excelentíssimo senhor doutor juiz federal da ª vara da subseção

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ª VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República que esta subscrevem, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal, artigos 3º, 5º e 21 da Lei 7.347/85, artigo 6º, incisos VI, alíneas “a” e “d” da Lei Complementar nº 75/93, artigos 81 e 82 da Lei 8.072/90, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face de: 1 ) ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica , pessoa jurídica de direito público, Autarquia Federal de regime especial, na pessoa de seu Diretor Geral, com endereço à SGAN 603, Módulo L, Brasília – DF; 2) ELETROPAULO METROPOLITANA DE ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A , empresa prestadora de energia elétrica neste Estado, na Av. Alfredo Egídio de Souza Aranha, 100, CEP 04726-905 São Paulo, SP, inscrita no CNPJ sob n. 61.695.227/0001-93 na pessoa de seu Diretor-Presidente. pelos motivos que passa a expor: OBJETIVO DA PRESENTE AÇÃO O objetivo da presente ação é evitar a exclusão de centenas de milhares de pessoas que se encontram em situação de pobreza e/ou miséria do enquadramento na Subclasse “Tarifa Residencial de Baixa Renda”, exclusão esta imposta pelo disposto na Resolução nº 485 de 26 de abril

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Page 1: excelentíssimo senhor doutor juiz federal da ª vara da subseção

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ª VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República que esta subscrevem, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal, artigos 3º, 5º e 21 da Lei 7.347/85, artigo 6º, incisos VI, alíneas “a” e “d” da Lei Complementar nº 75/93, artigos 81 e 82 da Lei 8.072/90, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de:

1 ) ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica , pessoa jurídica de direito público, Autarquia Federal de regime especial, na pessoa de seu Diretor Geral, com endereço à SGAN 603, Módulo L, Brasília – DF;

2) ELETROPAULO METROPOLITANA DE ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A, empresa prestadora de energia elétrica neste Estado, na Av. Alfredo Egídio de Souza Aranha, 100, CEP 04726-905 São Paulo, SP, inscrita no CNPJ sob n. 61.695.227/0001-93 na pessoa de seu Diretor-Presidente.

pelos motivos que passa a expor:

OBJETIVO DA PRESENTE AÇÃO

O objetivo da presente ação é evitar a exclusão de centenas de milhares de pessoas que se encontram em situação de pobreza e/ou miséria do enquadramento na Subclasse “Tarifa Residencial de Baixa Renda”, exclusão esta imposta pelo disposto na Resolução nº 485 de 26 de abril

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

de 2002, da ANEEL.

Da legitimidade do Ministério Público Federal

Sob a égide da Constituição de 1988, o Ministério Público tornou-se o verdadeiro advogado da sociedade, incumbindo-lhe, nos termos do art. 127 da Carta Magna, “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, bem como, por força do art. 129, II, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Por outro lado, valendo-se do autorizativo do inciso IX do mesmo artigo 129, o legislador consumeirista legitimou o Ministério Público também à defesa de interesses individuais homogêneos (art. 82, CDC c/c art. 21 Lei 7347/85), desde que, no dizer da doutrina e jurisprudência majoritárias, sejam indisponíveis ou de relevante valor social.

No caso presente, sejam os interesses classificados como coletivos (se considerados de natureza indivisível, nos termos da definição do art. 81, parágrafo único, inciso II, do CDC) ou como individuais homogêneos, a legitimidade do Parquet é indiscutível. Assim, porque evidenciada a relevância social do serviço de energia elétrica, considerado pela lei como essencial (art. 10, I, da Lei 7783/89) bem como em razão da magnitude da lesão, verdadeiramente de massa.

Da legitimidade passiva ad causam da ANEEL

O art. 2º da Lei 9.427/96 arrola, genericamente, os fins da Agência Nacional de Energia Elétrica:

“A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”.

Saliente-se que, para fins de pertinência subjetiva, basta atentar para as atribuições e finalidades legais da ANEEL, dentre as quais ressalta a de regular, fiscalizar e zelar pela adequação, universalização e legalidade do fornecimento de energia elétrica.

A questão quanto à realização ou não, no plano empírico, de tais providências impostas por lei, pertence ao mérito da causa.

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Destarte, tendo em vista que a ANEEL apresenta como atribuições fixadas em lei regular (expedir normas), fiscalizar e sancionar as concessionárias de fornecimento de energia elétrica, bem como velar pela universalização, continuidade, legalidade e adequação da execução do serviço, sua presença no pólo passivo faz-se indispensável, para que reste condenada à execução de seus misteres legais.

Ademais, a causa de pedir da presente ação versa sobre a ilegalidade e inconstitucionalidade de dispositivos da Resolução 485/2002 da ANEEL, em decorrência do mandamento legal previsto no art. 1º, §1º, da Lei 10.438/02, portanto, parece-nos claro que o questionamento da validade jurídica do referido ato administrativo normativo deve ser defendida pelo próprio órgão expedidor.

ELETROPAULO

Da competência da Justiça Federal

É competente a Justiça Federal para processar e julgar as ações em que há presença ou interesse da União, ou, ainda, em que se verifica a presença de ente autárquico federal, de acordo com o artigo 109 da Lei Fundamental, verbis:

“Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.

Dito isto, passa-se a considerar que a Constituição Federal, em seu artigo 21, inciso XII, elenca, dentre as competências administrativas da União:

“Art. 21. Compete à União:(...) XII - explorar, diretamente ou mediante

autorização, concessão ou permissão:

(...) b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;”.

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Tal competência administrativa é, segundo magistério de José Afonso da Silva, de natureza exclusiva da União:

“Além da exploração e execução de serviços públicos decorrentes de sua natureza de entidade estatal, a Constituição conferiu à União, em caráter exclusivo, a competência para explorar determinados serviços que reputou públicos, tais como: (...) c) explorar, igualmente mediante autorização, concessão ou permissão: (...) c2) os serviços e instalações de energia elétrica” 1(g.n.).

Sobre o tema, cabe trazer à baila lição de Raquel Fernandez Perrini, com idêntica conclusão:

“Por fim, cumpre mencionar questão atinente às concessionárias de serviços públicos de telecomunicações, radiodifusão, energia elétrica, transportes ferroviários, entre outros (art. 21, XI e XII, da CF). A exploração dessas atividades é de competência da União, podendo ser realizada diretamente ou por prestação descentralizada de serviços, através de sua concessão a pessoas jurídicas de direito privado, em atenção ao comando contido no art. 173 e § 1º da Constituição Federal, (...).

(...) podem os serviços ser executados por terceiros mediante concessão, definida como “o contrato administrativo pelo qual o Poder Público transfere o exercício de determinados serviços ao concedente, pessoa jurídica privada, para que os execute em seu nome, por sua conta e risco”. É o que ocorre com os serviços de competência da União, mencionados pelo art.21, XI e XII, da Constituição Federal.

Assim é que, manifestado o interesse da União no feito em que seja parte empresa concessionária de serviço público federal, a competência para processá-lo e julgá-lo será da Justiça Federal Comum, conforme revelam os seguintes julgados:

“É competente a Justiça Federal para 1 . cf. trecho da clássica obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 20 ª edição, Malheiros, páginas 495/496.

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conhecer do processo onde se pretenda obter nulidade de ato relacionado com concessão de serviço público federal” (STJ, 1ª Seção, CComp 93.0006976 – RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 8-3-1994, DJ, 4 abr. 1994, p. 6613)”.2

Desse modo, vez que o serviço de fornecimento de energia elétrica é de competência material exclusiva da União, competente para o processo e julgamento da causa é a Justiça Federal.

