,aqui,seuvastoconhecimentodo
modeloprocessual francês).Goldschmidtprocurouvincularàprisãopreventiva
pressupostosmuitoespecíficosparaasuadecretação.Esteprojeto,queconsistiu
naprimeiratentativadereformapenalàépoca,foiapresentadopeloMinistroda
JustiçadoImpérioalemão,EugenSchiffer,noanode1919,aoSenadoImperial,e
ficou conhecido como o “Projeto Goldschmidt/Schiffer” (Entwurf
Goldschmidt/Schiffer).À época, oProjeto encontrou forte oposiçãonoSenado
Imperiale,consequentemente,nãofoiaprovado.Contudo,em1922,oMinistroda
Justiça do Império, Gustav Radbruch, apresentou o “Projeto de Lei para
ReorganizaçãodosTribunaisPenais” (Entwurf einesGesetzes zurNeuordnung
derStrafgerichte),oqualinspirou-sesubstancialmentenoprojetoelaboradopor
Goldschmidt,demonstrando,assim,oporquêdoprojetodeGoldschmidttersido
caracterizado como a “última tentativa de criação integral de um direito
processualpenalliberal-democrático”314.
Nos anos de 1920 a 1921, Goldschmidt, na qualidade deDecano, dirigiu a
FaculdadedeDireitodeBerlime,noanode1927,tornou-semembrodoServiço
OficialdeExameCientífico(WissenschaftlichenPrüfungsamtes).
Alémdesuavastaatividadecientífica,Goldschmidtministravaaté12horasde
palestrassemanais,queeramsempreminuciosamenteelaboradas.Seusalunoso
descreviam como um professor com antiga disciplina prussiana e um forte
sentimento de dever, porém sempre procurava ministrar suas aulas com bom
humor.
Apósaascensãodonacional-socialismoaopoder,Goldschmidtfoioprimeiro
professordaFaculdadedeDireitodeBerlimimpedidodeprosseguirnaatividade
deensino.PormeiodeDecretodoMinistrodaCultura,de29deabrilde1933,
elefoioúnicomembrodaFaculdadedeDireito,juntoaoutros19daFaculdade
deMedicina e Filosofia, a ter imediatamente suspensas as suas atividades no
cargo. No mesmo dia, Goldschmidt requereu junto ao Ministério da Justiça a
revogaçãodamedida,aqual,noentanto, foinegada, soboargumentodequeo
MinistériodaJustiçahaviadeterminadoquenãoarianosnãopoderiamlecionar
nascátedrasdedireitopenalededireitodoestado315.
Nosemestredeinverno,naviradade1933para1934,Goldschmidt,emrazão
do “Decreto de restabelecimento funcional” publicado em1933, foi transferido
paraoutraEscoladeEnsinoSuperior,oque,noentanto,somentenosemestrede
verãode1934foipossível,comasuatransferênciaàEscoladeEnsinoSuperior
de Frankfurt am Main. Em razão de sentimentos hostis do pessoal docente –
principalmente do Decano –, ele se afastou do setor de ensino, embora já
estivessedispostoafazê-lo.Medianterequerimento,Goldschmidt,nosemestrede
inverno de 1934 para 1935, foi transferido novamente a Berlim e ao mesmo
temposeexoneroude suasobrigaçõesoficiais.Nessemeio tempo,eleproferiu
inúmeras palestras na Espanha e publicou diversos trabalhos em espanhol,
italianoefrancês.E,apartirdaí,passouaseorientarcadavezmaispor temas
filosóficos.Umanomaistarde,Goldschmidt,deacordocomaLeideCidadania
Imperialde1935,seaposentoue,aomesmotempo,lhefoiretiradapelopróprio
ReitordaUniversidadeapermissãoparalecionar.Comoencaminhamentodesua
aposentadoria,osseusvencimentosforamreduzidosem65%.Comisso,anteas
dificuldades e a perseguição nazista, que se intensificava naquele período,
escreveuaNicetoAlcaláZamorayCastillo,queoacolheunaEspanha,nacidade
deMadrid,noperíodoemquealiesteve.
Nos anos de 1933 a 1936, Goldschmidt empreendeu inúmeras viagens de
estudoparaaEspanha316,paraproferirpalestrasnasUniversidadesComplutense
de Madrid, Valencia e Zaragoza. Nesse período, a família Goldschmidt
estabeleceuumapróximarelaçãoaoutrograndeprocessualistaespanhol,Pedro
AragonesesAlonso(ProfessorEméritodaUniversidadComplutensedeMadrid),
que lhes acolheu com muita lealdade. A amizade entre Alonso e Werner
Goldschmidtrendeuo“Prólogoalaprimeraedición”daestupendaobraProceso
yderechoprocesal(Introducción) 317.Tambémnesseperíodoforamministradas
porJamesGoldschmidtasfamosasConferenciasenlaUniversidadComplutense
de Madrid (mais especificamente entre 1934 e 1935) que culminaram com a
publicaçãodoclássicoProblemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal(daío
agradecimento a FranciscoBeceña, que lhe cedeu a cátedra deEnjuiciamiento
Criminal).
Contudo,aguerracivilde1936,desencadeadanaEspanha,colocouumfimem
suasatividadesnaquelepaís,atéporquetambémforamperseguidospelaFalange
Espanhola.Comoasituação,paraosjudeus,tornou-secadavezmaisinsegurana
Europa,emfacedoaumentoprogressivodemedidasdeperseguição,nofinalde
1938, Goldschmidt e sua esposa, com o filho mais velho, Robert, decidiram
abandonar definitivamente aAlemanha e viajarampara a Inglaterra. Logo após
isso, eacredita-seque justamentepela saídadaAlemanha,opagamentode sua
aposentadoriafoisuspenso.
Encurralado,poisseuvistodepermanêncianaInglaterraestavaporchegara
termo,vencendoem31dedezembrode1939,sempossibilidadederenovação,e
em virtude de não poder retornar àAlemanha, por ser judeu, e não poder ir à
França,porseralemão,muitomenosderetornaràEspanha,emoutubrode1939,
GoldschmidtentraemcontatocomEduardoCouture,queoauxiliaaviajarparao
Uruguai.VindonobarcoinglêsHighlandPrincess,emumaárduaviagem,emque
acada instanteumsubmarinopoderia lhe trazeramorte,poucas semanasapós,
GoldschmidtdesembarcouemMontevidéu318.
Já no Uruguai, passou a ministrar aulas junto à Faculdade de Direito de
Montevidéu.Entretanto,enquantopreparavasuaterceiraaulaaserministradana
Faculdade, no dia 28 de junho de 1940, às nove horas damanhã,Goldschmidt
sentiu um ligeiro mal-estar, parou de escrever e foi repousar. Aconchegou-se
juntoàsuaesposa,recitoualgunspoemasdeSchillerparadistrairamente,voltou
àsuamesaecomoquefulminadoporumraiocaiumortosobreseuspapéis319.
Goldschmidt produziu importantes contribuições científicas para o direito
penal, bem como para o direito processual civil e penal. Em sua tese de
habilitaçãoO direito penal administrativo, ele discutia a respeito das assim
chamadas violações (Übertretungen320), que ainda eram reguladas juntamente a
crimes e delitos no Código Penal do Império. Goldschmidtmanifestou-se pela
delimitaçãoentreasviolaçõeseosfatospuníveispropriamenteepelaconversão
dodireitodasviolaçõesemdireitoadministrativo321.Alémdisso,Goldschmidt
elaboroupropostasdereformanodireitopenaleprocessualpenal.Noâmbitodo
direitoprocessualpenal,eleutilizouaaplicaçãodeelementosdoprocessopenal
inglês.EleentendiaqueoMinistérioPúblicodeveriaassumiropapeldeparteno
processo e que, de acordo com a sua concepção, se deveriam eliminar os
resquícios, ainda presentes, do antigo processo de inquisição do âmbito do
processo penal alemão. Contudo, maior significado obteve Goldschmidt
justamente como processualista. Sua monografia publicada no ano de 1925,
intituladaOprocessocomosituação jurídica (DerProzeßalsRechtslage), foi
enaltecidaporRudolfBrunscomo“oúltimograndeempreendimentoconstrutivo
daciênciajurídico-processualalemã”322.
Nessaobraédesenhadaamaiscomplexaecompletateoriaacercadanatureza
jurídicadoprocesso,vistonãomaiscomouma“relaçãojurídica”(Bülow),mas
simcomoumacomplexaedinâmica“situaçãojurídica”.
Após conhecer o espaço-tempo em que o autor se situou, em momento tão
sensíveldahistóriadahumanidade,sãomaisbemcompreendidassuascategorias
processuais e toda sua teoria, especialmente apreocupação comadinâmicada
guerra,daincerteza,enfim,comada“realidadedoprocessopenal”.Enfim,uma
liçãodevidaeumavisãoúnicaebastanteprecisadoqueéoprocessopenalaté
nossosdiasatuais.
4.4.Processocomoprocedimentoemcontraditório:ocontributodeElioFazzalari
Estruturada pelo italiano Elio Fazzalari (1924-2010), a teoria do processo
comoprocedimentoemcontraditóriopodeserconsideradaumacontinuidadedos
estudosdeJamesGoldschmidt(processocomosituaçãojurídica),aindaqueisso
não seja assumido pelo autor (nem pela maioria dos seus seguidores), mas é
notória a influência do professor alemão. Basta atentar para as categorias de
“posiçõessubjetivas”,“direitoseobrigaçõesprobatórias”,quesedesenvolvem
em uma dinâmica, por meio do conjunto de “situações jurídicas” nascidas do
procedere,equegeramumaposiçãodevantagem(proeminência)emrelaçãoao
objeto do processo etc., para verificar que as categorias de situação jurídica,
chances, aproveitamento de chances, liberação de cargas processuais,
expectativaseperspectivasdeGoldschmidtforaminternalizadosconceitualmente
porFazzalari,quetambéméumcríticodateoriadeBülow,cujateoriarotulade
“vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale”323,
ouseja,umvelhoeinadequadoclichêpandetístico.
Aperspectivatradicionaldarelaçãojurídicatrazumasériedeproblemas,tão
bem denunciados por Goldschmidt e após por Fazzalari; entre eles, está o de
conceberoprocessocomoumconjuntodeatospreordenados,desenvolvidossob
apresidênciadeumjuiz,atéasentença.Oprocedimentoouritoficareduzidoao
mero conceito de “caminho”, de concatenação (burocrática) de atos, sob uma
perspectiva meramente formal. O senso comum teórico pouca atenção deu ao
conteúdoe,menosainda,àaxiologiadesse“procedere”.Nãosemrazão,explodiu
a teoriadasnulidades,poisaodespirosatosprocedimentaisdeseurealvalor,
alcance e significado acabou “relativizando” tudo em nome da
“instrumentalidade324 das formas”. A forma reduzida a mero instrumento para
atingir a sentença. Esse isolamento (formal) retirou o valor da tipicidade
processual, da forma enquanto garantia, limite de poder, que tanto nos
preocupamos em resgatar ao trabalhar a teoria das invalidades (nulidades)
processuais.
O processo, visto como procedimento em contraditório, supera essa visão
formalista-burocráticadoprocedimento,atéentãoreinante.Resgataaimportância
doestrito respeito às regrasdo jogo, especialmentedo contraditório, elegido a
princípiosupremo.Oprocedimentoselegitimapormeiodocontraditórioedeixa
deserumameraconcatenaçãodeatos,formalmenteestruturados,paratomaruma
novadimensão.
OnúcleofundantedopensamentodeFazzalariestánaênfasequeeleatribuiao
contraditório, com importante papel na democratização do processo penal, na
medidaemquedeslocaonúcleoimantador,nãomaisajurisdição,masoefetivo
contraditórioentreaspartes.Asentença–provimentofinal–deveserconstruída
emcontraditórioeporelelegitimada.Nãomaisconcebidacomo(simples)atode
poderedever,adecisãodevebrotardocontraditórioreal,daefetivaeigualitária
participação das partes no processo. Isso fortalece a situação das partes,
especialmentedosujeitopassivonocasodoprocessopenal.
Ocontraditório,naconcepçãodoautor,deveservistoemduasdimensões:no
primeiro momento, é o direito à informação (conhecimento); no segundo, é a
efetiva e igualitária participação das partes. É a igualdade de armas, de
oportunidades. Existem outros tipos de procedimento, como o legislativo, o
tributário e o administrativo, que nem sempre são realizados em contraditório.
Masprocessosóexisteemcontraditórioentreosinteressados,ouseja,aspartes
noprocessojurisdicional.
Éumateoriaquecriacondiçõesdepossibilidadeparaumamaioreficáciados
direitosegarantias fundamentaisnoprocessopenal, alinhadacomabuscapela
democratizaçãodoprocessopenalnamedidaemquemaximizaaimportânciadas
partes, especialmentedo indivíduo-réu, eonecessário tratamento igualitário.O
contraditório, visto como a imposição de igualdade de tratamento e de
oportunidades, bem como de efetiva participação em todos os atos do
procedimento, conduz a um processo penal mais democrático e constitucional.
Nesse ponto, o pensamento do autor é de grande valia para a evolução do
processopenalrumoàplenaeficáciadosistemaacusatório.
A concepção de Fazzalari é publicística e reforça a unidade do processo.
Vislumbramosumgrandevalornaconcepçãodequeo“procedimento”etodosos
atos queo integram,unidospelo contraditório constante, se desenvolve sempre
mirando o provimento final.Como explicaAroldoPlinioGonçalves (excelente
professor mineiro, foi um dos pioneiros no estudo de Fazzalari no Brasil), a
atividadepreparatóriadoprovimentoéoprocedimentoque,normalmente,chega
aseutermofinalcomaediçãodoatoporelepreparado,porisso,essemesmoato
de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento, o seu ato
final 325.
Para Fazzalari 326, os atos do procedimento são pressupostos para o
provimento final (sentença), ao qual são chamados a participar os interessados
(as partes), em contraditório. A essência do processo está nisto: é um
procedimento do qual, além do autor do ato final (juiz), participam, em
contraditório entre si, os “interessados”, ou seja, as partes, que são os
destinatáriosdosefeitosdasentença.
O professor italiano ainda faz um interessante deslocamento de conceitos,
invertendoarelaçãoprocesso-procedimento,aoafirmarque“dasoggiungereche
la enucleazione del ‘processo’ dal genere ‘procedimento’ consente di
comprendere e valutare appieno quel principio costituzionale mortificato nello
schema del mero procedimento”327. Ou seja, sustenta a superação do mero
procedimentalismo para identificar o processo como espécie do gênero
procedimento, o que permite valorar plenamente o princípio constitucional do
contraditório.
É o contraditório efetivo que legitima o processo e o provimento final,
operando-se um deslocamento muito importante em relação ao mero
procedimentalismoou instrumentalismotradicional,bemcomoumaevoluçãoda
maiorsignificânciaemrelaçãoàestruturapiramidaldeBülow,centradanafigura
dojuiz.
Outra contribuição digna de nota feita por Fazzalari está na revaloração da
jurisdiçãonaestruturaprocessual.Ojuiz328,queapesardesujeitoprocessualnão
é parte, não assume uma função de “contraditor”, mas de garantidor do
“contraditório”. É responsável pela regularidade na produção dos significantes
probatóriosenãodaprova(recusaaojuiz-ator,aoativismojudicial).
Adoção desta postura representa uma recusa à supremacia do poder na
concepção de jurisdição. No senso comum teórico, é disseminada a visão de
jurisdiçãocomopoder-dever,conduzindoàdeisificaçãodopoderjurisdicionale
ao ativismo judicial. Na superada visão inquisitória, o juiz deveria ter pleno
protagonismo no processo, podendo prender de ofício oumesmo ter iniciativa
probatória, tudo em nome da (mitológica) verdade real. Infelizmente essa é a
realidadeeamatrizdoatualCódigodeProcessoPenalbrasileiro,reforçandoa
importânciadaaberturaconstitucionalqueproporcionaavisãodeFazzalari.
O juiznãoémaisvistocomoo responsávelpela“limpeza social”,que tudo
podeeem tornodoqual tudoorbita.Ogiro sedánamedidaemqueFazzalari
coloca como núcleo imantador (e conceitual) o contraditório, que reforça
automaticamente a posição das partes. Sendo o processo um procedimento em
contraditório,oprotagonismonãoéjudicial,masdaspartesinteressadas.Aojuiz
se lhe reserva um papel de garantidor da eficácia do contraditório e não de
contraditor, como juiz-ator, como juiz inquisidor. É uma mudança total de
paradigmas.
ComoexplicaGonçalves329,
há processo sempre onde houver o procedimento realizando-se em
contraditórioentreosinteressados,eaessênciadesteestána“simétrica
paridade”daparticipação,nosatosquepreparamoprovimento,daqueles
quenelesãointeressadosporque,comoseusdestinatários,sofrerãoseus
efeitos.
O contraditório, núcleo da concepção fazzalariana, exterioriza-se em dois
momentos:informazioneereazione.Àspartessãoassegurados,emigualdadede
tratamento, o direito à informação, a saber o que está acontecendo e se
desenvolvendo no processo. Com o conhecimento (a acessabilidade) dos atos,
documentos,provas,enfim, tudooqueingressareseproduzirnoprocedimento,
criam-seascondiçõesdeexercíciodasposiçõesjurídicas(asmesmassituações
jurídicasquegeramexpectativasouperspectivasnopensamentodeGoldschmidt)
emfacedasnormasprocessuais.
A reazione não é uma obrigação processual (ou carga no léxico
goldschmidtiano), mas uma faculdade, uma oportunidade de movimento
processual em seu benefício. É a igualdade de armas, de reação, de atuação
processual. Brota da igualdade de tratamento, que gera igualdade de
oportunidadesprobatórias.
Inclusive, apenas para demonstrar a relevância dessa concepção do
contraditório em Fazzalari, é que afirmamos a existência de contraditório no
inquérito policial, restrito ao primeiro momento, qual seja, da informazione.
Inviáveloplenocontraditórioporrestriçõesnadimensãodareazione,mas isso
nãoimpedequeseafirmequenainvestigaçãopreliminarexistecontraditóriono
seuprimeiromomento.
EntreasváriascontribuiçõesquepodemosextrairdopensamentodeFazzalari,
para a construção de um processo penal democrático, está a relevância que o
autor confere ao vínculo que une os diferentes atos desenvolvidos ao longo do
procedimento.Comoexplicaoautor,cadanormaqueconcorreparaconstituira
sequência que estrutura o procedimento descreve uma certa conduta e qualifica
como “direito” ou como “obrigação”. A estrutura do procedimento é dada por
umasériedenormas,queo regulamatéoprovimento final (sentença),masque
exigem, como pressuposto de aplicação, o cumprimento de uma atividade
reguladaporumaoutranormadasérie(atoantecedente).Oprocedimentoéuma
sequênciadeatos,queestáprevistaevaloradapelasnormas.
Maséimportantecompreenderqueoprocedimentonãoéumaatividadequese
esgota,serealiza,emumúnicoato,senãoqueexigetodaumasériedeatosede
normasqueosdisciplinam,conexamentevinculadas,quedefinemasequênciado
seudesenvolvimento.
E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema (democrático e
constitucional)denulidadesprocessuaiserepensaroprincípiodacontaminação:
cadaumdosatosestáligadoaooutro,comoconsequênciadoatoqueoprecedee
pressupostodaquelequeosucede.
Os atos processuaismiramoprovimento final e estão inter-relacionados, de
modoqueavalidadedosubsequentedependedavalidadedoantecedente.Eda
validadedetodoselesdependeasentença.
Logo,aindaqueoefeitojurídicodecorradoprovimentofinal,queéresultado
doprocedimento,esseprovimento final somente seráconsideradoválidose for
precedidodeumasequênciadeatosválidos(“vuoldirepiuttostochetaleattonon
è da considerarsi valido e che l’efficacia per avventura svolta può essere
paralizzata”,seequando“adessononsisaipervenutiattraversolasequenzadi
attideterminatidallalegge”330).
