excelentÍssimo senhor juiz da a vara da justiÇa
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PIAUÍ
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PIAUÍ
2008.40.00.001626-9
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador da
República no Estado do Piauí subscrito in fine, no uso de uma de suas atribuições
legais, vem, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 1º, inciso IV da lei Nº
7.347/85, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA
PARS,
em face da UNIÃO, pessoa jurídica de direito público, a qual poderá ser citada na
Rua Firmino Pires 146, Centro/Norte, Teresina/PI, e ANATEL – AGÊNCIA
NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, autarquia federal de regime especial
instituída pela Lei Federal 9.472/97, a qual poderá ser citada na Avenida Frei
Serafim 2786, Centro, Teresina/PI;
fazendo-o com fundamento nas aduções fáticas e jurídicas a seguir expendidas.
DA JUSTIFICATIVA
Praça Marechal Deodoro, s/n – Ed. Do Ministério da Fazenda – 6º andar – sala 603 – CEP 64.000-160 -Teresina/PI
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A vertente demanda tem por escopo tutelar o direito à comunicação
de milhares de pessoas civilmente organizadas em associações comunitárias,
lesado pela negligência da UNIÃO no que diz respeito à apreciação dos pedidos de
autorização de funcionamento de rádios comunitárias em todo o país. Pretende
também assegurar o respeito às liberdades constitucionais de informação e opinião
de todos os usuários do serviço de radiodifusão a quem hoje é negado o acesso a
alternativas outras que não as emissões comerciais.
Nas páginas seguintes, o autor buscará demonstrar que:
a) o direito à comunicação - à livre e igualitária circulação de idéias no espaço
público - é direito fundamental cujo exercício, no serviço de radiodifusão comunitária
instituído pela Lei 9.612/98, está condicionado à emissão, pela UNIÃO, de ato de
autorização dirigido a fundações e associações comunitárias sem fins lucrativos;
b) a UNIÃO vem sistematicamente prejudicando o exercício de tal direito, além de
desrespeitar o direito fundamental de petição (que implica, obviamente, receber uma
resposta ao que foi pedido), uma vez que posterga, para muito além do prazo
razoável exigido pela Constituição, a apreciação dos pedidos de outorga de
radiodifusão comunitária que lhe são formulados;
c) a demora excessiva no processo de apreciação dos pedidos de outorga causa
insegurança jurídica, provocando inconformismo social e descrédito nas instituições,
o que acaba por incentivar e estimular o funcionamento clandestino das rádios
comunitárias, fato que gera um ciclo de gastos, conflitos e inconvenientes, tais como
diligências para fechamento de rádios, inquéritos policiais, processos judiciais, sem
falar em riscos para a segurança das comunicações e do espaço aéreo;
d) diante dos referidos gastos, conflitos, inconvenientes e riscos mencionados, faz-
se imprescindível a concessão de tutela jurisdicional que determine prazo à União
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para apreciar os pedidos de concessão para prestação de serviços de radiodifusão
sonora intentados pelas rádios comunitárias do Estado do Piauí.
DO CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A presente ação busca tutelar: a) o interesse difuso de milhares
de usuários do serviço de radiodifusão comunitária, atualmente privados de
seu direito fundamental à informação em razão da conduta omissiva e
negligente das Requeridas; b) o interesse individual homogêneo de centenas
de associações comunitárias a um procedimento de outorga eficiente, célere,
impessoal e democrático, o que deflui logicamente do direito de petição que
assiste aos interessados, abrangendo evidentemente o direito de obter
resposta do Poder Público à sua demanda, ainda que seja indeferindo-a.
O instrumento adequado para a proteção desses direitos
metaindividuais é, sem nenhuma dúvida, a ação civil pública, regulada pelas Leis
7.347/8552 e 8.078/90.
O art. 461 do Código de Processo Civil autoriza expressamente a
concessão de tutela inibitória para assegurar a proteção dos princípios e regras
constitucionais violados pelo ato aqui impugnado.
O interesse de agir do Autor é manifesto pois, caso não haja a pronta
intervenção da Justiça brasileira, as Requeridas continuarão a lesar, de maneira
imediata, o direito a um processo célere, e de maneira mediata, o direito à
comunicação comunitária de milhares de brasileiros, dado a demora excessiva da
Administração em apreciar os requerimentos que lhe são dirigidos neste tema.
Enfim, não há óbice algum para o deferimento dos pedidos que
serão adiante formulados.
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DA LEGITIMIDADE DAS PARTES
O Parquet é parte legítima para figurar nesta demanda por força do
disposto no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública e art. 82 do Código de Defesa do
Consumidor.
A legitimidade do Ministério Público Federal para a causa decorre
também do disposto no art. 5º da Lei Complementar Federal 75/93, cujo inciso IV
atribui à instituição o dever de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da
UNIÃO aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos
na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social".
