ex-alunos negros cotistas da uerj: os desacreditados e o sucesso

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Daniela Frida Drelich Valentim

Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientador: Profª Vera Maria Ferrão Candau

Rio de Janeiro Março de 2012

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Daniela Frida Drelich Valentim

Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª Vera Maria F. Candau Orientadora

Departamento de Educação - PUC-Rio

Prof. Marcelo Gustavo Andrade de Souza Departamento de Educação - PUC-Rio

Profª. Denise Pinni Rosalem da Fonseca Departamento de Serviço Social - PUC-Rio

Profª. Hedy Silva Ramos de Vasconcellos

Departamento de Educação - PUC-Rio

Prof. Ahyas Siss UFRRJ

Profª. Elizabeth Fernandes de Macedo

UERJ

Profª Denise Portinari Coordenadora Setorial do Centro de

Teologia e Ciências Humanas

Rio de Janeiro, 12 de março de 2012.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Daniela Frida Drelich Valentim

Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1986) e em Pedagogia pela mesma universidade (2002). Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2005). Foi bolsista do CNPq e atualmente é bolsista por mérito, Nota 10 da FAPERJ. Há nove anos é pesquisadora do grupo de Estudos Sobre Cotidiano, Escola e Cultura(s) coordenado por Vera Candau (PUC-Rio). Tem experiência na área de Educação, nos cursos de pedagogia e licenciaturas, nas disciplinas: Didática, Avaliação, Docência do Ensino Superior e Educação em Direitos Humanos. Tem pesquisado principalmente os seguintes temas: ação afirmativa, política de cotas da UERJ, multi/interculturalidade, direitos humanos e didática. danielavalentim@yahoo.com.br

Ficha Catalográfica

CDD: 370

Valentim, Daniela Frida Drelich Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico / Daniela Frida Drelich Valentim ; orientadora: Vera Maria Ferrão Candau. – 2012. 234 f. ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 2012. Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Ensino superior. 3. Ações afirmativas. 4. Cotas. 5. UERJ. 6. Afro-descendentes. 7. Negros. 8. Diversidade cultural. I. Candau, Vera Maria Ferrão. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.

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Agradecimentos

À minha orientadora, Profª Dra Vera Maria Ferrão Candau, que me acolheu novamente como orientanda e dividiu comigo as dúvidas, desafios e conquistas que me possibilitaram, além do privilégio de realizar esta tese, ressituar minha própria identidade.

À minha mãe, pelo amor incondicional renovado diariamente, que me dedica.

Ao meu falecido pai, pelo exemplo de compromisso com a família.

Ao meu filho, por ter estado ao meu lado, estimulando meus estudos e conclusão desta pesquisa.

Ao CNPq e à FAPERJ pelas bolsas concedidas, sem as quais esta tese não se concretizaria.

Às amigas Adélia Maria Nehme Simão e Koff e Cláudia Hernandez Barreiros Sonco: não tenho palavras para agradecer-lhes as incontáveis horas de dedicação e paciência ao lado de uma “ansiosa de carteirinha”.

À Carmem Lemos por ter me guiado em momentos nebulosos.

À Profª Dra. Claudia Miranda pela sua inestimável ajuda na busca pelos sujeitos dessa pesquisa.

À Profª Dra. Jône Carla Baião pela revisão do texto.

Aos Profs. Drs. Ahyas Siss e Denise Pinni Rosalem da Fonseca pelas leituras atenciosas dos textos dos Exames de Qualificação e por suas observações, sugestões e alertas feitos com carinho e confiança.

Aos amigos do Gecec – Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s), pelos estudos realizados em conjunto.

Aos meus alunos que, com seus saberes e ainda-não-saberes, tanto me ensinam.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, pela generosidade da acolhida e pelas muitas contribuições que se fazem presentes neste trabalho.

À banca examinadora: Dr. Ahyas Siss, Dra. Denise Pinni Rosalem da Fonseca, Dra. Elizabeth Macedo, Dr. Marcelo Gustavo Andrade de Souza, Dra. Claudia Miranda e Dra. Tania Dauster pela disponibilidade de dialogar comigo sobre esta tese.

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Resumo

Valentim, Daniela Frida Drelich; Candau, Vera Maria. Ex-alunos negros cotistas da UERJ: os desacreditados e o sucesso acadêmico. Rio de Janeiro, 2012. 234p. Tese de doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O objetivo da pesquisa realizada foi conhecer e analisar a compreensão

pessoal da trajetória universitária de ex-alunos autodeclarados negros que

acessaram vagas universitárias na UERJ na condição de alunos beneficiados pelas

ações afirmativas, modalidade cotas, e que chegaram à formatura. Optando por

uma abordagem do tipo qualitativa, foram realizadas 16 entrevistas individuais

semi-estruturadas a graduados nos seguintes cursos: Direito, Pedagogia, Serviço

Social, Odontologia, Ciências Sociais, Ciências Biológicas, História, Letras,

Psicologia e Matemática. Articulou um estudo de caráter reflexivo-analítico da

literatura pertinente: às políticas de ação afirmativa e seu debate teórico, inseridas

num contexto de políticas de o reconhecimento cultural protagonizadas pelos

movimentos negros à constituição da experiência de ação afirmativa (Fraser,

2007, 2001; Frankenberger, 1993, 2004); ao atual estágio das políticas de ação

afirmativa no Brasil (Guimarães, 2002, 2011; Gomes, 2003); à temática da

desigualdade racial existente no país, evidenciada especialmente pela pouca

presença de negros no ensino superior (Munanga, 1986, 2010; Carvalho, 2002,

2005); à presença de sujeitos pobres e negros no ensino superior, especialmente os

que tiveram acesso à universidade através de ações afirmativas e os caminhos que

traçaram até suas formaturas (Teixeira, 2003; Zago, 2006) e, simultaneamente, a

realização de uma pesquisa de campo (Candau, 2005, 2003; Valentim, 2005;

Lopes & Braga, 2007). Com Goffman (2008), percebeu-se que os alunos cotistas

não são reconhecidos como pertencentes à categoria social alunos universitários

normais, suas identidades são estragadas e diminuídas, sendo desacreditados ao

longo de todo caminho universitário, padecendo de um estigma. Faltaria a eles o

atributo indispensável à identidade de aluno normal: o “mérito”, pensado como

uma categoria neutra, objetiva, universal ou natural, destituído dos jogos de poder

e das disputas sociais. Aqueles que podem ocultar essa marca são os

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desacreditáveis. Entretanto, a condição de cotista pode vir à luz, situação que

altera a posição de desacreditável para desacreditado. Aqueles que não podem ou

não querem ocultar a marca de cotistas são os desacreditados. Os negros cotistas

são por excelência os desacreditados. O racismo institucional vigente na

universidade responde pela associação aluno negro = aluno cotista, de tal forma

que, após o implemento da ação afirmativa, que alcança diferentes sujeitos, os

alunos negros têm sido imediatamente identificados como alunos cotistas, o que

não ocorre com os alunos brancos, que não padecem imediatamente, das

conseqüências desse estigma. Devido à natureza flexível e ambígua dos esquemas

classificatórios baseados na cor e na mestiçagem que operam na sociedade

brasileira, os alunos que têm menores marcas que denunciem sua pertença racial

de matriz africana podem gozar do “benefício da dúvida” deslizando da condição

de desacreditado para a de desacreditável. O estudo afirma que os sujeitos

pesquisados vivenciaram a experiência universitária tendo enfrentado vicissitudes

materiais e simbólicas oriundas das desigualdades socioeconômicas e raciais

somadas ao estigma de “cotista”. Alcançaram suas formaturas com o apoio

institucional da universidade através das bolsas a que fizeram jus e de duas

importantes estratégias: a condição de estudante trabalhador e o pertencimento a

diferentes redes de solidariedade.

Palavras-chave: Ensino superior; ações afirmativas; cotas; UERJ; afro-descendentes;

negros; diversidade cultural

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Abstract

Valentim, Daniela Frida Drelich; Candau, Vera Maria (Advisor). Black quota ex-students at UERJ (State University of Rio de Janeiro): the discredited and academic success. Rio de Janeiro, 2012. 234p. Thesis - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The objective of this research was to understand and analyze the personal

comprehension of the trajectory of university students who have accessed places

in UERJ benefited from affirmative action, type quotas, and that get graduated. By

choosing a qualitative approach, were applied 16 individual semi-structured

interviews in the following graduate courses: Law, Education, Social Services,

Dentistry, Social Sciences, Sciences, History, Literature, Psychology and

Mathematics. It articulated a study of the reflexive-analytical literature: the

affirmative action policies and their theoretical debate, set against a background of

cultural recognition of the main characters of the movements of the formation of

black experience of affirmative action (Fraser, 2007, 2001; Frankenberger , 1993,

2004), the current state of affirmative action policies in Brazil (Guimarães, 2002,

2011; Gomes, 2003), the issue of racial inequality in the country, evidenced

especially by the low presence of blacks in higher education (Munanga, 1986 ,

2010; Carvalho, 2002, 2005), the presence of poor and black subjects in higher

education, especially those who had accessed the university through affirmative

action and the ways that drew up their graduations (Teixeira, 2003; Zago, 2006)

and simultaneously conducting a field survey (Candau, 2005, 2003, Valentine,

2005, Lopes & Braga, 2007). As Goffman (2008), it was noted that the quota

students are not recognized as belonging to the same social category as the normal

students, their identities are spoiled and diminished, being discredited along the

way at the college, suffering from a stigma. The attribute that they would miss,

essential to common student identity: the merit, thought of as a neutral category,

objective, universal or natural, devoid of power games and social disputes. Those

who can hide this brand are discreditable. However, the condition of quota holder

may come to light, a situation that changes the position of discreditable to

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discredited. Those who can not or do not want to hide the mark of quota holders

are discredited. Blacks are discredited. The existing institutional racism in the

university student association is responsible for black students = quota holder, so

that after the implement affirmative action, which reaches different subjects, black

students have been immediately identified as quota students, which does not occur

with white students, who do not suffer immediately, the consequences of this

stigma. Due to the flexible and ambiguous nature of classificatory schemes based

on color mixing and operating in the Brazilian society, students who have smaller

brands who report their racial belonging of African can enjoy the "benefit of the

doubt" by sliding the discredited condition for of discreditable. The study asserts

that the study subjects faced the college experience with material and symbolic

coming of socioeconomic and racial inequalities added to the stigma of

"shareholder". They reached their graduation with institutional support from the

university through grants to that they did justice and with two major strategies: the

condition of student workers and belonging to different networks of solidarity.

Key-words: Higher education; affirmative action; quota system; State University of

Rio de Janeiro (UERJ); afro-brazilians; blacks; cultural diversity.

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Sumário 1. Introdução 15

1.1. A construção do objeto 15

1.2. Justificativa 25

1.3. Procedimentos metodológicos 32

1.4. Organização da tese 40

2. Ações afirmativas para os negros: tensões e potencialidades 42

2.1. As ações afirmativas: natureza teórica e definições 42

2.2. As políticas públicas de ação afirmativa na educação superior

no Brasil: panorama atual

62

3. A experiência das ações afirmativas na UERJ 65

3.1. Entre avanços e retrocessos: uma política em transformação 66

3.2. A permanência do aluno cotista 82

3.3. Alunos negros cotistas da UERJ: os “desacreditados” 92

4. Os sujeitos da pesquisa 100

4.1. Caracterização dos entrevistados 100

4.2. Primeiros momentos na universidade 103

4.3. As dificuldades e desafios enfrentados 116

4.4. Estratégias de permanência na universidade 124

4.5. Estudos: quando, quanto, onde e com quem? 138

4.6. Relações com os professores 142

4.7. Relações com os colegas de classe 158

4.8. Outros espaços formativos 166

4.9. As alegrias e prazeres na/da experiência 173

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5. Considerações finais 176

6. Referências Bibliográficas 187

Apêndices 204

Anexos 213

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Lista de Siglas

CEFET- Centro Federal de Educação Tecnológica

EDUCAFRO - Educação para Afrodescendentes e Carentes

FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

INSPIR - Instituto Sindical Interamericano Pela Igualdade Racial

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PROINICIAR – Programa de Iniciação Acadêmica

PUC - Pontifícia Universidade Católica

PVNC - Movimento Pré-vestibular para Negros e Carentes

Universidades

UNB - Universidade de Brasília

UFAL - Universidade Federal de Alagoas

UFBA - Universidade Federal da Bahia

UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

UFPR - Universidade Federal do Paraná

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFT - Universidade Federal do Tocantins

UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina

UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora

UFMA - Universidade Federal do Maranhão

UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso

UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia

UFABC - Universidade Federal do ABC

UFRR - Universidade Federal de Roraima

UFPI - Universidade Federal do Piauí

UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

UFRPE - Universidade Federal Rural de Pernambuco

UFF - Universidade Federal Fluminense

UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná

UFPA - Universidade Federal do Pará

UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos

UFSM - Universidade Federal de Santa Maria

UNIPAMPA - Universidade Federal do Pampa

UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

UFG - Universidade Federal de Goiás

UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei

UFU - Universidade Federal de Uberlândia

UFS - Universidade Federal de Sergipe

UEM - Universidade Estadual de Maringá

UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa

UEL - Universidade Estadual de Londrina

UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná

UNICENTRO - Universidade Estadual do Centro-Oeste

UNEB - Universidade do Estado da Bahia

UEMS - Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense

UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UEA - Universidade Estadual do Amazonas

UEG - Universidade Estadual de Goiás

UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso

UVA - Universidade Estadual Vale do Acaraú- CE

UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais

UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros- MG

UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas-SP

UEMA - Universidade Estadual do Maranhão

UPE - Universidade do Estado de Pernambuco

UERGS - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

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UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina

UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana

USP - Universidade de São Paulo

UEPB - Universidade Estadual da Paraíba

UNEAL - Universidade Estadual de Alagoas

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UESPI - Universidade Estadual do Piauí

UNICISAL - Universidade Estadual de Ciências de Saúde de Alagoas

UEAP - Universidade do Estado do Amapá

UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz- BA

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Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Geraldo Vandré, Prá não dizer que não falei das flores.

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1 Introdução

1.1 A Construção do objeto

O tema das ações afirmativas voltadas aos negros na educação superior

como objeto de estudo é recente e complexo, desse modo sua abordagem há de ser

necessariamente multidisciplinar. Ele é alvo da minha paixão desde o ano de

2001, quando foi criado o Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira, na

Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ, formulado pelo Laboratório de

Políticas Públicas da mesma universidade, coordenado pelo professor Pablo

Gentilli, de cujo grupo de discussão fora convidada a participar no ano anterior,

após ter cursado a disciplina ministrada por esse professor – Filosofia da

Educação – na Faculdade de Educação, onde cursava à época, minha graduação

em Pedagogia.

Tendo terminado a licenciatura na UERJ no final de 2002 – além do curso

de Direito, anteriormente concluído na mesma universidade - momento em que já

se delineavam na universidade os vestibulares 2003 e toda a complexidade de

questões que tocaria aquela comunidade interna e também externa, optei por

estudar na dissertação de mestrado a pioneira experiência implantada naquela

instituição.

As ações afirmativas na UERJ merecem estudo devido não somente ao seu

pioneirismo, mas pela capacidade que tem de reverberar nas demais universidades

públicas do país, além de suscitarem e pautarem discussões sobre discriminação

racial, políticas públicas e democratização do acesso à universidade pública na

sociedade brasileira.

Ingressei em 2003 no mestrado do Programa de Pós-Graduação do

Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

e, desde então, passei a fazer parte do Grupo de Estudos sobre Cotidiano,

Educação e Cultura(s) – GECEC - do Departamento de Educação na PUC-Rio,

coordenado pela professora Vera Maria Candau. O grupo tem como finalidade

precípua o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre a temática central das

relações entre educação e culturas nos diferentes contextos educativos.

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Em junho de 2005 defendi minha dissertação de mestrado Políticas de Ação

Afirmativa e Ensino Superior: a experiência da UERJ na perspectiva dos

professores da Faculdade de Direito, orientada pela professora Vera Maria Candau.

O objetivo geral da pesquisa foi analisar a experiência das ações afirmativas,

modalidade cotas, implementadas no ano de 2003, pela UERJ, sua gênese,

características, implantação e primeiros resultados e conhecer essa experiência mais

especificamente num espaço considerado de especial prestígio acadêmico na

universidade, a Faculdade de Direito, tendo como recorte a posição de seus

professores acerca daquela experiência já implementada em suas salas de aula.

Entrevistei 9 professores que haviam lecionado ou estavam lecionando nas

turmas pós-cotas e que pertenciam ao quadro de professores efetivos da

Instituição com, no mínimo, quatro anos de trabalho na Faculdade.

Defendi a dissertação, mas não saí da UERJ. Lecionei como professora

substituta na Faculdade de Educação, no período 2006-2009, quando tive a

oportunidade de também lecionar para esses “novos” alunos identificados como

“os alunos cotistas”. Foi nesse período que amadureci o desejo de ouvir esses

alunos.

Livros, artigos, pesquisas vêm tratando do tema das ações afirmativas, sua

origem, pertinência, constitucionalidade. Foram ouvidos os gestores e professores

universitários. Acadêmicos reconhecidos nos seus campos científicos ganharam

um espaço não usual na mídia quando se dispunham a falar contra estas políticas.

Os alunos que se sentiram prejudicados tiveram voz, os movimentos negros como

o EDUCAFRO também, mas e os cotistas? Quem os ouviu? Acreditei que tinham

muito a dizer sobre a experiência de ser cotista e eu queria muito ouvi-los. Este foi

o ponto de partida através do qual cheguei às minhas questões para esta pesquisa

de doutorado.

Com esse propósito ingressei em 2008 no doutorado do Programa de Pós-

Graduação do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro, tendo a felicidade de ser orientada novamente pela professora

Vera Maria Candau.

As ações afirmativas no ensino superior, na modalidade cotas, geraram uma

nova categoria de alunos - os cotistas. As cotas ainda são formas polêmicas, não

habituais, não consensuais, criativas, marginais (em contraposição ao

mainstream), de inserção de estudantes no ensino superior. Os cotistas são os

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“novos” sujeitos que passam a vivenciar a experiência universitária, com suas

diferentes especificidades: cotistas de baixa renda, negros, indígenas,

quilombolas, oriundos de escolas públicas, portadores de necessidades especiais,

professores em exercício, dentre outras.

Investiguei a trajetória universitária desses alunos considerados “malditos”

por tantos, dentro e fora da comunidade universitária; eu diria - alunos

estigmatizados, marcados por “uma identidade deteriorada” (Goffman, 2008) e

sem voz, ou melhor, emudecidos, posto que são raramente ouvidos. É importante

dizer que dentre os alunos cotistas, os mais “deslegitimados” socialmente a

estarem no espaço universitário, foram e são os alunos negros, que na primeira

experiência de cotas da UERJ foram bastante contemplados. O mito da

democracia racial, por um lado, e os estereótipos negativos relativos aos negros

brasileiros, por outro, somados à condição de cotistas, respondem pelo rechaço

vivido por esses novos sujeitos universitários.

Minha investigação procurou conhecer a experiência de alunos

autodeclarados negros que tiveram acesso às suas vagas na UERJ na condição de

alunos cotistas, oriundos ou não de escolas públicas, e que tiveram êxito nos seus

cursos universitários ao ponto de chegarem à formatura. Isto é, pesquisei o

processo de construção do “sucesso universitário”1 de alunos ex-cotistas, posto

que já formados.

Busquei identificar junto aos ex-cotistas negros que obtiveram resultados

escolares positivos, seus caminhos profícuos. Pretendi conhecer a compreensão

pessoal de sujeitos autodeclarados negros que protagonizaram uma experiência

universitária exitosa na condição de cotistas, quando em geral as opiniões,

expectativas e representações sobre esses sujeitos eram de que fracassariam.

Em outros termos, o que busquei conhecer com esta pesquisa foi: como os

alunos vivenciaram o cotidiano da sua inserção na universidade? Como

construíram sua permanência nela? Foram bolsistas? Trabalharam durante o curso

universitário? Participaram de grupos de pesquisa? Participaram de alguma

instância coletiva na universidade? Como se desenvolveu o período de estágio?

Como se deu o convívio com os demais sujeitos da comunidade universitária?

Que aspectos consideram que constituíram obstáculos e dificuldades

1 Nomeio de sucesso porque foi além do acesso à universidade, isto é, esses estudantes lograram sobreviver na universidade até a terminalidade de seus cursos.

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particularmente significativas que tiveram de enfrentar? Que mecanismos

utilizaram para superá-los? Dito de outra forma, o que procurei investigar e

conhecer foi uma experiência universitária exitosa protagonizada por sujeitos

negros na condição de alunos cotistas.

Assumo que pretendi fazer com que, em certa medida, esta tese fosse

contígua à dissertação de mestrado, mantidos o tema e o campo de pesquisa,

entretanto meus sujeitos de pesquisa foram outros, assim como minhas questões.

Importante explicitar, desde essa introdução, com qual conceito de raça

opero ao longo da pesquisa. Quero ressaltar que a posição teórica aqui adotada é

a dos estudiosos da raça que a entendem como “uma constelação de processos e

práticas” (Ruth Frankenberger, 2004). Raça, nada tem de evidente ou real no

sentido positivista do termo como explicita Frankenberger. Ela cita Gilroy (1987)

e seu já clássico estudo sobre a história do racismo na Grã-Bretanha, para quem a

raça sempre escrita pelo autor entre aspas para melhor lembrar ao seu público a

irrealidade e a instabilidade do termo é social e politicamente construída e faz-se

um esmerado trabalho ideológico que visa garantir e manter as diferentes formas

de ‘racialização’ que caracterizam o desenvolvimento capitalista (Frankenberger,

2004, p.307).

Tal entendimento, entretanto, não significa questionar “a potência da raça

como arcabouço organizador nas relações de opressão e exploração” (Idem).

Mais, para Frankenberger, raça é uma ficção “que é ‘defensavelmente’, a mais

violenta da história humana.

Para Aníbal Quijano (2007) a idéia de raça é o mais eficaz instrumento de

dominação social inventado nos últimos 500 anos, sendo imposta como parte da

dominação colonial da Europa e de acordo com a raça foram distribuídas as

principais novas identidades sociais e geoculturais do mundo (Índio, Negro,

Asiático, Branco e Mestiço).

Os estudiosos contemporâneos da raça que não a vêem como um construto

biológico estão desafiados, como Frankenberger (2004) ressalta, a estarem atentos

à “irrealidade da raça, ao mesmo tempo em que aderimos tenazmente ao

reconhecimento de seus efeitos sumamente reais” (p. 308). Para ela,

O muçulmano terrorista, o homem asiático assexuado, sua equivalente feminina, sempre sexualmente disponível, o jovem africano-americano intrinsecamente perigoso, e a mulher africano-americana, índia, mexicana ou de origem mexicana,

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sempre exageradamente fértil, tudo isso são tropos por demais conhecidos. Os estereótipos seriam banais, se não fossem tão letais, tão contundentes em termos físicos, emocionais, afetivos e espirituais”. (idem, p. 308-309).

A potência, o uso e os efeitos sociais do termo raça, também em nossa

sociedade, me levaram a utilizá-lo na pesquisa ora relatada, não como tendo um

caráter biológico determinista, mas como um conceito relacional marcado por

condições históricas, políticas e culturais. Quanto à polêmica utilização do termo

raça, adoto o parecer de Nilma Gomes (2001) nos seguintes termos:

Estou ciente de que existe muita polêmica no meio acadêmico e na própria sociedade brasileira quanto ao uso do termo raça. Alguns intelectuais o rejeitam, adotando etnia como o mais adequado para discutir as relações entre negros e brancos no Brasil. Muitos deles consideram que os antecedentes históricos e acadêmicos do conceito de raça o comprometem, pois o termo está ligado à idéia de dominação político-cultural e à antropologia física. Além disso, com o desenvolvimento das Ciências Biológicas, raça humana passou a ser considerada um conceito cientificamente inoperante. Por mais que essa postura seja uma contribuição ao estudo sobre relações raciais no Brasil e consiga justificar teoricamente o uso de etnia, na prática social, quando se discute a situação do negro na sociedade brasileira, raça é ainda o termo mais adotado pelos sujeitos sociais. É também o que consegue se aproximar da real dimensão do racismo presente na sociedade brasileira. Dessa forma o Movimento Negro e alguns cientistas sociais quando falam em raça não o fazem mais alicerçados na idéia de purismo racial tampouco da supremacia racial. Ao contrário usam essa categoria com uma nova interpretação, baseados em uma reapropriação social e política, construída pelos próprios negros. Usam-na, ainda, porque, no Brasil, o racismo e a discriminação racial que incidem sobre os habitantes negros ocorrem não somente em decorrência dos aspectos culturais presentes em suas vidas, mas pela conjugação entre esses aspectos (vistos de maneira negativa) e pela existência de sinais diacríticos que remetem esse grupo a uma ancestralidade negra e africana (p.84). Nesse sentido, é ainda interessante transcrever a afirmação de Antônio

Guimarães (2006) que reforça nosso entendimento ao afirmar que

[...] “raça” não é apenas uma categoria política necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas também é uma categoria analítica indispensável: a única que revela que as discriminações e desigualdades que a noção brasileira de “cor” enseja são efetivamente racistas e não apenas de “classe”. Reconheço, todavia, que não há raças biológicas [...]. O problema que se coloca é, pois, o seguinte: quando no mundo social podemos dispensar o conceito de raça? Primeiro, quando já não houver identidades raciais, ou seja, quando já não existirem grupos sociais que se identifiquem a partir de marcadores direta ou indiretamente derivados da idéia de raça; segundo, quando as desigualdades, as discriminações e as hierarquias sociais efetivamente não corresponderem a esses marcadores; terceiro, quando tais identidades e discriminações forem prescindíveis em termos tecnológicos, sociais e políticos para a afirmação social dos grupos oprimidos (p. 50-51).

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Após a explicitação do nosso entendimento do conceito de raça, é

importante dizer aos que me leem que me autodeclaro branca, filha de pais

brancos, neta de europeus, alemães e poloneses brancos, todos judeus2 fugidos em

virtude da guerra que se avizinhava3.

No mesmo diapasão teórico entendo que negritude e branquidade são

fenômenos socialmente construídos4, não existindo uma definição apropriada ou

universal para ambos. De acordo com os “estudos críticos da branquidade”

(Frankenberger, 2004), ela se afigura como o estado normal, o padrão pelo qual

todo o resto é medido e em cotejo com o qual todos são avaliados. Assim, ser

classificado como branco é a norma e todas as outras pessoas é que seriam

racializadas, posto que, “a branquidade é invisível” (idem).

Frankenberger (2004) afirma que já trabalhou com essa ideia por vários

anos, entretanto, hoje entende que a branquidade não-marcada “revela-se uma

miragem”, uma “fantasia dos brancos” (p.309). Avalia que negritude,

branquidade, asiatismo, indigenismo, latinismo, dentre outros termos, são

constructos que inexistiam antes do colonialismo.

