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/ LITERATURA /Obra da autora deOrgulho &Preconceitomostralongevidade aoservir de temapara novos livros emotivar encontrose comunidades

Fábio TrindadeDA AGÊNCIA ANHANGUERA

fabio.silveira@rac.com.br

Passaram-se 200 anos desdea primeira publicação de Or-gulho e Preconceito, a obramais famosa da escritora in-glesa Jane Austen. Mesmo as-sim, a cada ano, são vendidas50 mil cópias do romance —considerado pela própria au-tora como “seu filho querido”— apenas no Reino Unido,onde continua sendo um doslivros mais lidos. Exatamentepor isso, Orgulho e Preconcei-to já ganhou diversas versõespara a TV e cinema, sendo ofilme homônimo de 2005, es-trelado por Keira Knightley eMatthew Mcfadyen, a maisconhecida. O longa foi indica-do a quatro Oscar, incluindoo de Melhor Atriz para Keira.

Mas são muitas as produ-ções inspiradas na obra. A re-de BBC, que jamais deixariapassar tanta popularidade,fez duas versões televisivas delivros dela e prepara uma ter-ceira. A primeira veio na déca-da de 1970, mas a mais mar-cante é a de 1995, que trans-formou Colin Firth em objetodo desejo das mulheres emuma memorável cena emque aparece de camisa molha-da para a amada. “Algo im-pensável para Jane Austen epara a época dela”, acrescen-ta Maria Clara Biajoli, pesqui-sadora especializada em JaneAusten, inclusive com umprojeto de doutorado sobre aescritora na Universidade Es-tadual de Campinas (Uni-camp). “Tem uma autora,Abygail Reynolds (tambémbritânica), que se espe-cializou em escrever versõesde Orgulho e Preconceito noestilo ‘E Se’. Ela pega determi-nadas situações do original emuda o desfecho. Por exem-plo: e se a Elizabeth Bennet ti-vesse aceitado o primeiro pe-dido de casamento do Sr. Dar-cy? E ela conta a história apartir daí, mudando detalhes.E nessa, já são uns oito livrosassim só inspirados em Orgu-lho e Preconceito”, conta Ma-ria Clara.

O problema, segundo apesquisadora, é que a autoratenta imitar o estilo de Aus-ten, além de acrescentar, deforma mais escrachada que aBBC, cenas eróticas e explíci-tas do relacionamento do ca-sal. “Uma construção muitoquestionável.”

Abygail Reynolds é apenasuma, entre centenas, queusam os seis conhecidos li-vros de Jane Austen para criara própria história — os outroslivros, além de Orgulho e Pre-conceito, são Razão e Sensibili-dade, Mansfield Park, Emma,Persuasão e A Abadia de Nor-thanger. E, nessa salada decontinuações, as mais absur-das histórias nascem, inspira-das, muitas vezes, na modado momento.

Para se ter uma ideia, en-tre os livros bizarros basea-dos em Jane Austen, o maisconhecido é Pride and Preju-dice and Zombies (Orgulho ePreconceito e Zumbis), de Se-th Grahame-Smith. Curiosa-mente, ele é escrito por umhomem, já que Austen é con-siderada feminista, e tem onome da inglesa indicado co-mo coautora na capa.

“A proposta é uma misturado texto do original, copiadoao pé da letra, com novas fra-ses que inserem uma invasãode zumbis na Inglaterra. Masele foi pensado, desde o iní-cio, comercialmente. Foi es-crito para vender, e não por

fãs, como acontece normal-mente”, analisa a pesquisado-ra. Entre outros títulos inusita-dos, então Sense and Sensibili-ty and Sea Monsters (Razão eSensibilidade e Monstros Mari-nhos), Emma and the We-rewolves (Emma e os Lobiso-mens) e Mansfield Park andMummies (Mansfield Park eas Múmias).

Tons de DarcyA trilogia erótica CinquentaTons de Cinza, que vem sen-do “aproveitada” pelos opor-tunistas de plantão e ganhan-do divertidas paródias sobrea quente relação sadomaso-quista entre Christian Grey eAnastasia, também foi asso-ciada a Jane Austen no livroCinquenta Tons do Sr. Darcy(tradução de Natalie Gerhar-dt, Bertrand Brasil, 307 pági-nas, R$ 27,00).

Assinado por pseudôni-mos, o livro pega o famosopersonagem de Orgulho e Pre-conceito para criticar a obrade E.L. James. A história sepassa na época da obra deAusten, na Inglaterra do co-meço do século 19, e, por sa-ber que nesse período os pra-zeres da carne não eram tãoexplícitos, o autor se seguranas cenas, mas a capa, porexemplo, traz as botas de Dar-cy e um chicote.

ProjetoMaria Clara coleciona as inú-meras versões de Jane Austenque encontra, “passam de100”, afirma, mas alerta quedificilmente algo é bom, tan-to que ela, no projeto desen-volvido na Unicamp, analisaessas obras. Um deles é Mr.Darcy’s Diary (O Diário de Sr.Darcy), de Amanda Grange,que traz exatamente a mes-ma história de Orgulho e Pre-conceito, porém contada pelavisão do herói Sr. Darcy. Escri-ta em forma de diário, a auto-ra ganha espaço para criar asreflexões de Darcy que nãohá no original pelo fato de es-te ser narrado do ponto de vis-ta de Elizabeth. “AmandaGrange tenta manter o estilode escrita de Austen mas aca-

ba exagerando no perfil dospersonagens, estereotipando-os.”