Observe-se, ad cautelam, não existir qualquer ponto de toque
entre a defesa em juízo do direito individual homogêneo (consubstanciado
aqui, repise-se, no direito de centenas de associações de radiodifusão a um
procedimento de outorga eficiente e célere, donde nasce a relevância social da
questão), através da ação coletiva, e a figura processual do litisconsórcio, já
que este último consubstancia a soma de dois ou mais direitos individuais
simples, sem relevância social.
A ação coletiva, ao contrário, previne um possível litisconsórcio
multitudinário, que seria formado, in casu, por 193 associações de rádios
comunitárias requerentes constantes da Relação fornecida pelo Ministério das
Comunicações (documento em anexo), permitindo assim uma tutela social por
intermédio de uma única demanda e conferindo, assim, expressiva celeridade
ao processo.
Inobstante a isto, se ainda assim entender ser este o caso de
litisconsórcio necessário com as entidades interessadas elencadas na relação
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em anexo, V. Ex.ª poderá proceder à intervenção iussu iudicis, nos termos no
artigo 47, Parágrafo único do CPC.
A legitimidade da UNIÃO para figurar no pólo passivo da demanda
decorre da competência legal atribuída a seus órgãos para a outorga do serviço de
radiodifusão comunitária, bem como para ordenar a interrupção das emissões de
radiofreqüência.
A ANATEL também é parte legítima ad causam uma vez que integra
o processo administrativo de outorga e fiscalização do serviço, consoante se
depreende da leitura do art. 10 do Regulamento do Serviço de Radiodifusão
Comunitária (Decreto Presidencial 2.615/98).
Feitas estas considerações, passa-se ao cerne desta exordial.
DO DIREITO À COMUNICAÇÃO
O direito à comunicação significa uma extensão do contínuo
progresso em busca da liberdade e ampliação dos horizontes da democracia,
concebida como exercício de convivência pacífica com respeito à diversidade e
igualdade no exercício de direitos, deveres e oportunidades.
O direito à comunicação propõe ênfase não somente no fluxo das
informações, mas também no processo de sua criação. A comunicação almejada
deve ser multidirecional, horizontal, democrática, acessível e participativa, mediante
a oportunidade de produção e divulgação de informações de interesse comunitário.
O direito à comunicação significa ainda o reconhecimento da
importância do direito segundo o qual todo cidadão pode se dirigir à coletividade e se
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expressar da maneira mais livre possível. A informação, que antes tinha apenas
fontes advindas de duas dimensões, de abrangência nacional e internacional, passa
a ser uma terceira feição, agora também local e comunitária.
Na medida em que não é dada a todos igual oportunidade de
comunicação, a transmissão de informações para a coletividade deixa de configurar
um direito e passa a significar privilégio. O espaço público da radiodifusão é
apropriado por poucos grupos empresariais, e como conseqüência, a previsão
constitucional da livre manifestação do pensamento na radiodifusão torna-se de
pouca utilidade prática, uma vez restrita a reduzidos concessionários. Ademais,
torna-se valioso instrumento de poder usurpado da população brasileira, verdadeira
proprietária do espaço eletromagnético administrado pela UNIÃO.
Em matéria de comunicação social, é dever do Estado reconhecer e
proteger a pluralidade de opiniões e fortalecer a radiodifusão pública, no caso em
exame, a radiodifusão comunitária. O direito à comunicação, consubstanciado no
suporte material das rádios comunitárias de baixa potência, consiste no convívio
com diferentes perspectivas de mundo, na valorização da comunicação como
serviço público, no incentivo à organização da ação coletiva, na importância da
pluralidade de visões como fator fundamental para a construção de princípios que
privilegiem a tolerância e a alteridade.
Daí a relevância da sociedade, por meio do direito, organizar e
tutelar esse bem universal que constitui a comunicação, para que todos os
interessados, e não somente aqueles que dispõem de recursos materiais para
transmitir informações para um número considerável de receptores, possam produzir
diferentes formas de sociabilidades, interatividades e também meios para expressar
seus pontos de vista. O papel do direito, portanto, assume particular importância na
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função de ampliar o acesso aos sistemas de comunicações, desde as fontes de
informação, até os suportes materiais para transmissão das mensagens.
Por esses motivos, conclui-se que não há plenitude de liberdade de
expressão do pensamento sem canais de informação voltados à comunicação
popular de pequenas comunidades, notadamente o exercício do direito fundamental
de expressão por meio de rádios comunitárias.
DA POSITIVAÇÃO DO DIREITO À COMUNICAÇÃO NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DO SERVIÇO DE
RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA
A existência do direito fundamental à comunicação em nosso
sistema jurídico decorre da combinação das seguintes normas constitucionais:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
IV- é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
[...]
IX- é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura
ou licença;
[...]
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XIV- é assegurado a todos o acesso à informação e
resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional
[...]
Art. 21. Compete à União:
[...]
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão
ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
[...]
Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição;
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em
qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
no Art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. (respectivamente liberdade de
manifestação, direito de resposta, inviolabilidade da honra e da
imagem, direito à indenização pelos prejuízos causados, sigilo
de comunicação e direito de reunião)
[...]