Os termos raça, branquitude, negritude, cultura, nação e povo são

continuamente organizados por sistemas classificatórios hierárquicos que

remontam aos primórdios do projeto colonial da Europa ocidental. Tal fato

marcou “outros” como seres sempre inferiores aos “eus nacionais” legitimados a

saquear. Nesse contexto, a autora entende não ser uma surpresa que “branco”

emerja como quase não-marcado, mesmo que isso se dê apenas do ponto de vista

dos próprios brancos. Sendo assim,

Não é de admirar que parte do projeto de denominar a branquidade tenha resultado numa sequência mais ou menos assim: aparecer, autodenominar-se, violar, saquear, apropriar-se e tornar-se aparentemente invisível. Ou seria invencível? Misericordiosamente, não. Esse sistema de denominação e evasão poderia até ter funcionado, não fosse os colonizados estarem observando de perto o tempo todo, não fosse a realidade das diferenças dentro da branquidade e das resultantes disputas de fronteira para o ingresso nessa categoria, e não fosse a existência de algumas pessoas de todas as raças que têm a mente, o coração e o espírito alertos (Idem, p.311).

2 Embora, em alguns momentos históricos os judeus europeus não fossem considerados brancos. 3 Com a segunda Guerra Mundial, só sobraram das famílias de meus avôs maternos e paternos aqueles poucos que imigraram para o Brasil, EUA e Argentina antes do extermínio conhecido por Holocausto. 4 Ambos os conceitos estão intrincados aos de classe, gênero, nacionalidade e religiosidade, todos envoltos em relações de poder.

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Devido ao colonialismo, é inegável a posição assimétrica da branquidade

em relação aos demais termos raciais e/ou culturais, nas sociedades que “são

estruturadas na dominação” (Hall, 2003).

Frankenberger define branquidade, olhando para a sociedade norte-

americana contemporânea, em oito pontos (ibidem, p.312-313):

1. A branquidade é um lugar de vantagem estrutural nas sociedades

estruturadas na dominação racial.

2. A branquidade é um ‘ponto de vista’, um lugar a partir do qual nos

vemos e vemos os outros e as ordens nacionais e globais.

3. A branquidade é um lócus de elaboração de uma gama de práticas e

identidades culturais, muitas vezes não marcadas e não denominadas, ou

denominadas como nacionais ou ‘normativas’, em vez de

especificativamente raciais.

4. A branquidade é comumente redenominada ou deslocada dentro das

denominações étnicas ou de classe.

5. Muitas vezes, a inclusão da categoria ‘branco’ é uma questão

controvertida e, em diferentes épocas e lugares, alguns tipos de

branquidade são marcadores de fronteira da própria categoria.

6. Como lugar de privilégio, a branquidade não é absoluta, mas atravessada

por uma gama de outros eixos de privilégio ou subordinação relativos;

estes não apagam nem tornam irrelevante o privilégio racial, mas o

modulam ou modificam.

7. A branquidade é produto da história e é uma categoria relacional. Como

outras localizações raciais, não tem significado intrínseco, mas apenas

significados socialmente construídos. Nessas condições, os significados

da branquidade têm camadas complexas e variam localmente e entre

locais; além disso, seus significados podem parecer simultaneamente

maleáveis e inflexíveis.

8. O caráter relacional e socialmente construído da branquidade não

significa, convém enfatizar, que esse e outros lugares raciais sejam

irreais em seus efeitos materiais e discursivos.

Ao final desse rol, Frankenberger (2004) escreve: “súbito, a idéia de que a

branquidade possa ser invisível afigura-se extremamente bizarra” (p.313).

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Concordo com Frankenberger e entendo que sua produção é potente como

instrumento, como binóculos, para olharmos a branquidade em nosso contexto

nacional.

Por outro lado, a minha condição de branca não passou despercebida por

brancos e negros ao longo dessa década de estudo e dedicação à temática racial,

especialmente por acadêmicos brancos e militantes negros. A minha visível e

marcada condição têm gerado complexas tensões e desafios. Para muitos, a minha

branquidade gerou desconfianças, questionamentos e críticas muito antes que o

resultado das minhas pesquisas e dos meus trabalhos acadêmicos fossem públicos.

As tensões que envolvem a questão racial no Brasil, país estruturado

também na dominação racial, só fizeram crescer nesse doutorado; no mestrado,

meus sujeitos de pesquisa foram professores do curso de Direito da UERJ, todos

autodeclarados brancos; todavia, nesta tese, meus sujeitos de pesquisa são todos

autodeclarados negros (14 negros e 2 pardos).

Uma pesquisadora branca pesquisando a temática racial incomoda5. Por um

lado, todos que jogam a favor da visibilidade do racismo, que ajudam a

desconstruir o “mito da democracia racial”, que fazem a luta antirracista, geram

incômodos, principalmente, quando aparentemente não oprimidos ou vitimados

pela discriminação racial6, como se isso fosse possível. Entretanto, incomoda

também, porque para alguns uma mulher branca não teria legitimidade para

construir conhecimentos sobre negros7, estando irremediavelmente impedida de

realizar essa pesquisa.

Concordamos com Hall (2003): todos nós nos originamos e falamos a partir

de “algum lugar”, ou seja, somos seres de um determinado local e pertencentes a

uma certa tradição (p.83). Hall defende uma “nova etnicidade” como um conceito

progressista e crítico em contraste à ”velha etnicidade”, uma “identidade

absolutista” que pode levar à violência e que depende em parte da supressão da

diferença cultural e de uma noção separatista da identidade branca. Para Giroux

(1999), “A nova etnicidade forneceria uma teoria que permite aos brancos irem

5 Também me senti incomodada nas diversas vezes que refleti e coloquei em julgamento minha própria identidade racial de modo não dialético, isto é, de modo monolítico, essencialista e racista. 6 Reconheço que o racismo afeta diferentemente brancos e não brancos no contexto de relações desiguais de poder. No entanto, pessoalmente, já fui vítima de preconceito na condição de judia e, ressalto que não é deste fato que extraí minha legitimidade para desenvolver minhas pesquisas. 7 Nessa perspectiva, eu apenas poderia estudar a branquidade ou branquitude.

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além “da paralisia inspirada pelo sentimento de culpa, ou do racismo alimentado

pelo combustível da ansiedade e medo da diferença” (p.112-113).

Nesse sentido, Frankenberger (2004) observa que a análise crítica da

branquidade fala de seu legado histórico opressor, entretanto é importante

distinguir entre a branquidade como identidade racial que é não-racista ou anti-

racista e aqueles aspectos da branquidade que são racistas.

Julgo importante expor e problematizar essas tensões justificadas pelo

racismo brasileiro e pela minha condição de “privilégio” branco, mas deixo aqui

marcado meu entendimento de que o conhecimento não pode ser segregado como

supõem ou preferem puristas raciais e/ou culturais.

Não desconhecendo a complexidade das relações entre branquidade e

racismo, afastada uma posição evasiva de neutralidade racial, atesto meu

compromisso com práticas e políticas antirracistas e democráticas. Recorro mais

uma vez à Frankenberger (2004) para explicitar as raízes da branquidade com as

quais me identifico.

Elas decorrem diretamente do trabalho feito nas últimas décadas para transformar a cultura popular e alterar materialmente as desigualdades raciais que distinguem a sociedade norte-americana. Não é por acaso, portanto, que o trabalho dos brancos contra a dominação racial funde-se com muita facilidade, nesse aspecto, com uma atividade que tem um âmbito mais multirracial. Os ativistas têm procurado modificar as hierarquias de liderança e dos direitos nos locais de trabalho e nos grupos políticos, bem como rever os pressupostos relativos ao vestuário, à linguagem e ao estilo ‘corretos’ nesses lugares. Frequentemente, essas mudanças são inseparáveis dos esforços para questionar o sexismo e também, vez por outra, a homofobia na esfera pública (p.321).

Em seguida, outro conceito que é preciso desde aqui situar é o de negro já

que foi ele o eleito para ser utilizado ao logo dessa tese8. Nesta pesquisa me

aproximo do sistema classificatório binário branco/negro adotado por parcela

significativa do Movimento Negro cujo termo negro englobaria mulatos, pretos,

pardos, morenos, sararás, jambo, etc., em uma só e única categoria, por opção

política e jamais referida à categoria biológica, no dizer de D’Adesky (2001)

“devido a seu teor ideológico e a seu sentido simbólico” (p.34). Adotamos a

definição desse autor, para quem negro é: 8 Temos ciência de que o sistema classificatório do IBGE utiliza as categorias branco, pardo, preto e indígena e que autores do campo das relações raciais utilizam os termos afro-brasileiro ou afro-descendente como Wania Sant’Anna (2007). Também não desconhecemos que os documentos legais, inclusive internacionais, utilizam diferentes termos e que, por vezes, esses termos são utilizados como sinônimos.

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todo indivíduo de origem ou ascendência africana suscetível de ser discriminado por não corresponder, total ou parcialmente, aos cânones estéticos ocidentais, e cuja projeção de uma imagem inferior ou depreciada representa uma negação de reconhecimento igualitário, bem como a denegação de valor de uma identidade de grupo e de uma herança cultural e uma herança histórica que geram exclusão e opressão (D’Adesky, 2001, p.34).

Sobre o tema, Petrônio Domingues (2007) relata decisão política do

Movimento Negro Unificado

Para incentivar o negro a assumir sua condição racial, o MNU resolveu não só despojar o termo “negro” de sua conotação pejorativa, mas o adotou oficialmente para designar todos os descendentes de africanos escravizados no país. Assim, ele deixou de ser considerado ofensivo e passou a ser usado com orgulho pelos ativistas, o que não acontecia tempos atrás. O termo “homem de cor”, por sua vez, foi praticamente proscrito (p.115).

Por outro lado, Nilma Lino Gomes (1995) sustenta que o negro brasileiro

sempre esteve envolto em uma série de nuances de cor, que segundo a autora nos

remete a uma questão de cor de pele e não à origem racial o que contribui para a

formação de uma identidade étnico-racial fragmentada e distorcida. Contra esse

padrão de opressão e de colonização do pensamento, o Movimento Negro

brasileiro enegreceu o termo. Para ela,

A utilização do termo negro pelo Movimento Negro tem o sentido de dar uma ressignificação ao papel do negro na construção do processo histórico. Intenciona não mais relacionar o negro a uma definição carregada de preconceito ou à simples questão da cor da pele, mas remetê-lo a uma origem racial, valorizando seus atributos físicos e culturais (...) fala-se em sujeitos que constroem a história e não simplesmente em cor de pele (p.46).

Ser negro passa então a significar uma identidade baseada não somente nos

aspectos fenotípicos, como também nos políticos, geográficos, históricos,

religiosos e culturais. A definição subentende que os negros são afetados por uma

imposição de um modelo estético, cultural, político hegemônico e normativo que

deforma sua imagem, assim como pela opressão sofrida devido à negação de sua

identidade de grupo, o que, por vezes, dificulta a consciência de pertencimento

racial, reforçada cotidianamente no Brasil pela crença no mito da democracia

racial, ideologia incorporada ao imaginário social brasileiro.

Como D’Adesky (2001), temos consciência de que o termo negro em

substituição aos demais, mesmo tendo importância simbólica, “não pode resolver

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os problemas da desigualdade racial” (p.37). É certo que sequer pode resultar num

enfoque analítico neutro, como o autor com quem dialogamos alerta.

Por fim, no contexto deste trabalho, configura-se a categoria Movimento

Negro como sendo uma pluralidade de grupos, ONGs e entidades engajadas nas

lutas pela melhoria das condições de vida da população negra com iniciativas de

natureza política, cultural, religiosa, educacional, de denúncia ao preconceito e

discriminação raciais. Neste sentido, o Movimento Negro é diverso e abriga

grupos com estratégias e posições políticas e ideológicas heterogêneas.

1.2 Justificativa

No Brasil, os negros ocupam uma posição de subalternidade social.

Diversos são os estudos que apontam o caráter das desigualdades existentes entre

brancos e negros no Brasil nos mais diferentes campos da vida como: renda,

saúde, educação, trabalho, mortalidade infantil, expectativa de vida, habitação,

entre outros aspectos (Henriques, 2000; IBGE, 1999, 2000, 2008, 2010; INSPIR,

1999; IPEA, 2008: PNUD, 2000). Patente é a persistência das desigualdades

sociais, dentre elas as educacionais, entre brancos e negros em prejuízo dos negros

ao longo das gerações.

Henriques (2001) em seu estudo Desigualdade Racial no Brasil - evolução

das condições de vida na década de 1990 evidenciou não só as relevantes

desigualdades entre brancos e negros, mas, principalmente, a sua estabilidade ao

longo das últimas décadas. O pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada - aponta que, embora, a década dos 90 tenha sido de avanços

nas condições de vida da população brasileira, esses avanços não afetaram a

distância existente entre brancos e negros ao acesso de bens e serviços (p.46-47).

Nos anos 2000, duas das mais importantes macropesquisas, Indicadores

sociais, uma análise das condições de vida do IBGE e Retratos das desigualdades

de gênero e raça do IPEA, divulgadas ambas em 2008, continuam atestando as

desigualdades entre brancos e negros.

Vejamos o que diz o primeiro parágrafo do capítulo intitulado Cor ou raça

da pesquisa do IBGE:

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No ano de 2008, a data de 13 de maio permitiu lembrar dos 120 anos transcorridos desde a aprovação da Lei Áurea, como é conhecido o decreto que determinou o fim da escravidão no Brasil. Mas, apesar desse relativamente longo período, a desigualdade material e simbólica da população composta pelos grupos étnico-raciais subalternizados se manteve e a desvantagem em relação aos brancos no usufruto de recursos e benefícios continua a afetar severamente metade da população brasileira (IBGE, 2008, p.209).

Mais adiante, lemos:

As análises incluídas na presente publicação contribuem para exibir o caráter estrutural das desigualdades raciais no país, revelando a duplicidade da configuração social brasileira nas suas clivagens social e racial. Os grupos raciais subalternizados, que na expressão das informações censitárias e de pesquisas domiciliares cristalizaram-se nas categorias de cor ou raça preta, parda e indígena, padecem de uma precária inserção social ao longo dos 120 anos. Essa precária inserção social não é explicada pelo ponto de partida, mas pelas oportunidades diferenciadas a eles oferecidas. Alguns indicadores analisados a seguir não só apontam para a manutenção destas desigualdades como ainda evidenciam o agravamento de algumas delas: tal é o caso da participação no ensino superior, tanto na frequência como na conclusão deste nível de estudo. (Idem, p.210).

Na pesquisa do IPEA, Bloco 3 – Educação- encontramos:

A discriminação motivada por sexo e por pertencimento a um grupo de cor/raça encontra-se disseminada em diversos campos da vida social. Se o sistema educacional é o campo no qual são reproduzidos muitos dos estereótipos de gênero existentes em nossa sociedade, no caso da questão racial, ainda se constitui uma esfera marcada por fortíssimas desigualdades no acesso e na permanência dos indivíduos dos diferentes grupos populacionais. Esta é uma característica muito importante na medida em que o acesso á escolaridade é uma das formas por excelência de ascensão social e de potencialização do acesso a muitos bens produzidos pela sociedade. Desta forma, enquanto as desigualdades raciais se perpetuarem no campo educacional, também está garantida a perpetuação de seus mecanismos de reprodução. Neste sentido, os indicadores educacionais se convertem em um importante instrumento de percepção do quão desiguais são as possibilidades de construção de oportunidades sociais para os diferentes grupos raciais (IPEA, 2008, p.5).

A Síntese dos Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da

população brasileira 2010 no capítulo Cor ou raça destaca que “os dados da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD mostram um crescimento

da proporção da população que se declara preta ou parda nos últimos dez anos:

respectivamente, 5,4% e 40,0% em 1999; e 6,9% e 44,2% em 2009” e como

hipótese desse fenômeno afirma que “um dos fatores para esse crescimento é uma

recuperação da identidade racial, já comentada por diversos estudiosos do tema”

(IBGE, 2010, p.226). Entretanto alerta:

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Independentemente desse possível resgate da identidade racial por parte da população de cor preta, parda ou de indígenas, a situação de desigualdade que sofrem os grupos historicamente desfavorecidos subsiste. Uma série de indicadores revelam essas diferenças, dentre os quais: analfabetismo; analfabetismo funcional; acesso à educação; aspectos relacionados aos rendimentos; posição na ocupação; e arranjos familiares com maior risco de vulnerabilidade (idem, p.227).

Infelizmente, a expectativa otimista de autores como Florestan Fernandes

(1965) em relação à modernidade brasileira com sua racionalidade industrial e

urbanização como capazes de fazer arrefecer a discriminação racial -“o

preconceito de cor”- e diminuir as distâncias entre brancos e negros não se

concretizou. Os negros tendem a permanecer na mesma posição relativamente

subalterna de seus pais, “a despeito de sua incorporação à moderna sociedade de

classes” (Osório, 2008, p.82-83). No Brasil, origem social e discriminação racial

são fatores dependentes que interagem impedindo a mobilidade social dos negros.

Osório (2008), revendo a tradição sociológica quanto ao problema da

persistência da desigualdade entre grupos raciais no Brasil, atesta que tal

persistência após um século da abolição se deve ao fato do racismo possuir “uma

plasticidade antes insuspeita e, ao invés de ser superado, fora racionalizado,

mantendo ou ganhando a função de garantir os privilégios dos brancos, agora em

uma sociedade moderna caracterizada por uma elevada mobilidade social” (p.88)9.

Nesse mesmo sentido se expressa Hasembalg (1979) para quem o preconceito e a

discriminação são dinâmicos e “a tenacidade da estratificação racial e as novas

fontes de discriminação após o fim do escravismo devem ser procuradas nos

vários interesses dos grupos brancos que obtém as vantagens da estratificação

social” (p.77).

As pesquisas apontam os problemas estruturais de ordem sócio-econômica

da nossa sociedade. No entanto, a explicação das desigualdades raciais não se

circunscreve somente a tais variáveis estruturais, revelam que os negros

enfrentam, incontestavelmente, também situações de discriminação racial.

No tocante à educação, pesquisadores já se debruçaram sobre a realidade

insidiosa da produção do fracasso escolar e, evidenciaram que o peso da exclusão

recai, acentuadamente, sobre os estudantes negros (Hasenbalg, 1979; Barcelos,

9 O autor, em outro momento do texto minimiza a mobilidade na sociedade brasileira, afirmando que “o que as pessoas são é em larga escala determinado pelo que foram seus pais” (Osório, 2008, p. 90).

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1992 e Henriques, 2002, Petruccelli, 2004). O fato é que o acesso e a permanência

dos alunos na vida escolar variam de acordo com o perfil racial do aluno, mais, as

distâncias que separam negros e brancos incidem sobre toda a trajetória escolar.

Segundo Fúlvia Rosemberg (1989),

Como nas outras esferas da vida social, os negros (pretos e pardos) são também penalizados no plano da educação: enfrentam maiores dificuldades de acesso e permanência na escola, assim como freqüentam escolas de pior qualidade, redundando em maior índice de reprovação e atraso escolar do que aquele observado entre os brancos. Em linhas gerais, as pesquisas sobre oportunidades educacionais têm encontrado trajetórias escolares diversas para amarelos, brancos, pretos e pardos, evidenciando desvantagens para estes últimos no acesso à escola e no ritmo de sua progressão, caracterizado como mais lento e acidentado (p.79). Henriques (2002), nesse sentido, afirma:

A escolaridade de brancos e negros nos expõe, com nitidez, a inércia do padrão de discriminação racial. Como vimos, apesar da melhoria nos níveis médios de escolaridade de brancos e negros ao logo do século, o padrão de discriminação, isto é, a diferença de escolaridade dos brancos em relação aos negros se mantém estável entre as gerações. No universo dos adultos observamos que filhos, pais e avós de raça negra vivenciaram, em relação aos seus contemporâneos de raça branca, o mesmo diferencial educacional ao longo de todo o século XX (p.93).

Os negros estão sub-representados no ensino superior quando observamos

sua representação no conjunto da população brasileira. Em 2003, os jornais

publicaram os dados do Censo 2002 que revelam que, da população com mais de

25 anos que tem curso superior, 82,8% são brancos, 12,2% são pardos, 2,1% são

pretos, 2,3% são amarelos e 0,1% são indígenas, numa sociedade onde os brancos

representavam 52,8%, os pardos 39,1%, os pretos 6,2%, os amarelos 0,5% e os

indígenas 0,4% (Folha, 2003).

Já em 1991, o Censo apontara que 83,1% dos que tinham curso superior

eram brancos, o que demonstra que na última década os negros não lograram

concluir a universidade em número significativo à sua representação na sociedade

brasileira, levando o cientista social do Departamento de Indicadores Sociais do

IBGE, José Petruccelli a declarar que a baixa presença de negros na universidade

“não tem outra explicação a não ser racismo. É a discriminação, é a sociedade de

castas presente no Brasil” (Folha de São Paulo, 15/5/2003).

No ano seguinte, em 2004, Petruccelli, com base nas informações do Censo

2000, atesta, na pesquisa Mapa da Cor no Ensino Superior Brasileiro, que o

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aspecto mais relevante que encontrou foi a “desigualdade”, a “iniqüidade”.

Evidenciam esta realidade, os seguintes indicadores, presentes em seu estudo:

(...)da população de 18 anos ou mais de idade (aproximadamente 109 milhões de pessoas), 81,4% não tinham concluído o nível médio de estudos e entre os que o tinham concluído, menos de 15% (3 milhões de pessoas), freqüentavam o ensino superior. Entre estas, destaca-se o fato de que quase 79% se identificam como brancas, percentual significativamente mais alto que o da população desta cor na mesma faixa etária, 55,4%, enquanto que indígenas, pardos e pretos apenas alcançam a 19,4% do total destes estudantes, menos da metade do que eles representam no total do mesmo grupo de idade (43,4%) (2004, p.7).

Sete anos depois, de acordo com o estudo “Síntese de Indicadores Sociais:

uma análise das condições de vida da população brasileira 2008”, esse quadro se

mantém, isto é, permanece a profunda desigualdade entre brancos e negros em

relação à frequência no ensino superior no ano de 2007:

enquanto o percentual de brancos entre os estudantes de 18 a 24 anos de idade no nível superior era de 57,9%, o de pretos e pardos alcançava cerca de 25%, evidenciando a enorme diferença de acesso e permanência dos grupos raciais neste nível de estudo. (IBGE 2008, p.211).

Também asseveram essa disparidade entre brancos e negros no ensino

superior, os dados do “Provão” do MEC- Ministério da Educação e Cultura

relativos ao ano de 2002, portanto antes do implemento das ações afirmativas nas

universidades brasileiras, que “76% dos formandos de cursos superiores são

brancos” (INEP, 2002)10.

Inserido no esforço de conhecer a realidade da distribuição racial no ensino

superior, consideramos relevante mencionar os resultados de um estudo pioneiro

de 2002 que comparou dados colhidos na UFMA –Universidade Federal do

Maranhão, UFPR -Universidade Federal do Paraná, UFRJ –Universidade Federal

do Rio de Janeiro e por fim na UnB –Universidade de Brasília. Chamou minha

atenção a tabela que reproduzo abaixo:

10Relatório Provão 2002. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/provao/sintese/2002/capitulo4.htm#1> Acesso em: nov 2004.

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Tabela 1: Distribuição percentual dos estudantes segundo a cor e a Universidade (Queiroz, 2002, p.31-32).

Interessante é notar a existência de uma distribuição bastante diferenciada

das populações de acordo com a “cor” nos Estados do Rio de Janeiro, Paraná,

Maranhão, Bahia e em Brasília. Em comum, o fato da sobrerepresentação dos

“brancos” nas universidades. A Universidade Federal do Maranhão e a

Universidade Federal da Bahia, estados de maioria negra, são as que apresentam

os menores contingentes relativos aos estudantes brancos

A análise dos números demonstra a desigualdade de acesso ao ensino

superior, nas universidades públicas, em detrimento dos jovens que se definem

como pardos e pretos. Sem dúvida a universidade brasileira tem sido um

“território predominantemente branco” (Queiroz, 2002, p.31).

A desproporção por cor também foi encontrada por Moema Teixeira (2003)

quando pesquisou uma universidade pública federal do Rio de Janeiro nos anos de

1992, 1993 e 1994. Os brancos representavam mais de 72% do total de alunos.

Ela conclui que:

Em que pese a sua representatividade em termos da população do Estado do Rio de Janeiro, que segundo o censo demográfico de 1991 está em torno de 53%, o dado mostra uma sobre-representação de brancos no ensino superior da ordem de 20% (p.240). Como afirmara Henriques em 2002, o aumento do número de anos de

estudo dos brasileiros continua sendo verificado em 2010, e a desigualdade entre

brancos e negros também. Isso é tão grave, que os negros (para o IBGE pretos e

UFRJ UFPR UFMA UFBA UnB

Branca 76,8 86,5 47,0 50,8 63,7

Parda 17,1 7,7 32,4 34,6 29,8

Preta 3,2 0,9 10,4 8,0 2,5

Amarela 1,6 4,1 5,9 3,0 2,9

Indígena 1,3 0,8 4,3 3,6 1,1

Total 100 100 100 100 100

% pop.

Negra (preta + parda) do Estado

38,2 22,4 75,1 79,2 53,6

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pardos) têm números menores em 2009 do que os brancos em 1999. Senão

vejamos, em 2010, a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE afirma que:

A população branca de 15 anos ou mais de idade tem, em média, 8,4 anos de estudo em 2009, enquanto pretos e pardos têm, igualmente, 6,7 anos. Em 2009, os patamares são superiores aos de 1999 para todos os grupos, mas o nível atingido tanto pela população de cor preta quanto pela de cor parda, com relação aos anos de estudo, é atualmente inferior àquele alcançado pelos brancos em 1999, que era, em média, 7,0 anos de estudos (IBGE, 2010, p. 227). No que tange ao ensino superior, a pesquisa continua a afirmar: A proporção de estudantes de 18 a 24 anos de idade que cursam o ensino superior também mostra uma situação em 2009 inferior para os pretos e para os pardos em relação à situação de brancos em 1999. Enquanto cerca de 2/3, ou 62,6%, dos estudantes brancos estão nesse nível de ensino em 2009, os dados mostram que há menos de 1/3 para os outros dois grupos: 28,2% dos pretos e 31,8% dos pardos. Em 1999, eram 33,4% de brancos, contra 7,5% de pretos e 8,0% de pardos (Idem, p.228).

Os dados indicam que cursar o ensino superior, especialmente o público no

Brasil, ainda hoje tende a ser privilégio dos jovens brancos. Nesse sentido,

Guimarães (2001) afirma:

Todos os dados disponíveis mostram que a população de jovens que se definem como “pardos” e “pretos” nas universidades brasileiras, principalmente naquelas públicas e gratuitas, está muito abaixo da população desses grupos de cor residente nos estados e cidades onde estão localizadas essas universidades (p.1).

A discriminação sofrida pelos negros, no campo da educação superior no

Brasil, dificulta e, em certos casos, pode inviabilizar a competição pela obtenção de

empregos e posições de poder e reconhecimento social. Trata-se de uma privação

instrumental que gera uma discriminação que tem efeitos nas gerações posteriores.

O estudo de Queiroz (2002) quanto à composição racial dos estudantes da

UFBA em 2002 revelou que:

(...) é sobretudo dos brancos o privilégio do acesso a carreiras superiores de prestígio. Aos negros estão reservados os cursos menos valorizados socialmente, como aqueles de formação de professores, por exemplo. Ainda nesses cursos eles são, em geral, minoritários. Desta forma, em que pese a expressiva presença dos negros no conjunto da população baiana, eles não estão se beneficiando, na mesma medida que o contingente branco, do acesso à universidade (p.19). A escolha dos vestibulandos negros tem recaído em cursos de menor

prestígio social, em que a relação candidato-vaga é menor, como nas

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licenciaturas. A questão do acesso às universidades não passa só pelo diferencial

quantitativo, mas também por uma distribuição desigual dos negros entre os

cursos universitários, assim o número de formandos brancos aumenta dependendo

do status social do curso.

