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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
FORMAS DE VIDA
(Arte como matéria vivida)
Camila Moreira Santana Roriz
Trabalho de Projeto
Mestrado em Pintura
Trabalho de Projeto orientado pela Professora Auxiliar Convidada Ana Mata
2019
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DECLARAÇÃO DE AUTORIA
Eu, Camila Moreira Santana Roriz, declaro que o presente trabalho de projeto de
mestrado intitulado Formas de vida (Arte como matéria vivida) é o resultado da minha investigação
pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente
mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tais como todas as
citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas
acadêmicas.
Camila Moreira Santana Roriz
Lisboa, 30 de maio de 2019
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RESUMO
Na tentativa de falar sobre o meu processo experimental artístico busquei inspiração
em algumas artistas e autoras: Donna Haraway, bióloga e filósofa, que acredita na potência do ato
de contar histórias como uma possibilidade de reinventar maneiras de viver em um mundo
danificado; Octavia Butler, autora de livros de Ficção Científica que trazem questionamentos
quanto aos padrões que nos são introjetados ao longo da vida na nossa sociedade ocidental.
Maria Lassnig, pintora que experimentou com os movimentos artísticos de sua época, mas que se
permitiu contar as suas próprias narrativas internas. E outros artistas que continuam resistindo e
fazendo arte mesmo com todas as adversidades que consistem em estar nesse mundo atualmente.
Dessa forma, existe uma tentativa de falar sobre as diferentes formas de vida, além de uma
vontade de desvendar os constantes e diversos conceitos que são criados para definirem um ser
vivo. Trago questionamentos sobre a vida orgânica e a vida artificial. As diferenças que criamos
constantemente entre o que é considerado orgânico para o que seria mecânico, tecnológico. A
partir dessa ideia gerou-se uma curiosidade em pensar em formas de mutação, o ser humano
como uma rede de reações químicas que tem como resultado final o que vemos superficialmente.
Trago trabalhos de artistas que buscam novas visualidades, que contrapõem o que nos foi
determinado como padrão ou normal. Durante o processo de investigação procurei caminhos
para traduzir esse interesse teórico com um trabalho visual pensado através da essência pictórica,
a qual foi usada durante muitos séculos como ilustração de narrativas. Uso a estrutura da pintura,
como a composição de cores e formas, e a transporto para softwares de edição de imagens 3D e
aplicativos de realidade virtual para realizar os meus projetos. Refiro também, a jogos eletrônicos
como uma potente possibilidade de aprendizagem e como uma nova maneira de fazer arte.
Palavras-Chave:
Formas de vida; Pintura; Storytelling: Imersão; VR; Experimentação
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ABSTRACT
In an attempt to talk about my experimental artistic process I found inspiration from some artists
and authors: Donna Haraway, biologist and philosopher, who believes in the power of
storytelling as a possibility to reinvent ways of living in a damaged world; Octavia Butler, author
of science fiction books that raise questions about patterns that are shown to us throughout our
Western society. Maria Lassnig, is a painter who experimented with the artistic movements of her
time but even so allowed herself to tell her own internal narratives. And other artists who
continue to resist and make art even with all the adversities that consist of being in this world
today. Thus, i begin with a research about the different forms of life, a desire to unveil the
constant and diverse concepts that are created to define a living being. I made some questions
about organic life and artificial life. The differences we constantly create between what is
considered organic for what would be mechanical, technological. From this idea a curiosity
emerged in thinking of forms of mutation, the human being as a network of chemical reactions
that has as final result what we see superficially. I write about some artists who seek new
visualities, which contrast what has been determined to us as standard or normal. During the
process of investigation I looked for ways to translate this theoretical interest with a visual work
thought through the pictorial essence, which has been used for many centuries as illustration of
narratives. I use the structure of the painting, like the composition of colors and shapes, and I
transport it to 3D image editing software and virtual reality applications to materialize my
projects. I refer also to electronic games as a potent learning possibility and as a new way of
making art.
Key words:
Life forms; Painting; Storytelling: Immersion; VR; Experimentation
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à orientadora Ana Mata que aceitou a me auxiliar e sempre
ofereceu a sua compreensão e suporte necessário para o êxito na conclusão deste trabalho. À
minha mãe, ao meu pai pelo apoio que me deram sempre. À minha irmã Liza, pela força que me
deu em um momento tão complexo em minha vida (e por ter me ajudado com a formatação
desta tese de mestrado). Aos artistas Alpha Rats, Aun Helden, Franco Palioff e Gabriel Massan
que cederam parte de seus tempos para conversarem comigo sobre suas práticas artísticas. Aos
artistas que se permitem e se atrevem a desafiar o sistema de suas épocas, que são experimentais,
fazem ruídos e brincam com o Cosmos. Definitivamente, são essas pessoas que me inspiram –
quem tem a coragem de ser realmente como é, mesmo quando o mundo dita o contrário. Ao
meu amigo Luquinhas que eu amo muito e a todos os amigos que sabem quem o são e que me
deram força para concluir algo tão complexo para mim que é a escrita acadêmica e suas
formatações.
Dedico essa tese à Donna Haraway, à Octavia Butler, aos Antifascistas, Antirracistas,
às pessoas que realmente se importam. Pessoas que buscam contar novas histórias e estórias para
lidar com o problema que é estar nesse mundo em narrativas visuais e práticas do dia-a-dia.
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“We moderns are faced with the necessity of rediscovering the life of the spirit;
we must experience it anew for ourselves. It is the only way in which we can
break the spell that binds us to the cycle of biological events”.
Carl Jung
“Plants, however, they speculated, “do not communicate” and so have no
language. Something else is going on in the vegetative world, perhaps something
that should be called art.”
Donna Haraway
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1
1. FORMAS DE VIDA ..................................................................................................... 4
1.1 A POTÊNCIA DA IMAGINAÇÃO E DO ATO DE CONTAR HISTÓRIAS12
1.2 A PINTURA COMO PRIMEIRA FORMA DE NARRATIVA VISUAL ........ 19
1.2.1 MARIA LASSNIG
Narrativas internas ................................................................................................................. 21
1.2.2 MARIA LASSNIG
Vídeo como autorretrato em movimento .......................................................................... 27
1.3 HISTÓRIAS INTERATIVAS – GAMES COMO UM POTENTE DISPOSITIVO
DE APRENDIZAGEM ........................................................................................................... 31
2. A IMAGEM PICTÓRICA FRAGMENTADA NO ESPAÇO DIGITAL ..... 36
2.1 A CRIAÇÃO DE MUNDOS EM SOFTWARES 3D .......................................... 40
2.2 VR COMO MÍDIA ARTÍSTICA ............................................................................. 47
3. CYBERFEMINISM & POST-CYBERFEMINISMS .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.1 HACKEANDO O UNIVERSO ............................................................................... 59
3.1.1 OS MEUS PROCESSOS ....................................................................................................... 59
3.1.2 OS MEUS PROCESSOS COLABORATIVOS ................................................................ 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 69
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 71
FONTES DAS IMAGENS ................................................................................................. 73
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1
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios buscamos colocar a compreensão da natureza e mundo em
catálogos e arquivos que se acumulam em determinadas instituições, para que talvez seja possível
a comunicação, a descrição de algo por meio da língua, a busca pela compreensão, pelo
entendimento. O primeiro desafio enfrentado ao começar esse trabalho foi organizar e faxinar a
bagunça de um quarto caótico, o Universo, Cosmos – o puro caos indecifrável e mutante.
A possibilidade de poder escrever sobre qualquer coisa transformou-se em
dedicação. A escolha de uma autora e o estudo da sua obra foi fundamental para iniciar o
processo de desenvolvimento deste trabalho. Donna Haraway, bióloga, filósofa e escritora
tornou-se para mim uma fonte infinita de inspiração. Os seus estudos, a sua escrita seriamente
irônica it’s all about life. Outra autora bastante inspiradora foi Octavia Butler e suas estórias inter-
espécies em um mundo pós-apocalíptico, que nos fazem refletir sobre determinados padrões de
funcionamento da nossa sociedade ocidental. Ler sobre os seus personagens e imaginá-los
visualmente deu um impulso à construção do meu trabalho prático. São seres construídos, sem
gênero definido, mutantes, que agora fazem parte das minhas narrativas. A arte possibilita criar o
impossível, o não tangível, a maquiagem transforma o corpo e torna-se arma/instrumento para
qualquer barreira da normatividade.
O título do trabalho Formas de Vida (Arte como matéria vivida), vem da reflexão de que
produzir arte em um mundo danificado é uma forma de estar e lidar com o problema de fazer
parte desse planeta. Acredito que não há arte sem a vida, as duas acontecem juntas a todo
momento, como uma correnteza que não cessa em um rio. Cada vez mais imagino o lugar de
exposições de instituições, o tal do cubo branco, como uma realidade de privilégios distantes que
se distanciam cada vez mais da vida. Ser artista não é só materializar ideias ou sensações, mas
também viver isso na carne e alma diariamente.
Há uma tentativa de desbravar o que é considerado como uma matéria viva,
pensando quais são os tipos de vida que conhecemos no planeta. Aponto a vida biológica, tal
qual nos foi ensinada e a vida artificial, um sistema mais ou menos recente que vem evoluindo
cada vez mais. Mais do que isso, é sabido que a vida é tão múltipla que achar um único sentido é
impossível. Por isso a importância de perceber e respeitar a sua multiplicidade. Ser vivo e estar
vivo é um processo experimental em eterna mutação. Aqui foi procurada a possibilidade de
pensar no ser humano como resultado visual de reações químicas e imaginá-las em movimento,
com outras visualidades. A artista brasileira Aun Helden, que será apresentada, traz todo esse
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2
estranhamento da presença de um ser mutante. Por meio da incorporação prostética ela cria
diferentes corpos e corpas1.
