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Expressões da violência simbólica no debate político brasileiro: uma análise da
hashtag #QuemLacraNãoLucra
Lorrayne Christyne dos Santos Cruz
Universidade Federal de Goiás
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Resumo: O contexto de desinformação generalizada que contaminou grande parte do debate
político contemporâneo, em nível mundial e especialmente no Brasil, tem contribuído para
que a racionalidade necessária ao confronto de ideias ceda cada vez mais espaço ao simples
confronto de opiniões extremadas. Fenômenos já bastante conhecidos, como o uso da
mentira no contexto da divergência político-ideológica, ganham alcance inédito a partir da
ampliação do acesso às plataformas digitais de conexão em rede, possibilitando uma maior
capilarização dos grupos de ativismo político on-line que atuam na convergência entre
diversos sites, aplicativos e fóruns. As bolhas de pertencimento potencializadas pelos
algoritmos das redes sociais digitais reafirmam construções identitárias que são
frequentemente representadas em termos de bem versus mal. Assim, os discursos que
emergem dessas interações em rede transformam grupos com posicionamentos políticos
percebidos como antagônicos em inimigos cujas vozes dissonantes devem ser ferozmente
silenciadas e configuram, nesse embate, relações de poder baseadas em diferentes eixos de
subordinação. Com o objetivo de compreender as maneiras pelas quais essa violência
simbólica atravessa o debate político contemporâneo no Brasil, o presente trabalho analisa
as interações no Twitter em torno da hashtag #QuemLacraNãoLucra. A utilização de um
marcador específico de indexação (hashtag) para identificar a expressão discursiva do ódio
político ajuda a ilustrar dinâmicas de subordinação que (re)vitimam grupos subalternizados.
Palavras-chave: violência simbólica; redes sociais digitais; twitter.
Introdução
As altercações entre distintos grupos de pertencimento político-ideológico foram
uma marca da campanha eleitoral de 2018, com especial recrudescimento dos ataques entre
apoiadores dos dois candidatos que disputaram o segundo turno das eleições. Grande parte
desses embates ocorreram não entre militantes de longa data com filiação formal a partidos
políticos, mas sim entre pessoas comuns que interagiam entre si nas redes sociais digitais.
A popularização do acesso aos smartphones permitiu que cada pessoa carregasse
consigo o tempo todo um importante instrumento na luta política. Foram os celulares e a
rede móvel de internet que possibilitaram que os grupos de Facebook e WhatsApp
alcançassem a proeminência na distribuição e no consumo e na distribuição de informações.
Nesse cenário, os tradicionais veículos da mídia passam a competir de igual para igual com
pequenos sites que não possuem critérios editoriais suficientemente claros.
A inclusão digital, em um primeiro momento, trouxe o vislumbre de um futuro com
maior participação cidadã e ampliação da legitimidade democrática a partir de escolhas mais
bem informadas. Contudo, posteriormente fez notar também o efeito sombrio que as novas
tecnologias podem exercer no debate público. A proliferação de notícias falsas ou de
conteúdo enganador, popularizadas sob a denominação de fake news, foi constante durante
todo o período eleitoral, tendo se intensificado na véspera do pleito (VALENTE, 2018).
Esse contexto de desinformação generalizada, que contaminou grande parte do
debate político contemporâneo, não somente no Brasil como também em nível mundial, tem
contribuído para que a racionalidade necessária ao confronto de ideias ceda cada vez mais
espaço ao simples confronto de opiniões extremadas. Fenômenos já bastante conhecidos,
como o uso da mentira no contexto da divergência político-ideológica, ganham alcance
inédito a partir da ampliação do acesso às plataformas digitais de conexão em rede,
possibilitando uma maior capilarização dos grupos de ativismo político on-line que atuam
na convergência entre diversos sites, aplicativos e fóruns.
No caso brasileiro, qualquer tentativa de abordar aspectos das discussões políticas
deverá se atentar para a polarização da opinião pública em torno de dois grandes polos
antagônicos. Embora seja corrente a utilização de uma grande diversidade de termos para
categorizar esses dois campos distintos de alinhamento, as díades de uso mais frequente são:
esquerda e direita, progressistas e conservadores, petistas e antipetistas.
Quando essas esferas de pertencimento político-ideológico ganham o ambiente das
redes sociais digitais, as classificações mais neutras dão lugar a um sem-número de termos
ofensivos, discriminatórios e estigmatizantes. É nesse contexto que se situa a expressão cuja
origem e significado iremos explorar adiante.