Na referida pesquisa, Teixeira (2003) explicita que esse comportamento faz

parte de uma estratégia utilizada por negros, mulatos e pardos que pretendam

cursar o ensino superior numa universidade pública. Essa presença era em maior

número nos cursos de Enfermagem, Matemática, Arquivologia, Ciências Sociais,

Pedagogia e Serviço Social, cursos de “mais baixo status e menor concorrência no

exame vestibular” (p. 240).

O fato é que os negros ainda estão subrepresentados entre os que possuem

educação superior. Daí a relevância de políticas públicas que promovam o acesso,

a permanência e uma bem sucedida formação universitária, em todas as carreiras

acadêmicas, a esse grupo social.

As ações afirmativas na educação superior são hoje uma realidade. As iniciativas

legais, por um lado, e as derivadas da autonomia das universidades, por outro, indicam

que o número de instituições que adotam as diferentes modalidades de ação afirmativa

cresceu e essa é a tendência. Em 2005, quando defendi minha dissertação de mestrado

(Valentim, 2005) havia ações afirmativas em pelo menos, dezesseis universidades

públicas11; hoje o número é bem maior, conforme demonstraremos em um capítulo

posterior. Cabe aos estudiosos do campo da educação estar atentos a essa nova

realidade que já produz questões, tensões e desafios.

1.3 Procedimentos metodológicos

A natureza das questões que investiguei e sua abrangência exigiram um

tratamento metodológico amplo e flexível, que articulou um estudo de caráter

reflexivo-analítico da literatura pertinente: às políticas de ação afirmativa e seu debate

teórico, inseridas num contexto de políticas de reconhecimento cultural

protagonizadas pelos movimentos negros; à constituição da experiência de ação

11 UERJ, UENF, UNEB, UEL, UNB, UFBA, UFJF, UEA, UNIFESP, UEMG, UEMS, UNIMONTES, UFAL, UFPR, UDESC e UNICAMP.

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afirmativa desenvolvida pela UERJ; ao atual estágio das políticas de ação afirmativa

no Brasil; à temática da desigualdade racial existente na sociedade brasileira,

especialmente no tocante à pouca presença de negros no ensino superior; à presença

de sujeitos pobres e negros no ensino superior, especialmente os que tiveram acesso à

universidade através de ações afirmativas e os caminhos que traçaram até suas

formaturas e, simultaneamente, à realização uma pesquisa de campo.

A pesquisa bibliográfica incluiu livros, artigos e, com destaque, as

dissertações e teses recentemente publicadas e defendidas nos diversos programas

de pós-graduação, não só em educação, sobre a experiência das ações afirmativas

nas universidades e sobre os alunos que tiveram acesso às suas vagas

universitárias, através delas (cotistas e bolsistas). Também foram fontes os

documentos legais, exarados ou não pela UERJ, que construíram e ainda

constroem a sua experiência específica de ações afirmativas desde 2003 e as

pesquisas quantitativas e qualitativas relativas às desigualdades sociais e raciais

realizadas pelo IBGE e IPEA.

Uma abordagem do tipo qualitativa foi a opção que me pareceu adequada

para o encaminhamento da pesquisa de campo. Dentre as características dessa

abordagem, destaco a possibilidade de compreender a realidade partindo-se do

princípio de que não há investigação neutra. Segundo Alves-Mazzotti (1991),

esta abordagem [qualitativa] parte do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores e seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado (p. 54). Assim é que os fatos, documentos e falas permitem uma análise

interpretativa que sempre será condicionada pela subjetividade do investigador e

pelo seu contexto histórico-cultural. Para Lüdke e André (1988),

O que cada pessoa seleciona para “ver” depende muito de sua história pessoal e principalmente de sua bagagem cultural. Assim, o tipo de formação de cada pessoa, o grupo social a que pertence, suas aptidões e predileções fazem com que sua atenção se concentre em determinados aspectos da realidade, desviando-se de outros (p.25). Importante ainda, nesta abordagem, é não ter a pretensão de esgotar a

questão proposta; o mais significativo é ouvir atentamente os diferentes atores

envolvidos na investigação. Para Goldenberg (1998, p.107), “na pesquisa

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qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade

numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de

um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória, etc...”

No intuito de conhecer como ex-cotistas negros formados se situam em

relação às suas trajetórias universitárias, às suas experiências universitárias, e de

identificar as estratégias que utilizaram para alcançar suas formaturas,

consideramos como adequado privilegiar a realização de entrevistas individuais

semiestruturadas. Não se tratou de fazer a história de vida desses sujeitos, mas

estimular a construção de uma memória da experiência universitária vivida.

Pensamos como Duarte (2004), para quem as entrevistas,

são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados. Nesse caso, se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados (p.215). As entrevistas foram um valioso instrumento metodológico. Segundo Lüdke

e André (1988),

A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista bem feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de alcance mais superficial, como o questionário (p. 34).

Optei pela entrevista semiestruturada. As perguntas tinham o propósito de

desencadear reflexões sobre o tema da pesquisa. Como veremos a partir do

capítulo quatro, este tipo de entrevista foi bastante produtivo na medida em que

possibilitou a mim e aos entrevistados desenvolvermos questões para além do

solicitado, o que enriqueceu nossa compreensão sobre as questões pesquisadas.

Em muitos momentos este tipo de entrevista possibilitou, também ao entrevistado,

uma ocasião de organização de ideias e de construção de um discurso para a

entrevistadora, ou seja, um momento de reflexividade sempre presente neste tipo

de técnica de pesquisa (Szymanski, 2004). Neste sentido, em muitas ocasiões, nós

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percebemos que os depoimentos foram sendo expostos numa narrativa inédita,

provocando, por sua vez, uma auto-reflexão para ambos os sujeitos sobre os

sentidos dos conteúdos conversados na entrevista.

Antes das entrevistas, os ex-alunos preencheram uma ficha com perguntas

sobre seu histórico escolar e condições socioeconômicas (apêndice 7.1). Os

entrevistados ainda assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(apêndice 7.3).

Construí um roteiro de entrevista a partir de 6 eixos temáticos de

investigação: 1.Trajetória universitária: primeiros momentos; 2. Permanência na

universidade; 2.1. Condições financeiras; 2.2. Tempo e local de estudos; 2.3.

Relação com outros alunos; 2.4. Relação com os professores; 3. Outros espaços

formativos; 4. Maiores desafios/dificuldades/êxitos/prazeres; 5. A questão da

cor/raça e da discriminação/racismo na universidade e 6. Você e as cotas hoje.

Foram 38 questões semi-estruturadas (apêndice 7.2).

A análise das entrevistas foi feita através da técnica de análise de conteúdo,

potente instrumentos para descrever e interpretar toda classe de documentos e

textos. Para Moraes (1999),

Na sua evolução a análise de conteúdo tem oscilado entre o rigor da suposta objetividade dos números e a fecundidade sempre questionada da subjetividade. Entretanto, ao longo do tempo, têm sido cada vez mais valorizadas as abordagens qualitativas, utilizando especialmente a indução e a intuição como estratégias para atingir níveis de compreensão mais aprofundados dos fenômenos que se propõe a investigar (p.2). Mais adiante, ele afirma que a análise de conteúdo parte de pressupostos, os

quais, no exame de um texto, servem de suporte para captar seu sentido simbólico

que nem sempre é manifesto e seu significado não é único. Assim a análise de

conteúdo “é uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação à

percepção que tem dos dados. Não é possível uma leitura neutra. Toda leitura se

constitui numa interpretação” (idem, p.3).

O processo de análise de conteúdo foi constituído de cinco etapas: 1.

preparação das informações; 2. Transformação do conteúdo em unidades; 3.

classificação das unidades em categorias temáticas; 4. Descrição e 5. Interpretação.

Quanto às datas de formatura dos alunos cotistas, observei que a primeira

entrada desses se deu em 2003 no primeiro semestre, logo, hipoteticamente, suas

formaturas ocorreriam somente a partir do ano de 2006, desde que seus cursos

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fossem de quatro anos e que conseguissem não atrasar nenhum semestre. Para os

alunos que optassem por cursos de cinco anos, as formaturas só ocorreriam em

2007, no caso também de não atrasarem nenhum semestre.

Tendo em vista que a UERJ foi pensada para dar formação aos alunos

trabalhadores e que, historicamente, seus alunos têm perfil mais popular e que a

maioria trabalha enquanto cursa a universidade (Valentim, 2005a, p.41) não é

incomum que não terminem seus cursos no prazo padrão de 4 ou 5 anos.

Soma-se a essa característica fundadora e constitutiva da UERJ, o fato de

que a partir de 2004, a universidade implantou um “corte de renda” para os

candidatos às suas cotas, o que implica dizer que os cotistas ingressantes a partir

deste ano são necessariamente alunos de baixa renda, independentemente dos

cursos que escolheram realizar, o que poderia implicar na necessidade de maior

prazo para a formatura.

Cogitei ainda que outra dificuldade em relação aos prazos de formatura diz

respeito à entrega de trabalho de conclusão de curso, exigida em alguns cursos.

Não é incomum que os alunos encerrem seus créditos e fiquem “pendurados pela

monografia”.

É importante levar em conta que a comunidade universitária da UERJ,

nesses últimos anos realizou vários movimentos paredistas que levaram meses e

que alteraram acentuadamente seus calendários acadêmicos. A UERJ ainda sofreu

um incêndio importante em 2007.

Pelo exposto, achei prudente delimitar a procura de ex-alunos cotistas

formados a partir de 2006 até o final do primeiro semestre de 2010, como

integrantes/sujeitos desta pesquisa.

A questão de maior complexidade metodológica foi como encontrar esses

ex-cotistas já formados agora que tais sujeitos não circulam mais no espaço da

universidade. Como “chegar” aos sujeitos da pesquisa?12

Iniciei minha busca pelo PROINICIAR – Programa de Iniciação

Acadêmica, órgão ligado à sub-reitoria de graduação da universidade, onde

sempre fui atendida com cortesia. No entanto, muitas das informações que requeri

me foram negadas com diferentes justificativas. No que tange à minha procura

pelos egressos do sistema de cotas, seus nomes e contatos, foi frustrante.

12 Vânia Penha-Lopes (2007) fez uma pesquisa semelhante a que relato, entretanto, trabalhou com formandos de dois cursos da UERJ.

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Informaram que não tinham os dados que pedia, depois justificaram que seria

antiético fornecer os contatos de ex-alunos cotistas levando em conta que a UERJ

não publiciza quem é ou não cotista e quando pedi que remetessem uma

correspondência minha aos ex-alunos, de modo que eu não viesse a conhecer os

seus nomes e endereços, explicaram que a universidade não tem orçamento para

tal e quando eu me prontifiquei a custear esse envio me disseram que a

universidade não poderia aceitar meu dinheiro e, por fim, quando levantei a

hipótese de que os ex-alunos cotistas pudessem receber uma correspondência

virtual (um e-mail) me informaram que não havia um funcionário disponível13.

Diante desse insucesso imaginei que poderia encontrar os formados através

de redes sociais e, como minha pesquisa tem foco nos alunos negros ex-cotistas

recorri a um grupo que, na UERJ, aglutina parcela desses alunos promovendo sua

socialização através de discussões e grupos de estudo sobre temas identitários,

políticas afirmativas, dentre outras. Imaginei que poderia fazer um recorte,

pesquisar ex-cotistas negros militantes.

Embora tenha tido a intervenção de uma amiga negra, doutora em educação,

reconhecida por esse coletivo por sua “combatividade”, a resposta ao meu pedido

de colaboração foi negativa com a justificativa de que sendo uma pesquisadora

branca não poderia construir conhecimento sobre negros14.

O tempo passava e ficava cada vez mais preocupada. Por outro lado, é razoável

imaginar que parcela de alunos cotistas não tenham se identificado como tal durante o

curso, pelas mais diferentes razões, entre elas, com certeza, o receio de uma não

aceitação por parte dos colegas e professores, principalmente se lembrarmos que a

UERJ foi a primeira universidade pública a adotar ações afirmativas, que tal sistema

foi duramente criticado pela mídia e questionado por centenas de ações judiciais, só

Mandados de Segurança foram 291 (Valentim, 2005a, p.54).

Diante dessas dificuldades para a seleção dos participantes na pesquisa,

optei pela técnica de snowball ou metodologia “bola de neve” (Goodman, 1961)

para conseguir alcançar meus sujeitos de pesquisa. Trata-se de metodologia de

indicação de informantes, amplamente empregada em pesquisas de diferentes 13 As sucessivas administrações da UERJ têm divulgado com extrema parcimônia os dados referentes à sua experiência aos pesquisadores e ao público em geral. Além disso, a sede do PROINICIAR foi totalmente queimada pelo incêndio de 2007. Recorri às bibliotecas da instituição, conversei com as profissionais responsáveis que me disseram não possuir os materiais e informações que demandava. 14 Tensões dessa natureza fazem parte do estudo e pesquisa no campo das relações raciais.

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campos de conhecimento15, especialmente, quando os indivíduos que se quer

acessar são difíceis de encontrar, ausentes, subrepresentados ou invisibilizados16.

De acordo com Fernandes e Carvalho (2000), seria essa técnica de seleção a

mais apropriada quando se trata de populações ocultas. Para eles, “... a ocultação

se caracteriza por ser da iniciativa dos próprios sujeitos envolvidos, tendo em

conta a estigmatização ou sanção social e penal inerentes à característica

ocultada” (p.21).

A técnica snowball utiliza “cadeias de referências” como vias de acesso

privilegiadas quando se estudam populações ocultas, de difícil acesso ou que tem

preocupações com a privacidade, entretanto, ninguém na esfera social é

totalmente inacessível. Num contexto em que ninguém tem certeza de quem é

cotista ou não, à exceção da burocracia da UERJ, que não me liberaria os dados,

essa técnica foi considerada adequada para investigação.

15 Encontrei pesquisas interessantes em campos de conhecimento muito distintos, destaco algumas: pesquisa com deficientes visuais que utilizam a internet Herrera, M e Passerino, L. Estigma e Ciberespaço: desafios da netnografia como metodologia para pesquisa de redes temáticas na blogosfera. Revista Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, V. 6 Nº 2, Dezembro, 2008, disponível em http://www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2008/artigos/2b_liliana.pdf acesso em: 10 de março de 2010; Pesquisas sobre gênero e sexualidade, Práticas sexuais e conscientização sobre AIDS: uma pesquisa sobre o comportamento homossexual e bissexual / Juan Carlos Raxach... [et al.]. - Rio de Janeiro: ABIA, 2007. 18 p. - Coleção ABIA. Saúde sexual e reprodutiva; n.5; Pesquisa sobre usuários de drogas, Fernandes, L. e Carvalho, M. Por onde anda o que se oculta: o acesso a mundos sociais de consumidores problemáticos de drogas através do método do snowball. Revista Toxicodependências, editada pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), vol.6, n.3, ano 2000, PP. 17-28 disponível em http://www.idt.pt/PT/Investigacao/Documents/artigo/Fernandes.pdf acesso em: 10 de março de 2010; Pesquisa sobre administração de estoques, Santos, C. A orientação da cadeia de suprimentos e seu impacto sobre os desempenhos do fornecedor, e comprador na indústria brasileira de autopeças. Dissertação de Mestrado em Administração, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006; Pesquisa sobre atividades agroindustriais, Schwartz, L. Organização espacial e reprodução social da agricultura familiar: um estudo de caso da localidade de Harmonia I, São Lourenço do Sul, RS. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Pelotas, 2008 e pesquisa sobre redes sociais, Lavalle, A., Houtzager, P. e Castello, G. Representação política e organizações civis: novas instâncias de mediação e os desafios da legitimidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.21, n.60, São Paulo, fev. 2006, pp. 43-66. 16 Uma descrição interessante de snowball sampling é encontrada na página do Departamento Australiano de Sustentabilidade e Meio Ambiente: “Snowball sampling is an approach for locating information-rich key informants. Using this approach, a few potential respondents are contacted and asked whether they know of anybody with the characteristics that you are looking for in your research. For example, if you wanted to interview a sample of vegetarians/cyclists/people with a particular disability/people who support a particular political party etc., your initial contacts may well have knowledge (e.g. through a support group) of others”. Disponível em: http://www.dse.vic.gov.au/DSE/wcmn203.nsf/LinkView/D340630944BB2D51CA25708900062E9838C091705EA81A2FCA257091000F8579/ acesso em 15 de março de 2010.

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A constituição dessa seleção através da metodologia “bola de neve” se dá na

medida em que são solicitadas indicações de alunos que sucessivamente acabam

repetindo o processo indicando outros que voluntariamente queiram participar do

estudo. O ponto de partida na construção da “bola de neve” foi minha lista de e-

mails, mas também recorri pessoalmente aos centros acadêmicos e à associação de

funcionários. Escrevi às comunidades do Orkut e aos meus contatos pessoais17,

pedindo que repassassem meu email aos seus contatos pessoais, em busca de

alunos já formados pela UERJ após 2006, porque entendi lendo os vários

trabalhos científicos que utilizam esse método, que ele ressalta a

confidencialidade que alguns sujeitos de pesquisa necessitam, no meu caso, ex-

cotistas que poderiam valorizar o silêncio de sua condição, ainda mais no começo

de suas vidas profissionais.

As respostas lentamente chegaram ao meu e-mail. Primeiro precisei

confirmar se o ex-aluno correspondia aos meus critérios, isto é, tinha entrado na

UERJ através de ação afirmativa, autodeclarado negro e já formado,

independentemente do curso ou de ser oriundo de escolas públicas. Em caso

positivo, remeti, ainda por e-mail, um pequeno texto explicativo com um pedido

de entrevista que deveria ser marcado num local tranquilo e da preferência do

entrevistado. Especifiquei ainda que o entrevistado deveria dispor de uma a duas

horas para a entrevista.

Da primeira à última entrevista foram necessários 15 meses.

Quanto ao local da entrevista, duas ocorreram no trabalho do depoente, seis

na UERJ, cinco na minha casa, uma na PUC-Rio, uma no CEFET e outra numa

livraria no centro da cidade.

Atenta ao fato de que a pesquisa qualitativa não privilegia o critério

numérico, mas sim a capacidade de refletir o fenômeno pesquisado nas suas

múltiplas dimensões, entrevistei 16 (dezesseis) ex-alunos e ao final dessas

entrevistas fiquei convicta de que atingi meu limite de apreensão das nuances dos

depoimentos e de que o material colhido para a análise que me propunha a fazer

estava dado. Faço minhas as palavras de Jailson de Souza e Silva (2003), que em

1999 defendeu tese de doutorado pioneira sobre a chegada de estudantes de

17 Meus contatos pessoais são diversos, faço parte de diferentes Listas que lidam com a temática racial e de Direitos Humanos e como fui aluna de dois cursos de graduação da UERJ e também professora substituta, tenho emails de ex-alunos e professores da universidade.

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origem popular ao ensino superior, “isto porque as inesgotáveis possibilidades de

combinações de estratégias/ações decretam a falta de sentido em buscar exaurir as

possibilidades de apreensão” (p.25).

As entrevistas foram gravadas digitalmente e transcritas18.

1.4 Organização da tese

A pesquisa está estruturada em quatro capítulos. Esta Introdução constitui o

primeiro.

No capítulo 2, faço uma reflexão teórica sobre a política de ações

afirmativas orientada pelo estudo aprofundado da literatura. O capítulo trata do

crescente reconhecimento dos direitos coletivos no ordenamento jurídico nacional

impulsionado pelas demandas e lutas do Movimento Negro. Dialogo com os

autores do campo das ciências sociais e recolho as justificativas e definições das

ações afirmativas pensadas diante dos significados da igualdade formal e material

na contemporaneidade. Amparada no entendimento de Fraser (2001), para quem a

justiça hoje requer tanto redistribuição quanto reconhecimento, afirmo que as

políticas públicas de ação afirmativa se constituem numa versão da política

cultural da diferença que pode ser coerentemente combinada com a política social

da igualdade, dito de outro modo, têm potencialidades no enfrentamento do

racismo cultural brasileiro, mas também respondem à dimensão redistributiva de

aumento de renda e mobilidade social ascendente dos sujeitos negros. Ainda no

capítulo 2, fazemos uma panorâmica das ações afirmativas que hoje se

desenvolvem nas universidades brasileiras.

O capítulo 3 está dedicado ao contexto em que se desenvolve a política de

ações afirmativas, isto é, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Apresentamos e problematizamos a universidade, as diferentes leis estaduais que

instituíram as reservas de vagas, os decretos que as regulamentaram e

explicitamos todo o processo de implantação dessas sistemáticas. Nesse capítulo

desenvolvo a hipótese de que ser um aluno cotista da UERJ é ter um atributo que

o estigmatiza nas relações que se desenrolam no ambiente universitário. De

acordo com as categorias de Goffman (2008), não são os cotistas alunos normais. 18 Em média, as transcrições foram de 50 páginas.

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Por outro lado, são os alunos negros prontamente evidenciados pela comunidade

universitária como sendo cotistas, isto é, portadores de uma identidade

deteriorada. Alunos negros e cotistas vivenciam a condição do desacreditado

enquanto os cotistas brancos do desacreditável.

No capítulo 4, apresento os sujeitos da pesquisa, isto é, os ex-alunos cotistas

que se autodeclararam negros e que alcançaram a formatura contrariando o efeito

pigmaleão (Rosenthal & Jacobson, 1966). Nesse capítulo, me debruço sobre as

entrevistas que realizei19, descrevendo e analisando em cotejo com a teoria, os

depoimentos dos ex-alunos negros cotistas da UERJ. O capítulo 4 está dividido

em 8 subcapítulos: 4.1. Caracterização dos entrevistados; 4.2. Primeiros

momentos na universidade; 4.3. As dificuldades e desafios enfrentados; 4.4.

Estratégias de permanência na universidade; 4.5. Estudos: quando, quanto, onde e

com quem? ; 4.6. Relações com os professores; 4.7. Relações com os colegas de

classe; 4.8. Outros espaços formativos; 4.9. Maiores prazeres e alegrias.

As considerações finais encerram o trabalho.

19 O roteiro de entrevistas está no apêndice 7.2.

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2 As ações afirmativas para os negros: tensões e potencialidades

Este debate se resume a duas abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual a humanidade é uma natureza ou uma essência e como tal possui uma identidade genérica que faz de todo ser humano um animal racional diferente dos demais animais. Eles afirmam que existe uma natureza comum a todos os seres humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnias, cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato, concebido como democrático.(...) A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do mundo em que não se integram as diferenças. A melhor abordagem seria aquela que combina a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. (...) A cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e, conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana. A estratégia que obriga a tornar as diferenças salientes em todas as circunstâncias obriga a negar as semelhanças e impõe expectativas restringentes. Se a questão fundamental é como combinar a semelhança com a diferença para podermos viver harmoniosamente, sendo iguais e diferentes, por que não podemos também combinar as políticas universalistas com as políticas diferencialistas? Diante do abismo em matéria de educação superior, entre brancos e negros, brancos e índios, e levando-se em conta outros indicadores socioeconômicos provenientes dos estudos estatísticos do IBGE e do IPEA, os demais índices do Desenvolvimento Humano provenientes dos estudos do PNUD, as políticas de ação afirmativa se impõem com urgência, sem que se abra mão das políticas macrossociais (Munanga, 2009, p.6-7).

2.1 As ações afirmativas: natureza teórica e definições

O Estado brasileiro vem, desde o final da ditadura militar, radicalizando a

sua construção enquanto um Estado democrático, principalmente após a

promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse Estado, continuadamente, tem

reconhecido os direitos coletivos e as demandas sociais que existem para além do

âmbito dos direitos individuais. Nesse sentido, temos presenciado diferentes

iniciativas públicas que partem do reconhecimento de desvantagens sociais

experimentadas por grupos culturais como mulheres, negros, índios, deficientes,

homossexuais e outros, através de políticas públicas a eles destinadas, ainda que

limitadas, que se propõem a remediar as desigualdades.

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A partir da década de 1980 a emergência dos novos movimentos sociais dá

visibilidade a formas inovadoras de organização dos trabalhadores, às vezes em

oposição mesmo às estruturas tradicionais dos partidos políticos e sindicatos.

Mulheres, homossexuais e negros, por exemplo, passaram a formular diferentes

estratégias para o desenvolvimento de políticas da diferença, construindo uma

pauta de demandas relativas aos modernos direitos sociais, que impuseram o tema

da identidade como central nessas demandas.

O Brasil não está sozinho nesse movimento de reconhecimento dos grupos

sociais e suas identidades culturais, especialmente daqueles que chamamos de

minorias, compartilhando o entendimento de Rocha (1996), ministra do Supremo

Tribunal Federa para quem:

Não se toma a expressão minoria no sentido quantitativo, senão que no de qualificação jurídica dos grupos contemplados ou aceitos com um cabedal menor de direitos, efetivamente assegurados, que outros, que detém o poder. Na verdade, minoria no Direito democraticamente concebido e praticado, teria que representar o número menor de pessoas, uma vez que a maioria é a base de cidadãos que compreende o maior número tomado da totalidade dos membros da sociedade política. Todavia, a maioria é determinada por aquele que detém o poder político, econômico e inclusive social em determinada base de pesquisa. Ora, ao contrário do que se apura, por exemplo, no regime da representação democrática nas instituições governamentais, em que o número é que determina a maioria (cada cidadão faz-se representar por um voto, que é o seu, e da soma dos votos é que se contam os representados e os representantes para se conhecer a maioria), em termos de direitos efetivamente havidos e respeitados numa sociedade, a minoria, na prática dos direitos, nem sempre significa o número menor de pessoas. Antes, nesse caso, uma minoria pode bem compreender um contingente que supera em número (mas não na prática, no respeito, etc.) o que é tido por maioria. Assim o caso de negros e mulheres no Brasil, que são tidos como minorias, mas que representam maior número de pessoas da globalidade dos que compõem a sociedade brasileira (p.285).

A ascensão de políticas de identidade é um fato marcante nesse novo século

e é um fenômeno globalizado, vide o Relatório do Desenvolvimento Humano do

PNUD de 2004, que demarca a centralidade das questões culturais e as

consequentes lutas por poder que permeadas por essa dimensão se multiplicam.

Mais e mais, as pessoas individualmente ou coletivamente se mobilizam,

pretendendo minorar injustiças étnicas, religiosas, raciais e/ou culturais. Uma luta

que faz parte de um processo histórico por mudança social e liberdade cultural,

com iguais oportunidades culturais, isto é, por demandas voltadas ao

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reconhecimento cultural, sem olvidar as necessárias demandas por políticas de

redistribuição socioeconômicas.

Nessa perspectiva, grupos politicamente minoritários, em articulação com a

sociedade civil organizada, vêm, por sua luta e esforço de visibilização, clamando

por uma cidadania apta ao convívio democrático, baseada no reconhecimento da

diferença cultural. Numa sociedade marcada pelo respeito à pluralidade cultural,

os cidadãos não precisam se esvaziar de sua identidade cultural, étnica ou racial, o

que McLaren (2000, p.42) chama de perversão sub-reptícia da democracia.

