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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS
MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA
A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO
EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS
PORTO VELHO
2015
JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA
A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO
EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Rondônia, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Orientadora: Profa. Drª. Wany Bernardete de Araujo Sampaio. Linha de Pesquisa: Literatura, Artes e outros Saberes. Bolsa: Capes
UNIR
PORTO VELHO
2015
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS
JOELIZA LAMARÃO BEZERRA SOARES DE OLIVEIRA
A METÁFORA LITERÁRIA E DO COTIDIANO
EM NARRATIVAS MÍTICAS INDÍGENAS
Banca Examinadora:
Aprovado em: 09 /11 /2015
RESUMO:
O presente trabalho propõe a análise de metáforas literárias e do cotidiano em narrativas indígenas escritas em língua portuguesa por professores indígenas. A análise se apoia na Teoria Cognitiva da Metáfora (LAKOFF & JOHNSON, 2002), segundo a qual o elemento metafórico permeia todas as nossas ações e pensamento além da linguagem, pois está infiltrado no nosso cotidiano; existe uma extensão contínua entre as metáforas literárias e as metáforas cotidianas; as ocorrências da metáfora nas obras literárias acontecem não exclusivamente porque a literatura contém a linguagem cotidiana, mas porque mesmo que haja um desvio das formas mais comuns de expressão e de pensamento, a linguagem é realizada a partir de explorações criativas e inusitadas de mapeamentos metafóricos enraizados em nossos sistemas conceptuais. Como metodologia de trabalho foram utilizadas as pesquisas bibliográfica, documental e webgráfica, para a realização dos estudos teóricos e da seleção das narrativas. O procedimento de investigação das construções metafóricas foi realizado a partir da Teoria Cognitiva da Metáfora e da elaboração de esquemas imagéticos. Os resultados revelam que as narrativas indígenas míticas apresentam aspectos literários e estéticos, como o uso de metáforas conceituais e de personificação. Os resultados foram também discutidos pelo viés do perspectivismo ameríndio, considerando-se a visão integradora de mundo do pensamento mítico ameríndio.
Palavras-chave: Metáfora. Narrativa mítica. Literatura. Literatura indígena contemporânea
ABSTRACT:
This work proposes the analysis of literary and everyday life metaphors in
indigenous narratives written in Portuguese by indigenous teachers. The analysis
is based on the Metaphor Cognitive Theory (Lakoff & Johnson, 2002), according to
which the metaphorical element pervades all our actions and thinking beyond
language, infiltrated in our daily lives; there is a continuous extension of the literary
metaphors and everyday metaphors; the metaphor of events in literary works take
place not only because literature contains everyday language, but because even if
there is a deviation of the most common forms of expression and thought,
language is carried out by creative and unusual explorations metaphorical
mappings rooted in our conceptual systems. The used methodology was the
bibliographic, documentary and web research, to the theoretical studies and the
selection of narratives. The investigation procedure of the metaphorical
constructions was based on the Cognitive Theory of Metaphor and on the
development of imagery schemes. The results show that indigenous mythical
narratives have literary and aesthetic aspects, as the use of metaphorical
conceptual constructs and personification. The results were also discussed by the
bias of the amerindian perspectivism, considering the integrated vision of the world
of the mythical amerindian thought.
Keywords: Metaphor. Mythic narrative. Literature. Contemporary indigenous
literature.
AGRADECIMENTOS
Ao Grande Arquiteto do Universo, Deus, pela saúde.
À querida professora Wany Sampaio, pela amizade e orientação.
Aos colegas e docentes do MEL, pela caminhada juntos.
Às professoras Cynthia Barros , Carla Martins, Élcio Fragoso e Hélio Rodrigues
pelas sugestões.
Aos meus pais amados, Antônia e José, por todo o incentivo e suporte durante
anos.
Aos meus irmãos José, Leandro, Rodrigo, Emilly e Alexandre, pelo carinho e
amor fraternal.
As minhas cunhadas Bia e Paula, pelas palavras amigas.
Aos meus sobrinhos amados Ester, Victor e Ian.
A minha melhor amiga, Tyciana, que, mesmo longe, sempre se fez presente.
Agradeço em especial ao meu companheiro Walace que, desde o primeiro
instante, esteve ao meu lado com seu apoio incondicional.
Á Capes, pela concessão da bolsa.
E a todos que torceram por meu sucesso acadêmico e busca pelo capital cultural
e científico.
Dedico este trabalho ao mestre e
amado companheiro Walace Soares de
Oliveira, que me fez compreender que
o mito não narra a “origem”; o mito é a
origem.
Grata pelos momentos de inspiração.
Aqui tem um pouco de você.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................ 08
1 O MITO COMO METÁFORA.................................................................... 12
1.1 O estudo do mito.................................................................................. 13
1.1.2 O mito e a metáfora........................................................................... 18
1.2 A estrutura do mito e sua universalidade: tempo, espaço e metáfora......................................................................................................
22
1.2.1 Estrutura narrativa do mito: tempo mítico...................................... 25
1.2.2 Estrutura narrativa do mito: espaço mítico.................................... 28
1.2.3 Espaço literário: percursos e conceitos......................................... 36
1.2.4 Estrutura narrativa do mito: metáfora............................................. 41
1.3 A metáfora literária e metáfora do cotidiano..................................... 42
1.3.1Teorias sobre a metáfora................................................................... 42
1.3.2 Teoria cognitiva da metáfora.......................................................... 48
2 LITERATURA ORAL, PRÁTICA ESCRITURAL INDÍGENA E A
LITERATURA CONTEMPORÂNEA INDÍGENA.........................................
51
3 ANÁLISE DE CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS METAFÓRICAS......... 60
3.1 A metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa...................................................................................................
60
3.2 Construções linguísticas metafóricas em narrativas indígenas de cunho mítico escritas em língua portuguesa..........................................
67
3.3 A atitude literária do narrador e a arte de narrar............................... 83
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 89
REFERÊNCIAS............................................................................................ 93
8
INTRODUÇÃO
O propósito deste trabalho é analisar ocorrências de construções
linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do espaço em
narrativas míticas indígenas, com base na definição de metáforas orientacionais,
de acordo com os postulados de Lakoff e Johnson (2002). As metáforas
orientacionais se referem à orientação espacial do tipo: para cima/para baixo,
dentro/fora. Tais orientações surgem do fato de termos os corpos que temos e do
fato de eles funcionarem da maneira como funcionam no nosso ambiente físico
(LAKOFF e JHONSON, 2002, p.59).
A partir da Teoria da Metáfora Conceitual, é possível reavaliarmos a noção
comumente estabelecida de que a metáfora é parte constituinte apenas de textos
poéticos e de cunho imaginativo. O pensamento metafórico tem seu foco na
linguagem cotidiana. Assim, bem diferente do que é apresentado, por exemplo, na
escola, temos a metáfora não apenas como um recurso linguístico, mas sim como
um processo cognitivo, pois é a metáfora que estrutura nossos pensamentos e
nossas ações.
Este trabalho é oriundo do subprojeto de pesquisa Descrição e análise de
construções metafóricas literárias e do cotidiano em textos narrativos Amondawa
(AGUILAR e BEZERRA, 2006),1 em que analisamos construções linguísticas
metafóricas que evidenciam as noções de espaço e movimento no âmbito das
Metáforas Orientacionais, bem como Metáforas Ontológicas do tipo espacial em
uma narrativa presente na coletânea Mitos Amondawa (SAMPAIO, SILVA e
MIOTELLO (Orgs.), 2004). Na ocasião, abordamos o aspecto estrutural das
construções linguísticas metafóricas, fato que nos permitiu uma reflexão crítica
sobre a questão cultural evidenciada em imagens metafóricas do espaço/tempo
no domínio do ficcional e, especificamente, sobre a relação espaço e movimento,
1 A pesquisa foi financiada pelo PIBIC/UNIR/CNPq. O subprojeto, inserido nas áreas de tipologia
linguística e metáfora conceptual, fez parte do Projeto de Pesquisa Espaço, Movimento e Metáfora
em Amondawa (SAMPAIO et al., 2003-2006), do Grupo de Estudos em Culturas, Educação e
Linguagens-GECEL/UNIR/CNPq. O subprojeto foi desenvolvido pela autora, sob a orientação da
Profª. Ms. Ana Maria Aguilar.
9
na língua e na cultura amondawa, investigando construções metafóricas que
envolvem o espaço, o tempo e o movimento. Desta forma, a descrição do uso das
metáforas literárias e/ou do cotidiano em narrativas míticas nos possibilitou iniciar
a investigação em construções metafóricas que envolvam o espaço, o tempo e o
movimento.
O desenvolvimento do citado subprojeto nos permitiu, ainda, uma
discussão inicial acerca da chamada “arte de narrar”, a partir do pressuposto que
trata da “atitude literária” do narrador, conforme nos sugere Bentes (2000). Tal
pressuposto discute que o narrador, ao enunciar seu texto, deixa transparecer
uma “atitude literária” e conceitos culturais de seu povo, pois conta a estória2 que
o povo conta. Nesse aspecto, os elementos ficcionais utilizados para contar a
estória, fazem com que a narrativa mítica compartilhe com outros textos ficcionais
de natureza literária algumas características, como, por exemplo, as construções
linguísticas metafóricas do espaço real/imaginário.
A escrita dos mitos é de suma importância para os povos indígenas, no que
se refere às iniciativas de preservação e revitalização da língua e cultura; além
disso, é uma das maneiras de divulgar significativamente o legado cultural do
povo na comunidade indígena e também para a sociedade não indígena.
Nosso trabalho de iniciação científica foi muito estimulante, despertando-
nos o desejo de aprofundar as discussões por nós iniciadas. Compreendemos a
importância política da pesquisa no que se refere ao fortalecimento da literatura
de resistência indígena, a promoção de seus costumes e as formas de enxergar o
mundo. A presente pesquisa prioriza o respeito, a valorização e a defesa dos
povos indígenas e por tais motivações intentamos fazer ouvir a voz do indígena
através das suas produções e formas de expressões de sentido.
No presente trabalho, abordamos narrativas escritas em língua portuguesa
pelos próprios autores indígenas, tomando-as como uma forma de ação poética e
política, pois sentimos a necessidade de trabalhos acadêmicos com esta
perspectiva literária. É importante salientar que sempre compreendemos a
2 Utilizamos o termo “estória” conforme Bentes (2000).
10
relevância da nossa pesquisa para os estudos literários, uma vez que
pretendemos contribuir cada vez mais para a compreensão e valorização das
culturas indígenas, bem como para novas perspectivas da própria literatura
brasileira.
A proposta aqui apresentada tem um longo caminho a ser realizado, pois é
um tema pouco explorado no mundo acadêmico. Nosso intento é também
contribuir para solidificar, através da análise de construções linguísticas
metafóricas literárias e do cotidiano, uma nova discussão sobre a concepção de
metáfora literária.
Nossa atual pesquisa tem por objetivo geral, analisar as ocorrências de
construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do
espaço em narrativas míticas indígenas.
A partir do objetivo geral, delineamos os seguintes objetivos específicos:
Investigar dados que constituam construções linguísticas metafóricas
literárias e do cotidiano que evidenciem noções de espaço.
Descrever as construções metafóricas literárias e do cotidiano
evidenciadas em imagens metafóricas que envolvam espaço.
Neste trabalho buscamos, ainda, uma análise mais aprofundada do caráter
literário da metáfora em narrativas míticas indígenas, escritas em língua
portuguesa, a partir da discussão já levantada sobre a metáfora de cunho
conceitual. Refletimos, também, sobre a atitude literária do narrador indígena,
privilegiando o papel e a voz do narrador, a fim de contribuir com a valorização
dos estudos estético-literários de narrativas indígenas.
Assim, nosso estudo se volta para a análise de um grupo de narrativas
indígenas com temática mítica, escritas em língua portuguesa por professores
indígenas - com autoria individual e coletiva-, bem como outras narrativas míticas
indígenas retiradas da web.
A presente Dissertação está organizada em três seções:
(i) a primeira seção apresenta a revisão bibliográfica, abordando os
conceitos e a estruturação do mito, por haver necessidade de relacionar o mito e
a metáfora, uma vez que mito é por essência a representação dos saberes
11
metafóricos de determinada cultura. Ao tratarmos da estrutura mítica se faz
imprescindível abordarmos a categoria espaço, aqui de maneira distinta, em
espaço mítico e espaço literário. Nesta seção são apresentados também estudos
e abordagens referentes à metáfora, essenciais para a compreensão da temática
explorada no trabalho como um todo. O aporte teórico explanado nos dará
suporte para a análise crítica dos dados que serão apresentados na segunda
seção;
(ii) a segunda seção compreende uma reflexão sobre a transição da
literatura oral para a literatura escrita, bem como sobre o processo da prática
escritural indígena em língua portuguesa e, por fim, apresentamos um breve
relato sobre o surgimento da chamada literatura contemporânea indígena.
(iii) a terceira seção é dedicada à análise de dados. Apresentamos
inicialmente alguns resultados obtidos durante a execução do subprojeto A
metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa (AGUILAR,
BEZERRA, 2007), pois tais resultados se mostraram como suporte relevante para
a análise das construções metafóricas nas narrativas escritas pelos indígenas em
língua portuguesa. Em seguida, considerando as narrativas escritas pelos
indígenas, analisamos e ilustramos construções linguísticas metafóricas com
esquemas mentais (cf. SAMPAIO e BEZERRA, 2014), ou seja: para melhor
compreensão de conceitos abstratos via domínios concretos, usamos esquemas
imagéticos para aprofundar a análise crítica. Finalmente, a partir das ocorrências
de construções linguísticas metafóricas encontradas nas narrativas míticas
indígenas, consideramos o processamento da atitude literária do narrador ao
construir e esquematizar sua narrativa; refletimos na observância da postura do
narrador (autor) ao elaborar o texto (aqui transitando da memória oral -mito- para
a fixação escrita), revelando elementos que fazem parte da grande atividade
humana de narrar.
Após as seções, tecemos algumas considerações acerca dos aspectos
mais significativos discutidos na pesquisa, bem como o nosso posicionamento
crítico ante o objeto estudado.
12
1 O MITO COMO METÁFORA
- A palavra mito significa mentira. Mito é uma mentira – começou ele.
- Não, um mito não é uma mentira. Uma mitologia completa é uma organização de imagens e narrativas simbólicas, metafóricas das possibilidades da experiência humana e da plena realização de uma dada cultura num dado momento. (...) estou dizendo que é uma metáfora.
Joseph Campbell
Nesta primeira seção abordamos os conceitos e a estruturação do mito,
intentando relacionar o mito e a metáfora, uma vez que mito é por essência a
representação dos saberes metafóricos de determinada cultura. Trazemos uma
discussão sobre a categoria espaço (espaço mítico e espaço literário).
Apresentamos também estudos e abordagens referentes à metáfora.
As narrativas de origem mítica são muito características quando tratamos
do processo de escrita indígena e desenvolvimento da literatura indígena; por
isso, o corpus de análise deste trabalho é constituído de textos com temática
mítica, em que ocorre a interação entre o mito e a literatura. Neste sentido,
consideramos importante dedicar esta seção inicial para o estudo do mito, pois
entendemos o quanto o mito agrega enquanto material cultural e literário. Cremos
que, através da compreensão dos aspectos e características do mito, seja
possível uma análise bem fundamentada das narrativas indígenas com temática
mítica.
Há uma grande quantidade de estudos relacionados ao mito,
desenvolvidos ao longo dos anos e não pretendemos abordar todos. Para este
trabalho, utilizamos autores relevantes na pesquisa dos mitos, cujos estudos se
mostraram mais apropriados para nossa discussão específica, visto que o objetivo
da nossa pesquisa não é o estudo do mito em si, mas, a partir deste estudo,
propiciar uma melhor fundamentação para a análise das narrativas indígenas.
13
1.1 O estudo do Mito
No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo e um sopro de Deus agitava a superfície das águas (Gênesis 1, 1-2).
Bem no princípio durante a criação do universo, Olofim-Olodumaré reuniu os sábios do Orum para que o ajudassem no surgimento da vida e no nascimento dos povos sobre a face da Terra (Mitologia Iorubá).
Há muito tempo questionamentos acerca da definição de mito são temas
de pesquisas que abrangem várias áreas do conhecimento, pois o mito está
presente na humanidade há milhares de anos como parte integrante da formação
cultural de cada povo. Por isso, não há uma resposta única para o conceito de
mito; o que temos são abordagens de natureza diferentes e com várias
perspectivas.
Os estudos do mito foram desenvolvidos durante séculos por poetas,
filósofos, antropólogos, psicólogos, linguistas e também por críticos literários. As
pesquisas passam por nomes desde Aristóteles e Platão até Frye. Almeida Júnior
(2014), em sua obra Introdução à Mitologia, busca mostrar ao leitor um guia de
estudos sobre as concepções dos principais estudiosos do mito e da mitologia.
Apresenta-nos, sobre Mitologia, pelo menos, dois significados.
1) O primeiro significado é: “coletânea de narrativas de um povo”, assim
temos a “mitologia hindu”, “mitologia asteca”, “mitologia grega”,
“mitologia yourubá”, dentre outras.
2) O segundo significado é: “estudo das narrativas míticas”; daí o termo
mitólogo ser utilizado para definir os estudiosos que se debruçam sobre
o conhecimento dos mitos.
Segundo Turchi (2003, apud CAVALCANTE, 2013, p. 14), a palavra mito
provém do grego mytos e significa falar, contar algo. Para os gregos, mito tinha
também o significado de mentira, engodo. Mito era sinônimo de coisa absurda,
enganosa, pois se constituía de narrativas inverossímeis, geralmente atribuídas
às façanhas dos deuses; o termo também era usado como argumento falacioso,
14
corrompendo assim o logos, a razão. Platão considerava o mito uma visão
utopista da alma e Aristóteles, na Poética, concebe o mito como uma fábula,
invenção. O Iluminismo no século XVIII enxergava o mito como fruto da
ignorância e uma forma de engano.
Para Eliade (1972), é difícil encontrar uma definição para mito, pois a
aceitação por parte dos “eruditos” e dos “não especialistas” será contraditória. O
autor usa uma definição particular:
A definição que para mim, pessoalmente, me parece a menos imperfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento. (...) O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. (...) Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a sobrenaturalidade) de suas obras. (ELIADE, 1972, p. 9)
De modo sintético, Almeida Júnior (2014) afirma que o mito é uma narrativa
que conta uma história sagrada. É narrativa, pois descreve acontecimentos que
se deram com determinadas personagens e é sagrada por desvendar a
sacralidade, como nos diz Eliade (1972). É importante complementar tal
pensamento com a afirmação: “O mito é uma realidade cultural extremamente
complexa que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas
e complementares” (ELIADE, 1972, p. 9), pois isto revela que a interpretação do
mito é de caráter subjetivo. Eliade (1972) tem seus estudos voltados para a área
das religiões, portanto o mito é uma narrativa de caráter sagrado que ocorre em
um tempo primordial e que valida leis, costumes, ritos e crenças.
Considerando-se a subjetividade na interpretação do mito, Durand (apud
Santos 2012, p. 36) sugere que, a cada releitura de uma narração mítica, um
novo olhar surge frente ao mito que, enquanto narrativa, é um texto de leitura e
uma leitura é sempre uma criação subjetiva do mundo. Santos (2012) define o
mito como “narrativas que se movem no tempo e no espaço e ressignificam
15
através da linguagem simbólica e das imagens que transmitem conhecimento
desde os primórdios ao homem contemporâneo” (SANTOS, 2012, p. 36,37).
Santos (2012) se reporta a Joseph Campbell, pesquisador da literatura e
mitologia, como um estudioso que contribui para o estudo do mito. Campbell
afirma que “os mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de
significação, através dos tempos”. O crítico literário Frye, também utilizado no
trabalho de Santos (2012), defende que o mito é um tipo de história que une o rito
e as imagens para compor a comunicação verbal.
Há ainda a visão tradicional e amplamente difundida em que o mito é
considerado como uma explicação para a origem das coisas: o mundo, os
homens, os animais, as doenças, as práticas culturais e medicinais e as relações
entre os homens, mulheres e animais. Logo, nessa vertente, o mito tradicional é
uma maneira de explicação ontológica, pois é uma maneira de entender e
principalmente justificar a existência de algo.
A fim de esclarecer ainda mais a proposta de análise deste trabalho, cabe
considerar que, para as sociedades indígenas, o mito expressa sua essência. Ao
compreendermos o mito como narrativas que explicam a gênese das coisas e sua
maneira de relacionar o real ao divino e sagrado, é possível afirmar que o mundo
indígena e sua visão são míticos.
Silva (apud GUESSE, 2014) formula algumas características fundamentais
sobre o pensamento mítico. Tais características seguem os estudos de Cassirer
(1963) e consistem, de modo bem sintético, em: (i) visão subjetiva do mundo; (ii)
visão sintética do mundo; (iii) adesão ao concreto e imediato; (iv) visão dinâmica
do mundo. Sobre estas características, voltaremos a algumas, de maneira mais
específica, para dialogar com as análises apresentadas neste trabalho.
As atividades cotidianas dos povos indígenas são intrinsecamente míticas
e isso é perceptível em algumas narrativas por nós analisadas ao longo desta
pesquisa, as quais se referem a ritos praticados pelos indígenas até hoje.
Conforme Almeida Júnior (2014), o mito conta uma história sagrada; o rito é o
mito vivo, a revivificação da narrativa mitológica. Almeida e Queiroz (apud
GUESSE, 2011) afirmam que a tradição mítica de cada povo constitui um esforço
16
no sentido da representação de si próprio, do que é, do que faz, de como vive, e
do estabelecimento de toda uma moral, um ritual, uma mentalidade, baseando-se
nessa mitologia. Eliade (1972) reforça este pensamento ao focar o estudo dos
mitos de sociedades tradicionais e não, por exemplo, de grandes civilizações,
como a grega, a egípcia ou a romana. A justificativa é que, nas sociedades
tradicionais, o mito está contextualizado no sentido sócio religioso original.