Outro motivo que assegura a competência da Justiça Federal é a presença da ANEEL, cuja natureza jurídica é de Autarquia Federal, no pólo passivo da presente ação, nos termos do já citado art. 109, inciso I, da CF, bem como do art. 1º da Lei 9.427/96, litteris:

“É instituída a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal e prazo de duração indeterminado”.

Por fim, cabe repetir, sintetica e definitivamente, que a Justiça Federal, em harmonia com o art. 109 e incisos da Lei Maior, é a competente para o processo e julgamento do feito, por dois motivos: a) há interesse manifesto da União, em decorrência de versar a presente ação acerca de serviço de competência exclusiva da União (fornecimento de energia elétrica), por injunção do art. 21, inciso XII, alínea “b”, da Lei Maior; e b) integra o pólo passivo da causa uma Autarquia Federal, in casu, a ANEEL.

BREVE HISTÓRICO

Até a privatização da Eletropaulo bastava, para fins de concessão do benefício da “Tarifa Social Baixa Renda”3, que o gasto mensal da unidade consumidora fosse menor que 220 Kwh. Este era o critério único, decorrente do § 2º da Portaria 470/95 do DNAEE, para concessão do benefício à cerca de setenta por cento da população.

Com o início da privatização das concessionárias de energia elétrica, coincidiu um processo de exclusão dos beneficiários da Subclasse “Tarifa Residencial Baixa Renda”.

O extinto Departamento de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), 2 Competências da Justiça Federal Comum, páginas 148/150.3 A chamada “Tarifa Social Baixa Renda”, em linhas gerais, implica em tarifação subsidiada pela União em favor do consumidor de menor poder aquisitivo, nos termos do Decreto 4.336/2002.

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através da Portaria nº 437, de 03 de novembro de 1995, alterou o inciso I do artigo 19 da Portaria DNAEE nº 222, de 22 de dezembro de 1987, possibilitou às concessionárias a apresentação de novos critérios de enquadramento na Subclasse Residencial Baixa Renda, em seu artigo 1º, inciso I, letra “b”, verbis:

“Residencial Baixa Renda – fornecimento para unidade consumidora residencial, caracterizada como “baixa renda”, nos programas especiais mantidos pela concessionária de serviço público de energia elétrica, em sua área de concessão. A caracterização das unidades consumidoras a serem enquadradas nesta subclasse deverá ser submetida pelas concessionárias à previa aprovação do DNAEE”.

A Portaria nº 437/95 do DNAEE, portanto, abriu prazo às concessionárias para que apresentassem propostas para a fixação de critérios para fins de enquadramento na Subclasse.

Posteriormente, a Portaria do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE - nº 261, de 16 de julho de 1996, considerou enquadráveis na Subclasse Residencial Baixa Renda apenas as unidades consumidoras da classe residencial que atendiam cumulativamente às seguintes condições: ligação monofásica; capacidade instalada de até 4,0 Kw; consumo de até 220 Kwh/mês e características de utilização objeto de norma específica da concessionária.

Desse modo, levando em consideração o interesse das concessionárias (e não o dos consumidores), foram adotadas medidas extremamente gravosas para a população de menor poder aquisitivo, ensejando a exclusão de milhões de consumidores em todo o País.

A ANEEL, diante da propositura de diversas ações civis públicas , manteve o panorama prejudicial ao consumidor, alterando apenas um dos requisitos de enquadramento na tarifa subsidiada, por meio da Resolução nº 196/2000, em seu § 1º, verbis:

“São consideradas enquadráveis na subclasse RESIDENCIAL BAIXA RENDA as unidades consumidoras da classe residencial que atendam cumulativamente as seguintes condições: ligação monofásica, carga instalada de até 6,2 Kw e consumo de até 220 kwh/mês”.

A Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, consagrou, mais uma vez, a Subclasse Residencial Baixa Renda em nosso ordenamento jurídico, em seu artigo 1º, § 1º, dispondo que as unidades consumidoras atendidas por

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meio de circuitos monofásicos, com consumo mensal inferior a 80 Kwh, ou cujo consumo se situe entre 80 e 220 Kwh/mês (desde que observados o máximo regional e outros critérios a serem definidos pela ANEEL), são integrantes da Subclasse Residencial Baixa Renda.

Com fundamento no dever estabelecido pelo dispositivo citado, a ANEEL, por meio da Resolução 485/2002, determinou quais os critérios a serem observados cumulativamente para a classificação das unidades consumidoras com consumo entre 80 Kwh e 220Kwh/mês na subclasse residencial baixa renda, quais sejam:

a) atendimento por circuito monofásico ou equivalente;

b) usuário inscrito no Cadastramento Único para Programas Sociais do Governo Federal, criado pelo Decreto nº 3877/2001, de 24 de julho de 2001;

c) usuário beneficiário dos programas “Bolsa Escola” ou “Bolsa Alimentação”, ou esteja cadastrado como potencial beneficiário destes programas;

d) renda mensal per capita da unidade consumidora máxima equivalente a meio salário mínimo definido pelo Governo Federal;

e) comprovação, junto à concessionária ou permissionária, da inscrição perante o Cadastramento Único nos Programas Sociais do Governo Federal, ou comprovação da condição de beneficiário ou potencial beneficiário dos programas “Bolsa Escola” ou “Bolsa Alimentação”;

f) renda familiar mensal per capita calculada de acordo com os critérios definidos no Decreto nº 4.102/2002.

A Resolução nº 609/2002 da ANEEL, por sua vez, protelou o início da vigência dos referidos novos pressupostos de enquadramento na Subclasse Residencial Baixa Renda para o dia 1º de abril de 2003, ao dispor, em seu art. 1º, o seguinte:

“Art. 1º. O caput do art. 4º da Resolução nº 485, de 29 de agosto de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 4º. Até 31 de março de 2003 fica mantido o benefício da tarifa social de baixa renda para os consumidores que atendam, alternativamente aos critérios de classificação anteriores á Lei nº 10.438, de 2002, ou aos novos critérios estabelecidos nesta Resolução”.

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Posteriormente, a ANEEL, mediante a Resolução nº 136/2003, manteve a aplicação dos critérios para enquadramento na Tarifa Residencial Baixa Renda anteriores à Lei nº 10.438, de 2002 até 30 de junho de 2003, nesses termos:

“Art. 1º. O caput do art. 4º da Resolução ANEEL nº 485, de 29 de agosto de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 4º. Até 30 de junho de 2003 fica mantido o benefício da tarifa social baixa renda para os consumidores que atendam, alternativamente aos critérios de classificação anteriores à Lei nº 10.438, de 2002, ou aos novos critérios estabelecidos nesta Resolução”

Mais uma vez, no entanto, foi alterado o art. 4º da Resolução nº 485/2002, de forma que restaram sem modificação os critérios para enquadramento na Tarifa “Baixa Renda” até a data de 31 de dezembro de 2003, in verbis:

“Até 31 de dezembro de 2003 fica mantido o benefício da tarifa social de baixa renda para os consumidores que atendam, alternativamente aos critérios de classificação anteriores à Lei nº 10.438, de 2002, ou os novos critérios estabelecidos nesta Resolução”.