Em tal contexto, as relações entre educação e cultura(s) estão adquirindo

paulatinamente maior importância, especialmente, entre outras medidas, com o

incremento das ações afirmativas voltadas aos estudantes negros nas

universidades públicas e privadas.

Com o propósito de enfrentar as desigualdades materiais e simbólicas, os

movimentos negros organizados têm protagonizado diferentes lutas e estratégias

por demandas visando igualdade de oportunidades, direitos sociais e

reconhecimento cultural que vêm pressionando o Estado brasileiro a construir

políticas públicas que tratem dessas demandas. Especialmente a partir da década

de 90 os movimentos sociais, não só os negros, passaram a institucionalizar-se,

fundamentalmente, por meio das organizações não-governamentais. Tais

organizações assumiram o papel não apenas de fazer oposição ao Estado, mas de

participar da elaboração de políticas públicas, contribuindo, assim, para ampliar a

esfera pública para além da esfera estatal. Para Benevides (2006), “marcam, dessa

forma, ainda que embrionariamente, a transição de um modelo meramente

representativo de democracia para um modelo centrado no exercício ativo da

cidadania (Benevides apud Soares do Bem, p.1154).

Soares do Bem refuta o viés idealista que situa o Estado como resultado de

uma evolução sempre ascendente da razão (espírito), compreendendo-o, como

“expressão material da divisão e da separação” (2006, p.1153). Nesse sentido,

operacionaliza-se a compreensão da articulação do movimento antagônico das

forças sociais simultaneamente à desmistificação da administração estatal como

alheia, superior, exterior ao conflito e recompõe-se, desse modo, “a necessária

dialética entre as forças sociais e o ordenamento jurídico na sociedade brasileira”.

Acerca das relações entre movimentos sociais e o Estado, Soares do Bem (2006)

aponta que,

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Se, de um lado, no período inicial de constituição do Estado brasileiro, o processo de modernização adotado forjou a introdução de um modelo de democracia com pequena participação popular, de outro, pode-se dizer que a emergência dos movimentos sociais politicamente organizados foi moldando, pouco a pouco, novas facetas nos modos de estruturação da tensa e contraditória relação entre Estado e sociedade, forçando-o a uma permanente negociação e integração das demandas sociais. O grande desafio para a sociedade brasileira reside justamente na capacidade de mobilização estratégica de suas forças transformadoras, na busca de formas qualitativamente superiores e mais estáveis de organização e de atuação, tendo em vista a sua co-participação no controle e na gestão da coisa pública, a exemplo das recentes experiências relacionadas aos orçamentos participativos. Neste sentido, a educação permanece como um dos mais importantes instrumentos para a garantia da passagem de um modelo de democracia representativa para aquele centrado no exercício ativo da cidadania (Idem, p.1154).

Foram necessárias décadas de luta empreendida pelo Movimento Negro e

seus aliados e significativas pressões internacionais20 para que o tema das ações

afirmativas, referidas à população negra, entrasse definitivamente na pauta de

discussões da sociedade brasileira como um possível caminho que vise reparar a

desigualdade social dos negros, promovendo sua igualação, com redistribuição de

recursos e bens sociais.

Guimarães (1996) demarca o Seminário Internacional realizado em julho de

1996, organizado pelo então Departamento dos Direitos Humanos da Secretaria

dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça, como sendo “a primeira vez

que um governo brasileiro admitiu discutir políticas públicas especificamente

voltadas para a ascensão dos negros no Brasil” (p.235).

Entretanto, o movimento nacional para a implementação de ações

afirmativas somente se solidificou depois da participação do Brasil na 3ª

Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia

e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, na África do Sul. Após assinar a

Declaração de Durban, o Brasil se comprometeu a implantar políticas específicas

para grupos que têm sido historicamente discriminados.

Devido à importância que conferimos à luta empreendida historicamente

pelo Movimento Negro, mas sem a pretensão de fazer aqui um levantamento

histórico detalhado sobre as contínuas atividades empreendidas por ele,

destacamos três momentos que julgamos de maior relevância dentre elas,

especialmente, após as lutas por redemocratização que culminaram com a

20 O movimento negro brasileiro buscou integrar-se numa rede mundial de alianças pelos direitos humanos.

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Constituição de 1988 onde a bancada sintonizada com a militância negra, no ano

do Centenário da Abolição, constituída pelos deputados Benedita da Silva, Carlos

Alberto de Oliveira Caó e Paulo Paim, conseguiu aprovar na nova Constituição

Federal o art. 215, §1º, que garante proteção às manifestações culturais dos

“grupos participantes do processo civilizatório nacional”, o art. 5º inciso XLII,

que estabeleceu o racismo como crime inafiançável e imprescritível e o art. 68 das

Disposições Transitórias determinando a demarcação das terras dos

remanescentes de quilombos.

Como primeiro momento, destacamos a Marcha Zumbi dos Palmares

Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, realizada em 1995; apresenta ao

governo e à sociedade um programa de ações para a superação do racismo e das

desigualdades raciais. Foi uma grande manifestação organizada pelo Movimento

Negro que levou mais de 30 mil pessoas à Brasília.

Em resposta, foi criado, no Ministério da Justiça, o Grupo de Trabalho

Interministerial de Valorização da População Negra e o I Programa Nacional de

Direitos Humanos, de 1996, que continha um tópico destinado à população negra,

reconhecendo a relevância de políticas públicas destinadas à conquista da

igualdade de oportunidades.

Desde a segunda metade da década de 1970 do século passado até os anos

1990, avançaram as pressões dos movimentos sociais negros por políticas

públicas orientadas a descortinar a invisibilidade da questão racial no Brasil,

denunciando o “mito da democracia racial brasileira” como,

ideologia tendente a escamotear a realidade do racismo sob pretexto de que a imensa mestiçagem da população seria prova da harmonia entre os grupos raciais e da inexistência de preconceitos raciais. Diante da valorização da mestiçagem, o Movimento Negro Unificado- MNU, nos anos de 1970, denunciava um projeto assimilacionista que visava o branqueamento das populações negras e indígenas (Almeida, 2011, p.59).

Por outro lado, tais pressões visavam ainda coibir atitudes racistas e

discriminatórias, especialmente a conquista da promulgação da Lei Caó, Lei

7.716/89.

É também na década de 1990 que se consolidam os pré-vestibulares para

negros e carentes que já existiam desde 1976. São movimentos bem sucedidos não

só no tocante propriamente à luta pelo acesso às vagas universitárias, mas quando

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acabam por escancarar a questão da discriminação racial brasileira que opera

também na obtenção dessas vagas universitárias, especialmente as mais

disputadas, as de maior prestígio nas universidades públicas.

O segundo marco importante foi após III Conferência Mundial de Combate

ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida

em 2001, na África do Sul, quando as lutas dos movimentos negros ganham em

radicalidade, visibilidade e densidade política. Após Durban, os movimentos

sociais se reposicionam e mudam gradativamente o foco de suas atuações quando

vão se dando conta de que os mecanismos denuncistas contra o racismo e medidas

repressivas/punitivas, ambos baseados em leis antidiscriminatórias, são

fundamentais, mas não são suficientes,

(...) Para reverter um quadro social que finca âncoras na tradição cultural de cada país, no imaginário coletivo, em suma, na percepção generalizada de que a uns devem ser reservados papéis de franca dominação e a outros, papéis indicativos do status de inferioridade, de subordinação (Joaquim Gomes, 2001, p.37).

São demandadas, cada vez com maior intensidade, ações estatais de cunho

promocional da igualdade material e em resposta a esse novo posicionamento, o

Estado brasileiro em 2001, cria o Conselho Nacional de Combate à Discriminação

e a partir de então, começam a ser cogitadas as ações afirmativas na educação e no

mercado de trabalho. Joaquim Gomes (2003) sustenta que tais medidas, ainda em

elaboração, ressaltam que os governos começam a sair da sua histórica letargia,

tomando a iniciativa de medidas que “poderão mitigar o vergonhoso quadro de

apartheid informal que todos vêem, mas parecem recusar-se a enxergar” (p. 315).

Daí uma tendência, cada vez mais nítida, de inserir a discussão de

proposições concernentes à democratização do acesso e permanência dos negros

nos espaços educacionais e de trabalho, através das ações afirmativas no epicentro

do debate nacional. Destaco a iniciativa do Supremo Tribunal Federal que

promoveu Audiência Pública sobre as Ações Afirmativas nos dias 3, 4, e 5 de

março de 2010. Foram três dias de intensa discussão sobre a natureza,

justificativa, legalidade e oportunidade histórica dessas políticas públicas

voltadas, não só, mas, principalmente, aos negros brasileiros.

Esse contexto de disputas por reconhecimento e redistribuição está marcado

por inúmeros conflitos na luta pelo empoderamento dos grupos sociais

historicamente discriminados, numa correlação de forças e poder desiguais.

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Empoderamento aqui entendido como um processo que fortalece a autoconfiança

dos grupos sociais marginalizados, visando capacitá-los para a articulação de seus

interesses e para a participação na sociedade, além de lhes facilitar o acesso aos

recursos sociais disponíveis e o controle sobre esses.

Em 2003, foi instituída a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial (Seppir), vinculada diretamente à Presidência da República, com

status de ministério, foi criado o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade

Racial (CNPIR), e foi lançada a Política Nacional de Promoção da Igualdade

Racial que tem como uma de suas orientações básicas a adoção de cotas no ensino

superior e no mercado de trabalho.

O terceiro marco importante na luta dos movimentos negros ocorre também

em 2003, quando na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e na UENF

(Universidade Estadual do Norte Fluminense) ingressam os primeiros alunos

beneficiados por políticas públicas de ações afirmativas nas universidades públicas

brasileiras. As ações afirmativas chegaram às universidades públicas estaduais do

Rio de Janeiro, na forma de cotas através das leis estaduais nº 3.524, de 28 de

dezembro de 2000 e nº 3.708, de 9 de novembro de 2001 e seus respectivos

decretos regulamentadores, criando reservas de vagas voltadas aos alunos

provenientes das escolas públicas e aos afro-descendentes, respectivamente.

O caso das ações afirmativas implementadas na UERJ é paradigmático do

protagonismo eficaz dos movimentos negros na luta por políticas públicas, posto

que, elas não surgiram como demanda e conquista da comunidade interna da

UERJ, mas foram pensadas, construídas e conquistadas pela mobilização coletiva

de atores sociais organizados fora da universidade, como o Educafro (Educação e

Cidadania de Afro-descendentes e Carentes), o PVNC (Pré-Vestibular Para

Negros e Carentes) e parcela do movimento negro do estado do Rio de Janeiro,

em articulação com os Poderes Executivo e Legislativo do estado.

Renato dos Santos (2006) afirma que a aprovação da 1ª Lei (3.708/2001) foi

marcada por um protagonismo do Movimento Negro submerso numa

capitalização dúbia por parte do governo do estado:

os então mandatários se apresentavam, mais do que o próprio parlamentar que propôs, como os “pais” da política, ao mesmo tempo em que silenciavam em relação ao veto imposto ao tópico que determinada a responsabilidade do governo do estado na alocação de recursos para a implementação de medidas visando a garantir a permanência dos alunos ingressantes pelo sistema de cotas; silenciaram-

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se também, quando da emergência de polêmica e contestações em âmbito nacional contra a implementação da política (p.23). Por outro lado, o Movimento Negro também foi fundamental na

manutenção dessa experiência, constantemente ameaçada, especialmente por

ocasião da entrega aos poderes Legislativo e Judiciário nacionais do Manifesto

"113 Cidadãos Anti-Racistas Contra as Leis Raciais" que pediu a suspensão das

cotas para negros nas universidades e do programa ProUni e atuando perante o

Poder Judiciário, inclusive atuando como como amicus curiae21 nas ações

interpostas perante esse Poder.

A partir de então, as políticas de ação afirmativa ganham destaque na

agenda do Movimento Negro e hoje ela se compõe da conjunção de diferentes

demandas por tais políticas, especialmente voltadas: a) ao ensino superior público

e privado; b) à valorização da religião afro-brasileira como patrimônio histórico e

cultural regional, nacional e internacional; c) à luta contra a intolerância religiosa,

tida como uma modalidade da discriminação étnico-racial; d) ao cumprimento da

Lei 11.645/08, que determina a inclusão das temáticas “História e Cultura Afro-

Brasileiras e Indígenas” no currículo oficial da rede de ensino e e) à demarcação e

preservação dos territórios quilombolas de acordo com o preceito constitucional.

As ações afirmativas para os negros nas universidades fazem parte das

chamadas políticas de reconhecimento da diferença, cujas demandas estão ligadas

à representação, à cultura e à identidade dos grupos étnicos, raciais, sexuais,

dentre outros. As demandas por reconhecimento vêm adquirindo maior relevância

na arena política desde o fim do século XX, Fraser (2001) afirma que se tornaram

a forma paradigmática de conflito político. Para ela,

Demandas por ‘reconhecimento das diferenças’ alimentam a luta de grupos mobilizados sob as bandeiras da nacionalidade, etnicidade, raça, gênero e sexualidade. Nesses conflitos ‘pós-socialistas’, identidades grupais substituem interesses de classe como principal incentivador para mobilização política. Dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o

21 O amicus curiae é um representante de interesses existentes na sociedade civil, isto é, “fora do processo”, mas que será afetado, em alguma medida, pela decisão a ser tomada “dentro do processo”. O amicus, neste sentido, atua em juízo em prol desses interesses. Para maior esclarecimento acessar <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21324/quatro_perguntas_quatro_respostas.pdf?sequence=1>

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reconhecimento cultural desloca a redistribuição socioeconômica como remédio para injustiças e objetivo da luta política (Fraser, 2001, p. 245).

Adoto o entendimento teórico daqueles autores que defendem como necessário

articular igualdade e diferença, de modo que os temas relativos às políticas de

identidade não sejam tratados dissociados da afirmação da igualdade. Boaventura

Sousa Santos (2001) sintetiza essa tensão entre igualdade e diferença ao afirmar que

“as pessoas e os grupos sociais têm o direito de ser iguais quando a diferença os

inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” (p.10).

Nesse mesmo viés é o entendimento de Candau (2002):

Não se deve contrapor igualdade e diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõe à igualdade e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o ‘mesmo’, à ‘mesmice’. O que estamos querendo trabalhar é, ao mesmo tempo, a negação da padronização e também a luta contra todas as formas de desigualdade e discriminação presentes em nossa sociedade (p.6).

Por outro lado, as demandas por reconhecimento da diferença ocorrem em

um mundo de desigualdade material acentuada, onde ainda faz muito sentido lutar

por uma repartição menos desigual das riquezas sociais, isto é, por políticas de

redistribuição.

Fraser (2007) aponta que a dissociação entre essas demandas explicita a

separação entre a política cultural e a política social, a política da diferença e a

política da igualdade. A polarização entre elas nos colocaria diante de uma

escolha: redistribuição ou reconhecimento? Política de classe ou política de

identidade? Multiculturalismo ou igualdade social?

Para a autora, trata-se de uma “falsa antítese”, já que hoje a justiça requer

tanto redistribuição quanto reconhecimento, nenhum desses campos sozinho é

suficiente. A questão então seria: como combiná-los?

Fraser (2007) propõe então que,

os aspectos emancipatórios das duas problemáticas precisam ser integrados em um modelo abrangente e singular. A tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de justiça que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença. (p.3)

Trata-se na verdade de uma nova tarefa intelectual e prática com a qual

concordo e que me parece estamos ainda gestando e longe de concluir, qual seja:

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a de desenvolver uma teoria crítica do reconhecimento, uma teoria que identifique e defenda apenas versões da política cultural da diferença que possam ser coerentemente combinadas com a política social da igualdade. Ao formular esse projeto, assumo o fato de a justiça requerer hoje tanto reconhecimento como redistribuição (Fraser, idem, p. 246).

A categoria raça, para Fraser, englobaria tanto as dimensões político-

econômicas ou estruturais - responsáveis por uma divisão capitalista do trabalho

que determina a alguns sujeitos (negros) ocupações mal pagas, sujas, domésticas

quanto as culturais-valorativas como o “eurocentrismo” e o “racismo cultural”, o

que implica na necessidade de políticas de redistribuição e de reconhecimento.

Essas dimensões se reforçam mutuamente, “ainda mais porque normas culturais

racistas e eurocêntricas são institucionalizadas pelo Estado e pela economia, e a

desvantagem econômica sofrida por pessoas de cor restringe suas ‘vozes’”

(Fraser, 2007, p.264).

É verdade que as ações afirmativas para negros nas universidades têm fortes

potencialidades em relação às demandas por reconhecimento, mas podem ir além,

visto que, elas também têm potência para contribuir com as demandas por

redistribuição, articulando ambas as reivindicações.

No cenário jurídico-institucional brasileiro a garantia constitucional do

direito à igualdade para todos não impediu a desigualdade de acesso às

oportunidades de participação efetiva no contexto da cidadania plena, para vasta

parcela da população brasileira.

Vivemos numa sociedade onde a cor e/ou a raça se constituem como

poderosos mecanismos de estratificação social, em que os negros são segregados

no acesso aos bens de toda ordem, tendo limitados os seus direitos de cidadania.

Diante da insuficiência do direito à igualdade, ele é ressignificado, como

aponta Joaquim Gomes (2001):

Começa-se, assim, a esboçar-se o conceito de igualdade material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e à abstração da concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda, inversamente, que se levem na devida conta as desigualdades concretas existentes na sociedade, devendo as situações desiguais ser tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade. Produto do Estado Social de Direito, a igualdade substancial ou material propugna redobrada atenção por parte dos aplicadores da norma jurídica à variedade das situações individuais, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas (p.4).

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Essa concepção do direito à igualdade – tratar os desiguais na medida em

que se desigualam – decorre de um processo progressivo de transformação ante a

constatação de que simplesmente afirmar a igualdade de todos perante a lei –

igualdade formal – sem se atentar para as desigualdades reais das pessoas, vetar o

tratamento discriminatório e repudiar a criação e a manutenção de privilégios

desarrazoados, era de todo insuficiente. Para os que defendem esse processo, é

necessário atuar de forma mais concreta sobre a realidade fática, de modo a

corrigir as desigualdades materiais, tão presentes na sociedade.

No entendimento de Hédio Silva Júnior (2002, p.103) dá-se um processo de

mutação, experimentado pelo conceito de igualdade no sistema jurídico brasileiro.

Dessa forma, o direito à igualdade teve seu conteúdo ampliado, concebendo-se a

possibilidade de adoção de mecanismos de intervenção na realidade, com o

objetivo de favorecer ou compensar juridicamente o mais fraco nas relações

sociais, propiciando a concretização de uma igualdade efetiva, real ou o mais

próxima possível disso – a igualdade material. Essas compensações jurídicas estão

traduzidas nos mecanismos das ações afirmativas, das discriminações positivas.

Assim é que o princípio da igualdade jurídica já não se limita apenas a uma

igualdade isonômica, mas ganha traços acentuados de uma igualdade material, ou

seja, o referido princípio passa a ser compreendido como um instrumento hábil

para implementar, no plano real, uma igualdade efetiva.

Cabe ao Estado, quando pretenda reverter uma situação histórica de

desvantagem social, sair de uma postura imóvel e partir para a ação, levando em

conta fatores como sexo, raça e outros, na implementação de políticas públicas,

evitando assim que uma discriminação histórica se perpetue no tempo. Pode-se

afirmar que as iniciativas de implantação de políticas para a promoção da

igualdade racial no Brasil representam um acúmulo substantivo de experiências

complexas que envolvem não somente o Estado, mas a sociedade civil,

especialmente, o Movimento Negro, numa arena de disputas políticas.

A constituição de um Estado radicalmente democrático supõe a mobilização

de mecanismos capazes de promover positivamente a igualdade. É dessa atuação

do Estado que nascem as ações afirmativas.

As ações afirmativas são políticas sociais que tentam concretizar a

igualdade material, possíveis somente numa conjuntura de superação dos

postulados do Estado moderno, de ideologia liberal, na qual a igualdade formal é

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dogma, quando em verdade, em sociedades como a nossa, é ficção, de acordo com

os dados econômicos, sociológicos e antropológicos que a caracterizam22.

O Ministro Joaquim Gomes (2001) define ações afirmativas como:

Um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física ou origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como educação e emprego (p.40). Recorremos ainda ao campo do Direito em busca de definições que possam

esclarecer o sentido das ações afirmativas. Para Menezes (2001), ação afirmativa é

um termo de amplo alcance que:

Designa um conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competir em qualquer sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações negativas, sejam elas presentes ou passadas. Colocando-se de outra forma, pode-se asseverar que são medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados, o que se realiza por meio de providências efetivas em favor das categorias que se encontram em posições desvantajosas (p.27). A ação afirmativa se constitui numa estratégia para alcançar a igualdade de

oportunidades entre as pessoas, distinguindo e beneficiando grupos afetados por

mecanismos discriminatórios, por meio de ações empreendidas em um tempo

determinado, com o objetivo de alterar positivamente a situação de desvantagem desses

grupos (Ministério do Trabalho e Emprego, 1999). São também ações de prevenção

que visam evitar que indivíduos de certos grupos tenham seus direitos alienados por um

sistema que opera de um modo inercial na manutenção das discriminações.

Para Guimarães (1996), as ações afirmativas visam assegurar “o direito de

acesso a recursos coletivos aos membros de grupos subrepresentados, uma vez

que se tenham boas razões e evidências para supor que o acesso a tais recursos

seja controlado por mecanismos ilegítimos de discriminação racial, étnica ou

sexual” (p. 240).

A pretensa neutralidade do Estado liberal fracassou como garantidora do

direito à igualdade entre os cidadãos, especialmente em sociedades como a nossa,

de um longo passado escravocrata, ainda que existam dispositivos legais com o

22 Algumas pesquisas estão descritas na Introdução deste trabalho.

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objetivo de fazer cessar o status de inferioridade no qual se encontram os negros e

outros grupos sócio-culturais. Isso porque as leis antidiscriminatórias, por si só,

não são suficientes,

“(...) para reverter um quadro social que finca âncoras na tradição cultural de cada país, no imaginário coletivo, em suma, na percepção generalizada de que a uns devem ser reservados papéis de franca dominação e a outros, papéis indicativos do status de inferioridade, de subordinação” (Gomes, 2001, p.37). Quanto à representação cultural que o Brasil tem de si próprio, Ahyas Siss

(2003) assim se expressa:

Creio que a opção política do Estado brasileiro por tratar como iguais aqueles sujeitos coletivos colocados social e politicamente em situações de desigualdade, essa recusa de se adotar entre nós políticas de discriminação positiva com base na raça ou cor de segmentos populacionais negativamente discriminados, conjugadas àquelas universalistas, é uma marca distintiva de sociedades que Bhabha (1998) classifica como híbridas e mestiças, porém conservadoras e extremamente autoritárias. São hierarquicamente estruturadas, profundamente estratificadas por raça, cor ou etnia, mas que se querem e se representam, de uma forma quase esquizofrênica, como se fossem homogêneas (p. 110). As ações afirmativas têm a função de evitar que a discriminação ocorra por

meio de normas de aplicação geral ou específica e, principalmente, por

mecanismos difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário

coletivo. Podem, assim, induzir transformações culturais, pedagógicas,

psicológicas, quando incidem sobre idéias de supremacia e subordinação raciais,

sexuais e outras.

Para Ivanir dos Santos (2001), presidente e fundador do CEAP – Centro de

Articulação das Populações marginalizadas – a ação afirmativa é entendida:

(...) como um programa de trabalho nacional para remediar a subjugação a que foram submetidas as minorias raciais e étnicas, as mulheres, entre outros grupos sociais. Um conjunto de medidas legais, de modos de vida e de políticas sociais que pretendem aliviar os tipos de discriminação que limitam oportunidades de determinados grupos sociais. Um esforço realizado pelos governos federal, estadual e municipal, instituições públicas e privadas, escolas etc., para combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades, prioritariamente nas áreas de educação e no acesso ao emprego, entre outras (p.71). Rosana Heringer (1999), elege a seguinte definição de ação afirmativa, no

tocante às relações de trabalho, que consideramos oportuna ao presente estudo:

O termo ação afirmativa refere-se a políticas e procedimentos obrigatórios e voluntários, desenhados com o objetivo de combater a discriminação no mercado

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de trabalho e também de retificar os efeitos de práticas discriminatórias exercidas no passado pelos empregadores. Da mesma forma que no caso das leis anti-discriminatórias, o objetivo da ação afirmativa é tornar a igualdade de oportunidades uma realidade, através de um ‘nivelamento do campo’. Ao contrário das leis anti-discriminatórias, que apresentam remédios aos quais os trabalhadores podem recorrer após terem sofrido discriminação, as políticas de ação afirmativa têm como objetivo, prevenir a ocorrência da discriminação. A ação afirmativa pode prevenir a discriminação no mercado de trabalho, substituindo práticas discriminatórias – intencionais ou rotinizadas – por práticas que são uma proteção contra a discriminação (p.51). Abdias do Nascimento23 (2000), em seu livro “O Quilombismo”, faz uma

proposta política para a nação brasileira e não apenas para os negros, que

considero paradigmática, nos seguintes termos:

Um Estado voltado para a convivência igualitária de todos os componentes de nossa população, preservando-se e respeitando-se as diversas identidades, bem como a pluralidade de matrizes culturais. A construção de uma verdadeira democracia passa, obrigatoriamente, pelo multiculturalismo e pela efetiva implantação de políticas compensatórias ou de ação afirmativa para possibilitar a construção de uma cidadania plena para todos os grupos discriminados. A independência desses grupos, ao articular suas formas de ação comunitária, compõe um requisito fundamental da verdadeira democracia (p.221-222). Coube a este autor o papel de vanguarda quando, na condição de deputado

federal, propôs o Projeto de Lei nº 1332, de 1983, que estabelecia a instituição de

políticas públicas específicas para a população negra, através das ações

afirmativas. Posteriormente como senador, Abdias do Nascimento apresentou o

Projeto de Lei nº 75, de 1997, que dispunha sobre medidas de ação compensatória

para implementação do princípio da isonomia social do negro. Os artigos

primeiro e segundo deste Projeto de Lei previram:

Todos os órgãos da administração pública direta e indireta, as empresas públicas e as sociedades de economia mista são obrigadas a manter nos seus respectivos quadros de servidores, 20% (vinte por cento) de homens negros e 20% (vinte por cento) de mulheres negras, em todos os posto de trabalho e direção" e "Toda empresa privada ou estabelecimento de serviço são obrigados a executar medidas de ação compensatória com vistas a atingir, no prazo de cinco anos, a participação de ao menos 20% (vinte por cento) de homens negros e 20% (vinte por cento) de mulheres negras em todos os níveis de seu quadro de emprego e remuneração. (Projeto de Lei, nº 75) Ressalte-se que a defesa de ações afirmativas não exclui a concomitância de

ações e políticas públicas de cunho universalistas. Essa é uma falsa dicotomia. Ao

23 As propostas e discussões acerca das ações afirmativas para os negros brasileiros fazem parte da pauta do Movimento Negro desde a década de 1960, protagonizadas por Abdias do Nascimento.

