história da publicidade e da comunicação institucional - marcelo ribaric
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PUBLICIDADE AUDIOVISUAL E CINEMA: A arte publicitária do
entretenimento1
RIBARIC, Marcelo Eduardo (Mestre)2 Universidade Tuiuti do Paraná - UNIBRASIL/Paraná
Resumo: Desde os primórdios do cinema, o filme publicitário estava presente, sendo parte fundamental no desenvolvimento do espetáculo cinematográfico. Filmes comerciais e publicidade fílmica se assemelhavam tanto na produção quanto nos seus conteúdos, adotando uma forma narrativa análoga, trabalhando o tempo de forma a prender a atenção do espectador. Isto foi possível dado ao fato de que ambos refletiam o cotidiano que, como afirmava Walter Benjamin, é a realidade vivida pelo homem com a qual o cinema mantém uma relação indissolúvel. Esta comunicação é uma parte da pesquisa de doutorado, onde buscamos entrelaçar os conceitos do cinema, da publicidade e do entretenimento como campos de conhecimentos dependentes e abertos e, mesmo partindo de princípios distintos, tais como narrar uma história, distrair, provocar uma satisfação pessoal ou estimular o consumo de um produto/serviço/idéia, mostrando que seus objetivos e modos de produção convergiam desde o surgimento das primeiras imagens em movimento, para uma única forma percepção por parte do espectador
Palavras chave: cinema; publicidade; entretenimento; hibridização, cultura.
Introdução
Se as empresas usavam do meio filme como um recurso para a publicidade, por
sua vez também os produtores de filmes se utilizavam da publicidade como um recurso
para construir suas histórias.
Durante a era pré-nickelodeon3, os filmes eram curtos e não possuiam um alto
grau de coerência interna. Os produtores dependiam então dos exibidores que, usando
de palestrantes ou de diálogo acompanhado para fornecer as informações que faltavam
aos filmes. Cineastas escolhiam imagens, temas e histórias familiares para o público,
1 Trabalho apresentado no GT de História da Publicidade e da Comunicação Institucional integrante do
9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Professor pesquisador na UNIBRASIL de Curitiba, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo,
Doutorando em Comunicação e Linguagem – Linha de Pesquisa de Estudos em Cinema pela Universidade Tuiutí do Paraná, Publicitário e documentarista.
3 Nickelodeons salas de cinema do início do século XX que exibiam sessões contínuas de filmes cuja duração variava entre os quinze e os vinte minutos a o preço único de 5 centavos.
como o ready-made de campanhas publicitárias conhecidas.
Thomas Edison no seu filme The Great Train Robbery, dirigido por Edwin S.
Porte em 1903, baseou sua famosa imagem de um ladrão disparando sua pistola
diretamente para o público no cartaz de Sam Hoke " Highwayman” para limpador de pó
da Gold Dust . Este tiro intensificou a reação do público, associando o filme com uma
imagem publicitária que era controversa por seu suposto poder de hipnotizar quem a
olhasse por muito tempo.
No filme Romance dos trilhos (Romance of the Rail)de 1904, Edison se
apropriou de uma campanha popular de publicidade feita para estrada de Ferro
Lackawanna criada pelo famoso redator publicitário Earnest Elmo Calkins. A ferrovia
procurava diferenciar seu serviço de transporte de passageiros, usando o slogan "queima
limpa", pois suas locomotivas à vapor utilizavam o carvão de antracite, enquanto o
serviço dos concorrentes usavam carvão betuminoso que produzia uma grandes nuvens
de fuligem que se agarravam na roupa dos passageiros. Para personificar a distinção,
Calkins criou a personagem Phoebe Snow, cujo vestido e chapéu brancos permaneciam
impecáveis ao longo de suas muitas viagens pela estrada de Ferro de Lackawanna,
apelidada de "Estrada de antracite". Klenotic (2005) conta que no filme Romance dos
trilhos, Snow e um novo personagem se apaixonam e se casam no percurso de uma
viagem única. A marca da Lackawanna aparece com destaque na sala do pretendente e
nos vagões baú. No final do filme, dois vagabundos rastejam debaixo de um vagão do
trem e repelem um camareiro que tenta escovar suas roupas, um gesto desnecessário na
"Estrada de antracite".