Do exposto, a partir de 31 de dezembro de 2003 deu-se a exclusão maciça de milhares de consumidores da “Tarifa Residencial Baixa Renda”, por força dos critérios inconstitucionais e ilegais impostos pela Resolução nº. 485/2002.

Vale ressaltar que, mais uma vez, percebendo a inviabilidade e/ou dificuldade na comprovação dos requisitos postos pela Resolução 485/2002, resolveu, conforme orientação do Ministério de Minas e Energia, prorrogar o período para efetuá-la, para o dia 28 de Fevereiro de 2005, conforme nova Resolução Normativa de n.º76, da Aneel, nos seguintes termos:

Considerando que:

parcela significativa dos responsáveis por unidades consumidoras que podem fazer jus ao benefício da subvenção econômica da Subclasse Residencial Baixa Renda ainda não comprovou a respectiva inscrição no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal;

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por meio de Ofício n.º 1236/GM/MME, de 22 de julho de 2004, o Ministério de Minas e Energia recomendou a prorrogação do prazo para comprovação do cadastramento dos consumidores nos Programas Sociais do Governo Federal; e

em função das dificuldades para inscrição no referido cadastro e da aludida recomendação ministerial, necessário se faz a prorrogação do prazo anteriormente fixado em 31 de julho de 2004, resolve,

Art. 1º - Alterar a redação dos parágrafos 4º e 5º do art. 2º e do art. 4º da resolução n.º 485, de 29 de agosto de 2002”.

O que se nota, é a dificuldade dos consumidores de comprovar a situação, pois, não são fornecidos os documentos no momento da inscrição nos programas sociais do Governo Federal e também comprovantes de renda.

Do exposto, a partir de 28 de fevereiro de 2005 dará a exclusão maciça de milhares de consumidores da “Tarifa Residencial Baixa Renda”, por força dos critérios inconstitucionais e ilegais impostos pela Resolução nº. 485/2002.

...............

DA APURAÇÃO NO ÂMBITO DO MPF E DAS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DA ADOÇÃO DOS CRITÉRIOS IMPOSTOS PELA RESOLUÇÃO Nº 485/2002

Do histórico já se pode notar que a Resolução nº 485/2002, que veio a lume para regulamentar o art. 1º, § 1º, da Lei 10.438/2002, bem como os Decretos Presidenciais 3.877/2001, 4336/2002 e 4.102/2002 (todos em anexo) impuseram enormes restrições ao enquadramento do usuário na Subclasse “Tarifa Residencial Baixa Renda”.

Ante a clara injuridicidade da mencionada norma que acarretará a exclusão de diversas famílias da tarifa subsidiada, o MPF realizou procedimento investigativo para perscrutar em que consistiriam exatamente as ilegalidades e quais as suas conseqüências sociais.

Conforme depoimentos colhidos junto a este órgão, nos foi dito pelos consumidores que residem em imóveis classificados como Locações sociais, Cortiços, Cohab, dentre outros, o seguinte:

A Sra. Verônica Kroll, Coordenadora do movimento Fórum dos Cortiços e Sem Teto de São Paulo, aduz que, consumidores do cortiço da rua Lavapés, vivem em

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condições sub-humanas, muitos desempregados, com crianças, idosos e pessoas portadoras de deficiência, inclusive estão prestes a serem despejados. Estão tentando negociar a compra do bem com a CDHU, porém está muito complicada (doc .../ volume 1 da repres.).

Nessa linha a Sra. Maria Aparecida Pontes, também coordenadora desse mesmo movimento, vem solicitar providência para que a ELETROPAULO E A COMGÁS – à exemplo da SABESP – institua uma tarifa social a fim de que os moradores dos cortiços e dos condomínios construídos pela COHAB, SEHAB, CDHU E PAR- CEF- possam pagar as contas de gás e luz. Salienta que, “as faturas que chegam a esses consumidores têm valores astronômicos, maiores, até, do que as prestações que pagam pela propriedade ou locação”. E cita como exemplo: “ uma locação social de R$20,00 paga uma conta de luz igual ou superior a R$90,00.... A prestação de um apartamento é de R$110,00 e a conta de luz é de 170,00!”. Indignada, tal como nós do MPF, indaga: “De que adianta o governo subsidiar a moradia e não fazer o mesmo com as taxas de serviços sociais? E mais, denuncia que muitos moradores dos cortiços são compelidos a assinar os TOI´s, firmando termo de confissão - cuja a dívida assumida não podem pagar”( doc....).

Transcrevemos também o depoimento da Sra. Maria aparecida de Moura, que tem 60 anos, moradora do condomínio do programa de locação social, relata que, mora com sua filha, que é deficiente ( DM leve e epilepsia), num apartamento de 1(um) dormitório e, possui os aparelhos elétricos mínimos para sua subsistência, quais sejam: Chuveiro e televisão. Ademais, expõe que a primeira conta de luz vinda aos condôminos foi com valores absurdos; pediram explicações a Eletropaulo, quanto ao programa de “Baixa Renda” , sendo-lhes informado que não faziam jus a tal programa, pois a instalação do condomínio é bifásica (doc.....).

Nessa situação encontra-se vários moradores desses condomínios, sejam eles: A Sra. Josefa Severina de Lira; Sra. Maria Soares de Oliveira; Sra. Vanete Santos Silva; Sra. Maria Atanailda de Jesus Santos; Sra. Maria José Barbosa Sobral; Sr. Francisco Cardoso da Cruz; Sr. José do Egito da Silva Alves; Sr. Manoel José da Silva (doc..../ Volume 1 da reprs.)

Por fim, todos eles demonstram a dificuldade que passam, a renda

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mínima que auferem mensalmente- cerca de 01( um) salário mínimo-, que não é suficiente para as despesas básicas para um ser humano possa sobreviver dignamente, conduzindo-os a inadimplência e como conseqüência, o não acesso as condições essenciais do ser humano postas como fundamentos e objetivos na nossa Magna Carta- art. 1º, inciso III e art. 3º,incisos I, II, III e IV. E mais, ferindo também os direitos e garantias fundamentais, elencados no art. 5º, inc. III.

“In Verbis”:

Art. 1º, inc. III- a dignidade da pessoa humana.

Art. 3º, incs. I ao IV:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional;III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem estar de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º “ todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:

III- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. (grifo nosso).

Da reportagem publicada Nos Jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo

No ano de 2004 – dia 13 de maio - foi publicado uma reportagem no jornal Estado de São Paulo, salientando que, 54,6% dos beneficiários de programas sociais o classificam como de difícil acesso.

Já o jornal Folha de São Paulo, do dia 20 de março, traz dados do IBGE revelando que, “ quanto mais baixa a faixa de rendimento, maior a dificuldade de terminar o mês com dinheiro no bolso. Na parcela que ganha até R$ 400,00 95,2% das famílias tem algum tipo de dificuldade – 51,5% afirmaram ter muita dificuldade (...)”. E conclui: “ Outras 32,8% afirmam que, às vezes, flata comida. Para 13,83%, o alimento é normamlmente insuficiente. Ou seja: 46,63% têm algum grau de restrição alimentar. Segundo Marcelo Néri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), os dados indicam que existe mais gente em situação de pobreza do que se imagina”.

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Com efeito, é evidente que, por esses critérios, não se pode falar no cumprimento do princípio da universalização ( generalidade) do serviço para as camadas mais pobres da população (conf. Lei n° 8.987/95, art.6, § 1°), pois percebe-se que os programas sociais do governo não são seguros quanto ao alcançe de todos. No mais, não é seguro falar em baixa renda, tendo em vista as desigualdades regionais existentes dentro no nosso Estado, tomando em conta o custo de vida local.