Art. 221 - A produção e a programação das emissoras de rádio e
televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à
produção independente que objetive sua divulgação;
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III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
conforme percentuais estabelecidos em lei;
Art. 223 - Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar
concessão, permissão e autorização para o serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio
da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
Em matéria de radiodifusão, a realização do direito fundamental à
comunicação depende, primordialmente, da organização do uso do espectro público
de radiofreqüência pelo Poder Concedente, no caso, a UNIÃO. É dever da
Requerida organizar o espectro de forma a assegurar a complementariedade entre
os sistemas público, comercial e estatal (art. 223 da CR), o cumprimento dos
princípios constitucionais do art. 221 e o acesso dos usuários do serviço a múltiplas
fontes de informação (inclusive comunitárias), garantindo, desse modo, a realização
de um dos valores fundantes do regime democrático, qual seja, o pluralismo de
idéias na pólis (art. 1º, V, da CR).
O procedimento para a outorga do serviço de radiodifusão
comunitária, entretanto, é burocrático e relativamente longo, (mas não tão longo a
ponto de justificar a demora excessiva do Poder Público em dar-lhe desfecho, o que
inexplicavelmente vem ocorrendo em todo o Brasil e não é diferente no Estado do
Piauí, consoante demonstrar-se-á adiante).
Está disciplinado tal rito nas seguintes leis e atos administrativos: a)
Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62 e Decreto-lei 236/67); b) Lei
9.612/98 (Lei da Radiodifusão Comunitária); c) Lei 10.610/02; d) Regulamento dos
Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795/63); e) Regulamento do Serviço de
Radiodifusão Comunitária (Decreto 2.615/98); f) Regulamento Técnico para
Emissoras de Radiodifusão Sonora em Freqüência Modulada (Resolução Anatel
67/98); g) Resolução Anatel 60/98; e h) Plano de Referência para a Distribuição de
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Canais do Serviço de Radiodifusão Comunitária (PRRadCom), da Anatel. A
consolidação do rito está na Norma Complementar 1/2004, expedida pelo Ministério
das Comunicações. Esquematicamente, o procedimento é o seguinte:
Requerimento da entidade interessada
Prosseguimento
existência de canal designado para locali-dade pela ANATEL
Arquivamento
existência de outra entidade
autorizada;
distância com autorizada inferior a
4km;
inexistência de canal designado para
a localidade pela Anatel.
Publicação do aviso de habilitação
a) prazo de 45 dias para que interessadas apresentem
documentação
Departamento de outorga de serviços
a) análise da regularidade da documentação
b) prazo para regularização (20 dias)
c) intimação da requerente para apresentar projeto técnico
d) associação entre interessadas no caso de mais de uma requerente para mesma área
ou escolha a partir da representatividade ou sorteio (30 dias)
e) relatório final
Consultoria jurídica do MC
a) análise final do processo
b) preparação do ato de autorização
Ministro das comunicações
emissão do ato de autorização
publicação no DOU
Presidência da República
a) revisão do processo
b) remessa dos autos ao Congresso
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Sobrestamento
Existência de outro
pedido para mesma área
de interesse
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Congresso Nacional
a) aprovação do ato e expedição do decreto-legislativo
b) licença-provisória pode ser expedida após 90 dias sem deliberação do
Congresso
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No regulamento do serviço há apenas um prazo dirigido à
Administração Pública; todos os demais são endereçados às associações
requerentes. A lacuna obviamente não implica em ausência de prazos, uma vez que
a Lei do Procedimento Administrativo (Lei 9.784/99) é categórica ao estabelecer que
"inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo
processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de
cinco dias, salvo motivo de força maior" (art. 24).
O art. 2º da mesma Lei obriga a Administração a adotar "formas
simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito
aos direitos dos administrados"; bem como promover a "impulsão, de ofício, do
processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados".
Desse modo, é dever da UNIÃO zelar pela realização de um
procedimento célere, público e impessoal de outorga de rádios comunitárias, a
fim de proporcionar a plena realização do direito fundamental à comunicação
de milhares de habitantes deste país. Todavia, como será adiante
demonstrado, a UNIÃO vem prestando um péssimo serviço de outorga de
radiodifusão comunitária.
DA SITUAÇÃO FÁTICA DOS PROCESSOS DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA
Nos últimos dois anos o Ministério Público Federal investigou, com o
auxílio de associações comunitárias interessadas, a situação dos processos
administrativos de autorização do serviço de radiodifusão comunitária. Restou
concluído que a UNIÃO, mais precisamente a Secretaria de Serviços de
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Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, obsta ilegalmente o
andamento de milhares de pedidos de autorização de funcionamento de rádios
comunitárias em todo o Brasil.