Esta pratica publicitária, que produzia uma simbiose entre um filme de
entretenimento e uma campanha publicitária, na contemporaneidade é denominada por
advertainment ou branded content.
As empresas de cinematográficas também se utilizavam da publicidade para
obter novas idéias sobre como comercializar o filme em si. Os primeiros exibidores
mostravam continuamente programações de curta metragens, muitas vezes, trocados
diariamente e mas tinham pouco conhecimento prévio sobre as datas e os conteúdo dos
lançamento de novos filmes. Isso dificultava anunciar filmes individuais. No entanto,
com o desenvolvimento de um sistema de distribuição confiável, exibidores recebiam
mais informações sobre os lançamentos e os produtores do filme começaram a
diferenciar suas marcas, fornecendo cartazes litografados e outros materiais para
promover as marcas de suas empresas e anunciar títulos de filmes.
Os produtores de filmes contratavam agências de publicidade para desenvolver
campanhas de marketing organizadas. Cartazes de cinema tornaram-se altamente
artísticos, como muito da publicidade em geral, porque as agências acreditavam que a
beleza e o estilo estimulava o interesse visual e o desejo do consumidor. O gênero do
filme, o espetáculo e o Star System (sistema de estrelas) tornaram-se cada vez mais
importantes como elementos vinculados a outros produtos como por exemplo marcas de
roupas.
A principal fonte de renda dos exibidores, no início do cinema, eram slides
projetados, por meio de lanternas mágicas, usados para exibir mensagens publicitárias
de uma grande variedade de bens e serviços.Eles eram usados para construir a marca
dos estúdios, gerar expectativa para os próximos lançamentos e promover as estrelas.
Em 1915, surge um novo tipo de publicidade, o trailer do filme, desenvolvido
para ajudar a estimular e controlar a demanda por filmes individuais que cada vez mais
podiam ser concebidos e produzidos pensando no seu potencial publicitário.
Com sua emergência como uma nova forma de comunicação de massa e prática
de cinematográfica, as imagens em movimento foram percebidas como um meio
dinâmico para a publicidade e a promoção. Fabricantes de filme cultivaram o mercado
da publicidade, criando filmes de relatos de viagem, filmes industriais e outros tipos de
curtas-metragens para estimular a demanda por bens de consumo e serviços e promover
marcas, produtos e empresas, ao mesmo filmes eram percebidos pela audiência como
produtos de entretenimento que se mesclavam com as outras produções fílmicas.
Mesmo que a idéia de usar imagens em movimento para a publicidade não fosse
totalmente nova. Ela se ampliou e sintetizou formas existentes de publicidade e práticas
de tela. Por mais de uma década antes do desenvolvimento do cinema, os anunciantes
personalizavam e animavam um mundo de objetos anônimos produzidos em massa,
dando vida e movimento a commodities, inserindo suas marcas comerciais nas imagens
efêmeras e narrativas fugazes de flipbooks e mutoscópios.
O mutoscópio segue o mesmo princípio do flipbook, contendo uma seqüência de
fotografias, mas estas estão colocadas ao longo do perímetro de um tambor. Ao fazer
rodar este tambor, os cartões fotográficos sucedem-se permitindo a ilusão de
movimento. ele não necessitava de uma fonte de iluminação e os espectadores
controlavam o ritmo ao rodar a manivela, podendo, inclusive, rodar no sentido inverso
vendo a história ao contrário.
Quando as projeção cinematográfica foram lançadas e os filmes capturavam
imagens comerciais e paisagem de diversões, os anunciantes estavam lá. Disputando a
atenção de espectadores, os filmes publicitários eram projetados como parte do cinema
de atrações, atingindo um público pagantes e relativamente imobilizado que
provávelmente não iria desviar sua atenção. Este aspecto "cativo" do público de cinema
tem intrigado os anunciantes desde então.
Os filmes publicitários se tornaram um fenômeno internacional. Na Grã-
Bretanha, o especialista em animação, Arthur Melbourne Cooper, foi contratado em
1897 pela alimento em pó Bird’s Custard para fazer um filme baseado em um dos
cartazes de publicidade da empresa. Algumas empresas adquiriam equipamentos para
fazer seus próprios filmes publicitários, como quando Nestlé e Lever Bros., em
conjunto, produziram o concurso The Sunlight Soap (1897) entre outras propagandas.