DO MÉRITO

DOS REQUISITOS IMPOSTOS PELA RESOLUÇÃO Nº 485/2002 PARA ENQUADRAMENTO NA SUBCLASSE “TARIFA RESIDENCIAL BAIXA RENDA”.

A Resolução nº 485/2002, como visto, restringiu sobremaneira a possibilidade de enquadramento na “Tarifa Residencial Baixa Renda”, para os consumidores com gasto mensal de 80 Kwh a 220 Kwh, tendo em vista que instituiu, para enquadramento nesta Subclasse, os seguintes requisitos cumulativamente:

a) consumo mensal entre 80 e 220 Kwh, calculado com base na média móvel dos últimos 12 meses;

b) a unidade consumidora tem que ser atendida por circuito monofásico ou equivalente;

c) o consumidor esteja inscrito no cadastramento único para programas sociais do governo federal ou seja beneficiário ou esteja cadastrado como potencial beneficiário dos programas “Bolsa Alimentação”, ou “Bolsa Escola”;

d) a família do responsável pela unidade consumidora possua renda mensal “per capita” máxima equivalente a meio salário mínimo definido pelo Governo Federal, a ser comprovado quando do cadastramento;

d) comprovação, a ser feita pelo consumidor, junto à concessionária, do atendimento do previsto no item “c” e “d” acima.

Da natureza consumerista da prestação de serviço de energia elétrica

A empresa concessionária é fornecedora de serviço (essencial) aos usuários, que são consumidores, porquanto destinatários finais dos serviços. Assim, a relação é de consumo, sujeita às normas do CDC (arts. 2º e 3º do CDC).

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Ademais, trata-se de prestação de serviço público essencial sujeita à incidência de normas de direito público e aos princípios administrativos, como a legalidade, razoabilidade, modicidade das tarifas, adequação e universalidade da prestação.

Desse modo, é necessário verificar se a prática está ou não de acordo com os ditames do CDC e com a principiologia que embasa o direito público.

DAS PRÁTICAS ILEGAIS...... Os pressupostos arrolados no art. 2º,” § 1º e 2º ”, da Resolução nº

485/2002, são os seguintes, verbis:

“Deverá ser classificada na Subclasse Residencial Baixa Renda, sem prejuízo do que determina a Resolução nº 246, de 2002, a unidade consumidora que tenha consumo mensal entre 80 e 220 Kwh, calculado com base na média dos últimos 12 (doze) meses, e seja habitada por unidade familiar cujo responsável esteja apto a receber os benefícios financeiros do Programa Bolsa Família, do Governo Federal”

§1º Para receber o benefício da subvenção

econômica destinada à Subclasse Residencial Baixa Renda, o responsável pela unidade consumidora deverá estar inscrito no Cadastro Único do Governo Federal e enquadrar-se nas condições que o habilitem a ser beneficiário do Programa Bolsa Família, observando-se o respectivo período de transição e unificação a que se refere o § 2º deste artigo.

“§ 2º Até que seja concluída a unificação dos programas de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal e alcançado o objetivo de concessão de um único benefício por meio do Programa Bolsa Família, o responsável pela unidade consumidora deverá comprovar:”

I- sua inscrição no Cadastramento Único para Programas Sociais do Governo Federal, criado pelo Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001; ou

II-ser beneficiário do Programa Bolsa Escola,

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instituído pela Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001; ou

III- ser beneficiário do Programa Bolsa Alimentação, instituído pela Medida Provisória nº 2.206-1, de 6 de setembro de 2001; ou

IV- ser beneficiário do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002; ou

V- ser beneficiário do Programa Cartão Alimentação, instituído pela Medida Provisória nº 108, de 27 de fevereiro de 2003.

A exigência de comprovação do atendimento ao disposto nos incisos I a V do § 2º, feita pelo art. 2º, isto é, a exigência de comprovação da inscrição no Cadastramento Único dos Programas Sociais do Governo Federal, ou da condição de beneficiário nos programas “Bolsa Escola”; “Bolsa Alimentação”; “Auxílio-Gás” ou ainda beneficiário do Programa “Cartão Alimentação” afigura-se como de cumprimento inatingível, porquanto as Municipalidades não emitem comprovante de que o consumidor preenche tais requisitos.

Prova disto são as informações prestadas pelos municípios pertencentes a região de concessão da Eletropaulo à este órgão, conforme consta na representação de n.º 1.34.001.004547/2002-19 Anexo II de fls.138 a 237: Atente-se para os relatos de Mauá e demais municípios, verbis:

“Em relação a procedimentos para fornecimento de comprovantes aos usuários de baixa renda, tendo em vista Resolução da Aneel, entendemos que para as famílias integrantes dos programas já implantados, as mesmas possuem o cartão com o número de Identificação Social, cujo apresentação comprova inicialmente sua condição de apta ao benefício. Para as que estão e serão incluídas no Cadastro Único, e ainda não beneficiárias destes programas, com a possibilidade agora de acesso aos dados pelo município é possível emitir declaração de que a mesma está no Cadastro Único. (grifo nosso)”.

O que se pode observar nesse caso, é que as pessoas já

beneficiadas tem condições de provar, por meio do cartão. E daí surge a seguinte indagação: E as que estão e serão incluídas? O que fazer? Sim, porque a prefeitura salienta que é possível a emissão da declaração, mas

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não a faz. Diante disso percebemos a magnitude de pessoas/ famílias que ficam excluídas do programa “Tarifa Residencial de Baixa Renda” (fls. 140 da repr.).

E dessa maneira se dá em quase ou praticamente todos os municípios da concessão da Eletropaulo, como se pode observar às fls. 140 à 237.

“Quanto ao município de Rio Grande da Serra, a prefeitura coloca que “A Secretaria de Cidadania e Ação Social conforme requisição das pessoas, através das Assistentes Sociais realizará cadastramento, visistas e relatórios sociais que comprovem a baixa renda dos requerentes e só então fornecerá os comprovantes.”

Mais um descaso com a população, pois até o devido cadastramento quantas pessoas ficarão excluídas do programa? E as que já fizeram ou estão cadastradas, de acordo com as informações, entende-se que não possuem comprovantes ( fls 147 da repr.).

O Município de Embú, traz a seguinte informação:

“ O município fornecerá comprovantes aos usuários de baixa renda, conforme a procura no Plantão Social”

Isso só comprova que esse município no momento do cadastramento não fornece documento algum ao usuário, que não possui orientação para requerê-lo. (Fls. 167 da Representação supra)

No município de São Paulo – 4ª maior capital do mundo, que possui cerca de 10 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE- considera-se o exemplo mais gritante do descaso com a população de menor poder aquisitivo, observe quanto a este item:

“ Quanto a Resolução da Aneel nº 485 de 29/08/02 cumpre destacar que os programas/serviços desenvolvidos por esta secretaria ( Secretaria Municipal de Assistência Social) não correspondem aos critérios estabelecidos pelo rol do artigo 2º. da Resolução da Aneel nº. 485, de 29 de agosto de 2002, a qual determinou às concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica que implementassem o programa da Tarifa Baixa Renda, não havendo, portanto, comprovante de cadastro a ser fornecido por esta Pasta para concessão do benefício previsto na aludida Resolução”.