Concluindo,entendemosqueopensamentodeFazzalariédamaiorrelevância
paraaconstruçãodeumprocessopenaldemocrático,namedidaemquereforçaa
necessidadedeestritorespeitoàsregrasdojogoefortaleceaspartes,relegando
a jurisdição a um segundoplano.Contudo, sozinho, nãodá conta de explicar a
complexa fenomenologiadoprocessopenal, poisFazzalari é umprocessualista
civiledesdeesselugarestruturasuateoria,comambiçãode(também)darconta
dacomplexidadedoprocessopenal.Esseéomaiorequívocodaconstrução.É
umgrandeautor,masnãoconseguiusuperaragenialidadedeJamesGoldschmidt,
incorrendoaindanograveerroda teoriageraldoprocesso.Omelhorcaminho,
pensamos,écompreenderofenômenodoprocessopenaldesdeumaperspectiva
de situação jurídica, desde Goldschmidt, conscientes da epistemologia da
incerteza, da complexa dinâmica procedimental, das categorias de chances,
expectativas e perspectivas. Assumir os riscos e caminhar no sentido do
fortalecimento das regras do jogo. Neste ponto, entra Fazzalari, como um
contributo à tese de Goldschmidt, inserindo a noção de procedimento em
contraditório, enfatizandoa importânciadocontraditórioplenoatéaconstrução
(em contraditório) do provimento final, reforçando a importância dos atos
procedimentais (forma e vínculo entre os atos), para a (re)construçãoda teoria
dasnulidades.Significadizerquea tesedeFazzalari, sozinha,nãodácontado
objeto processo penal, mas tem muito a contribuir para sua democratização e
evolução.Épossívelconciliarosconceitosdeprocessocomosituaçãojurídicae
processocomoprocedimentoemcontraditório,comosdevidosajustes,chegando
aonívelnecessáriodeeficáciaconstitucionaldasregrasdojogo.
Capítulo5
(Re)construçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal:apretensãoacusatória(paraalémdoconceitocarneluttianodepretensão)
5.1.Introdução(ouaimprescindívelpré-compreensão)
PartindodeGuasp331entendemosqueobjetodoprocessoéamatériasobrea
qualrecaiocomplexodeelementosqueintegramoprocessoenãoseconfunde
comacausaouprincípio,nemcomoseufim.Porisso,nãoéobjetodoprocesso
ofundamentoaquedevesuaexistência(instrumentalidadeconstitucional)nema
função ou fim a que, ainda que de forma imediata, está chamado a realizar (a
satisfaçãojurídicadapretensãoouresistência).Tambémnãoseconfundecomsua
naturezajurídica–situaçãoprocessual.
Comojáexplicamosanteriormente,oprocessopenalé regidopeloprincípio
da necessidade, ou seja, é um caminho necessário para chegar a uma pena.
Irrelevante,senãoinadequada,adiscussãoemtornodaexistênciadeumalide
noprocessopenal,atéporqueelaéinexistente.Issoporquenãopodehaveruma
pena sem sentença, pela simples e voluntária submissão do réu.O conceito de
lide deve ser afastado do processo penal, pois o poder de penar somente se
realizanoprocessopenal,porexigênciadoprincípiodanecessidade.
Inclusive, nosso legislador constituinte não acolheu a ideia de lide penal 332,
tantoquenoart.5º,LV,daConstituição,constaque“aoslitigantes”(litigantes=
lide = processo civil) e aos “acusados em geral” (acusados = pretensão
acusatória=processopenal) sãoasseguradosocontraditórioeaampladefesa.
Do contrário, não faria tal distinção entre litigantes e acusados (em geral,
destaque-se,paradesdelogoavisarquetambémincidenafasepré-processual).
Adiscussãoemtornodoobjeto(conteúdoparaalguns)doprocessonosparece
fundamental, na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da
concepçãodeKarlBinding(aideiadepretensãopunitiva),equecontinuasendo
repetida sem uma séria reflexão. O principal erro, que será abordado na
continuação,estáemtransportarascategoriasdoprocessocivilparaoprocesso
penal, colocandooMinistérioPúblicocomoverdadeiro“credor”deumapena,
comosefosseumcredordoprocessocivilpostulandoseu“bemjurídico”.Mas
essa questão, para ser compreendida, precisa de uma abordagem mais ampla,
comosefaráadiante.
5.1.1.Superandooreducionismodacríticaemtornodanoçãocarneluttianade“pretensão”.PensandoparaalémdeCarnelutti
Oproblema da construção deBinding (e seguidamajoritariamente até hoje)
iniciapelaidentificaçãocomoconceitocarneluttiano(diantedaanalogiacomo
processocivil),agravandoacriseaodefinirseuconteúdocomo“punitivo”,oque
significoucolocaroMinistérioPúblicocomocredordeumapena(umgraveerro,
comoseexplicaráadiante).
A crítica em relação ao conteúdo “punitivo” será feita adiante. Agora,
precisamos esclarecer que o conceito de pretensão pode perfeitamente ser
utilizado, desde que no sentido desenhado por Guasp, Goldschmidt ou Gómez
Orbaneja,nuncanaacepçãocivilista333deCarnelutti.Aessapretensão,deve-se
perquiriroconteúdoàluzdaespecificidadedoprocessopenal.
Então, uma advertência é fundamental, principalmente para os críticos334
(antigos ou novos) de nossa posição: o conceito de pretensão não se reduz à
construção carneluttiana335. Ou seja, existe vida (inteligente) para além do
conceito deCarnelutti, que é apenas um ponto de partida, não de chegada ou
conclusão.Comodito,estamostrabalhandocomadoutrinapósealémCarnelutti
de Guasp, Goldschmidt e Gómez Orbaneja. Ademais, quando falamos de
“pretensão acusatória”, estamos aludindo à concepção de Goldschmidt, que
dando umgiro no conceito depretensão o concebe apenas comoumapotestas
agendi.
Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses,mas,
sim, do direito potestativo de acusar (Estado-acusação) decorrente do ataque a
um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a
efetivação do poder de penar (Estado-juiz), tudo isso em decorrência do
princípiodanecessidadeinerenteàfaltaderealidadeconcretadodireitopenal.
Trata-sedeconstruirumaestruturajurídico-processual–pretensãoprocessual-
acusatória – que tenha condições de abarcar a complexidade que envolve o
“como”atuaopoderpunitivodoEstadopormeiodesseinstrumento(ecaminho
necessário),queéoprocessopenal.
Esseéopontonevrálgicodoporquênãonosserveo“casopenal”ouamera
“açãopenal”comoconteúdo:porsuainsuficiência.
Ademais, o crime nos conduz ao conflito social e é de lá que se extrai a
pretensão, com a roupagem “jurídica” que o processo penal lhe dá. É uma –
inafastável, diante do princípio da necessidade – juridicização (e
institucionalização)doconflito.
Não é a pena, o conteúdo ou o objeto do processo penal, senão sua
consequência.Daíporqueoprocessopenaldesenvolve-seemtornodaacusação
(pensada na sua complexidade, como verdadeira pretensão acusatória). Se
acolhida, abre-se a possibilidade de o juiz exercer o poder de punir. Se não
acolhida,impede-seapunição.
Nãoéo“casopenal”oconteúdodoprocesso,poisele,sozinho,nãoécapaz
de fazernasceroudesenvolveroprocesso.O“casopenal”é fundamental,pois
elemento objetivo e estruturante da acusação, mas que precisa de uma efetiva
invocação–declaraçãopetitória–paraqueoprocessonasçae sedesenvolva.
Logo,eleéconteúdo,masdapretensãoacusatória.
Jaime Guasp, em rara, mas preciosa incursão no direito processual penal,
instadoque foi a fazer uma resenha336 da obraLezioni sul processo penale (4
volumes, 1946 a 1949) de Carnelutti, retoma a discussão sobre a pretensão
processual 337 para explicar que o objeto do processo penal é a matéria que
suporta a atividade dos diversos sujeitos processuais, sendo, portanto, uma
pretensão processual penal ou pretensão penal. É expressa “la necesidad de la
existencia de una pretensión para que el proceso exista. Sin pretensión, podrá
haberconflictosdelaíndolequesequieraocuestiónpenalcomodiceCarnelutti,
pero no hay proceso penal en modo alguno”338. Sublinhamos que a “cuestión
penal”aqueserefereCarneluttinadamaisédoqueo“casopenal”.
Daí por que, na esteira deGuasp, estamos convencidos da insuficiência do
“casopenal”comoobjetodoprocesso,pois,seguindoomestrecomplutense,há
que sedarumpassoamaisnaconstrução lógicadoconceito, afirmandoqueo
processo penal recai não em uma matéria qualquer, senão precisamente sobre
essa pretensão que alguém formula frente ao órgão jurisdicional para submeter
outrapessoaaoprocessoeàpena.
Mas, sublinhe-se, não somos contrários aos que definemo caso penal como
objeto do processo, senão que pensamos ser ele insuficiente para, por si só,
justificar a complexa fenomenologia do processo. Claro que a discussão aqui
remontaaumanovadimensãodecontinenteeconteúdo,ondenãoháumaefetiva
oposição.Ocontinente,queencerraoconteúdo(casopenal),émaisamploeéa
elequenosreferimos.
Ou seja, a pretensão acusatória é conteúdo em relação ao processo
(continente), mas, noutra dimensão, passa a ser continente do caso penal (seu
conteúdo,poisvistocomoelementoobjetivodapretensão).Assim,pensamosque
nossa posição pode coexistir com aquela defendida por Jacinto Coutinho no
capolavoroA lide e o conteúdo do processo penal, desde que compreendidas
essasdistintasdimensõesderecorte.
O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser
exercido após a submissão ao processo penal. Então,no primeiromomento, o
queoacusadorexerceéumpoderdeprocedercontraalguém,submeteralguém
aoprocessopenal.Éopoderdesubmeteralguémaumjuízocognitivo.
Não há lide ou conflito de interesses339, até porque a liberdade do réu não
constitui um direito subjetivo, mas um direito fundamental, o que também
transcende a noção de direito público subjetivo. Mais, não há conflito de
interesses, porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que
possaserexercido(exigênciapunitiva),poisnãoexistepuniçãoforadoprocesso
penal (novamenteoprincípiodanecessidade).Oque, sim,nasceé apretensão
acusatória,opoderdeprocedercontraalguém,desubmeteraojuízocognitivo.
Alheiaatodaessacomplexidade,partedadoutrinabrasileirasegueadotando
conceitosinadequadosepassandoàmargemdaproblemática.Nessalinha,entre
outros,Mirabete340eCapez341nãosódefendemaexistênciadelidepenal,como
também a existência de uma pretensão punitiva, e, para ambas, invocam –
expressamente Mirabete e, sem citar, mas usando os conceitos, Capez –
inadequadamenteosconceitoscivilistasdeCarnelutti(desconhecendotambémas
alteraçõesqueopróprioCarneluttifezaolongodesuavastaprodução).Porfim,
Mirabetemetenoimbrógliogentequelánuncadeveriaestar,comoéocasoda
citação inadequadadeJacintoCoutinho,que,alémdesercontrárioàexistência
deumapretensão,negacompletamenteanoçãodelidepenal.
Voltando ao foco, é importante que se compreenda que não existe uma
exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo penal, logo, não
existe o conflito de interesses. Não existe um direito para adjudicar (como no
cível) fora do processo penal que possa produzir a lide pelo conflito de
interesses. Existe, sim, no processo, uma tensão entre acusação e defesa
(resistência),nãoumalideoumenosaindaumacontrovérsia.
Daíporque,comtodoacerto,Goldschmidtdescoladoconceitodelide,para
afirmarqueopoderjudicialdecondenaroculpadoéumdireitopotestativo,no
sentidodequenecessitadeumasentençacondenatóriaparaquesepossaaplicar
apena.
E mais, é um poder condicionado à existência de uma acusação. Essa
construção é inexorável, se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da
Constituição. Significa dizer: aqui está um elemento fundante do sistema
acusatório.
No processo, tudo gira em torno do binômio acusação-defesa, logo, toda a
cogniçãodesenvolvida recai sobreapretensãoacusatóriaeoselementosquea
integram.
Claroqueaquinosaproximamosdoconceitodeaçãocomodireitoconcreto.
Mas é uma aproximação, não identificação. Isso porque, no processo penal, é
fundamentalademonstraçãodajustacausa,dofumuscommissidelicti,paraquea
acusaçãosejarecebida.Nãopodemoslidarcomaabstraçãomáximadoprocesso
civil,nemcomaplenanoçãodedireitoconcreto(Chiovenda).Tratamosdissoao
analisarascondiçõesdaaçãoprocessualpenal.
Háqueseatentarparaasnecessidadesprópriasdoprocessopenal.Novamente
reforçamosacrençanoacertodoconceitodepretensãoacusatória,queincluino
seu elemento objetivo e subjetivo a fumaça do crime e da autoria, ambos
necessários para que a acusação seja recebida. É uma verdadeira “carga”
processual no léxico Goldschmidtiano, conforme explicamos ao tratar do
processocomosituaçãojurídica.
AcertadaaafirmaçãodeCoutinho,deque“setratadeumdireitoinstrumental,
masconexoàsuacausa,queéconcreta”342.
Mais,háqueseconsiderarqueofenômenodoprocessopenal–novamente–é
diversodoprocessocivil,agora,noquetangeaoseu“escalonamento”.
ExplicaGómezOrbaneja343,
puedeafirmarsequeadiferenciadelprocesocivil,queseconstituyede
una vez y definitivamente, con unos límites objetivos y subjetivos
inalterables,mediantelapresentacióndelademanda,elprocesopenal
se desenvuelve escalonadamente. El fundamento de la persecución, o
inversamente de su exclusión, puede depender tanto de razones
substantivascomoprocesales.
Conforme explicamos em outromomento344, o processo penal é um sistema
escalonadoe,como tal,paracadadegrau,énecessárioumjuízodevalor.Essa
escada é triangular, pois pode ser progressiva como também regressiva. A
situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à
definitivacomasentençacondenatóriaoupodevoltaraserdifusaedarorigema
umaabsolvição.Inclusive,épossívelchegar-seaumjuízodefinitivodecaráter
negativo,emquesereconhececomocertaanãoparticipaçãodoagentenodelito.
Portudoisso,definePastorLópez345queasituaçãojurídicadosujeitopassivo
écontingente,provisionaledeprogressiva(ouregressiva)determinação.Disso
tudo se compreende então que o fenômeno do processo penal é completamente
diversodoprocessocivil,pois,ab initio,deveoacusadordemonstraro fumus
commissidelictiparaqueoprocessoinicie,situaçãocompletamentediversado
processocivil.
Feitasessasadvertênciasintrodutórias,queesperamossejamsuficientespara
superaçãodeeventuaisresistênciasdecorrentesde“pré-conceitos”,muitasvezes
reducionistas,sigamosoestudo.
5.1.2.Teoriassobreoobjetodoprocesso(penal)
Buscando explicar o verdadeiro objeto do processo (na verdade,
historicamente,nãohouveumapreocupaçãoespecíficacomoprocessopenal,eis
uminconveniente),debate-seadoutrinaemteoriasquepodemsersistematizadas
emtrêsgruposfundamentais346:
•Teoriassociológicas(conflitodeinteresses,devontadesedeopiniões);
•Teoriasjurídicas(subjetivaeobjetiva);
•Teoriadasatisfaçãojurídicadaspretensõeseresistências.
É essa última a quemelhor explica o verdadeiro objeto do processo penal,
pois resulta da fusão das duas teorias anteriores. Corresponde a Guasp347 o
acerto de fazer da pretensão o conceito fundamental da ideia do processo, de
modoqueoobjetodoprocessopenaléumapretensãoprocessualeasuafunção
éasatisfaçãojurídicadaspretensões.
Apontaojuristaespanholqueseconsiderarmosqueoobjetonãoéoprincípio
oucausadequeparteoprocesso,nemofim,maisoumenosimediatoquetendea
obter, mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que o
integram,parece evidenteque– tendo emvista queoprocesso sedefine como
uma instituição jurídica destinada à satisfação de uma pretensão – é esta
pretensãomesma,quecadaumdossujeitosprocessuais,desdeseupeculiarponto
devista,tratadesatisfazer,oquedeterminaoverdadeiroobjetoprocessual 348.
ComoesclareceAlonso349,apretensãoentendidacomocondutadeumsujeito
juridicamente atuadapara a obtençãodeum reparto, que se afirma como justo,
sobre a base de critérios normativos preestabelecidos, constitui sem dúvida o
objetosobreoqualgiraaatividadeprocessual.Comoatese,emqualquertipode
controvérsia,éoobjetodadiscussão,enãooéadiscussãoemsimesma.
Para explicar a essência do processo, não há como considerarmais que um
elementoobjetivobásicoenecessário:aacusaçãoquesedirigecontraalguéme
queseexercediantedeumjuiz.Emtornodessaacusaçãogiramtodasecadauma
dasvicissitudesprocessuais.Oiníciodainvestigação,dopróprioprocessoeseu
desenvolvimento e, sobretudo, da decisão têm uma exclusiva referência a ela.
Comoessaacusaçãonãoéjuridicamenteoutracoisaqueapretensãoprocessual
acusatória,quefiguranoconceitodoprocessomesmo,nãohácomoextrairoutra
conclusão.
Paradefiniroobjetodoprocesso,deve-seencontrarumaduplabase350:deum
lado, a base sociológica, que proporcione o dado (conflito) social ao qual o
processo está devidamente vinculado; e, de outro lado, uma base jurídica, que
recolhendoomaterial sociológicoesclareçao tratamentopeculiarqueodireito
lheproporciona.
A pretensão jurídica é reflexo ou uma substituição da pretensão social, que
nasceexatamentedodelito,vistocomoumconflito,problemaoufatosocial,pois
acondutatípicaeilícitarepresentaumataqueadeterminadosbensjurídicosque
o Direito entendeu necessário tutelar. O delito ataca um sentimento básico da
comunidadeegeraumareaçãosocial.Por isso,podemosafirmarque,noplano
fático, a ilicitudematerial antecede cronologicamente à própria tipicidade, que
nasce a partir do desvalor social de determinada conduta. Em outras palavras,
primeiroumacondutaéreprovadasocialmentee,apartirdessejuízodedesvalor
(social),surgeanecessidadedecoibirtaisatospormeiodeumanorma,istoé,da
pressãoounecessidadesocialadvémaatividadelegislativaquecriaotipopenal.
Nãoháqueseperderdevista,nunca,ovalor“bemjurídico”.
Explica Guasp que o direito se aproxima da sociologia sempre da mesma
maneira:toma-lheosproblemascujasoluçãopostulaàcomunidadeeestabelece
umesquemade instituiçõesartificiais emquebuscamsubstituir as estruturas e
funçõespuramentesociaisdofenômenoerealizaumtrabalhodealquimia,para
criarnovasfórmulas,massedespreocupadepoisdomaterialsocial.Nasíntese
doautor,odireito,parasalvarasociologia,não temmaisremédioquematá-
la351.
Aconclusãofinaléqueapretensãojurídicaéumprodutoqueodireitoretira
dapretensãosocial.Odelitoéumfenômenosocial,exteriorizadopeloataqueaos
sentimentos e valores básicos da comunidade e que gera uma reação social.O
direitoretiraaquestãodoâmbitosocialemqueaparececravadaecria,nolugar
dafigurasociológicaquesuscitaoproblema,umaformajurídicaespecíficaque
pretende refletir aquela. Mas, como vimos anteriormente (no fundamento da
existência do processo penal), o direito penal não é autoexecutável e, por este
motivo,necessitadeuminstrumentopararealizar-se.Por isso,oprocessodeve
buscarasatisfaçãojurídicadapretensão.
