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II Simpósio de Recursos Hídricos do Sul-Sudeste
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HIDROCLIMATOLOGIA DE CHEIAS: EVENTOS EXTREMOS, NÃO-
ESTACIONARIEDADE, PROCESSOS CLIMÁTICOS DE LARGA ESCALA
E UMA PERSPECTIVA PARA SIMULAÇÕES NUM CONTEXTO DE
MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS
Carlos Henrique Ribeiro Lima1 & Upmanu Lall 2
RESUMO --- Neste artigo são identificados os principais eventos de cheia aos reservatórios do sistema hidroelétrico brasileiro. Observa-se que as maiores cheias ocorrem quase que simultaneamente na maior parte dos reservatórios do sul e sudeste. Um aumento no número de eventos extremos ocorre a partir de 1980. Um estudo de caso dos processos climáticos de larga escala associados às maiores cheias ao reservatório Itaipu é apresentado. Os resultados mostram uma grande influência da zona de convergência do Atlântico Sul nos eventos extremos, influência essa que pode ser estendida à grande parte dos reservatórios do sul e sudeste. Anomalias positivas na temperatura da superfície do mar no Pacífico tropical, negativas na temperatura do ar (próximo à superfície) do Atlântico sul e positivas ao longo da costa da Argentina, além do deslocamento oeste do centro de alta pressão do Atlântico sul estão associados às maiores cheias de Itaipu. A tendência positiva observada na magnitude das cheias ao longo dos anos identifica-se com um aumento da temperatura do ar próximo à superfície ao longo da costa da Argentina. Finalmente, discutem-se alguns meios de incorporar informação climática de larga escala em modelos estatísticos de cheias num cenário de mudanças climáticas globais. ABSTRACT --- In this paper we identify the main flood events into the Brazilian system of hydropower reservoirs. We notice that the greatest floods take place almost simultaneously in most reservoirs of the South and Southeast regions. An increase in the number of events is observed after 1980. A case study of the large scale climate processes associated with the biggest floods of Itaipu is presented. The results show a large influence of the South Atlantic convergence zone on the extreme events, influence that can be extended to most reservoirs in the South and Southeast. Positive anomalies of sea surface temperature in the tropical Pacific, negatives in the air temperature close to the surface in the south Atlantic and positives along the Argentinean cost as well as a westward displacement of the high pressure center in the South Atlantic are associated with the biggest Itaipu floods. A positive trend observed in the flood magnitude along the years identifies itself with an increase in the air temperature close to the surface along the Argentinean coast. Finally, we discuss some methods to incorporate large scale climate information into flood statistical models under scenarios of global climate changes.
Palavras-chave: eventos de cheia, processos climáticos de larga escala, tendências temporais.
_______________________ 1) Doutorando. Department of Earth and Environmental Engineering. Columbia University. New York – NY. EUA. e-mail: chr2107@columbia.edu. 2) Professor. Department of Earth and Environmental Engineering. Columbia University. New York – NY. EUA. e-mail: ula2@columbia.edu
II Simpósio de Recursos Hídricos do Sul-Sudeste
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1 – INTRODUÇÃO
Eventos de cheia são fenômenos hidroclimalógicos que tem atraído o interesse de grande
parte da comunidade científica ao longo dos últimos 40 anos. Tais eventos tem um importante papel
no transporte bio-geoquímico e podem apresentar sérios riscos à saúde coletiva, causando inúmeras
doenças, como febre tifóide, cólera, leptospirose, hepatite A, malária, dengue, febre amarela, além
de perdas de vida e grandes danos materiais.
A maior parte dos estudos hidrológicos de cheias tem sido voltado para a análise estatística da
frequência dos eventos extremos de cheias (veja, por exemplo, Stedinger et al., 1992; Loucks e van
Beek, 2005; e referências citadas nesses artigos) a partir do uso de informações locais e regionais de
precipitação e vazão, características físicas da bacia hidrográfica e informação histórica ou paleo-
informação (veja por exemplo, Stedinger e Cohn, 1986). Ademais, pesquisas têm também focado na
operação de reservatórios para controle de cheias e nos impactos econômicos, social e ecológico de
eventos extremos de cheias.