Prefeitura de Santana do Parnaíba, apresenta a seguinte informação:

“ Não temos um procedimento firmado”.

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No município de Taboão da Serra, a secretaria do Bem-Estar Social, esclarece que (fls.176 da rep. Anexo II):

“ não dispomos de acesso ao sistema para inclusão de novos cadastros”.

Itapecerica da Serra, salienta que:

“ O município enviará a Aneel listagem oficial das pessoas/familias devidamente cadastradas nos programas sociais do Governo Federal para que obtenham os benefícios decorrentes da Resolução 485 de 29 de agosto de 2002”.

O que significa que se não houvesse a provocação por parte do MPF, isso não ocorreria, continuando a população que tem direito ao benefício garantido sem usufruí-lo, agravando ainda mais sua situação.

Em Diadema a situação não é muito diferente, vejamos:

“ O município desde janeiro de 2003, vem construindo banco de dados com mais de 5000(cinco mil) questionários, referente ao Programa Bolsa Transporte, de gratuidade ao transporte público. A partir da sistematização desses dados, que tem sido realizada manualmente, há possibilidade de migração dos mesmos para outros sistemas.

Até quando a população que está extremamente necessitada terá que esperar para ter direito ao programa? Fica a indagação.

Outro requisito, previsto na Resolução nº 485/2002, concernente à renda mensal per capita máxima equivalente a meio salário mínimo definido pelo Governo Federal, a ser comprovado quando do cadastramento, reduz o universo de beneficiários apenas a quem se encontra em estado de miséria.

Como se não bastasse, a Resolução, em tais dispositivos, além de

inverter o ônus da prova, acarreta grande dificuldade ao consumidor para comprovação do cumprimento de tais requisitos, pois na maioria não há emissão de comprovante (vide informações transcritos) que o usuário ostenta as condições referidas no art. 2º, §2º e seus incisos, e é excessivamente difícil a prova quanto à renda familiar mensal mínima. Assim, há clara ofensa ao disposto no art. 6º, inciso VIII, do CDC, face à não facilitação das provas a cargo do usuário.

Igualmente, os dispositivos da Resolução que dificultam a prova a ser feita pelo hipossuficiente são ilegais, porque atritam com o art. 6º,

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inciso VIII, do CDC, e, desse modo, devem ceder por ilegais. Veja-se o teor do artigo citado da lei protetiva, litteris:

“São direitos básicos do consumidor:

(...) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil, a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”.

Ante o exposto, conclui-se pela invalidade jurídica do art. 2º, § 1º e 2º, incisos I a V, da Resolução nº 485/2002 da ANEEL.

Da ilegalidade do critério da ligação monofásica

A exigência de ligação monofásica para fins de enquadramento na “Tarifa Residencial Baixa Renda” imposta pelo artigo 1º, § 1º, da Resolução nº 485/2002, contrasta com a ratio legis da Lei 10.438/2002, qual seja, a de proporcionar a solidariedade social, reduzir as desigualdades sociais e respeitar a dignidade humana.

Deveras, não há, mesmo hipoteticamente, qualquer possibilidade de que se estabeleça nexo causal entre a existência de ligação monofásica e a realização dos aludidos objetivos da Lei 10.438/2002.

Noutros termos: a utilização de ligação monofásica ou equivalente não gera redução das desigualdades sociais, inobserva a dignidade humana e não fomenta a solidariedade social.

O critério tem como objetivo exclusivo reduzir o universo de consumidores beneficiados, tanto que não guarda relação lógica com a necessidade de se impor limite de consumo aos usuários. Ademais, estando implantada a ligação bifásica, a sua manutenção não acarreta nenhum ônus adicional para a concessionária, tampouco implica em aumento de consumo.

Assim, o critério da existência de ligação monofásica ou equivalente, previsto no art. 1º, §§ 1º e 2º da Resolução nº 485/2002, não deve ser observado, por estar em desconformidade com a teleologia da Lei nº 10.438/2002.

Da inconstitucionalidade do art. 2º,§1º e 2º, inciso I a V, da Resolução nº 485/2002 da ANEEL

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A Constituição Federal prevê que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, dentre outros que arrola, a dignidade humana. O texto constitucional, em seu artigo 3º, preceitua que são objetivos fundamentais da nossa República a solidariedade social e a redução das desigualdades sociais.

Os dispositivos, pela só circunstância de constarem do texto constitucional, possuem eficácia jurídica. Assim, no mínimo, têm eficácia paralisante de criação de normas que contrastem com seu sentido, além de servirem como norte exegético, de observância necessária pelo intérprete, legislador e aplicador do direito.

Assim, tendo em vista seu inegável valor jurídico, devem ser respeitados, sob pena de inconstitucionalidade, os princípios da dignidade humana, da redução das desigualdades sociais e da solidariedade social.

Pois bem. Analisemos, agora, o caso concreto. Cotejando-se o texto do art. 2º,§1º e 2º, inciso I a V, da Resolução nº 485/2002, com os princípios constitucionais referidos, e tendo presente as lições acima expostas, verifica-se a inconstitucionalidade material, mácula que imprescinde de manifestação judicial para sua sanação.

Trataremos especificadamente de cada uma das inconstitucionalidades.

Os dispositivos infraconstitucionais sob análise, ao imporem requisitos que reduzem substancialmente a possibilidade de enquadramento na “Tarifa Residencial Baixa Renda”, conflitam com o princípio da dignidade humana, pois, ao estabelecerem o aumento na tarifa de energia elétrica e a redução por volta de 90% no número de beneficiários, acarretam risco efetivo de suspensão de fornecimento do serviço essencial por absoluta inadimplência.

Por outro lado, a Resolução, mediante os dispositivos citados, ao excluir aproximadamente 140.000 mil unidades consumidoras (leia-se famílias), ou melhor, em torno de quinhentas e sessenta mil pessoas de baixo poder aquisitivo dentro do universo dos beneficiários da tarifa subsidiada, fere também o princípio da solidariedade social e da redução das desigualdades sociais, constantes do art. 3º da CF.

Mas não é só.

Há mais uma incompatibilidade vertical. Os dispositivos questionados, por imporem aumento relevante na tarifa de serviço essencial agravam a situação econômica dos mais pobres, ou seja, dos atualmente incluídos na “Tarifa Baixa Renda” e que estão na iminência de perder tal direito. Portanto, também por essa razão tais dispositivos

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ofendem aos princípios constitucionais da solidariedade social e da redução das desigualdades sociais

A “Tarifa Social Baixa Renda”, nos moldes em que foi consagrada pelo art. 1º, § 1º, da Lei 10.438/2002, propiciava ambiente fecundo para a solidariedade social e redução das desigualdades sociais, de modo a que a União ao subsidiar parcela da tarifa, transfere os ônus suportados pelos hipossuficientes economicamente a toda a sociedade, de tal forma que todos contribuam de maneira ínfima em benefício dos usuários de baixo poder aquisitivo, tornando efetivo o mandamento constante do artigo 3º, incisos I e III, da Carta Magna.

A questão que se coloca é que a ANEEL ao regulamentar o referido dispositivo legal por meio da Resolução 485/2002, não respeitou o texto constitucional e, como visto anteriormente, sequer o Código de Defesa do Consumidor.

Em epítome final: o artigo 2º, §1º e 2º, inciso I a V da Resolução nº 485/2002 da ANEEL, é incompatível com os princípios previstos nos arts. 1º, inciso II; 3º incisos I e III, da Constituição Federal, motivo pelo qual devem ser suspensas a eficácia e a aplicabilidade, mediante controle difuso, incidental, de constitucionalidade.