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contrário, políticas públicas genéricas e especificamente focadas, quando

utilizadas em conjunto, podem reduzir significativamente desigualdades existentes

entre os grupos sociais, concorrendo para equipará-los no acesso aos bens

materiais e simbólicos, o que, em longo prazo, termina por tornar superada a

necessidade de políticas de ação afirmativa.

Segundo Guimarães (1996),

Não se podem elaborar políticas de ação afirmativa sem que estas estejam respaldadas por políticas de ampliação dos direitos civis, como aconteceu nos Estados Unidos. O que está em questão, portanto, não é uma alternativa simples, diria mesmo simplista, entre políticas de cunho universalista versus políticas de cunho particularista. O que está em jogo é outra coisa: devem as populações negras do Brasil se satisfazer em esperar essa ‘revolução do alto’ – a ampliação dos direitos civis e das oportunidades de vida para as populações pobres – ou devem elas reclamar, imediatamente e pari passu, medidas mais urgentes, mais rápidas, apesar de terem um escopo bem mais limitado: medidas que facilitem seu ingresso nas universidades públicas e privadas, que ampliem e fortaleçam os seus negócios, de modo a que se acelere e se amplie a constituição de uma ‘classe média’ negra? (p.248). É importante pontuar que as ações afirmativas que envolvem o acesso ao

ensino superior, a posições de direção em empresas etc, só têm o poder de

beneficiar parcela da população negra brasileira, qual seja, aquela que tem

qualificação e capacitação requerida para tanto. Portanto, tais políticas afetam

mais a reduzida população negra que já alcançou um determinado nível de

escolarização – o término do ensino médio – e não a ampla maioria da população

negra. Desse modo, seria no mínimo ingenuidade imaginar que podemos abrir

mão de políticas universalistas imprescindíveis à ampliação da democratização

das oportunidades na sociedade brasileira.

Para além do direito à igualdade a Constituição, em seu art. 3º, determina

que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil

“construir uma sociedade livre, justa e solidária: (...) erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

formas de discriminação”.

Nossa Constituição Federal faz referências ao direito de igualdade, é certo,

mas vai além quando prescreve textualmente discriminações positivas, como modo

de compensar a desigualdade de oportunidades ou de fomentar o desenvolvimento

de setores que considera como prioritários, nos seguintes artigos: “7, inciso XX -

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proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos

termos da lei”; “37, inciso VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos

públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua

admissão”; “145, parágrafo 1º - sempre que possível, os impostos terão caráter

pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”; “170,

inciso IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas

sob as leis brasileiras e que tenham a sua sede e administração no país”; “179, A

União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas

e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico

diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações

administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou

redução destas por meio de lei”.

Além disso, a Constituição Federal dispõe em seu art. 5º, parágrafo 2º, sobre a

proteção aos direitos emanados dos tratados internacionais e, o Brasil é signatário

da Convenção Internacional que confere como compensação a discriminação

positiva àqueles que sofrem desigualdades de oportunidades, a saber:

Art.I, item 4, da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial: não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos. Quanto às normas infraconstitucionais, temos: o Decreto-Lei n. 5452/43

(CLT), que prevê, em seu art. 357, cota de dois terços de brasileiros para

empregados de empresas individuais ou coletivas, e o art. 373 - A, que prevê a

adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela

desigualação de direitos entre homens e mulheres; a Lei n. 8.112/90, art. 5º,

parágrafo 2º, cotas de até 20% para os portadores de deficiências no serviço

público civil da União; a Lei n.8.213/91, art. 93, que fixou cotas para os

portadores de deficiência no setor privado; a Lei n.8.666/93, art. 24, inc. XX, a

inexigibilidade de licitação para a contratação de associações filantrópicas de

portadores de deficiência; a Lei n. 9.504/97, art. 10, parágrafo 3º, que cria cotas

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para mulheres nas candidaturas partidárias24; a Lei n.10.678, que cria “a secretaria

especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da

República, e dá outras providências”.

A intenção de trazer à baila essas normas constitucionais e

infraconstitucionais, ainda que sem esgotá-las, foi a de tornar patente a legalidade

da ação afirmativa ou de discriminação positiva como é designada no contexto

europeu, fruto de uma nova interpretação, de um alargamento, de uma

ressignificação do direito à igualdade, como uma ampliação das obrigações estatais.

Corrobora esse entendimento a opinião do Ministro Marco Aurélio, do

Supremo Tribunal Federal que, em palestra proferida em 20 de novembro de

2001, no Seminário “Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”, promovido pelo

Tribunal Superior do Trabalho, assim se expressou:

É preciso buscar-se a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se um fracasso. Há de se fomentar o acesso à educação; urge um programa voltado aos menos favorecidos, a abranger horário integral, de modo a tirar-se meninos e meninas da rua, dando-se-lhes condições que os levem a ombrear com as demais crianças. E o Poder Público, desde já, independentemente de qualquer diploma legal, deve dar à prestação de serviços por terceiros uma outra conotação, estabelecendo, em editais, quotas que visem a contemplar os que têm sido discriminados. O setor público tem à sua disposição, ainda, as funções comissionadas que, a serem preenchidas por integrantes do quadro, podem e devem ser ocupadas pelas ditas minorias. Exemplo vivo deu-nos há pouco o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Não se há de cogitar que esse procedimento conflita com a Constituição, porque, em última análise, objetiva a efetividade da própria Carta. As normas proibitivas são ineficazes para afastar do nosso cenário a discriminação. Precisamos contar com normas integrativas. Muitos países têm políticas de exceção que reafirmam normas

universalistas, por exemplo, medidas que beneficiam os habitantes de uma região,

os veteranos de guerra, as mulheres, os povos indígenas etc. O Relatório de

Desenvolvimento Humano de 2004, da ONU, aponta expressamente o sucesso

dessas iniciativas:

A experiência da Índia, Malásia, África do Sul e Estados Unidos mostra que uma ação afirmativa pode reduzir as desigualdades entre grupos. Na Malásia, o rácio de desenvolvimento médio entre as populações chinesa e malaia baixou de 2,3 em 1970 para 1,7 em 1990. Nos Estados Unidos, para a população negra, a proporção de

24 O Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou sobre o assunto, do seguinte modo: “Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres. Tal o texto do parágrafo 3º do art.11 da Lei nº 9.100/95, não é incompatível com o inciso I do art. 5º da Constituição” (TSE – Recurso Especial nº 13759 – Rel. Nilson Vital Naves – 10.12.96).

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advogados subiu de 1,2% para 5,1% do total e a proporção de médicos de 2%, para 5,6%. Na Índia, a afetação de empregos governamentais, a admissão no ensino superior e os assentos parlamentares das castas e tribos existentes ajudaram membros desses grupos a sair da pobreza e a entrar na classe média (RDH, 2004, p. 9).

Daí encontrarmos no referido Relatório a proposta de instituição de

programas de ação afirmativa, como estratégia de desenvolvimento humano, visto

que as medidas de caráter universalista não estão aptas, por si só, a vencer a

discriminação e a compensar situações historicamente construídas de

desigualdade.

As políticas de ações afirmativas fazem a afetação de empregos, promoções, contratos públicos, empréstimos comerciais, admissões no ensino superior e assentos parlamentares, com base na pertença a um grupo em condição desfavorável. Essas políticas são necessárias quando a desvantagem é a exclusão cultural. Depender apenas de políticas gerais de crescimento econômico eqüitativo para eliminar essas desigualdades de grupo exigiria um tempo excessivamente longo, levando ao ressentimento, ou mesmo ao conflito civil (RDH, 2004, p.69).

Ressalto que as ações afirmativas são ações emergenciais, temporárias e

parciais, que não são tomadas com a pretensão de solucionar problemas

estruturais. No entanto, elas têm potencial como ato ou medida de justiça do modo

pensado e defendido por Fraser (2007, p.3), isto é, conseguindo acomodar tanto às

reivindicações defensáveis de igualdade social quanto às reivindicações

defensáveis de reconhecimento da diferença; isso é o que sustentamos.

Conforme explicitamos anteriormente, no que tange à educação superior,

propostas de inclusão dos negros vêm sendo construídas, especialmente a partir do

Seminário Internacional “Multiculturalismo e Racismo: o papel da ação

afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos”, realizado em 1996, no

governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Nesse mesmo ano, foi criado, na esfera federal, o Grupo de Trabalho

Interministerial – GTI – que, em relação à educação superior, elaborou as seguintes

propostas, entre outras: construir mecanismos facilitadores do ingresso de afro-

brasileiros nas universidades públicas e privadas; elaborar programas para a

concessão de bolsas de estudos para alunos universitários afro-brasileiros, seja na

graduação, seja na pós-graduação; construir formas de acesso facilitado ao crédito

educativo para estudantes afro-brasileiros; conceder estímulos à implantação ou

ampliação de cursos noturnos, em instituições públicas de ensino, principalmente

em universidades e escolas profissionalizantes; instituir e estimular a criação de

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recursos especiais de preparação para ingresso nas instituições de ensino superior,

bem como nas diversas profissões civis e militares.

No entanto, mais de uma década depois, os estudos do IBGE de 2008 e

2010 expõem e problematizam a cruel realidade das desigualdades das taxas de

freqüência das pessoas negras no ensino superior e o baixo número das que têm o

ensino superior concluído, o que se traduz num importante obstáculo para a

ascensão social desse grupo.

Por outro lado, a pouca presença de formados negros implica nos lugares sociais

que os membros desse grupo ocupam revelando uma teia de desigualdades que se

realimentam. Nesse sentido alerta a Síntese de Indicadores Sociais 2010 - IBGE:

A desigualdade entre brancos, pretos e pardos se exprime também na observação do “empoderamento”, relacionado ao número de pessoas em posições privilegiadas na ocupação. Na categoria de empregadores, estão 6,1% dos brancos, 1,7% dos pretos e 2,8% dos pardos em 2009. Ao mesmo tempo, pretos e pardos são, em maior proporção, empregados sem carteira e representam a maioria dos empregados domésticos (p.230).

Sergei Soares (2008), após estudar os dados coletados pela PNAD de 1987 a

2007, afirma que os negros têm menos que a metade da renda domiciliar per

capita de brancos, mais, o determinante de maior importância da renda familiar

das pessoas é o mercado de trabalho, que é a principal fonte de renda e de

mobilidade social ascendente.

Do ponto de vista redistributivo, as vagas nas universidades, isoladamente,

podem ser pensadas como bens escassos e valiosos, material e socialmente e que

deveriam ser distribuídas e ocupadas equanimente entre os diversos grupos

sociais. Todavia, no Brasil ter um curso de nível superior concluído é um

importante diferencial no mercado de trabalho porque implica em maiores

chances de ascensão social.

Daí a hipótese plausível de que as ações afirmativas, na medida em que

oportunizem aos negros preparados o acesso às universidades, podem ser

responsáveis por um número maior de alunos concluintes e consequentemente se

constituírem num fator importante de aumento da renda e mobilidade social

ascendente, isto é, são também políticas públicas de redistribuição.

Wania Sant’Anna (2006) chama atenção sobre o documento elaborado pelo

Ministério da Fazenda, e divulgado no site desse Ministério no ano de 2003,

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Gasto social do Governo Central 2001-2002 que informava que 70% do gasto

direto do governo com educação e cultura havia sido destinado ao ensino superior,

e que as despesas relacionadas a esse nível de formação beneficiavam indivíduos

que se encontravam entre os 10% mais ricos da população. Afirma a autora que

“esses percentuais revelam uma evidente restrição de acesso à educação superior,

francamente determinada pela renda insuficiente de parcela considerável das

famílias brasileiras e, especialmente, das famílias negras”, no entanto é o conjunto

da sociedade quem contribui para que essa parcela privilegiada, do ponto de vista

econômico, usufrua desse benefício (p.17). Para ela, as políticas de ação

afirmativa para o ensino universitário são, em grande medida, uma política de

caráter essencialmente redistributivo; a autora destaca:

Não estamos falando, exatamente, de Bolsa Família – ou do repasse de 45 reais ao mês às famílias que mantém os seus filhos nas escolas públicas. Nós estamos falando de um volume de recursos significativamente maior e que, ao mesmo tempo, passa de uma mão à outra, de um grupo a outro. Isso é impacto econômico nas duas pontas, para aqueles que não têm e podem, dessa forma, passar a ter, e para aqueles que têm, e que, talvez, precisem, nesse caso, alocá-los na obtenção de uma formação de nível superior. Então não me admira a gritaria revestida de um discurso supostamente ‘moral’, envolvendo mérito e outros argumentos de natureza semelhante (Idem). Wania Sant’Anna ainda especula sobre as conseqüências da instituição de

ações afirmativas não apenas na educação superior, mas, por exemplo, no

mercado de trabalho, especialmente nos postos de trabalho abertos diretamente

pelo Estado, agudizando a dimensão redistributiva daquelas, e “o potencial que

elas têm de operar processos de desconcentração de renda” (idem, p.18).

Diante do quadro de injustiças econômicas e culturais vivenciadas na

sociedade brasileira pela população negra, injustiças que demandam redistribuição e

reconhecimento simbólico, as políticas públicas de ação afirmativa com corte racial

têm se notabilizado como estratégias prioritárias do movimento negro e também do

Estado brasileiro, para fazer face às exigências de inclusão e cidadania,

principalmente em duas frentes, educação e mercado de trabalho e, neste sentido,

entendo que têm se constituído numa versão da política cultural da diferença que

pode ser coerentemente combinada com a política social da igualdade (Fraser),

articulam, portanto, igualdade e diferença, fazendo parte de uma agenda política de

transformação social, com potencial emancipatório. Ainda que limitadas, têm

potencial para contribuir, por um lado, com o enfrentamento ao racismo cultural

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brasileiro e, por outro, com a ascensão social dos sujeitos negros que possuam

maior escolaridade, como temos exemplos nos países onde foram adotadas.

2.2 As políticas públicas de ação afirmativa na educação superior no Brasil: panorama atual

Os programas de ação afirmativa na educação superior vêm se somando, são

uma realidade criativa e em construção. Em 2005, quando defendi minha

dissertação de mestrado (Valentim, 2005), havia ações afirmativas, em pelo

menos, dezesseis universidades públicas25. Com base nos levantamentos efetuados

pelo NIREMA- Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente

no “Projeto Ação Afirmativa: acompanhamento e monitoramento nas

universidades brasileiras” em agosto do presente ano, podemos traçar o seguinte

panorama: existem 95 (noventa e cinco) universidade públicas entre federais e

estaduais no Brasil, dentre elas, 71 (setenta e uma) desenvolvem ações

afirmativas26, isto é 75% (setenta e cinco por cento) e 24 (vinte e quatro) não

desenvolvem, o que correspondem a 25% (vinte e cinco por cento).

Por Regiões temos: das 26 (vinte e seis) universidades públicas da Região

Sudeste, 21 (vinte e uma) têm ações afirmativas e 5 (cinco) não; das 19

(dezenove) universidades públicas da Região Sul, 15 (quinze) têm ações

afirmativas e 4 (quatro) não; das 8 (oito) universidades públicas da Região

Centro-Oeste, 7 (sete) têm ações afirmativas e 1 (uma) não; das 28 (vinte e oito)

universidades públicas da Região Nordeste, 22 (vinte e duas) têm ações

afirmativas e 6 (seis) não e, das 14 (quatorze) universidades públicas da Região

Norte, 6 (seis) têm ações afirmativas e 8 (oito) não a possuem.

Por outro lado, a presença dos negros e, principalmente, de alunos oriundos

das escolas públicas nas universidades tende a aumentar tendo em vista que hoje

25 UERJ, UENF, UNEB, UEL, UNB, UFBA, UFJF, UEA, UNIFESP, UEMG, UEMS, UNIMONTES, UFAL, UFPR, UDESC e UNICAMP. 26 41 (quarenta e uma) universidades federais: UNB, UFAL, UFBA, UFRB, UFPR, UFT, UNIFESP, UFJF, UFRN, UFMA, UFMT, UFPI, UFRA, UFABC, UFRR, UFPE, UFRPE, UFRGS, UTFPR, UFPA, UFSCAR, UFSM, UNIPAMPA, UFOP, UFSC, UFES, UFMG, UFF, UFGD, UFG, UFS, UFRRJ, UFSJ, UNIVASF, UFTM, UFFS, UFV, UFU, UFPB, UFRJ, UFVJM e 30 (trinta) universidades estaduais: UEM, UEPG, UEL, UNIOESTE, UNICENTRO, UENP, UNEB, UEMS, UERJ, UENF, UERN, UEA, UEG, UNEMAT, UVA, UEMIG, UNIMONTES, UNICAMP, UPE, UERGS, UESC, UEFS, USP, UEPB, UNEAL, UESB, UESPI, UNICISAL, UEAP, UDESC.

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diferentes tipos de ações afirmativas no ensino superior nas universidades

públicas são implementadas, tais como, sistemas de cotas, 36 (trinta e seis):

UEMS, UFT, UNEB, UNIMONTES, UERJ, UFABC, UPE, UFRA, UFPI,

UNICISAL, UENF, UESPI, UVA, UFJF, UEPB, UFU, UEAP, UFOP, UERGS,

UNEAL, UEG, UEMG, UFES, UFMA, UFSJ, UEA, UFS, UERN, UFRB,

UFTPR, UNIPAMPA, UFGD. UNIVASF, UFPB, UFRJ e UFVJM, acréscimo de

vagas, 5 (cinco): UFMT, UNIFESP, UENP, UFRR e UNICENTRO, acréscimo de

vagas e cotas, 17 (dezessete): UFG, UESC, UFSC, UFCAR. UDESC, UNEMAT,

UNIPAMPA, UFPR, UEL, UFPR, UEM, UFSC, UNIOESTE, UFRGS, UFBA,

UFSM e UEPG, sistema de acréscimo de notas 10 (dez): UNICAMP, UFF, USP,

UFRPE, UFRN, UFPE, UFRRJ, UFV, UFTM e UFFS, acréscimo de notas e

vagas 1 (uma), UFMG, acréscimo de notas e cotas 1 (uma), UFAL e, por último,

acréscimo de notas, vagas e cotas, 1 (uma), UNB.

Basicamente, as ações afirmativas nas 71 (setenta e uma) universidades

públicas estão voltadas a sete diferentes públicos-alvo, em ordem decrescente são

eles: oriundos de escolas públicas, 56 (cinqüenta e seis), indígenas, 44 (quarenta e

quatro), negros, 38 (trinta e oito), deficientes, 16 (dezesseis), quilombolas, 6

(seis), renda, 1(um) e oriundos do interior do estado, 5 (cinco).

Ressalte-se que a modalidade de ações afirmativas voltadas aos estudantes

oriundos de escola pública, critério pensado como capaz de discernir as pessoas

economicamente carentes é muito superior às voltadas aos estudantes negros,

critério baseado numa pertença racial, o que demonstra resistência da comunidade

acadêmica a esse público alvo como beneficiário direto dessa política.

As 38 (trinta e oito) universidades que têm ações afirmativas para negros

são: UEMS, UEG, UEMG, UNIMONTES, UENF, UERJ, UEL, UEPG, UDESC,

UESB, UEFS, UESC, UNICAMP, UNEB, UNEMAT, UNICISAL, UESPI,

UFPR, UNIPAMPA, UFSM, UNB, UFMA, UFG, UFPB, UFRA, UFRGS,

UFSC, UFSCAR, UFS, UFBA, UFRB, UFABC, UFSJ, UNIFESP, UFAL, UFJF,

UFMG e UFPA.

São três as formas de aferição aceitas pelas universidades: a mais utilizada é

a documentação, que serve, por exemplo, para todas as universidades quando se

trata de provar a origem escolar; a auto-declaração, que vem sendo usada por 31

(trinta) universidades, quando se trata de aferir a condição de negro e em 4

(quatro) universidades a condição de indígena; a menos utilizada é a comissão

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interna, opção de 7 (sete) universidades quando se trata de aferir a condição de

negro e 3 (três) a condição de indígena.

Ainda, das 71 (setenta e uma) universidades públicas, 27 (vinte e sete) têm

em conta apenas um público-alvo para suas ações afirmativas; 13 (treze)

combinam dois públicos-alvo; 12 (doze) universidades combinam três públicos-

alvo; 18 (dezoito) combinam quatro públicos-alvo e apenas uma combina cinco

públicos-alvo, isto é, têm ações afirmativas para oriundos de escolas públicas,

indígenas, negros, deficientes e quilombolas.

É importante ressaltar que o critério renda se constitui em condicionante

para a efetivação das ações afirmativas em algumas universidades. As

universidades que têm ação afirmativa para oriundos de escola pública, mas têm

como condicionante a renda do candidato são: UFES, UNEB, UEM, UERJ,

UENF, UEMG e UNIMONTES. As universidades que têm ação afirmativa para

negros, mas têm como condicionante a renda do candidato são: UNEB, UERJ,

UENF, UEMG e UNIMONTES.

Não nos esqueçamos que temos ainda ações afirmativas nas universidades

privadas como o Programa Universidade Para Todos (ProUni) e o Fundo de

Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).

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3 A experiência das ações afirmativas na UERJ

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira grande

universidade pública a vivenciar a experiência de ter em seus quadros alunos

beneficiados por duas ações afirmativas. Uma de caráter social, destinada aos

alunos provenientes das escolas públicas, e outra de caráter racial, voltada aos

alunos negros.

A UERJ, que durante décadas vinha oferecendo cursos no turno da noite,

não foi por muito tempo considerada pela sociedade carioca, como uma

universidade a serviço da elite econômica do Rio de Janeiro. Ao contrário, ela foi

pensada para dar formação ao aluno trabalhador e até a realização em 1985, do I

Congresso Interno da UERJ, não contava com programas de pós-graduação, o que

não lhe conferia o prestígio acadêmico desfrutado pelas universidades que

desenvolviam esse nível acadêmico.

Ana Arbache (2003), recuperando a história da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro, relata que o reitor à época do referido Congresso, Charley Fayal

de Lyra, previa que:

o grande desafio da UERJ seria a ascensão ao 4o Nível, ou seja, a implantação de programas de mestrado e doutorado, não necessariamente em todos os campi, mas em alguns deles. Em seu pensamento, a UERJ deveria sair de sua condição de uma ‘Escola Técnica Superior’, para uma condição de ‘Universidade’, nesse sentido ela necessitaria da implantação de um plano decenal (p.11).

Acerca dessas características da UERJ, a ex-reitora Nilcéa Freire, em

entrevista ao jornal do centro acadêmico do curso de Direito da UERJ, afirmou

em 2003:

(...) essa universidade, pela sua própria estrutura física e localização, foi concebida como uma ‘microuniversidade urbana’, para atender jovens do município do Rio de Janeiro, voltada essencialmente para a formação de profissionais para o mercado de trabalho, diferente das outras universidades públicas, tendo também a característica de ter muitos cursos noturnos; foi concebida, portanto, para ser uma universidade de formação profissional com pouca inserção na pesquisa, por exemplo. A UERJ mudou completamente, de uns quinze anos para cá, o seu perfil, passando a atender o Estado do Rio de Janeiro, ampliando sua pós-graduação, sua inserção na pesquisa, etc (O Descabelado, 2003, p.11).27

27O Descabelado. Jornal do Centro Acadêmico Luiz Carpenter da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ano VII, nº II, junho 2003, p.11. Entrevista.

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Por outro lado, o perfil da UERJ está marcado pelo trabalho de uma

extensão universitária voltada à comunidade de seu entorno e pela interiorização

de seus cursos a partir dos anos 80 do século passado, com a criação da Faculdade

de Formação de Professores, em São Gonçalo, e a Faculdade de Educação da

Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, por exemplo,28 o que denota seu

compromisso de atender diferentes áreas do estado do Rio de Janeiro.

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro oferece 32 cursos de

graduação, que se desdobram em diferentes habilitações, licenciaturas e

bacharelados. Os cursos são oferecidos por 30 unidades acadêmicas, abrangendo

as cidades do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Nova Friburgo, Resende e São

Gonçalo. Possui 46 programas de pós-graduação stricto sensu, oferecendo 42

cursos de mestrado acadêmico, 23 de doutorado e 2 de mestrado profissional; e

aproximadamente 100 cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) em

diversas áreas do conhecimento29.

3.1 Entre avanços e retrocessos: uma política em transformação

As ações afirmativas, como medidas democratizantes do acesso à

universidade, não surgem como um fruto da comunidade interna da UERJ. Elas

foram pensadas e conquistadas pela mobilização coletiva de atores sociais

organizados fora da universidade, como o Educafro (Educação e Cidadania de

Afro-descendentes e Carentes), o PVNC (Pré-Vestibular Para Negros e Carentes)

e parcela do movimento negro do estado do Rio de Janeiro, em articulação com os

Poderes Executivo e Legislativo do estado.

A universidade, através de questionários aplicados anualmente, tinha ciência

de que, em 2002, ano anterior à implantação da reserva de vagas, 31,9% dos

estudantes tinham renda familiar de até 8 salários mínimos e 19,9%, entre 8 e 12

salários, o que, para André Lázaro, sub-reitor de Extensão e Cultura, significava

que “(...) ao contrário do que se imagina, a Universidade já contava com

expressivo grupo de estudantes com origem nas camadas menos favorecidas da

população” (UERJ, 2003). 28 Hoje a UERJ tem cinco campi regionais: Rio de Janeiro, Duque de Caxias, São Gonçalo, Nova Friburgo e Resende. 29 De acordo com o DataUERJ 2011.

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Todavia, era pública e notória a ausência, entre seus alunos, de estudantes

economicamente carentes, especialmente os negros, nos cursos considerados de

prestígio; como os de medicina, direito, engenharia, entre outros, pela elevada

relação candidato/vaga, restando aos alunos com esse perfil sonhar com uma

possível vaga nos cursos onde aquela relação é menor, principalmente os de

licenciatura e serviço social.

Esse estado de coisas começa a mudar a partir de 2003. A professora da UERJ

e coordenadora acadêmica do Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira, à

época da entrada dos alunos cotistas, Maria Alice Gonçalves (2003), assevera:

Na verdade, está em curso uma grande oportunidade para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro liderar o processo de inclusão dos setores sub-representados no ensino superior, na medida que sua experiência poderá servir de paradigma para outras universidades do país. A política de cotas recoloca a necessidade urgente de ampliação das vagas no ensino superior e a necessidade da universidade pensar-se plural, ou seja, como real representante dos diferentes grupos que compõem a nação brasileira (p.5). As ações afirmativas chegaram à UERJ na forma de cotas através das leis

estaduais nºs 3.524, de 28 de dezembro de 2000 e 3.708, de 9 de novembro de

2001 e seus respectivos decretos regulamentadores, que criaram as reservas de

vagas voltadas aos alunos provenientes das escolas públicas e aos negros,

respectivamente.

Em 28 de janeiro de 2000, o então governador do estado do Rio de Janeiro,

Antony Garotinho, sancionou a Lei nº 3524, cuja iniciativa foi do Poder

Executivo, que dispôs sobre os critérios de seleção e admissão de estudantes da

rede pública estadual de ensino em universidades públicas estaduais. A lei foi

aprovada por unanimidade pela Assembléia Legislativa.