O único reparo ou,melhor, complemento que nos parece necessário fazer à
tese de Guasp é considerar também como função do processo a satisfação de
resistências352.Atensãoouchoqueentreapretensãoacusatóriaearesistênciado
acusado,noprocesso,quenãoseconfundecomlide,éoquedeveserresolvido
pelojuiznasentença,eaelecorresponde,seacolherapretensãoacusatóriado
autor–considerandosuficientementeprovadaaocorrênciadodelito–aplicara
pena“quelhepertence”,poisopoderdepenarédoEstado-juiz,nãodoacusador.
Ou ainda acolher a resistência do acusado, absolvendo-o. A resistência vem
materializada no exercício do direito de defesa, com todos os instrumentos
processuaisquelheofereceoordenamentojurídico.
Especificamentenoprocessopenal,asatisfaçãodaresistênciaresultaemum
imperativo do contexto político-constitucional e dos postulados de garantia do
indivíduo que apontamos anteriormente. Por isso, é inegável que em pé de
igualdadecomapretensãoseencontraaresistênciaoferecidapeladefesa,ea
função do processo penal estará igualmente satisfeita com a condenação ou a
absolvição.
Como sintetiza Gimeno Sendra353, a função do processo penal não pode
limitar-seaaplicaropoderdepenar,pelasimplesrazãodequetambémestá
destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente. O processo
penalconstituiuminstrumentoneutro 354dajurisdição,cuja finalidadeconsiste
tantoematuaropoderdepenareafunçãopunitiva,comotambémemdeclararde
formaordinária(pelasentença),ourestabelecer,pontualmente,aliberdade.
Aexistênciadeumfundamentojurídico(injustopenal)qualificadejurídicaa
pretensãoarticulada.Semembargo,averacidadedoalegadonãoéumaconditio
sinequanon(sobpenadeincorrermosnoerrodaaçãocomodireitoconcreto),
poisseconsideramexistentesapretensãoacusatóriaeopróprioprocessopenal,
ainda que absolvido o réu. Isso não significa que a acusação possa ser
manifestamenteinfundadaousemumacausaqueajustifique,masapenasquenão
seadotaoconceitodeaçãocomodireitoconcreto.
Deve-se exigir no processo penal, para admissão da acusação, um fumus
commissidelictiamparadoporumsuporteprobatóriosuficiente,levandooórgão
jurisdicional a uma provisória e sumária incursão na prova da existência do
delito e da autoria. Isso decorre do escalonamento característico do processo
penalaquenosreferimosnoiníciodestetópico.Comoisso,chamamosaatenção
para a importânciadadecisãoque recebe, rejeita ounão recebe adenúnciaou
queixa, pois, como verdadeiro juízo de pré-admissibilidade da acusação, deve
estaramparadoporumadecisãofundamentada.
Concluindo, o objeto do processo penal é uma pretensão processual 355
acusatória, e a sua função imediata é a satisfação jurídica de pretensões e de
resistências.
5.2.Estruturadapretensãoprocessual(acusatória)
Apretensãoprocessualéumadeclaraçãopetitória356ouafirmação357dequeo
autor tem direito a que se atue a prestação pedida. É, no processo penal,uma
declaraçãopetitóriadequeexisteodireitopotestativodeacusarequeprocede
a aplicação do poder punitivo estatal. Por isso, é uma pretensão acusatória,
conforme explicaremos mais detidamente na continuação. Não é um direito
subjetivo,mas uma consequência jurídica de um estado de fato (lesão ao bem
jurídico)ouumestadode fatocomconsequências jurídicas.Mais,éumdireito
potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus
commissidelicti.
Aexistênciada justacausaé fundamental.Nessesentido,anova redaçãodo
art. 395doCPPdeterminaqueadenúnciaouqueixa será rejeitadaquandonão
houver justa causa ou faltar condição para o exercício da ação penal (fumus
commissidelicti).Ademais,seofatonarradoevidentementenãoconstituircrime,
determinaoart.397(novaredação)queo juizdeveráabsolversumariamenteo
acusado.
Emdefinitivo,aocontráriodoqueacontecenoprocessocivil,nopenal,ojuiz
deveverificarseaacusaçãotemverossimilitudeeindicaumsuporteprobatório
mínimo para admiti-la. Trata-se de um juízo de probabilidade que reveste uma
importânciafundamental,poisoprocessopenal,emsimesmo,jáéumapena.
É inegável que o processo penal significa um etiquetamento com clara
estigmatização social e,por isso,o juízodepré-admissibilidadedaacusaçãoé
tão importante. Infelizmente, no processo penal brasileiro não existe uma clara
fase intermediária e contraditória. De forma precária, em vez de realizar uma
audiência,optouolegisladorbrasileiroporumarespostaescrita(consultem-seo
art. 396, cuja sistemática se aplica aos procedimentos comum ordinário e
sumário; bem como o disposto na Lei n. 9.099/95 e também na Lei n.
11.343/2006).
Por fim,cumpredestacar,nadoutrinabrasileira,oestudo levadoacabopor
Badaró358,cujaposição–emquepesenãoserabsolutamentecoincidente–não
contémumadivergêncianuclear,senãoperiféricaemrelaçãoànossa.Explicao
autor,apósestudarasdiferentesnuancesda“lide”eda“pretensão”,queoobjeto
do processo penal é uma “pretensão processual penal”. Inclusive, também
enfrentaaquestãodoconteúdodapretensãoparaafastaranoçãode“pretensão
punitiva”.
Isso porque, explica Badaró, a manifestação da pretensão punitiva é uma
consequênciadoconcretodireitodepunirdoEstado,masqueaexigênciadeque
oautorsesubmetaàpenasomentepodeserfeitapeloprocesso(ouseja,sempre
nasceinsatisfeita).Seriaapretensãopunitivaumapretensãomaterial,anteriore
extraprocessual.Contudo,noprocesso,“oqueexisteéumapretensãoprocessual
que possui, como parte de seu fundamento, os elementos que compunham a
pretensãomaterial” (punitiva).Mas se trata deummesmo fenômeno (pretensão
material e processual), apenas visto em momentos diferentes. A pretensão
processualéaquelaveiculadaemjuízopormeiodaação,daacusação.
Comisso,verifica-sequeexistemuitomaiscoincidênciadoquedivergência,
circunscrevendo-se essas, as divergências, a algumas categorias muito
específicasequedecorremdadiferençahistóricaentreescolasprocessuais.
Paracompreendermelhorotema,éimportanteanalisar,aindaquebrevemente,
ostrêselementos359quecompõemapretensão(processual):subjetivo,objetivoe
modificadordarealidade(oudeatividade).
5.2.1.Elementosubjetivo
O elemento subjetivo se refere aos entes que figuram como titulares: o
pretendente e aquele contra quem se pretende fazer valer essa pretensão. No
processo penal, quem formula a pretensão, titular ativo, pode ser o próprio
Estado-acusador, representado institucionalmente pelo Ministério Público ou o
acusador privado (delitos de ação penal privada).No polo passivo da relação
jurídicaestáoacusado,apessoacontraqueméformuladaapretensão.Aesses
sujeitosacrescentaoordenamentoumterceirosupraordenado,aquemseconfere
afunçãodereceberaspretensõeseprocederasuasatisfação.Esseterceiroéo
órgãojurisdicional(Estado-juiz).
No processo penal, o elemento subjetivo determinante é exclusivamente a
pessoadoacusado,poisnãovigeadoutrinadetriplaidentidadedacoisajulgada
civil. Dessa forma, nem o pedido (que será sempre de condenação) nem a
identidadedaparteacusadoraéessencialparaaeficáciadapretensão.Mas,sim,
é fundamental a clara individualização e determinação do sujeito passivo, uma
tarefaqueserátantomaisclaraquantomaiseficazforainvestigaçãopreliminar.
Nãoexisteprocessopenal semsujeitopassivo,massimpodeexistir semasua
presençafísica(situaçãodeausência,previstanoart.367doCPP).
5.2.2.Elementoobjetivo
O elemento objetivo da pretensão no processo penal é o fato aparentemente
punível,aquelacondutaquerevesteumaverossimilitudedetipicidade,ilicitudee
culpabilidade.Emsuma,éofumuscommissidelicti.
Desdelogo,éimportanteesclarecerqueofatoaparentementepunívelnãoéo
objeto do processo, mas um elemento integrante da pretensão. É preciso
esclarecer porque uma respeitável e numerosa doutrina, contagiada pela
importânciado elementoobjetivo, consideraqueoobjetodoprocesso éo fato
punível 360, esquecendo-se de que isso, por si só, não tem aptidão para fazer
nasceroprocesso.Nãobastaaexistênciadeumfatodelituoso,éimprescindível
o exercício de umapretensão acusatória pormeio da declaração petitória.Daí
porquenãopodeserocasopenaloobjetodoprocesso,poissemaacusação
formalizadanãoseconstituiosuportejurídicoparaqueoprocessonasçaese
desenvolva.Oobjetodoprocessoéaacusaçãocomoumtodo(logo,apretensão
acusatória),daqualocasopenaléelementointegrante(comoelementoobjetivo).
ParaGuaspeosseguidoresdessacorrente,ofatoquecompõeapretensãoéo
natural – factae nudae – visto como a soma de acontecimentos concretos,
históricos, despidos da qualificação jurídica.O que importa é a identidade do
fato histórico, individualizado em sua unidade natural e não jurídico-penal 361.
Nessa linha, segue o sistema brasileiro o princípio jura novit curia amparado
pelaregradonarramihifactumdabotibijus–aoacusadorcabenarrarofato,
paraqueojuizdigaodireitoaplicável.
Contudo,nesseponto,divergimos.Pensamosqueadicotomiaentrefatonatural
e qualificação jurídica é, em termos processuais, ingênua e perigosa. É
ingenuidade, senão até reducionismo interesseiro, afirmar que o réu se defende
dosfatosnaturais,masque,noentanto–eaquiresideoproblema–,ojuizpoderá
daraofatoadefiniçãojurídicaquelhepareçamaisadequada,comoprevênosso
mofadoart.383doCPP.MesmotendosidoalteradopelaLein.11.719/2008,a
lógica(superada)continuaamesma:aingênua(?)crençadequeoréusedefende
dosfatos,podendoojuizdaraelesadefiniçãojurídicaquequiser,semnenhum
prejuízo-paraadefesa...Ora, issoéumavisãobastantemíopedacomplexidade
queenvolveadefesaeaprópriafenomenologiadoprocessopenal.
É elementar que o réu se defende do fato e, ao mesmo tempo, incumbe ao
defensor,também,debruçar-seemlimitessemânticosdotipo,possíveiscausasde
exclusãodatipicidade,ilicitude,culpabilidade,eemtodaimensacomplexidade
queenvolveateoriadoinjustopenal.Éóbvioqueadefesatrabalha–commaior
oumenor intensidade, dependendo do delito – nos limites da imputação penal,
considerando-a tipificaçãocomoapedraangularondedesenvolverá suas teses.
Daíporqueaquinosserveoconceitodecasopenal,namedidaemqueenglobao
injustopenal.
O problema da visão ingênua do elemento objetivo cobra seu preço no
momentoemquelidacomacorrelaçãoentreacusaçãoesentença,comoestudo
daemendatioedamutatiolibelli,queserãoobjetodeanáliseposterior.
Essecasopenalfuncionarácomodelimitadordaimputação,nãocomocimento
emqueseembasa,mascomomurosqueadelimitam362.
Éimportantedestacarqueaconstataçãodequeoobjetodoprocessopenalé
umapretensão processual (acusatória), e que o seu elemento objetivo é o caso
penal,nãosignificaqueaspartessejaminteiramente“donas”desuaaportaçãoao
processo, de maneira tal que estejam autorizadas a efetuar uma introdução
fragmentárianoprocesso.
No processo penal, diferentemente do civil, vigora o princípio de
indisponibilidadeedeindivisibilidadedaaçãopenalpública,demodoqueoMP
está obrigado (arts. 24 e 42) a oferecer a denúncia quando o fato narrado na
notícia-crime revista uma verossimilitude mínima de tipicidade, ilicitude e
culpabilidade.
Adenúncia ou queixa deverá descrever o fato criminoso com todas as suas
circunstâncias(art.41).Issosignificanãosóaobrigaçãodeacusarportodosos
fatosquerevistamaparênciadedelito,senãotambémaobrigaçãodetrazerpara
dentrodoprocessotodasascircunstânciasfáticasquetenhaconhecimentoeque
possamapresentaralgumarelevânciaparaainstruçãoeojulgamento.
Interpretamos o art. 41 a partir de uma visão constitucional e por isso
entendemosqueeletambémestabeleceumaobrigaçãoporpartedoMPdeincluir
nadenúnciaosfatosecircunstânciasquebeneficiemoacusado.Istoé,nãosóos
elementosdecargo,mastambémdedescargo;nãosóparainculpar,mastambém
paraexculpar.
CorroboraesseentendimentoaconstruçãodoMinistérioPúblicocomoórgão
públicoguiadopelalegalidadeeosentidodejustiça(semqueissocorrespondaa
uma equivocada visão do Ministério Público como “parte imparcial”, o que
constituiumerrohistóricoeumaviolênciasemântica).
Ademais, existindo concurso de pessoas, deverá o MP velar pela
indivisibilidade da ação penal (privada e commais razão na pública, art. 48)
acusandoatodosaquelessujeitossobreosquaisexistamindíciossuficientesde
responsabilidadepenal.Oseventualmentenãodenunciados,masquetenhamsido
objeto de imputação na notícia-crime ou resultem suspeitos na investigação
policial,deverãoserexcluídospelaviadopedidodearquivamento(art.28).
Nos delitos de ação penal de iniciativa privada, o sistema é distinto e está
regidopelaoportunidadeeconveniênciadotitular,quepoderáacusar,renunciaro
exercício do direito de queixa (art. 49), perdoar (art. 51) ou ainda desistir da
açãopenal(art.60),conformeomomentoprocessualeascircunstânciasemque
seproduzoato.Semembargo,a titularidadedapretensãopenalacusatórianão
significa um puro poder de vingança e, por isso, também está submetida ao
princípio de indivisibilidade, cabendo ao Ministério Público velar pela sua
eficácia.Anossojuízo,oart.48deveserinterpretadodeformaqueaomissãona
queixa de um dos agentes signifique a renúncia tácita em relação a ele, e que
deverá ser estendida a todos (arts. 49 e 57). Caberá ao MP velar pela
indivisibilidadedaaçãopenalprivadamanifestando-senosentidodaextinçãoda
punibilidadeatodos.
Emsíntese,noprocessopenal,opedidocontidonaaçãopenalserásemprede
condenaçãopelapráticadeuminjustopenal,quedeveráserdescritoeimputado
aumoualgunsagentes,definidoseindividualizados.Nãoseexigequeaacusação
expressamentesoliciteaimposiçãodeumadeterminadapenaouqueproponhaum
determinado regime de cumprimento.O julgador decide com base no seu livre
convencimentomotivadoeserásuafunçãoexclusivaindividualizareaplicaruma
penaproporcionalaofatonarrado.
5.2.3.Declaraçãopetitória
O terceiro elemento da pretensão processual é o ato capaz de causar a
modificaçãodarealidadequeapretensãolevaconsigo.Éoconteúdopetitório,a
declaraçãodevontadequepedearealizaçãodapretensão.
EstamosdeacordocomGuasp363quandoafirmaquetalatopoderiarecebero
nometécnicodeação, terminologiaquedevolveriaaessapalavraosignificado
literal que lhe corresponde; mas isso poderia induzir a confusões, por ir de
encontroaumatradiçãosecularqueseesforçouemaveriguaraessênciadopoder
jurídicoaqueditaaçãoestávinculadaenãoasuaverdadeirafunção.Semdúvida
que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter
extraprocessual, buscando explicar o fundamento do qual emana o poder,
afastando-sedoinstrumentopropriamentedito.
Feitoesseesclarecimento,empregamosotermo“ação”nosentidoliteral,de
instrumento portador de uma manifestação de vontade, por meio do qual se
narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão
jurisdicionalcontraumapessoadeterminada.
Éaaçãocomo“poderjurídicodeacudirantelosórganosjurisdiccionales” 364.
Em alguns sistemas, como, por exemplo, o espanhol, ainda que dividido em
duas fases (investigação preliminar e juízo oral) 365, existe certo confusionismo
sobre o momento exato que se exerce a ação penal, porque a investigação
preliminarestáacargodeumjuizqueinvestigadeofíciooumedianteinvocação.
A divisão entre as duas fases é tênue, ainda que felizmente marcada pela
separação das tarefas de investigar/julgar. O fato de o juiz instrutor atuar de
ofícioedecretaro“processamento”doimputado,muitoantesdedarvistaaoMP
para formalmente exercer a ação penal, é um dos fatores que contribui para a
confusão.Ademais,oparticular(vítimaouqualquerpessoapelosistemadeação
popular) pode exercer uma notícia-crime qualificada (querella) e, com isso,
habilitar-sedesdeoiníciodainvestigaçãoparaexerceraacusação.
Felizmente, no direito brasileiro, a divisão entre as duas fases é clara e
inequívoca. O processo penal só começa pelo exercício e a admissão de uma
açãopenal,públicaouprivadaconformeocaso.
No processo penal, o conteúdo do pedido é sempre igual.A atuação que se
pedeseráespecificamenteacondenaçãodoacusadopelofatonarradoeconforme
a pena estabelecida no respectivo tipo penal abstrato. Por isso, o pedido não
constituiumelementoessencialdapretensão366,poisnoprocessopenalnãovige
plenamenteoprincípiodispositivo,masodaindisponibilidadedapretensãoque,
junto à indivisibilidade do fato aparentemente punível, erige-se em notas
definidorasdapretensão.
A declaração367 petitória contida na ação penal solicitará que o órgão
jurisdicional 368:
• declare a existência do fato narrado, afirmando sua tipicidade, ilicitude e
culpabilidade;
• declare a responsabilidade penal do acusado pelos fatos narrados e
provados;
•condeneoacusadopelapráticadofatotípicoeimponhaarespectivapenaou
medidadesegurançaaplicável;
•determineaexecuçãodapenaoumedidadesegurançaimposta.
5.3.Conteúdodapretensãojurídicanoprocessopenal:punitivaouacusatória?Desvelandomaisumainadequaçãodateoriageraldoprocesso
Delimitado que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória, ainda
restafazerumanovaanálise,quebusque,dentrodela,asuaessência(ouseja,o
conteúdodopróprioobjeto):punitivaouacusatória.
A determinação do conteúdo da pretensão jurídica gravita em torno da
existênciadopoderdepuniredafunçãopunitivadoEstado369.Essepodernasce
comaocorrênciadodelitoeéexercidocontraoautordo injustopenal,depois
que sua responsabilidade penal foi reconhecida no processo, pois, como
apontamosanteriormente,oprocessopenaléocaminhonecessárioparaapena.
Paraaconstruçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal,ateoriadominanteé
a de Binding, que parte do conceito de uma exigência punitiva (pretensão
punitiva)queoEstadodevefazervalerpormeiodoprocessopenal.Dessaforma,
o processo é uma exigência para que oEstado efetive seu direito subjetivo de
punir,comoumaconstruçãotécnicaartificial.Ademaisdetitulardeumdireitode
punir, o Estado aparece no processo como titular da jurisdição emuitas vezes
tambémcomotitulardaaçãopenal(pormeiodoMinistérioPúblico).
Segundo Binding, o Estado é titular de um triplo direito: direito punitivo,
direitodeaçãopenaledireitoaopronunciamentodasentençapenal 370.Dessa
forma, a tese do autor é a de que o juiz penal encontra-se frente ao Estado,
titulardodireitopunitivo,namesmaposiçãoqueojuizcivil frenteaocredor
titular de uma pretensão de direito privado. O grande mérito da teoria de
Bindingfoiodeisolaroconceitodeaçãopenal,comouminstitutoindependente
dodireitodepunir.Porisso,éconsideradoofundadordaTeoriadaAçãoPenal
comoDireitoAbstrato.