Em 07 de abril de 2006, dos 17.280 pedidos que haviam entrado no
Ministério das Comunicações, 5.440 (31,5% do total) estavam no chamado
"Cadastro de Demonstração de Interesse - CDI", ou seja, ainda aguardavam a
publicação do aviso de habilitação, primeira etapa do procedimento de outorga do
serviço. Apenas 1.877 rádios comunitárias (10,9%) haviam recebido a autorização
definitiva de funcionamento. O quadro abaixo sintetiza a situação dos processos:
Status Quantidade % Descrição
Análise inicial 792 4,5 Análise técnica e jurídica inicial
Cadastro de demonstração de interesse (CDI)
5.440 31,5 Entidade aguarda publicação do aviso de habilitação
Requerimento arquivado 2.471 14,3 Hipóteses de inviabilidade técnica
Portaria de autorização provisória
562 3,2 Autorização provisória até edição do decreto legislativo
Decreto-legislativo 1.877 10,9 Autorização definitiva, pelo congresso nacional
Processos concluídos e arquivados
4.640 26,9 Entidade não atendeu a solicitações do MC
Outros 1.498 8,7 instrução/análise/pendências técnicas/recurso
TOTAL 17.280 100
Conforme denota a tabela supra, existe uma porcentagem
considerável de processos emperrados por falta de publicação do aviso de
habilitação, ato necessário para que as associações comunitárias possam pleitear,
observadas as exigências legais, autorização para utilização do espectro
eletromagnético em determinada localidade.
É bem verdade que a autorização, enquanto espécie de ato
administrativo classificado por seu conteúdo, encerra um consentimento ao particular
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e se trata conceptualmente de ato discricionário e precário. Por óbvio, a presente
ação civil pública não poderia espelhar um mecanismo para a formulação de
pretensões visando à ingerência em políticas públicas a cargo da
Administração. Logo, ninguém discute que toca à União ponderar acerca da
conveniência e oportunidade de disponibilizar canal para radiodifusão
comunitária em determinada localidade. Porém, não é preciso um descomunal
labor intelectual para se entender que, caso não se vislumbre interesse público que
justifique a habilitação de canal para radiodifusão na região requerida pelas
entidades interessadas, a União deveria simplesmente indeferir tais requerimentos,
ou ao revés, dar prosseguimento ao pedido se houver o interesse público, cujo pleno
atendimento é a única razão para que a lei permita seja adotada em cada caso
concreto unicamente a providência capaz de atender com precisão à finalidade
pública.
O que não pode acontecer é esta inaceitável perenização de
uma insegurança que o Estado pode, indubitavelmente, resolver: apreciar os
pedidos e dar uma resposta, e conforme reza o procedimento de outorga de
serviço de radiodifusão, se não há canal disponível, a consequência lógica e
assaz óbvia é o não prosseguimento do requerimento!!!
Neste átimo debuxado, passa-se agora a contemplar tal realidade
no âmbito do Estado do Piauí. Conforme documentação desfechada a partir de
tabelas estresidas do sítio virtual do Ministério das Comunicações (cópias em anexo)
as constatações são, no mínimo, inquietantes: existem em trâmite no Ministério
das Comunicações 193 (cento e noventa e três) processos de entidades
piauienses que não participaram de aviso de habilitação, (vide relação em
anexo), ou seja, tais entidades intentaram requerimento para obtenção de
autorização sem que antes já houvesse sido publicado aviso de habilitação para a
prestação dos serviços em comento. Salta aos olhos, então, que, se não foi
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publicado aviso de habilitação anteriormente a estes pedidos, das duas
possibilidades, uma:
a) ou não existe canal designado pela ANATEL para uso em radiodifusão
comunitária – e neste caso a solução consistiria em disponibilizar e publicar o canal,
de acordo com critérios abalizados de discricionariedade e viabilidade técnica, ou
indeferir os pedidos em caso de inviabilidade da abertura do canal na região;
b) ou já existe o canal, faltando porém a publicação do aviso para que interessados
apresentem documentação, ao lume do que determina o procedimento legal para
autorização, sendo que, nesta situação, nítido está que não se deveria dar
prosseguimento a pedido antes mesmo da publicação do comunicado oficial, que
inexplicável e reiteradamente tem sido muito demorado.
Nesta esteira, conforme análise da relação de entidades (em anexo)
que não participaram de aviso de habilitação, dentre estas 193 entidades, apenas 41
(quarenta e uma) tiveram seu Requerimento arquivado, sendo que a grande maioria,
152 (cento e cinqüenta e duas) entidades aguardam publicação de aviso de
habilitação. A ignomínia é ainda mais gritante se atentarmos ao fato de 34
(trinta e quatro) entidades estão com processo pendente desde 1998, (pasme-
se, quase uma década), num total de 88 (oitenta e oito) processos em espera
desde o século passado!!!
Repise-se a pergunta quer não quer calar: se não há, por algum
motivo até o momento desconhecido, o interesse em disponibilizar sinal de
radiodifusão em determinada área, por que simplesmente não se arquivam os
requerimentos, ao invés de deixar os interessados numa espera sem sentido,
exigindo da sociedade uma paciência de Jó?!