Das ações similares

Além das razões já expostas, cumpre-nos informar a Vossa Excelência a posição da 1ª Vara Federal de Marília/SP e do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região quando da prolação de decisões sobre litígios análogos ao da presente ação civil pública.

A Justiça Federal de Marília/SP, nos autos nº 1999.61.11.006237-9, concedeu medida liminar declarando a nulidade da Portaria nº 261/96, cujo teor não é muito diferente da Resolução nº 485/2002, determinando que as rés – CPFL e ANEEL – restabelecessem os critérios adotados pelas Portarias DNAEE 437/95 e 470/95, isto é, que o consumo fixado pela “Tarifa Baixa Renda” se limitasse à apenas um critério, qual seja, consumo máximo de até 220Kwh.

Referida liminar foi inteiramente acolhida em sentença, confirmando, assim, “a invalidade da Portaria DNAEE nº 261/96, pela violação ao princípio constitucional da moralidade (ao contrariar os motivos expostos), bem como sua ilegalidade (com base no art. 51, IV e X, Lei nº 8.078/90”.

Demais disso, em ação cautelar (nº 2001.03.00.014798-0) ajuizada pela CPFL em face do Ministério Público Federal, com o objetivo de impor efeito suspensivo ao recurso interposto contra a decisão de procedência

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na ação civil pública acima referida, o Tribunal Regional da 3ª Região, manteve a sentença de primeira instância no que se refere ao cumprimento imediato da mudança do critério “Tarifa Baixa Renda” como dantes.

Na mesma teia a Defende – Associação de Defesa e Proteção dos Direitos do Cidadão- propôs Ação Civil Pública de n.º: 2004.61.05.004277-0, em face da Elektro Eletricidade e Serviços S/a e Agência Nacional de Energia Eletrica – ANEEL, com objetivo de proteger interesses dos pequenos consumidores de energia elétrica (famílias de pequeno poder aquisitivo). Argumenta ser ilegal a regulamentação da forma como está hoje, por excluir do benefício, um imenso número de pequenos consumidores de energia, em descompasso com as prescrições legais.

Essa ação versa sobre renda per capta familiar, requerendo que seja superior a um salário mínimo vigente no país ou mantendo como critério único a faixa de consumo entre 80 e 220 Kw/h.

A Ação teve como resultado, a suspensão liminarmente dos efeitos do art. 1º da Resolução 694/2003 da Aneel que modificou a redação da Resolução n. 485/2002, quanto às exigências de comprovação de ter o beneficiário consumidor e sua família renda per capta mínima menor de R$100,00 ou de ser beneficiário dos demais programas de assistência previstos naquela Resolução, para fins da configuração da “Subclasse Residencial de Baixa Renda”, nos termos da lei 10.438/2003 (doc anexo).

No mesmo sentido a Pro Teste juntamente com a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - Procon, insurgiram contra a União Federal e a Aneel, quanto aos critérios estabelecidos na Resolução 485/2002 e 694/2002, aduzindo que tais critérios postos nessas resoluções ferem a Magna Carta, nos princípios elencados nos art. 1º e 3º, quais sejam: Art. 1º inc. III- a dignidade da pessoa humana; Art. 3º incs. I, II, III, e IV. Essa, teve a medida liminar concedida com a seguinte fundamentação:

“ Ora, em sede de exame sumário da causa é plausível o direito afirmado pelos autores. Isso porque, as limitações estabelecidas pela Aneel, na Resolução n.º 694/2003, são desproporcionais e pouco razoáveis, tendo em conta a realidade brasileira”.

“ Destarte, se o legislador constituinte consignou como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade solidária, buscando erradicar desigualdades sociais e regionais, vê-se, pois, que o critério estabelecido pela Resolução n.º 694/2003 – Aneel peca por violar essas normas programáticas, e ainda exigência de serviço adequado, na modalidade generalidade,

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assim como restringe, demasiadamente, o universo daqueles que se enquadram no perfil sócio-econômico estabelecido na Lei n.] 10.438/2002”. (Doc ...anexo/ pag. 337 da repr.anexoIII.)

Da Ação movida pela Eletropaulo em face da Aneel

A Eletropaulo no ano de 2000, insurgiu via Mandado de Segurança n.º: 2000.34.00.001075-4/DF contra ato praticado pelo Diretor-Geral da Agência Nacional de Energia Elétrica- Aneel, por não aprovar seus requisitos para classificação dos consumidores residenciais no programa da Subclasse Residencial Baixa Renda, em função dele (diretor) considerar que, para aprovação deveria haver a revisão tarifária (conf. relatório anexo do julgamento da apelação, fls. 03, do Juiz Relator Dr. Daniel Paes Ribeiro) – que contratualmente só haveria em junho de 2003.

Salienta a Eletropaulo que, de acordo com a resolução editada pelo

DNAEE (substituído pela ANEEL)– Resolução n.º 437 de 03 de novembro de 1995 – caberia às concessionárias definirem os critérios para classificação das pessoas de baixo poder aquisitivo no programa Subclasse Residência de Baixa Renda. Assim, tanto a Eletropaulo, como as outras concessionárias fizeram, enviando suas propostas para aprovação do referido órgão. As outras tiveram seus requisitos todos aprovados, mas a Eletropaulo não, tendo que reformular seu pedido e, fazendo isso, novamente teve-os rejeitados, com a justificativa de que, para tal aprovação era condição “sine qua non” a revisão tarifária.

Ocorre que, nesse lapso temporal, houve a desestatização da empresa – conforme contrato de concessão n.º 162/98. Esse prevê que a revisão ocorra a cada 4 (quatro) anos, sendo estipulada a próxima no ano de 2003, ou seja, não caberia revisão naquele momento. E mais, a revisão tem como intuito o restabelecimento do Equilíbrio-Econômico-Financeiro, o que sanaria qualquer desequilíbrio que pudesse ocorrer com a implantação dos requisitos postos pela eletropaulo.

A Eletropaulo então, impetrou o mandamus, contra a ANEEL, pedindo liminarmente o estabelecimento dos requisitos sem que precisasse ter a revisão tarifária requerida pela ANEEL. Teve seu pedido liminar indeferido na 1ª instância e, não conformada da referida decisão, interpôs Agravo de Instrumento, que deferiu liminarmente a segurança e após o julgamento, também teve seu pedido indeferido, recorreu então, por meio de Apelação e, nesse momento teve a segurança concedida - para aplicação de seus critérios, sem a necessidade da revisão supra citada.

Nota –se do julgado que, o que se discute é a aplicação da revisão tarifária antes do prazo acordado no contrato de concessão, para a caracterização dos consumidores de Baixa Renda, não os requisitos

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postos pela Eletropaulo – que como por ela dito, já estavam praticamente aprovados. Isso leva-nos a perceber que a coisa julgada se relaciona com a não aplicação da revisão, aceitando os requisitos ali postos.

Vale ressaltar, que com advento da lei 10.438/2002, que passou a regular a classificação das pessoas de baixo poder aquisitivo para ingresso no programa da Subclasse Residencial de Baixa Renda e posteriormente as resoluções, 246/2002, 485/2002 e 694/2003 da ANEEL, alterou-se os critérios de classificação, tendo a Eletropaulo que ater-se a esses novos requisitos.