(...) os mitos dos “primitivos” ainda refletem um estado primordial. Trata-se, ademais, de sociedades onde os mitos ainda estão vivos, onde fundamentam e justificam todo o comportamento e Vida a atividade do homem. O papel e a função dos mitos ainda podem (ou podiam, até recentemente) ser minuciosamente observados e descritos pelos etnólogos. Interrogando os indígenas a respeito de cada mito, bem como de cada ritual das sociedades arcaicas, foi possível apurar, ao menos em parte, o significado que lhes atribuem (ELIADE, 1972 p. 8).
A abordagem estruturalista do mito desenvolvida por Claude Lévi-Strauss,
na obra Mito e Significado (1978), reflete sobre o pensamento “primitivo” e a
mente “civilizada”, referindo-se ao fator discriminatório que essa terminologia
apresenta; por isso, Lévi-Strauss denomina como “povos sem escrita” aqueles
povos chamados de “primitivos” e procede a discussão sobre o modo de pensar
dos povos sem escrita dando enfoque à interpretação do seu modo de pensar. O
antropólogo afirma que os mitos despertam no homem pensamentos que lhe são
desconhecidos.
Lévi-Strauss (1978) discute, inicialmente, a interpretação de que o modo de
pensar dos povos sem escrita era ou é determinado a partir de suas
necessidades básicas. O autor considera tal concepção funcionalista, ou seja,
entende-se que estes povos movidos tão somente pela subsistência, satisfação
das necessidades sexuais e demais necessidades básicas e, desse modo, não
são capazes de explicar as suas instituições sociais, as suas crenças e mitologia.
Lévi-Strauss discute também a interpretação de que o modo de pensar
“primitivo“ é apenas um tipo diferente do nosso e, a fim de concretizar tal
interpretação, usa o postulado apresentado por Lévy-Bruhl, que conceitua o
17
pensamento “primitivo” determinado pelas representações místicas e emocionais
em face ao pensamento moderno.
Para Lévi-Strauss (1978), os povos considerados “primitivos” para alguns e
por ele denominados “povos sem escrita”, possuem a capacidade de um
pensamento desinteressado, que abrange a necessidade de compreender o
mundo em que estão inseridos, a natureza e a sociedade da qual participam, não
são totalmente movidos pela necessidade de sobrevivência. Para executar esse
processo, agem por meios intelectuais, do mesmo modo que faz um filósofo e até
mesmo um cientista.
A partir de exemplos tirados de suas experiências na escrita de suas obras,
Lévi-Strauss (1978) discorre acerca da originalidade do pensamento mitológico,
cuja função é desempenhar o papel do pensamento conceptual. Explica, ainda,
que sua intenção não é pôr em igualdade o que conhecemos como explicação
científica e explicação mítica; o que ocorre é que o avanço científico tem
promovido a superioridade (tecnológica?) ante a explicação mítica.
É interessante expor aqui a relação que Lévi-Strauss (1978) faz acerca do
mito e da música: o autor considera que entre mito e música existam as relações
de similaridade e de contiguidade. Ou seja, quando se trata da similaridade, só é
possível compreender o mito em sua totalidade tal qual uma partitura musical; faz-
se necessário ler os mitos como um grupo de acontecimentos, buscando o
significado básico e total e o que se refere à contiguidade. Para o autor, a música
surgiu como elemento que assumiu o lugar do mito, logo as estruturas musicais
são derivadas das estruturas mitológicas. Tanto a música quanto o mito têm sua
origem na linguagem, no entanto cada um teria um aspecto diferente, ou seja,
enquanto o mito privilegia o aspecto do significado, a música tem como foco o
aspecto do significante, o som. A música e a mitologia seriam duas irmãs geradas
pela linguagem que seguiram caminhos diferentes, escolhendo cada uma a sua
direção (LÉVI-STRAUSS, 1978, p.50).
18
1.1.2 O mito e a metáfora
A relação entre mito e metáfora é condicionada pela concepção de que o
mito é, por si só, uma representação metafórica dos saberes, valores, princípios
de uma determinada cultura, ou seja, é uma produção que possui uma
representação simbólica. O crítico canadense Frye (1957), na obra Anatomia da
Crítica, apresenta o mito como uma arte de identidade metafórica implícita. Nessa
vertente, a respeito do mito e da metáfora, o autor explica que:
As metáforas, por seu turno, tornam-se as unidades do mito ou princípio construtivo do argumento, pois enquanto lemos, tomamos consciência de uma série de identificações metafóricas; quando terminamos, temos consciência de uma configuração estrutural organizadora ou mito de que se formou conceito (FRYE 1957, p. 344).
Tal explicação surge a partir do que é posto pelo crítico acerca dos dois
aspectos das estruturas verbais discursivas:
As estruturas verbais discursivas têm dois aspectos, um descritivo, o outro construtivo, um conteúdo e uma forma. O que é descritivo é sigmático: isto é, estabelece uma cópia verbal de fenômenos externos, e seu simbolismo verbal deve ser entendido como um grupo de signos representativos. Mas tudo o que for construtivo em qualquer estrutura verbal parece-me ser invariavelmente alguma espécie de metáfora ou identificação hipotética, quer seja estabelecida entre diferentes sentidos da mesma palavra, quer pelo uso de um diagrama (FRYE, 1957, p. 344).
Wellek e Warren (1976), teóricos dos estudos literários, apresentam os
termos metáfora e mito relacionando-os conjuntamente aos termos imagem e
símbolo. Para os autores, os quatro termos - na sequência imagem, metáfora,
símbolo e mito- se interpenetram semanticamente. Ao tratar da imagística, os
autores afirmam ser ela um elemento que pertence tanto à psicologia quanto aos
estudos literários. Para a psicologia, a imagem tem o significado de:
reprodução mental, uma recordação, de uma passada experiência
sensorial ou perceptual, não necessariamente visual. Em seu
discurso, afirmam que a imagem pode ser visual, auditiva, ou
inteiramente psicológica (WELLEK e WARREN, 1976, p. 230).
19
Já para o leitor de poesia, segundo os autores, o que há é uma distinção
entre a chamada “imagística ligada e a imagística livre”; a imagística ligada
provoca nos leitores, mesmo que individualmente, a imagística denominada como
auditiva e muscular; a imagística livre, composta de imagens visuais restantes,
ocorre de maneiras variadas de pessoa para pessoa ou de tipo para tipo.
O símbolo, assim como a imagem, apresenta-se em variados contextos e
com finalidades distintas. Cita-se o uso do simbólico em expressões da
matemática, lógica, semântica e semiótica, além da epistemologia, poesia e
belas-artes e não se pode deixar de referir ao uso na teologia, uma vez que,
símbolo é um sinônimo de credo.
Ao discorrer sobre o aspecto metafórico das imagens, Wellek e Warren
(1976) dizem que a analogia e a comparação não são meras representações
pictóricas; o que há é uma unificação de ideias diferentes. De acordo com os
teóricos, a analogia e a alegoria são mais importantes do que o aspecto sensorial.
A imagem pode, neste caso, aparecer como descrição ou como metáfora, que
podem ser simbólicas. Conforme os autores, os teóricos da linguagem, em
especial, deram atenção à metáfora, compreendendo-a de distintas maneiras, no
que diz respeito ao gramático e ao retórico:
a metáfora como “omnipresente princípio da linguagem”
(Richards) e a metáfora especificamente poética. George
Campbell diz que a primeira pertence ao “gramático” e a segunda
ao “retórico”. O gramático julga as palavras pela etimologia; o
retórico, consoante elas produzem “o efeito da metáfora no
ouvinte” (WELLEK e WARREN, 1976, p. 242).
Sobre símbolo, imagem e metáfora, uma questão abordada por Wellek e
Warren (1976) é sobre a existência de sentido que confronte estes três
elementos. Os autores, no intuito de responder a tal questão, na recorrência e
persistência do símbolo, afirmam que:
(...) uma “imagem” pode invocar-se uma vez como metáfora, mas,
se se repete persistentemente, quer como apresentação, quer
como representação, torna-se um símbolo, pode até passar a
fazer parte de um sistema simbólico (ou mítico) (WELLEK e
WARREN, 1976, p. 233).
20
Wellek e Warren dizem que o mito é tido como um ponto de estudo com
certa predileção pelo criticismo moderno, pois é uma “(...) zona compartilhada
pela religião, pelo folclore, pela antropologia, pela psicanálise e pelas belas-artes.”
(WELLEK e WARREN, 1976, p. 235) além de ser, em determinados momentos,
confrontado com a história, a ciência, a filosofia, a alegoria e, ainda, à verdade.
Durante o chamado “Século das Luzes”, o mito era concebido como “ficção”, no
entanto, a partir da “Ciência Nova”, de Vico, surge a concepção de mito “(...) como
sendo uma espécie de verdade ou equivalente da verdade; não um concorrente
da verdade histórica ou cientifica, mas sim um suplemento desta” (WELLEK e
WARREN, 1976, p. 236).
Destaca-se, ainda, a ideia concebida por muitos autores de que o mito é
uma espécie de “denominador comum entre poesia e religião” (WELLEK e
WARREN, 1976, p. 238). Em termos de comparação, a religião é pautada como
uma espécie de “mistério maior” e a “poesia, o menor”. Neste sentido, ao tratar do
mito e religião e também do rito, Almeida Júnior (2014) explicita que para o homo
religiosus, mito, rito e religião estão ligados, uma vez que o rito se configura como
um elemento de ligação entre o imanente e o transcendente, entre matéria e
espírito.
Wellek e Warren (1976) discutem o fato de que imagem, metáfora, símbolo
e mito sejam considerados por muitos como elementos de puro ornamento; no
entanto, atualmente alguns estudos têm chamado à atenção quanto ao significado
e a função da literatura que se encontram presentes na metáfora e no mito.
Importa-nos ressaltar que o mito tem sido objeto de estudo de áreas como
antropologia, linguística e psicologia; no entanto, os estudos literários voltados ao
mito seguem, geralmente, uma linha de pesquisa que aborda o modelo mítico na
literatura. Nossa pesquisa busca o caminho inverso: evidenciar aspectos literários
em narrativas míticas.
Frye (1957) afirma que, na crítica literária, mito significa um princípio
organizador estrutural da forma literária e explica:
O modo mitológico, as histórias sobre deuses, nas quais as personagens têm a maior força de ação possível, é o mais abstrato e convencionalizado de todos os modos literários, tal
21
como os modos correspondentes nas outras artes – a pintura religiosa bizantina, por exemplo. Por isso, os princípios estruturais da literatura relacionam-se tão estreitamente com a mitologia e a religião comparativa (FRYE, 1957, p. 136).
Scholes e Kellogg (1977) explicitam que, no sentido etimológico da palavra,
a literatura não ocorre sem escrita, ela é por definição a arte das letras. Para Frye
(1957) a literatura é uma arte de palavra.
Graúna (2013) afirma que, para os indígenas de várias partes do mundo, a
palavra é um elemento sagrado. Cita, por exemplo, que, para os índios Guarani, a
palavra tem alma. Sobre a importância da palavra, Graúna (2013) diz que:
Palavra e identidade se confundem; palavra que passa de pai para filho, dos avós para os netos; palavra carregada de água, palavra vinda da terra, palavra aquecida pelo fogo, palavra tão necessária quanto o ar que se respira; palavra que atravessa o tempo (GRAÚNA, 2013, p. 173).
Outra importante contribuição sobre a concepção de mito é a apresentada
por Borges (2013). O autor, sob a perspectiva da análise do discurso, afirma que:
O mito é, em suma, o espelhamento discursivo que reflete/refrata o imaginário e a ideologia de um povo. Com isto, quero dizer que toda realidade é atravessada pela linguagem que, num movimento simultâneo, transparece e opacifica essa mesma realidade. Sendo, por sua vez, uma forma discursiva que possibilita compreender o complexo cultural, histórico e cognitivo de um povo, o mito medra no território da ideologia (BORGES, 2013, p. 25).
Importa-nos salientar o legado oral do mito, pois, como afirma Barthes
(1987), mito é uma fala. Conforme explicam Scholes e Kellogg (1977) sobre a
fala, o objetivo não é discutir e descrever a sua origem, uma vez que a nós não é
possível determinar de maneira eficiente quando o homem começou a falar. O
que podemos pressupor é que a linguagem é anterior ao próprio homem. Os
autores sugerem que a invenção da literatura pode ter ocorrido há milhões de
anos, quando o homem repetiu pela primeira vez uma expressão vocal que
acabou por dar prazer a si mesmo ou a outro. Consideram que, de certa maneira,
foi assim que se deu início à arte narrativa no ocidente.
22
Desse modo, as raízes da literatura se encontram na oralidade e, ao
tratarmos do mito, não podemos ignorar sua relação com a prática oral. Borges
(2013) afirma que “É nessa relação necessária e constitutiva com a ordem do oral
que o mito se faz materialidade e elemento indispensável no processo de
formação pedagógica e ética em sociedades indígenas” (BORGES, 2013, p. 23).
Lembramos que o corpus de nossa pesquisa é constituído por narrativas
escritas e de cunho mítico, por isso é necessário fazer uma ressalva a fim de que
não haja equívocos para a análise. Não se trata tão somente de mera
transposição para a escrita de um texto da literatura oral. Consideramos que tais
narrativas escritas indígenas, assim como as africanas e as de todos os outros
povos do mundo, têm como objetivo a preservação da memória de um povo e seu
legado cultural, por isso a seleção de textos produzidos em língua portuguesa e
que evidenciem características míticas como transmissão e rememoração.
Procuramos até aqui abordar algumas questões primordiais que são
relevantes ao(s) conceito(s) de mito e ressaltar a relação fronteiriça que há entre
oralidade, mito e literatura para fins de sustentação da nossa análise, bem como
dialogar com o próximo tópico, que trata especificamente da estrutura da narrativa
mítica.
1.2 A estrutura do mito e sua universalidade: tempo, espaço e metáfora
Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana.
(Joseph Campbell, in: O poder do Mito, 1991).
A perspectiva teórica de Mircea Eliade (1972) acerca da estrutura dos
mitos, no capítulo inicial da obra Mito e Realidade, propõe que o contraste no
modo de concepção do termo mito, a partir da visão que lhe era dada no século
XIX, é o ponto de partida da reflexão sobre a estrutura do mito. Até aquele
momento, tinha-se como mito uma forma de “fábula”, “invenção”, um modo de
“ficção” e era, para as sociedades primitivas, sagrado, exemplar e significativo ou
23
uma “história verdadeira”. Ainda hoje, a concepção de mito é usualmente
colocada como “ficção” ou “ilusão”.
Para Eliade (1972), o interesse da investigação de mitos em sociedades
primitivas se dá no fator de tais mitos refletirem ainda um estado original, em
comparação, por exemplo, à mitologia grega, que sofreu modificações ao longo
do tempo. O autor afirma que, nas sociedades primitivas, os mitos ainda estão
vivos e as pesquisas assim conduzidas poderão revelar muito mais a respeito dos
rituais das sociedades tradicionais.
Uma questão central leva-nos ao desenvolvimento do tópico seguinte:
como é possível compreender os textos míticos indígenas? Uma pista é a
compreensão de sua estrutura. A estrutura dos mitos revela e narra não somente
a origem do mundo, dos animais e das plantas e principalmente do homem, mas
refletem em especial a influência que estes fatos primeiros promoveram no
homem que há hoje, ou seja, a existência do homem e do mundo só ocorreu a
partir da atividade criadora dos Entes Sobrenaturais no “princípio”. O homem de
hoje é consequência, resultado dos eventos míticos de sua criação. Para este
homem, o mito é de suma importância, pois tais narrativas estão diretamente
relacionadas com sua existência.
Eliade (1972) passa a discutir, então, que a “história” narrada pelo mito
compõe um conhecimento de ordem esotérica, isso porque tal conhecimento tem
incutido um poder mágico-religioso. A esse respeito, reportamo-nos ao que nos
fala Cassirer (1992), citando Codrington (1981), que afirma que a raiz de toda a
religião reside na crença de uma “força sobrenatural”; a explicação dada é que, a
partir desta ótica, a existência das coisas e as atividades dos homens parecem
inseridas, de algum modo, em um “campo de forças” mítico. Eliade (1972), em
sua explicação, afirma que o ato de “viver” o mito expressa, então, uma
experiência religiosa que difere de sua experiência cotidiana.
A partir da vivência das sociedades arcaicas, Eliade (1972) assim sintetiza
a estrutura e a função do mito:
24
1) constitui a História dos atos dos Entes Sobrenaturais;
2) essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada (porque é obra dos Entes Sobrenaturais);
3) o mito se refere sempre a uma “criação”, contando como algo veio à existência, ou como um padrão de comportamento, uma instituição, uma maneira de trabalhar foram estabelecidos; essa razão pela qual os mitos constituem Os paradigmas de todos os atos humanos significativos;
4) conhecendo-se o mito, conhece-se a “origem” das coisas, chegando-se, consequentemente, a dominá-las e manipulá-las à vontade; (...)
5)de uma maneira ou outra, “vive-se” o mito.
(ELIADE, 1972, p.18)
Lévi-Strauss (1958), ao tratar especificamente sobre a estrutura do mito, na
obra Antropologia Estrutural I, afirma que num mito tudo é possível. A sucessão
dos eventos não está regida sob uma lógica de continuidade bem como o sujeito,
suas características e toda e qualquer relação concebível é possível, no entanto,
mesmo que não haja uma regularidade, os mitos se desenvolvem em várias
regiões do mundo com as mesmas características e mesmos detalhes. É desse
ponto que surge o questionamento: “se o conteúdo do mito é inteiramente
contingente, como explicar que, de um extremo a outro da terra, os mitos se
pareçam tanto?” (LÉVI-STRAUSS, 1958, p. 223).
Na análise do mito proposta por Lévi-Strauss (1978), a discussão diz
respeito ao ponto em que os mitos devem ser tomados como pertencentes a uma
totalidade, daí o seu caráter universal. Lévi-Strauss (1978) cita, por exemplo, que
um significado não encontrado em um mito específico pode ser pleno de
significado em outro. Por esse motivo, para a pesquisa que ora apresentamos, foi
realizada a escolha de narrativas míticas indígenas de várias etnias e não
somente as de uma etnia em particular.
A fim de abordar o caráter universal do mito, Lévi-Strauss chama a atenção
para o fato de que apenas aproximar o mito da linguagem não é suficiente para a
análise comparativa, pois o mito faz parte da linguagem. É através da palavra que
ele aparece e está inserido no discurso; nas palavras do autor, “Se quisermos dar
25
conta das características específicas do pensamento mítico, devemos, portanto,
estabelecer que o mito está ao mesmo tempo na linguagem e além dela” (LÉVI-
STRAUSS, 1978, p.224).
Com base nas leituras realizadas para o desenvolvimento desta seção,
consideramos que são três os elementos estruturantes da narrativa mítica e que
estão presente nos mitos de várias regiões: o tempo, espaço e a metáfora. Por
isso, esses três eixos estruturantes serão explanados individualmente nos tópicos
seguintes.
1.2.1 Estrutura da narrativa mítica: tempo mítico
Os mitos apresentam características muito particulares em sua estrutura
narrativa. Uma das características da estrutura mítica apresentada por Lévi-
Strauss é a questão temporal, pois o mito sempre se refere a eventos passados,
acontecimentos que ocorreram “há muito tempo”, “antes da criação do mundo”,
“nos primórdios”. Importante ressaltar que, sobre os elementos básicos da
narrativa, conforme Labov/Valetsky (apud Hanke, 2003, p. 3) a exigência mínima
para se caracterizar uma narrativa é uma ligação temporal com pelo menos duas
sentenças ou elementos que a compõem, como por exemplo, espaço e
personagens.
Silva (1995) pondera que os mitos ocorrem em tempos definidos em uma
sucessão plena de sentidos. Para a autora, “o mito constrói e reconstrói a história
do mundo, da sociedade, da humanidade, das origens até as primeiras criações;
da ordem do caos inicial até a separação de espaços, momentos e seres tal como
se encontra, hoje, o mundo” (SILVA, 1995, p.331).
Durante a seleção de narrativas para a análise, foi possível verificar este
caráter universal do mito, o aspecto temporal. A seguir, apresentamos um recorte
de trechos das narrativas que refletem tal aspecto:
Na antigamente os mais velhos, gostam de caça para se alimenta os seus filhos e suas mulheres. Segundo os mais velhos contam que á sua principal arma é arco e flecha, para se defender dos
26
inimigos e para á caça também. Os mais velhos contam, que no antigamente os bichos não tinham medo.
(Rosinaldo Ora Não e Antenor Oro Waram)
Antigamente os mais velhos se reunião para bater o timbó no igarapé, para pegar peixe, para sua alimentação.
(A Pescaria. Clenilda Alcio)
Antigamente a festa tradicionais é organizada pelo cacique da aldeia.
(As festas tradicionais. Edmilson Oro Waram Xijein e Silvano Oro Waram Xijein)
Era uma vez, que não tinha mais nada para comer na aldeia, os povos na aldeia fiaram com muita fome.
(Jeremias Oro Não)
Observe-se que, nos trechos em destaque, os autores utilizam o vocábulo
antigamente com a intenção de marcar os eventos enquanto acontecimentos
ocorridos no passado. Temos ainda a utilização da expressão era uma vez tão
comum em fábulas e contos de fadas. Desse modo, verificamos que os
narradores/autores são conhecedores dos fatos, mas estão temporalmente
distantes deles. A partir desse elemento, é possível compreender, conforme diz
Lévi-Strauss, que o mito não é linear cronologicamente; é uma estrutura
permanente que comporta passado, presente e futuro simultaneamente.
Rodrigues (2013), a partir do pensamento teórico de autores como
Meletínsk (1987), Eliade (1992) e Gusdorf (1953), elabora um tópico referente ao
elemento estruturante da narrativa mítica: o tempo. A autora afirma que, para
Meletínsk (1987), o passado mítico é a época da criação primeira, é o supratempo
dos tempos iniciais que antecederam o começo da contagem do tempo empírico.
Explica, ainda, que este passado mítico é reatualizado com a ajuda dos rituais e
por isso é possível atribuir a concepção cíclica do tempo mítico com o tempo
empírico. A reflexão sugerida por Melétinsk, citado por Rodrigues (2012, p. 36) é
que “tempo mítico e histórico interpenetram-se, assim como as diferentes
perspectivas sobre o mito no que diz respeito à representação do tempo e do
espaço nas narrativas míticas”.