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Noutro flanco, com relação àquelas associações que participaram de
processo de habilitação, com dados emanados pelo sítio eletrônico do Ministério das
Comunicações (tabelas em anexo), a letargia das Requeridas se torna
assombrosamente patente, eis que, ad argumentandum tantum, das entidades
piauienses que pleiteiam administrativamente uma autorização e não tiveram seu
pedido arquivado, 10 (dez) delas estão desde 1998 ou 1999 aguardando ainda
análise inicial pela equipe técnica e jurídica do Ministério das Comunicações!!!
Consoante ventilado alhures, essa morosidade da União acaba por
gerar descrença nas instituições, e inegavelmente fomenta as práticas clandestinas
de radiodifusão comunitária. Neste toar, não é de se admirar que existam tantos e
tantos procedimentos administrativos que tramitaram ou ainda estão em trâmite na
Procuradoria da República no Estado do Piauí, a saber:
● 202 (duzentos e dois) procedimentos administrativos envolvendo rádios
comunitárias irregulares foram instaurados e tiveram por desenlace o
arquivamento, ou encaminhamento à Polícia Federal, ou, na maioria das
vezes, denúncias por crime contra as telecomunicações, conforme resultado
de pesquisa feita no sistema de Acompanhamento de Procedimento
Administrativo da Procuradoria da República no Estado do Piauí, em anexo;
● 11 (onze) procedimentos estão atualmente em tramitação versando sobre o
mesmo tema.
Sobremais, conforme consulta processual no banco de dados da
Seção Judiciária do Piauí disponível em seu sítio virtual (cópia em anexo), existem
23 (vinte e três) processos judiciais envolvendo associações de radiodifusão
comunitárias em funcionamento indevido por falta de autorização do poder
concedente.
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Com isto não se quer dizer, gize-se bem, que essa execrável inércia
da União justifica ou legitima o funcionamento, a todo custo, de estações de
radiodifusão comunitária, ainda que sem autorização estatal, até porque tal prática
jamais se coadunaria com o Estado de Direito.
Entretanto, não há negar que, agindo a União de forma tão
ineficiente e, por conseguinte, ao arrepio do que preconiza a Constituição
quanto a princípios de eficiência e celeridade, acaba-se por fomentar um
quadro de desrespeito mútuo das leis, vale dizer, se o Estado não age sob o
pálio da lei, sobretudo por desrespeitar o direito dos interessados a uma
duração razoável dos processos, as entidades, esposadas numa legítima
defesa putativa do direito à comunicação, também se vêem no “direito” de
fazer tabula rasa das normas que regulamentam o serviço, posto que tais grupos
sociais, naturalmente, não possuem um estoicismo divino para permanecerem ad
aeterno sem a prestação de um serviço tão importante que é o de radiodifusão
comunitária.
O resultado dessas ilegalidades, claramente deflagradas a priori pela
debilidade estatal é de curial sabença: a sobrecarga do Poder Judiciário, prejuízo
aos cofres públicos com diligências para fechamento de rádios irregulares, riscos
para os sistemas de telecomunicações, possibilidade de interferência na freqüência
de rádio utilizada na aviação, dentre outros transtornos.
Também não há que se falar em liberação para imediata e irrestrita
utilização, pelas entidades comunitárias, dos sinais de radiodifusão sem o crivo do
poder concedente, porquanto seria o mesmo, mutatis mutandi, que revogar todas as
leis penais para não mais existir crime no Brasil!!! Afinal, é de todo temerário que se
prescinda do consentimento do Ministério das Comunicações e da ANATEL, que
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possuem todo o aparato técnico para aferir a adequação das interessadas às
normas restritivas e condicionadoras relativas à atividade pretendida.
O intuito desta ação, nunca assaz frisar, é que a União, em
observância ao devido procedimento de autorização para exploração de
radiodifusão, considere, em tempo verdadeiramente razoável, as expectativas das
interessadas ao uso do espectro.
DA OFENSA À GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
Como é sabido e ressabido, a Emenda Constitucional 45/2004
acrescentou o seguinte inciso LXXVIII ao art. 5º do texto de 1988:
“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação”.
A garantia da razoável duração do processo já vinha declarada no
art. 8º, § 1º, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, nos seguintes
termos:
"Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias
e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente
(...) na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".
A Emenda Constitucional ampliou o âmbito de incidência do tratado
internacional ao estender a garantia também aos processos administrativos. A
norma inserida no capítulo dos direitos fundamentais decorre logicamente dos
princípios constitucionais do devido processo legal (art. 5º, LIV) e da eficiência da
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Administração Pública (art. 37, caput). Com efeito, se é dever da Administração
promover a "plena satisfação dos administrados com os menores custos para a
sociedade", então o princípio da eficiência exige, também, o desenvolvimento de um
processo administrativo célere, simples, econômico e efetivo.