Entretanto, a maior parte dos modelos estatísticos voltados para análise de eventos extremos
de cheia assume estacionariedade da série de vazões, ou seja, os parâmetros do modelo são
invariantes ao longo do tempo, o que não ocorre em bacias hidrográficas que vem sofrendo
profundas alterações físicas, como mudanças no uso do solo devido à urbanização, deflorestação,
mudanças nas práticas de agricultura ou ainda mudanças nas principais forçantes climáticas
responsáveis pelo clima da região. Assim, um grande número de trabalhos recentes tem sido focado
na análise da estacionariedade e tendências temporais de eventos de cheias (aumento do risco de
cheias ao longo dos anos, por exemplo) e os parâmetros associados a modelagem estatística de
extremos (veja, por exemplo, Olsen et al., 1999; Clarke, 2002A; Clarke, 2002B; Milly et al., 2002;
Katz et al., 2002; Kwon et al., 2008), assim como o impacto de variações climáticas globais
interanuais, interdecadais e longas sobre a freqüência de eventos de cheias (Jain e Lall, 2001).
Busca-se aqui complementar as metodologias de estudos de cheias mencionadas
anteriormente a partir de uma perspectiva hidroclimatológica, definida por Hirshboeck (1988) como
o estudo do contexto climático de cheias, ou seja, o entendimento da variação de longo prazo na
frequência, intensidade, duração, localização e sazonalidade de cheias determinada pela interação
de padrões locais e globais de circulação atmosférica e oceânica. Assim, são analisados por meio de
compósitos os processos climáticos de larga escala associados aos maiores eventos de cheia ao
reservatório Itaipu. Tendências temporais na freqüência de eventos extremos são também avaliadas.
Uma possível correlação entre tais processos climáticos de larga escala e eventos extremos de
cheias traz uma grande perspectiva para simulações hidrológicas de eventos extremos a partir de
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modelos estatísticos considerando cenários futuros de mudanças climáticas globais, simulações
essas de extrema importância para a gestão e gerenciamento a longo prazo dos recursos hídricos.
2 – CONJUNTO DE DADOS
2.1 - Afluência
Foram utilizadas aqui as séries naturais diárias de afluência aos 44 principais reservatórios
hidroelétricos do sistema interconectado. As séries são disponibilizadas pelo operador nacional do
sistema (ONS). O perído utilizado foi de 1931 a 2001. Apesar de séries naturais diárias de afluência
serem passíveis de diversos erros, acredita-se que a influência dos mesmos nos resultados obtidos
neste trabalho sejam insignificantes.
2.2 – Dados Hidroclimatológicos
São utilizados aqui diversos dados climatológicos, entre eles, campo de vento, temperatura da
superfície do mar (TSM), umidade do ar e radiação de onda longa emitida pela terra (OLR - outoing
lonwave radiation). Com excessão dos dados de OLR, os demais dados são provenientes do banco
de dados do NCEP/NCAR Reanalysis data e disponíveis através da página
http://www.cdc.noaa.gov. Maiores detalhes podem ser vistos em Kalnay et al. (1996). Os dados de
OLR, disponíveis também no endereço acima, são dados de satélites do NCAR a partir de
Junho/1974 e interpolados espaço-temporalmente para preenchimento de falhas de acordo com
Liebmann e Smith (1996). As anomalias referem-se a média do período 1968-1996.