27
Quanto ao pensamento de Eliade (1992) sobre o tempo mítico, Rodrigues
(2013) esclarece que, para o autor, o tempo está configurado como uma forma de
recusa do tempo histórico, embora não o exclua de sua configuração total.
A partir dos postulados de Gusdorf (1953), que confere ao tempo mítico o
status de herdeiro do tempo primitivo, Rodrigues (2012) explica que ambos os
tempos valorizam a sensação do tempo e não sua passagem; que a “consciência
do tempo” é originada na memória e é formada através de estruturas formadas a
partir de tempos particulares provenientes de sensações individuais, ou seja, o
tempo mítico possui uma duração específica. Tal duração é realizada pelas
sensações dos seres diante dos acontecimentos.
Rodrigues (2013) utiliza os estudos de Eliade (1992), uma vez que o autor
revela ser o tempo mítico uma oposição do tempo sagrado ao profano. É um
tempo primordial que se faz presente e dá indícios da eternidade. Para o autor
não há acontecimento que seja irreversível, que não possa ser transformado.
Nesse sentido, o que há é uma repetição e esse movimento repetitivo tem a
função de conferir realidade ao acontecimento, bem como é necessário
esclarecer que essa repetição nada mais é que uma imitação de um arquétipo
tido como um modelo exemplar. É neste contexto que os rituais vão se
estabelecer, pois o ritual é a configuração de um tempo concreto projetado em um
tempo mítico.
Algumas narrativas selecionadas neste trabalho apresentam a descrição de
rituais que são “praticados até hoje” pelos povos indígenas e revelam a repetição
desses rituais na busca da materialização do mito, conforme se pode verificar nos
trechos abaixo, extraídos das narrativas A pescaria, Os Paiterey e Aldeia Palhal:
Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande pescaria.
(A Pescaria. Marinês Canoé) Eu moro na aldeia Palhal vou contar um pouco da história dos povos Tupari que ainda preserva sua cultura.
(Aldeia Palhal. Arlene Tupari, Edna Aruá, Misma Canoé, Valmir Makurap e Maurício Tupari)
28
Nós povo Paiter (Suruí) vivem em sociedade na aldeia. Até hoje guardamos e praticamos nosso costume e crença.
(Os Paiterey. Diori Suruí, Idevaldo Suruí, Ferrari Suruí, Rubem Suruí, Eclesio Arara)
Lévi-Strauss afirma que, como todo ser linguístico, o mito é formado por
unidades constitutivas; pondera também que o mito é pertencente à ordem da
linguagem e faz parte dela, por isso a linguagem utilizada na narrativa mítica
abarca propriedades específicas. Inferimos, então, dos exemplos extraídos das
narrativas, o aspecto temporal projetando a repetição e a continuidade.
Nas narrativas A pescaria e Aldeia Palhal, o advérbio temporal ainda dá o
caráter de continuidade do acontecimento, pois é uma prática do tempo
primordial, mas que neste tempo atual ocorre entre os indígenas. A seleção
vocabular do narrador reflete a preocupação de colocar o leitor a par da história
contada em uma interseção temporal: passado e presente, ou seja, o tempo
mítico. Também na narrativa Os Paiterey a locução adverbial até hoje abarca a
função de demonstrar um tempo mítico inserido no tempo histórico.
1.2.2 Estrutura da narrativa mítica: espaço mítico
O campo simbólico se baseia nas experiências das pessoas de uma dada comunidade, num dado tempo e espaço. Os mitos estão tão intimamente ligados à cultura, a tempo e espaço, que, a menos que os mitos e as metáforas se mantenham vivos, por uma constante recriação através das artes, a vida simplesmente os abandona.
(Joseph Campbell. In: O poder do Mito, 1991).
A variabilidade das noções do espaço materializa inúmeras discussões em
diversos campos de conhecimento e com diferentes propósitos. Importa para a
discussão aqui exposta, a apresentação do espaço na narrativa mítica e, mais
adiante, a configuração do espaço no campo literário.
29
Silva (1995) expõe que os acontecimentos míticos podem ocorrer em
espaços imaginários, concebidos, como por exemplo: domínio do cosmos,
povoados, mata, céus, o subterrâneo e assim por diante.
Rodrigues (2013) delineia seu trabalho sobre o espaço mítico a partir do
exposto por Georges Gusdorf (1953), para quem a categoria espacial se
apresenta como “a dimensão do mundo e do pensamento e indica abstração do
mundo ou invenção do espírito” (GUSDORF, 1953, apud RODRIGUES, 2013, p.
38). O espaço mítico, conforme a afirmação do autor é oposto ao espaço vazio e
formal em que estão situados nossos pensamentos e atividades, bem como é
também um espaço primitivo. A denominação dada pelo estudioso ao espaço
mítico é “Grande Espaço” e dá ênfase ao aspecto sagrado da categoria.
Esclarece ainda que, assim como o tempo mítico, o espaço mítico:
(...) não depende do conhecimento objetivo, de uma realidade dada, ele é imaginado e se constitui no interior, pelas percepções e sensações dos seres, o que lhe concede a ideia de espaço indefinido porque o esse espaço não condiz com a organização de uma existência possível, é o local de uma existência real a qual lhe dá sentido (GUSDORF, 1953, p.53 apud RODRIGUES, 2013, p.39).
O elemento espaço e o aspecto sagrado ocorrem na própria estrutura do
mito, “pois ambos constituem um horizonte transcendente de uma atividade que
se implanta como liturgia cósmica, constituindo o grande espaço ontológico,
princípio de orientação dos seres em que se valha da consciência e dos sentidos”
(GUSDORF, 1953, p.59 apud RODRIGUES, 2013, p. 39). Interessante ressaltar
que, para esse estudioso, as festas, comemorações e os sacrifícios são os
eventos que fazem florescer autenticamente o tempo e o espaço mítico, ou seja,
são nestes rituais que a realidade humana é transfigurada. No espaço mítico
existem lugares que são privilegiados e exclusivos ao sagrado. Por exemplo, o
caso da montanha que representa a ligação entre o céu e a terra e também a
morada humana que é constituída como um espaço existencial e sagrado, pois é
capaz de refletir o mundo. Os trechos abaixo, retirados de uma das narrativas de
nossa pesquisa, podem ilustrar tal afirmativa:
30
Primeiramente entramos na floresta para tirar os esteios e os caibo, tiramos e colocamos para o local, onde vai ser feito a casa.
O dono da casa não trabalha sozinho, ele pede para a mulher fazer chicha para as pessoa da comunidade ajudar.
Depois de tanto trabalho, comemoramos, fazemos a festa, bebemos chicha, comemos mbiako, peixe, etc.
(A construção da casa indígena. Catiucia Adaila)
Na narrativa escrita por Catiucia Adaila, A construção da casa indígena,
podemos perceber o sagrado que aparece neste evento, uma vez que o processo
de construção da casa obedece a rituais. Mais do que prover os materiais,
retirados da floresta, a construção da casa é um trabalho coletivo: necessita da
ajuda de todos os homens, é preciso que a mulher faça a chicha -bebida típica,
para ser servida aos trabalhadores- e a finalização desse acontecimento é
comemorada pela comunidade através de uma festa.
Consideramos ainda que, para o nosso estudo, a importância da categoria
espaço está relacionada aos tipos de metáforas apresentadas por Lakoff e
Johnson (2002): as metáforas orientacionais e ontológicas. As metáforas
orientacionais são construídas a partir da observação do funcionamento do corpo
humano em relação ao meio em que o indivíduo vive. Referem-se principalmente
às sensações e orientações espaciais ou temporais como: para cima, para baixo;
frente, atrás. As orientações espaciais decorrem do modo como o corpo humano
funciona no ambiente físico que o rodeia. Sobre as metáforas ontológicas, as
experiências com objetos físicos em relação ao corpo dos indivíduos oferecem
como base a noção espacial, onde é possível conceber eventos, ideias, emoções,
atividades como entidades e substâncias.
A discussão leva-nos a afirmar que o espaço tem a capacidade de revelar
particularidades da narrativa. Conforme postulam Oliveira e Silva (2012, apud
BARBIERI, 2009, p. 105) o espaço está impregnado de diversas informações
culturais, além de apresentar as características físicas e geográficas.
Com base nas narrativas que compõem o corpus do trabalho aqui
apresentado, constata-se claramente como o espaço da mata (floresta) é
31
importante para os povos indígenas. Em algumas narrativas míticas analisadas, é
possível postular que as construções linguísticas metafóricas têm como domínio
de origem espacial a mata (floresta/sagrado).
A hipótese é que o espaço da mata tem significado de vida, uma vez que é
dali que os povos indígenas tiram seu sustento, sua sobrevivência. A importância
fundamental da floresta pode ser inferida na narrativa de criação escrita pelo
indígena Frederico:
Quando Deu criou o mundo. Deu colocou nos índio na floresta para cuida. Só que os branco estão destruído a floresta isto é grande tristeza para nos Por que nos precizamo dela para sobrevive. e dali onde nos tira nosso alimento. O rio e muito importante para nos por que nos pressiza da água para beber, toma banho pesca. Nos índio somo dono da floresta e do rio, por que foi Deu que colocou para nos cuida.
(A criação do mundo. Frederico)
A análise também revela a importância do rio para os povos da floresta; na
narrativa “O Rio”, os autores descrevem a relevância desse recurso natural para
os indígenas.
O Rio
O rio é muito importante, para a existência da vida. É nele que encontramos grande quantidade de água, e de onde retiramos os peixes para a nossa alimentação. O rio é um ecossistema, que possibilita a reprodução de várias espécies de peixes, além de servir para banharmos e nos divertirmos. Também é um meio de locomoção, onde viajamos, ou buscamos recursos que necessitamos para realizar outras atividades. Um exemplo é a busca de timbó, que utilizamos para pescar nos lagos, ou nos igarapés, o cipó possui uma substancia que mata os peixes, assim os recolhemos, e os levamos para comer. O rio todo ano passa por um processo, e muda constantemente. No período da chuva o rio enche e assim possibilita que outros peixes cheguem até os locais, onde anteriormente foi realizado a pesca com o timbó. É no período da seca, que realizamos essa atividade. Destas formas utilizamos, o rio e seus recursos. Porém deve haver conciência humana para que esse bem possa existir para as gerações futuras.
(Edmar Aruá, Morais Tupari, Edmar Oro Mon, Edson Oro Mon, Juari Tupari, Carlos Tupari, Inacio Oro Mon)
32
Com a finalidade de mostrar a relação do indígena com os espaços
geográficos, elaboramos, através de um apanhado geral em variadas narrativas
indígenas, dois quadros apresentando informações sobre os espaços da floresta
(mata/mato) e do rio (água, lago, igarapé, igapó). O espaço da floresta é
demonstrado no Quadro 1, a seguir:
QUADRO 1 – O ESPAÇO DA FLORESTA
Interior do Espaço
Trechos das narrativas
Rio:
água, lago,
igarapé
Reuniram varias pessoas para irem fazer timbó; Depois foram no mato: colheram muitas folhas e cipós: Encheram os paneiros e foram embora. Ao chegar na aldeia machucaram todas as folhas e cipós. Depois de machucados as folhas foram até o lago onde desejavam colocar as folhas que eles tinham machucado.
(O Timbó. Liliane Cujubim)
Alimentos
Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande pescaria. O cacique reúne o povo e marca um dia para fazer esse tipo de pescaria. As mulheres vão para a floresta colher frutos outras vão pegar a mandioca e o milho.
(A pescaria do povo Kaxarari.Marinês Canoé)
A caçada realizada na nossa Aldeia Gamir é assim o cacique tradicional reune os homens da comunidade de manhã para fazer a caçada eles saem juntos pela estrada se separam, ou se espalham no mato quem matar algum bicho tras para o cacique e as esposas dele cozinham na panela depois de pronto chama os homens que foram caçar e eles repartem a carne e tem que ser sem a presença de mulher.
(A caçada. Edna e Geovane Suruí)
Elementos
para a construção das casas
Em primeiro lugar construímos a casa desta forma. Sabemos que é um trabalho muito pesado. Primeiramente entramos nas floresta para tirar os esteios e os caibo...Entramos novamente na floresta para retirar as palha para cobrir a casa.
(Construção da casa indígena. Catiucia Adailo)
Cipó para o
timbó
As mulheres vão para o mato buscar o cipó que e chamado timbor e um tipo de veneno para o peixe.
(A festa do peixe. Marcílio Oro Não)
Remédios
Nós povo arara usamos ervas medicinais do mato, esse remédio é usado para a criança de 8 a 10 mêses para a criança andar rápido.
(Angela, Rute, Adão, Mariza, Bené)
Fonte: Elaboração da autora a partir das narrativas escritas pelos professores indígenas
33
Os recursos provenientes do espaço do rio são demonstrados no Quadro
2, a seguir:
QUADRO 2 – O ESPAÇO DO RIO
Recursos
Trechos das narrativas
Alimento Eles vão para o rio e começa a pescaria de lavagem do produto pisado, os peixes começam morrer. Quando os estiver mortos eles pegam os peixes, eles voltam para suas casas com muito peixes para suas famílias.
(A pescaria. Olinda Edinar Oro Waram)
Transporte Também é um meio de locomoção, onde viajamos, ou buscamos recursos que necessitamos para realizar outras atividades. Um exemplo é a busca de timbó, que utilizamos para pescar nos lagos, ou nos igarapés, o cipó possui uma substancia que mata os peixes, assim os recolhemos, e os levamos para comer.
(O rio. Edmar Aruá, Morais Tupari, Edmar Oro Mon, Edson Oro Mon, Juari Tupari, Carlos Tupari, Inacio Oro Mon)
Fonte: Elaboração da autora a partir das narrativas escritas pelos professores indígenas
Quando nos referimos ao espaço mítico, é mister salientar que se trata de
um espaço que não abarca as mesmas leis da natureza do mundo real. O
processo de produção do espaço mítico está intimamente ligado ao sagrado. Tal
premissa pode ser discutida a partir do que Eliade (2010, apud BRANDÃO, 2013)
nos explana na obra O Sagrado e o Profano, pois ali temos a relação que o Homo
religiosus estabelece com o espaço.
Para o homo religiosus o espaço não é homogêneo, ele apresenta roturas: há porções no espaço que são mais “fortes” ou “significativas”, porque ali ocorreu uma hierofonia: manifestou-se o sagrado. Tendo sido o cosmos criado pelos deuses, é ele uma grande hierofania... Tal perspectiva encontra sua formulação na filosofia panteísta: tudo é manifestação divina e, portanto, sagrada.
(ELIADE, 2010, apud BRANDÃO, 2013, p.35)
Nas narrativas míticas indígenas, é possível verificarmos que o espaço da
floresta é um dos espaços sagrados onde ocorrem manifestações que somente ali
são possíveis e realizáveis, pois fazem parte deste espaço sacralizado. Os
espaços geográficos da floresta (mata) e das águas (igarapé) revelam ainda a
34
relação com o sagrado. Para mostrar tal relação, trazemos exemplos retirados de
duas diferentes narrativas míticas amondawa, onde temos o mito de criação e
origem da mulher.
Narrativa 1
A mulher do índio
Tangip Amondawa (1997)
Antigamente nós não tinha mulher. Era o índio mesmo que tirava e fazia chicha. Tinha um índio velho, mas que entendia de tudo...Ele ficou pensando, pensando até que teve uma ideia. Aí ele foi no mato e conseguiu trazer a mulher. Ele trouxe a mulher para casa, escondeu a mulher e não mostrou pra ninguém. Daí era a mulher que fazia a chicha na casa. Um dia um rapaz foi lá na casa do velho e tomou chicha. O rapaz viu que a chicha do homem era diferente. Aí perguntou pro velho: - Como que tu fez a chicha? O velho jurou que era ele mesmo que tinha feito a chicha e não contou pro rapaz que ele tinha ido no mato fazer mulher. O rapaz não acreditou e desconfiou do velho: - Não!!! Acho que não!!! Acho que ele mesmo não isso daí. Não tava assim a chicha dele... Aí o rapaz chamou outros índios e falou: - Vamos lá ver escondido, ver se ele mesmo que fez a chicha. Aí foram lá olhar escondido, né? E viram a mulher fazendo a chicha pro homem. Foram lá com ele e disseram: - Tu tem mulher sim !!! - Aonde tu viu? Eu vi aqui na sua casa. - Não !!! Eu não tenho mulher não!!! - Não!!! Tu tem sim. Como é que tu fez mulher? Aí o rapaz queria mulher, outro rapaz também queria mulher, aí endoidaram pra fazer mulher também. Aí o velho contou como tinha feito a mulher. Daí o outro rapaz foi no mato jogou a casca do pau e voltou sem pau e não conseguiu trazer a mulher. Voltou lá com o velho e perguntou de novo como que fazia a mulher. O velho perguntou pro rapaz. - Como é que tu fez lá? - Eu fiz assim, assim, assim, foi assim, assim. - Não, tu fez tudo errado. Agora tu vai lá outra vez e joga no mato. Tu não olha primeiro pra trás, não! Tu fica lá sentado, só corta e joga. Na hora que mexe aí tu olha pra trás. - Tá bom. Aí o rapaz voltou lá outra vez na mesma hora, sabe? Aí, conseguiu fazer mulher. Aí ficaram duas mulheres.
(In: SAMPAIO, SILVA E MIOTELLO (Orgs.), 2004, p.15)
35
Narrativa 2
A origem da mulher Tari Amondawa (1998)
É... sei que igarapé tem peixe, né? Tem muito Mandi por aí. (Acho que
Mandi mesmo). Aí não tinha mulher nada! Um dia um homem foi pescar, aí vai, vai lá, ele vai pescar no igarapé, né? Quando ele puxou o peixe, ih!...tão bonita era a mulher!
(In: SAMPAIO. SILVA E MIOTELLO (Orgs.), 2004, p. 29)
A partir da leitura da narrativa 1, é possível verificar primeiramente que, na
cultura indígena amondawa, a produção da bebida típica chicha é feita pela
mulher; no entanto, antes de sua criação era o homem quem fazia. Nota-se que a
bebida produzida pelo ser feminino é diferente é melhor. A mulher é criada na
floresta, o espaço que tem intrínseca relação com o sagrado, pois é o espaço que
torna possível a atividade de criação do feminino. Neste espaço natural e
sacralizado, é possível ao homem realizar a façanha de mudar a estrutura social
com a inserção da mulher na comunidade.
Na narrativa 2, temos o espaço do igarapé (que se encontra no interior da
floresta), em que a origem da mulher é atribuída ao peixe, que vive na água; a
mulher, de maneira simbólica, é pescada no igarapé pelo próprio homem. Estes
exemplos podem demonstrar o que Lévi-Strauss afirma sobre a narrativa mítica:
tudo pode acontecer num mito.
Buscamos neste trabalho as construções linguísticas metafóricas que
evidenciam as noções de espaço, pois questões culturais acabam por
transparecer nas construções metafóricas de ordem espacial, revelando como os
povos indígenas estabelecem sua relação com o ambiente em que vivem,
comprovando, deste modo, que as metáforas estão presentes em nosso cotidiano
através de nossa experiência com o meio que nos circunda.
36
1.2.3 Espaço Literário: percursos e conceitos
Mas a função da linguagem não é o seu ser: se sua função é o tempo seu ser é o espaço.
Michel Foucault
A partir do livro Teorias do Espaço Literário, do professor, pesquisador e
escritor Luís Alberto Brandão (2013), realizamos um apanhado breve e geral
acerca do conceito de espaço literário, a fim de relacioná-lo ao que já foi exposto
em relação ao espaço mítico, bem como dialogar na análise com as narrativas
míticas indígenas. A escolha se deve ao fato de Brandão dedicar sua pesquisa a
demonstrar as variações da categoria espaço na literatura, na teoria literária e na
crítica ao longo do século XX e início do século XXI.
Pelo viés diacrônico, Brandão (2013) discute o espaço através de duas
perspectivas relacionadas. Uma se refere à “história do espaço” ou, como o autor
afirma, o registro das transformações do espaço no decorrer de determinado
período e a outra diz respeito às transformações do espaço enquanto conceito. A
primeira é discutida pelo autor a partir do levantamento das variadas formas de
percepção espacial, as quais incluem os sentidos do corpo humano e ainda os
sistemas tecnológicos rudimentares ou complexos, de observação, mensuração e
representação. A segunda diz respeito ao conceito de espaço enquanto construto
mental usado para a produção do conhecimento humano seja de natureza
científica, filosófica ou artística.
Do ponto de vista da cartografia, já é possível perceber as variações que
as representações espaciais sofreram em cada período e em cada cultura. Como
possibilidade para tais variações, podemos elencar os condicionantes
econômicos, sociais e políticos. Brandão (2013) nos informa também que uma
outra forma de organização espacial humana determinante foram as cidades.
Concomitante à historiografia do espaço, temos também as transformações
históricas do conceito de espaço nos diversos e mais importantes campos do
conhecimento. O autor afirma que o espaço possui distintas histórias, mas que há
37
um cruzamento entre os campos obrigando uma abordagem transdisciplinar. Por
esse motivo, Brandão mostra-nos como é apresentado o conceito de espaço.
No campo das ciências sociais, Brandão (2013) questiona a relação
espaço e tempo, pois considera que não há mais possibilidade de priorizar o
tempo em detrimento do espaço. Na Física, cita dois personagens principais e
determinantes para o conceito de espaço, Newton e Einstein, ou seja, a noção de
espaço absoluto e a noção de espaço relativo. No campo da filosofia, cita as
premissas de Kant no que se refere ao espaço e tempo como categorias
apriorísticas; Heidegger, que propõe uma ontologia dos espaços e Bachelard ao
tratar da imaginação poética. Por fim, são destacados os postulados de Michel
Foucault, para quem “o espaço é fundamental em qualquer forma de vida
comunitária; o espaço é fundamental em qualquer exercício de poder”; e Deleuze
e Guattari no que se refere à geofilosofia e à concepção de pensamento como
série de movimentos de “territorialização” e “desterritorialização”.
Em seguida, Brandão indaga sobre o papel desempenhado pela categoria
do espaço na história da teoria da literatura e a partir de sua consolidação, no
início do século XX. Segundo o autor, a busca por um objeto específico, bem
como uma definição para literariedade é que provocam a concretização da teoria
literária. Segundo Brandão (2013):
Essa busca exige, do estudioso, distanciamento em relação à estética (como ramo da filosofia), recusa das análises de cunho impressionista ou de decodificação simbólico-metafísica, e questionamentos de abordagens - de natureza historicista, psicológica, biográfica ou sociológica - cuja ênfase recai em aspectos “extrínsecos” ao texto (BRANDÃO, 2013, p. 22).