Apesardavaliosíssimacontribuição,ateoriadeBindingestáimperfeita,como
muito bem demonstrou Goldschmidt371, para quem a construção anteriormente
explicada representa uma transmissão mecânica das categorias do processo
civilaopenal,poisoEstadoestáconcebidode forma igualao indivíduoque
compareceanteoTribunalparapedirproteção.
Istoé,paraBinding,oEstadocomparecenoprocessopenalpormeiodoMP
damesmaformaqueoparticularnoprocessocivil,comoseaexigênciapunitiva
fosse exercida no processo penal de igual modo que no processo civil atua o
titulardeumdireitoprivado.Aquiestáonúcleodoerro:pensaroacusadorcomo
credor.Nodireitocivil,existea“exigênciajurídica”,poisexisteapossibilidade
de efetivação do direito civil fora do processo civil (ao contrário do direito
penal, que só possui realidade concreta por meio do processo penal) e a
pretensãosónascequandoháaresistência,alide.Logo,oautornoprocessocivil
(verdadeirocredornarelaçãodedireitomaterial)pedeaojuizaadjudicaçãode
umdireitopróprio,quediantedaresistênciaelenãopodeobter.Essaexigência
jurídicaexisteantesdoprocessocivilenascedarelaçãodosujeitocomobemda
vida.
Issonãoexistenoprocessopenal.Nãohá tal“exigência jurídica”quepossa
serefetivadaforadoprocessopenal.Odireitopenalnãotemrealidadeconcreta
fora do processo penal. Logo, não preexiste nenhuma exigência punitiva que
possaserrealizadaforadoprocesso.
EoMinistérioPúblico(ouquerelante)nãopedeaadjudicaçãodeumdireito
próprio,porqueessedireito(potestativo)depunirnãolhecorresponde,estánas
mãosdojuiz.OEstadorealizaseupoderdepunirnãocomoparte,mascomojuiz.
NãoexisterelaçãojurídicaentreoEstado-acusadoreoimputado,simplesmente
porque não existe uma exigência punitiva nas mãos do acusador e que
eventualmentepudesse ser efetivada foradoprocessopenal (oque existe éum
poder de penar e dentro do processo).Aqui está o erro de pensar a pretensão
punitivacomoobjetodoprocessopenal,comoseaquiofenômenofosseigualao
doprocessocivil.
Essaconcepçãoédatadae,portanto,nãosemostramaisadequadaaonívelde
evolução do processo penal contemporâneo, em que se operou (ou ao menos
deveria ter havido) uma radical separação do processo civil, para assumir e
exigiraestritaobservânciadesuascategorias jurídicaspróprias.Eisaquimais
um erro que se pode atribuir à equivocadíssima noção de teoria geral do
processo.
ComoexplicaGoldschmidt372,noprocessopenal,apretensãoacusatória (do
Ministério Público ou acusador privado) é a afirmação do nascimento de um
direitojudicialdepenareasolicitaçãodequeexerçaessedireito.
E,posteriormente,explicaoautorque
a pena se impõemediante um processo porque é umamanifestação da
justiça,eporqueoprocessoéocaminhodamesma;ajurisdiçãopenaléa
antítesedajurisdiçãocivil,porqueambasrepresentamosdoisramosda
justiça estabelecidos por Aristóteles: justiça distributiva (jurisdição
penal)ecorretiva(jurisdiçãocivil) 373.
Comoapenaéumamanifestaçãodajustiça,correspondeopoderdepenarao
próprioTribunal, istoé:odireitodepenar (essênciadopunir)coincidecomo
poder judicial de condenar o culpável e executar a pena. A concepção da
exigência punitiva (Binding) desconhece que o Estado, titular do direito de
penar,realizaseupodernoprocessonãocomoparte,mascomojuiz.
Opoderdecondenaroculpadoéumdireitopotestativo,anterioraoprocesso,
porquenascedodelito,conformealeipenal.Porisso,oconteúdodapretensão
jurídicanoprocessopenaléacusatório,enãopunitivo.
Opoder punitivo não é outra coisa que o poder concreto da justiça penal –
personificado no juiz – de condenar o culpado e executar a pena.O titular da
pretensãoacusatória(acusador)exigequeajustiçapenalexerçaopoderpunitivo
enãoqueseatribuaaelemesmoouaumterceiro,comoocorrenoprocessocivil.
Não existe pedido de adjudicação alguma por parte do acusador, pois não lhe
correspondeopoderdepenar.Porisso,oacusadordetémopoderdeacusar,não
depenar.Logo,jamaispoderiaserumapretensãopunitiva.
Por isso,Goldschmidt considera que o direito penal é umderecho justicial
material, posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à
Justiça. Existe, dessa forma uma relação jurídica entre a justiça estatal e o
indivíduo.O direito processual penal também é umderecho justicial (formal),
poisexistenoprocessoumarelaçãojurídicaentreotribunaleaspartes.
PartindodateoriapropostaporGoldschmidt,ficaassimrepresentada:
Estado/Tribunal(titulardajurisdiçãopenaledopoderdepenar)
(Acusação=direito
potestativodeacusar)
(poderde
penar-condenar/executar)
(derechojusticialmaterial) 374
Titulardapretensão
acusatória
(Estadoouparticular)
Acusado
O poder jurisdicional de condenar o culpado é um direito potestativo no
sentido de que necessita de uma sentença condenatória para constituir uma
situaçãonova(decondenado)quepermiteaplicarapenaaoréu.
Depois de a sentença penal condenatória transitar em julgado, criam-se as
condiçõesparaoexercíciodopoderdepunir.Ademaisdejulgaredeterminara
pena,tambémcorrespondeaopoderjurisdicionalafunçãodeexecutar 375apena.
Nãodevemosesquecer a liçãodeGoldschmidtdequeo símboloda justiça
nãoésóabalança,mas tambémaespadaquependesobreacabeçado réue
estánasmãosdojuiz.Éojuizquemdetémopodercondicionadodepunir.
Nessa linha de raciocínio, o objeto do processo penal é uma pretensão
acusatória,poisaaçãopenaldeveservistacomoum“direitoaoprocesso”376–
iusutprocedatur–distintodopodernascidododelitodeimporapenamediante
asentençacondenatóriaetorná-laefetivamedianteaexecução.
O direito do particular ou do Estado-acusador (por meio do Ministério
Público) éum“direito aoprocesso”, completamentedistintodopoderdepunir
que corresponde exclusivamente ao Estado-juiz. Dessa forma, continua-se
entendendo que a ação é um direito abstrato que existe ainda que não exista o
poderdepenar.
Aaçãopenalévistacomoumpoder jurídicode iniciativaprocessual,como
instrumento de invocação, que gera o poder-dever do órgão jurisdicional de
comprovar a situação do fato que lhe é submetido à análise, para declarar a
existênciaounãodeumdelito.Afirmandoaexistênciadodelito,poderáexercer
opoderdepenar.Semembargo,éimportanteesclarecerqueoobjetodoprocesso
penaléumapretensãoacusatóriaenãoaaçãopenal.Naestruturadapretensão
anteriormente explicada, pode-se comprovar que a ação penal corresponde à
“declaraçãopetitória”.Ouseja,éummeropoderpolíticodeinvocaçãodatutela
jurisdicionalquecorrespondeaumadeclaraçãopetitória.
Trata-se de mero poder político constitucional de invocação da tutela
jurisdicionalpormeiodaacusaçãoformalizadanadenúnciaouqueixa.Umavez
exercidoeiniciadooprocesso,nãohámaisquesefalaremação.Claroqueisso
podecausar alguma resistência, poisvivemosnumPaís emque são impetrados
habeas corpus para trancamento de “ação penal”. Ora, é um erro processual
inequívoco.
Nãose“tranca”açãopenal.Exerce-seopoderdeacusare,umavezexercido
einiciadooprocesso,nãohámaiscomotrancara“ação”,poiselajáseesgotou
nesse exercício.O que se tranca é o “processo”. O tal “trancamento” nada
maisédoqueumaformadeextinçãoanormaldoprocesso,nãodaação,por
óbvio.
Em outra dimensão, como ao acusador corresponde um mero direito
potestativo de acusar, não lhe cabe pedir uma pena em concreto e tampouco
negociá-lacomoacusado,poisapenaéumamanifestaçãodafunçãopunitivaque
éumaexclusividadedoEstado-tribunal.Então,asformasdepleanegotiationnão
sãoconsequênciasdeumacorretaconcepçãodoobjetodoprocessopenal.
Evidencia-seaquioerrodepensarqueoobjetodoprocessopenaléo ius
puniendi:nãoincumbeaoMinistérioPúblicopunir,poisnãolhepertenceesse
poder (ou mesmo direito). O poder de punir é do juiz, condicionado ao
exercíciointegraleprocedentedaacusação.Sãoelementosdistintosoacusare
opunir.
Emdefinitivo,apenaestáforadopoderdaspartes.ComodisseCarnelutti 377,
ao acusador não lhe compete a potestas de castigar, mas só de promover o
castigo.
Destaque-se que o principal erro de Binding – e condutor de toda uma
equivocadanoçãodeteoriageraldoprocesso–éodecolocaroacusadorna
mesma situação do credor do processo civil, como se o Ministério Público
detivesseopoderpunitivo.Erradoassimafirmar-sequeoobjetodoprocessoé
oiuspuniendi.
Emsíntese:noprocessopenalexistemduascategoriasdistintas:deumlado,o
acusadorexerceo iusutprocedatur, o direito potestativode acusar (pretensão
acusatória) contra alguém,desdequepresentesos requisitos legais; e, deoutro
lado,estáopoderdojuizdepunir.Contudo,opoderdepunirédojuiz(lembre-
se:osímbolodajustiçaéabalança,mastambéméaespada,queestánasmãos
do juiz e pende sobre a cabeça do réu), e esse poder está condicionado (pelo
princípiodanecessidade)aoexercíciointegraleprocedentedaacusação.Aojuiz
somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido
comintegralidadeeprocedênciaoiusutprocedatur.
Concluindo, o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória, vista
comoafaculdadedesolicitaratutelajurisdicional,afirmandoaexistênciadeum
delito,paraveraofinalconcretizadoopoderpunitivoestatalpelojuizpormeio
de uma pena oumedida de segurança.O titular da pretensão acusatória será o
Ministério Público ou o particular. Ao acusador (público ou privado)
correspondeapenasopoderde invocação (acusação),poisoEstadoéo titular
soberano do poder de punir, que será exercido no processo penal pormeio do
juiz,enãodoMinistérioPúblico(emuitomenosdoacusadorprivado).
5.4.Consequênciaspráticasdessaconstrução(ouporqueojuiznãopode(ria)condenarquandooMinistérioPúblicopediraabsolvição...)
As consequências práticas dessa discussão são inúmeras, a começar pela
superação da noção de teoria geral do processo e o respeito às categorias
própriasdoprocessopenaledesuacomplexafenomenologia.Masvamosalém.
Dessaforma,nosdelitosdeaçãopenaldeiniciativapública,oEstadorealiza
dois direitos distintos (acusar e punir) por meio de dois órgãos diferentes
(MinistérioPúblico e Julgador).EssaduplicidadedoEstado (comoacusador e
julgador)éumaimposiçãodosistemaacusatório(separaçãodastarefasdeacusar
e julgar) e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de direito público e
tampouconalógica.ÉamesmaduplicidadequepermiteaoEstadoaceitarasleis
emanadasdesimesmo,executá-lasejulgarasuacorretaaplicação.
Nessa linha de raciocínio, na ação penal de iniciativa pública, Ministério
Público é o titular da pretensão acusatória. Por questão de política criminal, o
modelo brasileiro adota o princípio da legalidade e indisponibilidade (agora
mitigadosnoscrimesdemenorpotencialofensivo)enãooportunidade.Poresse
motivo,oMPnãopossuiplenadisposiçãosobreapretensãoacusatória,quando
naverdadedeveriater.Éinerenteàtitularidadedeumdireitooseuplenopoder
de disposição. Não há argumento – que não uma pura opção política – que
justifique tais limitações impostas pela legalidade e indisponibilidade da ação
penaldeiniciativa-pública.
Semembargodetaislimitações,entendemosqueseoMPpediraabsolvição
(jáquenãopodedesistirdaação)aelaestávinculadoojuiz.
O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita peloMP pelo
exercíciodapretensãoacusatória.Logo,opedidodeabsolviçãoequivaleaonão
exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de
procedercontraalguém.
Comoconsequência,nãopodeojuizcondenar,sobpenadeexerceropoder
punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo
inquisitivo.
ComodisseCarnelutti 378,aoacusadornãolhecompeteapotestasdecastigar,
massódepromoverocastigo.
Ademais, tambémviola o princípio da correlação, namedida emque o juiz
está decidindo sem pedido, ou, pelo menos, completamente fora do pedido,
ferindodemorteoprincípiodacorrelaçãoquenorteiaoespaçodecisório379.
Emoutradimensão,nosdelitosdeaçãopenaldeiniciativaprivada,osenso
comum teórico “manualístico” segue repetindo que “institui-se a ação penal
privada,umadashipótesesdesubstituiçãoprocessual,emqueavítimadefende
interessealheio(direitodepunir)emnomepróprio”380.
Trata-sedeumerroimperdoáveldequempartiudeumapremissaequivocada.
Nos delitos de ação penal de iniciativa privada, o particular é titular de uma
pretensãoacusatóriaeexerceoseudireitodeação,semqueexistadelegaçãode
poderousubstituiçãoprocessual.Emoutraspalavras,atuaemdireitopróprio(o
deacusar)damesma formaqueo fazoMinistérioPúbliconosdelitosdeação
penaldeiniciativapública.
Ao ser regida pelos princípios da oportunidade/conveniência e
disponibilidade, se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória,
deveráojuizextinguirofeitosemjulgamentodoméritoou,pelasistemáticado
CPP,declararaextinçãodapunibilidadepelaperempção(art.60doCPP).Como
sevê,asistemáticadoCPPestáemplenaharmonia–noquetangeàaçãopenal
privada–comaposiçãoaquidefendida.
Igualmente perigosa é a inadequada utilização dos institutos da emendatio
libelli,previstosnoart.383doCPP,poiséumafaláciaaconstruçãodeque“o
réusedefendedosfatos”,decorrentedo“narra-meofatoquetedireiodireito”.
Nãoéverdade.Sobreacomplexidadedessetema,remetemosoleitorparanossa
obraDireitoprocessualpenal,ondetratamoscommaiorprofundidade.
Ojuiz,aomudaraclassificação jurídicadodelito,dandoaelea tipificação
que lhepareçamais adequada,principalmentequando isso signifiqueumapena
mais grave, comete uma violenta afronta ao sistema acusatório e ao direito de
defesa. Ademais, preocupante desvio do conteúdo da pretensão acusatória,
podendorepresentarumaerrôneaposturadeassumirosrumosdaacusação.
Concluindo,senoprocessociviloconteúdodapretensãoéaalegaçãodeum
direitopróprioeopedidodeadjudicaçãodeste,noprocessopenal,éaafirmação
do nascimento de umdireito judicial de penar e a solicitação de que oEstado
exerça esse direito (potestas). O acusador tem exclusivamente um direito de
acusar,afirmandoaexistênciadeumdelitoe,emdecorrênciadisso,pedeaojuiz
(Estado-tribunal) que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a
pena.OEstadorealizaseupoderdepenarnoprocessopenalnãocomoparte,mas
como juiz, e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da
pretensão acusatória.Apretensão social que nasceu como delito é elevada ao
status de pretensão jurídica de acusar, para possibilitar o nascimento do
processo.
NessemomentotambémnasceparaEstadoopoderdepunir,masseuexercício
está condicionadoà existênciaprévia e total doprocessopenal.Seo acusador
deixardeexercerapretensãoacusatória–desistindooupedindoaabsolvição–,
caiporterraapossibilidadedeoEstado-juizatuaropoderpunitivoeaextinção
dofeito(absolvição)éimperativa.
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Sobreoautor
Aury Lopes Jr. é Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad
Complutense de Madrid. Professor Titular de Direito Processual Penal da
PUCRS. Professor no Programa de Pós-Graduação – Doutorado, Mestrado e
Especialização – em Ciências Criminais da PUCRS. Vice-Presidente da
FEDERASUL e da Associação Comercial de Porto Alegre. Parecerista e
conferencista.Advogadocriminalista.
Site:www.aurylopes.com.br
E-mail:aurylopes@terra.com.br
Facebook:AuryLopesJr.
Textodeorelha(capa)
É com imenso prazer que trago ao leitor a presente obra Fundamentos do
ProcessoPenal – IntroduçãoCrítica, que constitui o resgate das ideias básicas
que sustentei em um “livrinho”muito especial, intitulado IntroduçãoCrítica ao
ProcessoPenal, publicado comgrande sucesso entre 2004- 2010, e também se
apresenta agora como um necessário complemento para meu manual Direito
ProcessualPenal,publicadopelaEditoraSaraiva.
Aobra situa-se no campoda crítica, logo, um espaço a ser preenchido, que
parte, entre outras, da premissa de que todo saber é datado. Toda doutrina ou
teoriatemprazodevalidade,comoensinaEinstein.Namesmalinha,Ostaponta
que“todaciênciacomeçaporumarecusa(...)oespíritocientíficomede-sepela
sua capacidade de requestionar as certezas do sentido comum, tudo aquilo que
Bachelarddesignavapelonomede“obstáculoepistemológico”.
Para analisar os fundamentos do processo penal partimos de três pilares
básicos:respeitoàscategoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal(e,portanto,
recusa à teoria geral do processo); filtragem constitucional e de
convencionalidade (imprescindibilidade de leitura conforme a Constituição e a
Convenção Americana de Direitos Humanos); e interdisciplinaridade
(consciênciadainsuficiênciadomonólogojurídicoemumasociedadecomplexa).
Ficaria satisfeito se esse trabalho constituísse uma recusa, mas também um
instrumentodeóciocriativo,umaleituraagradáveleestimulante,capazdegerar
umasalutarinquietaçãonoleitore,assim,aguçarsuarecusa-criatividade.
Oautor
Textode4ªcapa
Olivropropõeumarevisãodosfundamentosdoprocessopenalaoverticalizar
o estudo do fundamento da sua existência, fazendo uma releitura crítica da
conhecida“santatrindade”ação-jurisdição-processo.Paraisso,analisaasteorias
da ação (rectius acusação) e respectivas condições de sua admissibilidade,
demonstrandoainadequaçãodasdiversasteoriasdaação,poispensadasparao
processo civil e inadequadasparaoprocessopenal, propondoa construçãode
uma teoria da acusação; problematiza sobre o “lugar” da jurisdição penal,
mostrandoaimportânciadadiscussãoemtornodossistemasprocessuaispenais
(inquisitório, acusatório e misto (?)) para além da reducionista visão da mera
separaçãoinicialdasfunções;revisitaasteoriasqueexplicamanaturezajurídica
do processo (um tema da maior relevância para concepção democrática ou
autoritária de um processo penal), expondo as posições de Bülow,
desconstruindo-aaseguircomateoriadeGoldschmidt,atéchegarnocontributo
deFazzalari;efinalizacomareconstruçãodogmáticadoobjetoprocessopenal,
ondeoautordemonstraainadequaçãodotermo“pretensãopunitiva”edemonstra
suapropostade“pretensãoacusatória”.
Tudo isso a partir de uma perspectiva constitucional e convencional,
enriquecida pela análise interdisciplinar (consciência da falência domonólogo
científico).Enfim,umaobrasobre“fundamentos”,masquesesituanocampoda
críticaedarecusa,buscandorequestionarascertezasdosentidocomum.
1.CORDERO,Franco.Ritiesapienzadeldiritto,p.410.
2.Sobreotema,v.osexcelentesensaiosdeCORDERO,Franco.Lestraneregoledelsignor,264p.;edomesmoautor,Nereluned’Italia:segnalidaunannodifficile,224p.
3.2.ed.,374p.