A seguir revela-se a potência no ato de contar histórias, pensando como elas podem ser
dispositivos de mudanças no mundo em que vivemos. Donna Haraway, enfatiza sobre a nossa
urgência de resoluções práticas e pensamentos de poucas opções. A autora questiona o
pensamento, que tem uma certa base ocidental, de que nós humanos nos enxergarmos como
seres excepcionais, no topo da hierarquia universal sem muitas vezes entendermos e termos a
consciência das infinitas relações com outros seres e elementos da natureza. A hierarquia,
claramente, não se dá apenas por outras espécies, mas também entre todos os humanos, na
criação de padrões que nos separam e que nos exterminam em função de privilégios abundantes
para poucos.
As pessoas que não se encaixam nesses padrões impostos pela sociedade e mídia
sofrem pelo sentimento de não pertencimento. Essa sensação gera uma confusão sobre suas
próprias identidades. Estórias de Ficção Científica, como as de Octavia Butler, conseguem
colocar como protagonistas pessoas que poderiam ser consideradas fora deste padrão
determinado. Por meio de estórias e histórias é possível normalizar personagens que são sempre
colocados às margens, e a partir disso empoderar essas pessoas. É possível criar
representatividades para diversos tipos de seres fazendo com que hajam impulsos de vitalidade
individuais. Acredito que assim seja possível mudar uma comunidade, mudar a vida de pessoas
que nunca tiveram uma perspectiva de um futuro melhor.
Não só através das palavras, é possível contar estórias por outras estruturas, como
por exemplo, através de linguagens plásticas. Ao estudar sobre a história da Pintura, percebemos
que a narrativa visual está presente em nossas vidas há milênios de anos, desde a Pré-História.
Nos primórdios da História Ocidental, na Grécia Antiga, personagens eram pintados em vasos de
cerâmica, representando cenas cotidianas, batalhas, mitologias e outros aspectos da cultura grega.
Mais tarde esse tipo de pintura foi classificado como Pintura Histórica, estilo que esteve
intimamente ligado a encomendas estatais, para retratar guerras e missões nacionais com o
objetivo de “educar” o povo, ou contar a história pela perspectiva dos líderes governamentais.
A artista Maria Lassnig conta um outro tipo de narrativa visual, suas histórias são
pinturas que tem como conceito chave a tentativa e intenção de retratar algo que não vemos mas
sim que sentimos internamente. Ao longo de mais de sessenta anos a artista tentou transformar
em imagens as suas próprias sensações corporais. Uma narrativa que diz sobre o processo de
envelhecer como ser humano, o tempo em pinturas amorfas.
1 “Corpas” – termo usado pela artista Aun Helden
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3
Com o avanço da tecnologia, a câmera fotográfica tornou-se acessível a uma parcela
da população a partir do século XX, surgindo a prática do retrato das histórias privadas. Se
durante muito tempo, a imprensa controlou quais fotografias deveriam ser publicadas, da mesma
maneira que os pintores se pediam as narrativas do sucesso de um povo, hoje em dia, com o
vinda da Internet, dos smartphones e das redes sociais, é possível compartilhar e trocar um número
ilimitado de imagens, levando às pessoas a possibilidade de contar as suas próprias histórias
publicamente.
Nos anos de 1990, o grupo “VNS Matrix”, formado por quatro mulheres
Australianas, deu partido ao primeiro movimento Cyber-feminista. O pensamento que este grupo
carregava já estava sendo disseminado simultaneamente em algumas partes do mundo. Apontava
um reflexo de uma sociedade cada vez mais global, que visava e ainda busca transformar cenários
identificados como masculinos. Inserindo assim mulheres, pessoas de diferentes gêneros, cores,
nacionalidades e etc., num espaço de potência e tecnologia. A minha criação surge da herança
destes movimentos históricos.
Com a intenção de criar outros conceitos, outros métodos, e para construir outras
estruturas, usei o meu notebook como principal ferramenta para produção dos meus trabalhos.
Aconteceu-me não ter um lugar fixo, e estar em um fluxo migratório constante que me limita o
uso de espaço e certos tipos de materiais. Por isso encontrei no programa de criação de objetos e
cenários 3D, uma possibilidade infinita criativa. Cito dois artistas Gabriel Massan e Franco
Palioff, que trabalham com esses programas e que criam os seus próprios universos. Vejo esses
softwares como uma tela em branco, a tinta que nunca acaba em formato de pixels coloridos. A
disposição de cores quase infinita me permite criar inúmeras pinturas. Telas em diferentes planos,
arquiteturas construídas digitalmente, personagens às vezes bípedes com corpos estranhos.
Corpos fora do que é tido como padrão, com cores que não nos pertencem, seres em harmonia
com diferentes ambientes, estórias e narrativas a serem potencialmente desenvolvidas de um
modo plástico e mutável.
Além disso percebi a importância de criar não apenas sozinha, mas fazendo trabalhos
com outras pessoas, outras e outros artistas, que aceitam se envolver com o meu trabalho. São
trocas que nos acrescentam e nos ajudam a desfazer uma estrutura de mercado de arte tão sólida
e tão limitante, também fundada na unicidade do autor. Estas são trocas que nos potencializam e
nos legitimam como artistas independentes de um sistema falido.
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4
1. FORMAS DE VIDA
O título da tese diz respeito ao que poderíamos chamar de vida, a complexidade que
é estar vivo, viver e experienciar o problema de se relacionar com o mundo. Existem diferentes
formas de vida no Universo, e por isso, é importante o questionamento sobre o que definimos
como uma matéria ou um ser vivo. Nos diferenciamos constantemente do que seria o orgânico
para o que seria mecânico, tecnológico. Aprendemos Biologia ao longo do Ensino Fundamental e
esse estudo torna-se determinante para nós, elucidando-nos sobre as formas de vida existentes do
nosso planeta. Esse tipo de aprendizado é algo tão enraizado na nossa sociedade que dificilmente
refletimos sobre outras possibilidades e sobre o que pode ser definido como uma matéria viva.
Vários cientistas já tentaram estipular as características necessárias para dizer o que
poderia determinar um ser vivo. Mas há diversas problemáticas para chegar à uma única
conclusão sobre isso. Não existe uma definição exata, mas há vários tipos de descrições que nos
levam à múltiplos lugares. Alguém, por exemplo, poderia determinar que algo é vivo por respirar.
É possível replicar então que existem diversas bactérias que não respiram, que recebem energia
por outros processos como a fermentação ou a oxidação do enxofre e que mesmo não
respirando são vivas.
Um ser vivo pode ser algo que possui células vivas dentro de organismos, ou podem
ser membros de colônias sociais de insetos, cujo funcionamento é cooperativo e cuja
complexidade é emergente. Mas isso é apenas mais uma outra definição do que seria a vida.
Livros e filmes de Ficção Científica, geram uma grande curiosidade sobre outros
seres além da terra, criaturas que estão ainda mais longe de nós.
Science fiction and the promise of alien life and other worlds, perhaps in combination
with the failure of NASA and other space agencies to produce them, does seem to have
informed the synthetic impulse in Artificial Life. Langton himself indicates that it is
more than simply an analytic method based on putting living things together rather
than taking them apart (40). As a synthetic approach to biology, ALife aims to do more
than ‘simply’ recreate “the living state”. It aims to synthesise ‘any and all biological
phenomena, from viral self-assembly to the evolution of the entire biosphere’ 2
A autora Sarah Kember (1963), descreve aqui que talvez um dos impulsos para a criação de vidas
artificiais no nosso mundo, seja pela falha da NASA e de outras agências espaciais, de tornarem
real a promessa promessa de localizar vida em outros planetas. Talvez seja possível a vida
inclusive em planetas do nosso próprio sistema solar como Marte, ou até mesmo Júpiter, mas
ainda não há sinais de informações de uma outra civilização. E se há outros sistemas similares ao
2 KEMBER, Sarah – Cyberfeminism and Artificial Life, p. 62.
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5
nosso, a probabilidade de outras civilizações é ainda maior. Há teorias de que poderíamos-nos
comunicar com outras civilizações através de tecnologias como radiotelescópios.
O recebimento de uma mensagem ou sinal de vida em um outro mundo seria
definitivamente um dos grandes eventos da história humana. Carl Sagan (1934-1996), cientista
norte-americano, disse em um dos seus documentários que “se uma outra civilização quisesse
comunicar conosco existiria a possibilidade deles transmitirem alguma forma de sinal. Um sinal
feito de números primos poderia ser uma espécie de aceno, por exemplo. Afinal, esse sinal não é
um processo astrofísico natural. Mesmo com toda a tecnologia que está cada vez mais
desenvolvida na Terra não há evidências confiáveis de que tenhamos sido visitados ainda.” 3
The synthesis of these phenomena need not be restricted to carbon-chain chemistry and
may well lead ‘beyond life-as-we-know-it into the realm of life-as-it-could-be’. As a
generator of life like behaviour, Langton outlines how Artificial Life could attempt to
create life in vitro, an how this ‘would certainly teach us a lot about the possibilities for
alternative life-forms within the carbon-chain chemistry domain that could have [sic] (but
didn’t) evolve here’. It is important to draw contemporary developments in
biotechnology and genetic engineering (such as cloning, transgenesis and
xenotransplantation) into a more broadly defined frame of artificial life. For Langton,
however, the creation of life in vitro requires a costly and complex infrastructure and
would not, ultimately, provide enough new information about possible life-forms.