Cineasta francês Felix Mesguich criou os "cartazes de animação" em 1898, que
eram projetados em um outdoor a céu aberto no terceiro andar de um prédio de
Montmartre, em Paris. Georges Méliès foi um produtor de filmes publicitários
inovadores. Estes foram, por vezes, mostrado numa tela acima da entrada do Théâtre
Robert-Houdin. Entre seus clients estavam a mostarda Bornibus, o chocolate Menier, os
chapéus Delion, o whisky Dewar, os espartilhos Mystère, a cerveja Orbec, a cera Veuve
Brunot, e a loção capilar restauradora Xour.
Nos EUA, em 1897, a Sociedade Internacional de Cinema contratou Edwin
S.Porter para projetar uma mistura de filmes de publicidade (Haig uísque, cerveja Pabst,
chocolate Maillard do) entre assuntos de atualidades, em um show ao ar livre em Nova
York. Quando Porter projetou os filmes em uma grande tela no topo do edifício Pepper
na 34th Street e Broadway, supostamente teria sido encarregado de criar uma
perturbação da ordem pública ao incitar a multidão de pedestres nas calçadas abaixo.
Embora o número de filmes publicitários fossem uma considerável percentagem
da produção total do filmes, ela atingiu seu pico entre 1896 e 1900, esses filmes foram
produzidos durante todo o período do primeiro cinema e indo para além.
Os esforços na Alemanha de Julius Pinschewer, na década de 1910, foram
especialmente significativos. Ele encomendou e distribuiu internacionalmente filmes
publicitários feitos por artistas de animação da avant garde como Lotte Reininger,
Walter Ruttmann e Guido Seeber. Outra tendência na década de 1910 foi a produção de
filmes de ficção que escondia sua intenção de publicidade dentro de uma narrativa
divertida. Assim, a solução dramática do filme “O amigo do estenógrafo” de Thomas
Edison (1910) era articulada sobre a eficácia do fonógrafo de negócios da empresa,
enquanto a dona de casa atormentada em “O pote de família”, de 1913, resolvia a
indigestão crônica de seu marido, oferecendo-lhe o bacon Beech-Nut da "Pure Food".
Um exibidor reconheceu a intenção publicitária por trás do filme “A terra de Chew
Chew”de 1910, queixou-se ao jornal da industria cinematográfica Moving Picture World
que era injusto "tratar como diversões e educação uma imagem enfeitada com marcas de
fabricantes de mercadorias que se deseja anunciar."
Embora ninguém sabia se os filmes publicitários estimulavam a demanda,
tampouco ninguém podia afirmar com certeza que não o fizesse. Assim os anunciantes
continuavam a usar os filmes como meio publicitário. Na década de 1910,
patrocinadores estavam dispostos a pagar cerca de US $5.000. Mesmo sendo um preço
muito elevado para a época, o valor compensava para os anunciante, estima-se que um
desses filme, distribuído nos cinemas dos EUA durante sete meses, chegava a ser visto
por 15 a 25 milhões de pessoas.
Cinema como entretenimento e publicidade
Enquanto alguns filmes eram produzidos pensando diretamente nos
espectadores, muitos outros tomaram uma abordagem indireta. Servindo como objeto
para patrocínio de empresas e outras organizações. Empresas de transporte, a indústria
pesada, militares e câmaras de comércio subsidiavam os custos de produção do filmes
para que sutilmente promovessem seus interesses e os nomes de suas marcas. Entre
1896 e 1900, quase a metade de todos os filmes de do Estudio Black Maria, de Edison,
eram financiados desta forma.
Estes filmes apresentados pelos exibidores como entretenimento, eram filmes de
viagem emocionantes e educativos oferecendo vislumbres da vida em lugares distantes
e, às vezes exóticos que estavam cada vez mais abertos aos turistas por via férrea ou por
navios à vapor. Filmes militares retratavam o cotidiano de soldados e marinheiros, e
proporcionava vistas privilegiadas do campo de batalha, assim, visualmente pontuando
os esforços de recrutamento. Um filme industrial demonstrando a produção de vinho na
Califórnia educava o consumidor, promovendo a indústria do vinho, e também a
operadora de turismo West Coast tourism. Outros filmes empresariais apresentavam
uma visão atraente de produção de vinho, um processo seguro, limpo e bem organizado.
