fernando savater - fabricar humanidade - 2006

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Fernando Savater

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7/21/2019 Fernando Savater - Fabricar Humanidade - 2006

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outros. Tudo isso é importante e é fundamental, mas tudo isso está submetido ao desenvolvimento de seres

humanos, a criação de seres humanos. O importante é que a humanização não é um processo meramente

automático. Não é algo que nos chega por casualidade; temos de suscitá-lo em nós. E, por isso, a boa

educação é fabricação de humanidade. Eu acredito que a primeira manufatura que deve ter uma democracia

moderna deve ser fabricar humanidade, diante do mundo em que vivemos, destinado à acumulação de

objetos, à fabricação de coisas sofisticadas e à aquisição de bens, etc. Eu acredito que a verdadeira produção

dos países civilizados  –  no sentido potente da palavra civilização  –  deve ser fabricar mais humanidade.Fabricar mais humanidade em seus cidadãos, mais relação humana, porque a humanidade não é uma mera

disposição genética.

Acredito que a diferença fundamental entre os animais e os seres humanos é que, de alguma forma,

os animais são completos em si mesmos, não necessitam a relação com outros para desenvolver suas

possibilidades. Enquanto que no ser humano, a relação com outros seres humanos é fundamental para

desenvolver sua humanidade. A humanidade é uma forma de relação, uma forma de relação simbólica, e os

seres simbólicos estão destinados a desenvolver nossas possibilidades em relação com os outros.

Formar governantes

Aristóteles, em sua Política, diz que os humanos, antes de chegar a governar, têm de ter sido

governados. Numa democracia, naquela democracia grega que se iniciava, Aristóteles disse: “Formar

cidadãos é formar governantes, porque numa democracia todos governamos. Os políticos são aqueles em

quem nós podemos mandar. Mas numa democracia somos todos governantes”. Daí a importância da

educação.

No mundo  – por exemplo, dos persas  – não era preciso educar, porque a pessoa tinha sua posição

social estabelecida de antemão e já não podia mudar. O filho do camponês seria camponês; o filho do

comerciante, comerciante; os filhos de guerreiros desenvolveriam as habilidades da guerra; os filhos dos

nobres aprenderiam a caçar ou a organizar festas. Cada um tinha sua aprendizagem determinada. No fundo,

não era preciso educar de forma livre e aberta: bastava adestrar as pessoas para que desempenhassem seu

trabalho.

Mas na democracia, ninguém tem o trabalho social pré-determinado; nosso único trabalho é ser

humanos e, a partir daí poder desenvolver nossas melhores possibilidades. Portanto, temos de ser educados

como se fôssemos governantes, porque na democracia todos chegaremos a ser governantes. E por isso

Aristóteles dizia: “Antes de que possas governar, tens de ter passado pela experiência de ser governado”. Ser

educado é ser governado num princípio. Ser educado é conhecer o que significa ser governado por outros e,

dessa maneira, desenvolver a possibilidade de governar pelos outros. Toda educação democrática é

educação de príncipes, de pessoas que terão em suas mãos o destino da comunidade, junto com os outros.Por isso, quando pensamos na importância da educação em nossas sociedades, temos de pensar em educar

como se qualquer uma das pessoas que serão educadas dependesse nosso destino, porque elas vão mandar,

elas vão tomar decisões. Estaremos em suas mãos.

Uma vez escrevi que as democracias educam em defesa própria, educam para se defender do que

pode ocorrer se não educamos aqueles em cujas mãos estarão os destinos da comunidade. Por isso, a

educação é mais transcendente que o simples adestramento, que a preparação para cumprir determinadas

funções.

Persuadir e ser persuadidos

Qual é o tipo de humanidade que precisamos desenvolver dentro de um jogo democrático? Eu acreditoque a educação democrática inclui a capacidade de persuadir e de ser persuadido; ou seja, a capacidade de

explicar de uma maneira inteligível as demandas sociais aos outros, de fazer entender nossos desejos e a

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Graças ao fato de que nos parecemos é que conseguimos desenvolver as instituições mais importantes,

as de apoio mútuo, de solidariedade, de progresso. De modo que creio que está muito bem reconhecer a

diversidade humana; reconhecer que os seres humanos devemos gozar de nossa diversidade que faz que o

mundo seja menos monótono e tenha mais possibilidades em todos os níveis. Mas devemos educar para que

as pessoas saibam que o importante é o que temos em comum. Que aquilo no que diferimos  –  cultura,

costumes, etc. –  é acidente, comparado com aquilo no que nos parecemos. E que o que nos une é muito

mais importante do que aquilo em que diferimos.

Creio que esta é uma mensagem. Hoje, a humanidade precisa buscar uma harmonia por cima das

nações, das tribos e das divisões; formar pessoas penetradas pela comunidade da humanidade, de que a

humanidade é algo em comum, que todos temos e não simplesmente uma coisa exclusiva de uns ou de

outros. Não tentar ser insolúveis para os outros. Todos os grupos étnicos, os fanáticos religiosos, os

nacionalistas, etc., extraem satisfação de ser insolúveis para os outros. “Ninguém me entende”, “aqui somos

assim”, “se você não é daqui, não pode entender-nos”, “se você não sofreu a iniciação da religião, não pode

compreendê-la”. Esta é a fonte do fanatismo, do integrismo, do atraso dos países. 

O que faz o mundo avançar verdadeiramente é saber que os seres humanos não são enigmas para

outros seres humanos. Que nós buscamos uns aos outros. Que estamos capacitados para compreender-nos,para comunicar-nos, e que nosso esforço deve ir nessa direção. E eu acredito que a educação, hoje, deve ser

a forma de nos abrirmos aos outros e de possibilitar essa comunidade humana à qual pertencemos e da qual

somos parte.

SAVATER, Fernando. Fabricar humanidade. Revista PRELAC (Os Sentidos da Educação). Santiago, Chile. Nº. 2. Fev./2006. pp. 26-29.Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001455/145502por.pdf#145871 , acesso em 20/05/2015.

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