Computers, on the other hand, provide a relatively cheap and efficient medium for the
creation of life ‘in silico’. The main proviso here is that life has to be understood or
defined in purely informational terms. Once this is established, then it is simply a case of
stating that ‘the computer is the tool for the manipulation of information’ and that it is
capable of supporting ‘informational universes within which dynamic populations of
informational “molecules” engage in informational “biochemistry”. 4
A curiosidade nos leva à ciência, a ciência nos leva às experiências e à experimentação
do que já conhecemos. Ao explorar com o que já é de conhecimento nosso, existe a tendência de
pensar a mutação, a mistura de conhecimentos existentes, para entender melhor como o nosso
corpo e nossas reações químicas funcionam, como outros corpos, animais, plantas, seres diversos
se relacionam nessa cadeia interconectada. Mas, além da ciência, há diversas áreas além da moral,
da ética e das religiões que bloqueiam muitos tipos de experimentos biológicos. No final da
citação acima destacada, Kember exemplifica que uma maneira mais simples e barata de
manipular essas informações seria pelo meio computacional. É importante entender, ou tentar
definir, como a vida acontece e como podemos relacionar a vida humana, por exemplo, com um
computador.
3 SAGAN, Carl, - Episódio 03 - A Harmonia dos Mundos Dublado HD,
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oCIZIoD8XOc [Consulta em 18.03.2019] 4 KEMBER, Sarah – Cyberfeminism and Artificial Life, p. 62.
http://www.youtube.com/watch?v=oCIZIoD8XOc
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6
The question of whether or not they are really alive depends of course on shifting and
ever contestable definitions of life; to create artificial life in software, hardware and
wetware. Alife is the enaction, through biotechnology, of a creationist and
posthumanist fantasy. More than a bad case of anthropomorphism, alife exemplifies a
global metaphysics centred on autonomy, artificiality and network systems which are
more than the sum of their parts. The configuration of human and machine here is not
merely instrumental but imaginatively instrumental – it (arguably) works, but more by
(biological) association than by logic. Complex systems such as minds, machines and
cultures are no longer deemed to be under control: programmable, analysable, reducible
to their component parts. Rather, they are self-organising and emergent, and it is these
designations of distributed agency and potentiality which – much more than the
master/slave rhetoric of AI – constitute the zeitgeist. 5
Existe um equívoco ao colocar a máquina como algo externo ao ser humano.
Vivendo em uma sociedade cada vez mais limpa de fios é importante entender que essas
máquinas já fazem parte de nós. As reações químicas do corpo humano e eletrônicas do corpo
máquina acontecem da mesma forma; por trocas de informações. Talvez a história de um
personagem criado em softwares ou dentro dos computadores seja quase equivalente ao que
vivemos na vida física externa. Usar essas ferramentas que vivem no sistema de um computador
pode ser usar ferramentas consideradas geradoras de vida.
‘How does life arise from the nonliving? What are the potentials and limits of living
systems? How is life related to mind, machines and culture?’ (Bedau et al. 2001: 263).
[...] The problems which are highlighted almost exactly reproduce the humanist
bioethics articulated within genomic discourse: the sanctity of the biosphere; the
sanctity of human life; responsibility towards new forms of artificial life and the risk
entailed in exploring the possibilities of artificial life.6
É possível usar muitas metáforas para definir o que chamamos de vida. Ao pensar no
próprio corpo humano (o ser provido de razão, emoção e consciência), percebemos que para
existir vida é necessário toda uma cadeia de ações e reações que interagem entre si e com o meio
ambiente à sua volta. A vida acontece nas diversas interações que existem entre diferentes
elementos e seres, ela é ativada por meio de conexões e ligamentos. Os órgãos no corpo humano,
por exemplo, não possuem vida se não receberem a informação de que cada um necessita.
Entidades vivas não apenas coordenam informações, elas coordenam fluxos de matéria e energia.
“Sob condições cósmicas muito gerais, as moléculas da vida são geradas por elas
mesmas, elas remontam-se espontaneamente. Devido aos bilhões de anos de evolução é
concebível que pode haver algum impedimento como algum código genético, mesmo isso sendo
muito improvável.”7
5 Ibid., p. 8. 6 Ibid., p.79. 7 Trecho do documentário de SAGAN, Carl – Possibilidade de Civilizações Extraterrestres (em português).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jSBR13D2fsw [Consulta:18.03.2019]
http://www.youtube.com/watch?v=jSBR13D2fsw
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Existe o pensamento de que o nosso corpo é um templo. Designá-lo assim é colocá-lo
em um lugar sagrado, atribuí-lo ao que não pode ser tocado ou ao que não pode ser
transformado ou modificado. Kember, argumenta sobre a sacralidade que envolve a biosfera e a
vida humana articulada por discursos conservadores que envolvem diferentes áreas. Acredito que
há uma espécie de medo que circunda esse pensamento, o qual gera uma imposição colocada em
massa pela resistência reacionária da não mudança biológica. Um discurso matador de vidas, pois
existe uma diversidade de gêneros muito grande no mundo em que vivemos. E isso não é
respeitado muitas vezes por quem vive uma cisheteronormatividade que predomina a nossa
sociedade. Muitas pessoas não precisam lidar com o estranhamento causado por quem vive uma
outra visualidade. Existem pessoas que não entendem o que é sentir-se fora do padrão e portanto
não aceitam o que seria considerado diferente do que elas vivem nos seus cotidianos. Dessa
forma, discursos de ódio são criados por quem receia o que pode ser mudado na nossa sociedade.
A life cannot be contained and reduced by a rationalist assessment of its strong claim to
synthesise life-as-it-could-be. Life-as-it-could-be is the science fact and fiction of the
present neo-biological age characterised by the convergence between natural and
artificial systems.8
Essa convergência de sistemas naturais e artificiais se relacionam o tempo inteiro na
sociedade atual em que vivemos. “A vida como poderia ser”9 ilustrada em qualquer livro de
Ficção Científica do século XX, já está presente no tempo em que vivemos. A biologia e a
tecnologia estão cada vez mais interligadas, vivendo juntas numa transferência de dados
ininterruptos.
O corpo humano é o resultado visual de um processo biológico organizacional. De
uma forma geral não é comum pensar constantemente em tipos de mutações visuais. A moda,
cirurgias plásticas ou a maquiagem artística, por exemplo, possibilita na superfície de um
determinado corpo o estranhamento, ela pode criar individualidades. Mas, talvez, é válido pensar
também que no momento em que vivemos em alguns casos padrões são criados por estarmos em
uma sociedade capitalista que produz tudo em massa.
É possível fabricar uma subjetividade política, por meio de moléculas bioquímicas
que formam o nosso tecido limítrofe corpóreo. A nossa linguagem visual é o resultado das
transferências de informações que trocamos uns com os outros. A pele é o limite quando
estamos em um determinado plano físico, o limite da nossa corporeidade. Criarmos mutações
visuais (por meio da pele, da vestimenta, da maquiagem e etc.) pode ser uma importante
subversão à normatividade cotidiana. O artista multimídia Stelarc dizia que o nosso corpo é
8 KEMBER, Sarah – Cyberfeminism and Artificial Life p. 8 9 Life-as-it-could-be citado por KEMBER, Sarah – Op. cit., p.8
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10 STERLARC, Psycho Cyber, 1997
A qual entrevistei para construir esse trabalho 11
8
obsoleto. No momento atual em que vivemos o corpo está cada vez mais se dissolvendo em
pixels. Ele passa pelo processo visual digital, por uma ressignificação. Se o resultado é a imagem, o
corpo não é mais o limite. Há uma citação de Stelarc que é muito pertinente em relação à esse
assunto:
“We would like to believe human nature is this sort of a constant spiritual absolute
entity but in fact what it needs to be human is constantly being constructed.”10
Ao falar da força que existe em modificarmos e desafiarmos a estética normativa,
percebemos o estranhamento que nos causa ao vermos o trabalho da artista brasileira Aun
Helden11 (1997), que surge neste estudo como ponto exemplar para mostrar como um artista
pode recolocar a principal questão aqui primeiramente enunciada: o que chamamos de vida.
Aun cria performances nas quais se transforma e descodifica esse visual normativo
binário humano. Ao vermos os seus trabalhos (com nossas manias humanas por definições), nos
deparamos com um bicho ou uma bicha, que não sabemos bem como podemos chamá-la,
poderia ser um, ou uma alienígena ou uma mutação de insetos com o corpo humano. É
interessante pensar na potência que o efeito visual traz, pois afinal vivemos por meio de
intercâmbios químicos nos quais seus resultados são rastros imagéticos.
Fig 1 – Performance de Aun Helden, São Paulo, 2018
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13 Trecho da entrevista com Aun Helden. 14 Ibid.
9
Aun Helden, fala sobre o seu trabalho de um ponto de vista brasileiro/latino-
americano, pois “principalmente quando falamos em termos de gênero e sexualidade não há
como descontextualizar o lugar de onde a sua “corpa”12 está vivendo. Buscamos nomenclaturas
para nos definirmos e definirmos o outro, ou a outra. As palavras “bixa” e “travesti” são palavras
brasileiras e latino-americanas que contextualizam a existência de corpos que vivem aqui. ”13
Ela explica o nascimento do seu trabalho a partir de uma das nomenclaturas
essenciais que usamos ao determinar um sujeito, como o ou a apontamos. “O meu trabalho
começou a nascer, talvez, quando eu tive um contato assertivo com a palavra “bixa”. “Bixa” é
uma palavra que significa muito para o meu trabalho porque é nela que eu comecei a dar valor ao
estranhamento, ao estranho, a estranha, a entranha. ” 14
O que pode causar estranhamento é o ponto de partida de Aun Helden ao pensar na
normatividade de um construtivismo biológico, uma resistência anatômica. Essas dúvidas surgem
a partir do que é considerado anormal. A possibilidade de ver e rever o nosso próprio corpo com
outro olhares.