3 – CHEIAS NOS RESERVATÓRIOS DO SISTEMA
3.1 – Distribuição temporal dos eventos de cheia
Eventos extremos de cheia foram calculados para os principais reservatórios do sistema, cuja
localização é mostrada na figura 1. A série diária de afluência de cada reservatório foi ordenada em
ordem decrescente e a data de ocorrência dos 15 maiores eventos foi armazenada. Com intuito de
analisar somente eventos extremos derivados de fenômenos climatológicos diferentes, observou-se
uma diferença de pelo menos 15 dias entre os mesmos. Assim, a diferença de um evento de cheia
para outro é de pelo menos esse período. A figura 2 mostra a distribuição do número total de
eventos de cheia ao longo dos anos. Observa-se um salto no número de eventos registrados entre o
final da década de 1970 e o início da década de 1990. Uma possível explicação poderia estar
relacionada com o aumento do número de reservatórios com dados de vazão a partir de 1970, como
mostrado na figura 3. Entretanto, o grande aumento no número de eventos extremos, como o
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aumento de 50 em 1970 para mais de 200 em 1980, não descarta a possibilidade da associação com
outras causas, como mudanças no uso do solo devido à agricultura ou urbanização, mudanças
climáticas que refletem nos padrões de chuva das regiões ou ainda uma combinação desses fatores.
A distribuição dos eventos de cheia de acordo com o mês de occorrência aparece na figura 4.
Como a maior parte dos reservatórios apresenta a estação chuvosa entre os meses de Dezembro e
Março, período correspondente ao verão no hemisfério sul, é de se esperar que neste intervalo
ocorra a maior parte das cheias.
A tabela 1 mostra as datas em que ocorreram cheias simultaneamente em pelo menos quatro
dos reservatórios analisados. Os reservatórios atingidos pela cheia de 25/01/1982 são mostrados na
figura 1. Note que em 13 dos 18 eventos mostrados abaixo as cheias aconteceram a partir de 1979.
Tabela 1 – Data de eventos de cheia que ocorreram simultaneamente em quatro ou mais
reservatórios
Data Número de reservatórios
atingidos
Data Número de reservatórios
atingidos
25/01/1982 9 18/03/1949 4
10/02/1954 7 31/03/1960 4
01/04/1991 7 05/10/1972 4
10/01/1997 5 26/03/1979 4
08/01/2000 5 16/12/1983 4
11/01/1997 5 02/04/1991 4
17/01/1980 5 06/10/1972 4
04/02/1983 4 04/01/2000 4
01/02/1985 4 04/09/1957 4
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Figura 1 – Localização geográfica dos reservatórios hidroelétricos utilizados aqui. Os pontos em
vermelho correspondem aos reservatórios atingidos pela cheia de 25/01/1982.
Figura 2 – Distribuição do número de eventos de cheia ao longo dos anos.
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Figura 3 – Percentagem de reservatórios com dados de cheia.
Figura 4 – Número de eventos de cheia em função do mês de ocorrência.
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3.2 – Estudo de caso: cheia de 24/01/1983 ao reservatório Itaipu e os processos climáticos de
larga escala
A cheia de 24/01/1983 foi a sétima maior cheia ao reservatório Itaipu registrada no período
1931-2001, com um volume de 33288 m3/s. No apêndice são mostradas as datas dos 15 maiores
eventos de cheia para cada reservatório apresentado na tabela 2. Como esperado, os reservatórios de
um a seis estão localizados em uma região de padrões climáticos similares (além da ligação
hidrológica entre os mesmos), onde eventos de cheia aos seis reservatórios tendem a ocorrer em
data iguais ou bastante próximas, estando assim sujeitos às mesmas forçantes climáticas. Assim,
padrões de circulação climática associados ao evento de cheia de 24/01/1983 podem estar também
relacionados às cheias do mesmo período mas para outros reservatórios do sistema. Portanto,
acredita-se que os padrões climáticos encontrados para Itaipu possam se estender para a maior parte
dos reservatórios das regiões sul e sudeste. Os reservatórios Tucuruí e Sobradinho estão sujeitos a
diferentes padrões de precipitação e apresentam diferentes datas de ocorrência das maiores cheias.