Com o objetivo de compreender as maneiras pelas quais essa violência simbólica
atravessa o debate político contemporâneo no Brasil, o presente trabalho analisa as
interações no Twitter em torno da hashtag #QuemLacraNãoLucra. Para possibilitar essa
discussão, este texto se organiza em três partes. Na primeira, contextualizo a utilização da
hashtag #QuemLacraNãoLucra a fim de demonstrar como seu uso é estritamente
relacionado à divergência político-ideológica. Na segunda, apresento aspectos
metodológicos da pesquisa de campo realizada no Twitter. Por fim, a terceira parte trata de
apresentar a análise dos dados coletados, encerrando com algumas considerações finais.
1 Contexto de utilização da hashtag #QuemLacraNãoLucra
A conversação nas redes sociais digitais incorpora códigos próprios do ambiente em
que ocorre, ampliando as possibilidades de comunicação ao adicionar novas terminologias
e gírias, como também novas formas de expressão verbal e não verbal. Ao lado dos emojis1,
dos gifs2 e dos memes3, as hashtags são um tipo de código específico das redes sociais
digitais cuja disseminação foi tão intensa que ultrapassou os domínios do virtual. No caso
das hashtags, elas constituem em uma palavra ou conjunto de palavras sem espaçamento
entre si antecedidas pelo símbolo #, que transforma aquele elemento em um hiperlink. As
hashtags funcionam como um tipo de marcador de indexação para agrupar postagens e
conversas, permitindo que um determinado assunto seja encontrado com facilidade por meio
desses marcadores.
A possibilidade de localizar conversações específicas e participar delas por meio de
um recurso simples de marcação no texto fez com que as hashtags se tornassem um
importante elemento de expressão individual e de coesão de grupos. Quando utilizadas no
contexto do debate político, as hashtags muitas vezes dão origem a grandes mobilizações
que se expandem para fora do meio virtual.
Um desses exemplos de hashtags que ganham vida própria para além das redes
sociais é #QuemLacraNãoLucra. Sua origem está no termo “lacrar”, uma gíria popular entre
a comunidade LGBT, que tem o sentido aproximado de demonstrar superioridade em face
de outra pessoa deixando-a sem reação, geralmente em um contexto de humor ou de ironia.
A partir desse verbo, surgiram também outras categorias que multiplicaram o sentido
original em diversas categorias como o substantivo “lacração”, para denominar o ato de
lacrar, e também o adjetivo “lacrador”, que pode caracterizar pessoas, objetos, atitudes e
situações.
1 Emojis são ícones digitais que representam emoções humanas, objetos, lugares, elementos da natureza ou
outros símbolos diversos. 2 Gifs são um formato compacto de imagem animada em baixa resolução, frequentemente utilizados em
mensagens nas redes sociais e aplicativos de mensagem. 3 Memes são informações, imagens, vídeos ou outro tipo de conteúdo compartilhado repetitivamente na
internet, com pequenas variações de contexto em torno de um núcleo fixo de significado (padrão).
Gráfico 1 — Interesse pelo termo de pesquisa “quem lacra não lucra” no mecanismo de busca do Google
de agosto de 2015 a agosto de 2019 (últimos 5 anos)
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do Google Trends.
Incorporado às conversações sobre política nas redes sociais, o termo “lacrador” em
determinado momento passou a ser utilizado por grupos de perfil conservador como
sinônimo de pessoas que se encontram posicionadas na esquerda do espectro político. Pelo
gráfico abaixo é possível identificar que o primeiro pico de interesse pelo termo de pesquisa
“quem lacra não lucra” no mecanismo de busca do Google tem origem em janeiro de 2018,
com novos picos em outubro e novembro do mesmo ano e posteriormente, em janeiro de
2019, tendo se localizado o ponto mais alto de interesse em março de 2019.
2 Aspectos metodológicos
A análise aqui apresentada tem origem na coleta manual de postagens no Twitter a
partir da utilização do recurso “busca avançada” disponibilizado na própria rede social, que
permite a personalização dos resultados da busca de acordo com diferentes critérios de
filtragem, tais como idioma, data, correspondência exata de palavras e hashtags. A escolha
por essa forma de obtenção das mensagens deveu-se a uma limitação de ordem técnica, uma
vez que os principais softwares que fazem extração de informações estruturadas no Twitter
sofrem com a limitação de sua API padrão, que limita as buscas aos últimos 7 dias. A
extração de postagens para este texto foi efetuada em agosto de 2019 e o intervalo
selecionado para estudo foi o período entre 1º e 31 de janeiro de 2019, que corresponde ao
primeiro mês do início do mandato presidencial de Jair Bolsonaro. Não foi possível,
portanto, automatizar essa extração. No entanto, após a aplicação de alguns critérios de
filtragem que serão detalhados a seguir, a quantidade de resultados fornecidos pela busca
própria do Twitter não foi alta, o que possibilitou que a coleta manual dos textos e atributos
das postagens e dos usuários fosse realizada sem grande dificuldade para uma planilha
comum. Posteriormente os dados da planilha foram importados para análise no software
NVivo.