Fig. 2 – Performance de Aun Helden, São Paulo, 2019
12 “Corpa” – Termo usado pela artista como feminino de corpo.
-
10
A dúvida, e a confusão sobre o que se é, é fundamental para o trabalho de Aun Helden
porque é nela que surge esse campo de incorporação prostética. Ela busca novos caminhos,
passeia pelo seu próprio corpo. Troca elementos corporais como a boca, nariz, orelha e os
compõem de uma outra forma. Inventa novas formas de respirar, novas formas de posicionar o
seu orgão sexual. A construção do corpo pela linguagem é uma possibilidade de hackeamento15, de
hackear o sistema que forma o nosso mundo normativo binário (homem e mulher).
A artista tenta hackear o corpo, e dar significado à estranheza de ser “bixa” no Brasil.
Ela cita a artista Grada Kilomba a qual diz que a liberdade é uma luta constante. O seu trabalho é
a criação de imagens e potências. “Criar corpas que são constantes e fugir do construtivismo, do
cimento, do que é intacto. E eu achei na incorporação prostética esse caminho.” 16
Fig. 3 – Performance de Aun Helden, São Paulo, 2019
15 Definition - What does Hacking mean?
Hacking generally refers to unauthorized intrusion into a computer or a network. The person engaged in hacking activities is known as a
hacker. This hacker may alter system or security features to accomplish a goal that differs from the original purpose of the system.
Hacking can also refer to non-malicious activities, usually involving unusual or improvised alterations to equipment or processes. Disponível em: https://www.techopedia.com/definition/26361/hacking [Consulta: 13.02.2019] 16 Ibid.
http://www.techopedia.com/definition/26361/hacking
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11
A figura que eu crio, é uma personagem de mim mesma. Ela vem com essa carga
imagética forte, porque é uma estranheza densa, uma estranheza que carrega muita dor,
muita dúvida. Enxergo esse ser como uma peste. Os meus estudos começaram no
teatro antes de eu me envolver com pensadores de gênero e sexualidade. No teatro,
Artaud por exemplo, coloca o teatro como uma peste. E eu também coloco o meu
trabalho como uma peste. O que é essa peste? Um distúrbio orgânico, tem a força de
uma epidemia. A minha imagem é construída para ser uma epidemia. Quando eu estiver
performando e existindo daquela forma, ela se torna uma epidemia porque ela se torna
contagiosa. Epidemia é uma doença que se alastra, feita de atravessamentos e que é
atravessada também. Isso é tão forte para mim, porque quando eu estou daquela forma,
quando eu estou incorporada prostéticamente e transformada, os meus orgãos estão
com outro tipo de locução, com outro tipo de potência. Ao mesmo tempo isso se torna
muito forte pra mim e muito sensível também. Estou sendo atravessada, é muito denso,
fazer isso no Brasil. Eu tenho essa consciência, quando eu estou, por exemplo, na rua
me questiono quantas pessoas tem essa consciência de possibilidade de corpo? E
quantas pessoas querem ter essa possibilidade de corpo?17
Aun Helden busca pelo corpo liberto e questiona qual é a imagem desse corpo. Uma
imagem que não é sólida, que além de não ser binária, pode ser uma criatura de um outro mundo,
uma mutação entre o ser humano e insetos, por exemplo. A sua vontade é de criar um ser que
foge dessa essencialização de gênero. Talvez uma de suas criações possa ter traços do nosso
sistema visual, “como um cabelo longo que se associa ao feminino, ou uma barriga de grávida
que carrega a fertilidade, ou até mesmo pelos que são associados à figura masculina”18, mas a
principal questão que a artista carrega é a de pensar em um caminho que possamos saber lidar
com o desconforto que é causado pelo próprio corpo, pois a zona confortável não faz nada para
se modificar, como ela mesma diz. E claro que existe a importância de buscar espaços que caibam
esses corpos. O seu trabalho tenta encontrar táticas, meios e formas, não apenas para a sua corpa,
mas para todas as outras corpas.
O seu trabalho, enfim, é sobre o desnaturalizar de ideias construídas socialmente,
questionando porque certos comportamentos e visões de mundo são naturalizadas de
determinadas maneiras. Por que o homem precisa se comportar de tal forma e a mulher de outra?
Como mesmo diz Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Para finalizar
Aun conclui um pouco mais sobre o seu trabalho:
O que faço é atravessar ideias históricas que precisam ser desconstruídas e precisam ser
abertas a novas possibilidades de existência. Não quero poder jamais pensar que o que
eu estou fazendo é um modelo ético e estético de corpo. Porque não é sobre isso. O
que faz sentido para mim, pode fazer sentido para outras pessoas, mas é como eu falei;
“a liberdade não tem imagem, ela não tem forma sólida”. A gente precisa se entregar à
esse estranhamento, à essa Bixa, à esse ser, que é um ser estranha, da entranha, que gera
dúvidas. Tanto que eu utilizo no meu trabalho essa figura geradora, eu tiro exatamente
daí, desse gerar.19
17 Ibid. 18 Ibid. 19 Ibid.
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12
1.1 A POTÊNCIA DA IMAGINAÇÃO E DO ATO DE CONTAR HISTÓRIAS
Each time a story helps me remember what I thought I knew, or introduces me to new
knowledge, a muscle critical for caring about flourishing gets some aerobic exercise.
Such exercise enhances collective thinking and movement in complexity. Each time I
trace a tangle and add a few threads that at first seemed whimsical but turned out to be
essential to the fabric, I get a bit straighter that staying with the trouble of complex
worlding is the name of the game of living and dying well together on terra, in
Terrapolis. We are all responsible to and for shaping conditions for multispecies
flourishing in the face of terrible histories, and sometimes joyful histories too, but we
are not all response-able in the same ways.20
Donna Haraway é uma bióloga, filósofa e escritora. Nasceu em 1944 em Denver nos
Estados Unidos. Em seu livro “Stay with the trouble” ela escreve sobre a resistência de lidar com
o problema que é viver no mundo em que vivemos. Somos seres complexos convivendo em um
Universo complexo. Segundo Haraway, a História nos mostra que não há ideologias, fórmulas,
religiões que possam trazer algum tipo de harmonia universal. Por isso, ela propõe novas
elaborações para experimentarmos com outras possibilidades de vida. Sua posição política
feminista diz muito sobre as suas obras. Em uma de suas falas, Haraway cita a importância de
criarmos novas estórias e vê isso como um processo transformador de realidades:
The tentacular ones make attachments and detachments; they ake cuts and knots; they
make a difference; they weave paths and consequences but not determinisms; they are
both open and knotted in some ways and not others. sf is storytelling and fact telling; it
is the patterning of possible worlds and possible times, material-semiotic worlds, gone,
here, and yet to come. I work with string figures as a theoretical trope, a way to think-
with a host of companions in sympoietic threading, felting, tangling, tracking, and
sorting. I work with and in sf as material-semiotic composting, as theory in the mud, as
muddle.21
Estar no mundo em que vivemos e participar presentemente da realidade coletiva é
estar no problema. A autora não diz que devemos esperar por um futuro melhor, também não
possui uma atitude derrotista achando que não é possível viver bem no nosso planeta. Mas, sim,
coloca a força de uma mudança na nossa própria responsabilidade como seres humanos, como
seres que habitam esta terra e vivem no presente criando novas perspectivas, novas histórias.
Estórias de ficção científica ganham um espaço em suas escritas e ela enxerga estórias
desse gênero quase como profecias. Um exemplo bem interessante disso é o que Carl Sagan,
descreve em A Harmonia dos mundos22. Ele conta um pouco a história de Johannes Keppler.
20 HARAWAY, Donna – Staying with the Trouble, p. 29 21 Ibid., p. 31 22 SAGAN, Carl, - Episódio 03, A Harmonia dos Mundos, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=N9C0MpJvymU [Consulta: 05.12.2018]
http://www.youtube.com/watch?v=N9C0MpJvymU
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13
Nascido em 1613, foi um astrônomo, astrólogo e matemático alemão. Sagan diz que “ele
conseguiu uma descrição exata do sistema solar a partir da união da sua imaginação e da
observação do universo.”23
A mãe de Johannes Keppler chamada Katharina Guldenmann, era curandeira e
preparava poções extraídas de ervas. Mais tarde, foi julgada por bruxaria pela nobreza local. Ela
foi presa e seu filho se sentiu culpado por isso. “Um dos motivos foi que ele havia escrito uma
das primeiras estórias de Ficção Científica, com a intenção de explicar e popularizar a Ciência. O
título do livro era Somminum ou Sonho em português. Ele imaginou uma viagem à lua com
astronautas pousando na superfície lunar, olhando para cima e vendo girar lentamente sobre suas
cabeças, o planeta Terra. De acordo com Carl Sagan, “parte das acusações de bruxaria de sua mãe
era porque, em seus sonhos, Kepler usava os feitiços de Katharina para sair da Terra.”24
Carl ainda fala que o astrônomo “acreditava realmente que um dia o homem lançaria
naves com velas adaptadas aos ventos celestiais do firmamento, repletas de exploradores que em
seu dizer não temeriam a vastidão do espaço. Ele foi o primeiro a combinar uma imaginação
intrépida com medições precisas para avançarmos rumo ao Cosmos. Tudo mudou depois de sua
existência. ”25
Mesmo diante de todo o avanço da ciência muitas questões sobre o nosso sistema
nervoso ainda não foram respondidas. Acredito que esse exemplo de como Kepler imaginou,
naquela época, algo tão intocável – e como essas visualizações foram materializadas depois de
muitos anos – é algo a ser pensado sobre nós mesmos e sobre o modo como estamos conectados
com o Universo e com a nossa história civilizacional.