No presente caso, a comprovada negligência das Requeridas no
cumprimento dos prazos legais revela-se especialmente grave na medida em
que o ato constitutivo de um direito fundamental da maior grandeza está sendo
obstado pela demora insólita na outorga dos canais de radiofreqüência às
associações comunitárias que atendem aos requisitos estabelecidos na
legislação de regência.
Dessa forma, os objetivos da radiodifusão comunitária previstos no
art. 3º da Lei 9.612/98, se transformam em letra-morta.
Há, no caso, ofensa à garantia constitucional da duração razoável do
processo administrativo porque: a) a Administração Federal ilegalmente obsta o
prosseguimento dos pedidos de autorização do serviço de radiodifusão comunitária
ao retardar, sine die, a publicação dos Avisos de Habilitação necessários ao
andamento do processo; b) mesmo após a publicação dos Avisos de Habilitação a
ineficiência e a burocracia da União prolongam em mais de três anos e meio a
expedição do ato de autorização de funcionamento das rádios comunitárias.
O Parquet, após compulsar os lapsos temporais assinalados na lei,
entende que o prazo razoável para a conclusão do processo administrativo de
outorga de radiodifusão comunitária é aquele resultante da soma dos prazos
administrativos que integram todas as etapas do procedimento; ou seja,
aproximadamente 18 meses no caso, conforme se verifica na tabela abaixo:
Ato Prazo Fundamento jurídico
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Avaliação prévia do requerimento da entidade e publicação do aviso de habilitação quando houver canal designado para o município
05 Art. 24 da L 9784/99; item 3.2 da Norma Complementar 1/2004
Apresentação da documentação após aviso de habilitação 45 Item 5.2 da Norma 1/2004
Publicação da relação nominal das entidades que solicitaram autorização para execução do serviço
05 Art. 24 da Lei 9784/99; item 5.3 da Norma 1/2004
Prazo para que entidades regularizem documentação 20 + 20 =40
Item 9.3 da Norma 1/2004
Divulgação das entidades participantes 05 Art. 24 da L. 9784/99; item 9.5 da Norma 1/2004
Prazo recursal 30 Item 9.7.3 da Norma 1/2004
Prazo para que entidades se associem 30 Item 10.2 da Norma 1/2004
Decisão administrativa 30 Art. 49 da L. 9.784/99; item 10.3 da Norma 1/2004
Apresentação do projeto técnico pela entidade selecionada 30 Item 12.1 da Norma 1/2004
Avaliação do projeto técnico 15 Art. 42 da L 9784/99
Expedição da autorização para execução do serviço de radiodifusão comunitária
30 Art. 49 da Lei 9784/99; item 13 da Norma 1/2004
Publicação no DOU 05 Art. 24 da Lei 9784/99; item 13 da Norma 1/2004
Remessa do ato à Presidência da República 05 Art. 24 da Lei 9784/99
Revisão do ato 15 Art. 42 da Lei 9784/99
Remessa do ato ao Congresso Nacional 05 Art. 24 da Lei 9784/99
Autorização provisória após 90 dias sem deliberação do Congresso
90 Item 16 da Norma 1/2004
SOMA DOS PRAZOS (DIAS ÚTEIS) 400
Atualmente o tempo médio de duração de um processo de
outorga de radiodifusão comunitária é, segundo relatório produzido pela
própria Requerida, de três anos e seis meses; 2,5 VEZES SUPERIOR, portanto,
aos 18 meses estipulados pela Lei para a conclusão do procedimento. Vale
lembrar que a estimativa constante do relatório não leva em conta o imenso lapso
temporal existente entre a data do requerimento inicial e a publicação do aviso de
habilitação. Como vimos, há casos de associações que já aguardam há quase uma
década pela publicação do aviso de habilitação para a localidade de interesse.
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Do ponto de vista de uma teoria geral dos direitos fundamentais,
pode-se dizer que a omissão administrativa da Requerida impõe sacrifício inaceitável
ao exercício de um direito constitucional, na exata medida em que, na radiodifusão,
os titulares do direito à comunicação somente podem exercê-lo mediante o
funcionamento adequado de um serviço impessoal e democrático de outorga de
radiofreqüências.
O "resultado do procedimento", no caso, é justamente o adequado
funcionamento do serviço de radiodifusão comunitária em todas as regiões do país,
como forma de realização do direito fundamental à comunicação.
Em outras palavras, as associações que pleitearam na forma da
lei a outorga do serviço de radiodifusão comunitária não têm direito subjetivo
a uma faixa de freqüência, mas têm, sem nenhuma dúvida, direito a que seu
pleito seja devidamente analisado pela UNIÃO, em procedimento célere e
impessoal.
O cumprimento do rito não configura, na hipótese, mera observância
de um dever administrativo, mas sim o cumprimento de um dever instituído com a
finalidade de proteção a um direito fundamental.