Com a difusão do estruturalismo, a partir dos anos 60, e sua ênfase na
“gramaticalidade” do texto literário, o espaço, enquanto categoria dentro da teoria
da narrativa, segundo Brandão, desempenha papel secundário, pois os focos são
direcionados às vozes, temporalidades e ações. No entanto, Brandão (2013, p.
25) afirma que:
No cerne do pensamento estruturalista, porém, ganha força a ideia de que é a partir da prevalência da sincronia sobre a diacronia que as questões sobre gênese e filiação, ou seja, vinculadas ao “determinismo temporal”, cedem lugar à análise das
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relações responsáveis pela coerência interna das obras, isto é, ao “determinismo espacial”, nas palavras de Gérard Genette.
A explicação dada é que a categoria espacial passa a ser tratada não
somente de maneira identificável nas obras, mas sim como um sistema
interpretativo, modelo de leitura e orientação epistemológica. Passa-se então a
designar de maneira metafórica o “espaço da linguagem”. Genette (apud
BRANDÃO, 2013, p.25) declara que:
Hoje a literatura - o pensamento - exprime-se apenas em termos de distância, de horizonte, de universo, de paisagem, de lugar, de sítio de caminhos e de morada: figuras ingênuas, mas características, figuras por excelência, onde a linguagem se especializa a fim de que o espaço, nela, transformado em linguagem, fale-se e escreva-se.
Brandão (2013) elabora proposições para a discussão acerca dos
conceitos do espaço e afirma que uma delas se refere ao atual momento em que
há um interesse pelos problemas e também potencialidades do conceito de
espaço. Para o autor, o interesse é motivado a partir das mudanças operadas
pela mecânica quântica e pela física relativística sobre os fundamentos da física
newtoniana. Em síntese, o autor afirma que o espaço deixa de ser o pano de
fundo absoluto do universo e passa a assumir e ser aceito como categoria a priori
da percepção.
Brandão considera importante acrescentar que, por ser usado em vários
campos de conhecimento e com diversificadas funções, o termo espaço
apresenta problemas de limitação que devem ser explicados:
O verbete espaço consta de obras de referência - dicionários, enciclopédias, glossários - de filosofia, arquitetura, linguística, geografia, semiótica, física, sociologia, teoria literária, símbolos, comunicação, urbanismo, teoria da arte, obras nas quais é comum se ressaltar a variedade de acepções associadas ao vocábulo, mesmo nas áreas em que este possui valor de preceito. (BRANDÃO, 2013, pp. 49-50)
Ao utilizar como alvo os estudos literários ocidentais do século XX, o autor
define quatro modos de abordagem do espaço na literatura: (i) representação do
espaço, (ii) espaço como forma de estruturação textual, (iii) espaço como
focalização e (iv) espaço da linguagem.
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Por representação do espaço no texto literário, o autor nos informa ser este
provavelmente o mais recorrente e explica que o espaço é abordado como uma
categoria que existe no universo extratextual, principalmente nas tendências
neutralizantes, pois ao espaço são atribuídas características físicas e concretas. É
nesta abordagem que o espaço é tido como “cenário”, ou seja, são “os lugares de
pertencimento ou trânsito dos sujeitos ficcionais, recurso de contextualização da
ação” (BRANDÃO, 2013, p.59).
A representação do chamado “espaço urbano” no texto literário é a
abordagem mais difundida nos estudos literários da atualidade. Outra abordagem
é a que está em conformidade aos estudos culturais e que, segundo Brandão
(2013, p.59), utiliza um léxico espacial que possui termos como: margem,
território, rede, fronteira, passagem e cartografia. Esta última tendência visa à
compreensão das variadas formas de espaços representadas no texto literário,
pois tais formas espaciais se unem a identidades sociais específicas.
Brandão explicita ainda o contraste entre os efeitos gerados por
procedimentos descritivos e procedimentos narrativos em que a categoria
espacial é principalmente descritiva. Finaliza a explicação, complementando:
“Outra estratégia é o reconhecimento de polaridades espaciais e a análise de seu
uso, tomando-se o espaço como conjunto de manifestações de pares como
alto/baixo, aberto/fechado, dentro/fora, vertical/horizontal, direita/esquerda”
(BRANDÃO, 2013, p. 59).
Seguindo o percurso apresentado por Brandão (2013), há uma segunda
abordagem do espaço na literatura e esta se refere aos procedimentos formais e
de estruturação do texto. Nesta tendência, conforme postula o autor, ocorre a
suspensão ou retirada de noções referentes à temporalidade, em especial as que
fazem referência à natureza consecutiva da linguagem verbal, que possui
característica contínua, linear e progressiva.
Inseridos neste conceito de estruturação espacial, Brandão (2013), cita
dois estudos clássicos: “Spatial Form in Modern Literature”, de Joseph Frank, e O
Espaço Proustiano, de Georges Poulet. A análise feita pelos críticos caracteriza o
texto literário moderno a partir do seu caráter fragmentário; para ambos, há uma
40
recusa ao fluxo temporal da linguagem verbal, por sua constituição de
ambivalências físicas e simbólicas. Os autores trabalham em favor de espaços
num lapso (ou perda da noção linear) de tempo, como “série de quadros que se
justapõem”.
O terceiro modo apresentado na categoria espacial é o que diz respeito a
um ponto de vista, focalização ou perspectiva. Tais ideias vêm da premissa de
que a literatura é capaz de promover algum tipo de visão. Neste contexto,
Brandão (2013) afirma que a visão é elaborada como uma faculdade espacial que
tem por base a relação entre dois planos: (i) espaço visto, percebido, concebido,
configurado e (ii) espaço vidente, perceptório, conceptor e configurador.
Finalmente, como quarto modo, temos a compreensão acerca da categoria
espacial em que é feito um afastamento do ponto de vista representacional e
passa-se a propor a linguagem verbal como característica da espacialidade, ou
seja, há uma espacialidade própria da linguagem verbal. A alegação de Brandão
em sua pesquisa é que a palavra também é espaço e acrescenta: “Gérard
Genette, no artigo La Littérature et l’espace, chega a advogar que “a linguagem
[verbal] parece naturalmente mais apta a exprimir as relações espaciais do que
qualquer outra espécie de relação (e, portanto, de realidade)” (BRANDÃO, 2012,
p.63).
Para discutir este ponto de vista, Brandão desenvolve duas linhas de
argumentação: a primeira considera que tudo que é da ordem das relações é
espacial e a segunda considera que a linguagem é espacial, pois é composta de
signos que possuem materialidade.
Na primeira linha de argumentação, o autor discute novamente o contraste
do espaço com o tempo, considerando que “a ordem das relações, que define a
estrutura da linguagem, é espacial à medida que é abordada segundo o viés
sincrônico, simultâneo, e não diacrônico, histórico” (BRANDÃO, 2012, p. 63). Para
explicar a segunda linha de argumentação, Brandão afirma que “a palavra é uma
manifestação sensível, cuja concretude se demonstra na capacidade de afetar os
sentidos humanos, o que justifica que se fale da visualidade, da sonoridade, da
dimensão tátil do signo verbal” (BRANDÃO, 2012, p. 64).
41
Para finalizar, Brandão esclarece que o texto literário é considerado
espacial, pois os signos que o formam são corpos materiais e sua função
intelectiva não esquece a exigência da percepção sensível no ato da recepção.
Logo, o texto literário é espacial “quanto mais a dimensão formal, ou do
significante, é capaz de se destacar da dimensão conteudística, ou do significado”
(BRANDÃO, 2012, p. 65).
1.2.4 Estrutura da narrativa mítica: a metáfora
O terceiro elemento estruturante da narrativa mítica é o que diz respeito à
metáfora. Neste tópico, realizaremos apenas uma breve apresentação da relação
entre metáfora e mito, pois o aspecto metafórico será abordado na seção
seguinte.
Cassirer (1992) afirma que a metáfora é o vínculo entre a linguagem e o
mito e é o elemento que promove a unidade mítica. Rodrigues (2013) nos
apresenta a definição que Cassirer (1992) elabora acerca da metáfora. Para o
filósofo alemão, a metáfora não configura tão somente a mera transposição de
uma palavra para outra classe já existente, mas a própria criação em que ocorre a
passagem. Em síntese:
O que para nós aparenta ser uma transferência, constitui, para o pensar mítico, uma autêntica e imediata identidade (CASSIRER, 2009, p.111), originando-se assim a metáfora mítica que é concebida por meio da metáfora linguística, fonte de fertilidade constante (RODRIGUES, 2013, p. 31).
Wellek e Warren (1976) afirmam que o significado e a função da literatura
estão centralmente presentes na metáfora e no mito. Os autores esclarecem que
a metáfora e o mito (assim como imagem e símbolo) eram considerados pelos
antigos estudiosos literários apenas como elementos decorativos, de ornamento e
destacáveis das obras literárias.
Consideramos o quão importante é o estudo das metáforas nas narrativas
míticas para a literatura, por isso na próxima subseção serão apresentadas
algumas das diferentes abordagens sobre a questão da metáfora no que se refere
42
às perspectivas clássica e cognitiva, com base em estudos disponíveis na área
dos estudos literários e da linguística cognitiva, visando apresentar os
fundamentos teóricos que serviram de base para o objeto de estudo deste
trabalho.
1.3A METÁFORA LITERÁRIA E A METÁFORA DO COTIDIANO
1.3.1 Teorias sobre a metáfora
“Todas as coisas são metáforas”. Tudo o que é transitório não é senão uma referência metafórica. Eis o que todos somos.
Goethe
Neste tópico temos como finalidade expor as considerações que julgamos
mais relevantes acerca das teorias sobre a metáfora. A pretensão é fazer um
panorama geral que nos possibilite fundamentar com maior precisão as análises
propostas neste trabalho.
Antes de tudo, é conveniente realizar um recorte dos postulados clássicos
de Wellek e Warren (1976) no que se refere ao estudo realizado sobre a Teoria
da Literatura, a fim de que seja possível fazer a relação entre o Mito e a
Literatura. Segundo os autores, o que constitui o material da literatura é a
linguagem e uma clareza sobre o uso literário, diário e científico da linguagem
deve ser posto em evidência. Os estudiosos afirmam em sua obra, acerca da
linguagem científica, que “a linguagem científica ideal é puramente “denotativa”:
visa uma correspondência de um para um entre o signo e a coisa significada” e
sobre a linguagem literária, posta em comparação à cientifica “... é uma
linguagem altamente conotativa” (WELLEK e WARREN,1976, p. 24). E mais, ao
realizar a distinção entre a linguagem científica e a linguagem literária, os autores
avaliam também a dificuldade em fazer tal distinção entre a linguagem literária e a
linguagem diária. Tal dificuldade se configura no que diz respeito originalmente ao
conceito de linguagem diária. A linguagem diária, conforme dizem os autores:
43
não é uniforme: inclui largas variedades, como a linguagem
coloquial, a linguagem do comércio, a linguagem oficial, a
linguagem da religião, o calão dos estudantes. (...) Assim, a
linguagem de todos os dias também tem a sua função expressiva,
embora esta possa variar - desde uma incolor comunicação oficial
até a uma apaixonada veemência suscitada por um momento de
crise emocional (WELLEK e WARREN, 1976, p. 25).
Wellek e Warren (1976) afirmam, ainda, que a linguagem literária está
longe de ser apenas referencial, uma vez que apresenta um lado expressivo,
comunica o tom e a atitude do orador ou do escritor e ainda pretende influenciar a
atitude do leitor, persuadi-lo e, em última instância, modificá-lo.
A primeira visão apresentada sobre a metáfora pertence ao campo da
Retórica e, neste contexto, a metáfora não se apresenta como um ornamento ou
enfeite, visão que será apresentada na Poética, mas é vista como uma arte de
dizer ou persuadir. Lakoff e Johnson (2002) afirmam que a tradição retórica trata a
linguagem figurada como um desvio da linguagem usual o que, em consequência,
a torna própria de linguagens especiais, como a poética e a persuasão. A tradição
coloca que a ciência se fazia através do literal, ou seja, a compreensão do mundo
só podia ser realizada mediada pela linguagem literal.
Houve um processo de transição entre esta arte de persuadir o interlocutor
para uma fase em que a metáfora é concebida como um adorno, a partir da
Poética de Aristóteles. Paul Ricoeur (2000), em sua obra A metáfora viva,
apresenta seu ponto de vista elaborado a partir de seu vasto estudo acerca da
metáfora, tratando-a em três níveis. O primeiro nível que é o da palavra, parte do
proposto pelo filósofo Aristóteles.
Quando discorre acerca da metáfora ao nível da palavra, Ricoeur (2000)
faz um percurso iniciado a partir de Aristóteles, já que o filósofo é colocado como
o primeiro a discutir sobre a metáfora. O filósofo a define em A Poética como: “A
metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do
gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para
outra, por analogia.” É importante colocar que tal definição ainda é dominante no
meio acadêmico, embora haja uma gama de estudos referentes ao estudo da
metáfora na atualidade.
44
Segundo Ricoeur (2000), há três conceitos principais sobre a metáfora
conforme a visão aristotélica: o desvio, o empréstimo e a substituição. Desse
modo, a metáfora se configura como uma forma de desvio do uso habitual da
palavra; um empréstimo de sentido; uma substituição de uma palavra (ausente)
por outra (metafórica). Tal descrição nos permite compreender sob a ótica de
Aristóteles, a metáfora a partir dos padrões da palavra e através das relações de
semelhança. Assim, sua função, seja através de um desvio, um empréstimo ou
substituição, consiste no uso de um termo em lugar de outro e mais, se a
pensarmos como uma figura de linguagem, a metáfora pode se assemelhar a
uma imagem. Sobre a imagem, Aristóteles afirma:
A imagem é igualmente uma metáfora; entre uma e outra a diferença é pequena. [...] Podemos empregar todas estas expressões quer como imagens, quer como metáforas. Todas as que saborearmos como metáforas servirão também manifestamente como imagens e as imagens, por sua vez, serão metáforas a que não falta senão uma palavra (ARISTÓTELES, 1959, p. 201).
Ricoeur (2002) agrega ao estudo da metáfora no nível da palavra a Teoria
dos Tropos, a partir das considerações de Pierre Fontanier (1830). Este último
também propõe a metáfora como palavra e como um desvio em relação a uma
significação primeira. Conforme salienta a Teoria dos Tropos, a metáfora se
configura como um sentido impróprio, usado sem necessidade - isto é, mesmo
havendo a palavra “adequada” a ser empregada, opta-se pela metáfora- em que
não lhe é acrescentado nenhum dado novo, com pura função decorativa, sendo
um ornamento à linguagem.
Desse modo, Aristóteles e Fontanier defendem a metáfora como um desvio
ou transgressão de sentido e, ao analisar a metáfora ao nível da palavra tal como
desvio, compreende-se a linguagem de forma taxionômica e classificatória. Por
esse motivo, é possível então concluir que a relação de referência se dá de forma
linear e de maneira codificada, que as variantes de uso (como as metáforas)
encontram-se no âmbito do desvio e não abrangem a produção de significação.
Para Ricoeur (2000), a persistência da teoria de Aristóteles se deve, em
especial, ao fato do estudo da palavra colaborar para os demais estudos; a
45
diferença é que não se pode reter somente no nível da palavra, mas prosseguir
nos demais níveis. Ricoeur argumenta que “[...] é da palavra que se diz tomar um
sentido metafórico; eis porque a definição de Aristóteles não é abolida por uma
teoria que não se refere mais ao lugar da metáfora no discurso, mas ao próprio
processo metafórico” (RICOEUR, 2000, p. 108).
O segundo nível apresentado por Ricoeur (2000) se refere à metáfora ao
nível da frase; o autor utiliza os argumentos de Benveniste (1995), que trata os
níveis de sentido de maneiras diferentes e organiza a separação entre as ordens
semiótica e semântica ao ressaltar a distinção que é própria ao discurso. Salienta
também a dicotomia entre a função identificante (nominal) e a função predicativa
(verbal), em que define a metáfora como um fenômeno de predicação e não
somente de denominação. Diferenciar o semiótico do semântico implica uma nova
organização do paradigmático e do sintagmático, ou seja, a metáfora se insere
em duas categorias: (i) Semiótico - ao nível da palavra, a metáfora pode ser
discutida nas relações de substituição; (ii) Semântico - no nível do discurso, a
construção de sentido da metáfora depende das relações de sentido criadas entre
as palavras do enunciado, que cria o todo significativo do discurso.
Segundo Riccoeur (2000), Benveniste (1995) postula que as palavras não
têm um sentido próprio, mas sim que seu sentido é produzido no discurso e pelo
discurso. A linguagem é colocada como metafórica e a metáfora não é uma forma
de desvio, mas sim uma parte constituinte da linguagem. Tal premissa leva-nos a
conceber a metáfora seguindo um caminho que sai da classificação e é colocada
na significação, ou seja, sai da referência e é posta na transcendência. A
existência da metáfora ao nível da frase é configurada como interpretação, em
que há uma desconstrução de um sentido literal e o surgimento de uma palavra
com um sentido novo, interpretativo.
Como o objeto de estudo deste trabalho consiste em narrativas de cunho
mítico, objetivamos prover o entendimento da metáfora não como uma
determinada tendência da linguagem, mas como uma condição constitutiva da
linguagem. Referindo-se à correlação entre linguagem e mito, Cassirer (1992)
afirma que:
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(...) a linguagem e o mito se acham originariamente em correlação indissolúvel, da qual só aos poucos cada um vai se desprendendo com membro independente. Ambos são ramos diversos do mesmo impulso de enformação simbólica, que brota de um mesmo ato fundamental de elaboração espiritual, da concentração e elevação da simples percepção sensorial. Nos fonemas da linguagem, assim como nas primitivas configurações míticas, consuma-se o mesmo processo interior; ambos constituem a resolução de uma tensão interna, a representação de moções e comoções anímicas em determinadas formações e conformações objetivas (CASSIRER, 1992, p.106).
No nível da frase, Ricoeur (2000) reporta-se à semelhança que, segundo
ele, é um fator de grande significação enunciativa, uma vez que a semelhança é
condição para a existência da metáfora. Para o autor, a semelhança é o
fundamento da substituição posta em ação na transposição metafórica dos nomes
e, mais geralmente, das palavras, ou seja, é a partir da semelhança que é
possível gerar um novo sentido e que, por mais que haja diferenças entre os
sentidos aproximados pela metáfora, ainda haverá uma ligação de semelhança
que permitirá o nascer de um novo sentido. E a semelhança acontece em todos
os níveis: da palavra, da frase e o do discurso.
Ricoeur (2000) insere a metáfora em um terceiro nível: o do discurso.
Como uma estratégia do discurso, afirma que a metáfora libera o poder que
algumas ficções possuem de redescrever a realidade: “Ligando dessa maneira
ficção e redescrição restituímos sua plenitude de sentido à descoberta de
Aristóteles, na Poética, de que a poíesis da linguagem procede da conexão entre
mythos e mímesis” (RICOEUR, 2000, pp. 13-14). Nesse sentido, Barbosa (1973)
trata a metáfora enquanto um elemento mediador entre o texto literário e a
realidade.
Cassirer (1992), em sua obra Linguagem e Mito, nos mostra que o homem
foi obrigado a falar metaforicamente, não no sentido de um falar poético, mas sim
como uma forma de se exprimir de maneira adequada às necessidades de seu
espírito. O pensamento de Cassirer sintetiza a metáfora não somente com um
processo pertinente ao poeta, mas a atividade poética executada de maneira
consciente: “Esta é a moderna metáfora individual, que é um fruto da fantasia,
47
enquanto a metáfora antiga era mais frequentemente uma questão de
necessidade” (CASSIRER, 1992, p. 103). A definição de metáfora, conforme o
autor, pode ser assim compreendida:
Pode-se tomar este conceito no sentido em que seu domínio
abrange tão somente a substituição consciente da denotação por
um conteúdo de representação, mediante o nome de outro
conteúdo que se assemelhe ao primeiro em algum traço, ou tenha
com ele qualquer “analogia” indireta (CASSIRER, 1992 p.104).
Cassirer (1992) propõe que há um estreitamento entre o pensar mítico e o
linguístico. É a partir desse ponto de vista que Cassirer dedica, na obra
Linguagem e mito, um capítulo sobre o poder da metáfora; segundo ele, em
vários momentos a estrutura dos mundos mítico e linguístico é determinada e
dominada pelo mesmo motivo espiritual. A relação, entre mito e linguagem só
será passível de entendimento se for possível explorar uma “raiz” comum em que
tenham surgido. Portanto, por mais que haja diferença entre si, dos conteúdos do
mito e da linguagem, ambas executam a mesma forma de concepção mental e a
esta forma, denomina-se “pensar metafórico”. Para compreender tal processo,
segundo Cassirer (1992, p. 102), “devemos partir da natureza do significado da
metáfora, se quisermos compreender, por um lado, a unidade dos mundos mítico
e linguístico e, por outro, sua diferença”.
A premissa de que a metáfora constitui o vínculo intelectual entre a
linguagem e o mito gera muita discussão, uma vez que não seja possível
determinar precisamente o processo de origem da metáfora. Conforme Cassirer
(1992, p.102):
a autêntica fonte da metáfora é procurada nas construções da linguagem, ora, na fantasia mítica; ora, é a palavra que, por seu caráter originariamente metafórico, deve gerar a metáfora mítica e prover-lhe constantemente nos alimentos, ora, ao contrário, considera-se o caráter metafórico das palavras tão somente um produto indireto, um patrimônio que a linguagem recebeu do mito e que ela tem como um feudo dele.
48
1.3.2 Teoria cognitiva da metáfora
Por que estudar a metáfora? Uma possível resposta para a complexidade
desta pergunta pode ser formulada a partir de estudos sobre a teoria da metáfora
de cunho conceitual, fundamentada nos postulados de Lakoff e Johnson (2002);
esperamos esclarecer o conceito de metáfora conceitual, que servirá de base
para o estudo/discussão mais amplo da metáfora literária. A justificativa para
nossa escolha teórica pode ser suportada pelos pressupostos de Lakoff e
Johnson (2002) ao afirmarem que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana e
que as metáforas não constituem meras questões do intelecto.