Carl Jung (1875-1961) refere em uma entrevista26 que as faculdades especiais da
psique não estão inteiramente limitadas pelo espaço e tempo. De acordo com o psiquiatra e
psicoterapeuta suíço, podemos ter sonhos ou determinadas perspectivas do futuro. Ele prossegue
e diz que se a psique não é obrigada a viver no tempo e no espaço apenas, então ela não está
sujeita àquelas leis, o que indica uma continuação prática da vida, uma espécie de existência
psíquica além do tempo e do espaço.
Ao pensar na história de Kepler, podemos imaginar se quem sabe ele não tenha
viajado no tempo para dar-nos aquelas informações. Essa ideia pode ser uma brincadeira, mas a
vida é tão misteriosa que realmente isto torna-se um questionamento. Sem dúvida existe uma
23 SAGAN, Carl Johannes Kepler, Série Cosmos de Carl Sagan, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=9wgKPMNb_pM [Consulta: 15.11.2018] 24 Ibid. 25 Ibid. 26 Carl Jung: Entrevista legendada em português, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JK_Jnor6w88
[Consulta: 25 jan. 2019]
http://www.youtube.com/watch?v=9wgKPMNb_pMhttp://www.youtube.com/watch?v=JK_Jnor6w88
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potência enorme na imaginação da mente humana. Não há como não lembrar do que Pierre Lévy
(1956), filósofo francês, fala sobre o que é o virtual: é exatamente o que não é físico, o que é
imaterial e o que chamamos de significação. O mundo da significação é o mundo virtual, ele
começa com a linguagem. Uma informação semântica é virtual, não é possível tocá-la pois ela
está na nossa mente, na nossa imaginação.
“These are the times we must think; these are the times of urgencies that need stories.”27
Donna Haraway fala sobre essa urgência em contarmos novos tipos de histórias, de
materializar significações. Ao pensar no meu próprio contexto de vida, como brasileira, é
perceptível o modo como é aprendida a História aqui. Contam situações que ocorreram ao longo
dos séculos anteriores e posteriores a Cristo, sob uma perspectiva colonizadora, eurocêntrica,
falocêntrica e linear. Quando somos alfabetizados pelos nossos professores, acreditamos que o
que é dito por eles e pelos nossos pais é a verdade absoluta. As dúvidas são encobertas pelas
próprias mentiras em que eles próprios acreditaram. E isso vai sendo passado de geração em
geração, e a história da humanidade vai sendo construída assim então.
Para que isso mude, é possível considerar certos “rituais de cura”. Vivendo em uma
sociedade tão complexa quanto a nossa, a possibilidade de compartilhar experiências e percursos
é uma maneira de nos ajudar a ter mais consciência e empatia pelas diferentes vidas. Torna-se
importante um relacionar com outras pessoas que buscam outras perspectivas. É importante
entender que neste mundo existem várias histórias diferentes – e não apenas uma única história
da humanidade. O que nos foi dado é algo dito sob a perspectiva do colonizador, como se fosse
uma linha reta e contínua, em um estado permanente de evolução – e isso precisa ser contestado.
Há certos anos atrás, formas de mídias como a televisão, revistas e o cinema (com
seus filmes hollywoodianos) mostravam padrões de beleza que sempre se repetiam. As mulheres
brancas, loiras, altas e magras surgiam como um ideal de beleza. Todas essas estruturas
começaram a ser remodeladas a partir da Internet. Esta foi a primeira mídia que tornou possível
trocas simultâneas globalmente. Infelizmente, a resistência reacionária existe e mostrou-se
também pelo mesmo meio.
É de extrema urgência rever e questionar essa estrutura que foi construída socialmente
com seus devidos interesses. Enxergarmos outras possibilidades de Storytelling e renovar os
padões tóxicos que matam vidas diariamente. No Brasil, por exemplo, há alguns anos atrás nas
27 HARAWAY, Donna – Staying with the Trouble, p. 37
14
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15
novelas globais, os autores e autoras escalavam personagens brancos para interpretarem sempre
pessoas com alto poder aquisitivo, as pessoas de cor eram indicadas para serem funcionárias
dessas pessoas brancas. Em uma determinada cena de violência, o personagem negro morador de
alguma favela ilustrava algum criminoso. Esse tipo de história que alcança toda uma massa cria
falsos estereótipos, incentivando um grande preconceito por toda uma massa e gerando também
uma violência policial que extermina inocentes diariamente. Efeitos de mudança podem estar em
novas formas de discurso, pela criação de novos termos e conceitos conseguimos não cair em
velhos manifestos.
A mensagem, ou a ideia de querer contar estórias, como forma de viver bem nesse
mundo é interessante, pois não é mais uma ideologia ou uma utopia de que o mundo só vai
melhorar a partir de um ponto e determinadas regras. É uma sugestão, ou uma possibilidade
criada por várias pessoas. Podemos ver isso como uma das formas de subvertermos as limitações
de perspectivas colocadas pela sociedade ao nascermos e ao nos desenvolvermos.
Searching for compositionist practices capable of building effective new collectives,
Latour argues that we must learn to tell “Gaia stories.” If that word is too hard, then we
can call our narrations “geostories,” in which “all the former props and passive agents
have become active without, for that, being part of a giant plot written by some
overseeing entity.28
Bruno Latour (1947), antropólogo e filósofo francês, percebe a potência que há nessa
prática. Ele vê isso como uma forma efetiva de mudar realidades, de não entrarmos no grande
ciclo vicioso da história eurocêntrica. De acordo com ele, vivemos em um momento no qual há
uma grande necessidade de aprendermos a narrar, a pensar fora do grande conto clássico da
História Ocidental.
Um exemplo de vida de grande valor a ser contado é o de Maria Izabel Nascimento
Muller,29 uma escritora brasileira de contos de fada. Ela, como mulher negra, nunca se viu
representada nos contos de estórias ao longo de sua infância, e por isso, resolveu narrar os seus
próprios. “Os Contos de Fadas na Realidade Afro-baiana” é o nome do livro que Maria Izabel
escreveu. A autora se inspirou em clássicos da literatura infantil e adaptou esses contos com
personagens negros em cenários Bahianos, como o Pelourinho e a Chapada Diamantina. Ela
criou uma Rapunzel Rastafári, Fadas do Acarajé e também um Príncipe Jamaicano.
Isso é alterar o que é dito e ditado como natural, transformar os discursos tóxicos
construídos culturalmente. O que ela faz é bastante revolucionário e necessário, é uma forma de
28 HARAWAY, Donna, Staying with the Trouble, p. 38 29 https://g1.globo.com/bahia/noticia/com-rapunzel-rastafari-e-fadas-do-acaraje-baiana-lanca-livro-inspirado-em-
contos-de-fadas-classicos-com-personagens-negros.ghtml [Consulta: 30.10.2018]
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mudar padrões e pensamentos para toda uma geração vindoura de pessoas que quase não
possuem uma representatividade em livros infantis. O que interfere na auto-estima e todo o
desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Octavia Butler (1947-2006), foi uma escritora americana reconhecida pelos seus
livros de Ficção Científica. Estes foram capazes de mudar a sua própria realidade. Ela era uma
mulher negra vivendo em um tempo e em um lugar no qual havia concretamente uma separação
que designava poderes e privilégios a quem tinha a pele clara. Pessoas de cor não conseguiam ter
oportunidades e lutavam para sobreviver em uma sociedade completamente racista. Ela
definitivamente lutou por meio da escrita e contou histórias sobre diferentes sociedades, sobre
diferentes seres, se permitiu e acreditou na sua capacidade intelectual de mudar não apenas a sua
vida, mas a vida de muitas outras pessoas. Tornou-se por isso um símbolo de resistência e
brilhantismo.
Em uma entrevista30 ela se define como uma pessoa esperançosa, talvez essa
esperança tenha a ver com a distopia que ela escreve em sua trilogia Xenogenesis/Lilith´s Brood. A
autora conta em três livros uma estória de Ficção Científica na qual ela discute sobre a
consciência do que é o próprio ser humano. Pensa a humanidade com as suas ganâncias,
preconceitos e atributos que só levam a auto-aniquilação. Nessas histórias, ela escreve que a
humanidade só poderá existir por meio de uma troca genética com uma espécie extraterrestre
denominada Oankali. Fala de um corpo que virá a ser mutante, no qual os seus processos
químicos permitem uma nova visualidade, um novo processo de desenvolvimento (nascer,
reproduzir e morrer). É uma outra espécie que permite uma fluidez e novas formas de
subjetividade. Em sua imaginação, ela cria a espécie Oankali como uma comunidade que possui
outras formas de comunicação, curas, sexualidade e política, criando uma mistura entre o que é
real e o que poderia ser, pensando, na verdade, como nos poderíamos misturar. Como
poderíamos-nos reinventar e contar novas histórias.
Ao ler esse livro me permiti sofrer a minha própria mutação visual, criando avatares
inspirados por outros possíveis seres. Por meio da maquiagem e outros materiais além da edição
digital, usei a minha imaginação.
30 Octavia Butler - Transcending Barriers. Entrevista disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=KG68v0RGHsY [Consulta: 15.11.2018]
http://www.youtube.com/watch?v=KG68v0RGHsY
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Fig. 4 – Camila Roriz, Avatar Cybimili 1, 2018, disponível em: https://instagram.com/camilaroriz
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Fig. 5 – Camila Roriz, Avatar Cybimili 2, 2018, disponível em: https://instagram.com/camilaroriz
Fig. 6 – Camila Roriz, Avatar Cybimili 3, 2018, disponível em: https://instagram.com/camilaroriz
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1.2 A PINTURA COMO PRIMEIRA FORMA DE NARRATIVA VISUAL
A pintura foi desde os seus primórdios uma forma de narrativa ilustrada por meio de
pontos, linhas, manchas, cores e etc. Uma tentativa de registrar momentos, seres e crenças através
de materiais que os humanos de cada época tinham ao seu dispor. Desde a Pré-História sabemos
que o homem e a mulher tem essa necessidade de se expressar e contar histórias e estórias, talvez
para os seus contemporâneos, talvez como uma forma de ritual de passagem do tempo ou como
forma de uma herança para os seus descendentes.
