in media res
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In media res Mrmito
Lembro-me disto das aulas de português no secundário. A história começava a meio e tínhamos de
olhar para trás enquanto andávamos para a frente. Havia a sensação de se chegar a meio de uma
cena de tal forma que não ia dar para sair. Tinha mesmo de se encontrar o sentido apanhando as
pontas soltas à passagem.
O que é que isto tem a ver com o trabalho fotográfico? A questão é parecida. Chegamos com uma
ideia que temos de desenvolver, e tem de ser suficientemente nossa para que a queiramos trabalhar
por muito tempo e suficientemente comunicável para que tenha um sentido e um espaço lá fora.
Sempre me intrigou a questão da identidade na forma como as pessoas se relacionam consigo mesmas. Mais do que a questão social, é a relação pessoal de si para si que me interessa, esse espaço tão difícil de fechar num discurso formal, tão fragmentário e, no entanto, tão essencial ao nosso viver. O espaço de relação que cada um desenvolve consigo mesmo marca a relação com a “sociedade”.
Num espaço social que apenas considera o indivíduo como consumidor, essa relação de criação
consigo fascina-me. É sobre essa busca que versa o meu trabalho.
Como é que nos orientamos em nós mesmos através de todo o estímulo que nos rodeia? Que
identidade pode ser pensada quando o espaço deixado ao pensamento é tão encurtado pelos
constantes estímulos nervosos em que a cultura ocidental nos envolve?
Num espaço de reflexão estilhaçado pela insistência dos estímulos numa velocidade cada vez maior,
a fotografia tem sido uma coleção de pequenos reflexos, de fragmentos de percurso que vão
permitindo uma articulação a posteriori, uma integração de todo o diverso de impressões, para a
construção e reconstrução de um mapa identitário.
Procuro, no meu trabalho, deixar aberto um espaço de questionamento sobre o que somos, realmente, de como definimos fronteiras e de como essas fronteiras estão, por vezes, apenas na nossa definição. É um espaço de partilha entre o fotográfico e o poético, dependente da forma como é olhado e do tempo que se dá a esse olhar, na origem e na observação.
somarésiuQ radum
o oditnes sad sasioc
Instalação sonora em cabine telefónica, integrada na exposição
A Bolha Invisível
Pelo Coletivo Le Journal de la Maison
Para as Tangenciais Experimenta Design 2011
Exposta na esplanada da Fábrica de Braço de Prata entre Setembro e Novembro de 2011
somarésiuQ radum o omur sad sasioc
Com todo o peso que temos, como é que uma bolha flutua?
Onde vai parar o peso do corpo, o peso dos gestos, o peso dos hábitos?
A bolha invisível como império inimputável: do mais simples dos gestos, de antes da nossa intenção.
A relação entre o que, no gesto, constrói e a nossa inconsciência disso.
Uma ideia como algo que está sempre por aí mas nunca se ouve bem. Tentamos parar, tentamos ouvir, formulá-la melhor, mas há sempre ruído em volta, sempre outras coisas por fazer, sempre…
Talvez nem valha a pena. E no entanto ela continua lá, praticamente inaudível, é certo, mas lá. Não é o barulho de fundo das aplicações eletrónicas, mas quase. É quase isso, mas esta procura-se. É…
Depois, império. A cena que expande. A matéria negra. A cena que come. Como quem encena dorme e não enxerga o que se levanta. A lata deixada aberta depois de comer, como as moscas lhe invadem o espírito e comem, e sim, há uma paz que é uma guerra, porque aparentemente. Já. Parecem distâncias, quando olhas melhor, os olhos também param, ou dizem: já vi, dizem pois sim, dizem que sinto, que pronto, já está.
Não se descrevem palavras. Não dá. Mas passamos a vida a tentá-lo. Escreverem-se dúvidas, se calhar. Por abre-latas. Talvez nem valha a pena escrever certeza ou com maiúsculas ou verter verdades por vaidade. Soma: gestos simples em tempo entendível.
Como descrever Império. Passar a escrita inteira a tentar. Uma história que não é uma história, no fundo, porque não tem buracos. Não faz pensar. Uma lata de conserva. Um cão a vigiar o portão onde no fundo, apenas quer mijar.