Os princípios desta tese foram apresentados na obra Methaphors we life by
(LAKOFF e JOHNSON, 2002). Tal publicação possui valor representativo no
estudo sobre metáforas, pois apresenta uma ruptura paradigmática, iniciada na
década de 1970, com a tradição retórica principiada por Aristóteles no século IV
a.C. Sua representatividade e consequente impacto nesse campo de pesquisa
encontram-se inseridos na mudança provocada na história consolidada há mais
de dois milênios. Seu valor significativo também se encontra no pioneirismo que a
obra propiciou aos estudos posteriores no campo da linguística, da psicologia e
dos estudos literários e a contribuição para uma nova forma de expressão do
pensamento através da linguagem.
Em seus estudos sobre metáfora conceitual, Lakoff e Johnson (1980)
demonstram que sistematicamente conceituamos muitos domínios da experiência
através de metáforas conceituais, isto é, projetando neles outros domínios. Os
teóricos adotam, desse modo o caráter experencialista da metáfora. Conforme
afirmam, através da metáfora, geralmente conceituamos domínios abstratos em
termos de domínios concretos e familiares, o que quer dizer que a conceituação
de categorias abstratas se fundamenta, em grande parte, na nossa experiência
concreta cotidiana. Os autores sustentam a premissa de que as metáforas,
chamadas por ele de conceitos metafóricos, regem nosso pensamento e também
as atividades mais comuns que realizamos em nosso cotidiano, por isso tais
sistemas conceptuais são responsáveis por estruturar e definir a nossa realidade
cotidiana:
49
(...) a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação (...) faz parte de nosso sistema conceptual. (...) O modo como pensamos, o que experienciamos e o que fazemos todos os dias são uma questão de metáfora. (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p. 45-46)
Sobre o nosso sistema conceitual, Lakoff e Johnson (1980) afirmam
também que as metáforas não ocorrem de maneira consciente, uma vez que
durante grande parte de nossas atividades cotidianas as fazemos e pensamos de
maneira quase automática. Por isso consideram que uma das formas de descobrir
as construções linguísticas metafóricas é através da língua e dizem que a
comunicação tem por base o mesmo sistema conceptual que utilizamos a fim de
pensar e agir. Consideram a linguagem como fonte de evidências de como se
realiza este sistema.
A análise das evidências tem base linguística e desse modo é possível
verificar a natureza metafórica da grande maioria do nosso sistema conceptual. A
partir disso, os autores puderam identificar de maneira detalhada quais são as
metáforas responsáveis por estruturar nossa maneira de perceber, agir e pensar.
Os fatores culturais são expressos pela língua; portanto, eles devem ser
considerados nos estudos linguísticos. Por essa razão, as metáforas conceituais
desempenham um papel crucial na conceituação de muitos termos (domínios).
No que diz respeito às influências culturais, toda a nossa experiência é
totalmente cultural, pois experienciamos o mundo de tal maneira que nossa
cultura já está presente na experiência em si (LAKOFF e JOHNSON, 1980 p.
129). As metáforas se apresentam como próprias de cada língua e é isso que
permite ocorrer variações nas construções metafóricas entre povos e
comunidades.
A fim de esclarecer como um conceito pode ser metafórico e estruturador
de nossas atividades cotidianas, Lakoff e Johnson (2002), apresentam diversos
exemplos de metáforas conceptuais presentes em nossa linguagem cotidiana. Um
dos exemplos demonstrados pelos autores consiste em tomar o conceito
DISCUSSÃO e por metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA. Para tal
metáfora conceitual, na linguagem cotidiana podem ser realizadas expressões
como:
50
Seus argumentos são indefensáveis.
Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação.
Suas críticas foram direto ao alvo.
Destruí sua argumentação.
Jamais ganhei uma discussão com ele.
Você não concorda? Ok atire! / Ok, ataque!
Se você usar essa estratégia, ele vai esmagá-lo.
Ele derrubou todos os meus argumentos.
A análise realizada pelos autores mostra que não somente falamos sobre
discussão em termos de guerra, conforme as expressões acima elencadas;
podemos ganhar ou perder uma discussão; durante uma discussão, podemos
atacar, defender, planejar e usar estratégias; não há uma batalha física, mas
ocorre uma batalha no nível verbal que acaba por refletir na estrutura de uma
discussão. Desse modo, para os autores DISCUSSÃO É GUERRA mostra uma
metáfora conceitual que vivemos em nossa cultura.
Lakoff e Johnson (2002), através desse exemplo, afirmam que um conceito
metafórico é capaz de estruturar, mesmo que parcialmente, o que se faz quando
discutimos, bem como o modo pelo qual se compreende o que fazemos. Os
estudiosos afirmam que “A essência da metáfora é compreender e experienciar
uma coisa em termos de outra.” Concluem, então, que o “conceito é
metaforicamente estruturado, a atividade é metaforicamente estruturada e, em
consequência, a linguagem é metaforicamente estruturada” (LAKOFF e
JHONSON, 2002).
A partir dos estudos de Lakoff e Johnson (2002) podemos extrair duas
importantes contribuições para o estudo literário da metáfora:
(i) As metáforas literárias são extensões, combinações ou elaborações de
projeções metafóricas mais básicas sugeridas pela Teoria Cognitiva da
Metáfora. Então, os poetas e escritores conseguem nos falar porque se
utilizam de modos de pensamento que todos nós possuímos. Portanto, para
se entender a natureza e também o valor da criatividade poética, temos que
51
entender as formas comuns pelas quais pensamos e concebemos o mundo a
nossa volta.
(ii) As metáforas literárias são em grande parte extensões, combinações ou
elaborações das metáforas ontológicas, estruturais e orientacionais, que
governam, em um nível básico e de forma geral, a nossa linguagem,
pensamento e ação.
A Teoria Cognitiva da Metáfora discute a dicotomia linguagem cotidiana
/linguagem literária. Lakoff e Johnson (2002) argumentam que os processos de
pensamento são em grande parte metafóricos. Podemos concluir que a metáfora
se mostra primariamente como uma questão de pensamento e derivadamente
como uma questão de linguagem.
Consideramos, portanto, que a abordagem proposta pela Teoria Cognitiva
da Metáfora se configura como uma importante base teórica para os estudos da
metáfora na literatura, visto que a língua(gem), enquanto instrumento de
organização e expressão do pensamento, é o objeto concreto de manifestação,
realização e constante atualização da arte literária.
2 LITERATURA ORAL, PRÁTICA ESCRITURAL INDÍGENA E LITERATURA
CONTEMPORÂNEA INDÍGENA.
Esta seção tem como foco traçar o percurso estabelecido entre literatura
oral, prática escritural indígena e literatura contemporânea indígena. Trazemos,
aqui uma reflexão sobre a transição da literatura oral para a literatura escrita, bem
como sobre o processo da prática escritural indígena em língua portuguesa.
Apresentamos, também, um breve relato sobre o surgimento da chamada
literatura contemporânea indígena.
Conforme Almeida e Queiroz (2004)
Os indígenas brasileiros, através da aquisição e do domínio da escrita, passam a fazer história, enquanto produção de sentidos para a própria ressubjetivação. Não há história sem discurso. E a escrita e seus meios são instrumentos que os índios estão utilizando para configurar suas identidades. Identidades, não como essência, mas resultantes de processos de identificação do
52
sujeito ao complexo de formações discursivas historicamente (ideologicamente) determinadas.
As narrativas indígenas analisadas no presente estudo apresentam
temática mítica. Conforme as contribuições de Guesse (2014), tais narrativas
estão inseridas em uma modalidade denominada temática direta, onde um tema
mítico é usado por um autor para o desenvolvimento literário, dada a sua
interação com a literatura.
Sobre as particularidades dos mitos, já as abordamos anteriormente,
mesclando com exemplos de narrativas de temática indígena. Sabemos que os
mitos indígenas chegaram inicialmente ao nosso conhecimento através de
trabalhos coletados por antropólogos, etnógrafos ou linguistas e muito da sua
poética foi perdida, configurando, assim, por vezes, narrativas confusas e sem
sentido a um leitor comum.
Agora, nosso ponto de partida serão as considerações sobre a literatura
escrita indígena. Por isso, vamos começar tratando do nascimento e do processo
da literatura escrita indígena, pois percebemos que a escrita de narrativas
apresenta uma preocupação estética, tais como a metáfora.
Conforme já mencionado, as construções linguísticas metafóricas utilizadas
para ilustrar e subsidiar nossa análise são oriundas de textos produzidos pelos
próprios indígenas, escritos em língua portuguesa, a partir do domínio por eles
adquirido na escrita ortográfica dessa segunda língua. Por outro lado, o conteúdo
por eles lhes foi transmitido oralmente no seio de suas comunidades. Assim, as
marcas da oralidade são muito presentes, visto que a escrita não é fruto de sua
tradição oral, mas sim de suas relações com outras culturas letradas. Foram
utilizadas também narrativas da coletânea Mitos Amondawa (SAMPAIO, SILVA e
MIOTELLO, 2004), as quais foram transcritas literalmente, conservando a forma
de expressão oral do indígena na língua portuguesa. Consideramos que tais
produções provenientes da oralidade e transformadas em escrita podem nos
fornecer objetos de investigação literária.
53
Freitas (2010), ao traduzir os textos do pesquisador francês Jean Derive,
discute as considerações do autor sobre os níveis de literarização da oralidade,
em que sua reflexão primeira recai sobre a denominação dada pela crítica para a
produção verbal da oralidade publicada como literatura oral e explica que
“oralidade e literatura são dois domínios culturais que dependem da expressão
verbal e que se definem por um repertório de obras mais ou menos identificáveis
produzidas dentro de um quadro institucional” (DERIVE, apud FREITAS, 2010, p.
8). O professor Derive dedicou sua pesquisa aos povos africanos e afirma que,
para estes povos:
(...) a oralidade é, para além de uma prática, um fundamento essencial da cultura que determina todo um sistema antropológico. Assim percebida, a oralidade não é somente o fato de se expressar oralmente, é uma escolha cultural para assegurar a perenidade do patrimônio verbal de certas sociedades das quais, sabe-se, ele é um fator essencial da consciência identitária. (DERIVE, apud FREITAS, 2010, p. 7)
Em nossa pesquisa, utilizamos produções textuais de professores
indígenas. Conforme Guesse (2011), os povos indígenas podem ser classificados,
de acordo com a categorização fornecida por Calvet (2001), em sociedades nas
quais se introduziu recentemente a prática alfabética e sociedades de tradição
oral:
(3) As sociedades nas quais se introduziu recentemente a prática alfabética, em geral pela via de uma língua diferente da língua local, é o caso dos países que foram colônia na África e na América Latina, aos quais se impôs uma picturalidade (o alfabeto latino) proveniente da herança cultural colonial. (4) As sociedades de tradição oral. [...] a ausência de tradição escrita não significa, de maneira alguma, ausência de tradição gráfica. Em muitas sociedades de tradição oral, existe uma picturalidade muito viva, nas decorações de potes e cabaças, nos tecidos, nas tatuagens e nas escarificações etc., e mesmo que sua função não seja, como no caso do alfabeto, registrar a fala, ela participa da manutenção da memória social. (CALVET, 2001 apud GUESSE, 2011, p. 4).
Segundo Freire (2011), o processo histórico sobre o português e sobre as
línguas indígenas no Brasil revela que, no litoral brasileiro, havia uma porção
54
considerável da população que falava tupi, tupinambá e o português dos
colonizadores que foi gradualmente sendo imposto. Até meados do século XVIII,
convivia-se com o bilinguismo. Já na Amazônia, até meados do século XIX,
grande parte da população não falava o português, mas sim a Língua Geral, de
base Tupi, que ficou conhecida como Nheengatu. Metade da população de
Manaus, em 1850, não era usuária da língua portuguesa.
Sobre o Nheengatu na Amazônia, vale registrar os dados apresentados
pelo Comandante Militar do Alto Amazonas, Lourenço Amazonas, que registrou,
em 1850, os usos e funções do Nheengatu. O comandante cita que:
A Língua Geral é a universal intérprete em toda a Província do Pará. Fala-a toda a nação indígena, que se relaciona nas Povoações. Nas Cidades, fala-se da porta da sala para dentro; e nas Vilas e demais Povoações, excetuada Pauxis no Baixo-Amazonas, é a única, não por se ignorar a portuguesa, mas porque, constrangidos os indígenas e os mamelucos em falá-la, pela dificuldade de formarem os tempos dos verbos, do que os dispensa a Geral, respondem por esta se lhes pergunta por aquela. (Freire, 2011, on-line)
Os povos indígenas do Brasil só tiveram contato com a escrita denominada
alfabética após a colonização europeia; porém, a escrita, enquanto um processo
comportamental da comunicação entre os seres humanos e como meio de
transmissão e troca de signos, não necessariamente como registro da palavra
falada ou de sons, sempre esteve presente nas comunidades indígenas do Brasil.
Os indígenas, na tentativa de estabelecer comunicação com o “civilizador”
português, passaram a utilizar a língua dominante; tal situação foi reforçada pelo
fato do colonizador que aqui chegava também não demonstrar interesse em
aprender a língua nacional. No final da década de 1980, o fenômeno da escrita
escolar indígena permitiu nascer um grupo de autores/escritores indígenas,
sobretudo, por meio das “experiências de autoria”. Podemos citar, como exemplo
dessa experiência, “As escolas da floresta”, que é parte de um projeto de
educação iniciado em 1983. O projeto de educação voltado para as populações
indígenas é fruto do trabalho da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC) e dos
55
professores índios do Acre. E foi a partir deste momento que se intensificou o
processo da prática escritural indígena.
Neumann (2007, on-line) ressalta o grande interesse nas últimas décadas
em relação aos textos escritos ameríndios por parte de historiadores. Afirma que
o grande interesse e investimento da alfabetização indígena tinham como objetivo
a evangelização e proporcionaram ao povo guarani grande destreza na prática
escritural indígena. Assim, proporcionou-se a estes povos a elaboração de obras
de cunho devocional, tais como livros, na sua maioria com finalidade litúrgica ou
catequética participando diretamente na elaboração de vocabulários, catecismos
e gramáticas. O autor pondera que a escrita serviu, em um primeiro momento,
para a reprodução dos dogmas e cânone religioso, ou seja, durante muitos anos a
escrita tinha a finalidade de tradução ou adaptação de textos religiosos e não era
usada como uma forma criativa de expressão.
Conforme o autor, a instrução alfabética acabou por criar grupos seletos
entre os Guarani. Assim, havia grupos que trabalhavam em atividades
administrativas e também professores.
Na contemporaneidade, a oferta de uma educação diferenciada aos povos
indígenas está ligada à Constituição Federal de 1988. Conforme Guesse (2011),
neste momento da história e após 500 anos de desvalorização das autoridades
ante os grupos indígenas, o governo demonstra preocupação em garantir, através
das leis, os direitos das comunidades indígenas de preservarem suas culturas,
costumes e tradições por meio da educação. Sobre este episódio histórico, é
importante rememorar tal processo, mesmo que de maneira sucinta.
Oliveira (2008) afirma que “O Capítulo dos Índios na Constituição Federal
é, indubitavelmente, expressão do avanço da sociedade brasileira rumo à
efetivação democrática”. A antropóloga narra que, a partir do momento em que
houve a aprovação da proposta de realização de uma Assembleia Constituinte,
em 1985, organizações indígenas, instituições de apoio à causa indígena e
juristas se reuniram para debater a questão. Como resultado, foram produzidas
propostas de estudos no campo do Direito Internacional Comparado; inovação de
leis; documento com propostas apresentado ao governo brasileiro por meio do
56
Ministro da Justiça e ao Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais,
Afonso Arinos, nomeado na época pelo Presidente da República. Documentos
que sintetizavam as demandas das populações indígenas também foram
elaborados e enviados ao Congresso Nacional, além da promoção de intensa
discussão no âmbito da sociedade civil organizada em conjunto com o movimento
indígena, juristas, academia e mídia. Conforme Oliveira (2008,on-line):
Durante o processo constituinte, o INESC e o IBASE realizaram, em março de 1988, uma pesquisa sobre o perfil dos parlamentares constituintes em temas de interesse dos movimentos sociais e ONGs engajadas em processos de transformação social. Quando perguntados sobre se a demarcação das terras indígenas deveria ser assegurada, a resposta foi: 53% favoráveis à demarcação; outros 27, 8% favoráveis a que os próprios povos indígenas fossem responsáveis pela definição de seus territórios. O ambiente era, então, bastante favorável à causa indígena, a despeito dos setores militares ou ruralistas que queriam impedir a discussão e aprovação do tema. Na mesma pesquisa, 46% dos constituintes entrevistados queriam que a Constituição garantisse aos índios a posse permanente e usufruto das riquezas naturais do solo; outros 29,8% consideravam importante garantir o usufruto exclusivo das riquezas naturais, do solo, subsolo, cursos fluviais e todas as utilidades nelas existentes. O foco da tensão eram as riquezas minerais do subsolo.
Assim, dadas as fortes tensões enfrentadas pelos povos indígenas e seus
aliados para garantir um capítulo na Constituição Federal, a estratégia política
adotada -e bem sucedida- foi buscar aliados nos setores da direita e, dessa
forma, constituir um bloco de parlamentares pró causa indígena, suprapartidário,
que enfrentasse as dificuldades do processo.
Conforme Guesse (2013), na década de 90, as escolas indígenas
diferenciadas começaram a ser criadas no Brasil. Logo, o que temos, em
consequência, é uma produção de materiais escritos para as escolas indígenas e
o incentivo dado aos indígenas a fim de atuarem como discentes ou docentes no
sistema educacional dentro e fora das aldeias.
O percurso do processo escritural indígena tem como característica o
aprimoramento e domínio da língua portuguesa, bem como a criação de sistemas
57
alfabéticos próprios para as comunidades anteriormente sem escrita alfabética.
Daí surge o profundo enraizamento da literatura indígena com a tradição oral.
D’Angelis (2007) nos explica que a opção pela literatura indígena associada à
escrita se dá no fato de essa literatura em processo de escrita possuir dois focos
de tensão que delimitam as condições de surgimento de uma tradição escrita em
língua indígena. Conforme o autor, os focos são: o conflito entre oralidade e
escrita e o conflito entre o desejo de autonomia e a inseparável existência de
modelos de escrita de tradição europeia. É “sobre este último foco que Souza
(2003) chama-nos atenção quanto ao termo “literatura menor” utilizado por
Deleuze e Guattari (1977) em que “Uma literatura menor não é a de uma língua
menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior”. A afirmação dos
teóricos dialoga com o questionamento feito por D’Angelis (2007): “É possível
falar em autonomia e trajetória livre para uma literatura indígena quando seus
praticantes/iniciantes adotam modelos da língua dominante?”.3
Guesse (2011) afirma que a língua do branco, antes usada como uma
maneira de dominar e manipular os saberes, quando passa ao domínio no nível
do escrito para o indígena, este a utiliza como um meio de expressão
comunicativa e criativa, bem como um modo de promover a valorização de seus
costumes e, em especial, a manutenção de sua identidade cultural.
No entanto, a produção escrita indígena se apresenta de modo variado em
nossa sociedade: encontramos textos nas línguas indígenas e também textos em
língua portuguesa. Há produções apenas na língua indígena, outros apenas em
língua portuguesa; há também disponíveis narrativas em língua indígena com
tradução para o português e materiais que apresentam as duas versões (e não
traduções) das histórias: uma em língua indígena e outra em língua portuguesa.
Guesse (2011) trata das narrativas míticas não somente de origem
indígena, mas também as de autoria indígena. Tal distinção é necessária, uma
3 Sobre a temática “autoria indígena” ver também: BEZERRA, J. L. Estudos da Narrativa
ameríndia do Brasil: a concepção da anaconda segundo Lynn M. Souza. In: RODRIGUES, H. e CAVALCANTE, E. (Orgs). Amazônia e Heterotopias: estudos literários. Curitiba: CRV, 2014, Cap. 3, p. 39.
58
vez que temos muitos materiais indígenas que sofreram alterações ou adaptações
pelos não indígenas e, consequentemente, não reproduzem a autoria indígena
nos textos. Partindo do princípio de autoria indígena, é possível fazer
compreensão do fenômeno da escrita indígena no Brasil e também como tais
narrativas apresentam elementos de caráter literário. De acordo com a autora, no
momento em que o próprio indígena se posiciona como um autor/criador do seu
legado cultural a partir da escrita, ele se coloca como a voz da própria narrativa.
Embora o processo da prática escritural indígena já esteja estabelecido em
nosso país e já exista uma significativa produção literária, através da autoria
coletiva ou individual, tais publicações ainda não têm atenção e exploração
acadêmica, uma vez que há uma tradição de pesquisas na linha antropológica e
linguística e não quanto aos aspectos literários ligados às teorias oficiais. Souza
(2003) afirma que esta literatura, em especial a produzida em língua portuguesa,
nasce e é vista pela academia e instituições literárias de maneira local, nacional,
marginal e canônica.
É considerada local, pois as produções oriundas de projetos acabam tendo
a comunidade como produtor/autor e consumidor/leitor de seus próprios textos. É
considerada nacional, uma vez que a política da escola indígena é federal e faz
surgir um público consumidor/leitor potencial da escrita indígena em todas as
escolas indígenas do país, fazendo com que esses livros possam circular para
fora de suas comunidades produtoras. Nasce marginal, pois ainda não mereceu o
interesse das academias, que a classificam como literatura popular ou de massas,
sem grande valor literário e, por fim, é canônica porque se trata de uma escrita
que, ao nascer na instituição escolar, apresenta seus mecanismos de inclusão e
exclusão curriculares que, em várias culturas, formam a base para a construção,
destruição ou transformação dos cânones literários.
No entanto, sobre o caráter canônico, temos a partir de 2012 ,a inserção da
literatura de autoria indígena na academia, como prevê o edital do Programa
Nacional de Biblioteca Escolar Indígena-PNBEI/2015 cujo texto disponível no
portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação-FNDE, dispõe que:
59
Este edital tem por objeto a convocação de editores para o processo de inscrição e seleção de obras de literatura sobre a temática indígena que, por meio das artes verbais, divulguem e valorizem a diversidade sociocultural dos povos indígenas brasileiros, bem como suas diversas e amplas contribuições no processo histórico de formação da sociedade nacional, no âmbito do PNBE.