4.In:GAUER,RuthM.Chittó(org.).Aqualidadedotempo:paraalémdasaparênciashistóricas,p.139ess.
5.Ésóverdele,dentreoutros,oProcesoyderechoprocesal,834p.
6.BETTIOL,Giuseppe.Instituiçõesdedireitoeprocessopenal,p.273.
7.Quintana,Mario.Antologiapoética,p.80.
1.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.7.
2.Logo, considerandoque todo saberédatado, interessa-nosmais a pergunta do que a resposta dadapeloautornaquelemomento.
3.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.67.
4.STRECK,LenioLuiz.Jurisdiçãoconstitucionalehermenêutica,p.19.
5.TAVARES,Juarez.Teoriadoinjustopenal,p.162.
6.Idem.
7.TAVARES,Juarez.Teoriadoinjustopenal,p.200.
8.Idem.
9.PRADO,Geraldo.Sistemaacusatório,p.16.
10.Ibidem,p.44.
11.Lacienciadelajusticia–Dikelogía,p.201.
12.BETTIOL,Guiseppe.Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.54ess.
13.Ibidem,p.174.
14.SARLET,IngoWolfgang.DignidadedapessoahumanaedireitosfundamentaisnaConstituiçãoFederalde1988,2.ed.,p.74.
15.Ibidem,p.115.
16.TAVARES,Juarez.Teoriadoinjustopenal,3.ed.,p.162.
17.Idem.
18.ZAFFARONI,EugenioRaúl;PIERANGELI,JoséHenrique.Manualdedireitopenalbrasileiro,p.96.
19.NoprólogodaobradeFERRAJOLI,Derechoyrazón–teoríadelgarantismopenal,p.18.
20.FERRAJOLI,Luigi.Derechosygarantías–Laleydelmásdébil.
21.Laspartesenelprocesopenal,p.272.
22. “Lei, para que(m)?” Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Professor PauloCláudioTovo,p.56ess.
23.Écomplexaaproblemáticadoutrináriaacercadaexistênciadepartesnoprocessopenal.Nãosendoomomento oportuno para enfrentá-la, limitamo-nos a esclarecer que quando falamos em partes estamos
aludindoaumprocessopenaldepartes,quetrataosujeitopassivonãomaiscomoummeroobjeto.
24.Oucargas,expectativaseperspectivas,seadotarmosateoriadoprocessocomosituaçãojurídica,deJamesGoldschmidt.
25.ExplicaRuthChittóGauer(“Algunsaspectosdafenomenologiadaviolência”.AFenomenologiadaviolência,p.13ess.)queaviolênciaéumelementoestrutural, intrínsecoaofatosocialenãoorestoanacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção. Esse fenômeno aparece em todas associedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano: basta atentar para aquestão da violência no mundo atual, tanto nas grandes cidades como também nos recantos maisisolados.
26.Sóojuristaconscientedainsuficiênciadomonólogojurídicoestáaptoacompreenderacomplexidadecaracterísticadasociedadecontemporânea.Paratanto,deveterhumildadecientíficasuficienteparasocorrer-sedeleiturasdesociologia,antropologia,história,psiquiatriaetc.,semfalarnolastrofilosófico.Nãoháespaçoparaoprofissionalalienado,porqueelealiénada.
27.BAUMAN,Zygmunt.Omal-estardapós-modernidade,p.14.
28.Idem.
29.Ibidem,p.15.
30.Ibidem,p.23.
31.Ibidem,p.24.
32.WACQUANT,Loic.Asprisõesdamiséria,p.18.
33.Ibidem,p.22.
34.Idem.
35. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. “Teoria das janelasquebradas:eseapedravemdedentro?”RevistadeEstudosCriminais,PortoAlegre,p.23ess.
36.WACQUANT,Loïc.Asprisõesdamiséria,p.22ess.
37.ImigrantehaitianoquefoivítimadetodotipodetorturasexualapósserdetidoilegalmenteeconduzidoaumpostopolicialdeManhattan.
38. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, p. 7 e ss. Para compreensão dacomplexidadequeenvolveessatemática,imprescindívelaleituradaobraAcriminologiaradical,domesmoautor,recentementereeditadapelaEditoraLumenJuris.
39.WACQUANT,Loic.Asprisõesdamiséria,p.34-35.
40.Ibidem,p.37.
41.KARAM,MariaLúcia.“Aesquerdapunitiva:EntrevistacomMariaLúciaKaram”,p.11ess.Outromovimentopunitivomuitobemanalisadopelaautoraéa“esquerdapunitiva”.SegundoKaram,talmovimentoiniciou-se com a fantasia de querer usar o sistema penal contra as classes dominantes. Com a perda doreferencial socialista, a esquerda ficou semperspectivade futuro.Nãohámais socialismo,nem revoluções,fazendocomqueaesquerdasetornasse“eleitoreira”.Issosignificaajustarodiscursoà“opiniãopública”ou,melhor, “opinião publicada”, perfilando-se ao lado do discurso punitivo do law and order no “combate àviolência”. Em outras palavras, a esquerda punitiva passou a defender a máxima intervenção penal,corroborandoàsideiasdosmovimentosdeextremadireitadaleiedaordem.Assumiuodiscursodarepressãoao crime organizado, com o consequente utilitarismo processual (supressão de garantias processuais) ebanalização do direito penal (maximização), sem perceber que tal endurecimento contamina todo o sistemapenaleculminaporatingirosprópriosexcluídos,quesão“clientespreferenciais”dosistema.Bastarecordarque 90% dos réus procuram a defensoria pública, porque não têm condições de pagar um advogado. Issoreflete,semdúvida,umaprofundacrisedeparadigmas.
42. BATISTA, Vera Malaguti de Souza. “Intolerância dez, ou a propaganda é a alma do negócio”.Discursossediciosos.
43.Veja-seaobradeBitencourt,CesarRoberto.Falênciadapenadeprisão.
44. Por ora, parece-nos que o abolicionismo é utópico, principalmente nos pobres países da AméricaLatina.
45.ZAFFARONI,EugenioRaúl.“Desafiosdodireitopenalnaeradaglobalização”.RevistaConsulex,p.27ess.
46.Criminología,p.288.
47.ZAFFARONI,EugenioRaúl.“Desafiosdodireitopenalnaeradaglobalização”,p.27ess.
48. CARVALHO, Salo de. “A Ferida Narcísica do Direito Penal (primeiras observações sobre as(dis)funções do controle penal na sociedade contemporânea)”. A qualidade do tempo: para além dasaparênciashistóricas,p.207.
49. Como explica Cezar Bitencourt (Manual de direito penal, v. 1, p. 11-12), o “princípio daintervençãomínima, tambémconhecidocomoultimaratio,orientae limitaopoder incriminadordoEstado,preconizandoqueacriminalizaçãodeumacondutasóselegitimaseconstituirmeionecessárioparaaproteçãode determinado bem jurídico”, cujos outros meios de controle social revelaram-se insuficientes. Afragmentariedadeédecorrênciadaintervençãomínimaedareservalegal,significandoqueodireitopenal“nãodeve sancionar condutas lesivas dos bens jurídicos,mas tão somente aquelas condutasmais graves emaisperigosas praticadas contra bens mais relevantes”. Sem embargo, na atualidade, o discurso fácil dorepressivismo saneador fez com que o direito penal simbólico – de máxima intervenção – sepultasse taisprincípios, reforçando a necessidade de termos um processo penal ainda mais preocupado em resgatar a
eficáciadosistemadegarantiasdoindivíduo.
50. Estamos nos referindo ao risco exógeno (sociologia do risco) e endógeno (inerente ao processo,enquantosituaçãojurídicadinâmicaeimprevisível).Ambosserãotratadosnacontinuação.
51.Sobreotema:VIRILIO,Paul.Ainérciapolar.
52.Avelocidadedalibertação,p.10.
53.OST,François.Otempododireito,p.353.
54.Ibidem,p.377.
55. No que se refere ao casamento, Ost (ob. cit., p. 390) aponta para um tempo conjugal maispermanente,quesobreviveaotempodocasamento.Ocasalparentalsobreviveaocasalconjugalnamedidaem que – apesar de o elo conjugal ter deixado de existir – a filiação simbólica em relação à criançapermanece. A responsabilidade educativa dos dois cônjuges sobrevive ao tempo do casamento, sendoincondicionalepermanente.Épossíveldivorciar-sedocônjuge,masnãodosfilhos.
56.Avelocidadedalibertação,p.26.
57.OST,François.Otempododireito,p.323.
58.Ibidem,p.356.
59.Quenãopodeserconfundidocomtécnicasdesumarização(horizontalevertical)dacognição.Sobreotemaveja-senossaobraDireitoprocessualpenalesuaconformidadeconstitucional.
60.RAUX,Jean-François.“Prefácio:elogiodafilosofiaparaconstruirummundomelhor”.A sociedadeembuscadevalores,p.13.
61.Idem.
62.OST,François.Otempododireito,p.359.
63.Idem.
64.Ibidem,p.362.
65.OST,François.Otempododireito,p.366.
66.Aoladodoriscoexógeno,inerenteanossasociedadederisco.
67.Otempododireito,p.371.
68.Democraciaaquiéconsideradaemumadimensãosubstancial,enquantosistemapolíticoeculturalquevaloriza,fortalece,oindivíduoentretodofeixederelaçõesqueelemantémcomosdemaisecomoEstado.
69.MESSUTI,Ana.Otempocomopena,p.103.
70.EINSTEIN,Vidaepensamentos,p.100.
71. Sobre o tema, consulte-se o trabalho deGiuseppeMosconi, “Tiempo social y tiempode cárcel”. In:BEIRAS,IñakiRivera;DOBON,Juan(orgs.).Secuestrosinstitucionalesyderechoshumanos:lacárcelyelmanicomiocomolaberintosdeobedienciasfingidas.
72.ALONSO,PedroAragoneses.Institucionesdederechoprocesalpenal,p.7.
73. Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamentereconhecidaspelodireitopenal.
74.AROCA,JuanMontero.Principiosdelprocesopenal–unaexplicaciónbasadaen larazón, p.15.
75.ComoexplicaORBANEJA,EmilioGómez.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,t.I,p.27ess.
76.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,t.I,p.27.
77.Normaprocessualpenalespanhola–LeydeEnjuiciamientoCriminal.
78.SeguindoAROCA,JuanMontero,Principiosdelprocesopenal,p.16ess.
79.Apesardisso,cumpredestacarqueomonopólioestataldeperseguirepunirestásendoquestionadoacadadiacommaisforça,comoimplementodeprincípios,comooportunidadeeconveniênciadaaçãopenal,aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada, e com as possibilidades detransaçãopenal(pleabargaining).A justiçanegociadaconfiguraumaperigosaeequivocadaalternativaaoprocessopenal.
80.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.25.
81.Principiosdelprocesopenal,p.19.
82. Sobre o tema, consultem os diversos trabalhos constantes na obra Crítica à execução penal –doutrina,jurisprudênciaeprojetoslegislativos,organizadaporSalodeCarvalhoepublicadapelaEditoraLumenJuris.
83.ConformeexplicamFigueiredoDiaseCostaAndradenaobraCriminologia–Ohomemdelinquenteeasociedadecriminógena.p.365ess.
84.ComoexplicaLEONE,Giovanni.Elementididirittoeprocedurapenale,p.189.
85.ImprescindívelaleituradeGeraldoPrado,naexcepcionalobraSistemaacusatório.
86.DINAMARCO,CândidoRangel.Ainstrumentalidadedoprocesso.
87.ROSA,AlexandreMoraisda.Direitoinfracional:garantismo,psicanáliseemovimentoantiterror,p.135ess.
88.Idem.
89.Idem.
90. No Prefácio da nossa obra Introdução crítica ao processo penal – fundamentos dainstrumentalidadeconstitucional.
91.SANTOS,AndrésOliva.NaobracoletivaDerechoprocesalpenal,p.6.
92.OriginariamentepublicadonaRivistadiDirittoProcessuale,v.1,parte1,p.73-78.Emespanhol,foipublicadocomotítulo“LaCenicienta”,naobraCuestionessobreelprocesopenal,p.15-21.
93.Carneluttiteveumaproduçãocientíficabastanteampla,prolixaaté,escrevendododireitocomercialaodireito penal, passando pelo processo civil e pelo processo penal. Natural que cometesse, como de fatocometeu, diversos tropeços nessa longuíssima caminhada dogmática. Também caiu diversas vezes emcontradição.Emcasosassim,éprecisoconhecertambémoautordasobras,paranãofazerequivocadosjuízosapriori.Fazemosessaadvertênciaporque,emquepesenofinaldavidaterfeitoverdadeirasdeclaraçõesdeamoraodireitopenaleaoprocessopenal,lutandoporsuaevoluçãoevalorização,tambémfoieleumdefensordaequivocadateoriaunitária(teoriageraldoprocesso),pensandoseroconceitodelidealgounificador.Logo,LaCenicientadevesercompreendidanessecontexto(enessesconflitoscientíficosqueelemesmovivia).
94.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.54.
95.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.Alideeoconteúdodoprocessopenal,p.119.
96.Nomesmosentido,AndrésOlivaSantos,naobracoletivaDerechoprocesalpenal,p.51.
97.AquiestamosfazendoalusãoaocomplexopensamentodeSimmel,quando,jáem1896,escreveusobre“Odinheironaculturamoderna”,demonstrandooprocessodecoisificaçãodahumanidade.Importante,ainda,aleituradeRuthGauer(Oreinodaestupidezeoreinodarazão,p.146ess.),quando,abordandoSimmel,explicaquea“mortedohomem”foidiagnosticadaquandooautoranalisouopapeldodinheironasociedadeeaseparaçãoentreasculturassubjetivaeobjetiva.Essacoisificaçãodoserhumanolevouaodomíniodacoisasobreohomem.ComoexplicaGauer,odinheiroéoDeusmoderno,onipotenteeonipresente,umaunidadeereferência,queuneatodos.“Suabuscaéasuafalta,produzoritmonervosoeoestressedavidamoderna.Quenovotipodevidaodinheiroconstitui?”.
98.CARNELUTTI,Francesco.LaCenicienta.Cuestionessobreelprocesopenal,p.19.
99.Direitopenal–ParteGeral,p.655.
100.Sobreessaeasdemaisquestõesmencionadasnestetópico,sugerimosaleituradenossaobraDireitoprocessualpenal,publicadapelaeditoraSaraiva,ondeessestemassãotratadoscommaisprofundidade.
101.Acríticadirige-seàvisãotradicional,paleopositivistaearraigadanodogmadacompletudelógicadosistema. Da mesma forma, a crítica está dirigida à ilusão de controle que emerge do conceito. Como
explicaremosnofinal,atalsegurançajurídicadeveser(re)pensadanoatualcontexto(deinsegurançaexógenae endógena) enquanto instrumento limitador do poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido aoprocessopenal.
102.TrabalhamosaquicomosconceitosdeBeckcontidosnaobraLasociedaddelriesgo;etambémdeGoldblatt,“Asociologiaderisco–UlrichBeck”.Teoriasocialeambiente.
103.BECK,Ulrich.Lasociedaddelriesgo,p.11.
104.InvocandoBeck,Goldblatt(“Asociologiaderisco–UlrichBeck”,p.232)citaoexemplodapoluiçãocausada por uma siderurgia ou fundição, no século XIX ou meados do século XX: o lixo produzido tinhaconsequências relevantesemnível localparaaspessoasque trabalhavamláeparaacomunidade local,quebebiaaáguaerespiravaoarcontaminado.Contudo,essaameaça(mesmoconsiderandotodasassiderurgiasdomundo)nãoalcançavapopulaçõesinteiras,nemoplanetanoseutodo.
105.GOLDBLATT,“Asociologiaderisco–UlrichBeck”,p.233.
106.GOLDBLATT,David.“Asociologiaderisco–UlrichBeck”,p.240.
107.Otempododireito,p.324.
108.COMTE-SPONVILLE,André.Oser-tempo,p.18.
109. MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya et al. “A sociedade em busca de valores”. Para fugir àalternativaentreocepticismoeodogmatismo.
110. Gilles Lipovetsky (“A era do após-dever”, p. 30-31) explica que existem três fases essenciais nahistóriadamoralocidental.Aprimeiraémarcadapelomomentoteológicodamoral,emqueelaerainseparáveldosmandamentosdeDeusedaBíblia.Asegundafase,queinicianofinaldoséculoXVII,élaico-moralista,emquesebuscafundarasbasesdeumamoralindependentedosdogmasreligiososedaautoridadedaigreja.Éumamoralpensadaapartirdaracionalidade,emqueohomempodealcançarumavidamoralsemaajudadeDeusedosdogmasteológicos.Porfim,aterceirafaseéa“pós-moralista”econtinuacomoprocessodesecularizaçãopostoemmarchanosséculosXVIIeXVIII.Éumasociedadequeestimulamaisosdesejos,afelicidadeeosdireitossubjetivos,semaculturadaéticadesacrifícios.
111.LIPOVETSKY,Gilles.“Aeradoapós-dever”,p.35.
112.BRUCKNER,Pascal.“Filhosevítimas:otempodainocência”,p.55.
113.Ibidem,p.56.
114. CARVALHO, Salo de. “A ferida narcísica do direito penal (primeiras observações sobre as(dis)funçõesdocontrolepenalnasociedadecontemporânea)”,p.189.
115.Ibidem,p.206.
116.“Algunsaspectosdafenomenologiadaviolência”,p.13ess.
117. Sobre o mito da verdade real e sua desconstrução, remetemos o leitor para nossa obraDireitoprocessualpenal,publicadapelaEditoraSaraiva.
118.EINSTEIN.Vidaepensamentos,p.16-18.
119.HAWKING,Stephen.Ouniversonumacascadenoz,p.11.
120. Contudo, ensina Hawking (ob. cit., p. 79), “a relatividade geral falhou ao tentar descrever osmomentosiniciaisdouniversoporquenãoincorporavaoprincípiodaincerteza,oelementoaleatóriodateoriaquânticaaqueEinsteintinhaseoposto,comoopretextodequeDeusnãojogadados”(recordemosdacélebrefrasedeEinstein: “Deusnão jogadadoscomoUniverso”).Mas,aoque tudo indica,prossegueHawking,éque Deus seja um grande jogador, onde o Universo não passa de um imenso cassino, com dados sendolançadoseroletasgirandoatodomomento.Existeumgranderiscode“perderdinheiro”acadalançamentodedados,masexisteumaprevisibilidade(probabilidade),senãoosproprietáriosdeCassinosnãoseriamtãoricos!Omesmoocorrecomograndeuniversoquetemoshoje,emqueexisteumnúmeroenormedelançamentodedados,emqueamédiaderesultadospodeserprevista.Éaquiqueasleisclássicasdafísicafuncionam:paraosgrandessistemas.Semembargo,quandoouniversoéminúsculo,comooerapróximoàépocadobig-bang,“onúmerode lançamentosdedadosépequeno,eoprincípioda incertezaémuito importante”.Aquiestáafalha da relatividade, ao não incorporar esse elemento aleatório da incerteza. Hoje, a incerteza está tãoarraigadanasdiferentesdimensõesdavida(economia,sociologia,antropologiaetc.)queadiscussãosuperaafaseda“probabilidade”,paraatingironívelda“possibilidade”,ouaindadas“propensões”,comodefiniuKarlPopper(aolongodaobraUmmundodepropensões),paraquem“atendênciaparaqueasmédiasestatísticassemantenham, se as condições semantiverem estáveis, é uma das característicasmais notáveis do nossouniverso. Sustento que isso só pode ser explicado pela teoria da propensão que sãomais do que meraspossibilidades, são mesmo tendências ou propensões para se tornarem realidade; ou propensões para serealizaremasimesmas,asquaisestãoinerentesatodasaspossibilidadesemváriosgrausequesãoalgocomoumaforçaquemantémasestatísticasestáveis”(ob.cit.,p.24).Apropensão,entendemos,poderiaserdefinidacomouma“possibilidadequalificada”, conduzindoassimaoabandonodacategoria “probabilidade”diantedoprincípiodaincerteza.