A lei obrigou os órgãos e instituições de ensino médio situados no Rio de

Janeiro, em articulação com as universidades estaduais, a instituírem o Sistema de

Acompanhamento do Desempenho de seus Estudantes – SADE. Obrigou ainda, a

reserva de 50% (cinqüenta por cento), no mínimo, por curso e turno, das vagas de

todos os cursos de graduação oferecidas pelas universidades públicas estaduais,

desde que os estudantes cumulativamente, tenham cursado integralmente os ensinos

fundamental e médio em instituições da rede pública dos municípios e/ou do estado

e tenham sido selecionados em conformidade com o SADE (art.2º, I, a e b).

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As demais vagas seriam ocupadas por estudantes selecionados em processo

definido pelas universidades, segundo a legislação vigente, isto é, o tradicional

Vestibular Estadual. Com isso, os alunos que sempre estudaram em escolas

públicas municipais ou estaduais do Rio de Janeiro tiveram ao seu dispor a

metade das vagas oferecidas pela UERJ, em todos os cursos, desde que aprovados

pelo recém-criado vestibular SADE. Uma verdadeira revolução na universidade

que teria, por exemplo, metade das vagas do curso de medicina, o mais concorrido

da UERJ, destinadas a serem ocupadas por alunos oriundos do ensino público.

O Decreto Estadual nº 31.468/2002, que regulamentou a referida lei,

determinou a competência das universidades públicas estaduais para a elaboração,

aplicação e correção dos exames previstos no processo seletivo para o ingresso

nos cursos de graduação destas universidades. Coube também às universidades,

definir critérios mínimos de qualificação para o acesso às vagas reservadas aos

estudantes da rede pública de ensino. Em caso do não preenchimento das vagas

reservadas, elas poderiam ser aproveitadas pelos demais estudantes, aplicando-se

a mesma regra à situação inversa.

O primeiro exame de seleção do SADE ocorreu em 2002, visando o

ingresso nas universidades estaduais em 2003. O exame teve duas etapas. A

primeira foi realizada por meio de prova objetiva de múltipla escolha, o Exame de

Qualificação, e a segunda, realizada por meio de prova discursiva, o chamado

Exame Discursivo.

Assim, por exemplo, no curso de Administração, a UERJ que ofereceu, em

2003, 120 vagas, ficou obrigada a reservar 60 vagas para os alunos provenientes das

escolas públicas que as disputaram no Vestibular SADE 2003, sendo as outras 60

vagas destinadas aos demais alunos que as disputaram no Vestibular Estadual 2003.

A vantagem dessa reserva de vagas para os alunos provenientes das escolas

públicas e que fizeram o Vestibular SADE pode ser observada na relação

candidato/vaga, que é menor para esses do que para os inscritos no Vestibular Estadual.

Voltemos ao exemplo do curso de Administração, que ofereceu 120 vagas em

2003. No Vestibular SADE foram inscritos 442 candidatos para concorrer às 60

vagas, o que determinou a relação candidato/vaga de 7,37. No Vestibular Estadual

foram inscritos 1.044 candidatos para concorrer às outras 60 vagas, o que

determinou a relação candidato/vaga de 17,42. Fica assim demonstrada a vantagem

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dos candidatos inscritos no Vestibular SADE (UERJ, 2003e). No conjunto das

demais carreiras, essa vantagem esteve presente em proporções semelhantes.

O já referido Decreto nº 31.468, entretanto, dispôs em seu artigo 3º que

poderiam participar da primeira etapa da implementação do SADE, no ano de

2003, os estudantes que tinham concluído ou que estivessem cursando a 3ª série

do ensino médio ou técnico-profissional e que tivessem cursado integralmente o

ensino fundamental e médio em instituições de ensino mantidas pelo poder

público, localizadas no estado do Rio de Janeiro.

Ocorre que a Lei nº 3.524 reservou vagas aos alunos provenientes somente

da rede pública dos municípios e/ou estado, enquanto o Decreto estendeu a

reserva aos alunos oriundos também das escolas federais situadas no Rio de

Janeiro, a saber: Colégio Militar, CAP da UFRJ (Colégio de Aplicação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro), Colégios Pedro II e as diversas Escolas

Técnicas Federais.

Essa extensão poderia ter sido considerada ilegal, posto que, conforme o

estudo da hierarquia das fontes formais do sistema jurídico nacional, o decreto

não pode contrariar a lei, tampouco ampliar as hipóteses nela previstas e, assim o

é, porque o decreto é ato proveniente do poder executivo a quem cabe

regulamentar a lei, enquanto a lei é ato do poder legislativo a quem cabe regular

uma situação fática.

Tal situação gerou efeitos distorcidos, porque alunos procedentes das escolas

federais ocuparam muitas das vagas, como sempre o fizeram nos vestibulares para o

ingresso na UERJ. Entretanto, em 2003, eles ocuparam as vagas destinadas aos

oriundos das escolas públicas municipais e estaduais. Assim sendo, os alunos das

escolas públicas federais, que ao longo dos anos sempre tiveram elevados índices de

aprovação, ocuparam as vagas que estavam orientadas aos alunos das escolas

públicas municipais e estaduais aos quais a ampliação de oportunidades de acesso

às universidades estaduais estava dirigida (O Globo, 2003)30.

Ainda devido ao sucesso costumeiro nos vestibulares da UERJ, foi alvo de

críticas a inclusão dos alunos provenientes das escolas estaduais técnicas e do

30 O Globo publicou o ranking das escolas públicas que tiveram seus alunos aprovados: 1º Escola Técnica Estadual República, 91 aprovados; 2º CEFET, 65; 3º Colégio Pedro II (São Cristóvão), 57; Instituto de Educação, 56; 5º Escola Técnica Estadual Visconde de Mauá, 54; 6º Liceu Nilo Peçanha, 49; 7º Cap UERJ, 47; 8º Escola Estadual Oscar Tenório, 46; 9º Cap UFRJ, 45; 10º Escola Técnica Estadual Henrique Lage, 43 (O Globo, 2003)

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CAP da UERJ (Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro), nas cotas dos alunos egressos das escolas públicas. Entretanto, nesse

caso, não se pode afirmar que houve ilegalidade, porque são todos alunos de

escolas públicas estaduais e qualquer distinção entre os alunos provenientes das

escolas estaduais feriria a lei.

Quanto ao número de alunos da rede pública estadual aprovados no SADE,

Raquel César (2004), sub-reitora de graduação à época afirmou:

Segundo informação da UERJ, apesar de todas as dificuldades estruturais, as escolas técnicas da rede da Secretaria de Educação, que não inclui as Escolas Técnicas ou de Aplicação, conseguiram aprovar alguns de seus melhores alunos no sistema do SADE, 84 alunos no total, com a maior concentração nas áreas de Ciências Humanas e Direito. Os demais teriam vindo, de fato, das escolas mais tradicionais no ensino de qualidade (p.269). O certo é que o texto legal valorizou a escola pública. Assegurou um espaço

antes ocupado majoritariamente pelos alunos provenientes das escolas

particulares, promovendo o acesso à universidade pública, especialmente, aos

cursos mais valorizados socialmente. Estimulou ainda a pressão exercida pelos

alunos, pais, professores e sociedade sobre as escolas públicas quanto à melhoria

do ensino, já que a Lei gerou expectativas de acesso.

Em 9 de novembro de 2001, o Governador Antony Garotinho, sem dialogar

com a comunidade universitária, sancionou a Lei Estadual nº 3.708, de iniciativa

do Poder Legislativo, que instituiu cota de até 40% (quarenta por cento) para as

populações negra e parda no acesso às universidades estaduais. Determinou

ainda, que nessa cota mínima estariam incluídos os negros e pardos beneficiados

pela Lei nº 3.524/2000. O Decreto Estadual nº 30.766, de 4 de março de 2002,

regulamentou essa lei, disciplinando o “Sistema de Cota para Negros e Pardos no

Acesso à UERJ e à UENF”.

Tal decreto determinou a competência das universidades estaduais para a

definição dos critérios mínimos de qualificação para o acesso às vagas reservadas

(40%) aos alunos negros e pardos. O artigo 3º do Decreto nº 30.766 prevê o modo

como as vagas referentes à cota de 40% serão preenchidas:

Art.3º - No preenchimento de suas vagas, deverão as universidades observar, sucessivamente, o seguinte: I - verificar os candidatos qualificados de acordo com os critérios tratados na Lei nº 3.524/2000, selecionando-os para o ingresso até o limite das vagas destinadas a tal fim;

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II - identificar, dentre os alunos selecionados para o ingresso na instituição na forma do inciso anterior, o percentual que se declarou negro ou pardo, em relação ao número total de vagas oferecidas, por curso e turma; III - deduzir da cota de 40%, o percentual de candidatos selecionados na instituição declarados negros ou pardos, que foram beneficiados pela Lei nº 3.524/2000 (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 3.708/2000); IV - preencher as vagas restantes, da cota de 40%, com os demais candidatos negros ou pardos que tenham sido qualificados para o ingresso na instituição, independentemente da origem escolar; e V - preencher as demais vagas oferecidas independentemente da cor, raça ou origem escolar do candidato qualificado. Parágrafo único - Em caso de reclassificação, deverão as universidades observar os sistemas de cotas estabelecidas pelas leis nºs 3.524/2000 e 3.708/2001. Posteriormente às Leis 3.524 e 3.708, foi aprovada a Lei nº 4.061 de 02 de

janeiro de 2003 que instituiu a reserva de 10% das vagas em todos os cursos das

universidades públicas estaduais a alunos portadores de deficiência tornando mais

complexa a sistemática de entrada na UERJ.

Com o objetivo de explicar como se deu essa superposição, vejamos um

exemplo de como a sistemática prevista em lei foi aplicada pela UERJ: o curso de

Administração da UERJ ofereceu 120 vagas, 60 destinadas ao Vestibular SADE e

60 destinadas ao Vestibular Estadual, de acordo com o previsto na Lei nº 3.524.

Das 120 vagas totais, 40% foram destinadas aos autodeclarados negros e pardos,

isto é, 48 vagas no curso de administração serão preenchidas conforme a

determinação da Lei nº 3.708. A primeira operação a ser feita é procurar dentre os

60 primeiros colocados do vestibular SADE os autodeclarados negros e pardos até

o limite das 48 vagas. Caso a totalidade das 48 vagas não seja preenchida dessa

forma - digamos que dos 60 melhores colocados no Vestibular SADE só 38

tenham se autodeclarado - as demais 10 vagas que cabem aos negros e pardos

deverão ser preenchidas por aqueles negros e pardos autodeclarados que constam

da listagem dos 60 melhores colocados do Vestibular Estadual. Se ainda desse

modo, as 48 vagas não forem preenchidas - por exemplo, se dentre os melhores 60

colocados do Vestibular Estadual apenas 8 forem negros ou pardos, ficam

faltando ainda 2 vagas que serão deduzidas dos alunos do Vestibular SADE, isto

é, verifica-se o 61º candidato melhor colocado e assim por diante que tenha se

autodeclarado negro ou pardo até o preenchimento das 2 vagas restantes. Por fim,

se ainda houver necessidade, far-se-á o mesmo com os alunos classificados pelo

Vestibular Estadual, identificando-se os negros ou pardos a partir do 61º melhor

colocado em diante. O certo é que as 48 vagas deverão ser preenchidas por negros

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e pardos autodeclarados, ainda que suas notas sejam inferiores às tiradas pelos

alunos não beneficiados pela cota prevista na Lei nº 3.708.

Renato dos Santos (2006) afirma que, “em meio à polêmica então já

instaurada, e com uma clara campanha contrária às cotas, chegava-se a dizer que

todas as cotas, 50%+40%+10%= 100%! Isso era dito mesmo após a definição da

forma de contabilização apontada no Vestibular para 2003” (p.24), uma campanha

explicitamente de má-fé, visto que as cotas não se somaram simplesmente, mas se

sobrepuseram.

A UERJ contabilizou que no ano de 2003, já com as leis de reserva de vagas,

59,2% das 2.888 vagas oferecidas foram preenchidas por candidatos beneficiados

por algum tipo de reserva. Em alguns cursos, esse percentual foi considerado

excessivo como no curso de Desenho Industrial, no qual 77,78% das vagas foram

preenchidas através das cotas, o que foi entendido por alguns setores da sociedade

como abusivo e lesivo ao princípio da universalidade e proporcionalidade.

Um critério que parece justo é o da proporcionalidade à representação da

população negra na sociedade de referência. De acordo com esse critério, no estado

do Rio de Janeiro, o quantum de 40% previsto pela lei poderia ser considerado

proporcional. Entretanto, as reações contundentes aos 40% de vagas destinadas aos

negros e pardos e as reações moderadas aos 50% de vagas destinadas aos egressos

das escolas públicas demonstraram a sua inexequibilidade política.

As reações levaram militantes do Movimentos Negro a afirmar que “o

problema não são as cotas, mas sim a cor das cotas” (Santos, 2006, p.27).

Raquel César (2004), sobre o questionamento das leis escreveu:

Percebeu-se nitidamente uma tendência maior em questionar a validade da Lei n. 3.708/2001, que reservava 40% das vagas para candidatos negros e pardos, do que em questionar a Lei 3.534/2000 que reservava vagas para alunos oriundos da escola pública. Isso pode ser explicado tanto pela anarquia cognitiva que o termo pardo causou na aferição da eficiência da medida, quanto pela negação da existência de diferenças raciais no país com sérios cortes de classe, como também pela insuficiência da auto-declaração racial (p. 293). Ainda quanto às resistências às Leis dentro e fora da UERJ, Renato dos

Santos (2006) justifica: Dentro da comunidade acadêmica, muito se alardeou o fato de a política ter sido definida por lei estadual, mobilizando como argumentos centrais: (1) o ferimento à autonomia universitária, e (2) que o processo era anti-democrático, definido “de cima pra baixo’ ou “de fora pra dentro”. Isso nos alerta para dois aspectos: primeiramente, em certa medida, e não observados os processos políticos de

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construção dessas leis, tais argumentos representam uma crítica à representatividade da classe política eleita pelo voto popular! Em segundo, e de outro lado, diante da força da construção institucional de nossa sociedade, torna-se efetivamente dificultoso implementar uma política dessa envergadura (que envolve a transformação de valores enraizados) sem um diálogo com a comunidade e sem um trabalho de mobilização e sensibilização institucional apontando para uma significação positiva das transformações derivadas da iniciativa. Isso vale para qualquer forma de definição da política- seja por força de lei ou por decisão interna da instituição-, mas, quando ela é aplicada por uma decisão externa à comunidade acadêmica, torna-se imprescindível, por conta da mobilização do argumento do ferimento à autonomia universitária- que deixa de ser apenas um princípio a ser defendido e passa a representar um signo identitário, que neutraliza, enfraquece ou minimiza inclusive as forças políticas internas favoráveis à medida (p.24) Outro argumento que mobilizou as discussões à época e que ainda hoje é

freqüentemente trazido ao debate é o que remonta à questão do mérito. A entrada

de candidatos cotistas implicou, muitas vezes, na perda de vagas dos não cotistas,

ainda que estes tivessem notas mais altas do que aqueles. Dizendo de outro modo:

comparando as notas dos candidatos, encontramos candidatos classificados com

notas menores do que os não classificados.

É propósito das ações afirmativas que candidatos com menor pontuação

sejam aprovados no lugar de outros com maior pontuação. Essa é a oportunidade

que se abre aos setores mais desfavorecidos do ponto de vista social e racial. O

propósito das ações afirmativas é justamente possibilitar que alunos com um

rendimento menor nos exames vestibulares não sejam excluídos da oportunidade

de cursarem o ensino superior público.

As ações afirmativas não dispensam a utilização do critério meritório, ao

contrário, o mérito tem sido vitimado pelas desigualdades sociais e raciais que

podem ser corrigidas através das ações afirmativas posto que, possibilitam a “des-

racialização”, “des-etnização ou des-sexualização” das oportunidades de acesso e

permanência no ensino superior de qualidade. Para Guimarães (1997), Ela é (a ação afirmativa), em certo sentido, uma defesa da legitimidade do mérito e uma tentativa de livrá-lo da contaminação de acidentes raciais, étnicos ou sexuais; sua virtude está em procurar evitar que mecanismos meritocráticos acabem por concentrar no topo indivíduos de uma mesma raça, etnia ou sexo (p. 238). Por outro lado, concordamos com Nunes (2007) quando destaca que “a

meritocracia em um concurso vestibular é questionada quando se pergunta a partir

de que capitais culturais são previstos os padrões de desempenho dos (as) jovens

que a esse processo se submetem” (p.320).

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Como conseqüência da insustentabilidade política, toda legislação estadual foi

revogada e editada nova lei, a Lei Estadual 4.151 de 04 de setembro de 2003, que

substituiu as anteriores e instituiu uma nova disciplina sobre “o sistema de cotas

para ingresso nas universidades públicas estaduais” 31, isto é, toda essa sistemática

de acesso às universidades estaduais foi revogada e substituída, de tal modo que as

turmas montadas de acordo com os vestibulares 2003 são fruto de uma experiência

única que não se repetiu a partir dos vestibulares de 2004 e posteriores32.

A Lei 4.151/2003 determinou, em seu art. 5º, a reserva de 45% das vagas

das universidades estaduais, assim distribuídas: 20% para os estudantes oriundos

da rede pública de ensino, 20% para negros e 5% para pessoas com deficiência,

nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas33. Em suma,

uma reserva em termos numéricos bem menor.

De acordo com o Anuário Estatístico da UERJ, que infelizmente não têm os

dados de 2004, 2005 e 2006, verificamos a queda do número de cotistas

ingressantes conforme determinou a legislação. O Anuário trata de não cotistas e

cotistas, não especificando o tipo de cota. Todavia, é possível notar que há um

acentuado decréscimo do número de candidatos que tiveram acesso através das

ações afirmativas: no ano de 2003, os cotistas foram 2888; em 2007, 1158; em

2008, 1120; em 2009, 1378 e em 2010, 1481.

É fato que a nova lei foi melhor recebida pelas comunidades interna e externa

da universidade e a contestação em torno do argumento da falta de proporcionalidade

arrefeceu, embora não tenha desaparecido dos debates. Ela também resolveu ou

remediou várias questões que problematizavam as leis anteriores.

A nova legislação instituiu que as cotas seriam ocupadas somente por

“estudantes carentes”, esse “corte de renda” não havia sido determinado até então,

o que trouxe, no entendimento de Renato Ferreira,“mais estabilidade à política”

(2009, p.122). Ele afirma:

Com a entrada em vigor desse sistema, mais razoável, ocorreu uma sensível redução das ações contra as políticas de cotas. Em Seminário no Rio de Janeiro no

31 Renato dos Santos informa que a nova Lei foi costurada por uma articulação entre a direção da universidade, o governo do estado e setores do movimento negro, ainda sob o calor do ingresso da primeira turma em 2003 (2006, p.28). Entendemos que essa costura padeceu de falta de transparência. 32 Para conhecer detidamente o processo político que construiu a nova legislação, consultar Arbache, 2004 e Machado, 2004. 33 Toda legislação está em anexo.

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ano de 2005, o chefe da Procuradoria Jurídica da UERJ relatava que após as mudanças na lei, as ações judiciais tinham mudado de foco. Não havia mais ações de alunos questionando a constitucionalidade das cotas - até porque os advogados, promotores e defensores passaram a desaconselhar tais demandas jurídicas, por conta da interpretação favorável que o Tribunal passou a ter sobre a questão. Segundo o procurador, contra a nova lei havia ações impetradas por alunos que não puderam concorrer pelo sistema, por estarem em desacordo com as exigências do edital (idem, p.123). É certo que o “corte de renda” tenha amenizado as críticas feitas ao sistema

de cotas por setores que o combatiam com o argumento de que “os negros de classe

média e ricos” não deveriam ser beneficiários de uma política não universal, posto

que, os “brancos pobres” poderiam perder suas vagas para negros que não fossem

carentes economicamente, o que para esses setores se revestia de “flagrante

injustiça”. Conforme já expus anteriormente, as reações às cotas raciais foram e

ainda são maiores do que as dirigidas às cotas sociais que geralmente se destinam

aos candidatos oriundos de escolas públicas. Nesse sentido também, o “acerto”

provocado pela nova legislação trouxe maior legitimidade à política da UERJ.

Todavia, do meu ponto de vista, tal medida foi um retrocesso e um erro,

posto que, excluiu do acesso diferenciado negros não tão pobres, de classe média

que, em verdade, também sofrem com o fator/variável discriminação racial.

Rafael Osório (2009), em sua tese de doutorado, afirma que os fatores

relacionados à origem social têm intenso significante sobre as probabilidades de

sucesso educacional, como a educação da pessoa de referência do grupo

doméstico e a renda domiciliar per capita, já a raça da pessoa

representando o peso da discriminação racial (supondo controlado os demais fatores de produção das desigualdades raciais), apresenta sempre um efeito negativo significante e de considerável intensidade. Ou seja, ceteris paribus34, negros têm menor probabilidade de sucesso em alcançar quaisquer das conquistas educacionais modeladas (p.300-3001). Interessante e inovador no seu estudo é o achado: quanto mais acirrada a

competição por um nível educacional, mais intensos se mostram os efeitos da

discriminação racial (idem, p.314); é justo isso o que ocorre na competição pelas

vagas universitárias. O peso da discriminação racial é variável e a pesquisa

identificou um padrão: quanto maior a disputa por acesso ao ensino, poucas vagas e

muitos em condição de concorrer a elas, maior o peso da discriminação em prejuízo

dos negros. 34 Expressão do latim que pode ser traduzida por "mantidas inalteradas todas as outras coisas".

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Assim, nos domicílios de menor renda e menor instrução, a cor da pele faz

pouca diferença na probabilidade de uma criança nascida entre 1973 e 1977 ter

chegado à faculdade em 1996 — nessas condições, a chance é pequena tanto para

negros quanto para brancos. Na outra ponta, quando negros e brancos estão entre

o 1% mais rico da população, a influência da cor no acesso à universidade

também é pequena: a probabilidade é alta para os dois grupos. É, portanto, na

camada intermediária que a discriminação racial é mais sentida de acordo com as

amostras de Osório (2009).

Por outro lado, Maria Aparecida Bento (2002) chama a atenção que o

branco independente da classe social, tende a ser solidário quando se sente

discriminado por medidas como as políticas de ação afirmativa voltadas para

negros, assim os brancos de classe alta e média procuram denunciar essa

“injustiça” praticada contra o branco pobre. Assinala que, essa união e

solidariedade da branquitude independente de suas diferenças teria um objetivo

comum: a manutenção do status quo, isto é, a conservação dos privilégios que o

grupo branco obtém – mesmo quando na condição de pobreza – devido ao

racismo estrutural presente na sociedade brasileira (p. 141).

De acordo com o § 1º do art. 1º, o critério de carência é determinado pela

universidade que exigiu renda per capta na família, no primeiro ano de aplicação

da lei (2004), o valor de R$300,00; valor extremamente baixo que se fez sentir em

relação à permanência na UERJ dos novos alunos cotistas, afinal não havia ainda

o sistema de pagamento de bolsas aos cotistas35, ao contrário, a universidade já

carente de recursos se viu na responsabilidade de evitar a evasão. Isto posto, a

universidade reviu esse valor que passou para R$520,00 per capita na família no

vestibular seguinte em 2005 e 2006; R$ 630,00 em 2007 e 2008; R$ 960,00 em

2009, 2010 e 2011.

Para Machado (2004) a “nova lei” separa os candidatos à UERJ em duas

categorias: carentes e não-carentes. Os primeiros foram subdivididos em três

categorias: negros, egressos de escolas públicas, deficientes físicos e outras

minorias étnicas. Cada grupo de candidatos compete entre si de acordo com a 35 Por ocasião do meu mestrado entrevistei a sub-reitora de graduação da UERJ à época, professora Raquel Marques Villardi, que relatou a precariedade financeira da UERJ, a falta de bolsas de permanência e posterior chegada das mesmas aos poucos e em número insuficiente. “O nosso desafio é o desafio da permanência. Uma instituição que se propõe a trabalhar pela igualdade social num país tão desigual precisa de um aporte orçamentário que viabilize a permanência desse estudante” (Valentim, 2005, p.67-69).

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categoria em que se inscrever, “por exemplo, os candidatos autoclassificados

negros competem entre si pelos 20% de cotas. Os não-carentes concorrem entre si

aos 55% do restante das vagas” (p.176).

Quanto aos estudantes oriundos da rede pública de ensino, a nova lei sanou as

controvérsias ao determinar como sendo aqueles que tenham cursado integralmente

todas as séries do 2º ciclo do ensino fundamental em escolas públicas de todo

território nacional e, ainda, todas as séries do ensino médio em escolas públicas

municipais, estaduais ou federais situadas no Estado do Rio de Janeiro.

Note-se que, no inciso II do art. 1º, a lei faz referência aos negros em

substituição às terminologias negros e pardos das legislações anteriores em

consonância ao entendimento de parcela do movimento negro. Por outro lado,

essa substituição diminuiu o protesto daqueles que imaginavam que o sistema

pudesse ser significativamente fraudado por candidatos brancos que poderiam se

autodeclarar pardos, mas que não se autodeclarariam negros pela ausência de

marcadores identitários para tal.

Instituiu ainda que o candidato ao sistema devesse optar por qual reserva de

vagas gostaria de concorrer.

A Lei Estadual nº 4.151 dispõe:

Art. 1º - Com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer cotas para ingresso nos seus cursos de graduação aos seguintes estudantes carentes: I- oriundos da rede pública de ensino; II - negros; (grifo nosso36) III- pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas. § 1º - Por estudante carente entende-se como sendo aquele assim definido pela universidade pública estadual, que deverá levar em consideração o nível sócio-econômico do candidato e disciplinar como se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores sócio-econômicos utilizados por órgãos públicos oficiais. § 2º - Por aluno oriundo da rede pública de ensino entende-se como sendo aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do 2º ciclo do ensino fundamental em escolas públicas de todo território nacional e, ainda, todas as séries do ensino médio em escolas públicas municipais, estaduais ou federais situadas no Estado do Rio de Janeiro. § 3º- O edital do processo de seleção, atendido o princípio da igualdade, estabelecerá as minorias étnicas e as pessoas com deficiência beneficiadas pelo sistema de cotas, admitida a adoção do sistema de auto-declaração para negros e pessoas integrantes de minorias étnicas, cabendo à Universidade criar mecanismos de combate à fraude

36 Negros em substituição às terminologias negros e pardos das legislações anteriores.

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§ 4° - O candidato no ato da inscrição deverá optar por qual reserva de vagas estabelecidas nos incisos I, II e III do presente artigo irá concorrer. Importante foi que a nova legislação determinou o provimento imediato de

recursos financeiros necessários à permanência dos alunos cotistas na UERJ,

inclusive os que tiveram acesso anterior a ela, isto é, os alunos carentes

ingressantes pelo disposto nas Leis nºs 3.524/2000, 3.708/2001 e 4.061/2003.

A política de ação afirmativa da UERJ passou por nova alteração legal em

2008 com a revogação da Lei 4.151/2003. A nova lei, tecnicamente mais apurada

é a que ainda vigora, a Lei 5.346 de 11 de dezembro de 2008, que instituiu “por

dez anos, o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais”.