O Ministério da Educação e Cultura-MEC, intermediado pela Secretaria de
Educação Básica-SEB e o FNDE, em cooperação com a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão-SECADI, lançaram edital com
a finalidade de aquisição de obras de literatura com temática indígena para os
anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio das escolas públicas
pertencentes às esferas federal, estadual, municipal e do Distrito Federal.
Tais obras de literatura poderão ser inscritas nos seguintes gêneros
literários: poema, conto, crônica, novela, teatro, texto de tradição popular,
romance, memória, diário, biografia, relatos de experiências, obras clássicas da
literatura universal, livros de imagens e histórias em quadrinhos, traduções de
obras literárias e antologias, todas conforme critérios estabelecidos no edital.
Segundo o edital, as obras deverão contribuir para que a escola pública
brasileira proporcione aos alunos uma leitura emancipatória através do acesso de
textos literários de qualidade, a fim de que tais experiências levem aos alunos a
reflexão e participação criativa na construção de sentido do texto, bem como não
apenas despertar aos alunos leitores o caráter estético, mas levá-los além, para a
reflexão de si mesmo, do outro e do mundo em que está inserido. De acordo com
o edital, “É objetivo do PNBEI/2015 que os alunos possam apropriar-se de
práticas de leitura e escrita de forma a interagir com a cultura letrada disseminada
socialmente, promovendo o pleno exercício da cidadania” (PNBEI/2015, p. 29).
A proposta do MEC para a aquisição de literatura com temática indígena
compreende autores indígenas e não indígenas, pois preconiza a divulgação e
valorização dos povos indígenas brasileiros, com o intuito de promover a ruptura
dos estigmas impostos na história, na cultura e identidade do povo indígena
brasileiro. A partir dessa iniciativa é possível fomentar material de pesquisa na
60
área dos estudos literários, bem como a inscrição de uma poética própria das
comunidades indígenas.
3 ANÁLISE DE CONSTRUÇÕES LINGUÍSTICAS METÁFORICAS
A terceira seção é dedicada à análise de dados. Primeiramente,
apresentamos alguns resultados obtidos durante a execução do subprojeto A
metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa (AGUILAR,
BEZERRA, 2007), pois tais resultados se mostraram importantes para a análise
das construções metafóricas nas narrativas escritas pelos indígenas em língua
portuguesa. Em seguida, analisamos as narrativas escritas pelos indígenas em
língua portuguesa, enfocando construções metafóricas, ilustrando-as com
esquemas mentais/imagéticos e aprofundando a análise crítica, para melhor
compreensão de conceitos abstratos via domínios concretos. Finalmente,
discutimos a atitude literária do narrador.
3.1 A metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa
Para a análise dos dados estudados durante a execução do subprojeto A
metáfora literária e do cotidiano em narrativas míticas amondawa (AGUILAR,
BEZERRA, 2007), baseamo-nos nos estudos de Lakoff e Johnson (2002),
considerando as concepções de metáfora conceptual ontológica do tipo
orientacional e de metáfora conceptual orientacional.
As metáforas ontológicas de tipo orientacional esclarecem que as nossas
experiências com objetos físicos (especialmente com nossos corpos) fornecem a
base para uma variedade extremamente ampla de metáforas ontológicas, isto é,
formas de se conceber eventos, atividades, emoções, ideias, etc. como entidades
e substâncias (LAKOFF e JHONSON, 2002, p. 76).
As metáforas orientacionais têm a ver com a orientação espacial do tipo
para cima, para baixo, dentro-fora. As orientações espaciais surgem do fato de
61
termos os corpos que temos e do fato de eles funcionarem da maneira como
funcionam no nosso ambiente físico (LAKOFF e JHONSON, 2002, p.59).
Tomamos como foco de estudo a descrição dos eventos de movimento e
espaço no texto narrativo, com base em construções linguísticas metafóricas
literárias e/ ou do cotidiano, e investigamos os mapeamentos metafóricos em que
o domínio de origem, espaço e as construções linguísticas relevantes são
contentores. Os verbos selecionados para investigar esses mapeamentos
metafóricos foram os verbos IR, MORAR, FICAR, ENTRAR em português.
Como objeto da análise selecionamos a narrativa Tandaua (TANGIP
AMONDAWA, 1997), por apresentar, em sua forma e conteúdo, uma quantidade
significativa de construções linguísticas metafóricas que manifestam eventos de
movimento, espaço e tempo (vamos lá na pedra, ficou lá dentro, mora lá, entrou
na pedra) e conectores discursivos temporais (agora, lá, direto).
A fim de ilustrar a análise das construções, utilizamos como suporte os
esquemas imagéticos, que são estruturas abstratas e genéricas formuladas a
partir das nossas experiências com o mundo que nos rodeia (TEIXEIRA, 2003
apud MONTEIRO, 2009, p. 23). Para Almeida (1999), “os esquemas imagéticos
são noções conceptuais fundamentais, padrões dinâmicos que funcionam como
uma estrutura abstrata de uma imagem, e que, consequentemente, ligam um
leque vasto de diferentes experiências dotadas da mesma estrutura” (ALMEIDA,
1999, p. 5)
Na narrativa analisada, temos o esquema imagético pré-conceptual do
CONTENTOR -em que estão subjacentes os conceitos de DENTRO e FORA- e o
esquema da TRAJETÓRIA-em que as imagens remetem, necessariamente, para
alteração da posição dos elementos no espaço da ORIGEM (ponto de partida)
para o ALVO (ponto de chegada); da separação entre esses dois pontos temos o
PERCURSO.
Há uma quantidade significativa de imagens metafóricas presentes no texto
Tandaua. Nele, o imaginário e o real estão estreitamente interligados, isto é, ao
lado do espaço mítico (PEDRA-espaço sagrado na floresta/TANDAUA-
personagem mítico) coexiste a orientação objetiva do mundo enquanto tal, o
62
espaço da realidade (CASA na aldeia/NARRADOR-Tangip Amondawa, índio da
aldeia). Abaixo, segue a transcrição do mito Tandaua:
Tandaua
Tangip Amondawa (1997)
Existe um rapaz que mora na pedra e a gente não pode chegar perto. Ele fica sozinho lá, porque é ruim demais, sabe? Ele era casado, mas já matou a mulher. Mata qualquer bicho e come, caça sozinho, come, se vira sozinho. Se a gente passar lá, ele mata nós também, porque uma vez já aconteceu assim com a mulher dele, né? Um dia ele foi sozinho pescar e a mulher dele foi atrás; ele não gostou e falou mal com a mulher. Ela voltou para casa e ficou lá chorando, então ele voltou, chegou lá e perguntou pra ela assim: - O que tu tem?!!! Alguma coisa te mordeu?!!! - Não, porque tu falou mal de mim lá na água. Aí ele falou pra ela assim: - Uuuh!!! Eu trouxe um bocado de peixe, sabe? Tu te vira e cozinha peixe pra nós comer, agora!!!!! Aí ela foi cozinhar e comeram. Depois ele falou pra ela: - Agora nós vamos no mato atrás de fruta. Então ela foi junto. Ele era muito mau, mesmo, sabe? Tem uma fruta no mato que a gente chama de indajá. Então, quando chegou no pé de indajá, o rapaz falou assim, pra ela: - Tu fica aí embaixo, eu subo lá e corto e tu segura. - Tá bom! Ela disse, acreditando nele. O rapaz subiu lá e derrubou primeiro uma casca de pau. Ela segurou, sabe? Então ele disse: - Tu segurou? - Segurei. - Tu segura esse aqui agora! Ele cortou um cacho grande mesmo de indajá. O cacho caiu em cima dela machucou ela todinha e ela morreu. Aí ele desceu, nem teve dó dela. Pegou um pouquinho daquela indajá e se mandou embora. Ele voltou para casa e lá encontrou um outro rapaz que tinha ficado cuidando da casa e disse: - Deixa eu raspar tua cabeça? - Eu deixo, ta bom. O cara era ruim mesmo, sabe? Pegou, não sei se era uma faca, sei lá! Aí pegou o cabelo do rapaz, assim... doeu, doeu! Deixou bem raspadinho mesmo, sabe? Agora vou passar sal. Sempre dói. Eu já fiz muitas vezes !!! Ele disse para o rapaz, mas isso nunca foi feito assim, sabe? Aí pegou sal passou na cabeça do rapaz. Doeu, doeu, doeu mesmo, doeu tanto!!! Ele dizia; - Tu não pode ficar chorando muito assim não!!! Passou o tempo e sarou tudinho. Então ele disse pro rapaz: - Agora nós vamos lá na pedra morar lá.
63
Ele entrou na pedra, ficou lá dentro e mandou o rapaz da cabeça rapada ir caçar. O rapaz não conseguiu trazer nada. Ele outra vez mandou o rapaz pra ver se conseguia matar algum bicho, e nada. Mandou outra vez, outra vez, e nada. Então ele disse: - Agora nós vamos lá e caçar, pegar bicho. Aí foram pro mato e ele matou o rapaz que não conseguia matar caça. Agora ele tá morando sozinho lá na pedra. Diz que o braço dele é igual ferro, assim. Diz que ele passa a mão e mata. Mata tatu, anta, qualquer bicho ele mata no braço. Ele mora lá direto na pedra. Nós passamos muitas vezes lá na frente dele, mas nós nunca vimos ele. Ninguém pode ir lá, nem branco, nem nós, se passar lá ele mata. Ele vive sozinho, porque matou a mulher dele e matou o parente dele. Ele mora na pedra e não fica mais velho, porque é ruim mesmo, sabe? Ele se chama Tamandauá ou Tandáua.
In: SAMPAIO, SILVA e MIOTELLO (Orgs.). Mitos Amondawa. Porto Velho: EDUFRO, 2004.
Com base nos estudos de Almeida (1990) sobre esquemas imagéticos, foi
possível elaborar, a partir da narrativa amondawa Tandaua, esquemas imagéticos
pré-conceptuais em que são destacadas as metáforas ontológicas do tipo
orientacional.
Abaixo, a Figura 1 ilustra o esquema pré-conceptual de trajetória, presente
na imagem metafórica da construção (1), onde se destaca a ausência de
delimitação espacial do ponto de partida.
(1) Agora vamos lá na pedra morar lá.
FIGURA 1 - ESQUEMA PRÉ-CONCEPTUAL DE TRAJETÓRIA
Fonte: Elaboração da autora
64
A construção (1) apresenta uma extensão da metáfora ontológica do tipo
direcional; essa metáfora nos permite dar sentido a fenômenos do mundo, em
termos de espaço, os quais podemos entender com base em nossas próprias
motivações, objetivos, ações e características. A metáfora ontológica nos fornece
um meio de nos referirmos à experiência de IR, demarcando um espaço entre um
ponto e outro.
Sentenças metafóricas como essa nos permitem compreender uma grande
variedade de experiências concernentes a espaço, neste caso temos um espaço
sagrado e maldito, simultaneamente, que é a PEDRA, em termos de motivações e
atitudes humanas.
A Figura 2 ilustra a orientação espacial dentro-fora presente na construção
(2), a seguir, designando o lugar no interior do qual está o trajetor. O movimento
para o interior é evidenciado pelo verbo ENTRAR. O esquema imagético ilustra a
metáfora conceitual PEDRA É UM CONTENTOR/RECIPIENTE.
(2) Ele entrou na pedra, ficou lá dentro.
FIGURA 2 - PEDRA É UM CONTENTOR/RECIPIENTE
ORIENTAÇÃO ESPACIAL DENTRO-FORA
Fonte: Elaboração da autora
Neste esquema fica evidente que os outros objetos físicos do mundo são
delimitados por superfícies. Dessa forma, concebemos esses objetos como
recipientes, com um lado de dentro e outro de fora. Portanto, quando o narrador
65
diz (1) Agora vamos lá na pedra morar lá, depreende-se que o trajetor NÓS
movimenta-se da aldeia até a floresta onde está a pedra: é o mesmo que se
movimentar de um recipiente para outro, isto é, movimentar-se para fora de um e
para dentro de outro. Na construção (2), a pedra é um contentor/recipiente, pois é
possível entrar e ficar dentro dela.
A Figura 3 ilustra a orientação espacial frente-trás presente na construção
(3), a seguir:
(3) Nós passamos muitas vezes lá na frente dele, mas nós nunca vimos
ele.
FIGURA 3 - PEDRA É UM CONTENTOR/RECIPIENTE
ORIENTAÇÃO ESPACIAL FRENTE-TRÁS
Fonte: Elaboração da autora
O esquema imagético da construção (3) denota a orientação espacial
dentro-fora, considerando-se que ELE está dentro da pedra. Ele é a própria
pedra (no sentido denotativo); assim, temos, mais uma vez, argumentos para
acatar a metáfora conceptual A PEDRA É UM RECIPIENTE.
A metáfora orientacional com base na orientação espacial frente-trás
acontece na medida em que a corporificação da pedra é baseada na experiência
corpórea orientacional do trajetor NÓS, bem como do seu ponto de vista em
relação ao conteúdo (ELE), que representa o próprio contentor (PEDRA). A pedra
66
passa, então, a ser um espaço delimitado por orientações espaciais dentro-fora,
frente-trás.
A narrativa selecionada revela uma “arte de narrar” e uma maneira cultural
do povo amondawa estar em relação com o mundo. Nesse sentido, no âmbito dos
pressupostos teóricos que sustentam esta pesquisa, o narrador, ao enunciar seu
texto, deixa transparecer uma “atitude literária” e conceitos culturais de seu povo,
pois conta a estória que o povo conta: “Diz que ele passa a mão e mata”. Quem
diz? A resposta parece ser: Quem diz é o povo. Logo temos o povo amondawa
como o “dono” ou “autor coletivo” da estória de Tandua. Nesse aspecto, os
elementos ficcionais utilizados para contar faz com que essa narrativa amondawa
compartilhe com outros textos ficcionais de natureza literária algumas
características, por exemplo, as construções linguísticas metafóricas do espaço
real/imaginário.
Sob esta perspectiva, a metáfora não é uma mera extensão (ou
transformação) semântica de uma categoria isolada para outra categoria de um
domínio diferente, mas envolve uma analogia sistemática e coerente, entre a
estrutura interna de dois domínios da experiência e, consequentemente, todo o
conhecimento relevante associado aos conceitos e domínios em causa. Por
exemplo, o significado da palavra PEDRA, no texto estudado, está revestido de
um significado novo. Mas esse novo conceito só ocorreu por causa da
continuidade e do caráter motivador da relação entre a experiência corporal e a
cognição. É possível compreender que PEDRA, além de significar mineral sólido
e duro, nesse contexto, tem o significado de lugar onde alguém pode morar,
assim, temos o esquema imagético do contentor: PEDRA É UM RECIPIENTE,
PEDRA É UM CONTENTOR. Os termos PEDRA e CASA são, em um dado
momento, intercambiáveis. Disso decorre a instabilidade do narrador na escolha
de um ou outro termo para denominar moradia.
Com base nos pressupostos da Teoria Cognitiva da Metáfora, nossa
análise nos permitiu concluir que a abordagem cognitiva, contrariando a tradição
milenar (objetivista) da epistemologia ocidental, sustenta-se numa visão do
significado linguístico que emerge com o nome de experiencialismo (LAKOFF E
67
JOHNSON, 1980). Por outras palavras, pressupõe-se que a compreensão
humana opere através de estruturas decorrentes da interação do organismo com
o meio ambiente.
3.2 Construções linguísticas metafóricas em narrativas míticas indígenas
escritas em língua portuguesa
A fim de aprofundar nossa análise das construções metafóricas, foram
selecionadas narrativas escritas em língua portuguesa por indígenas de várias
etnias participantes do Projeto Açaí, um curso de formação de professores
indígenas promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Estado de
Rondônia. Os textos escritos foram produzidos em grupos, em língua portuguesa,
após uma discussão coletiva com o tema “Saberes Indígenas”, durante aulas de
técnicas de produção de textos, na disciplina de Estágio Supervisionado,
ministrada pelas professoras Ms. Maria de Fátima Molina e Dra. Wany Bernadete
de Araujo Sampaio, no ano de 2011 na cidade de Ji-Paraná, Rondônia. As
narrativas fazem parte do acervo documental do Grupo de Estudos em Culturas,
Educação e Linguagens – GECEL/UNIR/CNPq.
Dentre as narrativas, selecionamos, para ilustrar nossa análise, o texto
“Aldeia Palhal”, a seguir transcrito:4
Aldeia Palhal
Eu moro na aldeia palhal vou contar um pouco da historia do povos Tupari que ainda preserva a sua cultura. Quando o casal tem filho tem cumprir o resguardo do filho recem-nascido é obrigado os pai fazer esse resguardo do filho, logo que a criança nasce no outro dia o pajé e convidado pela família para fazer o ritual. Então o pajé chega e senta no banquinho e pede para a mãe com a criança, no colo e o pai, do lado sentarem na frente do pajé para receber o ritual, o pajé também vai fazer a cura dos alimento, porque tem vários alimento que os pai não podem comer por causa da criança. Se o pai ou a mãe comer certo alimento vai prejudicar a saúde do seu bebê. E por isso
4 Sobre a análise da narrativa “Aldeia Palhal” ver também: BEZERRA, J. L e SAMPAIO, W. B. A.
Estudos literários em narrativas míticas indígenas escritas em língua portuguesa. Estudo apresentado pela autora no X Encontro Nacional sobre Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas – ELESI, realizado na Universidade Estadual do Amazonas em fevereiro de 2015 e também no I Congresso Métodos Fronteiriços: objetos míticos, insólitos e imaginários, na Universidade Federal de Rondônia em abril de 2015.
68
que a cultura do povo Tupari ainda mantem essa tradição e daí pai ou a mãe que comer alimento antes do tempo os mais velhos o avô ou avó até mesmo o pajé podem ir no mato atrás de raízes para fazer sumo da raiz para os pais beberem. O remédio tradicional e muito importante para os indígenas, tomando essas raízes e também tomando banho de folhas os indiozinhos crescem saudável e forte.
(Autores: Arlene Tupari, Edna Aruá, Misma Canoé, Valmir Makurap, Mauricio Tupari)
Da narrativa transcrita, destacamos a seguinte construção metafórica
orientacional:
(4) Então o pajé chega e senta no banquinho e pede para a mãe com a
criança, no colo e o pai, do lado sentarem na frente do pajé para receber o
ritual.
Para esta construção, propomos duas possíveis interpretações:
(i) Observa-se nesta construção (4) a metáfora conceitual RITUAL É UMA
SUBSTÂNCIA FÍSICA; é possível conceituar o abstrato com base no concreto, a
partir da experiência com objetos ou substâncias físicas permitindo-nos conceber
um evento como substância material.
Baseadas em Lévi-Strauss (1976), temos aqui a discussão sobre o
pensamento concreto, em que o autor afirma ser o pensamento dos povos tribais
e se configura carregado de riquezas. A construção deste pensamento concreto é
realizada através de características mais sensíveis e, portanto, mais concretas.
Segundo Lévi-Strauss (1976),
(...) os mitos e os ritos oferecem, como valor principal, ter preservado, até nossa época, de uma forma residual, modos de observação e de reflexão que foram (e continuam sem dúvida) exatamente adaptados a descobertas de um certo tipo: as que a natureza autorizava, a partir da organização e da exploração especulativas do mundo sensível em termos de sensível. Esta ciência do concreto (...) não foi menos científica e seus resultados não foram menos reais. Afirmados dez mil anos antes dos outros,
eles são sempre o substrato de nossa civilização (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 31).
69
Assim, a elaboração do aspecto experiencial da metáfora permite a
compreensão da imagem metafórica RITUAL É UMA SUBSTÂNCIA FÍSICA e
conceitualiza corpo como um RECIPIENTE, o que revela principalmente o corpo
humano tomado, metaforicamente, como um CONTENTOR, visto que recebe o
ritual. Tal conceito se dá em decorrência de que o nosso contato com a realidade
cotidiana nos revela o corpo como um depósito onde recebemos/depositamos
comida, bebida e também expelimos para o exterior outras substâncias que não
nos servem. O esquema imagético de contentor é imprescindível para esta
análise, uma vez que a conceitualização de RITUAL como uma substância física
reflete a noção dentro-fora com relação ao corpo humano.
(ii) A construção metafórica (4) possibilita também a conceitualização do
RITUAL enquanto TRAJETOR, pois o evento se movimenta dentro de um espaço:
tem como ponto de origem o pajé e como ponto de chegada a criança e sua
família; o ritual é direcionado para frente. Temos, na construção (1), a descrição
da posição dos corpos humanos no espaço:
(4) Então o pajé chega e senta no banquinho e pede para a mãe com a
criança, no colo e o pai, do lado sentarem na frente do pajé para
receber o ritual.
Nesta segunda interpretação da construção (4) pode-se inferir como
metáfora conceitual que o RITUAL É UMA SUBSTÂNCIA FÍSICA EM
MOVIMENTO.
Com base no exposto, podemos propor o esquema imagético de
contentor e o esquema imagético de trajetória, conforme representados nas
Figuras 4 e 5, a fim de ilustrar essas duas possíveis interpretações, conforme
demonstrado a seguir:
INTERPRETAÇÃO (I): Esquema imagético do CONTENTOR
(4.1) Então o pajé chega e senta no banquinho e pede para a mãe com a
criança, no colo e o pai, do lado sentarem na frente do pajé para receber o
ritual.
70
FIGURA 4 - ESQUEMA IMAGÉTICO DO CONTENTOR
RECEBER
RITUAL
Fonte: Elaborado pela autora com utilização de imagens disponíveis na web
- Imagem metafórica: RITUAL É UMA SUBSTÂNCIA FÍSICA.
- O Corpo é um RECIPIENTE. O Corpo é um CONTENTOR.
INTERPRETAÇÃO (II): Esquema Imagético da TRAJETÓRIA.
(4.2) Então o pajé chega e senta no banquinho e pede para a mãe com a
criança, no colo e o pai, do lado sentarem na frente do pajé para receber o
ritual.