May more than four thousand years ago in ancient Mesopotamia like this
box inlaid with scenes of war and peace or this peace of stone that celebrates a Military
Victory. Both of these were made in the era of the famous Epic of Gilgamesh, the first
Epic Literature that comes down to us in writing about the great King of Uruk modern
Iraq. One-third human and two-thirds God of superhuman strentgh. These pictures
reminds us that we are a storytelling species. Stories of great events like these victories
had been memorized and recited and passed down to one generation to the next not
unchanged but morphing, and merging, and being elaborated all the time long before.
They were compiled into within epics let alone picture and what functions did stories
serve they carried vital information that the people of one generation knew they needed
to pass on to the next how the world arose, how people perished in a great flood what
the God's expected of humans, how heroes and Wise men and seers behaved, how the
tribes won victories and suffered calamities. The stories of the earliest literature embodied
the rules and taboos of society. They were the primary material for the education of the
children and they were a way for entire peoples to preserve a body of common
experience and wisdom. In Greece we have only small fragments of greek wall painting
but we have thousands of painted vases, some of them terrificaly vivid episodes from the
narratives like this one of King Phineas the blind prophet in the story of the Argonauts,
here who's tormented by harpies who fly in to steal his food everyday.31
Fig. 7 – Padrão de Ur, Século 26 a. C., Painel ilustrando uma guerra.
31 John Joseph Walsh Jr – Lecture 1 – Introduction to History Painting. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=FbZ_MOWLMu8 [Consulta: 13.03.2019]
http://www.youtube.com/watch?v=FbZ_MOWLMu8
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20
Fig. 8 – Estela da vitória de Naram-Sin, Susa, Irã, 2254-2218 a. C., arenito cor-de-rosa
O historiador de arte norte-americano John Joseph Walsh Jr. conta-nos como nós,
desde sempre, fomos contadores de história. Um dos pontos de seu discurso – aqui citado na sua
introdução de uma série de palestras dadas na Universidade de Yale, em 2013 – é o contar as
narrativas de algumas pinturas escolhidas por ele. O historiador diz que “a pintura como narrativa
era algo como se fosse escrever uma ópera, na qual o material cru da peça seria convertido em
poesia, música ou algo mais conciso como uma expressão de uma essência de uma história. Esse
ato é algo como escolher imagens que ilustram histórias. ”32
Ele conta também que durante o Renascimento o estilo pictórico conhecido como
“Pintura de História” era oficialmente considerado como a mais alta categoria de arte, e isso foi
perdurando ao longo de quatrocentos anos. Era reconhecido como o trabalho mais importante
que um pintor poderia fazer, como também a encomenda mais prestigiosa e a mais bem paga. A
demanda por essas pinturas era feita pela nobreza, com seus próprios interesses que nos fazem
também entender como nossa cultura foi construída. O olhar dessas pessoas que coordenavam as
imagens que o artista tinha que fazer, consequentemente, era o que ditava a imagem que chegava
até o povo. Essa foi a forma imagética segundo a qual a sociedade ocidental foi educada.
32 Ibid.
-
21
Só no século XIX que esse tipo de pintura foi perdendo o lugar, sendo trocado por
pinturas que estavam mais relacionadas com o cotidiano, como a categoria de natureza morta, ou
as pinturas de paisagem ou retrato, por exemplo.
De acordo com a História da Arte Ocidental a “Pintura de Paisagem”, como tema
amplo (embora haja muitos exemplos isolados) surgiu por volta do séc. XV na Holanda,
seguindo para a Itália e assim se legitimando ao longo dos séculos. Há vários tipos de
reproduções de imagens de paisagem e, sem dúvida, estas reproduções foram cruciais para
remodelar a forma como vemos e interpretamos o nosso meio ambiente e as imagens desse
ambiente. A paisagem na arte nos instiga a pensar sobre o lugar onde nascemos e crescemos,
instiga-nos a pensar na nossa identidade. Essa reflexão, e a percepção que criamos a partir do
mundo natural, é uma das grandes razões pela proliferação de imagens de paisagens dentro da
nossa cultura.
No mundo ocidental a paisagem é completamente associada à Natureza, mas a sua
construção por meio da ilusão da perspectiva é artificial. É interessante pensar na ideia da
natureza a atravessar pinturas, vídeos e trabalhos de arte. Essa constante ideia de explorar a falsa
beleza natural pode estar relacionada com o paradigma digital em que vivemos atualmente, no
qual o computador possibilita experimentar diversas simulações cognitivas.
Existem outros tipos de narrativas pictóricas, existem imagens em contraste com a
ideia antiga das pinturas de história ou de paisagem, ou seja, existem narrativas construídas
através de meios internos ao corpo. É apresentado aqui um exemplo: é sentido no trabalho da
artista Maria Lassnig uma outra narrativa, uma história sensorial que diz mais sobre as sensações
corporais ao que é abstrato, ao que é a subjetividade individual. Esta é uma força cósmica, um ser
e existir neste mundo como ser consciente.
1.2.1 MARIA LASSNIG
Narrativas Internas
Maria Lassnig, (1919-2014) foi uma artista austríaca. Ela usava uma expressão para
designar o seu próprio trabalho: Körperbewusstseinsmalerei, ou “Pintura de Consciência Corporal”.
Este é um conceito chave para entender como Lassnig buscava pintar as sensações e a
consciência do corpo, para além da mera representação visual.
Os primeiros trabalhos de consciência corporal feitos por Lassnig foram realizados
em 1949, pouco tempo depois de sua graduação em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes de
-
22
Viena. Na época ela usava o termo “Experiências Instrospectivas” para codificar trabalhos que
eram feitos sob essa perpectiva. Ela queria passar para a tela o que ela sentia, ou melhor, o que o
seu corpo sentia e não exatamente como o corpo é visto. Em uma entrevista ela fala sobre
quando percebeu, ou teve consciência disso pela primeira vez:
I do remember when it occurred to me the first time, when I got the idea of painting
the way I feel at a given moment. It was in my studio in Klagenfurt. I was sitting in a
chair and felt it pressing against me. I still have the drawings where I depicted the
sensation of sitting. The hardest thing is to really concentrate on the feeling while
drawing. Not drawing a rear end because you know what it looks like, but drawing the
rear end feeling.33
Nesse momento de sua vida, Lassnig estava cansada de tentar retratar a natureza tal
qual ela é. Ela percebeu que deveria se expressar por meio de algo que estava mais sobre o seu
domínio. O que ela poderia representar melhor do que o seu próprio corpo? A partir disso a
artista começou a observar como o seu corpo reagia fisicamente às mais diversas situações.
Segundo Lassnig, a consciência é expressa em sensações de pressão ou tensão, em sensações de
plenitude ou vazio. Como por exemplo, se sentar e perceber a pressão que o traseiro faz sobre a
cadeira.
Maria Lassnig propôs determinadas estratégias para passar essa ideia aos seus
trabalhos da forma mais fiel possível. Ela escreve sobre isso em um fragmento do texto de uma
exposição na qual participou em Nova Iorque, em 1970:
1) realistic associations of memory should be switched off or used, i.e. whether I paint
the leg or the hand realistically, as I saw it, or whether I paint it as a staff, the way I feel
it, or as a wire, string, sausage, or not at all.
2) I only partially screen myself from the outside world, i.e. when I sit in front of a table
with apples on it, whether I really see it and paint it, while only allowing myself to cling
to it like a pair of pliers, into the optical table.
3) in a picture, I combine memory’s realistic associations with freely invented
sensations, for example the body. painted like a fire screen, to which realistic
pudenda are affixed.34
Nesse mesmo texto ela chega a falar que o rosto é a parte mais difícil de ser retratada
seguindo esse conceito. Nos vemos todos os dias no espelho, o que dificulta desassociarmos a
imagem que vemos das nossas sensações. Por isso, o rosto é a parte que acaba sempre sendo
retratada de forma mais realista. Two Ways of Being (Double Self-Portrait), é uma pintura na qual
Lassnig cria duas figuras, uma é uma espécie de uma alienígena e a outra é a forma mais realista
33 WERNEBURG, Brigitte – “I Need the Real Body" Entrevista com Maria Lassnig, disponível em:
http://db-artmag.com/en/53/feature/real-bodys-interview-with-maria-lassnig [Consult: 20.05.2017] 34 LASSNIG, Maria – The pen is the sister of the brush : diaries 1943-1997, Hans Ulrich Obrist (ed.). Tradução
Howard Fine e Catherine Schelbert. Göttingen : Steidl ; Zu ̈rich ; London : Hauser & Wirth, cop. 2009, p. 28
http://db-artmag.com/en/53/feature/real-bodys-interview-with-maria-lassnig
-
23
do seu rosto (fig.9). O que ela mostra aqui é que essa figura esquisita, que não se parece nada com
ela visivelmente, ainda é ela. O interessante desta imagem é uma espécie de comparação entre
dois tipos de pintura enquanto, ao mesmo tempo, reflete sobre a superficialidade de uma
imagem, ou daquilo que se vê.