A Lei 5.346 manteve o critério de carência, mas alterou os beneficiários do

sistema. Ela dispõe,

Art. 1º - Fica instituído, por dez anos, o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais, adotado com a finalidade de assegurar seleção e classificação final nos exames vestibulares aos seguintes estudantes, desde que carentes: I - negros; II - indígenas; III - alunos da rede pública de ensino; IV - pessoas portadoras de deficiência, nos termos da legislação em vigor; V - filhos de policiais civis e Militares, bombeiros Militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço. A nova Lei acrescenta mais uma categoria de beneficiários ao sistema no

inciso V do art.1º. Tal inclusão viola o entendimento já exposto nesta pesquisa

acerca das finalidades e natureza jurídica das políticas de ação afirmativa. Nesse

sentido estamos de acordo com Ferreira (2009) para quem:

Uma política afirmativa destina-se a promoção de um grupo socialmente excluído, se o grupo não se encontra neste critério subverte-se o princípio afirmativo e o que era promoção passa a privilégio. O só fato de ser filho de um militar, ainda que morto em razão de serviço, não faz de ninguém sujeito de direito de uma política de inclusão desta natureza. Por isto, como já nos posicionamos em diversos seminários, entendemos ser inconstitucional essa medida que deveria ser suprimida da lei (op.cit.123).

Quanto ao aluno oriundo da rede pública de ensino houve uma alteração,

posto que, “entende-se aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do

2º ciclo do ensino fundamental e do ensino médio em escolas públicas de todo

território nacional” e não apenas aquelas situadas no Rio de Janeiro.

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Quanto aos percentuais, também houve alterações, vejamos:

Art. 2º - As cotas de vagas para ingresso nas universidades estaduais serão as seguintes, respectivamente: I - 20% (vinte por cento) para os estudantes negros e indígenas; II - 20 % (vinte por cento) para os estudantes oriundos da rede pública de ensino; III - 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e filhos de policiais civis, Militares, bombeiros Militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço. A Lei destinou 20% das vagas aos negros agrupados agora aos indígenas

anteriormente agrupados às pessoas com deficiência no percentual de 5%. As

pessoas com deficiência foram agrupadas aos filhos de policiais civis, militares,

bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária,

mortos ou incapacitados em razão do serviço, no percentual de 5%.

Destacamos de fundamental importância o inciso I do art.3º que determinou

o pagamento de bolsa-auxílio durante todo período do curso universitário dos

cotistas, medida que facilita a permanência e terminalidade dos seus cursos.

Criou ainda outras modalidades de ação afirmativa37 nos incisos seguintes:

II - reserva proporcional de vagas em estágios na administração direta e indireta

estadual e III - instituição de programas específicos de crédito pessoal para

instalação de estabelecimentos profissionais ou empresariais de pequeno porte e

núcleos de prestação de serviços.

Quanto à questão da identificação, desde a primeira Lei, os candidatos que

pretenderam concorrer às cotas o fizeram através da auto-identificação realizada

no formulário de inscrição para o vestibular. A autoclassificação foi adotada não

como critério universal para todos os candidatos, mas obrigatoriamente para os

que optaram pelas cotas.

Depois de muitos percalços no Judiciário que ameaçaram, mas não

inviabilizaram a experiência da UERJ, em 2009 houve uma Representação de

Inconstitucionalidade no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

contra a Lei 5.346/2008 que a ameaçou, posto que, em agosto de 2009, o Órgão

Especial concedeu liminar suspendendo a lei de cotas e suspendendo a execução do

vestibular já em curso. Devido à grande repercussão que tal decisão criou, o

referido Órgão acolheu o recurso proveniente da Procuradoria Geral do Estado e

37 Relembremos que cotas são apenas uma das modalidades de ações afirmativas.

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determinou que a liminar só fosse aplicada a partir do ano de 2010. No mês de

novembro de 2009, o Tribunal, de forma definitiva, se manifestou sobre o mérito do

sistema de cotas. Ferreira (2009) afirma que “em decisão maiúscula (15 votos a 6) o

Órgão Especial decidiu que a lei de cotas é constitucional” (Ferreira, 2009, p.125).

Esperamos para breve o posicionamento definitivo do Supremo Tribunal

Federal que julgará Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada

pela CONFENEN - Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino,

sindicato patronal dos donos das escolas particulares - decidindo pela

constitucionalidade ou não das ações afirmativas em todas universidades e, para

tanto, o Ministro Ricardo Lewandowski determinou a realização de Audiência

Pública Sobre Ações Afirmativas ocorridas nos dias 3, 4 e 5 de março de 2010.

O Poder Judiciário brasileiro ainda não se manifestou definitivamente sobre

a constitucionalidade ou não das políticas de ação afirmativa e de seus

mecanismos (como as cotas) instituídos até o momento. As diversas ações

ajuizadas nos tribunais, que têm competência para exercer o controle direto de

inconstitucionalidade (o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça), não

foram julgadas no mérito.

A experiência desenvolvida na UERJ, ao longo dessa sinuosa trajetória é

potente e profícua. É certo que as negociações necessárias à sua vigência a

comprometeu pontualmente; entretanto, concessões fazem parte da dinâmica de

conquista dos direitos sociais num contexto democrático. Não é possível

minimizar sua relevância, tanto se a olharmos inserida no cenário educacional

estadual e federal, quanto do ponto de vista das centenas de vidas que já alcançou.

Por fim, seguem as tabelas que construí com dados disponibilizados no

anuário estatístico DataUERJ, publicação que reúne as principais informações

institucionais da UERJ, produzido pelo Núcleo de Informação e Estudos de

Conjuntura, órgão vinculado à administração central da universidade38.

De acordo com o site da UERJ, a primeira edição do DataUERJ deu-se no

ano de 1994 e a periodicidade anual de sua publicação manteve-se regular até

2004, quando foi descontinuada; “a retomada de sua produção em 2008 e a

regularização de sua publicação anual a partir de então, alinham-se à política de

transparência claramente colocada como marca da atual administração da UERJ”

38 Apresentação do DataUERJ 2011, disponível em: http://www2.datauerj.uerj.br/

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(UERJ, 2011). Portanto, infelizmente não dispomos dos dados oficiais referentes

aos anos 2004, 2005 e 2006, o que é lamentável.

Tabela 2: Ingressantes por vestibular, cotistas e não-cotistas (DataUERJ, 2010, pág. 56) 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total Geral

4881 4718 4834 4833 4357

Não cotistas

1993 3560 3714 3455 2876

Cotistas

2888 1158 1120 1378 1481

% Não Cotistas

40,8 75,5 76,8 71,5 66

% Cotistas

59,2 24,5 23,2 28,5 34

Somados os anos 2003, 2007, 2008, 2009 e 2010, o número de cotistas que

tiveram acesso à UERJ é de 8.025 e não-cotistas de 15.598. Embora não estejam

disponíveis os dados de 2004 a 2006, pode-se dizer que se trata de um número

significativo e corresponde aproximadamente a um terço dos alunos da universidade.

Tabela 3: Concluintes cotistas e não-cotistas (DataUERJ, 2010, p.57) 2006 2007 2008 2009 2010 Total Geral

2727 2366 2781 2610

Não cotistas

1954 1459 1818 1717

Cotistas

773 907 963 893

% Não cotistas

71,6 61,7 65,4 65,8

% Cotistas

28,4 38,3 34,6 34,2

Somados os anos 2007, 2008, 2009 e 2010, o número de cotistas concluintes é

de 3.536 e não-cotistas de 6.947. Faltam os número de concluintes em 2006, ano no

qual teria ocorrido a formatura dos primeiros alunos cotistas dos cursos cuja duração

é de 8 períodos. São 3.536 profissionais formados com a possibilidade de ingresso no

mercado de trabalho portando um diploma muito valorizado socialmente.

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Os dados do DataUERJ não distinguem os cotistas entre si, de modo que

não podemos saber ao certo, dentre eles, os que se referem exclusivamente aos

negros, lamentavelmente.

Tabela 4: Taxa de evasão (não computada a transferência interna) cotistas e não-cotistas (DataUERJ, 2010, p.57) 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total Geral

11,7 11,8 12,3 11 12,6

% Não cotistas

12 14,6 10,4 9,3 10,5

% Cotistas

10,8 5,5 1,3 1,6 2,1

Verificamos que a taxa de evasão dos cotistas é sempre menor. Seria

interessante buscar as causas desse fato. Uma hipótese seria a valorização que tais

alunos conferem à oportunidade de realizar um curso superior numa universidade

pública.

3.2 A permanência do aluno cotista

Para além do acesso à universidade, são necessárias políticas que garantam

a permanência dos alunos na instituição, a fim de que a exclusão de todos os

alunos de baixa renda e negros que tiveram acesso às vagas, não se materialize em

forma de evasão ou retenção.

Os alunos de baixa renda, cotistas ou não, têm dificuldades em se manter

estudando, devido às despesas com transporte, alimentação, material escolar,

livros, fotocópias, entre outras. Essa realidade já era conhecida pela universidade

mesmo antes da implementação das cotas.

Caberia à UERJ, coerentemente com a política de cotas, construir uma

estrutura capaz de apoiar os alunos cotistas, possibilitando que desfrutem

adequadamente da vida universitária. Além disso, caberia ainda à UERJ estimular

a convivência intercultural entre os sujeitos de sua comunidade interna, através de

estratégias que fomentem espaços necessários ao diálogo intercultural. Candau

(2005) afirmou:

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É importante ter presente que a interculturalidade não se dá de modo espontâneo e “natural”. Requer ocasiões que conscientemente a valorizem e promovam de modo explícito o diálogo entre os diferentes grupos sócio-culturais. São as tensões e conflitos que afloram freqüentemente no cotidiano da universidade, os incidentes críticos, que trabalhados pedagogicamente, oferecem ocasião para que se incentive a comunicação intercultural (p.16). Assim, a política de reserva de vagas deveria vir acompanhada de outras

políticas de suporte, tanto no plano objetivo, a exemplo de financiamentos para

compra de livros, alimentação subsidiada ou gratuita, como os bandejões,

transporte coletivo com preço reduzido ou gratuito; quanto no plano subjetivo e de

maior complexidade, a exemplo de seminários e encontros, no qual a questão das

diferenças pudesse ser debatida e elaborada democraticamente, as desigualdades

problematizadas, o racismo e a discriminação racial existentes no espaço

universitário “postos em xeque”, revelados e trabalhados visando sua superação.

A iniciativa das ações afirmativas, como já foi dito, não foi gerada

internamente pela comunidade universitária que resistiu à sua implantação num

primeiro momento. Todavia, a universidade viu-se obrigada a encontrar

alternativas para a recepção, na instituição, dos alunos cotistas. Nesta perspectiva,

a Reitoria nomeou uma Comissão, através da Portaria nº 327/2002, de 20/9/2002

com o objetivo de elaborar propostas de apoio acadêmico e financeiro visando à

permanência na universidade dos alunos cotistas. Como resultado das discussões

realizadas, a Comissão39 propôs um programa de apoio acadêmico e financeiro,

que veio a ser nomeado de Programa de Apoio ao Estudante da UERJ. Para tanto,

a Comissão identificou as principais causas de evasão nos cursos, quais sejam:

“falta de recursos financeiros, reprovações no primeiro ano e desengajamento por

deficiências acadêmicas” (UERJ, 2003b, p. 4).

Machado (2004) assevera, quanto à Comissão que:

O foco das reuniões era as imaginadas “deficiências acadêmicas” dos alunos aprovados no concurso vestibular 2003. A comissão concluiu que a falta de recursos financeiros e as ditas deficiências seriam as principais causas das reprovações e do abandono dos cursos que ocorreriam no primeiro ano, por parte desses estudantes, e considerou cada uma dessas causas como passíveis de ações pragmáticas, sugerindo medidas de apoio efetivo à permanência do estudante “carente” na universidade. Cabe observar aqui que toda a discussão versava sobre “carências” econômicas e acadêmicas dos alunos cotistas, nunca a cor deles (p.126).

39 Machado (2004) afirma que já na segunda reunião dessa Comissão, um representante do PVNC e um do EDUCAFRO passaram a integrá-la e que tal participação foi fundamental (p.126).

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Uma conclusão fundamental do trabalho da Comissão foi a de que a

permanência dos novos alunos na universidade “dependerá substancialmente do

apoio financeiro e acadêmico que puderem receber do Estado e da Instituição”

(UERJ, 2003b, p.16).

A Comissão sugeriu sucintamente que fossem criados, com urgência,

programas de bolsas específicas para o atendimento aos alunos de baixa renda,

especialmente no primeiro ano de estudo e que, posteriormente, houvesse uma

ampliação dos programas de bolsas já existentes, como suporte acadêmico.

Propôs, ainda que disciplinas fossem colocadas à disposição dos estudantes que

apresentassem dificuldades para acompanhar o ritmo das aulas, evitando

reprovações. E também que a universidade dispusesse de financiamento para o

atendimento de necessidades como alimentação e transporte de estudantes

carentes não contemplados por bolsas e que, por fim, as bibliotecas fossem melhor

equipadas, para que seus acervos pudessem atender à nova demanda (UERJ,

2003b, p.17).

A Comissão ainda recomendou atividades de informação junto aos Centros

Acadêmicos, Departamentos e Conselhos Departamentais para eliminar a

possibilidade de atitudes preconceituosas e discriminatórias.

O custo daquele Programa giraria em torno de R$ 12,7 milhões para 2003.

Para a concretização do Programa seria necessário um financiamento específico

dos órgãos do governo estadual, já que a universidade não dispunha dos recursos

para tal finalidade, não previstos em seu orçamento.

O PAE - Plano de Assistência ao Estudante foi, pela UERJ divulgado, para a

sua comunidade interna, como se segue:

A UERJ está dando uma força para os novos estudantes. Para facilitar a transição entre o ensino médio e a Universidade, serão oferecidas aos alunos algumas disciplinas instrumentais. Este semestre, os interessados poderão cursar Informática, Inglês, Matemática e Português. A iniciativa é do Programa de Apoio ao Estudante (PAE), criado recentemente pela Sub-Reitoria de Graduação (SR1) para estabelecer ações que viabilizem a permanência do aluno na Instituição. Para se inscrever, basta preencher e depositar na caixa de coleta a ficha sobre o PAE disponível no hall dos elevadores, no térreo. Informações: 2587-7501 ou pae@uerj.br Afirmou a ex-reitora Nilcéa Freire (2004), que o PAE se caracteriza pelas

seguintes premissas:

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A partir das matrículas, todos são alunos da UERJ. Dessa forma o programa não discrimina os alunos pela forma de ingresso, e sim pelas necessidades que apresentem - sejam elas materiais ou acadêmicas. Não há o pressuposto de que os alunos que ingressaram este ano são diferentes ou menos qualificados que os demais. Assim não estamos trabalhando com nenhuma espécie de nivelamento direcionado ao grupo que se beneficiou das cotas. Todos os ingressantes foram aprovados na primeira etapa do vestibular, de caráter eliminatório, o exame de qualificação (p. 193). Nilcéa Freire avaliou que o PAE custava caro, entretanto, “seria de uma

enorme perversidade garantir o acesso sem dar condições de permanência com

qualidade em nossas instituições. Estamos um pouco apreensivos porque o

governo do estado não garantiu o repasse dos recursos necessários até esse

momento” (Idem, p. 194).

Desde então, a universidade vinha incitando o governo do estado a liberar novos

recursos que pudessem fazer face às demandas relativas à permanência dos alunos

selecionados e admitidos na universidade, além da batalha anual que usualmente

travava quando da elaboração e votação do orçamento estadual a ela destinado.

De fato, a UERJ passava em 2003 por graves problemas financeiros e não

dispunha dos recursos necessários para apoiar adequadamente os alunos que

necessitavam de suportes de diferentes tipos, orientados a garantir sua

permanência na instituição.

O secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, Fernando Peregrino,

prometeu, em 2003, que os recursos seriam liberados para a UERJ, mas entendia

que o Ministério da Educação devesse arcar com parte dos custos: “vou sugerir

que os custos adicionais desse projeto sejam divididos com o Ministério da

Educação, já que a experiência das cotas também consta do programa do governo

federal”, afirmou (Góis, 2003).

As bolsas destinadas aos cotistas 2003, chamadas Jovens Talentos II,

chegaram à UERJ via FAPERJ, e foram reservadas aos alunos que tivessem renda

per-capita familiar igual ou inferior a R$ 300,00 mensais. A UERJ selecionou 595

estudantes com ingresso em 2003, primeiro semestre, e 405 com ingresso em

2003, no segundo semestre. Infelizmente, as bolsas não foram liberadas em 2003,

porque só foram repassados seus custos em 200440, tendo os cotistas permanecido

sem bolsas durante o primeiro ano de seus cursos universitários41.

40 As bolsas foram pagas retroativamente. 41A UERJ não tem bolsas para alunos do primeiro ano. As bolsas como as de monitoria, de

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Em entrevista realizada por ocasião de meu mestrado, a Sub-reitora de

Graduação da UERJ à época, Raquel Villardi, quanto à situação das bolsas,

declarou que:

(os alunos de 2003 ficaram) sem nenhum tipo de auxílio e vieram 1000 bolsas para um contingente de 2835 estudantes que foram os que entraram por cota, em 2003. Agora, em 2004, nós conseguimos a liberação de uma verba de 1380 bolsas que se vão somar às mil que nós conseguimos para os estudantes de 2003, porque essas bolsas têm validade de um ano, então, os de 2003 estão perdendo as bolsas agora. Quer dizer, eles receberam em janeiro e fevereiro ou março dependendo, mas retroativo a outubro. Então, eles agora em 30 de setembro, os primeiros estão perdendo a bolsa e os de 2004 estão assumindo essa bolsa. Nós recebemos um contingente de mais 1380 bolsas que nós estamos implementando paulatinamente. Acreditamos que os primeiros estudantes estejam recebendo ainda este mês. Com essa verba nós vamos conseguir atender os de 2004, que também passaram um ano sem ter nenhum tipo de apoio. Nós ainda não temos como avaliar as perdas desses estudantes, a não ser naquelas questões mais pontuais, quer dizer, o estudante que nos procura dizendo: “- Vou largar porque não tenho condição”. Mas a gente não tem como fazer uma estatística disso porque o estudante que não vem fazer inscrição em disciplina, o sistema tem um mecanismo de trancamento automático, então ele não é dado como desistente nem como abandono. Não no primeiro período que isso acontece. Só um ano depois que eu vou ter condição de saber, um ano depois do abandono, é que eu vou ter condição de saber que esse aluno está colocado numa situação real de abandono. Então, eu não posso ainda mensurar o impacto da perda dessa falta de auxílio porque eu também não tenho para 2005 nenhuma perspectiva de apoio a esses estudantes no momento em que chegam (Valentim, 2005 a, p.67). A partir de 2004, com outra administração e em face de nova legislação, a

UERJ criou um programa similar ao PAE, denominado Programa de Iniciação

Acadêmica – PROINICIAR, instituído por meio da Deliberação 043/2004, com

vistas a oferecer suporte ao estudante oriundo do sistema de reserva de vagas.

Renato dos Santos (2006) afirma que o PROINICIAR

Nasce através do diálogo entre a nova direção da Sub-Reitoria de Graduação e as diferentes unidades acadêmicas, em que se buscou um diagnóstico das necessidades e dificuldades específicas dos alunos ingressantes e, ao mesmo tempo, um mapeamento das possibilidades de dinâmicas de trabalho por cada unidade visando à qualificação e ao fortalecimento dos estudantes cotistas. Desses diálogos, o Programa foi construído sobre três eixos: o Eixo das Disciplinas Instrumentais, o Eixo das Oficinas e o Eixo Cultural. Tendo a Sub-Reitoria de Graduação como articuladora, os dois primeiros eixos são executados pelas unidades acadêmicas, a partir de suas possibilidades e ofertas, enquanto o Eixo Cultural é fruto de parceria coma Sub-Reitoria de Extensão e Cultura- este último eixo contempla sessões comentadas de filmes, idas a teatro, salas e concertos e espetáculos variados, visitas a museus e participação em grupos de arte popular (p.36).

iniciação científica e outras são disputadas por alunos a partir do 3º período.

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O PROINICIAR, “destinava uma bolsa de estudos e oferecia disciplinas

instrumentais e oficinas para suprir demandas educacionais e socioculturais dos

alunos cotistas” 42. A bolsa oferecida pelo Programa tinha duração de 12 meses e

estava vinculada à realização de atividades específicas: cumprir uma carga horária

de 90h semestrais, inscrevendo-se em atividades oferecidas pelo PROINICIAR

(atividades instrumentais, oficinas e atividades culturais) em datas específicas

divulgadas pelo Departamento. Ao término do semestre, o aluno deveria

apresentar relatório descritivo de carga horária.

Em 2007, foi criada, junto à FAPERJ, a Bolsa de Incentivo à Graduação,

também para alunos que ingressaram por reserva de vagas, no sentido de

promover maior interação acadêmica e incentivar a permanência de alunos do

terceiro período em diante na Universidade.

A partir da vigência da Lei 5346 de 2008, a bolsa do PROINICIAR foi

chamada de bolsa permanência e tem a duração do curso universitário, desde que,

o aluno cotista se mantenha “na condição de carente”. A obrigatoriedade de

realizar atividades no PROINICIAR não mais existe, muito embora, o Programa

disponha de atividades baseadas nas demandas dos alunos e disponibilizadas pelas

Unidades Acadêmicas.

Os mecanismos de permanência desenvolvidos pela UERJ podem ser

interpretados de diferentes ângulos. São conquistas do Movimento Negro aliado

aos setores da sociedade atuantes dentro e fora da universidade. Geraram, a partir

de 2008, um direito contraposto a um dever do Estado do Rio de Janeiro.

Inegavelmente, a bolsa contribui para a permanência do aluno cotista na

universidade, assim como a reestruturação das bibliotecas e criação de

laboratórios de informática.

42 Informação disponível no endereço < http://www.sr1.uerj.br/>, aceso em jul. 2011.

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Por outro lado, as medidas empreendidas pelo PAE e pelo PROINICIAR

têm natureza precipuamente assistencialista e pretendem “suprir” demandas

educacionais e sócio-culturais que resvalam na Teoria do Déficit Cultural43. A

questão que se põe é a seguinte: qual cultura está servindo de padrão à

administração da UERJ, quando comparada a dos estudantes participantes do

Programa? Além disso, parece faltar uma salutar problematização da/sobre a

cultura universitária (quem a define e a quem tem servido?). Por fim, o Programa

pode contribuir com a estigmatização dos alunos cotistas, reforçando a marca que

os distingue dos demais alunos.

Carece a UERJ a promoção institucional de uma educação intercultural que,

no dizer de Candau (2005) seja incentivadora

de um diálogo entre os sujeitos de sua comunidade orientados a problematizar a visão monocultural presente nas concepções de ciência e conhecimento que informam a cultura acadêmica, articular igualdade e diferença, combater as expressões de discriminação e preconceito presentes no dia a dia da vida universitária, promover experiências de interação sistemática entre os/as estudantes oriundos/as de diferentes grupos sócio-culturais, combatendo as formas de segregação social e étnica, desenvolvendo práticas educativas diversificadas com apoio em diferentes linguagens, articulando medidas orientadas a favorecer as condições materiais adequadas ao desenvolvimento das atividades acadêmicas por parte de todos os/s alunos e alunas e, ao mesmo tempo, trabalhando por oferecer aos diferentes alunos/as o acesso a grupos de pesquisa, participação em seminários, congressos, etc, assim como promovendo processos de empoderamento orientados aos grupos sociais que historicamente têm tido menos possibilidades de participar e contribuir positivamente ao desenvolvimento da vida universitária (16).

Penso que seria necessário construir programas de permanência que

colaborassem com processos de transformação institucional que politizassem a

presença de alunos cotistas, destacadamente, os negros e que confrontassem o

eurocentrismo e o racismo institucional existentes e vivenciados nesse espaço de

reprodução e construção de conhecimentos.

Concordamos com Renato dos Santos (2006) para quem as políticas de

permanência executadas pelo PAE e pelo PROINICIAR são desracializadas, 43 De acordo com a Sub-Reitoria de Graduação, o objetivo do Programa é reduzir o índice de evasão universitária relacionado com a situação cultural-acadêmica e sócio-econômica dos estudantes, assegurando seu desenvolvimento suprindo demandas educacionais e sócio-culturais que visam ao êxito desses alunos nas disciplinas específicas de seus cursos. Além de uma bolsa, concedida durante todo o curso universitário, o aluno também tem direito a receber parte do material didático para realização das suas atividades. O programa funciona como um intermediador entre os novos alunos e a Universidade na medida em que os recepciona e procura orientar sua caminhada neste mundo novo e múltiplo, que oferece oportunidades de desenvolver atividades não só relacionadas ao ensino, como também a pesquisa e extensão universitária.

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com a emergência da categoria “carente” como base para definição do grupo beneficiário, define uma política de cunho assistencialista e de base universalista, e assim impede a possibilidade de construção de uma política diferencialista que caracterizaria uma ação afirmativa (p.35). Gonçalves (2005) no mesmo sentido afirma:

o programa de permanência tem se firmado como um programa de cunho social. Neste sentido, não se preocupa em desenvolver atividades ou oferecer disciplinas que versem sobre a questão racial no interior da universidade ou na sociedade. Se, por um lado, a decisão da universidade de não diferenciar o aluno cotista dos demais é positiva, por outro, a ausência da questão racial em seu programa de permanência inibe a discussão da política que pretende aumentar a participação dos setores minoritários na vida universitária. Talvez a tradição das instituições de adotar políticas universalistas tenha dificultado a institucionalização de medidas no interior da universidade que levem em conta as diferenças do seu corpo discente (p.165).

A legislação que vigora na UERJ é responsável por tal desracialização.

Todavia, entendemos que o efeito mais danoso dessa assunção da “carência”

como critério norteador da política de ação afirmativa implantada na UERJ seja

que seus programas minimizam, ou no dizer de Santos (2006)

silenciam as possibilidades de reconstrução das estruturas de saberes que compõem a universidade. Mudanças curriculares, incorporação de novas temáticas através da valorização das experiências históricas e sociais dos grupos que ingressam através das cotas, tudo isso é suprimido pela adoção da categoria carente, que trabalha com a idéia de que a renda é uma variável social independente, e não atrelada a mecanismos de exclusão baseados em outros princípios de diferenciação e hierarquização, como a raça (p.35-36)

Como assevera Joninsein (2006), as ações afirmativas não se dirigem apenas

às desvantagens econômicas de grupos com baixa renda, “mas também ao

racismo, ao desrespeito por parte dos brancos, à estigmatização, a um status social

inferior, que resultam na baixa auto-estima e autoconfiança profissional dos afro-

descendentes” (p.72).

De acordo com o trabalhado no item 2.1, as ações afirmativas são

estratégias que visam reconhecimento cultural e têm o propósito de enfrentar as

desigualdades materiais e simbólicas, são demandas por reconhecimento da

diferença (Fraser, 2001) e esse ponto fulcral ainda não é devidamente trabalhado

pela instituição universitária.

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Outro projeto desenvolvido pela UERJ como apoio à permanência dos

estudantes que entraram em 2003, foi o Projeto Espaços Afirmados44, vinculado

ao Laboratório de Políticas Públicas da Universidade, com aporte financeiro da

Fundação Ford, que selecionou 156 alunos em diferentes cursos e lhes forneceu

aulas de informática, atividades de tutoria, formação acadêmica cidadã, estágios

acadêmicos, entre outros recursos não financeiros. Tal Projeto não ofereceu bolsas

e não esteve focado na questão da “carência”. Fui testemunha de sua criação,

freqüentei suas salas e presenciei o desenvolvimento de redes de relações entre os

alunos negros e cotistas que lhes foram muito úteis à permanência na universidade

no momento mais delicado da política implantada. O Projeto Espaços Afirmados

encerrou seu trabalho ao final de 2004.