Alguns eventos de cheia aos dois reservatórios aparentam, entretanto, estarem conectados
climatologicamente às cheias aos demais reservatórios.
Nesta seção é realizada uma análise mais detalhada dos processos climáticos de larga escala
anteriores e durante o dia 24/01/1983. Uma análise dos campos das principais variáveis
hidrometeorológicas nos dias que antecedem os eventos de cheia pode indicar estados da atmosfera
propícios a eventos extremos. A Figura 5 mostra uma seqüência lógica provável da cadeia de
eventos hidroclimatológicos que podem levar a eventos de cheia extremos. Assim, por exemplo,
altas anomalias positivas na temperatura da superfície do mar (TSM) e na temperatura do ar tendem
a gerar zonas de baixa pressão, o que leva a alterações no padrão de circulação dos ventos,
formação de centros de convecção e nuvens, redução da radiação de onda longa emitida pela terra e
finalmente ao transporte desse vapor e umidade para outras regiões, elevando a probabilidade de
eventos de cheia.
A Figura 6 mostra as anomalias da TSM para o dia 24/01/1983. É possível observar pelo
menos três regiões de anomalias: positivas no Pacífico tropical que se estendem da costa sudoeste
da América do sul à costa da Argentina no Atlântico Sul; anomalias negativas no Atlântico Sul em
torno de 35S e 20W e positivas em torno de 25S e 10W. Igualmente, o campo de temperatura do ar
próximo à superfície (850 mb), Figura 7, mostra anomalias positivas de temperatura sobre a
Argentina durante o evento de cheia e o dias antecedentes e sobre o Atlântico sul que praticamente
se sobrepõe às anomalias de TSM.
A média histórica do campo de pressão ao nível do mar para o dia 24/01 é mostrada na Figura
8. É visível o centro de alta no Atlântico sul e um centro de baixa ao sul do Brasil e na Argentina, o
que levam a um padrão de circulação de ventos similar a monsoon, neste caso dando origem à zona
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de convergência do Atlântico Sul - SACZ (Carvalho et al., 2004) e a principal estação chuvosa nas
regiões centro-oeste, sudeste e sul do Brasil. Os campos de pressão para os dias 20, 22 e 24/01/1983
são mostrados na Figura 9. Observa-se um fortalecimento da zona de baixa pressão sobre a
Argentina nos dias que antecedem a cheia e um deslocamento do campo de alta para a costa oeste
do Atlântico no dia do evento. As anomalias do campo de pressão para as mesmas datas, Figura 10,
confirmam o deslocamento oeste do campo de alta e anomalias negativas sobre a Argentina e sul do
Brasil.
Efeitos do campo de pressão nos padrões de circulação podem ser observados pela média
histórica do campo de vento próximo à superfície (850mb) e as anomalias nos dias que antecedem o
evento de cheia, Figura 11 e 12, respetivamente. Anomalias podem ser observadas no Atlântico sul
e no vento meridional ao longo da costa brasileira entre 15oS e 20oS.
Os dados de radiação de onda longa emitida pela terra (OLR), Figura 13, indicam grandes
quantidades de nuvens (anomalias negativas de OLR) que se estendem da Amazônia ao Atlântico
Sul, além de uma grande ausência de nuvens (anomalias positivas de OLR) na Argentina, Paraguai,
Uruguai e extremo sul do Brasil nos dias que antecedem o evento. Ambos padrões de OLR são
associados à zona de convergência do Atlântico Sul (SACZ) e vem sendo objetos de diversos
estudos (por exemplo, Nogues-Paeglue e Mo, 1997; Liebmann et al., 1999; Barros et al., 2000;
Carvalho et al., 2004; Chaves e Nobre, 2004).