FilmesAs obras de Jane Austen sãode domínio público, facilitan-do o aparecimento de tantomaterial sobre suas obras.Tanto que todos os seis livrosmais conhecidos da autoratêm versões cinematográfi-cas. Além do citado no iníciodo texto, existe uma versãode Orgulho e Preconceito de1940, tendo Greer Garson eLaurence Olivier como o ca-sal protagonista. Já EmmaThompson e Kate Winslet sãoduas irmãs obrigadas a mu-dar-se para o campo após amorte do pai no filme de AngLee, de 1995, Razão e Sensibi-lidade. Gwyneth Paltrow tam-bém já se envolveu com proje-tos sobre Jane Austen, quan-do viveu a bonita e inteligen-te jovem que presencia suagovernanta se casar com opai viúvo e resolve bancar ocupido para as pessoas que acercam em Emma, de 1996.

Já em Amor e Inocência (Be-coming Jane), de 2007, AnneHathaway interpreta a pró-pria Jane Austen antes da fa-ma. No filme, ela vive um ro-mance com um jovem advo-gado irlandês, que acabariapor inspirar seus livros e o fa-moso personagem Sr. Darcy.E existe ainda O Clube de Lei-tura de Jane Austen, tambémde 2007. No longa, um grupode mulheres se reúne paradiscutir os livros de Jane Aus-ten e procurar neles soluçõespara suas próprias vidas. Tu-do muda quando um ho-mem, fã de ficção científica,se une a elas, causando tu-multo.

ComunidadeA comunidade no (quase ex-tinto) Orkut chamada Orgu-lho e Preconceito reunia mi-lhares de fãs de Jane Austen edo filme homônimo de 2005.Durante os muitos tópicos so-bre a escritora, há algunsanos, a professora AdrianaZardini percebeu que as pes-soas tinham as mesmas dúvi-das sobre a inglesa e a obra.“Na época, a única fonte emportuguês era o Wikipédia”,lembra. Para tentar ajudaraqueles que se interessavampela autora, assim como ela,Adriana montou, em 2008, oblog Jane Austen Brasil, o pri-meiro em português. “Come-cei fazendo análises, até por-que me formei em Letras,mas a coisa foi crescendo deuma forma que eu jamais po-deria imaginar.”

Atualmente, o site ultrapas-sa mil visitas diárias e, em ja-neiro deste ano, Adriana orga-nizou o quarto encontro na-cional de fãs de Jane Austen.“O primeiro encontro foi em2009 e teve 15 pessoas. No dejaneiro, foram três dias e ultra-passamos cem pessoas em ca-da um, que vieram de várioslugares do Brasil.” A propos-ta, segundo Adriana, é discu-tir Jane Austen, tanto quemuitos trabalhos e teses fo-ram apresentados, “projetosque terão continuidade acadê-mica”, diz. “A nossa metodo-logia foi copiada inclusive pe-la Itália, pela Espanha, quesão países que acabaram decriar suas próprias socieda-des de Jane Austen como anossa.”

O que encanta a professo-ra nos livros de Austen é que,a cada leitura, ela consegueobservar novos detalhes, oque gera, automaticamente,novas analogias. “Os sobreno-mes dos personagens são ex-tremamente simbólicos, cadaum com um significado. Nãotenho como entrar na cabeçadela para saber o que real-mente ela quis passar, massinto que ela foi deixando di-cas para a gente compreen-der a sua obra.” Adriana citao sobrenome Mansfield, do li-vro Mansfield Park. “Vendoum programa sobre a escravi-dão na Inglaterra, descubroque um Lord Mansfield foium dos pioneiros em julgarcasos de libertação dos escra-vos, dando a causa a favor de-les. E isso foi na época queela viveu e escreveu asobras.” A professora é tão fãque decidiu visitar a casa on-de Jane Austen viveu seus últi-mos anos na Inglaterra, no vi-larejo de Chawton. “É o quetoda fã sempre sonhou.”

Jane Austen, influente após 200 anos

SAIBA MAIS

Domínio público da obrapossibilitou série satírica

que funde históriasoriginais com elementos de

terror, como Orgulho ePreconceito e Zumbis

Maria Clara Biajoli tem projeto de doutorado sobre a escritora

A atriz Kate Winslet em cena dolonga Razão & Sensibilidade

Jane Austen nasceu em 16 dedezembro de 1775, em Steventon, naInglaterra. De uma família pertencenteà burguesia agrária, sua situação eambiente serviram de contexto paratodas as suas obras, cujo tema giraem torno do casamento daprotagonista. A inocência dos livros deAusten é apenas aparente, pois éinterpretada de várias maneiras porespecialistas. Os meios acadêmicos atêm considerado uma escritoraconservadora, apesar de a críticafeminista atual reconhecer em suasobras uma dramatização dopensamento sobre a educação damulher. A escritora morreu no ano de1817, aos 41 anos. (FT/AAN)

Divulgação

A professora Adriana Zardini, autora do blog Jane Austen Brasil, junto a placa que indica museu dedicado à escritora, em Bath, Inglaterra

Anne Hathaway no papel de Jane Austen no filme Amor & Inocência (2007), exemplar da safra cinematográfica inspirada na autora

Participantes de encontro nacional sobre Jane Austen

Autora ainda inspirousérie satírica de terrore tese de doutorado

C6 CORREIO POPULAR CADERNO CCampinas, domingo, 17 de março de 2013

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