Além de seus apelos encobertos, os patrocínios de filmes foram usados por
equipes de vendas para fazer lançamentos mais direto e específicos, como quando
clientes em potencial foram tratados com uma “seleção de premeeting” do filme de um
patrocinador em um teatro local. Com o desenvolvimento de ações de filme de
segurança em torno de 1908, agentes de vendas podiam até usar projetores portáteis
para visualizar filmes em seus escritórios ou levar filmes para Reuniões de estrada.
Por volta dos anos de 1915 a 1920, marcas americanas de anunciantes
descobriram o “efeito halo” produzido pela vinculação a produtos de consumo, tais
como sabão ou automóveis, com os nomes e a semelhanças de estrelas de cinema como
Clara Bow, Gloria Swanson e Jackie Coogan. Esta estratégia tem sido, geralmente,
considerada como parte da emergência da celebridade na sociedade de massas. No
entanto, este fenômeno pode ser abordado sob o ponto de vista da publicidade em vez
da celebridade, olhando para o produto de consumo de maneira tie-ups4, com as duas,
estrelas e filmes evoluindo a partir de práticas de exploração do entretenimento de
massa, prática esta que remete ao circo.
Segundo Jane Gaines (1990), “entre1896 e1927 o negócio do cinema teve a sua
própria maneira de distinguir entre a publicidade, divulgação e exploração, e para os
historiadores o rearranjo destas funções fornece ainda uma outra maneira de ler a
expansão do controle de mercado na indústria”. Desde a invenção do cinema em 1896
até por volta de 1907, o período da Casa de shows e do Nickelodeon, a promoção era
nada além de banners, panfletos, e o piano mecânico que atraia o transeunte na rua.
Durante este período de trabalho independente de agências, que durou até 1915, o uso
de estratagemas, iscas, e cenas encenadas, assim como cartazes e folhetos impressos era
sempre referenciado como "publicidade" ou "divulgação". Esses termos continuaram a
funcionar indistintamente para se referir ao esforço promocional de qualquer tipo de
tarefas envolvidas na campanha e começaram a mudar e a se especializar, "publicidade" 4 Tie-up, tie-in ou product placement sào termos que designam a colocação de um produto ou marca em
uma produção de entretenimento.
passou a se referir ao trabalho de colocar para fora os anúncios de exibição e cópia da
escrita para promoção paga em jornais e revistas e "divulgação" tornou-se o trabalho do
agente de imprensa, que "agarrava" o espaço em vez de pagar por ele. Segundo Eppes
Sargent (1931) definiu, "exploração" inclui todas as formas de promoção, mas,
geralmente, o termo era usado no início deste período para se referir a acrobacias na
frentes das casas de espetáculos, além dos panfletos e jornais. "Exploração" e
"exploiteer" surgiram como termos do setor, com a criação de um departamento de
exploração da Paramount nos anos 1915 a 1920. Neste momento, coincidente com a
construção dos palácios de cinema, exploração incluía a exibição nas ante-salas das
casas, o dublê de rua5, e os produtos cooperados tie-up. Ao final dos anos 1930, no
entanto, a exploração passou a significar a cooperação comercial quase que
exclusivamente, e o dublê de rua em suas formas amplas e cacofônicas tinha
desaparecido.
A arte do entretenimento
Desde o princípio, os Estados Unidos aclamaram o cinema como um meio
independente das tradição artísticas, afastado da cultura européia. Glaber (1999), afirma
que o meio foi recebido entusiasticamente desde o pré-cinema pela sua aptidão de
excluir os “guardiões da cultura”, oferecendo uma possibilidade de afastamento da
noção de cultura destinada ao deleite das elites. “Enquanto na Europa os filmes
atenderam de imediato ao gosto da classe média como maravilha tecnológica, aqui eles
atenderam ao gosto da classe operária como arma cultural” (Glaber 1999, p.51).