DA IMPERATIVA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA PRETENDIDA
Como é sabido, a tutela inibitória destina-se a impedir a prática,
repetição ou continuação do ilícito. Difere da tutela ressarcitória porque esta volta-se
à reparação do dano causado ao direito material, ao passo que aquela diz respeito à
imposição de meios coercitivos capazes de convencer o obrigado a não fazer ou a
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cumprir uma obrigação de fazer infungível. A tutela jurisdicional de cunho inibitório é
indispensável à efetividade dos direitos fundamentais, já que, como observa
Marinoni, esses direitos dependem, primordialmente,
“de obrigações continuativas de não-fazer, ou de obrigações de
fazer infungíveis ou dificilmente passíveis de execução através das
formas tradicionais da ‘execução forçada’”:
Por esse motivo, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva
corresponde, no caso dos direitos não-patrimoniais, “ao DIREITO A UMA TUTELA
CAPAZ DE IMPEDIR A VIOLAÇÃO DO DIREITO. A ação inibitória, portanto, é
absolutamente indispensável em um ordenamento que se funda na ‘dignidade da
pessoa humana’ e que se empenha em realmente garantir – e não apenas em
proclamar – a inviolabilidade dos direitos da personalidade”. No caso específico,
trata-se de impedir que a omissão ilícita da UNIÃO se perpetue como fonte de danos
a um direito fundamental de natureza difusa. Como bem nota Marinoni,
"A não-ação, quando o Estado possui o dever de atuar para proteger
um bem, configura 'ação' que precisa ser suprimida para que a fonte
dos danos não fique aberta. O ilícito, assim como a fonte dos danos
que não foi secada em virtude da omissão, perpetua-se no tempo,
constituindo um não agir continuado. Assim, a tutela jurisdicional que
objetiva obrigar a Administração a praticar o ato necessário para que
o ilícito não se perpetue possui a mesma natureza do dever de fazer
não observado".
Tanto a Lei da Ação Civil Pública quanto o Código de Processo Civil
autorizam a concessão de tutela inibitória específica.
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Tanto o § 3º do art. 461 do CPC quanto o art. 12 da Lei da Ação Civil
Pública autorizam a concessão de tutela antecipatória quando
"relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final".
É justamente este o caso em testilha, que preenche todos os
requisitos para a concessão da providência antecipada, senão veja-se:
A extrema relevância da demanda, acompanhada da prova
inequívoca do direito que segue em anexo, consubstanciada pelas listagens de
processos em trâmite no Ministério das Comunicações, contendo grande
número de associações e fundações de radiodifusão interessadas que estão
esperando há anos por um desfecho para seu pedido.
Deste modo, resta suficientemente demonstrada a
plausibilidade do pedido, esposado na verossimilhança das alegações ora
apresentadas, tema este abordado ao largo pelos meios de comunicação
social, o que robustece, pois, o fumus boni iuris para a concessão da medida.
Gize-se que, diversamente das demandas que costumam ser propostas perante a
Justiça Federal, a presente ação não versa sobre direitos patrimoniais de
contribuintes ou servidores. Ela busca tutelar o direito constitucional de inúmeros
cidadãos de participar do processo de comunicação, por intermédio do uso
compartilhado e democrático do espectro de radiofreqüência.
Quanto ao periculum in mora, ou seja, o fundado receio de
dano de difícil reparação, impende anotar que, para esses interessados,
apenas a concessão do provimento jurisdicional antecipado servirá para
proteger, de forma efetiva, o direito não patrimonial de que são titulares. A
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cognição exauriente proporcionada pelo processo ordinário de conhecimento
importaria na completa inutilidade da demanda, já que o que se está a postular
é justamente a concessão de tutela capaz de suprimir a demora da UNIÃO no
que diz respeito à outorga do serviço de radiodifusão comunitária. Não faria
sentido suprimir a demora administrativa com uma outra demora, dessa vez na
esfera judicial.
Neste sentido:
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº2000.40.00.003766-2/PIPROCESSO NA ORIGEM: 200040000037562RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUSRELATOR: JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA(CONVOCADO).APELANTE: AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES –ANATELPROCURADOR: RAIMUNDO JUAREZ NETOAPELADO: ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE MIGUEL ALVES –ACOMAEMENTACONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DESEGURANÇA. RÁDIO COMUNITÁRIA DE BAIXA POTÊNCIA (50WATTS). AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO. PEDIDOADMINISTRATIVO SEM RESPOSTA. PERMISSÃO PARAFUNCIONAMENTO ATÉ DECISÃO FINAL DO PROCESSOADMINISTRATIVO.
(...) Omissis
4. Não pode o cidadão ficar indefinidamente à espera daresposta da Administração, quando solicitouregularmente a autorização no órgão competente, hámais de 05 (cinco) anos, sob pena de violação dosprincípios da eficiência e da razoabilidade (Resp. Nº690.819/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJde 19/12/2005, p. 234)
Decide a Turma, por maioria, negar provimento à apelação e àremessa oficial.
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5ª Turma do TRF/1ª Região – 15.02.2006.
Ora, é preciso dar um basta ao inaceitável sopor nos processos
de outorga de radiodifusão comunitária, e quanto mais tempo se passar até
que seja implementado um prazo para o afastamento da morosidade, mais
difícil será emprestar celeridade à apreciação do implacável e crescente
número de requerimentos!