121.VIRILIO,Paul.Ainérciapolar,p.19.
122.THUMS,Gilberto.Sistemasprocessuaispenais:tempo,dromologia,tecnologiaegarantismo,p.21.
123.HAWKING,Stephen.Ouniversonumacascadenoz,p.94.
124.OST,François.Otempododireito,p.324.
125.Ibidem,p.327.
126.Ibidem,p.332.
127.OST,François.Otempododireito,p.335.
128. Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesalespublicada(originalemalemão)em1868.
129.BETTIOL,Guiseppe.Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.243.
130.GUASP,Jaime.“Administracióndejusticiayderechosdelapersonalidad”,p.180ess.
131.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.49.
132. Ensina Einstein (ob. cit., p. 66-68) que “o princípio criador reside namatemática; a sua certeza éabsoluta,enquantosetratadematemática,abstrata,masdiminuinarazãodiretadesuaconcretização[...]astesesmatemáticasnãosãocertasquandorelacionadascomarealidadee,enquantocertas,nãoserelacionamcomarealidade”.
133.Sobreosperigosdo“decisionismo”eo“solipsismo”,recomendamosaleituradeLenioStreck,entreoutros,naobraOqueéisto–decidoconformeaminhaconsciência?
134. Aqui apenas vamos indicar a base principiológica. Sugerimos a leitura da nossa obra Direitoprocessualpenal,publicadapelaeditoraSaraiva,emqueaprofundamosaanáliseeproblematizaçãodetodosecadaumdeles.
135.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”.Críticaàteoriageraldodireitoprocessualpenal,p.47.
136.BUENODECARVALHO,Amilton.Teoriaepráticadodireitoalternativo,p.56-57.Consulte-se,também,aexcelenteobradeDiegoJ.DuquelskyGomez,Entrealeieodireito.
137.Idem.
138.ORBANEJA,EmilioGómez;QUEMADA,VicenteHerce.Derechoprocesalpenal,p.86.
139.ALCALÁ-ZAMORAYCASTILLO,Niceto.Estudiosdeteoríageneralehistoriadelproceso–1945/1972,p.324-325.
140.Direitoprocessualpenal,p.88ess.
141.ComoexplicaNICETOALCALÁ-ZAMORAYCASTILLO,naobraEstudiosdeteoríageneralehistoriadelproceso–1945/1972,p.325-326.
142.“Lapretensiónprocesal”,p.588.
143.Ibidem,p.604.
144.ROSENBERG,Leo.Tratadodederechoprocesalcivil,p.27ess.
145.COUTURE,EduardoJ.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.60ess.
146.Seráexplicadoalcancedessadefiniçãoadiante.
147.ALCALÁ-ZAMORAYCASTILLO,Niceto;LEVENE,Ricardo.Derechoprocessalpenal,p.62e63.Adverteoautor,comacerto,queaaçãopenalnãosedirige“contra”osujeitopassivo,senão“ao”tribunalparaque,comodetentordopoderdepunir,oexerçaumavezacolhidaapretensãoacusatória.
148.GUASP,Jaime.Derechoprocesalcivil,p.281.
149. O que segue é uma análise da obra Polémica sobre la actio, que reúne os vários trabalhos deWindscheid e Muther que constituíram e deram corpo à famosa “Polêmica”. Importante ainda é a leituraatentada“introducción”feitaporGiovanniPugliese,queutilizamosamplamente,equebemsintetizaodebate.
150.ExpressãodePugliesenaintroduçãoàPolémicasobrelaactio,p.XII.
151.CHIOVENDA,Giuseppe.Laacciónenelsistemadelosderechos,p.5ess.
152.“Inaplicabilidadedoconceitodeaçãoaoprocessopenal”,p.47-61.
153.CHIOVENDA,Laacciónenelsistemadelosderechos,p.14.
154.Introducción...,p.XIII.
155.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.57ess.
156.Derechoprocesalpenal,p.67.
157.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.64.
158.Idem.
159.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.37.
160.LÓPEZ,MiguelPastor.Elprocesodepersecución,p.149.
161.Elprocesodepersecución,cit.,p.90.
162.NaobracomVicenteHerceQuemada,Derechoprocesalpenal,p.89.
163.Partindodeumapreocupaçãodiversadanossa,masigualmenteatentoàscategoriasjurídicasprópriasdo processo penal, Rogério Lauria Tucci (Teoria do direito processual penal, p. 74-76) propõe umaconciliaçãoentreasteoriasdaaçãocomodireitoabstratoeemsensoconcreto,partindoparaadistinçãoentreação judiciáriaeaçãodaparte,sendoaprimeiraatinenteaosatospraticadospelosórgãos jurisdicionais,easegunda“conferidaaossujeitosparciaisdarelaçãojurídicacujadefiniçãoeconcretizaçãolhessãosolicitadas,e que naquela naturalmente se subsumem”. Importante, ainda, na estrutura teórica do autor, a seguintedistinção: “o direito subjetivo material em referência é o direito à jurisdição, correntemente denominadodireitodeação;eo(direito)processualconsubstancia-senaação,propriamentedita,quesecaracterizapelaefetivaçãodoexercíciododireitoàjurisdição”.Assim,paraTucci(Teoriadodireitoprocessualpenal,p.80),açãoé“umdireitoabstrato(emlinhaeprincípio,atéporque,comela,seconcretiza),autônomo,público,genéricoesubjetivo,qualseja,odireitoàjurisdição”.Quantoaobinômioconcreto/abstrato–núcleodenossadiscussãoaqui–,Tuccipropõeaseguinteconstrução:“éabstratoporqueindependentedeserfundada,ounão,apostulaçãodotitulardodireitomaterial(aoqualé,porém,conectado).Econcreto,namedidaemqueganhaefetividade com o aforamento da ação”. Nesse ponto (especialmente no que se refere ao “conectado aodireitomaterial”)pensamoshaverumacoincidênciaentrenossaposiçãoeaconstruçãodeTucci.
164.Alideeoconteúdodoprocessopenal,p.145ess.
165.Sublinhe-sequeadotamospartedoconceitode JacintoCoutinho,quedivergedenossaposiçãoemoutrosaspectosreferentesaoobjetodoprocessopenal(ouobjeto,comoclassificamalgunsautores).
166.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.84.Pensamosqueascondiçõesdaaçãodevemserrepensadas–efetivamente–àluzdoprocessopenal,poiséfrágilaconstruçãodeque,porexemplo,aatipicidadeoualicitudedacondutanãoenvolveriaumaincursãonomérito.Ademais,destaque-seque–napráticadiáriadostribunaisbrasileiros–,umavezrecebidaadenúnciaouqueixa,alega-sequenãosepodemaisfalaremrejeição,demodoqueosjuízes,aindaquemanifestaailegitimidadepassiva(nãosendooréuoautordofato),culminamporproferirumasentençaabsolutóriacombasenoart.386,IVouV.Pensamosquenadaimpedeojuizde,umavezrecebidaadenúncia,decretaranulidadedessadecisãoerejeitar,ouseja,nãoexistepreclusãoparao juizeelepode,aqualquer tempo,reconhecerumanulidadeabsolutaerefazeroato.
167.AexpressãoédeJacintoNelsondeMirandaCoutinho.
168. No que tange à ação de iniciativa pública, o poder político constitucional nasce do art. 129, I, daConstituiçãoe,considerandoaobrigatoriedade–paraoMP–daaçãopenalnessescrimes,estamosdiantedeumpoder-dever.Dequalquerforma,feitaessaressalva,éperfeitamenteaplicávelateoriado“direitodedois
tempos”exposta,poisnoprimeiromomentoestamosnadimensãoconstitucionale,nosegundo,naprocessualpenal,ondeentãopodemosfalaremcondiçõesdaação.
169.NaRevistadeDerechoProcesal,Madrid,1949.TambémpublicadonaobraJaimeGuaspDelgado– Pensamiento y Figura, da coleção “Maestros Complutenses de Derecho", organizada por PedroAragonesesAlonso.
170.JARDIM,AfrânioSilva.Direitoprocessualpenal,p.95.
171.TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.Processopenal,p.494.
172.ComoexplicaORBANEJA,EmilioGómez.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.27ess.
173.Osautoresquetrabalhamcoma(civilistaeinadequada)categoriadepossibilidadejurídicadopedidocostumamempregarexemploscomoessesparademonstrarsituaçõesemqueopedidodecondenaçãoseria“juridicamenteimpossível”.Naverdade,aquestãositua-seemoutraesfera,qualseja,naexigênciadequeofatosejaaparentementecriminoso.
174.ASSISMOURA,MariaTherezaRocha.Justacausaparaaaçãopenal,p.99.
175.Ibidem,p.119.
176.Ibidem,p.173.
177.Direitoprocessualpenal,p.99.
178.Tratadodedireitopenal,p.19.
179.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.97.
180.NaobracomVicenteHerceQuemada,Derechoprocesalpenal,p.89.
181.NaobraTratadodederechoprocesalpenal,p.130ess.
182.Advirta-sequepartedadoutrinaconcebecomodireitopúblicosubjetivoenãopotestativo.
183.Sobreesseedemaistemas,consulte-senossaobraDireitoprocessualpenal.
184.ConformenossoDireitoprocessualpenal.
185.BELING,Ernst.Derechoprocesalpenal,p.21.
186.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.67.
187.MAIER,JulioB.J.Derechoprocesalpenal–fundamentos,p.260.
188. Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas, buscando definir suas notasprocessuais características. Por esse motivo, o aspecto histórico (ainda que extremamente relevante) serátratadocombastantesuperficialidade.Recomendamos,paraaprofundaroestudo,aleitura(entreoutras)dasseguintes obras: Julio Maier,Derecho procesal penal: fundamentos (especialmente o Capítulo II, § 5º);VicenzoManzini,Derecho procesal penal, t. I; AlfredoVélezMariconde,Derecho procesal penal, t. I;Ernst Beling, Derecho procesal penal; Franco Cordero, Procedimiento penal (ou a obra Guida allaprocedura penale); José Henrique Pierangelli, Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas; eGeraldoPrado,Sistemaacusatório:aconformidadeconstitucionaldasleisprocessuaispenais.
189.SENDRA,VicenteGimeno.Fundamentosdelderechoprocesal,p.190.
190.ALONSO,PedroAragoneses.Institucionesdederechoprocesalpenal,p.39ess.
191. DUSSEL, Enrique, especialmente na obra Filosofia da libertação. Crítica à ideologia daexclusão.
192.MARTINS,RuiCunha.Opontocegododireito.Thebrazilianlessons.
193. É importante destacar que o sistema inquisitório permanece em sua mais radical constituição nodireito canônico, com todo vigor em pleno século XXI. Como questiona o teólogo Hans Küng (“PreguntassobrelaInquisición”,publicadonojornalespanholElPaísem16-2-1998),dequeserveabrir-seosarquivosdaInquisiçãodosséculosXVIaXIXsemantêm-sefechadoseinacessíveisosarquivosdaInquisiçãodoséculoXX,quejánãoculminacomaqueimafísicasenãopsíquicaemoral?Paracontinuarexercendo-adiariamenteemescalaglobalnoséculoXXI?Opróprioautorrelataquelevamaisde40anostentandoconseguiroqueemumasociedadedemocráticaseconcedesemomenoresforçoaqualqueracusado:direitoàvistadosautos.Nomesmo sentido, outro exemplo vivo dessa “queima psíquica emoral” nos dá Leonardo Boff, que relata noPrefácio que faz à tradução brasileira doManual dos inquisidores (p. 24 e ss.) que “ainda perduram oprocesso de delação, a negação ao acesso às atas dos processos, a inexistência de um advogado e aimpossibilidade de apelação. A mesma instância acusa, julga e pune. Isso é uma perversidade jurídica emqualquer Estado deDireito, pagão, ateu ou cristão. Não há a salvaguarda suficiente do direito de defesa”.Punidopelamoderna Inquisiçãocom–entreoutraspenas–a imposiçãodeum“silêncioobsequioso”,Boffrelata como se leva a cabo a “morte psicológica” do condenado: “Pressiona os acusados até o limite dasuportabilidadepsicológica.Sãodesmoralizados,faz-seperderaconfiançaemsuapessoaepalavra;porissoproíbe-se que sejam convidados para conferências, assessorias e retiros espirituais;muitos são transferidospara outros países, são forçados a tomar anos sabáticos eufemisticamente, quer dizer, devem deixar ascátedras;pressionam-seaseditorasanãopublicarseusescritoseproíbem-seaslivrariasreligiosasdeexpore
de vender seus escritos”. Em definitivo, quando se afirma que omodelo inquisitório pleno não existemais,
deve-seressalvar:excetonodireitocanônicoemquepermaneceemseuestadopuro.
194.Cf.MONTEROAROCA,naobracoletivaDerechojurisdiccional,v.III,p.15.
195.FENECH,Miguel.Derechoprocesalpenal,p.83.
196.GOLDSCHMIDT,James.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.67ess.
197.Cf.ALONSO,PedroAragoneses.Institucionesdederechoprocesalpenal,cit.,p.42.
198.MANZINI,Vicenzo.Tratadodederechoprocesalpenal,p.52ess.
199.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”,p.18.
200. BOFF, Leonardo. “Prefácio. Inquisição: um espírito que continua a existir”. DirectoriumInquisitorum–Manualdosinquisidores,p.9ess.
201.BOFF,Leonardo.“Prefácio.Inquisição:umespíritoquecontinuaaexistir”,p.9ess.
202.Ibidem,p.10.
203.Ibidem,p.11.
204.Ibidem,p.12.
205. A lógica da inquisição era irretocável, e com certeza serviu de inspiração para muitos ditadores.ApontaBoff(ob.cit.,p.20)quequem“pensasse”afé jáerasuspeitodeheresiaesujeitoàrepressão,poispensarsignificadiscutire,porconsequência,questionar.Pergunta,comacertooautor:nãopensavamassimosagentesdarepressãomilitaremregimedesegurançanacional:quemdiscutirpublicamentepolíticaéjásuspeitodesubversãoe, logo,desequestro,de torturaedecárcere?Mudemossinais,masnãoalógicadeumsistema totalitárioepor isso repressivode todaequalquerdiferença.A intolerância e odiscurso do interesse público também vão conduzir ao conhecido e atual “tolerância zero”, legitimando asmaioresbarbáriesemrelaçãoaosdireitosegarantiasfundamentaissobamesmalógica.
206. As chamadas “bocas de leão” ou “bocas da verdade” que até hoje podem ser encontradas nasantigasigrejasespanholas.
207.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”,cit.,p.23.
208.ComoexplicaManzini(ob.cit.,p.8),foioprocedimentoextraordinárioqueintroduziuatorturaentreosinstitutosprocessuaisromanos.Porlongotempo,atorturafoiestranhaaoprocessopenalromano,enquantoestava em uso por todas as partes, inclusive naGrécia. Posteriormente, foi transformada em um poderosoinstrumentonasmãosdosinquisidores.
209.Na realidade, alguns câmbios iniciaram antesmesmodaRevoluçãoFrancesa, impelidos pelo climareformistaeos ideaisquepredominavamnaépoca,equeposteriormente foramtomandoforçaatéculminar
comaefetivalutaarmada.
210.GOESSEL,KarlHeinz.Eldefensorenelprocesopenal,p.15ess.
211.Convémrecordarqueainquisiçãoéfrutodesuaépoca,marcadapelaintolerância,crueldadeepelaprópria ignorância que dominava. Não deve ser lida (ou julgada) a partir dos parâmetros atuais, poisimpregnadadetodaumahistoricidadequenãopodeserafastada.
212. Segundo Rissel, na tese doutoralDie Verfassungsrechtliche Stellung des Rechtsanwalts, p. 48,apudGOESSEL,KarlHeinz.Ob.cit.,p.17.
213.GOLDSCHMIDT,James.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.29.
214.“MettereilPublicoMinisterioalsuoPosto”,p.18ess.Tambémemespanhol:“PonerensupuestoalMinisterioPúblico”,p.209ess.
215. Sãomúltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processopenal.Ocríticomais incansável foi, semdúvida,omestreCarnelutti,queemdiversasoportunidadespôsemrelevoaimpossibilidadede“lacuadraturadelcírculo:¿Noescomoreduciruncírculoauncuadrado,construirunaparteimparcial?Elministeriopúblicoesunjuezquesehaceparte.Poreso,envezdeserunapartequesube,esunjuezquebaja”.Emoutrapassagem,Carnelutti(Leccionessobreelprocesopenal,p.99)explicaquenãosepodeocultarque,seopromotorexerceverdadeiramenteafunçãodeacusador,quererqueelesejaum órgão imparcial não representa no processomais que uma inútil e hastamolesta duplicidad. Para J.Goldschmidt(Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.29),oproblemadeexigirimparcialidadede uma parte acusadora significa cair “en el mismo error psicológico que ha desacreditado al procesoinquisitivo”,qualseja,odecrerqueumamesmapessoapossaexercitarfunçõestãoantagônicascomoacusaredefender.Nãoháqueconfundirimparcialidadecomestritaobservânciadalegalidadeedaobjetividade.
216.BINDER,AlbertoM.Descumprimentodasformasprocessuais,p.51.
217. SENDRA,VicenteGimeno; CATENA,VictorMoreno; DOMINGUEZ,Valentín Cortes.Derechoprocesal penal, p. 83. Mas, em sua obra anterior Fundamentos del derecho procesal, p. 189, Sendraconsiderainsuficienteessaafirmação,queimputaaumgrupodeautoresalemães(SchmidteRoxin).
218.“Principioacusatorio:realidadyutilización”.RDP,p.272.
219.Correspondência eletrônica particular demaio/2003, cujos ensinamentos de JacintoCoutinho forampornósutilizadosnaPalestraReformasPenais:JuizadodeInstruçãoCriminal,proferidanodia30demaiode2003,noAuditórioExternodoSuperiorTribunaldeJustiça,emBrasília.
220.FERRAJOLI,Luigi.Derechoyrazón–teoríadelgarantismopenal,p.566.
221.Explicamos isso no livro Investigação preliminar no processo penal a partir do sistema italiano.Contudo, recorda-nos Jacinto Coutinho o antigo Código de Processo Penal doDistrito Federal (Decreto n.16.751,de31dedezembrode1924),art.243:“Osautosdeinquiriçãoapensosaosdeinvestigação,nostermos
dosarts. 241e242, servirão, apenas,deesclarecimentoaoMinistérioPúblico,não se juntarãoaoprocesso,quer em original, quer por certidão, e serão entregues, após a denúncia, pelo representante do MinistérioPúblicoaocartóriodojuízo,eminvólucrolacradoerubricado,afimdeseremarquivadosàsuadisposição”.
222.Conclusãon.3desuaTeseDoutoral,conformecorrespondênciaeletrônicademaio/2003.
223.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,cit.,p.69ess.
224. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”.SeparatadoInstitutoTransdisciplinardeEstudosCriminais,p.28.
225. Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias, para evitarperigosasemuitasvezeserrôneasanalogiascomoprocessocivil,queforamesãofeitasatéhoje.Comumajustificadapreocupação,J.Goldschmidt
(Problemas jurídicosypolíticosdelprocesopenal, p. 28 e ss.) destacaque a construçãodomodeloacusatórionoprocessopenaldeveserdistintadaquelaaplicávelaoprocessocivil(umaconcepçãodistintadoprincípiodispositivo),poisasituaçãojurídicadaparteativaécompletamentediferentequeadoautor(processocivil).OMinistérioPúbliconãofazvalernoprocessopenalumdireitopróprioepedeasuaadjudicação(comooautornoprocessocivil),senãoqueafirmaonascimentodeumdireitojudicialdepenareexigeoexercíciodessedireito,queaomesmotemporepresentaumdeverparaoEstado(titulardodireitodepenarequerealizaseudireitonoprocessonãocomoparte,mascomojuiz).Paracompreenderessepensamento,éimprescindívelpartirdapremissadequeoobjetodoprocessopenaléumapretensãoacusatória(iusutprocedatur).Atítulodeilustração,umamáinterpretaçãodoquesejaomodeloacusatório,eumaerradaanalogiacomoprocessocivil,levaalgunssistemas(comooespanhol)apermitirqueaacusaçãopeçaumadeterminadaquantidadedepena–“x”anos–emaiserradoaindaépensarqueessepedidovinculeo juiz.Outroerroquediariamentevemsendocometidoéafirmarqueachamada“justiçanegociada”(pleanegotiation)éumamanifestaçãodomodelo acusatório, quando, na verdade, se trata de uma degeneração completa do processo penal e umadistorcida visão do que seja umprocesso de partes, o sistema acusatório oumesmoo verdadeiro objeto doprocesso penal. Para compreensão, leia-se, na continuação, nossa abordagem sobre “(Re)construçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal”.