Após o recorte temporal ter sido configurado, utilizei a filtragem de relevância
fornecida pelo Twitter por meio de uma aba específica. Esses Tweets exibidos em destaque
são selecionados por meio de um algoritmo que determina a relevância daquele conteúdo
com base em critérios como popularidade por nível de interação (Retweets e respostas), entre
outros fatores não especificados pela empresa (TWITTER, 2019). Após a aplicação de todos
esses critérios de filtragem, a busca retornou 48 Tweets que, apesar de não exibirem a
totalidade das mensagens, fornecem conteúdo suficiente para possibilitar o necessário
adensamento teórico (FONTANELLA, 2011, p. 4).
Além das principais identificações de cada Tweet como data/hora da publicação e
nome do usuário, acrescentei ao dataset o texto biográfico que constava de cada um dos
perfis (bio). A análise das fotos de perfil ainda permitiu, na maioria dos casos, a identificação
marcadores de gênero, raça e idade, que foram descritos em notas de observação.
3 Análise
A análise das informações coletadas tanto da extração manual dos Tweets e das notas
de observação demonstra que tanto os perfis quanto as mensagens publicadas são bastante
uniformes entre si. Das descrições de perfis (também denominadas de “bio”), emergem 20
diferentes categorias, conforme o quadro abaixo:
CATEGORIA FREQUÊNCIA
Credencial profissional / acadêmica 15
Frases de autoafirmação 9
Religião 9
Direita-liberal-conservador 6
Anti-pt e antiesquerda 5
Família 5
Origem (naturalidade, nacionalidade) 5
Ceticismo e paranóia 4
Futebol 4
SDV 4
Bolsonaro 3
Contra corrupção 3
Patriotismo 3
Hobbies e interesses pessoais 2
Humor 2
Ofensa 2
Orientação sexual 2
Costumes 1
Direitos Humanos para humanos direitos 1
Sátira política 1
Quadro 1 — Categorias descritivas encontradas nos perfis dos usuários
Em vários perfis, diferentes categorias são combinadas para formar a descrição
pessoal do usuário. A nuvem de palavras a seguir demonstra a frequência de palavras em
todas essas “bios”.
Figura 1 — Nuvem de palavras com as descrições de perfis dos usuários.
Excelentes estudos apontam o impacto dos algoritmos na formação das “bolhas”
(FERRARI, 2018) ou “câmaras de eco” (VACCARI et al., 2016) que, ao permitir que os
usuários personalizem cada vez mais as informações que desejam visualizar, as plataformas
de redes sociais acabariam por impedir o contato com pontos de vista divergentes. No
entanto, ficou evidente durante o estudo que, ao lado dessa automatização que reforça os
interesses em torno dos mesmos temas e das mesmas pessoas, existem também mecanismos
desenvolvidos pelos próprios usuários para se fecharem cada vez mais em torno de seus
grupos. Um exemplo dessas práticas é o termo “SDV”, que significa “sigo de volta”. Em
uma das descrições de perfil, por exemplo, lê-se: “SDV apenas aos patriotas!”. Essas práticas
também estão presentes nas hashtags #DireitaUnida e #DireitaSegueDireita, que podem ser
encontradas nos textos dos Tweets.
Ainda como parte da análise das características dos usuários identificados pela
hashtag #QuemLacraNãoLucra, as fotos e imagens de capa desses perfis permitiram que
fossem identificados marcadores de gênero, raça e idade. Outras características como
vestuário, ambiente e repertório iconográfico também foram registradas. Apliquei ao texto
dessas notas de observação a ferramenta de agrupamento por frequência de palavras
disponível no software de análise qualitativa utilizado. O resultado é a nuvem de palavras a
seguir, que demonstra claramente a absoluta predominância de mulheres e homens brancos
nessas discussões. Além disso, vemos que essa nuvem de palavras reforça as categorias
anteriormente identificadas nas descrições de perfil.