Na decisão supra citada já admitia o enquadramento de moradias com circuito bifasico, moradias populares, cortiços, dentre outros e não tinha necessidade de estar cadastrados em programas socias. Hoje percebemos que esses requisitos impedem claramente o acesso de várias pessoas/famílias ao benefício, tendo em vista que, a comprovação desses (programas sociais) é praticamente impossível, pois não são fornecidos protocolo de inscrição aos cadastrados, e mais, poucos sabem desses programas.

DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

DA OCORRÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA

No caso em apreço, como se nota dos itens precedentes, é manifesta a verosimilhança da alegação quanto aos fatos que figuram como causas de pedir da presente ação.

Deveras, diante do exposto nos itens precedentes, chega-se a juízo positivo de probabilidade de procedência do pedido.

Ademais, a alteração dos critérios para adequação à “Tarifa de Baixa Renda” acarreta aumento tarifário indireto, o que ocasiona grande possibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica, devido à prática das concessionárias que bloqueiam o fornecimento de energia elétrica em caso de inadimplência.

Assim, ante a iminência de suspensão da prestação de serviço essencial em decorrência do inevitável aumento nas contas de energia elétrica dos hipossuficientes economicamente, há risco de danos de difícil reparação.

Com efeito, é infindável a lista de possibilidades de danos de variados matizes, irreparáveis ou de difícil reparação, decorrentes de

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medida tão gravosa como a eliminação de aproximadamente 140.000 famílias da “Tarifa Subclasse Residencial Baixa Renda”.

Exemplificativamente, pode-se citar a possibilidade de prejuízos em residências, como decorrência de deteriorações de produtos perecíveis (alimentos ou medicamentos) armazenados em refrigeradores, em conseqüência do possível corte de fornecimento.

O simples aumento na tarifa gera privações ao consumidor de menor renda que deverá disponibilizar maior numerário para o pagamento da conta de energia elétrica em detrimento de outras necessidades vitais da família (conta de água, alimentos, roupas medicamentos e outros).

Anote-se, outrossim, que não há perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

Com efeito, a concessão da tutela apenas faz com que a União, e não o usuário, efetue o pagamento da diferença entre o valor que seria devido pelo usuário sem o enquadramento e o valor a ser pago com o enquadramento. Em qualquer caso, portanto, é indiferente para a Eletropaulo, pois ela receberá o mesmo valor, tanto numa como noutra situação.

O eventual prejuízo que ocorreria para a União com o subsídio ao hipossuficiente economicamente, caso o antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional não se confirme, também seria plenamente reparável, mediante tarifação posterior.

A antecipação de tutela, isto sim, se apresenta como indispensável para cessar as referidas práticas lesivas aos consumidores.

Doravante, trazemos à colação a lição de Araken de Assis, em sua obra “Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela”, Ed. Revista dos Tribunais, p. 30, verbis:

“a verossimilhança exigida no dispositivo se cinge ao juízo de simples plausibilidade do direito alegado em relação à parte adversa. Isso significa que o juiz proverá com base em cognição sumária”.

Assim, o juízo de verossimilhança reside num juízo de probabilidade, resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta.

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Mister analisar que na ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior já que ela visa tutelar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens da vida de toda sociedade, como ocorre no presente caso.

No que diz respeito à eventual concessão dos efeitos da tutela jurisdicional vale destacar, ainda, a lição de José Joaquim Calmon de Passos, em “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume III, pp. 22 e 23, ao arrolar os pressupostos da antecipação da tutela no processo civil:

“19. Pressupostos da antecipação da tutela – Reclama o caput do art. 273 que o juiz, para antecipar a tutela, disponha, nos autos, de prova inequívoca que alicerce seu convencimento sobre a verossimilhança da alegação do autor (pressuposto comum básico) e a isso se soma uma das seguintes situações: a) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; b) fique caracterizado o abuso do direito de defesa; ou c) o manifesto propósito protelatório do réu”.

Mais adiante, na mesma obra, p. 23, o renomado autor define prova inequívoca, para fins de aplicação do instituto, verbis:

“Prova inequívoca é a do fato título da demanda (causa de pedir) que alicerça a tutela (pedido) que se quer antecipar. E essa prova inequívoca não precisa conduzir à certeza, no que diz respeito ao convencimento do magistrado, suficiente, sendo, a verossimilhança”.

Desse modo, o legislador no intento de abrandar o sentido da expressão “prova inequívoca”, aludiu à “verossimilhança da alegação”.

Contornando a aparente antinomia, entende-se, hodiernamente, em doutrina e jurisprudência, de forma pacífica, que a conjugação dos dois conceitos (prova inequívoca e verossimilhança da alegação) implica na concepção de que, para o adiantamento da tutela, faz-se necessário à probabilidade de existência do direito pretendido.

Nesse sentido o escólio de João Batista Lopes, em “Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro”, p. 59, litteris:

“É curioso notar que o próprio legislador, preocupado com as conseqüências da expressão

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“prova inequívoca”, cuidou de abrandá-la, ao aludir à verossimilhança da alegação.

O cotejo entre prova inequívoca e verossimilhança da alegação leva à conclusão de que, para a obtenção da tutela antecipada, é bastante a prova segura dos fatos, de que exsurja a probabilidade do direito pretendido” (destaque nosso).

Atentando para os fatos e conjugando-os com os requisitos para a antecipação da tutela jurisdicional, conclui-se: encontram-se provados a probabilidade do direito pretendido e o fundado receio de dano de difícil reparação, assim como o provimento a ser antecipado é reversível.

Importa ressaltar que o instituto que se pretende ver aplicado é instrumento valioso na busca de efetividade do processo, a fim de que se possa sentir, de modo eficaz na realidade da vida prática dos litigantes a prestação jurisdicional.

DO DESCABIMENTO DA PRÉVIA OITIVA DO REPRESENTANTE LEGAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA

A Lei 8.437/92, em seu art. 2º, dispõe, verbis:

“No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas”.

A Lei 9.494/97, a seu turno, preceitua:

“Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 462 do Código de Processo Civil o disposto no parágrafo único e 7º da lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de junho de 1992”.

Realmente, as normas citadas preceituam que se deveria proceder à oitiva do representante da pessoa jurídica de direito público em casos deste matiz.

O referido diploma legal, todavia, deve ser interpretado conforme a

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Constituição Federal, em consonância, dentre outros princípios, com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional em seu sentido material, como direito ao processo justo, efetivo e tempestivo.

Nessa ordem de idéias, a necessidade de oitiva deve ceder em situações nas quais a urgência que o caso exige e a verossimilhança da alegação tornam postergável a realização do contraditório, para evitar prejuízos muito mais graves ao direito material que se pretende proteger.

Conciliando-se o princípio do contraditório com o do acesso ao Judiciário em seu sentido material, conclui-se que, em situações como a vertente, em que não é prudente esperar a providência reclamada pela Lei 8.437/92, não há nulidade por ausência de contraditório, vez que se concederá à parte oportunidade para manifestação, a posteriori.

É cediço que, para fins de tempestividade do processo, pode o contraditório ser diferido, sem que nulidade ocorra, em homenagem à instrumentalidade e efetividade do instrumento de atuação da jurisdição.

A Lei 8.437/92, em seu artigo 2º, não estabeleceu ao Poder Judiciário, ainda que assim desejasse o Poder Executivo, dever de natureza absoluta quanto à obrigatoriedade de manifestação prévia da pessoa jurídica de direito público para eventual antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pleiteada.