Cabeleireiro. Estádio. Supermercado. A senhora parada enformando o cabelo e o cão nervoso, à porta, a atentar na cadela que mija na árvore. Os cães a revistar adeptos na entrada para o estádio, diligentemente, a senhora na fila do peixe. O cesto das compras. O atum e o pente do cão. Lá fora, na árvore, indecentemente…Um tempo de espera ou um tempo de cão. E o som da lata a abrir, duplo, o estalo e o rasgo, o escorrer do óleo e as moscas entrando na cena por magicação e o zumbido daquilo que me lembra o cão, à entrada, e a dona aprumada e as moscas… ela não repara, tem perfume, mas o cão não percebe de impérios e a escrita das patas é desajeitada e por dentro da trela ele só ladra, não corre.
Um castelo a visitar fantasmas e o tempo dos instantes segue, lá em baixo, por reflexo ou imaginação. As mãos feitas de cabeça a fazer sombra de percursos, as constelações repetidas, o desenho decalcado. As latas todas iguais. Conserva. Ligação com nada em tudo. Nem distinção. Isso. Acho que isso: Império da não distinção imensa, e separadamente, um mapa que conquista tudo.
Correr por sobre o ar quando se expira. Equilibrismo por medida: existir. Talvez. A cena da obsessão. O cão outra vez. A perseguir a cauda. A loja dos perfumes, intensidade tanta coisa misturada… O óleo da lata talvez consiga reconverter-se. Talvez perfume a cena com a nossa passagem por lá. A dona não nota e o mijo do cão entretém-se com as moscas.
Convém descrever: a vida do avesso. O império conserva. O mapa desfere outros mapas na ferida, o cão segue de guarda e os uivos dos lobos convidam, na televisão. Há uma imagem da faca na mão mas não corta a bandeira. E o carrossel sempre fervilha nos extremos. A fórmula é simples: ouvir cantar. O tom a olear fantasmas.
Versos do cinema:
O herói sentiu claustrofobia por sair demais da cena.
A senhora ficou indignada com o cão. E as moscas:
As sombras na tela. O enorme de um raide ocorrer por sobre-projeção.
Depois, um ruído de fundo tipo insecticídio.
A lata de spray.
A vida do avesso: Procura-se dentro.
E barcos. barcos bolha, como num desfile virgem, presos por anseio, por memória. Por vaidade. O cão tosquiado e o osso de plástico vitaminado. Remar por ansiar o toque.
Ou uma paz estrangeira ao pensamento, somando em respirando; não poder dizer-se nada. Ou apenas o sentir dos gestos na confirmação do tempo. Sem sal nas articulações.
E de repente não haver procurar norte, nem partes melhores nem destinos com sorte; não haver pão com mijo nem moscas rondando as feridas no mapa; nem facas abrindo estúpidos sulcos de sombra para o sangue. Calarem-se os monstros por resignação. A procissão dispersou, corpo por corpo. O cão mijou na própria trela e o cabeleireiro fechou.
É tarde. Corro, talvez nervosamente, entre o zumbido branco das aplicações. Corro. As montras fechadas. Corro à procura de tempo. Corro ligar-te e dizer-te que esperes e corras, também. Corro, e amplamente, o silêncio vai surgindo entre subúrbios. Parece que a cena expande novamente. Espanta. Primeiro a pulsação parece um eco: já cá esteve, ainda foi nossa antes do espelho. Primeiro. Depois amplia-nos. Depois sabemos que conquista, sim, que é dentro do sangue que o tempo fervilha.
Há-de haver sempre alguém que tente plantar latas, ter medidas, certas como sombras, sempre naquele ruído estúpido do frigorífico ou da televisão. E um mapa feito faca a fazer sombra, a fazer peso sobre o que é próprio dos gestos…
Há-de haver sempre quem viva em conserva, quem sempre se admire com a face lustrosa dos acabamentos, com a forma como a forma permanece, por medida. Sempre assim, acorrendo ao seu próprio grito com mordaças, com fórmulas prontas, com horas marcadas só para aproveitar o tempo.
Corro. Corro ligar-te, dizer sentir liga, apesar do cansaço, soprar-te este tempo na ponte dos dedos, rasgar as facas aos gestos, somar constelações por desmesura, e contar tudo:
Um.
