lendo a sorte

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Lendo a Sorte

Do Livro: Histórias deste e do outro mundo.

Autor: Luiz Gonzaga Pinheiro

Logo que terminei a prece inicial, dando início à parte prática da reunião, uma cigana comunica-se dizendo: Eu leio as mãos! Alguém quer ver a sua sorte nas cartas? Vamos! Dê-me sua mão! Eu posso ver o passado, o presente e o futuro.

- Minha irmã, interferi. Aqui não utilizamos desses métodos. Temos o presente como fruto do passado e o futuro preparado pelas ações do agora.

- Mas eu sou uma cigana. Você não sabe que uma vez a cada três meses uma cigana sai às ruas para ler a sorte do povo?

- Você não precisa mais fazer uso dessa tradição. Ciganas que aqui nos auxiliam, mudaram de hábito e podem orientá-la quanto a esta questão.

- Mas um grupo de ciganos veio procurar-me cobrando esta tradição. Disseram-me que eu seria execrada, caso não obedecesse às regras do nosso povo.

- Já que faz tanto caso de ler as mãos, porque não descreve o que vê nas suas? Então ela parou um pouco, observou as linhas de sua mão e disse com voz sofrida: - Eu vejo a morte! - A sua ou a de alguém em particular? - A de meu filho! E caiu em prantos.

- Eu matei meu filho! Sou uma desgraçada. Nunca gostei desta vida nômade, sendo discriminada a cada cidade aonde chegava. As pessoas desconfiam dos ciganos, perseguem, agridem...Eu não queria essa vida para meu filho.

Foi então que em conversa na beira do rio, eu o induzi a atirar-se na água e ele o fez atendendo aos meus argumentos. Quando o encontraram, todos julgaram que ele fora vítima de afogamento natural. Guardei essa dor a vida inteira, sem revelar a ninguém a verdadeira causa da morte. Meu pobre filho! Tinha apenas sete anos...

- Não se desespere tanto minha irmã! O que você fez foi fruto de um amor enlouquecido, tentando preservar seu filho do sofrimento.

Foi um crime, mas não foi um ato de perversidade, de ódio, de fanatismo. Aprendemos aqui que Deus julga mais a intenção de que o fato em si.

- Mas como posso fazer isso? - Prepare-se! Estude enfermagem, vá às favelas, hospitais, seja professora, zeladora de alguma creche. Pergunte como poderá ser útil a nossos amigos e eles lhe dirão mil maneiras de empregar seu tempo em alívio da dor alheia.

- O senhor acha que um dia serei perdoada por esse crime tão horrível? - Claro que sim! As marcas de qualquer crime são apagadas pelo tempo, quando auxiliado pelo trabalho e a oração.

A mulher se despediu deixando leve tristeza no ar. O sentimento de culpa exigindo reparação a deixara dependente de um grupo, que dela se aproveitava através do mau uso de suas tradições. Porque não gostava do que fazia, tomava aquilo como uma punição necessária a seu espírito infrator.

Todavia, amava o filho com uma veneração incomum. Não podemos nem devemos retirar as provas de nossos filhos. Eles vêm à Terra justamente para serem testados.Nossa missão é auxiliá-los, esclarecê-los, amá-los. Principalmente, amá-los com lucidez, pois o amor protege, disciplina, perdoa, conduz com segurança.

Lembremos de que Deus ama seus filhos, mas não lhes retira o cálice de amargura, provado inclusive pelo mais ilustre visitante a este planeta. No mais, a dor tem a função pedagógica de retomar os conteúdos ainda não assimilados, na grande escola que é a vida.

A dor ensina a voltar. E ela voltou. Um dia veio me dizer que fora apadrinhada por ciganos que cuidavam de uma colônia onde crianças abortadas eram tratadas. Mostrou-nos o lugar. Muitas tendas coloridas, berçários, sentinelas ao redor protegendo o local.

Luar de Prata é o nome da colônia dirigida por uma sábia cigana a quem chamou de mãe. - Sei que um dia vou encontrar meu filho, disse-me. - Claro que sim! E nos despedimos confiantes no trabalho e na oração.

Formatação: Castro Neto

Música: Ich Liebe Dich André Rieu

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