O mencionado diploma legal consagrou uma regra para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional; entretanto, quando o lapso temporal dispensado à manifestação do ente público no caso concreto, potencialmente, acarretar prejuízos maiores ao direito material pleiteado comparativamente à ausência de prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, não se aplica o mandamento do art. 2º da Lei 8.437/92, sob pena de transformar em “letra morta” o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da CF.

Apenas a título exemplificativo, vejamos mais um caso, além do presente, que se adequa à interpretação conforme a Constituição do artigo 2º da Lei 8.437/92.

Parece-nos que as respostas a essas questões apenas nos permitem concluir que o art. 2º da Lei 8.437/92 não estabeleceu regra absoluta, mas sim diretiva ao Poder Judiciário que diante da grandiosidade e complexidade do caso concreto poderá decidir, seguindo o critério da interpretação conforme a Constituição, pela necessidade ou desnecessidade da prévia manifestação do Poder Público para o fim de antecipação de tutela jurisdicional.

Sobre a possibilidade de diferimento do contraditório em

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homenagem à efetividade processual, Humberto Teodoro Júnior, em “Curso de Direito Processual Civil”, 1º volume, pp. 24/25, litteris:

“Enfim, quando se afirma o caráter absoluto do princípio do contraditório, o que se pretende dizer é que nenhum processo ou procedimento pode ser disciplinado sem assegurar às partes a regra da isonomia no exercício das faculdades processuais. Disso não decorre, porém, a supremacia absoluta e plena do contraditório sobre todos os demais princípios. O devido processo legal, síntese geral da principiologia da tutela jurisdicional, exige que o contraditório, às vezes, tenha de ceder momentaneamente a medidas indispensáveis à eficácia e efetividade da garantia ao processo justo. Assim, no caso de medidas liminares (cautelares ou antecipatórias) a providência judicial é deferida a uma das partes antes da defesa da outra. Isto se admite, porque sem essa atuação imediata da proteção do interesse da parte, a eficácia do processo se anularia e a garantia máxima de acesso à tutela da justiça restaria frustrada”.

Especificamente quanto à medida prevista na Lei 8.437/92, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, op. cit., pp. 1531/1532, sustentam a possibilidade de sua não realização, em caso de iminente perecimento de direito, verbis:

“Quando houver ameaça de iminente perecimento de direito, avaliando o juiz que não dá para esperar as 72 horas para a manifestação do requerido, pode conceder a liminar inaudita altera parte”.

Tendo presente essas idéias, verifica-se que, in casu, não haveria ofensa ao princípio do contraditório, que seria apenas diferido. Aplica-se, isto sim, em sua inteireza, os princípios do devido processo legal e do acesso ao Judiciário em seu sentido material.

No caso concreto, ante as graves conseqüências sociais que podem advir da demora na prestação jurisdicional, como a suspensão do fornecimento de energia elétrica e o aumento desproporcional de despesas inevitáveis e necessárias a faixas da população de baixa renda , afigura-se prudente a antecipação de tutela sem ouvida da parte contrária.

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Aduza-se, por oportuno, que diante da robusta prova trazida aos autos com a presente inicial, o julgamento deve versar apenas sobre matéria de direito, pelo quê é prescindível a dilação probatória para que o douto magistrado forme seu convencimento.

Ante o exposto, é forçoso que se conclua pela desnecessidade, no presente caso concreto, da prévia oitiva do representante legal da pessoa jurídica de direito público.

Do pedido

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer se digne Vossa Excelência determinar:

a) a condenação da ELETROPAULO – e da ANEEL à obrigação de fazer consistente no enquadramento de todos os consumidores que tenham consumo mensal de até 220 Kwh na Subclasse “Tarifa Residencial Baixa Renda”; por se tratar do único requisito exigido pela Resolução 485/2002, em consonância com o nosso ordenamento jurídico;

b) a condenação da ELETROPAULO na obrigação de fazer consistente na devolução dos valores pagos pelos consumidores que excedam os critérios estabelecidos pela “Tarifa Residencial Baixa Renda”, desde que tenham consumo de até 220 Kwh, os quais tenham sido excluídos da referida tarifa por força da Resolução 485/2002;

c) seja aplicada multa cominatória a ELETROPAULO, em razão de cada cobrança utilizando critérios que excedam os estabelecidos pela “Tarifa Residencial Baixa Renda” dos consumidores com consumo de energia elétrica mensal de até 220 Kwh, com fundamento no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor c/c art. 461, §§ 3º e 4º do CPC, no valor de R$ 10.000,00 ( dez mil reais) ao Fundo mencionado no art. 13 da Lei 7.437/85;

d) sem prejuízo da multa cominatória pleiteada no item “c”, que seja aplicada a ELETROPAULO multa da mesma espécie por cada cobrança mensal feita a consumidor que apresente consumo mensal de até 220 Kwh, com fundamento no art. 84 do CDC c/c art. 461, §§ 3º e 4º do CPC, no valor de R$ 10.000,00 ( dez mil reais), dessa feita em benefício de cada consumidor individualmente lesado;

e) a condenação da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – à obrigação de fazer consistente em fiscalizar a regularidade do fornecimento de energia elétrica nos municípios da Subseção Judiciária de São Paulo e os municípios da Grande São Paulo, que fazem parte da

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concessão da Eletropaulo, verificando se está sendo observado como critério único de classificação para a “Tarifa Residencial Baixa Renda” o consumo mensal de até 220 Kwh pelas concessionárias, bem como comunicar ao Ministério Público Federal acerca de eventual desrespeito à determinação contida no item “a”, com fundamento nos artigos 2º, 3º e incisos da Lei 9.427/96;

f) a concessão da antecipação de tutela, inaudita altera pars, no que toca aos provimentos pleiteados nos itens anteriores, nos moldes colocados pelos arts. 273 e 461, §§ 3º e 4º, do CPC.

g) a citação das entidades rés para que apresentem contestação, sob pena de sofrerem os efeitos da revelia, nos termos do art. 319 do CPC;

h) a produção de todas as provas admitidas em direito.Dá-se à causa para os efeitos legais o valor de R$ 10.000.000,00

(dez milhões reais).

Termos em que,

Pede-se deferimento.

São Paulo, de fevereiro de 2005.

Dra. Inês

Procuradora da República

V. DA DESNECESSIDADE DE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA DA UNIÃO

Toda matéria ora trazida a Juízo foi objeto de reunião e de troca de ofícios entre as partes, especialmente entre o Ministério Público Federal e o MAPA. A representação nº 1.34.001.004079/2003-55, cuja cópia integral está juntada aos

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autos, traz todas as manifestações do Ministério da Agricultura sobre o assunto. Mesmo após finalizados os trabalhos do Grupo de Trabalho que reavaliou as substâncias antimicrobianas, dentre as quais o Carbadox, a posição do Ministério da Agricultura foi sempre pela manutenção dos registros de Carbadox existentes, pelo prazo de 3 (três) anos e pela apresentação de novas evidências que descartassem os efeitos carcinogênicos dessas substâncias para a concessão de novos registros, nos termos do Of. Nº 10008/GAB/SARC/MAPA, de 08/10/04.

Certamente, não haverá mudança de posicionamento do Ministério da Agricultura. O prazo de justificação prévia serviria apenas para protelar uma decisão de extrema importância para a população, que está exposta a riscos desnecessários à sua saúde, com a permissão do Carbadox no país.

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