Se a arte falava aos níveis mais altos de cultura dando como certo que as coisas
boas eram coisas sérias, o entretenimento dirigia sensações de alegria e prazer para o
maior número possível de pessoas das classes mais populares. Máquina de diversão,
passeio de emoção, passeio de alegria, passeio selvagem, montanha-russa são clichês
superlativos dos filmes.
Jose Ortega y Gasset já lamentava na década de 1920:
A nota característica de nossos tempos, uma triste verdade, é que a alma medíocre, a mente rasteira, sabendo-se medíocre, tem o descaramento de reivindicar seu direito à mediocridade e sai por aí se impondo onde consegue (2002 p. 48)
5 Dublê de rua era um artista performático que se vestia como os personagens de filmes e andava pelas
proximidades dos cinemas para divulgar os filmes.
No século XIX, a ideia de entretenimento passa a ser vista de forma negativa se
opondo às definições da arte. Para Gabler (apud Márcio Serelle 2012, p.p. 47-62. ), de
acordo com os “elitistas”, a arte proporciona o ekstasis, palavra grega que significa
“deslocamento”, “movimento para fora”, enquanto o entretenimento, do latim inter
tenere, nos confina em nós mesmos, submergindo-nos e negando-nos perspectivas por
meio de um efeito narcotizante, o entretenimento entorpece a mente e fala ao corpo.
Neste ponto de vista, a arte trata cada receptor como um indivíduo, com respostas
únicas a cada interação; o entretenimento lida com a audiência como se fosse uma
massa disforme.
Sociedade francesa na belle epoque e o filme publicitário.
La modernité, c'est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié de l'art dont l'autre moitié est l'éternel et l'immuable. (Charles Baudelaire )6
Walter Benjamin, em sua obra “Paris, Capital do Século XIX”, analisa a
transição pela qual passou a sociedade européia. Usando como objeto desta sua análise a
cidade de Paris e as novas experiências por ela produzidas.
Um novo estilo de vida emergiu a partir do surgimento dos grandes centros
urbanos modernos e Paris era a cidade que melhor representava essas mudanças, com
todas suas complexidades e contradições, fazendo surgir novos intérpretes da vida
urbana.
Paris, começou a despontar culturalmente a partir da 1880, nem os aparentes
escândalos vividos pelo poder abalaram a burguesia que procurava os prazeres da vida.
É durante esse período a França se torna uma sociedade moderna, consolidando uma
imprensa de massa, uma literatura dirigida ao povo, fazendo surgir a cultura do
entretenimento.
A Belle Époque pode ser considerada como o “abrir os olhos” para as esperanças
e decepções que explodirão nos tempos modernos (ORTIZ, 2001, p. 54).
O alto desenvolvimento do país, produziu uma sociedade que buscava
6 Charles Baudelaire, Le peintre de la vie moderne (1863), in Critique d'art, Paris, Gallimard, 1992, p.355.
ansiosamente pelo entretenimento.
Tudo o que era vivido se transformou em uma representação, em um espetáculo,
em uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens. O espetáculo era, então, a
reprodução do não-vivido, do sonho, uma projeção daquilo que o povo necessitava.
Enquanto as indústrias produziam um desenvolvimento econômico, a especutalização
da vida e do que era vivido produzia um desenvolvimento daquilo que o ser humano
necessitava para o seu prazer e deleite. As pessoas se tornaram espectadores que
contemplavam os acontecimentos, enquanto projetava-se nas imagens oferecidas. Pode-
se dizer que, na sociedade, o espetáculo correspondia a uma fabricação concreta de
alienação (DEBORD, 1997, p. 13-15).
A valorização do espetáculo, da arte e da vida de prazeres e riquezas tornaram-se
as características da sociedade francesa na Belle Époque. A França refletia uma força
acima de qualquer outro país quando se tratava de arte.