Finalmente, as anomalias no vapor específico de água próximo à superfície (850mb)
mostradas na Figura 14 confirmam o excesso de vapor ao longo da faixa de anomalias negativas de
OLR, que se estendem da Amazônia ao Atlântico sul, indicando assim as condições necessárias
para eventos extremos de chuva.
Tabela 2 – Reservatórios representativos das bacias hidrográficas do sistema
Número Bacia Hidrográfica Reservatório Hidroelétrico
1 Paranaíba Itumbiara
2 Grande Água Vermelha
3 Tiête Três Irmãos
4 Paranapanema Capivara
5 Paraná Itaipu
6 Iguaçu Segredo
7 Tocantins Tucuruí
8 São Francisco Sobradinho
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Figura 5 – Seqüência lógica de anomalias que levam ao transporte de vapor. TSM (temperatura da
superfície do mar), SLP (Pressão ao nível do mar) e OLR (radiação de onda longa emitida pela
terra).
Figura 6 – Anomalias na temperatura da superfície do mar (TSM) em 24/01/1983
Figura 7 – Anomalias no campo de temperatura do ar a 850mb para os dias, da esquerda para a
direita, 20 22 e 24/01/1983
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Figura 8 – Média histórica do campo de pressão ao nível do mar em 24/01
Figura 9 – Campo de pressão ao nível do mar para os dias 20, 22 e 24/01/1983.
Figura 10 – Anomalias no campo de pressão ao nível do mar para os dias: 20, 22 e 24/01/1983.
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Figura 11 – Média histórica do campo de vento próximo à superfície (850mb) para o dia 24/01
Figura 12 - Anomalias do campo de vento (850mb) para os dias 20, 22 e 24/01/1983.
Figura 13 – Radiação de onda longa emitida pela terra (OLR) para os dias 20, 22 e 24/01/1983.
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Figura 14 – Anomalias de vapor específico (850mb) para os dias 20, 22 e 24/01/1983.
3.3 – Compósitos dos eventos de cheia ao reservatório Itaipu
Como forma de complementar o estudo anterior, são apresentadas aqui a análise de
compósitos (ou média dos dias de cheia) de algumas variáveis hidroclimatológicas para os dias dos
14 maiores eventos de cheias ao reservatório Itaipu a partir de 1948. Entre 1931 e 1948, apenas um
evento aparece entre os 15 maiores registrados até 2001. A figura 15 mostra o compósito das
anomalias de TSM para a data desses 14 eventos. É evidente as anomalias positivas ao longo do
Pacífico equatorial, também registradas na figura 6. Diversos estudos (por exemplo, Liebmann et
al., 1999; Carvalho et al., 2002; Carvalho et al., 2004) indicam um fortalecimento da SACZ (e
consequentemente maior precipitação nas regiões sudeste e parte do sul do Brasil) durante
anomalias positivas de TSM (ou eventos El Nino) na região do Pacífico tropical.
O compósito de anomalias para a temperatura do ar a 850mb para o dia anterior aos eventos
de cheia é mostrado na figura 16. Anomalias negativas aparecem inicialmente sobre a Argentina e
se deslocam para o Atlântico Sul. Da mesma forma, o compósito para o campo de pressão ao nível
do mar para os dias de cheia, figura 17, mostra uma estrutura do tipo tripolo, com anomalias
negativas ao longo da costa oeste da América do Sul, provavelmente associadas às anomalias
positivas de TSM na mesma região, o deslocamento oeste do centro de alta do Atlântico sul,
também associadas com anomalias negativas de TSM e temperatura do ar nesta região e finalmente
anomalias negativas no Atlântico sudeste, próximo à África.
Os efeitos das anomalias no campo de pressão sobre o campo de vento podem ser
observados na figura 18. Apesar do ruído inerente aos dados quando da realização da análise de
compósitos, ainda é possível observar anomalias de vento em grande parte da região central do
Brasil, entre 15oS e 60oW-40oW.