Gravado na Academia de Artes de Lisboa,
Mrmito: Texto e voz
Gonçalo Kotowicz: Guitarra
Ricardo Ribeiro: Clarinete
Agradecimento especial a Pedro Limpo Rodrigues e a Rui Guerr
O tempo no imediato
O Tempo no Imediato
Imagine o seu trajecto diário para casa, Aquela cena sempre igual… quantas vezes se
lembra de ter olhado esse percurso? Ah, os caminhos sabidos de cor!
O tempo imediatamente após sair e até entrar…
O Tempo no Imediato
É uma questão visual, é o tempo e os espaços em que seguimos entre dois pontos e não
olhamos em volta; o piloto automático. É um desafio a tudo o que entra em cena, de imediato,
quando pensamos mais chegar do que caminho. E um apelo à atenção visual.
Escolhi a Freguesia de Benfica, onde vivo, por ser o meu espaço e tempo imediatos por
excelência. Porque é a distância toda da proximidade.
O Tempo no Imediato
Um amigo brasileiro falou-me um dia de um poema de outro amigo*
“A Poesia não compra sapatos,
Mas como andar sem poesia??”
Saí à rua, imediatamente. Andei, vi e fotografei o tempo todo, até chegar a casa e reparar que os
disparos tinham derrubado todas as referências automáticas.
De repente, um espaço tão óbvio tornou-se uma coisa imensa, e eu perdi forma de encontrar-lhe um
nexo. Andei por todo o lado, recolhi impressões de tudo, e no fim, não sobrou nada, só instantes
afectivos que pareciam dizer Benfica só porque lá estava.
Até olhar os sapatos descalços na varanda e lembrar o poema outra vez, pequeno e enorme, e começar
a ver a freguesia em tudo à minha volta. E aquele eco das botas do camponês na tela de Van Gogh. A
rua, o pão, a roupa, a fruta, tornaram-se a sensação de a casa ser a soma dos percursos que trazemos.
Tudo ressurgido imediatamente ali, até ficar apenas isso, a rua de trás, com aquela sensação de barreira
que as árvores impõem entre o ruído da rua e o resguardo calmo da casa, e o espaço exterior a ressurgir
desse tempo maior, lá dentro.
O Tempo no Imediato
A poesia de andarmos atentos. E se até já sabemos o caminho de cor, porque não apreciar a paisagem?*Emmanuel Marinho
O tempo no imediato
2009
Série de 15 imagens
Mancha de impressão de 18x24cm em papel A3+ - jacto de tinta sobre papel Fine Art
In Between
Entre qualquer coisa e uma coisa qualquer.
Isto começou na procura de sentido para o excesso de informação à nossa volta. Por considerar a
poluição visual nos sítios onde vivo e passo, vendo-a como um elemento exterior que nos agride.
No entanto, o tempo passou e fui-me dando conta que essa fronteira não é tão explícita assim – às
tantas, vamos integrando tudo e deixa de haver excesso. Apenas mais informação entrando mais
rapidamente, constantemente. Dentro como fora.
À distância, pareciam camadas chegando de tempos diferentes a ritmos diferentes, pedindo
respostas diferentes. No entanto, a experiência não é um pensamento distante, é uma vivência
imediata que integra tudo e responde, momento a momento. Embalados ou contrariados por este
assombro visual, vivemos lá todos, absorvendo tudo e respondendo tudo, mesmo quando não
queremos.
Pensei nisto, mais do que escolher, propus-me mesclar. A fotografia é um jogo de espelhos e
reflexos, uma máquina de mistura instantânea. Como tal, é o instrumento indicado. Não é o bisturi
analítico do pensador racional, frio e preciso, isso não é aqui. É mais como a trituradora, uma
moulinex visceral intuitiva, juntando os planos que o bisturi separou.
Assim, a resposta pomposa e distante para a poluição visual passa a exercício estético de descoberta
da forma como esta se integra e organiza no seu jogo de reflexos connosco e vê os seus limites
transpostos, abrindo de um trabalho concreto e limitado, para um processo contínuo, um work in
progress, do qual sai agora esta apresentação.
In Between
2010
Seleção de nove imagens criada para apresentação online no ciclo de exposições virtuais do coletivo
Le Journal de la Maison, dedicado ao tema Fronteiras.
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