As vanguardas artísticas também visavam a espetacularização, artistas plásticos
e pintores buscavam inspiração no espetáculo cotidiano, emprestando seu talento para a
publicidade que, não mais vai visava apenas a sua função mercantil mas também era
parte do espetáculo da modernidade na qual, arte, publicidade e entretenimento se
mesclavam, criando novas formas de ver e viver o mundo. Artistas reconhecidos como
Toulouse-Lautrec, Jules Chéret e Alphonse Mucha se destacando com seus cartazes para
casas de shows, exposições, bebidas etc. E foi por intermédio das peças publicitárias
destes artistas que podemos conhecer hoje os lados não excluídos da vida parisiense da
Belle Époque, como por exemplo, o interior do Moulin Rouge, os hábitos de consumo
de produtos, os desejos, necessidades e a própria aparência do cotidiano e das pessoas.
A Paris de Georges Méliès
Falar sobre cinema, entretenimento, publicidade e a belle epóque é
obrigatoriamente ter que falar sobre Marie Georges Jean Méliès, ou simplesmente
Georges Méliès, o “pai do cinema espetáculo”, como é conhecido, que, ao sair da
histórica exibição cinematográfica dos irmãos Lumierè em 28 de dezembro de 1895,
maravilhado com o espetáculo afirma;
O cinema, que maravilhoso veículo de propaganda para a venda de produtos de todas as espécies. Bastaria encontrar uma idéia original para atrair a atenção do
público e, no meio do filme, se passaria o nome do produto escolhido7. (MÉLIES in MATTELART, A., 1991)
Ele foi, provavelmente, o primeiro cineasta a pensar na publicidade no seu
formato cinematográfico com a obra Dfense d'afficher, rodado em março de 1896 para
divulgar um de seus espetáculos e exibido em uma tela do lado externo do teatro
Houdini.
De acordo com Thierry Lefebvre (1982, p.24) Méliès nunca escondeu seu
interesse pela publicidade. Aos 20 anos, a lei de 29 de julho de 1881 que liberou os
displays de rua, foi o evento que mais o impactou, preferindo-o a liberdade de imprensa.
A partir desta data, exibir, seja comercial ou não, era um direito. Alain Weill (1982)
afirma que "os muros das cidades foram invadidos pelos cartazes publicitários e os
locais de maior visibilidade eram negociados o preço do ouro em 1884”8.
Méliès produziu vários filmes publicitário e usou a publicidade de diversas
formas em seus filmes, como o patrocínio e as diversas formas de product placement,
como nos filmes Les Affiches en Goguette , com vários produtos sendo divulgados ou Barbe
Bleue, onde a marca de champagne Mercier, mostrando uma garrafa gigantesca, foi
introduzida durante uma das cenas da história.
Sociedade norte-americana do século xix e o filme publicitário.
Stephen Fox (1997) conta que durante a primeira metade do século XIX, a
natureza do mercado empresarial americano começou a mudar de forma dramática. No
século anterior, o constante crescimento da indústria e a formulação de uma economia
de mercado - alimentada pelo trabalho assalariado, em vez do tradicional sistema de
aprendizagem-, bem como a formulação de normas do sistema bancário criou a base
para uma economia capitalista moderna. Em uma paisagem cada vez mais
industrializada e urbanizada, nasce, em torno de 1840, o conceito da moderna
publicidade, emergindo da sociedade americana.
Predominantemente sedutor para as mulheres, que eram vistas como o alicerce
das famílias americanas e, portanto, mais propensas a fazer uso de bens de consumo, as
empresas começaram a anunciar em jornais, folhetos e outdoors. Esta nova forma de
anúncio é construída por fotografia em cartazes nos calçadões, onde os nomes dos
7 A citação de Georges Melies é um epigrafe na introdução do livro de Armand Matellert. 8 Tradução livre da obra de Alain Weill, O cartaz francês, Paris, PUF, 1982, p. 24.
produtos cobrem, literalmente, toda a paisagem urbana.
O hábito de anunciar em jornais era uma tradição da sociedade americana, no
entanto, as técnicas de publicidade e estratégias que se formaram em meio à última
parte do século XIX adquiriram um caráter diferente, como afirma Jackson Lears
(1994). Tradicionalmente, as empresas postavam pequenas avaliação de seus produtos
nas seções de publicidade dos jornais, apenas fornecendo uma lista do que estava
disponível para venda ao público. Os novos anúncios, por outro lado, focavam-se na
criação de slogans exclusivos para que os clientes se lembrassem em uma luz de
otimismo. A Revolução Industrial viu uma série de inovações em tecnologia e
medicina, e essas inovações alimentaram a crescente indústria da publicidade. Produtos
semelhantes começaram a competir entre si.