Finalmente, o compósito e as anomalias de radiação de onda longa (OLR) mostradas na
figura 19 para os quatro dias anteriores aos eventos de cheia indicam a grande presença de nuvens
que se estendem numa faixa que vai da Amazônia ao Atlântico Sul, e ausência de nuvens ao norte
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da Argentina e Chile, resultados estes coerentes com a literatura (por exemplo, Barros et al., 2000;
Carvalho et al., 2002). O compósito do vapor específico, figura 20, confirma a estrutura do tipo
dipolo (anomalias positivas ao norte e negativas ao sul) observada na SACZ e reportada na
literatura (por exemplo, Nogues-Paeglue e Mo, 1997; Carvalho et al., 2004).
Figura 15 – Compósito de anomalias de TSM para os 14 maiores eventos de cheia ao reservatório
Itaipu.
Figura 16 – Compósito de anomalias da temperatura do ar a 850mb para, da esquerda para direita, 4
dias anteriores, 2 dias anteriores e dia atual dos 14 maiores eventos de cheia ao reservatório Itaipu.
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Figura 17 – Compósito de anomalias da pressão ao nível do mar para os 14 maiores eventos de
cheia ao reservatório Itaipu.
Figura 18 – Compósito de anomalias do campo de vento próximo à superfície (850mb).
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Figura 19 – Compósito de OLR (esquerda) e anomalias de OLR (direita) para os quatro dias
anteriores aos 14 maiores eventos de cheia a Itaipu.
Figura 20 – Compósito de anomalias do vapor específico a 850mb para os quatro dias anteriores ao
14 maiores eventos de cheia ao reservatório Itaipu.
4 – EVENTOS DE CHEIAS NUM CONTEXTO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS
A identificação de variáveis hidroclimatológicas em determinadas regiões que exercem um
papel fundamental na variabilidade de longo prazo da magnitude e freqüência de eventos extremos
de cheia traz uma grande perspectiva para analisar possíveis causas da não-estacionariedade de
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cheias além da análise do comportamento futuro desses eventos em face de mudanças climáticas
globais. Por exemplo, a figura 21 mostra a série temporal de máximos anuais de Itaipu,
representando a vazão máxima diária para os meses de Janeiro e Fevereiro, período chuvoso
principal e quando ocorrem as maiores cheias. É apresentado também um índice sazonal (média dos
meses de Janeiro e Fevereiro) das anomalias da temperatura do ar (TA) próximo à superfície
(850mb) ao longo da costa da Argentina (média espacial da temperatura do ar a 850mb entre 70oW-
50oW e 40oS-50oS). Ambas as séries apresentam uma tendência positiva, com um aumento da
magnitude das cheias assim como da TA ao longo dos anos. A declividade da tendência linear da
série de máximos anuais é estatisticamente significante ao nível de 95% (valor p = 1.09.10-6).
A figura 22 mostra a relação entre os máximos anuais e o índice de TA. O valor da
correlação entre as duas séries é 0.39, sendo estatisticamente significante ao nível de 95% (valor p =
0.004). É interessante notar que, apesar do número reduzido de pontos, os dados sugerem que um
aumento do índice de TA é acompanhado por um aumento na média das vazões máximas anuais
assim como um aumento da variabilidade em torno dessa média.
Baseado nesses resultados, um modelo estatístico para a distribuição de eventos extremos de
cheias de Itaipu poderia ser proposto levando em consideração o índice de TA. Dessa forma, os
parâmetros da distribuição adotada (por exemplo, normal, log-normal, Gumbel, GEV, entre outras)
para os máximos anuais não mais seriam estacionários (ou constantes ao longo do tempo) e
ergódicos, mas uma função da variável exógena representada pelo índice de TA. Clarke (2002A)
mostra como estimar a média não-estacionária da distribuição Gumbel para cheias anuais a partir do
uso de modelos lineares generalizados. No caso aqui analisado, a variável explanatória tempo seria
então subtituída pelo índice de TA. Metodologia similar aparece em Katz et al., (2002), onde os
parâmetros de localização e escala da distribuição GEV são funções lineares da variável tempo.