É de dizer também que muitas vezes Lassnig pintou corpos sem cabelo e que, e por
isso, muitas pessoas achavam que suas pinturas estavam incompletas. Mas a sua intenção, na
verdade, era não retratar fragmentos do corpo que não são possíveis de serem sentidos. O cabelo
como matéria morta é incapaz de sentir efeitos de tensão ou pressão, por exemplo.
Fig. 9 – Maria Lassnig, Two Ways of Being (Double Self-Portrait), 2000, óleo sobre tela, 100 x 125 cm
Foram sessenta anos fazendo trabalhos sobre a concepção de Consciência Corporal.
Em um determinado momento, a abstração do início de sua carreira se une à figuração de uma
fase posterior. Meditando sobre as suas sensações, os corpos modelados pela artista se deformam
-
24
na tela, como seres amorfos que se assemelham a “gênese humanóide”35.
A fig. 10 ilustra um pouco isso. A artista ainda cria elementos pertencentes ao ser
humano, mas nos remete a algo ainda em formação. Como um feto no corpo da mãe36 e a
transformação corporal que acontece ao longo de seu desenvolvimento até o seu nascimento e o
mais tardar da vida. Corpo sempre em transformação. Sensações que por vezes nos mastigam e a
forma de retratar isso é a não-forma, é a mistura disso tudo, é a figura que não parece mais o
corpo humano.
Fig. 10 – Maria Lassnig, T Selbstportrait als Einäugige, 1997, óleo sobre tela, 126 x 101 cm
Nos anos 80, os avanços da ciência e tecnologia começaram a impactar nossos
corpos e nossas vidas. Lassnig, sempre sintonizada com o seu próprio tempo, começou a realizar
35 “It is important, nevertheless, to realize that there were women painting the figure, however
outnumbered they were: for example, Maria Lassnig, who for sixty years has painted what she calls
“body awareness” painting”. GODFREY, Tony – Painting Today, 2009, p. 51 36 Face Development in the Womb - Inside the Human Body, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wFY_KPFS3LA [Consulta: 01.06.2017]
http://www.youtube.com/watch?v=wFY_KPFS3LA
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25
pinturas com elementos tecnólogicos integrados ao corpo. Um exemplo é a pintura Kleines
Sciencefiction-Selbstporträt de 1995 (Fig. 11), um retrato de uma figura de essência humanóide com
uma espécie de óculos de realidade virtual. Como hoje sabemos, usamos acessórios como os
smartphones que são considerados nossas extensões. Marshall McLuhan em uma de suas teorias tão
centrais no pensamento da relação do humano com a máquina, diz que “todas as tecnologias são
extensões de nossos sistemas físico e nervoso para que possamos aumentar o nosso poder e
velocidade. ”37 Essas extensões afetam todo o nosso complexo psíquico e social imprimindo
grandes implicações para o futuro da linguagem.
Fig. 11 – Maria Lassnig, Kleines Sciencefiction-Selbstporträt, óleo sobre tela, 1995.
37 MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem. trad. Décio Pignatari. Editora
Cultrix: São Paulo. 1964 p. 56
-
26
Da mesma forma que Lassnig busca pintar as suas sensações e transformá-las em
narrativas internas, procuro o mesmo nas minhas pinturas (mesmo que inconscientemente).
Tento criar o que eu sinto sobre o que está dentro de nós, dos nossos orgãos. Imagino os seres
que não podemos ver a olho nu. De uma certa forma não é nada realista, é uma imaginação fluida
na qual eu crio imagens abstratas. Ao improvisar, às vezes relaciono esses fluxos enérgeticos com
meios externos como plantas e outros elementos. Há também algo relacionado às emoções,
como tensões e outras características que fazem parte de ser Humano. Por isso muitas vezes, uma
boca tencionada pode aparecer no meio de manchas e outras figuras. É importante dizer que
sempre me incomodei com a forma quadrada das molduras que são colocadas em galerias e
museus. Busquei então, marcenarias que poderiam criar a forma da moldura acompanhando a
pintura e não o contrário como é convencionalmente feito.
Fig. 12 – Camila Roriz, Sheila-lá, tinta acrílica sobre tela e molduras criadas em marcenaria, 2018
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Entranhas dependuradas, carne e tripas no açougue da pele que nos segura. genitálias que
se inflam e transformam-se em mais uma reserva que se auto-alimenta. células ao léo. Pintura
quebrada pela moldura que se transformou em outra que já foi. Separadas, se buscam mas não se
encontrarão.38
1.2.2 MARIA LASSNIG
Vídeo como autorretrato em movimento
Maria Lassnig começou a explorar a linguagem audio-visual quando estava morando
em Nova Iorque na década de setenta. Começou fazendo desenhos em forma de narrativas para
serem animados. Uma de suas primeiras animações foi Art Education, um filme realizado em 1976.
Com um humor ácido, Lassnig faz uma crítica à História da Arte e aos seus protagonistas –
pintores homens brancos. Uma de suas críticas é o facto da história ser construída de uma forma
machista. A mulher ao longo de quase toda a História da Arte teve o papel de musa, ou de
modelo nu de inúmeros retratos, nunca como artista ou alguém que foi capaz de propagar ideias,
como também tão expressivamente criticaram as Guerrila Girls na década de 1980. Em seus
vídeos, Lassnig sai um pouco da atmosfera do seu próprio corpo e alcança um cunho mais
político e didático.
Text for Art Education
Animated film, 16mm, color, sound, 16 minutes
Exegesis of famous paintings, e.g. by Vermeer, Michelangelo, etc.
1)Vermeer van Delft and his model:
Painter: You move too much,
shift to the right a bit,
no, that’s too much, to the left, no that’s too much,
oh, please, you’re moving too much.
Why don’t you look left,
no that’s too much, oh, please,you’re moving too much.
Why don’t you look more cheerful?
Now what do you want?
Model: First show me that you love me!
Painter: I don’t have time for that now!
Model: Show me anyway!
Painter: I have to change the blue! Model: I have time to pose for you, to darn socks, to cook.
Painter: Oh, please, just sit down! You’re not a good model, you don’t even have any
cleavage, and you are too old!
Model: Bah!
38 Texto de minha autoria.
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Painter: Back to work, you’re a good model!
2) Nobleman, in front of the window, to his lady:
Oh lady bright, can it be right?
Your window open to the night?
Oh lady dear, oh have no fear.
why and what are you dreaming here?
Strange is your pallor, strange your dress.
strange you will be soon a mess.
and this in solemn silentness! My love do sleep, oh may you sleep
with me be sure in sleep so deep
Oh angel mine. oh have no fear,
will whole night stand on the ladder here.
will stand as long as hold will be the ladder,
and in the cold will hold my bladder.
By the way, want some icecream?
No, No?
(Old American poem, transformed by Maria Lassnig)*
3) Michelangelo’s creation of Adam:
God: Adam, get up, you’re created!
Adam: Am I finished. am I done? I’m too white!
G: I can make you spotted or striped?
A: What about black?
G: Black is not in the bible!
You could be also head, or all body? No?
A: No. But I’m cold, can I have more hairs?
G: O.K.? No? I could change you back?
A: Song as ape: I am the Adam from the Bronx
please send me back from where I come
oh tell me who I am and where
11am I a man with all the hair?
Should I go up the family tree?
Or do I go down the pedigree?
Would you adopt me as my father?
Or am I your father, rather, rather?
I think I belong to nobility cause the first people are my lineague!
G: No, Darwin is not in the bible, either!
But I’ve some other model on the assembly line, choose!
You could look like that or like that!
A: Oh, no, no. It’s better so. But you like an old Hippie!
Is this your wife under your armpit? Why is she not god?
G: She is my secretary and the others are my FBI.
A: (Laughes) You know, you are only my imagination, you’re not
real. You’re Michelangelo’s invention!
Different voices: God looks like me! God looks like me!
If god is an invention, everybody can be god!
A: You’re a mechanical god. G: And you’re a wise-cracking worm.
A: You’re not real. you’re only a dream, only a dream...
G: But the dream is real too!
If you dream once of god, than god is real.
Lift the stone and you will find me, cleave the wood and I’m there.39
39 LASSNIG, Maria – The pen is the sister of the brush : diaries 1943-1997, p. 68-67
LASSNIG, Maria – Art Education. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9QToiW7oboU
[Consulta: 20.05.2017]
http://www.youtube.com/watch?v=9QToiW7oboU
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Em SELFPORTRAIT, 1970, Lassnig traz para um filme animado, como diz o
próprio título – um autorretrato. Ela expõe sentimentos e conflitos interiores. Fala sobre a
multiplicidade do eu e da difícil relação com o outro. A representação da vida através da
experiência corporal.
Text for the Animated Film SELFPORTRAIT
To give a picture of my mind when it goes through breakwater of
life, to show the ups and downs, oh, why did I make this picture? To
veil or to reveil my face, to reveal my heart, my heart feeling? Or not
to become a woodhead, a machine, a camera, a respirationsmachine?
Oh, to get communication is so hard (perhaps with marsmen it’s
easier?).
With a little change I could be as beautiful as Greta Garbo, or a lion
as Bette Davis! So we are walking through life, looking for the better
half, yes, ä, no, oh it’s not possible. Caressed, no wiped out, I didn’t
mind, depressed, no supressed, I didn’t mind, I still love mankind,
stamped, I didn’t mind, stran–gled, I didn’t mind and I still love
mankind. But I’m tired, I’m tired but rest is only for the dead.
I wanted to be the liberty of Austria, but there I got a bad cold—
Hatchi! It was too early. When my mother died I became she, she
was so strong. I wanted to be aware, be aware, be aware!
“In all faces is shown the face of faces, vailed and in a riddle,
howbeit unveiled it is not seen, until above all faces a human enters
into a certain secret and mystic silence, where is no knowing or
concept of a face. This darkness and mist is a state beyond all the
knowledge. Below which face cannot be found except veiled. But
that very darkness reavealed the face to be there beyond all veils.