Por volta de 1880, a propaganda parecia assumir um aspecto de condução
própria e focada na criação de "desejos" e "necessidades" da crescente população de
consumidores. A fim de criar um mercado para determinados itens, empresários
anunciavam seus produtos em linguagem concebida para influenciar compradores
potenciais.
Nesta mesma década os aparatos do pré-cinema encantavam as pessoas com o
vislumbre da modernidade. Empresários e publicitários desde seu surgimento já
percebiam nesses aparatos uma nova e poderosa forma de construir e transmitir
mensagem publicitárias de uma forma mais persuasiva e, como no caso dos
mutoscópios e kinematoscópios, uma maneira de anunciar seus produtos e ainda ser
pago para isso.
As bases do capitalismo e a economia moderna - embora influenciada por
vários fatores - foram em grande parte, fortalecido pela ascensão da propaganda e sua
criação de uma cultura de consumo americano.
Considerações finais
No início deste ensaio partimos do pressuposto que o cinema, o entretenimento e
a publicidade não eram campos autônomos e independentes, mas sim, campos abertos e
que apesar obedecerem a lógicas distintas, como narrar uma história, distrair e provocar
uma satisfação pessoal ou publicizar o consumo de um produto/serviço, mostrando que
apesar da autonomia de seus objetivos e modos de produção, o cinema e a publicidade
fílmica convergiam, desde o surgimento das primeiras imagens em movimento, para
uma única forma percepção por parte da audiência, uma recepção entretenimentista do
meio de comunicação audiovisual.
Em seu ensaio “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”
(1986), Walter Benjamin explica a Belle Époque, período histórico do aparecimento do
cinema e do filme publicitário, por meio de alegorias como a do desaparecimento da
aura dos objetos de arte que passaram a possuir novos sentidos frente a uma
modernidade que surgia, freneticamente, com a contínua circulação de imagens e de
objetos produzidos em série. Nesta modernidade destacada por Benjamin, as populações
urbanas se transformaram em uma nova cultura, uma audiência, uma grande massa
disforme que incorporou o fetiche do consumo e do entretenimento, denominada cultura
de massa que, conforme afirma Jean Yves Mollier, (1998, p.128) “a cultura de massa é
uma formação cultural original, que não tem origem nem na cultura letrada nem na
cultura popular tradicional e que redefine [as práticas culturais em termos de lazer e de
mercado]9”.
Nos primórdios do cinema, filmes comerciais e publicidade fílmica se
assemelhavam tanto na produção quanto no conteúdo dos produtos, adotando uma
forma narrativa análoga, trabalhando o tempo de forma a prender a atenção do
espectador em prejuízo da absorção da narrativa como um todo. As cenas que não
permitiam ao receptor identificá-las ou até mesmo distingui-las. A novidade das
imagens em movimento encantava e fazia com que as narrativas se mesclassem,
adquirindo um novo significado mais sutil e mais digerível às massas.
Charles Baudelaire, que vive e capta profundamente esse momento em que a
modernidade, através do capitalismo industrial e dos fetiches mercadológicos, molda a
vida urbana das grandes cidades e das pessoas, estabelecendo um novo olhar perceptivo,
afirma na época que:
“Esta é uma bela ocasião para estabelecer uma teoria racional e histórica do belo, em oposição à teoria do belo único e absoluto; para mostrar que o belo inevitavelmente sempre tem uma dupla dimensão, embora a impressão que produza seja una [...]. O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, [...] e por um elemento relativo, circunstancial, que será, e quisermos, [...] a época, a moda, a moral, a paixão” (1995, p. 852).
E é nesta possível teoria racional e histórica do belo, citada por Baudelaire, que 9 Paul Bleton, introdução à organização do Colóquio "Cultura de Massa e Texto Para-literário", Universíté de Cergy-Poinloise, 22-24 maio 1996.
este ensaio buscou sua validação histórica, a partir da dualidade do belo constituído
pelas naturezas, narrativa do cinema e persuasiva da publicidade e pela junção de ambas
no entretenimento, por diferentes sociedades durante a Belle Époque.
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