FIGURA 5- ESQUEMA IMAGÉTICO DE TRAJETÓRIA
RITUAL
PERCURSO
Fonte: Elaborado pela autora com utilização de imagens disponíveis na web
- Imagem Metafórica: RITUAL É UMA SUBSTÂNCIA FÍSICA EM MOVIMENTO.
- Progressão do RITUAL dentro de um ESPAÇO: o Ritual é o trajetor, que se
desloca num percurso, movimentando-se no espaço.
- O Pajé é a origem, o ponto de partida do Ritual.
- A família (especialmente a criança) é o alvo, o ponto de chegada do Ritual.
DENTRO
FORA
A
ORIGEM ALVO
71
A análise propõe tanto o esquema imagético pré-conceptual do
CONTENTOR -em que estão subjacentes os conceitos dentro/fora- como o
esquema da TRAJETÓRIA, em que as imagens remetem, necessariamente, para
alteração da posição dos elementos no espaço da ORIGEM (focagem do ponto
de partida) para o ALVO (focagem do ponto-final); e no espaço (distância) entre
esses dois pontos tem-se o PERCURSO.
O RITUAL, além de se configurar como uma substância física, por esse
mesmo motivo é capaz de se movimentar em um espaço determinado. A
disposição dos corpos no espaço também sugere a relação de respeito à figura
do pajé, pois ele fica “na frente” da família para transmitir o ritual; do mais velho
para o mais novo.
O texto revela o quão é importante para esta cultura indígena o ritual, pois
é o primeiro evento da criança e é determinante para sua saúde física. Como a
metáfora conceitualiza o ritual como substância física, podemos compreender o
ato de receber o ritual como o ato de receber um presente do mais velho para o
mais novo.
Na construção linguística metafórica (4) ocorreu a seleção da palavra
receber, reforçando a ideia do ritual como uma substância física, material, pois
significados referentes ao verbo receber são: aceitar algo que lhe é oferecido ou
dado, ganhar, adquirir e herdar.
Compreendemos que, através da escolha do verbo receber, seja possível
perceber a intencionalidade do narrador/escritor ao produzir o texto, pois, ao
estruturar a narrativa, o narrador faz as relações com a palavra escolhida a partir
do seu léxico e de sua intenção. A utilização do verbo é capaz de esclarecer e
transmitir o sentimento da ação. A partir da construção linguística metafórica é
possível concretizar uma experiência abstrata e de valor social. Podemos pensar
o ritual, substância física, como uma espécie de “presente” na cultura indígena,
pois a escolha do verbo receber (aceitar algo que é dado) nos permite isso como
interpretação.
Mito e ritual são termos correlativos, pois o mito é a parte falada do ritual,
ou, como postulam Wellek e Warren (1976), o mito é a história do ritual. Na
72
narrativa analisada, configura-se o que os teóricos tratam acerca do ritual, uma
vez que ele é executado para uma determinada sociedade (grupo indígena) pelo
seu representante (o pajé) cujo objetivo é evitar ou propiciar alguma coisa (para a
criança crescer forte e saudável).
Eliade (1972) explica claramente que vivenciar os mitos é viver a
experiência religiosa, reiterar, reatualizar os eventos fabulosos. Nas palavras do
autor: “Em suma, os mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma
origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e
exemplar” (ELIADE, 1972, p. 18)
A experiência ritualística narrada revela uma especificidade cultural do
povo indígena Tupari, apresenta uma forma de iniciação da criança no mundo.
Eliade (1972 apud Guesse) afirma sobre a iniciação que:
Os mitos e ritos iniciatórios de regressus ad uterum colocam em evidência o seguinte fato: o “retorno à origem” prepara um novo nascimento, mas este não repete o primeiro, o nascimento físico. Especificamente, há uma renascença mística, de ordem espiritual – em outros termos, o acesso a um novo modo de existência (comportando a maturidade sexual, a participação na sacralidade e na cultura; em suma a “abertura” para o Espírito). A ideia fundamental é que, para se ter acesso a um modo superior de existência, é preciso repetir a gestação e o nascimento, que são porém repetidos ritualmente, simbolicamente; em outros termos as ações são aqui orientadas para os valores do Espírito e não para os comportamentos da atividade psicofisiológica (ELIADE, 1972, p.76)
Nossa busca por construções metafóricas de cunho conceitual nas
narrativas em estudo evidenciou outras construções linguísticas, revelando a
riqueza que há em nosso sistema conceptual e, principalmente, contribuindo para
a discussão acerca dos aspectos estético-literários em textos de autoria indígena.
Como exemplo, podemos tomar algumas construções encontradas nas narrativas
“A pescaria do povo Kaxarari” e “Pesca Tradicional”, que trazemos a seguir.
As construções nos mostram características humanas atribuídas ao peixe
(pensar-ficar tonto) revelando que o autor/narrador busca elementos que
traduzam a sua atitude literária, ou seja, recorre a recursos temáticos,
73
enunciativos e discursivos compartilhados com outros textos ficcionais de
natureza literária. Segue a transcrição da narrativa “A pescaria do povo Kaxarari”:
A pescaria do povo Kaxarari
Os Kaxarari ainda praticam a cultura deles de fazer uma grande pescaria. O cacique reúne o povo e marca um dia para fazer esse tipo de pescaria. As mulheres vão para a floresta colher frutos outras vão pegar a mandioca e o milho
E alguns homens que não vão pescar, ficam na aldeia para limpar o arroz. Que hoje em toda aldeia faz parte da nossa alimentação. Eles pegam bastante peixe que dar de alimentar a comunidade toda. No meio dos Kaxarari tem um flamenguista que está com a camisa preta e vermelha.
Eu tenho certeza que e por causa dessa cor vermelha que chama a atenção dos peixes, porque os peixes quando estão no fundo do rio eles gostam dessa cor pensam que e sangue.
Penso assim porque em toda aldeia o peixe está ficando cada vez mais difícil. Os Kaxarari pegam bastante peixes mesmo que fazem um grande Moquém para assar os peixes. Quem assa os peixes e o flamenguista. Depois de assado reúne o povo divide-se de acordo com quantidade de família.
Todos comem tomam chicha e ficam satisfeitos e felizes. (Autora: Marines Canoé)
Nesta narrativa, chama-nos atenção a seguinte construção linguística
metafórica:
(5) Eu tenho certeza que e por causa dessa cor vermelha que chama a
atenção dos peixes, porque os peixes quando estão no fundo do rio eles
gostam dessa cor pensam que e sangue.
Mediante tal construção linguística metafórica, reportamo-nos a Lakoff e
Johnson (2002), que afirmam que os conceitos metafóricos podem ser
ontológicos e dentre tais conceitos está inserida a personificação5. Para os
autores a personificação na linguagem cotidiana ocorre quando “objetos físicos
são tidos como pessoas” (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p. 87).
5 Sobre a temática “personificação”, ver também: SAMPAIO, W. B. A. e BEZERRA, J. L. Metáfora
ontológica: a personificação na narrativa mítica e nos processos de formação de palavras tupi. Trabalho apresentado no Encontro Internacional Metáforas nas línguas indígenas: Abordagem Empírica, Linguística e Cognitiva. Brasília, UnB, setembro de 2014.
74
O uso da personificação consiste na atribuição de características e
qualidades humanas a seres não humanos (animados ou inanimados); a
personificação é capaz de cobrir uma gama enorme de metáforas e cada
metáfora de personificação seleciona um aspecto humano ou modos diferentes
pelo qual se considera a pessoa. De acordo com Lakoff e Johnson (2002) o que
há em comum entre tais metáforas, “é o fato de serem extensões de metáforas
ontológicas, permitindo-nos dar sentido a fenômenos do mundo em termos
humanos, como base de nossas próprias motivações, objetivos, ações e
características” (LAKOFF E JOHNSON, 2002, p. 87-88).
Assim, a construção linguística (5) revela claramente a metáfora ontológica
de personificação: neste caso tem-se a personificação do peixe, visto que ele é
dotado de características essencialmente humanas; nesse tipo de metáfora são
reveladas experiências relativas a seres não humanos que demonstram, como se
fossem humanos, suas motivações, características e atividades.
Podemos inferir que, na narrativa analisada, o peixe revela
comportamentos e ações (gostar, pensar) que fazem parte das nossas ações e
sentimentos enquanto seres humanos. Este tipo de recurso é comum em
narrativas míticas, em que os animais, ao assumirem características e até formas
humanas, na verdade refletem os sentimentos e emoções do próprio homem. O
mesmo ocorre nas fábulas que consideram seus personagens, os animais, como
seres capazes de agir como seres humanos, com a intenção de apresentar uma
lição moral aos homens.
Neste ponto, reportamo-nos à segunda característica fundamental do
pensamento mítico, apresentada neste trabalho através das pesquisas de Guesse
(2014), em que a autora nos informa que, ao contrário de uma visão analítica, o
mito é caracterizado por uma visão sintética do mundo; logo, no pensamento
mítico não há divisão de classes e subclasses, mas existe uma solidariedade
fundamental e indelével da vida.
Assim, tal característica se torna semelhante à visão de mundo
integradora, ou seja, para as sociedades ocidentais há o pressuposto de uma
organização composta por hierarquia, com distinções claramente expostas entre
75
os seres e suas funções sociais, enquanto que na visão de mundo integradora
ocorre o desaparecimento dessa hierarquia e cada indivíduo será considerado a
partir da relação com seus semelhantes diretos e com tudo que compõe o mundo
que o circunda.
Para Carvalho (apud GUESSE, 2014), nas sociedades indígenas não há o
conceito de propriedade sobre a natureza e nas sociedades do homem branco
também não havia; isso se deu, conforme a antropóloga, após a criação de
animais, pois os homens criadores os transformam em objetos sem alma. No
entanto, para o índio todo animal tem alma. Desse modo, a compreensão da
visão indígena integradora de mundo revela que há um único princípio a todos os
seres, tal princípio os integra e não os separa, pois a visão de mundo é como um
todo e não fragmentado.
Interessante ainda complementar, a visão de mundo integradora da
realidade, dialogando com os postulados de Viveiros de Castro e Campbell, em
especial no tocante à relação entre o índio e a natureza. Para Campbell (apud
GUESSE, 2014), a relação dos índios com os animais é diferente da nossa visão
e relação com eles, pois vemos os animais como forma inferior de vida. Já os
indígenas se dirigem a todos os seres viventes como “vós”, árvores, pedras, tudo.
Nas palavras de Campbell, há o exemplo de um índio Pawnee que afirma “No
início de todas as coisas, a sabedoria e conhecimento estavam com o animal. [...]
E que o homem deveria aprender com os animais” (CAMPBELL, apud GUESSE,
2014, p.206). Assim, a visão integradora ocorre, pois os indígenas assimilam que
há um princípio comum a todos os seres, que não os distingue, mas sim os
unifica.
Neste sentido, os estudos referentes ao relativismo ocidental e o
perspectivismo ameríndio fornecem um diálogo para a análise destas
construções, considerando-se que:
Nas cosmologias indígenas o mundo é povoado por muitas espécies (humanos e não humanos) e o mundo está dotado de consciência e cultura, e cada espécie se vê como humano e as demais como não humanas, e nesta relação às espécies atribuem sentidos diferentes que dialogam entre si e com todos os
76
acontecimentos. Este é um circunstancialismo, onde todo mundo é humano de antemão (VIVEIROS DE CASTRO, 2012, on-line).
Viveiros de Castro (2012) se distancia do antropomorfismo e estabelece
que todos os seres veem o mundo da mesma maneira, o que muda é o mundo
que eles veem. Os aspectos temporais e espaciais do trecho exemplificado fazem
refletir o universo mítico presente até hoje na narrativa, pois o uso do advérbio
temporal quando denota uma condição espaço-temporal, ou seja, só é possível
ao peixe gostar e pensar quando está condicionado e delimitado ao espaço do
fundo do rio. É neste espaço (fundo do rio) que o peixe pode assumir aspectos de
caracterização humana e somente durante a prática de uma atividade tradicional
da comunidade indígena, a pescaria.
Também Viveiros de Castro (2011), compartilha da visão de que o mundo é
habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não-
humanas, que o apreendem segundo pontos de vista distintos. De maneira
sintética, o modo como os seres humanos veem os animais e outros seres do
universo é completamente diferente do modo como esses seres veem a si
mesmos e aos humanos.
Guesse (2013) elabora em seu trabalho uma proposta de organização das
diferentes perspectivas dos seres. No Quadro 1, abaixo, reproduzimos o que a
pesquisadora apresenta acerca do perspectivismo ameríndio:
QUADRO 1 - DIFERENTES PERSPECTIVAS DOS SERES PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO
Seres que veem Como veem a si mesmos
Como veem os outros seres
Humanos Humanos (em condições normais)
Animais como animais (em condições normais)
Espíritos (usualmente invisíveis) são vistos apenas em condições não normais
Animais predadores e os Espirítos
Humanos Humanos, como animais de presa
Animais de presa Humanos Humanos, como espíritos ou animais predadores
Fonte: Guesse, 2014, p. 207.
77
Através desse principio, podemos explicar por que os animais
(especificamente o peixe) apresentam características humanas (pensar, gostar).
A leitura de Viveiros de Castro revela que os animais se veem como pessoa,
portanto são dotados de tais capacidades psicológicas. Vale ressaltar que, para o
autor, o perspectivismo não é aplicável a todos os animais, ele ocorreria de
maneira mais frequente com as espécies dos grandes predadores e carniceiros
(jaguar, sucuri, urubu, etc.) e também com as presas típicas dos humanos
(macaco, peixe, veado e anta), isso ocorre porque as diferenças de perspectivas
ocorrem justamente entre presa e predador.
Podemos inferir, portanto, que a personificação ocorre nas narrativas
míticas indígenas, apresentando uma noção universal do pensamento ameríndio
em que, no estado originário, não havia a distinção entre humanos e animais,
como é comumente descrito nos mitos. Viveiros de Castro defende que o universo
das narrativas míticas é composto por seres cuja forma, nome e comportamento
misturam inextricavelmente atributos humanos e não humanos. Segundo o autor:
Nesse discurso absoluto, cada espécie de ser aparece aos outros seres como aparece para si mesma – como humana –, e, entretanto age como se já manifestando sua natureza distintiva e definitiva de animal, planta ou espírito. [...] Ponto de fuga universal do perspectivismo, o mito fala de um estado do ser onde os corpos e os nomes, as almas e as ações, o eu e o outro se interpenetram, mergulhados em um mesmo meio pré-subjetivo e pré-objetivo. Meio cujo fim, justamente, a mitologia se propõe a contar (VIVEIROS DE CASTRO apud Guesse, 2014 p. 209).
Desta forma, podemos dizer que a personificação do peixe é possível, pois
evidencia a visão integradora de mundo indígena, ao enxergar a realidade de
maneira integrada e não fragmentada, veem o mundo como um todo universal em
que é possível um ser (peixe) apresentar-se como outro (humano), pois apresenta
os resquícios do estado original (todos os seres tem alma).
Podemos também, a partir da análise na narrativa em estudo, discutir
alguns aspectos quanto à seleção das palavras utilizadas pela narradora/autora, e
que revelam muito sobre os indígenas. Como exemplo inicial, tomemos a cor
vermelha atribuída, no texto, à cor do sangue. Vemos aí a atração dos peixes pela
cor vermelha da camisa utilizada pela personagem (indígena flamenguista) que se
78
encontra no meio do rio. É possível verificar a importância da cor usada por este
indígena na prática da pesca: a escassez de peixes a torna difícil, mas a
utilização desse recurso (usar vermelho) facilita a pescaria. No decorrer do texto,
verificamos que essa mesma personagem indígena também é a responsável por
cozinhar os peixes pescados.
Outro exemplo se refere aos aspectos temporais e espaciais, refletindo o
universo mítico presente até hoje nas narrativas. O uso do advérbio temporal
quando denota uma condição espaço-temporal, ou seja, somente é possível ao
peixe gostar e pensar condicionado ao espaço do fundo do rio. É neste espaço
(fundo) inserido em um macro-espaço (rio/floresta) que o peixe pode assumir
aspectos da caracterização humana e isso tudo ocorre durante a prática de uma
atividade tradicional da comunidade indígena: a pescaria.
Na construção linguística metafórica (5), consideramos, ainda, de grande
importância a noção espacial: existe uma sobreposição de espaços, ou seja, a
partir do contexto e da descrição da autora, temos os seguintes espaços:
FLORESTA (MATA) - RIO - FUNDO DO RIO:
(5) Eu tenho certeza que e por causa dessa cor vermelha que chama a atenção
dos peixes, porque os peixes quando estão no fundo do rio eles gostam
dessa cor pensam que e sangue.
A Figura 6, a seguir, ilustra o esquema imagético de sobreposição espacial
presente na construção (5):
79
FIGURA 6: ESQUEMA IMAGÉTICO DE SOBREPOSIÇÃO ESPACIAL
Fonte: Elaboração da autora
Ao descrever tais espaços, salientamos sua relação com o que já foi
exposto anteriormente em relação aos espaços sagrados e míticos nas culturas
indígenas, ou seja, em um primeiro plano há o espaço da FLORESTA (MATA). O
espaço da floresta ou mata é o espaço em que a comunidade retira seus
alimentos e de onde provém sua sobrevivência; temos muitas narrativas de cunho
mítico que nos revelam o caráter sagrado da floresta com o desenvolvimento de
mitos que mostram o sobrenatural ocorrendo neste espaço.
Citamos como exemplo, alguns mitos retirados da internet e outros
transcritos do livro Mitos Amondawa (SAMPAIO, SILVA e MIOTELLO (Orgs.)
2004) que destacam a floresta enquanto espaço mítico:
Anhangá - Mito dos índios brasileiros, a alma errante (tupi ang), que tomava o aspecto de fantasma ou de duende, vagando pelos campos e florestas. Há vários tipos, como mira-anhanga, tatu-anhanga, suaçu-anhanga, tapira-anhanga e até pirarucu-anhanga - isto é, aparição de gente, de tatu, de veado, de boi e de pirarucu. Sua simples lembrança trazia pavor ao silvícola e ao homem simples do campo. Era a própria corporificação do medo informe, do pavor do desconhecido e do mistério da noite. É um dos mitos mais antigos do Brasil. O Anhanga, segundo a tradição, metamorfoseava-se mais em veado. (Fonte:
80
http://cantinhodosdeuses.blogspot.com.br/2011/03/mitos-indigenas-brasileiro.html)
Caipora - Um dos gênios da floresta na mitologia tupi. É representado como um pequeno índio, negro, ágil, que fuma cachimbo e reina sobre tudo o que existe na mata. (Fonte: http://cantinhodosdeuses.blogspot.com.br/2011/03/mitos-indigenas-brasileiro.html)
A mulher do índio - Antigamente nós não tinha mulher. Era o índio mesmo que tirava e fazia chicha. Tinha um índio velho, mas que entendia de tudo...Ele ficou pensando, pensando até que teve uma ideia. Aí ele foi no mato e conseguiu trazer a mulher. (Fonte: SAMPAIO, SIVA e MIOTELLO (Orgs.). Mitos Amondawa. Porto
Velho, Edufro, 2004)
O outro espaço descrito é o espaço do RIO. Nas sociedades indígenas, e
em variados textos, visualizamos também a relevância deste recurso natural para
a sobrevivência da comunidade.
Por fim, temos o espaço do FUNDO DO RIO, que será analisado fim de
discutir a construção metafórica associada à personificação. Mais uma vez, temos
um espaço que deixa transparecer em alguns mitos o seu papel de extrema
importância na composição de várias narrativas míticas. Como exemplo, temos os
seguintes textos, disponíveis na web:
Texto 1: Na nascente do rio Nhamundá, há um lago denominado Iaciuaruá, que quer dizer Espelho da Lua. Dizem que esse lago foi consagrado á lua e que em determinadas épocas, em noite de lua cheia, as ICAMIABAS que habitavam as margens do grande rio, faziam uma festa dedicada a lua e a mãe do muiraquitã que habitavam no fundo do lago. Quando a superfície do lago estava serena refletindo a lua, as Icamiabas lançavam-se á agua e mergulhavam até o fundo, onde recebiam das mãos da mãe do muiraquitã os preciosos talismãs. Esses amuletos lhes era entregue ainda mole e se solidificavam tão logo entrassem em contato com o ar . Com esses muiraquitãs elas presenteavam os homens com quem tivessem relações intimas. As Icamiabas não admitiam homens em suas tribos, só os procuravam quando sentissem desejos de ter relações sexuais, seus parceiros ocsionais eram os índios Guacaris. Se da conjução carnal entre elas e os Guaracis nascessem filhos varões, estes eram sacrificados ou entregues ao pai para criar. As Icamiabas cavalgavam com desenvoltura, eram mulheres guerreiras que, segundo dizem, amputavam um dos seios para melhor manejo do arco e flecha.
(Fonte:http://luciabragapoema.arteblog.com.br/r15779/ LENDAS-E-MITOS-DA AMAZONIA/)
81
Texto 2: Anaconda Yube- Segundo o mito fundador, Yube era o homem que, ao se apaixonar por uma mulher-anaconda, se transforma em anaconda e passa a viver com ela no mundo profundo das águas; nesse mundo Yube descobre a bebida alucinógena e os poderes curativos e de acesso ao conhecimento que a bebida propicia. Um dia, sem avisar a esposa-anaconda, Yube decide voltar à terra dos humanos e volta a se transformar em homem, retornando para a sua família humana. Um dia, ao caçar na floresta, Yube se depara com membros de sua família-anaconda, que tentam convencê-lo a voltar às águas. Yube se recusa e passa a ser atacado pelas anacondas. Sofre ferimentos graves, mas sobrevive; antes de morrer, Yube ensina a seus filhos e conterrâneos humanos os segredos e benefícios da bebida alucinógena instaurando assim o ritual Kaxinawá de nixipae.
(Fonte:http://www.letras.puc-rio.br/unidades&nucleos/catedra/revista/7Sem_16.html)
A partir das narrativas míticas acima, é possível traçar uma descrição do
espaço do fundo do rio. Temos um espaço em que é permitido, apenas através do
mito, se desenvolver ações, um espaço em que as personagens podem MORAR:
(6)... mãe do muiraquitã que habitavam no fundo do lago.
O espaço do fundo do rio é também um outro “mundo” e lá nas profundezas é
possível morar e viver tal qual no “mundo externo” ou mundo fora do rio:
(7).... e se transforma em anaconda e passa a viver com ela no mundo
profundo das águas.