Figura 2 — Nuvem de palavras com notas de observação de fotos de perfis e imagens de capa.
A análise dos Tweets mostrou que no mês de janeiro de 2019, a maior parte das
interações com a hashtag #QuemLacraNãoLucra esteve relacionado à repercussão de um
vídeo em que a recém-empossada ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos afirma
que uma nova era estaria sendo inaugurada no país, na qual “menino veste azul e menina
veste rosa” (PAINS, 2019), sendo em seguida aclamada por seus apoiadores. O vídeo teve
ampla repercussão na imprensa e nas redes sociais, gerando fortes mobilizações de crítica e
de apoio à ministra.
A esfera de crítica reuniu celebridades influentes, colunistas de jornal e também
marcas. Na amostra analisada, a maior frequência de menções é à marca Trident, em razão
da postagem reproduzida a seguir:
Figura 3 — Publicação da marca Trident no Twitter.
A reação dos apoiadores da ministra e do governo Jair Bolsonaro foi de indignação,
com a conclamação generalizada para o boicote à marca, resumido na frase de um Tweet
“Trident nunca mais!!!!”. Também havia quem acusava a marca de oportunismo ao tentar
usar uma causa para se promover. No trecho a seguir, podemos observar que alguns
apoiadores interpretaram a fala da ministra como uma figura de linguagem inofensiva ao
mesmo tempo em que convoca as pessoas de direita a se unirem e a se seguirem
reciprocamente nas redes:
Essa lacração com uma simples figura de linguagem mostra que TEMOS QUE
PERMANECER VIGILANTES e fortalecer ainda mais a #DireitaUnida e
#DireitaSegueDireita.
Siga a todos que te seguirem. Dê RT e FAV sempre que puder..
Também chama a atenção a forma com que alguns militantes alinhados à direita
política constróem narrativas paranoicas, mesclando assuntos diversos na tentativa de
intensificar o sentimento coletivo de indignação:
TRIDENT JUNTO COM O PT ESTÃO CONTRA O GOVERNO DO BOLSO
MITO 👎👎👎 BOICOTE TRIDENT JÁ��PT PAGOU 8 BILHÕES PELA LEI
ROUANET #QUEMLACRANAOLUCRA
Outra estratégia utilizada nas interações analisadas é a disseminação de informações
descontextualizadas com o objetivo de reforçar um determinado ponto de vista. Para
comprovar que as empresas “lacradoras” sofrem grandes perdas econômicas, um usuário
publica a notícia do fechamento, no Brasil, de duas fábricas da Mondelez, conglomerado
internacional em cujo portfólio de marcas a Trident se situa. Apesar de verdadeira a notícia,
a desinformação consiste no fato de sua publicação remontava a março de 2018,
aproximadamente 10 meses antes da controvérsia provocada pelo polêmico posicionamento
da marca em reação ao vídeo da ministra Damares e, portanto, sem qualquer relação com o
caso.
Em outro Tweet observa-se que a postagem feita pela marca Trident, afirmando que
cor não tem gênero e que a marca apoia a liberdade dos consumidores, é associada à noção
de “ideologia de gênero”.
Vai para o inferno,
@Trident_Brasil. Resolveram entrar na onda da lacração, vão mesmo apoiar a
ideologia de gênero?
Lamentável...
#TridentNuncaMais
#TridentNão
#QuemLacraNãoLucra
#BoicoteTrident
O conceito de “ideologia de gênero” tem sido utilizado pelo conservadorismo
brasileiro para fazer menção a uma grande aliança global que teria como objetivo a
destruição dos valores mais tradicionais da sociedade brasileira. Na avaliação de Richard
Miskolci (2018):
O espectro “ideologia de gênero” delimita um campo discursivo de ação que
podemos reconhecer como unindo imaginariamente uma suposta ameaça de
retorno do comunismo ao pensamento acadêmico feminista estabelecendo um
enquadramento da política em torno do medo de mudanças na ordem das relações
entre homens e mulheres e, sobretudo, da extensão de direitos a homossexuais.
Discussões macropolíticas são substituídas por uma retórica que traz à opinião
pública o diagnóstico de que a origem de problemas sociais resulta de mudanças
comportamentais que precisariam ser combatidas (p. 7).