226. Emdiversos trabalhos,mas especialmente no artigo: “Introdução aos princípios gerais do processopenalbrasileiro”.
227.Derechoprocesalcivil,p.82.
228.Derechoyrazón,p.563.
229.Toda tradução encerra imensos perigos, por isso, para evitar equívocos, destacamos que a palavraempregada pelo autor foi “leguleyo”, que em espanhol possui um sentido despectivo, de “persona que seocupadecuestioneslegalessintenerelconocimientoolaespecializaciónsuficientes”(deacordocomClave–Diccionariodeusodelespañolactual).OtextooriginaldeLuigiFerrajoli,naobraDerechoyrazón,p.575,
é: “al sistema acusatorio le corresponde un juez espectador dedicado sobre todo a la objetiva e imparcialvaloracióndeloshechosy,porello,mássabioqueexperto,elritoinquisitivoexigesinembargounjuezactor,representantedel interespunitivoy,porello, leguleyo,versadoenelprocedimientoydotadodecapacidaddeinvestigación”.
230.FERRAJOLI,Luigi.Derechoyrazón,p.575.
231. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”,cit.,p.28.
232.BOFF,Leonardo.Ob.cit.,p.9ess.
233.5ªCâmaraCriminaldoTJRS,CorreiçãoParcial70002028041,Rel.Des.AmiltonBuenodeCarvalho,20-12-2000.Namesmalinha,destacamosaacertadadecisãoda5ªCâmaraCriminaldoTJRS,cujoacórdãoédalavradoDes.AramisNassif,proferidanaCorreiçãoParcial70014869697,julgadaem1ºdejunhode2006:
“CORREIÇÃOPARCIAL.DECISÃOEXOFFICIO. BAIXADOSAUTOSÀDP PARAEFEITOSDERECONHECIMENTODORÉU.VIOLAÇÃODOSISTEMAACUSATÓRIO.
O Juiz não pode, pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988,determinar diligências policiais, especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas. No sistemaacusatório o réu é tratado como sujeito de direitos, devendo ter, portanto, suas garantias individuais(constitucionais) respeitadas. A regra é clara e comum: O Estado acusador, através do agente ministerial,manifesta a pretensão ao agente imparcial, que é oEstado-juiz. Essa imparcialidade que se apresentamaisnítida agora, com a definição constitucional dos papéis processuais, é a plataforma na construção de umaciência processual penal democrática, vedando a iniciativa ex officio na produção da prova. Correiçãoacolhida”.
234.PRADO,Geraldo,naexcelenteobraSistemaacusatório.Aconformidadeconstitucionaldasleisprocessuaispenais.
235. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”,p.29.
236.RHC23.945/RJ,Rel.Min. JaneSilva (Desembargadora convocada doTJ/MG), j. 5-2-2009, grifosnossos.
237.Acríticaservetantoparaaatribuiçãodepoderesinstrutóriosnafaseprocessual(comoocorrenoart.156) como também quando ela é feita na fase pré-processual, admitindo que o juiz pratique atos deinvestigação.Commaisrazão,somoscompletamentecontráriosaoschamadosJuizadosdeInstrução(sistemade Juiz-Instrutor), conforme exaustivamente explicado na obra Sistemas de investigação preliminar noprocessopenal,ecujastentativasdeinserçãonoBrasilnoscausamprofundapreocupação.
238.CORDERO,Franco.Guidaallaprocedurapenale,p.51.
239. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”,p.37.
240.PRADO,Geraldo.Sistemaacusatório,p.158.
241.Idem.
242.Derechoyrazón,p.606.
243. Sobre o tema, veja-se nosso artigo: “Juízes inquisidores?E paranoicos.Uma crítica à prevenção apartirdajurisprudênciadoTribunalEuropeudeDireitosHumanos”.BoletimdoIBCCrim,p.11-12.
244.“[...]nosEstadosdedireitohá,àdisposiçãodoscidadãos,umPoderJudiciárioindependente,comafunção de arbitrar esses conflitos, declarando ao indivíduo quais constrangimentos o ordenamento jurídico oobriga a suportar, quais os que se não lhe pode impor. Isso tem sido no entanto ignorado nos dias quecorrem,desortequealgunsjuízesseenvolvemdiretaepessoalmentecomosagentesdaAdministração,participando do planejamento de investigações policiais que resultam em ações penais de cujaapreciaçãoejulgamentoelesmesmosserãoincumbidos,superpondoossistemasinquisitórioemisto,aumtemposórecusandoosistemaacusatório.
[...] Basta tanto para desmontar as estruturas do Estado de direito, disso decorrendo a supressão dajurisdição.OacusadojáentãonãoseveráfaceaumJuizindependenteeimparcial.Terádiantedesiumaparteacusadora,uminquisidoradizer-lhealgocomo‘jáoinvestiguei,colhitodasasprovas,jámeconvencidesuaculpa,nãolhedoucréditoalgum,masestouasuadisposiçãoparaquemeprovequeestouerrado!’Eissosemsequerpermitirqueoacusadoarrisqueasorteemordálias...
[...] Perdoem-me por falar em ‘interesses das partes’ e em ‘conflito’ no processo penal, mas desejovigorosamente afirmar que a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividadeinvestigatóriaedocombateativoaocrime,nateoriaenaprática.Contra‘bandidos’oEstadoeseusagentesatuamcomosebandidosfossem,àmargemdalei,fazendomossadaConstituição.Etudocomaparticipaçãodojuiz,anteacrençageneralizadadequequalquerviolênciaé legítimasepraticadaemdecorrênciadeumaordemjudicial.Juízesquesepretendemversadosnateoriaepráticadocombateaocrime,juízesquearrogamasiaresponsabilidadeporoperaçõespoliciaistransformamaConstituiçãoemumpunhadodepalavrasbonitasrabiscadasemumpedaçodepapelsemutilidadeprática,comodizFerrajoli.Ouempapelpintadocomtinta;umacoisaemqueestáindistintaadistinçãoentrenadaecoisanenhuma,qualnosversosdeFernandoPessoa”(grifosnossos).
245.HC70016461592,SétimaCâmaraCriminal,Rel.NereuGiacomolli,publicadoem31-8-2006.
246.ParaoestudodoJuizadoEspecialCriminal,composiçãodosdanoscivis,transaçãopenalesuspensãocondicionaldoprocesso,remetemosoleitorparanossaobraDireitoprocessualpenal,publicadapelaEditoraSaraiva.
247.Cuidado,estamosdizendoqueéa“introdução”dalógicadapleanegotiationenãoquesetratadeverdadeirapleabargainingdosistemanorte-americano,poisestaémaisampla,permitindoqueacusadoreacusadofaçamacordosobreosfatos,suaqualificaçãojurídicaeasconsequênciaspenais.Mas,semdúvida,aintrodução da lógica negocial é um importante passo nessa direção e nisso reside a crítica prospectiva quefizemos.
248.FERRAJOLI,Luigi.Derechoyrazón–teoríadelgarantismopenal,p.747.
249.Derechosygarantías–laleydelmásdébil,p.27.
250.“Laequidadeneljuiciopenal(paralareformadelacortedeasises)”.Cuestionessobreelprocesopenal,p.292.
251.Criminologia–ohomemdelinquenteeasociedadecriminógena,p.484ess.
252.Napalestra“GarantiasenelsenodelProcesoPenalUSA”,proferidanocursoInvestigar, acusar,juzgar,tambémpublicadanaRevistaOtrosí,p.30ess.
253.PRADO,Geraldo.Elementosparaumaanálisecríticadatransaçãopenal,p.224.
254.Idem.
255. Sãomúltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processopenal. O crítico mais incansável foi, sem dúvida, o mestre Carnelutti (“Poner en su puesto al MinisterioPublico”.Cuestionessobreelprocesopenal,p.211ess.),queemdiversasoportunidadespôsemrelevoaimpossibilidade “de la cuadratura del círculo: ¿No es como reducir un círculo a un cuadrado, construir unaparteimparcial?Elministeriopúblicoesunjuezquesehaceparte.Poreso,envezdeserunapartequesube,esunjuezquebaja”.Emoutrapassagem(Leccionessobreelprocesopenal,p.99),Carneluttiexplicaquenãosepodeocultarque,seopromotorexerceverdadeiramenteafunçãodeacusador,quererqueelesejaumórgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad. ParaGoldschmidt(Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.29),oproblemadeexigirimparcialidadede uma parte acusadora significa cair “en el mismo error psicológico que ha desacreditado al procesoinquisitivo”,qualseja,odecrerqueumamesmapessoapossaexercitarfunçõestãoantagônicascomoacusar,julgaredefender.
256.NoprólogodaobraLareformaprocesalpenal–1988-1992,p.XXXV.
257.Somoscontrários,inclusive,àfiguradoassistentedaacusação,pelosmesmosmotivos.
258.GÓMEZORBANEJA,Emilio.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.231.
259.ALONSO,PedroAragoneses.Procesoyderechoprocesal,p.199ess.
260.Asteoriasmistaspretendemcompatibilizareconciliar,principalmente,asteoriasdarelaçãodeBülowedasituaçãojurídicadeGoldschmidt.
261.Posteriormente,Bülowvoltou ao tema, perfeccionando sua teoria frente às críticas que sucederamsua primeira exposição,masmanteve a linha básica. SegundoChiovenda (La acción en el sistema de losderechos,p.41),emmaiode1903,naobraKlageundUrteil,BülowvoltaaotemapararechaçarascríticasdeWachsobreaaçãoe,entreoutrospontos,aceitaa teoriadaaçãocomodireitopotestativodefendidaporChiovenda.
262.BETTIOL,Guiseppe.Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.243.
263.Semembargo,comodestacaAlcalá-ZamorayCastillo(Proceso,autocomposiciónyautodefensa,p.118-119),“laconcepcióndelprocesocomorelaciónjurídicaesgenuinamentealemana:alemanessonHegelque la vislumbra, Bethmann-Hollweg que la sustenta y Oskar Bülow que en 1868 publica en Giessen sucélebremonografía”.Ademais, segue o autor, foram os alemães quem a adaptaram aos distintos ramos doprocesso e também quem mais duramente a combateram, chegando a propor sua substituição (por J.Goldschmidt). Nada menos que 35 anos depois do livro de Bülow e 18 depois do Handbuch de Wach,Chiovenda lê em Bolonha sua lição inaugural sobre L’azione. Tal esclarecimento está justificado frente aalguns equívocos doutrinários, como o cometido por Enrique Jimenez Asenjo (“Derecho procesal penal”.RevistadeDerechoPrivado,p.68)que,depoisdeanalisarasposiçõesdeHellwig,KohlereJ.Goldschmidt,afirma que “[...] finalmente, Chiovenda, con la opinión dominante, (estima) una relación trilateral entredemandante, demandado y el tribunal [...]”, esquecendo-se por completo da doutrina alemã que já a haviaconcebidocomanterioridade.
264.CHIOVENDA.Principiosdederechoprocesalcivil,t.I,p.123.
265.Procesoyderechoprocesal,p.206.
266. Tratando dos antecedentes históricos nos juristas medievais italianos, Niceto Alcalá-Zamora eAragonesesAlonsoafirmamqueBúlgaroeradeSassoferrato,liçãoqueconfiamoseacolhemos.Contudo,nãosedesconhecehaverautoresqueafirmamqueBúlgaroeradeBolonha.Ficaaadvertência.
267.Lateoríadelasexcepcionesprocesalesylospresupuestosprocesales,p.2ss.
268. Sem rechaçar sua importância, mas tampouco concordando com a teoria, Manzini entende como“conceptonebulosoydeexpresiónexóticaladepresupuestosprocesales”(MANZINI,Vincenzo.Tratadodederechoprocesalpenal,p.117).Talconceito(dospressupostosprocessuais)tambémfoiduramenteatacadoporGoldschmidt.
269.NoseuManualdederechoprocesalcivil,t.1.
270.Semembargo,noprocessopenal,Wachnega a existênciadepartes, por consideraro acusadoum
meio de prova e não sujeito da relação jurídico-processual. Infelizmente, algumas vezes ocorre que um
excelenteprocessualistacivil,quandoincursionapeloprocessopenal,nãoofazcomsimilarbrilho.AnegaçãodeWachéuminegávelreflexodoverbototalitárionoprocessopenal.
271.Paraquemoprocesso“nopuedeserunarelaciónjurídicasinoquegeneraunared,pornodecirunamarañaderelacionesjurídicas”e,porisso,deveserconcebidocomoumcomplejoderelaciones jurídicas(Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.243ess.).
272.AocontráriodeCarnelutti,vislumbraumaúnicarelaçãojurídica,mascomplexa.
273. Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesalespublicada(originalemalemão)em1868.
274. Para compreensão da temática, consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt:Derechoprocesal civil; Principios generales del proceso; Derecho justicial material; Problemas jurídicos ypolíticosdelprocesopenalearecentetraduçãobrasileiraPrincípiosgeraisdoprocessocivil.Destaque-se,ainda,amagistralanálisefeitaporPedroAragonesesAlonsonaobraProcesoyderechoprocesal,p.235ess.,especialmentenoqueserefereàcríticafeitaporPieroCalamandreieàrespostadeGoldschmidt,quelevouoprocessualistaitalianoa,nosúltimosanosdevida,retificarsuaposiçãoeadmitiroacertodateoriadoprocessocomosituaçãojurídica.
275.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.49.
276.GOLDSCHMIDT,James.Derechoprocesalcivil,p.194ess.
277.Derechoprocesalcivil,p.195.
278.Procesoyderechoprocesal,p.241.
279. 1.Maneira favorável ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz (álea, acaso);potênciaquepresideosucessoouinsucesso,dentrodeumacircunstância(fortuna,sorte).2.Possibilidadedeseproduzirporacaso (eventualidade,probabilidade).3.Acaso feliz, sorte favorável (felicidade, fortuna).NadefiniçãododicionárioLePetitRobert,p.383(traduçãonossa).
280.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.66.
281.Idem.
282.Ibidem,p.68.
283.Procesoyderechoprocesal,cit.,p.241.
284.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.57.
285.EnsinaEinstein(Vidaepensamento,p.66-68)que“oprincípiocriadorresidenamatemática;asuacerteza é absoluta, enquanto se trata de matemática, abstrata, mas diminui na razão direta de sua
concretização [...] as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e, enquantocertas,nãoserelacionamcomarealidade”.
286.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.50.
287.Baseamo-nosnasistematizaçãodeAlonso,Procesoyderechoprocesal,p.243ess.
288.Atéporque,comohomemdeciênciaqueera,nãoestariaàmargemda revoluçãocientíficaqueseproduzianaquelaépoca,comosestudosdeEinsteinsobrearelatividadeeoquanta,etambémdeHeisenberg(incerteza),MaxPlanck,Mach,Kepler,Maxwell,Borneoutros.
289. Rivista di Diritto Processuale, p. 23 e ss. Também publicado nos Scritti in onere del prof.FrancescoCarnelutti.
290.Rivista di Diritto Processuale, p. 1 e ss. Também publicado no número especial daRevista deDerechoProcesal,emmemóriadeJamesGoldschmidt.
291.Ibidem,p.221.
292.CALAMANDREI,Piero.Direitoprocessualcivil,p.223.
293.Ibidem,p.223.
294.Ibidem,p.224.
295.Idem.
296. Recordemos que a relatividade geral falhou ao tentar descrever osmomentos iniciais do universo,porquenãoincorporavaoprincípiodaincerteza,oelementoaleatóriodateoriaquânticaaqueEinsteintinhase oposto a pretexto de que “Deus não joga dados com o universo”. Entretanto, como explica StephenHawking (O universo numa casca de noz, p. 79), tudo indica que Deus é um grande jogador! Nessadiscussão, enorme relevância temo físico alemãoWernerHeisenbergque formulouo famosoprincípio daincerteza,apartirdaobservaçãodahipótesequânticadeMaxPlanck.Emapertadíssimasíntese,apartirdeHawking (ob. cit., p. 42), significadizer quePlanck, em1900, afirmouque a luz semprevemempequenospacotes,queeledenominou“quanta”.Essahipótesequânticaexplicavaclaramenteasobservaçõesdataxaderadiaçãodecorposquentes,masaplenacompreensãodaextensãodesuasimplicaçõessomentefoipossívelporvoltade1920,quandoHeisenbergdemonstraque,quantomaissetentamediraposiçãodeumapartícula,menosexatamenteseconseguemedirasuavelocidadeevice-versa.Eaquioquenosinteressa:mostrouqueaincertezanaposiçãodeumapartícula,multiplicadapelaincertezadeseumomento,devesersempremaiordo que a constante de Planck, uma quantidade aproximadamente relacionada ao teor de energia de umquantumdeluz.Assim,reinaaincertezaemdetrimentodequalquervisãodeterminista.Tudoissoconstituíaoauge da discussão científica mundial neste período de 1900-1930 (sem negar o antes e o depois, é claro),contemporâneaentãocomoaugedaproduçãointelectualdeJamesGoldschmidt,quepublicaseucapolavoroProzessalsRechtslage,emBerlim,em1925.
297. Pensamos que é importante atentar para o símbolo da justiça do caso concreto, que é a Dikè(Dikelogía:lacienciadelajusticia–intitulaWernerGoldschmidt).Elacarregaaespadaquependesobreacabeçadoréuecorrespondeaodireitopotestativodepenare,naoutramão,estáabalança.Àprimeiravista(e tambémúltimaparamuitos), a balança simboliza o equilíbrio, a ponderação e até a supremacia da razão(dentro de uma racionalidade moderna [superada, portanto]). Mas, para muito além disso, ela simboliza a“incerteza”característicadaadministraçãodajustiçanocasoconcreto.Correspondeàincertezacaracterísticadoprocesso.Elaoscila,tantopendeigualmenteparaumladocomoparaoutro.Estálançadaasorte.
298.SENDRA,JoséVicenteGimeno.Fundamentosdelderechoprocesal,p.170.
299.Entreesses,deve-sedestacaraqualificadaposiçãodeWernerGoldschmidt(noPrólogodaprimeiraedição da obraProceso y derecho procesal, deAragonesesAlonso, p. 35) de que tais teorias (relação esituação)nãopodemserconsideradasinconciliáveis,senãocomocomplementárias.Nessalinha,defendeque“mientraslateoríadelasituacióndestacaloqueocurreenelDerechocuandoésteoperaenelplanodinámicodel proceso, la teoría institucional, señala Aragoneses Alonso, se mueve en el mundo abstracto de losconceptos.Porello,estasdosposicionesnosóloseofrecencomoincompatibles,sinocomocomplementarias,de lamisma formaquepuedenconcebirse comocomplementarias la teoríade la relación”.Somente comaintegraçãodessesconceitoséquepodemos(oupoderíamos)compreendercomonasceoprocessoequaléofundamento metafísico da sua existência (teoria da instituição), o objeto real do processo, tal como sedesenvolvenavidaesuacontínuarelação(teoriadasituaçãojurídica),e,finalmente,qualéaforçaqueuneosdiversossujeitosqueneleoperam(teoriadarelaçãojurídica).