Além das metodologias clássicas, uma outra possibilidade seria por meio de uma abordagem
Bayesiana, onde a probabilidade de eventos extremos de cheia poderia ser modelada como função
do índice de TA a partir de uma regressão logística, assim como o modelo logístico empregado
recentemente por Kwon et al. (2008). Finalmente, num segundo modelo Bayesiano a distruição
prior dos parâmetros da distribuição de cheias (por exemplo, média e desvio padrão) seria uma
função do índice de TA. Um modelo hierárquico poderia ser obtido a partir da inclusão de outras
séries de máximos anuais, empregando uma metodologia similar à proposta por Lima e Lall (2008).
Independente da metodologia utilizada para modelar os parâmetros da distribuição anual de
máximos como função do índice de TA, cenários futuros desenvolvidos para o índice de TA, como
por exemplo os cenários propostos pelo IPCC para os próximos 50-100 anos, poderiam ser usados
para calcular o comportamento futuro do índice de TA e consequentemente simular a distribuição
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dos eventos de cheia (ou a distribuição dos valores de cheia para uma dado período de retorno) para
cenários futuros que incluam os possíveis efeitos de mudanças climáticas globais.
y = 234.87x - 441954
y = 0.0446x - 88.692
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
1945 1955 1965 1975 1985 1995 2005
Ano
Vazã
o M
axim
a A
nual
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
Ano
mal
ia S
azon
al d
e T
Vazão Máxima Anual Anomalia Sazonal de TLinear (Vazão Máxima Anual) Linear (Anomalia Sazonal de T)
Figura 21 – Série temporal de máximos anuais (somente máximas dos meses de Janeiro e
Fevereiro) de Itaipu e média sazonal (Janeiro e Fevereiro) da TA próxima à costa da Argentina.
y = 2077.1x + 23079R2 = 0.1495
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
-4 -3 -2 -1 0 1 2 3
Anomalia Sazonal de T
Vazã
o M
áxim
a an
ua
Figura 22 – Vazão máxima anual como função das anomalias de TA
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6 – CONCLUSÕES
Foram analisados os principais eventos de cheia aos reservatórios do sistema interconectado
assim como os processos climáticos de larga escala responsáveis pelas 14 maiores cheias ao
reservatório Itaipu. A análise dos eventos extremos de cheia aos reservatórios representativos das
bacias do sistema indicou que cheias tendem à ocorrer em datas iguais ou muito próximas nesses
reservatórios, sugerindo que as bacias dos Paranaíba, Grande, Tiête, Paranapanema, Paraná e
Iguaçu possuem, além da conectividade hidrológia entre os reservatórios, forçantes climáticas
similares. Assim, uma análise dos padrões climáticos responsáveis pelas maiores cheias de Itaipu,
localizado à justante das bacias do Paranaíba, Grande, Tiête, e Paranapanema, pode indicar padrões
climáticos comuns à grande maioria dos reservatórios do sul e sudeste.
Observou-se uma tendência positiva no aumento de cheias a partir da década de 1980. Apesar
das causas de tal aumento, caso o mesmo realmente exista e não seja apenas fruto de erros de
medição ou aumento no número de dados de vazão a partir de 1970, não terem sido identificadas,
uma correlação estatisticamente significante foi encontrada entre os máximos anuais de Itaipu e a
temperatura do ar próximo à superfície ao longo da costa da Argentina, sugerindo que a tendência
de aumento no número de eventos extremos de vazão das regiões estudadas pode estar também
associada a uma tendência temporal nos padrões de circulação atmosférica de larga escala.