A luta contra a chamada “ideologia de gênero”, portanto, traz elementos essenciais
para a compreensão tanto da fala da ministra, quanto das reações de seus apoiadores. No dia
seguinte à disseminação do vídeo em que fala que na era que se inicia “menino veste azul e
menina veste rosa”, Damares Alves foi interpelada por um vendedor de uma loja de roupas
em Brasília (DF) por estar vestindo uma blusa azul, o que seria incoerente com sua fala
(ISTOÉ, 2019). A ação foi filmada e gerou uma nova onda de repercussões da nas redes
sociais com a hashtag #QuemLacraNãoLucra. Boicotes foram convocados contra a loja e a
exigia-se a demissão do vendedor que protagonizou o episódio: “A biba que ofendeu nossa
ministra ainda não foi demitida. #boicotecantao”.
Durante o mês analisado, as principais interações que utilizaram a hashtag
#QuemLacraNãoLucra no Twitter estiveram relacionados ao referido caso da ministra. No
entanto, convém destacar que os boicotes convocados são amplos e se dirigem também a
personalidades televisivas, a redes de televisão e a veículos da imprensa e o uso dessa
hashtag pode ocorrer em contextos muito diversos, mas que possuem em comum algum tipo
de ofensa às convicções segregadoras e autoritárias da nova direita brasileira
(MESSENBERG, 2017).
Considerações finais
As bolhas de pertencimento potencializadas pelos algoritmos das redes sociais
digitais reafirmam construções identitárias que são frequentemente representadas em termos
de bem versus mal. Assim, os discursos que emergem dessas interações em rede
transformam grupos com posicionamentos políticos percebidos como antagônicos em
inimigos cujas vozes dissonantes devem ser ferozmente silenciadas e configuram, nesse
embate, relações de poder baseadas em diferentes eixos de subordinação. A utilização de
um marcador específico de indexação (hashtag) para identificar a expressão discursiva do
ódio político ajuda a ilustrar dinâmicas de subordinação que (re)vitimam grupos
subalternizados.
Mulheres e homens brancos interagindo no Twitter a partir de suas posições de
privilégio utilizam a hashtag #QuemLacraNãoLucra para demonstrar sua intolerância contra
quem ousa divergir do ideário liberal-conservador. Todos os dissidentes são incluídos em
uma categoria perigosa, de comunistas, marginais, indecentes e inimigos do “equilíbrio
natural” da sociedade. Ao mesmo tempo, esses empreendedores morais buscam unir-se entre
si e se sentem ignorados pela mídia tradicional.
Estudos adicionais sobre esse repertório discursivo, explorando outros recortes
temporais e outras perspectivas de análise, podem contribuir para aprofundar o entendimento
das formas pelas quais as conversações nas redes sociais digitais reproduzem as posições de
poder na sociedade.
Referências bibliográficas
FERRARI, Pollyana. Como sair das bolhas. Sao Paulo: Armazém da Cultura, 2018.
FONTANELLA, Bruno Jose Barcellos et al. Amostragem em pesquisas qualitativas:
proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 27, n. 2, p. 389–394, 2011. Disponível em:
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311X2011000200020&lng=en&nrm=iso>
ISTOÉ. De azul em loja, ministra Damares é questionada por vendedor. 2019.
Disponível em: <https://istoe.com.br/de-azul-em-loja-ministra-damares-e-questionada-por-
vendedor/>. Acesso em: 17 ago. 2019.
MESSENBERG, Débora. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de
opinião dos manifestantes de direita brasileiros. Soc. estado, [s. l.], v. 32, n. 3, p. 621–648,
2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922017000300621&lng=en&nrm=iso>
MISKOLCI, Richard. Exorcizando um fantasma: os interesses por trás do combate à
“ideologia de gênero”Cadernos Pagu, 2018.
PAINS, Clarissa. “Menino veste azul e menina veste rosa”, diz Damares Alves em
vídeo. 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/menino-veste-azul-
menina-veste-rosa-diz-damares-alves-em-video-23343024>. Acesso em: 10 ago. 2019.
TWITTER. Perguntas frequentes sobre os resultados de busca. 2019. Disponível em:
<https://help.twitter.com/pt/using-twitter/top-search-results-faqs>. Acesso em: 10 ago.
2019.
VACCARI, Cristian et al. Of Echo Chambers and Contrarian Clubs: Exposure to
Political Disagreement Among German and Italian Users of TwitterSocial Media and
Society, 2016.
VALENTE, Jonas. A um dia da eleição, fake news inundam as redes sociais. 2018.
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/06/a-
um-dia-da-eleicao-fake-news-inundam-as-redes-sociais.htm>. Acesso em: 10 ago. 2019.
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