300.Poisnaorigemdouniverso(big-bang),quandoeleeraminúsculo,onúmerodelançamentosdedadoserapequenoeoprincípiodaincertezaproporcionalmentemaior.
301.ComoexplicaHAWKING,ob.cit.,p.80.
302. Ou, melhor, “quem nos protege da bondade dos bons?”, no célebre questionamento de AgostinhoRamalhoMarquesNeto,apartirdeFreud.
303.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”,p.47.
304.O presente trecho é uma reprodução literal de parte do artigo intitulado “Breves apontamentos inmemoriam a James Goldschmidt e a incompreendida concepção de processo como situação jurídica", quepublicamosemcoautoriacomPabloAlflendaSilva,apartirdosdebatesrealizadosnoCursodeDoutoradoemCiências Criminais da PUCRS, na disciplina “Epistemologia do Direito Processual Penal Contemporâneo”.Esse fragmento citado merece crédito integral a Pablo Alflen, a quem parabenizo pela excelência da“arqueologia”processualrealizada.
305. SCHMIDT, Eberhard. Lehrkommentar zur Strafprozessordnung und zumGerichtsverfassungsgesetz,p.48.
306.SCHMIDT,Eberhard.“JamesGoldschmidtzumGedächtnis”,p.447.
307. Compare FISCHER, Wolfram. Exodus von Wissenschaften aus Berlin: Fragestellungen,Ergebnisse,Desiderate,p.131.
308.ConformereferidoporSCHÖNKE,Adolf.“ZumzehntenTodestagvonJamesGoldschmidt“,p.275-276.
309.OFranzösischesGymnasiumfoifundadoem1689,nacidadedeBerlime,àépoca,sobretudoantesdaPrimeiraGuerraMundial,quasemetadedosseusalunoseradeorigemjudaica.
310.ConformeSCHUBERT,Werner;REGGE,Jürgen;RIEß,Peter;SCHMIDT,Werner.Queallen zurReformdesStraf-undStrafprozeßrechts,p.XIV.
311.Assim,porexemplo,ostrabalhosintituladosDasVerwaltungsstrafrechtimVerhältniszurmodernenStaats- und Rechtslehre (1903), Die Deliktsobligationen des Verwaltungsrechts (1904) e MateriellesJustizrecht(1905).
312. Conforme GRUNER, Wolf; ALY, Götz; GRUNER, Wolf.Die Verfolgung und Ermordung dereuropäischenJudendurchdasnationalsozialistischeDeutschland1933-1945,p.200.
313.WINIGER,ArtSalomon.“Goldschmidt,James”,p.457.
314.ConformeHUECK,Ingo.DerStaatsgerichtshofzumSchutzederRepublik ,p.44.
315. Conforme LÖSCH, Anna-Maria von.Der nackte Geist: die Juristische Fakultät der BerlinerUniversitätimUmbruchvon1933,p.179-180,oDecretoerailegalinclusivedeacordocomodireitonazista.O governo havia criado fundamentos jurídicos para demitir funcionários de “descendência não ariana” epoliticamente suspeitos, para encaminhá-los à aposentadoria ou a outro cargo. O encaminhamento deGoldschmidt à aposentadoria, em razão de sua origem judaica, foi descartado.De fato, ele era “100% nãoariano” e, como dispunha a legislação imperial, esta hipótese (de aposentadoria) valia para funcionários dedescendência não ariana, porém, de acordo com o § 3º, al. 2, do BBG, desde que o funcionário tivesseingressadono cargo a partir de 1º de agosto de 1914, ou combatidono fronte naPrimeiraGuerraMundial.Como Goldschmidt havia se tornado funcionário público em 1908, ele não podia obter a aposentadoria emrazãodasuaorigemjudaica.Alémdisso,nãohaviamotivopolíticoparasuademissão,poiselenãopertenciaapartido algum. Goldschmidt não tinha tido, portanto, nenhuma razão para ter ameaçada sua posiçãoprofissional.
316.ConformeGRUNER,Wolf;ALY,Götz;GRUNER,Wolf,(nota9),p.200.
317.ConformeALONSO,PedroAragoneses.Procesoyderechoprocesal.
318.AssimCOUTURE,Eduardo.“Lalibertaddelaculturaylaleydelatolerancia”,p.5.
319.COUTURE,Eduardo.Ob.cit.,p.5.
320. Hoje chamadas violações à ordem e que são reguladas por legislação específica, a
Ordnungswidrigkeitengesetz(OWiG).
321.Assim,ointeressantíssimotrabalhointituladoConceitoetarefadeumdireitopenaladministrativo,no qual Goldschmidt preconizava ser o Direito Penal Administrativo uma disciplina nova e absolutamenteautônoma,queteriaporobjetoregularo“injustopolicial”(polizeilichenUnrechts) enquantocomportamentocausador de “perigo abstrato para bens jurídicos” ou “mera desobediência”, compare GOLDSCHMIDT,James.BegriffundAufgabeeinesVerwaltungsstrafrechts,inDeutscheJuristen-Zeitung,1902,Nr.09,p.213es.
322.BRUNS,Rudolf. “JamesGoldschmidt (17.12.1874-18.6.1940)”.EinGedenkblatt. inZeitschrift fürZivilprozeß,Nr.88(1975),p.127.
323.FAZZALARI,Elio.Istituzionididirittoprocessuale,p.75.
324.Apenasparaesclarecer,nãosepodeconfundirateoriacivilistadainstrumentalidadedasformascomnosso conceito de “instrumentalidade constitucional”. São coisas absolutamente distintas. Nunca fomosadeptosdatradicionalteoriada“instrumentalidade”,todoooposto.Nossaposiçãoéabsolutamenteantagônica,porque estabelece um conteúdo axiológico ao conceito de instrumentalidade, vinculando-o ao sistema degarantiasdaConstituição.Porisso,concebemosoprocessopenalcomouminstrumentoaserviçodamáximaeficácia dos direitos e garantias fundamentais e a forma, como limite de poder. É uma leitura crítica econstitucionalizadadoprocessoedoprocedimento,comênfasenorespeitoaodevidoprocessolegal(ouseja,oestritorespeitoàs“regrasdojogo”,semdescuidardoconteúdoéticodessasregras).
325.GONÇALVES,AroldoPlinio.Técnicaprocessualeteoriadoprocesso,p.103.
326.FAZZALARI,Elio.Ob.cit.,p.8.
327.Ibidem,p.14ess.
328.ConformeexplicamAlexandreMoraisdaRosaeSylvioLourençonaobraParaumprocessopenaldemocrático–críticaàmetástasedosistemadecontrolesocial.RiodeJaneiro:LumenJuris,2008.p.77ess.
329.GONÇALVES,AroldoPlinio.Ob.cit.,p.115.
330.FAZZALARI.Ob.cit.,p.78e79.
331.GUASP,Jaime.“Lapretensiónprocesal”.Estudiosjurídicos,p.593ess.
332.ComobemadverteTUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.176.
333.Assim,concordamoscomaafirmaçãodeTucci(Teoriadodireitoprocessualpenal,p.35),quandoapontaque é “de todo inadequada e (porquenãodizer?) inaceitável, delineia-se a transposiçãodo conceitocivilísticodepretensãoparaoprocessopenal”.Partimosdessamesmapremissaparapensareconstruirumconceitodepretensão(comGuasp,GoldschmidteGómezOrbaneja)paraoprocessopenal,damesmaformaqueseconstruiuoconceitodeaçãoprocessualpenal,jurisdiçãopenaletc.
334.Nenhumacensuraemrelaçãoàcrítica,poiselaésemprebem-vinda,desdequebemamparada,oquenão costuma ocorrer nessa matéria, até pela sua grande complexidade teórica. Em outra dimensão, composiçõesemsentidodiversodaqueleaquipensadopornós, commaioroumenor intensidadededivergência,mas com muito substrato teórico, recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos: Coutinho, JacintoNelsondeMiranda.Alideeoconteúdodoprocessopenal;eBadaró,GustavoHenrique.Correlaçãoentreacusação e sentença. Em relação a Badaró, pensamos que a divergência existe, mas não é nuclear, namedidaemqueoautoradmitea“pretensãoprocessual”–comoobjetodoprocessopenal,comoabordaremosnacontinuação.JáemrelaçãoàposiçãodeJacintoCoutinho(quesustentasero“casopenal”oconteúdodoprocesso), é preciso compreender que pensamos ser o “caso penal” insuficiente para, por si só, justificar acomplexa fenomenologiadoprocesso.Masnãohá incompatibilidade, senãoqueadiscussão remontaaumanova dimensão, de continente e conteúdo, como explicaremos nas próximas páginas.Assim, pensamos quenossa posição pode coexistir com aquela defendida pelo autor, desde que compreendidas essas distintasdimensõesderecorte.
335.ComoexplicaCarneluttiemdiversasobras(aquiutilizamosDerechoprocesalcivilypenal,p.40),“aquí se encara, en primer lugar, el concepto de pretensión: también ésta es una palabra que los juristasempleandesdehacelargotiempo,aunqueesmásrecientesuprecisióncomoexigenciadelasubordinacióndelinterésajenoalinteréspropio”.Aesseconceito,imprescindívelagregar-seoutroconceitoestruturanteemuitomarcantenavidadeCarnelutti,ode“lide”.Trata-sedeumconceitoquesofreudiferentesmodificaçõesnas sucessivas respostas que ele dava aos seus críticos, e que foi muito bem tratado por Badaró na obraCorrelação entre acusação e sentença, p. 62 e ss. Interessa-nos, aqui, apontar a noção de lide como oconflito de interesses qualificado pela pretensão resistida. Como explica Badaró, os conceitos de interesse,“pretensão” e “resistência” foram sendo trabalhados ao longo das obras do autor. O que importa é aimprestabilidade do conceito de “lide” para o processo penal e esse foi o germe do ataque ao conceito de“pretensão”.
336.NaRevistadederechoprocesal,Madrid,1949.TambémpublicadonaobraJaimeGuaspDelgado– Pensamiento y Figura, da coleção “Maestros Complutenses de Derecho”, organizada por PedroAragonesesAlonso,publicadaemMadrid,2000.
337. Imprescindível a leitura, portanto, do trabalho “Lapretensiónprocesal”, publicado (entre outros) naobraEstudiosjurídicos,organizadaporPedroAragonesesAlonso.
338.GUASP,ob.cit.
339.OpróprioCarneluttiacabapordesenharoconceitode“controvérsia”paraoprocessopenal,pois,nasuavisão,haveriaumconflitodeopiniõesemtornodeummesmofatodelituoso,mascomungandoaspartesdeummesmointeresse.Ointeressecomum,compartilhado,portanto,pelaacusaçãoedefesa,brotariadavisãodapenacomoremédiodaalma(Platão),acuraparaadoença.Nessalinha,defendequenoprocessopenalajurisdiçãoévoluntária.Avisãodoautor é completamente equivocada,nesseponto,bastandopordesvelar ailusãoplatônicadequeapena“cura”.Alémdametafísicaconcepçãode“curadaalma”,apenaeosistemacarcerárioestãomuitolongederepresentaralgumremédio...Porfim,sustentaCarneluttiqueajurisdiçãonoprocessopenal seriavoluntária,oquenãoconcordamos (conformeseveránaexposição,mas tambémpelaprópriaincidênciadoprincípiodanecessidade).
340.MIRABETE,JulioFabbrini.Processopenal,p.28.
341.CAPEZ,Fernando.Cursodeprocessopenal,p.2.
342.Alideeoconteúdodoprocessopenal,p.145.
343.GÓMESORBANEJA,Emilio.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,t.I,p.37.
344.NanossaobraDireitoprocessualpenal.
345.Elprocesodepersecución,p.90.
346.SeguindoasistemáticadeALONSO,PedroAragoneses.Procesoyderechoprocesal,p.158ess.
347. Sem embargo, a tese não é inédita, pois, como reconhece o próprio autor, a doutrina alemã deRosenbergea italianadeCarnelutti jáhaviamdadomostrasdoconceitodepretensão,masnãocomplenosfrutos. Pode-se afirmar que a base jurídica da teoria foi dada por Rosenberg, e o aspecto sociológico doconflitofoidadoporCarnelutti,noseuestudosobrealide.ComoexplicaGuasp(Pretensiónprocesal,p.587,notade rodapén.44),seuconceitopodeserconcebidocomoumafusãodas ideiasbásicasdeRosenbergeCarnelutti,“tomandodelprimeroelestrictocarácterprocesal,nomaterial,delareclamación,ydelsegundosudesvinculación de la idea del derecho (que tampoco es contradicho por aquél)”.Mas é preciso continuar adesenvolveresseconceito,pois,comoexplicamosnoinício,elesuperaetranscendeanoçãocarneluttiana.
348.GUASP,Jaime.Derechoprocesalcivil,p.201ess.
349.Procesoyderechoprocesal,p.184.
350.Nacontinuação,analisaremososfundamentosexpostosporJaimeGuaspnotrabalhoLapretensiónprocesal.
351.Porvezes,as instituiçõesartificiaisqueutilizamodireitopenaleoprocessopenalacabamporcriar
um problema (do ponto de vista sociológico) de igual ou até maior gravidade que o próprio delito. Nessesentido, está o problema da pena de prisão (um sistema falido); da reinserção social do presidiário; aestigmatizaçãosocialejurídicaquecausaapenaeopróprioprocessopenal;aschamadaspenasprocessuaisetc.
352.FAIRENGUILLEN,Victor.“Elprocesocomofuncióndesatisfacciónjurídica”.RevistadeDerechoProcesalIberoamericano,p.17-95.
353. GIMENO SENDRA, Vicente; MORENO CATENA, Victor; DOMINGUEZ, Valentin Córtes.Derechoprocesalpenal,p.26.
354.Nãoconfundircomjuizneutro,algoquenãoexiste.Instrumentoneutrodejurisdiçãosignificaqueaatividadeserealizaplenamentetantocomasentençacondenatóriacomotambémabsolutória.Éaequivalênciaaxiológicaentrecondenareabsolver.
355.É,anossojuízo,aopiniãodominantenamelhordoutrina.Vejam-se,entreoutros:Guasp,AragonesesAlonso,GómezOrbaneja,Fenech,FairenGuillen,AscencioMellado,JamesGoldschmidt,AfranioSilvaJardimeManzini,nasobrascitadas.Contráriosanossaposição,entreoutros:Beling(fatodavida),OlivaSantos(fatocriminoso),GomezColomer(direitodeação),AlmagroNoseteeTomePaule(themadecidendi).
356.GUASP,Jaime.“Lapretensiónprocesal”,p.604.
357.ROSENBERG,Leo.Tratadodederechoprocesalcivil,p.27ess.
358.BADARÓ,GustavoHenrique.Correlaçãoentreacusaçãoesentença,p.76ess.
359.SeguindoaGUASP,Jaime.“Lapretensiónprocesal”,p.600ess.
360.EugenioFlorían(Elementosdederechoprocesalpenal,p.49)entendequeoobjetofundamentaldoprocessopenaléumadeterminadarelaçãodedireitopenalquesurgedeumfatoqueseconsideracomodelito.Nessa linha, Beling (Derecho procesal penal, p. 79) assinala que o assunto da vida constitui o objeto doprocesso.ÉimportantedestacarqueJoséFredericoMarques(Elementosdedireitoprocessualpenal,p.68),ao falarna“finalidadeeobjetivodoprocessopenal” (poisnão trataclaramentedoobjeto), citaBelinge lheimputa uma frase: “Donde dizerErnstBeling que o objeto do processo é a tutela da lei penal”.RealmenteBelingdizisso,masemoutrocontexto,aocomentar“lafuncióngeneralpolítico-jurídicadelderechoprocesalpenal”eparadefinira função institucionaldoprocessopenal.Sobreoobjeto,dedicaumcapítuloespecífico,ondedesdeo iníciodefinecomo“elasuntode lavida (causa, res),en tornodelcualgiraelproceso,ycuyaresolución (mediante decisión sobre el fondo) constituye la tarea propia del proceso (los merita causae omaterialia causae, en la terminología de la ciencia pandectista)”. Ademais de tirar uma frase do contexto,FredericoMarquesincidenograveerrodeidentificarfinalidadecomobjeto.
361.ORBANEJA,EmilioGómez.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.51ess.
362.A expressão é deGuasp, na obraLapretensiónprocesal, com a importante distinção de que ele
defendeofatonatural.
363.“Lapretensiónprocesal”,p.588.
364.COUTURE,EduardoJ.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.61.
365.Otermo“juiciooral”éempregadonosentidodefaseprocessualemsentidoestrito.Nãoéadotadootermo“fase judicial” (comonoBrasil)porquenaEspanhaa investigaçãopreliminarestáacargodeum juizinstrutor,logo,temnaturezajudicial(aindaquenãojurisdicional).
366.SENDRA,VicenteGimenoetal.Derechoprocesalpenal,cit.,p.216.
367.SeguindoaClassificaçãoQuináriadePontesdeMiranda,caberecordarqueasentença,ademaisdedeclaratória,constitutivaecondenatória,tambémserámandamentaleexecutiva.
368.GOLDSCHMIDT,James.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.7ess.
369. O que segue, veja-se GOLDSCHMIDT, Problemas jurídicos y políticos del proceso penal; etambémDerechojusticialmaterial,p.54ess.
370.ComoexplicaGoldschmidt (Derecho justicialmaterial, p. 52 e ss.) ao analisar a obradeBinding(HandbuchdesStrafrechts,p.189ess.).
371.AolongodamagistralobraProblemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal.
372.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.58.
373. Isso porque, como explica Alonso (Instituciones de derecho procesal penal, p. 3), paraGoldschmidt, a retribuição é o regulador fundamental da vida social. Daí por que se necessita da justiçadistributivapara regularossentimentosdeprazeredor, significadizer,o“estar”doshomensconformeseusméritosdiantedodireito,istoé,dajustiçapenal.
374.Poissetratadodireitomaterialdepenar,quesomentepodeserrealizadopeloprocesso,apósoplenoexercíciodaacusação,comasentençacondenatória.
375. Como toda teoria, por óbvio que não é perfeita e acabada, daí por que muitas acomodações eatualizaçõesforamfeitaspornós.Entreas revisõesdeconceitos,háquesepensaraexecuçãodapenaemGoldschmidtcomoutrosolhos,poisnaconcepçãodoautoropoderdeexecutarapenatambémestariaacargodojuiz.Issoconduziriaaumprocessodeexecuçãopenaldecunhoinquisitório,comoqualnãoconcordamos.Daíporquepensamosquenaexecuçãodeve-seconstruirumaestruturadialética, comoMinistérioPúblicoinvocandoojuizparaoinícioenosdiferentesincidentes.Umverdadeiroprocesso(deexecução).
376.Esse tema foimuitobem tratadoporGómezOrbaneja (Comentariosa laLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.187ess.)emcuja liçãonosbaseamosnacontinuação.Tambémé importanteesclarecerqueaidentificação da concepção de Gómez Orbaneja com a de Goldschmidt foi expressamente admitida peloprimeiro (na obra com Herce Quemada, Derecho procesal penal, p. 90), quando explica que “aunque
hayamos llegado a él por caminosdistintos, este concepto coincide en esencia con el deGoldschmidt (v. suobra, en castellano y sobre el proceso penal español,Problemas jurídicos y políticos del proceso penal,Barcelona, 1935).Goldschmidt se basa en su concepciónpersonal del derechopenal comoderecho justicialmaterial,acercadelacualnadavamosadeciraquí.Peroauncuandoseprescinda–einclusosedisienta–detal teoría, nos parece que el concepto de acción exposto es el que mejor se compagina con la verdaderanaturalezadelprocesocriminal”.
377.Derechoprocesalcivilypenal,p.301.
378.Derechoprocesalcivilypenal,p.301.
379.Sobreotema,remetemosoleitorparanossaobraDireitoprocessualpenal.
380.MIRABETE,JulioFabbrini.Processopenal,p.117.
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