Os padrões climáticos de larga escala identificados para os eventos extremos de Itaipu
sugerem que anomalias na pressão ao nível do mar no Atlântico sul, com um deslocamento oeste do
centro de alta, além de anomalias positivas da TSM no Pacífico Tropical e da TA ao longo da costa
da Argentina, tendem a fortalecer a zona de convergência do Atlântico sul, trazendo uma maior
quantidade de vapor da Amazônia para as regiões sul e sudeste, causando assim grandes cheias.
A inclusão do índice de TA como variável explanatória nos parâmetros da distribuição de
máximos anuais de Itaipu, independentemente da metodologia empregada, traz novas possibilidades
de simulação do comportamento de eventos extremos de cheia num contexto de mudanças globais
do clima. Análises mais detalhadas com intuito de estabelecer a relação causa-consequência das
tendências temporais dos eventos extremos devem ser realizadas. Além disso, modelos regionais de
circulação atmosférica (RCM) podem ser empregados para melhor entender o efeito dos padrões de
circulação atmosférica encontrados aqui que atuam na magnitude das cheias ao sistema. Finalmente,
a análise empregada para Itaipu pode ser estendida para outros reservatórios do sistema. Esses e
outros temas relacionados tem sido objeto de estudo dos autores.
AGRADECIMENTOS
O primeiro autor agradece a CAPES pela concessão de bolsa de Doutorado e a ONS e
NCEP/NCAR pela disponibilização de dados de vazão e hidroclimatológicos, respectivamente.
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BIBLIOGRAFIA
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18.66.
APÊNDICE
Tabela A1 – Data das 15 maiores cheias aos reservatórios representativos das bacias do sistema.
Principais eventos nos anos de 1982, 1983, 1990 e 1997 são marcados.
Reservatório / Data de início da série / Data de ocorrência do evento de cheia
Itumbiara Água
Vermelha
Três
Irmãos Capivara Itaipu Segredo Tucuruí Sobradinho
Posição do
evento de
cheia 01/08/73 01/01/31 01/10/37 01/01/31 01/01/31 01/12/67 01/09/69 01/01/31
1 14/02/83 08/02/83 08/02/83 24/01/97 07/02/97 09/07/83 03/03/80 09/03/79 2 11/02/92 20/02/31 13/02/95 31/05/83 14/06/83 29/05/92 09/04/97 05/03/92 3 20/02/80 01/02/85 06/06/83 12/01/90 16/01/90 28/07/83 18/03/80 13/03/49 4 07/02/79 31/01/92 01/03/70 18/11/37 08/03/83 28/04/98 05/01/90 01/03/80 5 28/01/85 24/01/83 26/02/40 15/06/83 18/02/83 21/05/83 20/02/79 24/03/79 6 07/01/97 16/02/95 14/01/99 14/01/37 14/01/95 02/04/98 21/03/78 28/03/49 7 25/01/82 26/03/47 09/01/90 05/10/72 24/01/83 03/06/90 02/04/80 08/02/46 8 29/03/91 02/01/84 27/03/74 12/01/95 01/07/83 14/09/89 20/03/79 20/03/92 9 18/12/89 11/01/46 03/02/97 26/10/35 03/03/31 21/05/87 21/02/92 21/01/90
10 21/01/83 12/01/97 04/04/91 20/09/83 19/02/95 12/10/97 01/04/74 20/02/43 11 08/03/83 20/03/82 20/01/83 20/01/63 23/03/83 07/10/98 05/05/74 16/03/80 12 19/01/80 22/02/40 17/02/89 20/05/54 25/12/82 19/07/82 07/02/82 16/03/83 13 01/04/82 04/01/67 06/02/65 25/09/57 22/09/83 03/10/75 21/04/85 03/02/49 14 15/01/78 12/01/00 02/01/61 17/06/87 06/05/92 09/10/01 17/04/80 19/05/45 15 12/03/82 01/03/61 13/03/83 21/02/72 10/02/77 14/05/79 27/02/78 22/02/79
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