How needful to enter the darkness and to admit the coincidences of
opposites all the grasp of reasons and there to seek the Truth where
impossibility met us.” (Nikolaus von Cusa)40
O vídeo Cantata foi realizado em 1992. Nele Lassnig narra a sua própria história de
vida em forma de canção tradicional austríaca. Ela se traveste em diferentes personagens
conforme vai contando as diferentes épocas em que viveu. Para falar sobre o momento em que
morou em Nova Iorque, por exemplo, ela se veste de Estátua da Liberdade. Imagens de seus
desenhos animados ilustram o fundo do vídeo enquanto ela canta. Alguns anos antes de ter
realizado esse trabalho, Lassnig tornou-se a primeira mulher a dar aula de pintura em um país de
língua germânica, pela Faculdade de Belas-Artes de Viena.41 Da mesma forma, em 1988, foi a
primeira mulher a ganhar o Grand Austrian State Prize. É interessante pensar que ela cria esse
vídeo em uma altura que já era uma artista reconhecida. É como se ela mesmo estivesse atestando
o seu reconhecimento, depois de várias rejeições e dificuldades ao longo de anos trabalhando
como uma mulher artista.
40 LASSNIG, Maria – The pen is the sister of the brush : diaries 1943-1997, p. 30
LASSNIG, Maria – SELFPORTRAIT Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FD3bPit0eNU
[Consulta: 20.09.2018] 41 KENNEDY, Randy – Maria Lassnig, Painter of Self From the Inside Out, Dies at 94, disponível em:
https://www.nytimes.com/2014/05/09/arts/design/maria-lassnig-painter-of-self-from-the-inside-outdies-at-
94.html [Consulta: 10.09.2018]
http://www.youtube.com/watch?v=FD3bPit0eNUhttp://www.nytimes.com/2014/05/09/arts/design/maria-lassnig-painter-of-self-from-the-inside-outdies-at-
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Cantata
1) Green buds unfurl, bright blossoms bloom, and ever-young Earth sloughs off winter’s gloom,
but I sit and daydream in a spring morning’s haze, reliving lovely
departed days.
2) I was an infant, newly born, not yet bred,
when a first salty drop wet the top of my head;
while mother, confined to her postpartum bed,
gazed down at her babe and her tear freshly shed.
3) My parents’ home was awful, dramatic:
crockery careened from cellar to attic.
Eyewitness to scenes of marital strife,
I shrieked, “Dear Mama, save your life!”
All siped life’s pain: marriage ain’t maple syrup;
gall dripped like rain, heart unable to cheer up.
4) Long-suffering nuns taught me writing and reading;
teased by my classmates, who spurned me unheeding;
a dimwitted schoolgirl, the dolt of her class,
because I was such a virtous lass. 5) God never made me a beauty, let’s face it,
but He gave me the gift with a pencil to trace it;
like a latter-day Du ̈rer or some other big cheese,
all I portrayed proved easy to please.
6) Poor mother, at times, a remorseful matron,
imagined me meant for wife’s duties and bed.
But with fingers entwined in the strings of her apron,
I heard Fate’s whispered warning, “Maria, don’t wed!”
7) So to the academy I duly was sent, where I painted far better than many a gent;
I believed in fine art and art’s power to be
a boon to mankind and to set all men free.
8) The godess of love withheld her sweet favor, though beau vied with beau for my approbation;
alas! in the end, each cad proved a traitor,
so I boldly decided to leave my home nation.
9) In Paris, that city of culture and silk,
art and love were but baleful vales of spilt milk.
Free to choose among Pop or Op or Tachism,
I found, all around, abounding art fascism.
10) Drawn to America, where women are strong,
where gals fight for right and avenge every wrong;
all genders are peers in the land of opportunity,
where ladies and queers vex the macho community.
11) But madame the minister, kind, clever and true,
invited me home to my native ground,
where women rank high, as is their due: a professor can soon make her students renowned.
12) Now having ascended maturity’s peak.
I gaze back and down into life’s lengthy dale
and feel less wise than cautious or meek:
life leaves us no choice, tell us no other tale.
13) Yes, I have aged and my feet have grown longer,
but my love for this world is still growing stronger;
my temperament’s mellowed, my mouth has grown grave,
and not love, but TV, is all that I have.
14) But my life, it ain’t over, not while I’m still learning
and greeting each dawn with awe, silence and yearning;
I still ski, ride my motorbike early and often,
and nothing but art keeps me out of the coffin.
Refrain: Art, Art thou art thrice greatest! Thou makest me
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younger, awakest and slakest my aesthestic hunger.42
É interessante perceber os diferentes processos de Lassnig, tratando-se de imagens em
movimento nota-se que há um planejamento maior da artista, por meio da escrita ela cria o
roteiro dos seus vídeos. Ao contrário de suas pinturas, nas quais ao criá-las o acaso e suas
sensações corporais são seus guias. Ao analisar os seus textos, é percebível que o conteúdo destes
são diários intímos. A artista expõe os seus pensamentos e sentimentos sobre o mundo por meio
de roteiros que se transformam em vídeos animações.
1.3 HISTÓRIAS INTERATIVAS – GAMES COMO UM POTENTE DISPOSITIVO DE
APRENDIZAGEM
World games require inventive, sympoietic collaborations that bring together such
things as computer game platforms and their designers, indigenous storytellers, visual
artists, carvers and puppet makers, digital-savvy youngsters, and community activists.43
Como já foi citado no capítulo 1.1, a autora Donna Haraway fala de possibilidades
para se viver bem nesse mundo. Uma delas é o ato de criar world games, a criação desses jogos é
uma tentativa de entrar em contato com culturas de povos nativos do mundo e assim contá-las
por meio de jogos eletrônicos. É uma estratégia colaborativa entre desenvolvedores de jogos,
designers, nativos que queiram contar as suas histórias, artistas e outros. O ser humano sempre
usufruiu dos materiais que tinha ao seu redor para experimentos, mas depois de um certo
momento (provavelmente durante a revolução industrial), as coisas começaram a chegar para nós
cada vez mais de uma forma pronta.
Assim houve uma explosão de novos materiais e objetos que facilitavam o dia-a-dia
das pessoas, no sentido em que podia se perder menos tempo realizando certos processos.
Culturalmente, isso foi-nos formatando e nos deixando cada vez menos conscientes de como as
coisas chegam até nós, de como são feitas, dos processos, da origem dos ingredientes de uma
refeição, ou dos materiais de uma casa.
Poderíamos começar a refletir sobre esses processos a partir de certos
acontecimentos, como desastres naturais e guerras, por exemplo. A Terra está passando por um
42 Maria Lassnig : the pen is the sister of the brush : diaries 1943-1997 / edited by Hans Ulrich Obrist ;
transl. from the german by Howard Fine with Catherine Schelbert. Göttingen : Steidl ; Zu ̈rich ;
London : Hauser & Wirth, cop. 2009. ISBN 978-3-86521-739-4. [p. 121-122-123]
Maria Lassnig – Kantate, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4sDSZ9GwnCE
[Consult: 10.09.2018] 43 HARAWAY, Donna. Staying with the trouble, p. 86
http://www.youtube.com/watch?v=4sDSZ9GwnCE
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processo de degradação e não reagimos em relação a isso. Além dos sinais que o indicam, que são
legitimados pela ciência, cotidianamente percebemos que o sistema é completamente falho.
Com um bombardeamento de notícias diárias nas redes sociais e outras mídias,
passamos a processar as coisas de uma maneira mais automática, não sabemos mais dizer se
determinadas notícias são realmente fatos. Essa é uma outra forma de questionar o que é a nossa
vida. A autora norte-americana Susan Sontag (1933-2004), por exemplo, questiona44 a nossa
própria empatia em relação à dor dos outros.
Qual é a nossa reação quando vemos imagens de desastres e pessoas sofrendo nas
redes sociais ou na televisão? Ainda nos choca ver a dor do outro? No livro Regarding the pain of
others a autora cria uma série de questionamentos que tem esse objetivo de nos fazer refletir sobre
como essas imagens são processadas por nós. Principalmente trazer uma consciência e uma
reflexão sobre o que está acontecendo no mundo, ou como reagir diante de certos fatos.
Enfim, é necessário retroceder, repensar a própria época em que vivemos. Mas, ao
mesmo tempo, poder usar os recursos tecnológicos ao nosso favor. Isso é uma estratégia para se
viver bem nesse mundo. A imagem já não nos choca mais, os nossos sentidos precisam ser
ativados de outras maneiras. A aprendizagem precisa ser remodelada, é necessária a ativação
sensorial do nosso corpo para aprendermos, pois o corpo também possui memória.
Então, o que Haraway nos propõe é que podemos retroceder e adquirir consciência
sobre o mundo através de histórias de povos nativos e, ao mesmo tempo, unir todos esses
ensinamentos em um video-game. Ela cita o jogo “Never Alone”. Um dos fatos mais interessantes
deste jogo é que ele é narrado em Inupiaq, língua de nativos do Alaska. O jogo possui legendas
em inglês mas é interessante ser narrado na língua do povo que conta a história.
44 Em seu livro Regarding the pain of others
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Fig. 13 – Screenshot do video-game Never Alone.
Never Alone (Kisima Ingitchuna) is the first game developed in collaboration with the
Inupiat, an Alaska Native people. Play as a young Inupiat girl and an arctic fox as they
set out to find the source of the eternal blizzard which threatens the survival of
everything they have ever known.”69 No one acts alone; connections and corridors are
practical and material, even if also fabulous, located in what Anglophones tend to
dismiss as the spirit world. The girl Nuna’s personal courage and s
top related