É indubitável que, do início do processamento do feito que ora
se aperfeiçoa até o provimento final, o acúmulo de processos em trâmite no
aguardo de resolução pelas Requeridas, com estas agindo neste ínterim a
crônicos passos de tartaruga, tomará proporções tão grandes que se tornará
virtualmente inexeqüível envidar ao final a celeridade aqui pretendida.
Além deste clarividente perigo da demora para o implemento de
um prazo razoável, a espera indefinida pela resposta da Administração por
quem solicitou regularmente a autorização no órgão competente pode
fomentar um outro perigo premente, qual seja, a crescente instabilidade social
e exasperação das associações que acabam pondo em funcionamento
clandestino as rádios comunitárias, o que gera um ciclo de complicações
ainda maiores para o poder público, que é compelido a tomar drásticas
providências contra os infratores inconformados com a espera muito além do
desejável, demandando diligências para fechamento das rádios irregulares,
instauração de inúmeros inquéritos policiais e conseqüentes processos
judiciais, além de gerarem graves riscos para a segurança das comunicações e
do sistema aéreo brasileiro.
Enfim, há um fundado receio de que as instituições entrem em
colapso ante este quadro tão preocupante!!!
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Noutra província, não há que se falar em óbice à concessão de
tutela antecipatória pelo fato de seu objeto coincidir com aquele pretendido no
final do processo, pois é cediço, à esteira da mais autorizada doutrina de
ALEXANDRE FREITAS CÂMARA que
A tutela antecipada tem natureza satisfativa, vale dizer, permite
a atuação prática do direito material e atende ao pressuposto
básico de que não se pode esperar, na espécie, o tempo
necessário à formação do juízo de certeza exigido para a
prolação de sentença no processo cognitivo, havendo a
necessidade, para se tutelar adequadamente o que se pede, de
se prestar uma tutela satisfativa mais célere.
Perfilha dessa axiomática possibilidade, o eminente
processualista Antônio Cláudio da Costa Machado, que em seu Código de
Processo Civil Interpretado, pág.267, assim leciona acerca do artigo 273 do
CPC (que dispõe a antecipação de tutela), verbis:
Por meio dele, fica instituída a possibilidade de concessão de
medida liminar antecipatória da providência de mérito em todo e
qualquer processo ou procedimento (...) mediante o preenchimento
dos rígidos requisitos previstos no caput sob exame, nos incisos I e
II e nos §§2º e 6º.
Mister se faz ressaltar ainda que a tutela aqui vindicada com
urgência atende ao requisito da segura reversibilidade do provimento, não
havendo qualquer risco de as Requeridas não poderem voltar ao status quo
ante. Ora, se ao final estas restarem vencedoras, simplesmente retirar-se-á a
imposição de obrigação de fazer mediante prazo determinado, sem maiores
consequências.
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Improfícuo, pois, falar em impossibilidade do pedido liminar
esgotar o mérito da ação. O objeto dos dois pedidos, liminar e final, podem sim
coincidir, desde, é claro, além de atendidos os requisitos legais já aludidos,
que a medida liminar não seja irreversível, o que não é o presente caso.
Em síntese, para que os acúmulos de serviços não criem uma
bola de neve assaz grande para ser apreciada no prazo que se espera seja
determinado para sua conclusão, além de o crescimento do inconformismo
social e dos transtornos para o Estado, faz-se mais do que necessária a
concessão de provimento liminar no sentido de determinar às Requeridas a
apreciação, no prazo máximo de 30 DIAS, das petições de autorização
manadas de entidades comunitárias do Estado do Piauí há mais de 18 meses,
por ser este o prazo razoável para conclusão do processo de outorga de
autorização que deve ser observado pelos Requeridos. É o que desde já se
requer.
DOS PEDIDOS
Ex positis, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:
a) a concessão de tutela antecipatória nos termos ut supra,
para o fim de ordenar às Requeridas que apreciem, em
prazo não superior a 30 dias, os processos de pedidos de
autorização feitos pelas entidades comunitárias do
Estado do Piauí há mais de 18 meses;
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b) a citação das Requeridas para, querendo, contestar a
presente ação, sob pena de revelia;
c) ao final, a procedência in totum da ação, com a imposição
de obrigação de fazer à União e à Anatel no sentido de
que apreciem os processos de outorga de serviço de
radiodifusão dentro do prazo máximo de 18 meses,
obedecendo este prazo em relação aos pedidos que ainda
não completaram tal duração, bem assim quanto às
novas petições de autorização que doravante forem
propostas.
Protesta provar os fatos alegados por todos os meios admitidos no
Direito, notadamente a juntada de documentos, a oitiva de testemunhas e a
realização de perícias.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil Reais).
Pede deferimento.
Teresina/PI, 07 de abril de 2008.
KELSTON PINHEIRO LAGESProcurador da República
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