Nestas narrativas de cunho mítico, bem como em várias narrativas em
outras culturas, temos presente em sua forma de estruturação a chamada “tópica”
(BELLEI, 2000). A tópica se refere a um tema comum que se apresenta em
variadas narrativas ao longo dos tempos.
Na narrativa A pescaria do povo Kaxarari, podemos considerar a tópica
fundo do rio revelada como outra forma de apresentação do mundo, presente na
construção metafórica (5), em estudo, que aqui retomamos:
(5) [....] os peixes quando estão no fundo do rio pensam que e sangue.
82
Neste universo, o fundo do rio, é possível a personificação do peixe.
Somente neste espaço, considerado divino e sagrado (mundo em que é possível
morar e viver) o peixe, animal não dotado de racionalidade, é capaz de “pensar”.
A autora mostra, ao compor a narrativa, o aspecto temporal (advérbio de tempo
quando) e espacial (fundo do rio) denotando que é somente neste contexto
temporal e espacial que o peixe pode assumir características humanas.
Outra narrativa intitulada “A pesca tradicional”, dos autores Edilson Tupari
e Bismarque Cujubim, nos revela mais uma característica humana atribuída ao
peixe, conforme destacado na construção (8), abaixo:
(8) Depois que termina a batição todos saem do lago e volta a beira e
espera os peixes ficarem tonto.
A construção (8) explica que o peixe, ao estar em contato com o veneno da
substância usada na batição do rio, fica privado de oxigênio e por isso “fica tonto”,
ou seja, o peixe apresenta um sintoma que, para nós, seres humanos, pode ser
ocasionado por falta de circulação sanguínea no cérebro.
As construções linguísticas metafóricas analisadas nos mostram
características humanas atribuídas ao peixe (pensar, gostar, ficar tonto),
revelando que o autor, ao escrever seu texto, busca elementos que traduzam a
sua atitude literária.
Com base no exposto até aqui, verificamos que os autores indígenas
utilizam recursos específicos na elaboração de seus textos, elementos que não
são arbitrários, mas que buscam revelar muito de sua cultura aos leitores. Por
isso, na próxima seção trataremos da arte de narrar e, principalmente, da
chamada atitude literária do narrador indígena nos textos de cunho mítico.
3.3 A atitude literária do narrador e a arte de narrar
O presente tópico se desenvolve a partir do seguinte questionamento:
como é possível identificar a atitude literária no narrador em produção escrita
indígena? A resposta se formula a partir dos estudos realizados no presente
trabalho, com base nos conceitos extraídos da linguística cognitiva e também dos
83
estudos literários. Só assim será possível fazermos a reflexão e discussão acerca
da metáfora de cunho literário a partir da metáfora de cunho conceitual.
O ato de narrar apresenta, conforme Bentes (2011), uma reflexão meta-
discursiva sobre o que está sendo narrado e a narrativa possui um
“esquematismo” que mantém a ordem do paradigma narrativo. Cabe ressaltar que
a autora, em sua pesquisa, utilizou como corpus narrativas orais populares da
Amazônia paraense e o nosso trabalho utiliza narrativas indígenas escritas em
língua portuguesa. No entanto, os princípios teóricos de Bentes (2011), no que
concerne à arte de narrar e as narrativas, são esclarecedores para a constituição
da base teórica desta pesquisa.
Bentes (2011) leva em consideração duas perspectivas que dizem respeito
ao fenômeno da narratividade. A primeira é conferida a Toolan (1988), que diz: (i)
o ato de narrar é indissociável daquilo que é narrado; (ii) há um “trabalho” do
narrador em relação ao que ele enuncia; (iii) as narrativas necessariamente
apresentam uma trajetória;(iv) as narrativas exploram com propriedade o traço da
linguagem chamado “deslocamento” (forma de construir discursivamente eventos
distantes, no espaço e no tempo, tanto do narrador quanto da audiência). A
segunda é a perspectiva de Ricoeur (1995) que afirma que (i) a narrativa de ficção
possui a propriedade de se desdobrar em enunciado e enunciação, o que significa
dizer que narrar já é refletir sobre os acontecimentos narrados; (ii) a implicação da
narrativa da própria narração permite que os estudos sobre este fenômeno deem
lugar à subjetividade; (iii) o mundo narrado caracteriza-se por uma atitude de
“distensão” entre os interlocutores (BENTES, 2000 p. 81).
O trabalho de Bentes (2000) objetiva fazer a compreensão da “atitude
literária” dos narradores, na medida em que enunciam seus textos. O
entendimento de tal processo faz com que tais narrativas compartilhem algumas
características com textos ficcionais de natureza literária. Desse modo,
pretendemos buscar essa chamada atitude literária nas narrativas indígenas de
caráter mítico, uma vez que ela pode ser vista como um elemento responsável
pela forma como os textos foram elaborados.
84
Uma das premissas da pesquisa de Bentes relaciona-se à chamada “arte
de narrar”, em que as narrativas, ao revelarem tal arte, só o fazem em razão de
os narradores terem estabelecido, em conjunto com quem os ouve, um “acordo
ficcional”, termo utilizado por Coleridge (1994) e citado por Bentes (2011). O
acordo ficcional é quando o público sabe que o que está sendo narrado é uma
estória imaginária, no entanto não pensa que o narrador está faltando com a
verdade.
Guesse (2103), em sua dissertação, elabora um tópico intitulado Narrar é
(re)viver, e mais uma vez temos sua grande contribuição para as pesquisas
voltadas à temática indígena. A autora discute a importância do ato de narrar,
bem como sua relação com a literatura. Para a pesquisadora, os povos indígenas
valorizam bastante a arte de narrar e isso acaba por transparecer em sua
literatura. Como vimos anteriormente, considera-se que a literatura indígena tem
sua fonte na tradição oral, portanto é importante a figura do narrador oral nas
comunidades indígenas.
Walter Benjamin (1987), no capítulo intitulado O narrador: considerações
sobre a obra de Nikolai Leskov, afirma que esta arte de narrar está em vias de
extinção, ou seja, pessoas com a capacidade de narrar estão cada vez mais
limitadas. Para Benjamin, a arte de narrar consiste na possibilidade de trocar
experiências e esta, de algum modo, está desprovida do homem. Como causa,
aponta que os próprios atos de experiência do homem estão “em baixa”. Nas
palavras de Benjamin (1987), “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a
fonte que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as
melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos
inúmeros narradores anônimos” (BENJAMIN, 1987, p. 198).
Eliade (1972) considera que o mito revela e narra não somente a origem do
mundo, dos animais e das plantas e principalmente do homem, mas revela como
o homem de hoje é consequência, resultado dos eventos míticos de sua criação.
Para este homem, o mito é de suma importância, pois tais narrativas estão
diretamente relacionadas com sua existência.
85
Quando tratamos de narrativas míticas indígenas, o fazemos a partir da
concepção de que seus escritos são provenientes de uma sociedade de tradição
oral; segundo Guesse (2011), nesta esfera o texto está excepcionalmente na
memória do contador/narrador. Em contrapartida, na escrita das narrativas, os
indígenas abrem mão da performance do ato de narrar oralmente, produzindo,
assim, uma obra reflexiva, com preocupação estética e que ainda reflete um
produto com a identidade da comunidade.
Segundo Benjamin (1987), o senso prático é uma característica de muitos
narradores natos, ou seja, a narrativa apresenta uma dimensão utilitária. Para o
teórico, tal utilidade pode apresentar-se na forma de um ensinamento moral, uma
sugestão prática, um provérbio ou uma norma de vida. Em qualquer um destes
contextos, o narrador se impõe como alguém que sabe dar conselhos.
Eliade (1972) considera que o mito é configurado não somente como um
modo de explicar o mundo, os seres, mas também intenciona explicar valores, de
modo a integrar o real/cotidiano com o mágico ou divino. As próprias atividades
possuem significado mítico, tais como a dança, a caça, a pesca e a agricultura.
Tais ações foram reveladas ao homem através de um deus ou herói no tempo
primordial e são repetidas pelos homens que os conhecem através dos mitos.
Benjamin (1987) afirma que a narrativa floresceu num meio de artesãos, ou
seja, a narrativa é, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Para
Benjamin, o narrador imprime suas marcas na narrativa:
Ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (BENJAMIN, 1987, p. 205).
Walter Benjamin insere o narrador na categoria entre os mestres e os
sábios. E explica: o narrador sabe dar conselhos. O narrador usa a sua
experiência e a do próximo para constituir sua base; nas palavras do autor: “Seu
dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. (...) O narrador é a
figura na qual o justo se encontra consigo mesmo” (BENJAMIN, 1987 p. 221). Nas
comunidades indígenas, os mais velhos se dispõem a narrar as histórias de seu
86
povo, histórias de um tempo primeiro e que, ao serem escritas, expressam e
documentam todo o seu acervo mítico, fortalecendo culturalmente sua identidade.
Importa neste momento uma reflexão e questionamento: Em qual
categoria, o narrador indígena estaria inserido? No caso, o mais adequado seria
propor uma terceira categoria, algo próximo ao “Xamã”, uma vez que as
características do narrador indígena não se encaixam nas propostas por
Benjamim. Tal categoria “xamânica” se justificaria, segundo os estudos de
Guesse (2013), porque a escrita indígena produz um desvio na literatura
brasileira, ao propor uma nova estética, um novo estilo e, portanto, um novo
narrador. Neste caso, soma-se o fato de que algumas narrativas estudadas em
nosso trabalho foram produzidas de forma coletiva.
É importante refletir sobre a autoria coletiva, pois, diferente da narrativa
oral, não temos evidenciado um autor individual. No caso das narrativas
analisadas na presente pesquisa, temos os professores indígenas como os
responsáveis pela escrita das histórias em um processo que envolve a
transposição de uma ideia coletiva, a transposição do oral para o escrito, a
seleção de um vocabulário e um trabalho com a linguagem.
Assim, a escrita de autoria coletiva representa as vozes de seus
representantes, há um comum entre estas vozes que são passadas para as
narrativas, portanto o texto produzido apresenta também uma característica
política, pois é resultado de um consenso.
Retomamos, aqui, o questionamento feito pelo linguista D’ Angelis (2007):
“o que vamos entender por literatura indígena (aqui associada, obviamente, à
escrita)?” Como nosso trabalho abarca produções literárias de comunidades que
transitam da oralidade para a escrita6, e esta é a escrita na língua dominante,
importa-nos realizar um diálogo com a premissa de Ricoeur (2000) no que se
refere ao conceito de texto: o texto é todo o discurso fixado pela escrita.
6 Ver também: BEZERRA, J. L. Estudos literários em narrativas indígenas: a voz do indígena na
literatura. Trabalho apresentado no VIII Simpósio Linguagens e Identidades da/na Amazônia Sul-Ocidental/VII Colóquio Internacional “As Amazônias,as Áfricas e as Áfricas na Pan-Amazônia. Universidade Federal do Acre, 03 a 07 de novembro de 2014.
87
Lima (2014), ao tratar do assunto da escrita literária indígena no Século
XXI, chama-nos atenção ao realizar a análise do posicionamento do enunciador
no interior do poema narrativo; segundo a autora, a postura assumida pelo autor
no trecho: “tudo isso que escrevi no processo de letramento da língua portuguesa
são longas histórias de um mundo muito antigo” (LIMA, 2014, p. 139) denota a
fixação, através da escrita, de um aspecto importante da tradição oral: a memória.
Araújo (2010) diz que “Os povos indígenas, ao contarem suas histórias,
escrevem, pois percebem na permanência da palavra escrita o lugar da memória”.
Sobre o papel da literatura indígena, Daniel Munduruku (2008) afirma que:
A escrita é a demonstração de capacidade de transformar a memória em identidade, pois ela reafirma o Ser na medida em que precisa adentrar no universo mítico para dar-se a conhecer ao outro. O papel da literatura indígena é, portanto, ser portadora da boa notícia do (re) encontro. Ela não destrói a memória na medida em que a reforça e acrescenta ao repertório tradicional outros acontecimentos e fatos que atualizam o pensar ancestral. (MUNDURUKU, 2008,p. 2)
Conforme Campbell (apud SCHEINER, 1993, p. 59) “os mitos são a forma
mais geral de se perpetuar a consciência de um outro mundo - o mundo divino
dos antepassados, o mundo das realidades absolutas. Entrar em sintonia com o
universo e permanecer neste estado é a principal função da mitologia”.
Conforme a análise de Lima (2014), o poema narrativo apresenta um
tempo em que “os animais falavam”; tal afirmativa nos remete à análise da
construção linguística metafórica que apresenta características antropomórficas
realizada na seção de análise, pois a construção analisada apresenta um espaço
em que o peixe “pensa”. Nesse contexto temporal e espacial mítico, temos a
configuraç Ao analisar o poema, O Acre no mundo parece um pouso de
borboleta do autor Tene Kaxinawa, Lima (2014) argumenta que as metáforas
elaboradas pelo autor indígena têm por objetivo alcançar o receptor,
transformando conceitos abstratos em representações mais concretas, usando
elementos conhecidos de seu entorno. Logo, a atitude literária independe da
tipologia textual: seja em prosa ou em verso, a atitude literária se revela nas
escolhas da língua (gem) que o autor/narrador faz para expressar em produzir
88
sentidos aos personagens das narrativas como seres dotados de capacidades
humanas.
Estes exemplos, assim descritos, nos reportam à questão da literariedade;
em conformidade ao pensamento de Bentes (2011), podemos discutir que a
narrativa de cunho mítico e as construções linguísticas metafóricas por nós
analisadas compartilham com outros textos ficcionais escritos, de natureza
literária, algumas características, sendo uma destas a metáfora, dado que todos
os seres humanos possuem a capacidade de conceituar, o que nos dá o poder do
pensamento abstrato.
Além disso, o texto narrativo é produzido pela/na experiência. Para Bentes
(2011), uma das características do discurso ficcional é necessariamente a
capacidade de articular diferentes campos de referência que resultem em uma
“transgressão dos limites” de forma a valorizar o imaginário de um modo que
possibilite o alcance da realidade de outro modo inacessível.
Dessa maneira, a prática escritural das narrativas míticas acaba por
instaurar/revelar uma poética que ainda não está enquadrada aos padrões
estabelecidos pela tradição ocidental, mas que requer estudos e pesquisas
direcionadas à literatura indígena. É um assunto que não se esgota aqui, por isso
a necessidade de continuidade deste trabalho.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos e pesquisas que tomam como foco as produções indígenas (mitos,
poesia e contos) são pouco executados no meio acadêmico dos estudos literários.
Há quem defenda, por exemplo, que as criações indígenas necessitam de uma
teoria literária específica e uma metodologia particular (CORTAZZO 2001 apud D’
ANGELIS, 2007 p. 21). Essa especificidade seria influenciada inicialmente pelo
fato de a chamada literatura dos povos indígenas possuir uma estreita relação
com a literatura de tradição oral e sua prática a partir da apropriação de língua
que não é a sua nativa.
Durante muitos anos, as narrativas míticas indígenas foram coletadas nas
comunidades de maneira oral (por vezes na língua nativa e também em língua
portuguesa) e transcritas para a língua portuguesa, proporcionando algumas
perdas da originalidade, riqueza e cultura presentes, visto que a adequação para
a língua portuguesa influenciou o produto final. Outra característica de tais
narrativas é sua atribuição à categoria de literatura infantil ou infanto-juvenil.
As adaptações dos mitos, que mais atendiam ao público infanto-juvenil,
resultam em uma barreira para a análise literária, pois não conferem ao próprio
indígena revelar suas características enquanto narrador e autor.
Neste trabalho abordamos o conceito de mito -ainda que de maneira
panorâmica- dada a sua importância como fonte e princípio norteador da
Literatura. Com base na teoria literária, é possível afirmar que o mito é a primeira
manifestação literária do homem. Muitas pesquisas atuais são voltadas para a
análise do mito presente na literatura, mas pouco há sobre estudos literários do
mito e, quando tratamos de narrativas sagradas míticas indígenas, nos
deparamos também com a concepção de que são obras literárias do gênero
mítico.
Visando contribuir com os estudos literários do mito, dedicamo-nos a uma
abordagem mais minuciosa acerca da estrutura mítica, constituída por aspectos
presentes em todas as narrativas míticas em qualquer sociedade, conferindo-lhe,
assim, um caráter universal. Os três elementos estruturantes -tempo, espaço e
90
metáfora- comportam as unidades constitutivas do mito e são aspectos de
extrema relação e relevância para o estudo e compreensão do mito.
Vimos, neste trabalho, que o tempo mítico se apresenta inicialmente como
o tempo primordial, aquele que aborda a origem; no entanto, as narrativas míticas
têm a capacidade de compreender os três tempos: passado, presente e futuro. É
tempo passado, pois narra histórias que se passaram em um tempo que não é o
seu; é presente, pois com a manutenção e repetição do rito, o mito ainda se faz
presente nas comunidades; e é futuro, pois o mito tem a capacidade de ser
revivificado cada vez que é narrado e, assim, alcançar as gerações futuras.
O espaço mítico é um espaço em que o sagrado se manifesta. Não é um
espaço como qualquer outro, mas é um espaço revestido de sacralidade e que
permite que as ações ocorram porque estão inseridas em um determinado
contexto que não é tão somente geográfico. Em contrapartida, temos o espaço
literário, cujo percurso histórico foi apresentado neste trabalho, o qual possui uma
variedade enorme de conceitos.
O terceiro elemento estruturante do mito é a metáfora que, de maneira
conclusiva, consideramos elemento essencial: o mito é uma metáfora.
Temos uma variedade de concepções acerca da metáfora que podem ser
apresentadas de maneiras divergentes ou sobrepostas, mas que individualmente
revelam sua importância para a narrativa mítica. Nossa proposta foi apresentar a
metáfora em sua gênese, os estudos de Retórica e Poética, até chegarmos aos
estudos contemporâneos que permeiam a linguagem e a cognição.
Os estudos literários atribuem que a linguagem é o objeto de investigação
literária. Por tal motivo, nossa pesquisa buscou a análise com base linguística
para discutir as metáforas nas narrativas de cunho mítico. Para a análise,
tomamos como foco, os estudos voltados à Teoria Cognitiva da Metáfora
(LAKOFF E JHONSON, 2002). Compreendemos, ao longo de nossos estudos e
de nossa pesquisa, a compreensão da metáfora conceitual é fundamental para a
compreensão da metáfora literária.
Conforme a Teoria Cognitiva da Metáfora, o elemento metafórico permeia
todas as nossas ações e nossos pensamentos além da linguagem, pois está
91
infiltrado no nosso cotidiano. Lakoff e Johnson (2002) afirmam que existe uma
extensão contínua entre as metáforas literárias e as metáforas cotidianas; as
ocorrências da metáfora nas obras literárias acontecem não exclusivamente
porque a literatura contém a linguagem cotidiana, mas porque, mesmo que haja
um desvio das formas mais comuns (cotidianas) de expressão e de pensamento,
a linguagem é realizada a partir de explorações criativas e inusitadas de
mapeamentos metafóricos enraizados em nossos sistemas conceptuais.
Em nossa análise, privilegiamos metáforas em que o domínio de origem é
o espaço, considerando a ocorrência de expressões espaciais disponíveis nas
narrativas através de construções linguísticas metafóricas de ordem
orientacional/espacial. Identificamos, nas narrativas analisadas, construções
metafóricas orientacionais com base espacial, a partir da orientação que o ser
humano possui no meio ambiente em que vive.
Além das metáforas orientacionais espaciais, foi possível a identificação de
metáforas orientacionais de ordem ontológica, pois, conforme a Teoria Cognitiva
da Metáfora, há outro tipo de percepção que habilita o pensar metafórico, visto
que em nosso cotidiano nos habilitamos a lidar com objetos e substâncias de
maneira metafórica. As metáforas decorrentes desse tipo de experiência são
chamadas metáforas ontológicas.
Intentamos, também, nesta pesquisa, através da análise de ocorrências de
construções linguísticas metafóricas literárias e do cotidiano no domínio do
espaço em narrativas com temáticas míticas indígenas, discutir a atitude literária
do narrador. A análise com base linguística serviu de subsídio para revelar o
caráter de literariedade nas narrativas míticas indígenas. Podemos afirmar que as
metáforas expressas através dos esquemas imagéticos elaborados e
apresentados neste trabalho, configuram-se como metáforas literárias novas,
produzidas e trabalhadas de maneira criativa pelos autores indígenas.
A análise das construções metafóricas de cunho conceitual, como base
para a análise das metáforas literárias, revela a riqueza literária presente nos
mitos indígenas e, por isso, avaliamos que esses textos necessitam urgentemente
de um olhar voltado aos aspectos literários, visto que é possível, mediante o
92
fenômeno recente da escrita, ouvir a voz do indígena e partilhar um pouco mais
dos seus saberes.
Os resultados aqui apresentados demonstram uma das premissas
fundamentais da Teoria Cognitiva da Metáfora: a que diz respeito ao elemento
metafórico permear todas as nossas ações e pensamento além da linguagem,
pois está infiltrado no nosso cotidiano. As construções analisadas revelaram
modos de “ver” através dos olhos do autor, conforme o contexto em que ele está
inserido e o ambiente de que compartilha. As expressões metafóricas, como
vimos, deixam transparecer modos de conceber eventos de grande importância
para as comunidades indígenas, bem como espaços sagrados e divinos próprios
da experiência destes povos.
Foi um grande desafio, mas ao mesmo tempo um trabalho motivador,
poder trazer à academia uma reflexão acerca da abertura para estudos literários
em narrativas míticas e, principalmente, poder proporcionar a divulgação das
produções escritas indígenas -através de nossa participação em diversos
eventos, com apresentações do trabalho- contribuindo para uma nova e
diferenciada visão do indígena ante a História e na Literatura, uma vez que os
indígenas se tornam os verdadeiros autores de sua história.
Por fim, é importante salientar que não chegamos ao final do caminho. Este
trabalho representa apenas o começo de uma longa caminhada no que se refere
aos estudos literários em narrativas indígenas. Pretendemos continuar
pesquisando futuramente e esperamos que este nosso trabalho inicial seja uma
motivação para que outros pesquisadores também sintam a necessidade e o
desejo em contribuir para o aprofundamento dos estudos da literatura
contemporânea indígena.
93
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