Ressaltamos ainda que 50 bolsas foram distribuídas dentre alunos cotistas

negros selecionados pelo Programa Brasil Afroatitude coordenado pelo Ministério

da Saúde45, por meio do Programa de Combate à DST/Aids. As bolsas foram

oferecidas apenas no período entre agosto de 2005 e agosto de 2006 e foram de

R$ 240,00.

No momento final de escrita desse trabalho, duas recentes medidas importantes

à permanência dos alunos estão se concretizando. A primeira foi a instituição do

direito a meia passagem em transportes coletivos. A partir de 1° de agosto de 2011, os

alunos cotistas da UERJ têm direito a pagar metade do valor das passagens em

transportes coletivos utilizados no município do Rio de Janeiro. Trata-se de benefício

obtido graças a uma resolução tomada pela Secretaria Municipal de Transportes e

publicada no dia 1° de julho de 2011 no Diário Oficial do Município.

De acordo com a resolução, os estudantes cotistas poderão utilizar o recém-

criado Bilhete Único Carioca para universitários a partir de agosto. O bilhete dá

direito a duas passagens por dia, de segunda a sexta-feira, inicialmente apenas em

ônibus sem ar condicionado que circulam dentro do município. Assim como o

bilhete convencional, esse também virá obrigatoriamente na forma de cartão

eletrônico, que poderá ser adquirido após o cadastramento do estudante em um

dos postos de atendimento montados pelo RioCard.

44 Para conhecer o Projeto ver <http//www.politicasdacor.net/esaf.asp>. 45O Programa recebeu apoio das Secretarias Especiais de Direitos Humanos (SEDH), da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (Sesu/MEC) e do Comitê Técnico Saúde da População Negra do Ministério da Saúde (CT-SPN).

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A professora Hilda Maria Ribeiro, diretora do Departamento de

Desenvolvimento Acadêmico e Projetos de Inovação da UERJ, relatou como vai

funcionar o cadastramento dos alunos que se enquadram nas categorias

beneficiadas. "Para fazer essa solicitação do cartão, o aluno precisa agendar on-

line o seu atendimento no RioCard. Como aqui na UERJ temos cerca de seis mil

beneficiados, houve a decisão de trazer um posto de atendimento para o campus

Maracanã da Universidade, que está funcionando no auditório 53, no quinto

andar. O cadastramento começou no dia 18 de julho e seguiu até 12 de agosto de

2011, exceto nos fins de semana. O atendimento nesse posto é feito das 9h às

16h3046."

Infelizmente, em flagrante desrespeito à Constituição Federal e normas

internacionais, um dos documentos necessários ao cadastro dos alunos é a Carteira

de Identidade Estudantil (CIE), emitida pela UNE (União Nacional dos

Estudantes) ou pela UEE-RJ (União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro), o

que obriga os alunos a uma associação compulsória à essas identidades.

A segunda medida, cercada de polêmica47, foi a inauguração em 12 de

setembro de 2011, no campus Maracanã, do restaurante universitário da UERJ.

No entender de alguns movimentos de alunos, sua proposta de preço é elevada

quando comparada aos restaurantes universitários federais. Em funcionamento,

imagino que seja relevante à permanência dos alunos cotistas, mas também a toda

comunidade da UERJ. Os valores são diferenciados para alunos cotistas (R$2,00),

não-cotistas (R$3,00), servidores docentes48 e técnico-administrativos (R$5,31).

Os sujeitos dessa pesquisa não se beneficiaram de tais suportes, entretanto é

importante ressaltar, que as ações afirmativas e seus protagonistas impulsionam os

governos e as universidades ao compromisso com o processo de democratização

do ensino superior, fundamental à construção de uma sociedade mais equânime e

culturalmente diversa.

46 Informação disponível em < http://www.uerj.br/publicacoes/uerj_emdia/581/> Acesso em set. 2011. 47 Informação disponível em < http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/alunos-da-uerj-protestam-contra-valor-cobrado-nas-refeicoes-da-universidade-20110912.html/> Acesso em set. 2011. 48 Não encontrei a informação do valor que será cobrado dos professores.

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3.3 Alunos negros cotistas da UERJ: os “desacreditados”

Os estudantes negros49 e cotistas que alcançaram a formatura numa

instituição de prestígio como a UERJ são sujeitos que, inegavelmente,

contrariaram a lógica da pouca longevidade escolar de acordo com os dados e

análises trazidos no bojo dessa tese.

Levantamento e análise que empreendi nas pesquisas realizadas sobre as

ações afirmativas implantadas na UERJ (Almeida, 2011, Silva, 2010, Ferreira,

2009, Reis, 2007, Arbache, 2006, Pinto, 2006, Valentim, 2005a, César, 2004 e

Machado, 2004) dão conta de que os alunos cotistas foram alunos marcados

negativamente pela condição de acesso que os diferenciou dos demais alunos da

universidade, mas não só. Assim que a experiência da UERJ se tornou pública,

parte significativa da grande mídia, especialmente dos jornais O Globo50 e a

Folha de São Paulo51, dos intelectuais, dos professores das universidades

públicas52,com destaque para os das universidades públicas paulistas e da UFRJ,

se referiram a esses alunos, na maioria das vezes, como aqueles que,

resumidamente, não teriam condições ou perfil para enfrentar, acessar,

permanecer e concluir com êxito a experiência universitária (daí inclusive, as

medidas compensatórias instituídas pelas universidades). Não foram bem

recebidos. Ao contrário, a sua chegada ao convívio universitário, como alunos

“despreparados”, foi considerada uma temeridade, uma ameaça à qualidade

acadêmica da UERJ, que traria um rebaixamento de seus escores. Com o acesso

garantido pelo sistema de cotas, até parcelas do movimento negro imaginavam

que haveria uma significativa evasão dos alunos cotistas, daí veio a pressão pela

obtenção de bolsas que pudessem, minimamente, garantir a permanência deles.

49 As identidades raciais referidas ao longo dessa pesquisa não foram pensadas como permanentes ou essencializadas, mas como fazendo parte dos múltiplos processos culturais e sociais envolvidos nas suas construções e manutenções de acordo com nosso entendimento teórico exposto desde a Introdução. 50 Consulta no site www.globo.com, tema cotas e universidade e editorias, com destaque para matérias e artigos assinados por Ali Kamel diretor-executivo da Central Globo de Jornalismo. 51 Consulta no site www.folha.com.br 52Em agosto de 2004, o então Ministro da Educação Tarso Genro, quando esteve na UFRJ por ocasião de uma solenidade, enfrentou uma manifestação da Congregação da Faculdade de Medicina que expressou ser contrária à reserva de vagas no curso de medicina, por entender que a qualidade do ensino seria afetada.

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A educação superior pública, um dos caminhos mais significativos de

mobilidade social e que se vê como tipicamente meritocrático, funciona na

sociedade brasileira como um fator que reforça sua face mais conservadora, ou

melhor, reprodutora de desigualdades, ainda nos dias de hoje.

Acerca da discussão sobre meritocracia e universidade, transcrevemos o

parecer contundente de José Jorge de Carvalho (2002).

O código universalista europeu significou aqui algo completamente alienante, na medida em que fez silenciar a discussão sobre a prática, também silenciosa, mas sistemática e generalizada, da discriminação racial. Penso que é esta uma das marcas de um século de vida universitária brasileira: exclusão racial e omissão em reconhecer a injustiça que reproduz. Temos uma ideologia do mérito e do concurso implantada de uma forma totalmente cega. Colocada e defendida de um modo esquizofrênico, a ideologia do mérito passa a se desvincular de qualquer causa social. Como se alguém, independente das dificuldades que sofreu, no momento final da competição aberta e feroz, se igualasse a todos os seus concorrentes de melhor sorte social. Universalizou-se apenas a concorrência, mas não as condições para competir. Não se equaciona mérito de trajetória, somente conta o mérito do concurso. Nenhuma avaliação de esforço de travessia, e uma fixação cega, não problematizada, na ordem de chegada. Como se um negro se dispusesse a atravessar um rio a nado enquanto um branco andasse de barco a motor em alta velocidade e ao chegarem à outra margem suas capacidades pessoais fossem calculadas apenas pela diferença de tempo gasto na tarefa. Vista de uma outra perspectiva, que introduza a diferença histórica, social e econômica de desigualdade crônica dos negros no Brasil, a própria noção abstrata de concurso, de competição, de rendimento, de quantificação das trajetórias individuais passa a ser estranha e mesmo equivocada (p.84). A entrada de candidatos cotistas implicou, muitas vezes, na perda de vagas

dos não cotistas, ainda que estes tivessem notas mais altas do que aqueles. É

propósito das ações afirmativas que candidatos com menor pontuação sejam

aprovados no lugar de outros com maior pontuação. Essa é a oportunidade que se

abre aos setores mais desfavorecidos socialmente.

No entanto, os alunos que ingressaram na universidade na condição de

cotistas sofreram reações dentro da comunidade acadêmica por terem violado seu

sentido de meritocracia, historicamente operado como ideologia e que tem

acobertado desigualdades de classe, raça e gênero.

Foi evocado o argumento do mérito individual, a apontar “a injustiça e a

falta de isonomia” das ações afirmativas. As ações afirmativas, nesse caso as

cotas, foram acusadas de não levar em consideração o mérito, a capacidade e o

desempenho individuais como referência básica para definir os classificados nos

concursos vestibulares.

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Diante desse quadro, questiona-se: afinal o que é mérito? Existe um mérito

absoluto? O que é uma pessoal melhor qualificada? Guimarães (2002) traz, sobre

a ideologia do mérito, a afirmação de Dworkin com a qual concordo: “não há

nenhuma combinação de habilidades e qualidades e traços que constitua mérito

em abstrato (p.7). Dito isso, todo mérito é sempre dependente de qualificação

histórico-social.

A questão do mérito, na perspectiva liberal, põe sobre os indivíduos a

responsabilidade exclusiva pelos resultados de suas vidas, ignorando quaisquer

outras variáveis, de modo que, o sucesso ou o fracasso dos indivíduos são

diretamente proporcionais aos talentos, às habilidades e ao esforço de cada um,

independentemente do contexto histórico, social, econômico e cultural desses

próprios indivíduos.

A defesa do mérito individual, assim descrito, evidencia a disseminação da

ideologia liberal/neoliberal que combate o Estado promotor de políticas públicas,

aquele que tem como atribuição a responsabilidade coletiva pelos destinos dos

menos favorecidos. Essa é a ideologia que reafirma o desempenho individual

como critério único, legítimo e desejável de ordenação social das sociedades

modernas (Barbosa, 1999, p.26).

As relações sociais vivenciadas por uma sociedade, onde o mérito individual

assim expresso seja o único paradigma, vão ser fundamentadas na competição

entre os indivíduos, sem que haja espaço para a responsabilidade social. Todavia,

cabe sim ao Estado e à sociedade “a responsabilidade de regular a maneira

desigual com que as variáveis históricas afetam os resultados individuais”

(op.cit.p.27).

Concordo com Renato dos Santos (2006), quando afirma que após a

divulgação dos resultados do vestibular 2003 – o primeiro - a polêmica sobre a

adoção de cotas na UERJ, especialmente às voltadas aos negros, ganha outros

contornos, instaurando-se em outras esferas (além das envolvidas diretamente

pelo sistema) e assumindo um grau de publicização que, até então, em poucos

(talvez nenhum) momentos da história republicana do país havia sido conferido à

questão racial (p.25). O modo como se deu essa publicização foi extremamente

deletério, do ponto de vista dos que a defenderam e, principalmente, daqueles que

a encarnaram na condição de cotistas negros.

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O repúdio ao sistema foi composto das assertivas: “as cotas ferem o

princípio do mérito”, “as cotas vão instaurar conflitos raciais dentro da

universidade”, “a qualidade acadêmica vai cair”, “o sistema de cotas

institucionaliza a injustiça, cria privilegiados” que potencializaram as resistências

à política. Renato dos Santos (2006) assevera,

Assim, mesmo tendo sido esclarecido nos editais do vestibular, o sistema foi alvo de uma campanha de mídia, com notícias, editoriais, artigos de opinião, cartas de leitores, enfim, com uma massa de informações contrárias e, muitas vezes, colocadas de forma a pôr sob suspeita a imparcialidade que se espera da imprensa. Não raro, eram veiculadas notícias cujo título depunha contrariamente ao sistema, e cujo conteúdo trazia informações cuja leitura apontava aspectos positivos. Artigos de opinião e depoimentos apresentados chegavam a conclamar candidatos a “fraudarem” o sistema, sobretudo, de cotas raciais, sugerindo que todos se autodeclarassem negros - afirmando que, no Brasil, diante do histórico processo de miscigenação, todos poderiam se afirmar afro-descendentes, numa biologização de um debate que aponta para a raça como um fato social, marcado por uma relação de interação na qual o reconhecimento torna indivíduos portadores de traços fenotípicos específicos suscetíveis à discriminação que produz hierarquias e desigualdades sociais (p.26).

Goffman nos ajuda a analisar esse processo, quando afirma que o indivíduo

estigmatizado é aquele que está inabilitado para a aceitação social plena. Neste

caso, nos referimos à aceitação plena no ambiente universitário. Ser um aluno

cotista é ter um atributo que o estigmatiza nas relações que se desenrolam no

ambiente universitário. Transcrevo o autor que afirma em suas Noções

Preliminares Sobre o Estigma:

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontrados (2008, p.10-11). Partindo dessa perspectiva, os alunos cotistas carecem de atributos comuns

e naturais para o convívio universitário na condição de alunos universitários da

UERJ. Eles são alunos não-prováveis.

As rotinas de uma relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com “outras pessoas” previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua “identidade social” – para usar um termo melhor do que “status social”, já que nele se incluem atributos como “honestidade”, da mesma forma que atributos estruturais, como “ocupação”.

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Baseando-se nessas preconcepções, nós as transformamos em expectativas normativas, em exigências apresentadas de modo rigoroso.”(idem, p.11-12)

No caso do ambiente universitário, a categoria - aluno universitário - possui

um atributo que faz parte da sua “identidade social de aluno”. Esse atributo parece

ser o “mérito universitário” (que seria violado pelas ações afirmativas), aqui

entendido numa grande acepção, lato sensu. O “mérito universitário” pode ser

entendido como um conjunto de características necessário para ter sucesso nas

provas de acesso à vaga universitária, à permanência no curso e à conseqüente

formatura. O mérito assim pensado e, antes do sistema de cotas, se constituía

nesse conjunto de características tais como: origem social, renda, cor, trajetória

educacional, dentre outras, características não totalmente imutáveis, variáveis de

acordo com o maior ou menor prestígio do curso, da relação candidato/vaga, mas

sólidas, posto que construídas com regularidade no último século, características

geradoras de expectativas normativas do que é ter uma identidade de aluno

universitário de uma instituição pública.

Continuando com Goffman

Característicamente, ignoramos que fizemos tais exigências ou o que elas significam até que surge uma questão efetiva. Essas exigências são preenchidas? É nesse ponto, provavelmente, que percebemos que durante todo o tempo estivemos fazendo algumas afirmativas em relação àquilo que o indivíduo que está à nossa frente deveria ser. Assim, as exigências que fazemos poderiam ser mais adequadamente denominadas de demandas feitas “efetivamente”, e o caráter que imputamos ao indivíduo poderia ser encarado mais como uma imputação feita por um retrospecto em potencial – uma caracterização “efetiva”, uma identidade social virtual. A categoria e os atributos que ele, na realidade, prova possuir, serão chamados de sua identidade social real. Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente dos outros que se encontram numa categoria que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem - e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real. Observe-se que há outros tipos de discrepância entre a identidade social real e a virtual como, por exemplo, a que nos leva a reclassificar um indivíduo antes situado numa categoria socialmente prevista, colocando-o numa categoria diferente, mas igualmente prevista e que nos faz alterar positivamente a nossa avaliação. Observe-se, também, que nem todos os atributos indesejáveis estão em questão, mas somente os que são incongruentes com o estereótipo que criamos para um determinado tipo de indivíduo.

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O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos (ob.cit.p.12-13). Localizamos a questão efetiva como sendo a implantação de um novo

sistema de acesso às vagas universitárias. É ela, que “desnuda” as exigências

normativas53 tidas pela comunidade universitária até a chegada desses alunos

portadores de outras identidades. Por ser representado como não tendo as

exigências preenchidas é que o indivíduo cotista está inabilitado para a aceitação

social plena. O aluno cotista é alguém de uma espécie menos desejável no espaço

universitário, é um aluno de uma “outra espécie” porque possui atributos “que não

deveria ter” que se materializam pela sua entrada na universidade de modo

inabitual. O cotista é visto, por exemplo, como alguém que “roubou a vaga de

alguém mais qualificado” ou alguém que não teria “mérito para ser um aluno

normativo da UERJ”. Tal característica é um estigma.

O modo/maneira/política que determinou a entrada do aluno cotista

funciona como um estigma capaz de estragar, comprometer a sua condição de

aluno universitário. Nessa perspectiva, o aluno cotista é possuidor de um atributo

que seria incongruente com o estereótipo, com as preconcepções que criamos para

um determinado tipo de indivíduo, qual seja o universitário padrão/normativo

possuidor de um conjunto de características que permitem sua entrada,

permanência e sucesso no espaço social da UERJ.

Ainda Goffman (2008):

O termo estigma e seus sinônimos ocultam uma dupla perspectiva: Assume o estigmatizado que sua característica distintiva já é conhecida ou é imediatamente evidente ou então que ela não é nem conhecida pelos presentes e nem imediatamente perceptível por eles? No primeiro caso, está-se lidando com a condição do desacreditado, no segundo com o desacreditável. Esta é uma diferença importante, mesmo que um indivíduo estigmatizado em particular tenha, provavelmente, experimentado ambas as situações. (...) Nós e os que não se afastam negativamente das expectativas particulares em questão serão por mim chamados de normais (op.cit., p. 14) No caso das ações afirmativas na UERJ, em princípio, a condição de cotista

é secreta ou não conhecida, os professores e alunos não sabem quem é ou não

cotista. Entretanto, ouvi notícias, quando professora substituta da UERJ54, de que

53 Exigências normativas não são sinônimos de não contestadas ou não resistidas. 54 Um dos entrevistados, Pedro, do curso de pedagogia, em depoimento corrobora o fato.

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em seu primeiro ano de implantação, tal condição foi publicizada em alguns

cursos por erro, como no caso do curso de pedagogia que chegou a separar em

classes distintas os cotistas dos não cotistas. Por outro lado, os alunos negros, que

só por essa condição, por essa marca, podem ser estigmatizados na universidade,

não por acaso, foram imediatamente evidenciados pela comunidade universitária

como sendo cotistas, isto é, portadores de uma identidade deteriorada pela

ausência especialmente do atributo “mérito”.

Utilizando as categorias de Goffman, os alunos negros cotistas e mesmo os

não cotistas vivenciam a condição do desacreditado. De outro modo, os alunos

cotistas brancos ou os autodeclarados negros que não têm traços fenotípicos mais

africanizados e não têm sua condição de cotista conhecida imediatamente, têm o

“benefício da dúvida” muito embora esse estigma possa vir à tona em diferentes

situações. São esses os alunos que estão, de acordo com Goffman, na categoria de

desacreditável. Os alunos não cotistas seriam os normais.

Minha hipótese é a de que os alunos cotistas não foram reconhecidos como

pertencentes à categoria social - alunos universitários da UERJ normais (Goffman,

2008, p.14), que padeceram de um defeito, de um estigma, que suas identidades de

alunos universitários foram estragadas e diminuídas e, estigmatizados, foram

desacreditados ao longo de todo caminho universitário. O estigma de cotista os

inabilitou para a aceitação social plena (como alunos universitários).

Os alunos negros foram imediatamente vistos fora da “normatividade” da

identidade universitária, foram evidenciados como marcados pelo estigma de

cotistas. Os alunos brancos cotistas ou que poderiam ser identificados como tal,

até o momento em que ocultaram essa marca, essa imperfeição, não vivenciaram o

estigma de cotistas, entretanto, essa marca era possível de ser visibilizada durante

todo o trajeto universitário, quando estes deixariam de ser identificados como

tendo uma identidade universitária comum.

A identidade do ser humano é parcialmente moldada a partir do

reconhecimento, ou da falta deste. Em outras palavras, o modo como ele é

representado pelos outros seres humanos pode afetar uma pessoa ou um grupo, de

maneira a causar sérios danos à medida que aqueles que os cercam tenham dele

uma imagem desprezível ou desdenhosa. Nesse caso, Silvério (2002) aponta que a

ausência de reconhecimento ou o reconhecimento inadequado pode ser fonte de

opressão, confinando alguém em um falso, distorcido e reduzido modo de ser.

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Essas fontes de opressão ganham visibilidade e efetividade na sociedade em geral

e, em especial, no processo educacional em que os conteúdos culturais e os

valores sociais são inculcados pelas práticas curriculares.

A pesquisa teve como objetivo investigar as experiências universitárias de

sucesso que foram construídas por alunos negros e cotistas, alunos marcados pela

condição subalterna do ponto de vista racial e pelo estigma de cotista – não

reconhecido como merecedor de uma identidade de aluno universitário comum,

normal. Experimentando esse intrincado conjunto de adversidades simbólicas e

materiais como construíram sua trajetória universitária? Como desacreditados

(Goffman, 2008) e com indícios de fracasso construíram o sucesso acadêmico?

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4 Os Protagonistas 4.1 Caracterização dos entrevistados

Foram entrevistados 16 – dezesseis – ex-alunos cotistas, seis homens e dez

mulheres, distribuídos por dez cursos: Direito (cinco), Pedagogia (três), e um nos

demais, Serviço Social, Odontologia, Ciências Sociais, Ciências Biológicas,

História, Português/Literatura, Psicologia e Matemática.

Quanto à data de ingresso na UERJ temos o período de 2003 a 2005: 2003.1

(1º período), sete alunos, em 2004.1, três alunos, 2004.2 (2º período), dois alunos,

em 2005.1, dois alunos e 2005.2, dois alunos.

Quanto à data de formatura temos o período de 2006 a 2010: 2006.2, apenas

um aluno, 2007.1, dois alunos, 2008.1, três alunos, 2008.2, um aluno, 2009.1,

quatro alunos, 2009.2, três alunos, 2010.1 um aluno e 2010.2, um aluno.

Tabela 6: Sujeitos da pesquisa, curso, anos de entrada e conclusão, períodos cursados e períodos do curso. Nome Fictício

Curso Entrada Formatura Períodos cursados

Períodos do curso

Vera Psicologia 2004.1 2009.2 12 10 Jane Matemática 2004.2 2009.2 11 8 Débora História 2003.1 2007.1 9 8 Luciana C. Sociais 2003.1 2010.1 15 8 Átila C. Biológicas 2005.1 2008.1 7 7 Edda Serviço Social 2005.2 2010.2 11 8 Ângela Direito 2003.1 2008.1 11 10 Januário Direito 2003.1 2009.1 13 10 Dora Direito 2003.1 2008.2 12 10 Amanda Direito 2003.1 2008.1 12 10 Isac Direito 2004.2 2009.1 11 10 Pedro Pedagogia 2005.1 2009.1 9 8 Mateus Pedagogia 2004.1 2007.2 8 8 Elza Pedagogia 2004.1 2009.1 11 8 Patricia Odontologia 2003.1 2006.2 8 8 Tadeu Letras Português –

Literatura 2005.2 2009.2 9 8

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Ressalto que dos dezesseis entrevistados sete acessaram a UERJ na primeira

experiência de ações afirmativas, isto é, em 2003, experiência alvo de tantas

críticas que não perdurou conforme evidenciamos no capítulo anterior.

Por outro lado, somente Atila, Mateus e Patricia realizarem seus cursos sem

atrasos. Os demais, treze ao todo, realizaram seus cursos em ritmo mais lento em

relação à duração de referência dos seus cursos: cinco alunos (Jane, Edda,

Januario e Elza) atrasaram três períodos, uma aluna atrasou dois períodos (Vera),

cinco alunos (Debora, Angela, Isac, Pedro e Tadeu) atrasaram um período, dois

alunos (Dora e Amanda), atrasaram dois períodos e uma aluna (Luciana), atrasou

sete períodos55.

Quanto à idade dos entrevistados, no momento da realização da entrevista, o

mais jovem tinha 22 anos e o com maior idade tinha 52 anos. Entre 22 e 25 anos se

situavam cinco; de 26 a 30 anos, doze; um entrevistado tinha 32 anos e outro, 52.

Os entrevistados residiam, nove na Zona Norte, três na Zona Sul, um na Zona

Oeste do Rio de Janeiro, dois na Baixada Fluminense, e um em São Gonçalo.

Ao serem questionados quanto à cor/raça eles se autodeclararam: quatorze

negros e dois pardos56.

Quanto à eleição do tipo de cota, quatorze entrevistados optaram pela cota

racial e dois pela cota de oriundos da escola pública. Não entrevistei alunos

portadores de necessidades especiais e filhos de policiais civis, militares,

bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária.

Em relação ao estado civil, eram treze solteiros, dois casados e um em união

estável.

No que diz respeito à escolaridade da mãe, nove têm ensino fundamental,

quatro ensino médio, duas superior completo e uma analfabeta.

Quanto à ocupação da mãe, seis são empregadas domésticas, seis são “do

lar”, uma é aposentada, uma é professora, uma é merendeira e uma é

instrumentadora cirúrgica.

55 Ressalto que esses dados referem-se exclusivamente aos meus entrevistados. Não obtive informações referidas a esse aspecto em relação ao conjunto de cotistas ou não cotistas da universidade. 56 Amanda e Angela, ambas entraram na UERJ na primeira experiência de ações afirmativas para negros, Lei 3.708/2001, que instituiu cota de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda.

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No que diz respeito à escolaridade do pai, seis têm ensino fundamental, sete

têm ensino médio, um superior completo em Direito, um é analfabeto e, um não

respondeu.

Quanto à ocupação do pai, temos dois aposentados, um motorista, um

metalúrgico, um policial, um lavrador, um químico (técnico), um marceneiro, um

vendedor, um advogado, um auxiliar de serviços gerais, um autônomo, um

siderúrgico, um carteiro e dois entrevistados não responderam.

Em relação à renda mensal familiar em salários mínimos, no momento da

entrevista, dez informaram receber de 1 a 5 s.m., quatro de 6 a 10 s.m., um recebe

15 s.m. (Angela) e um não respondeu.

Quando perguntados se trabalhavam antes de ingressar na UERJ, sete

responderam que não e nove que sim, nas seguintes atividades: dois no comércio,

um como assistente administrativo, um como professor de educação infantil, um

como autônomo, um como bibliotecário, um como vendedor, um como suporte

em eletrônica e um como babá.

Quanto à trajetória escolar pré-universitária, podemos afirmar que cursaram

o ensino fundamental em escola pública, sete; em escola particular, seis e três em

ambas. O ensino médio foi cursado em escola pública por treze e, em escola

particular, por três, sendo que dois foram bolsistas em escolas religiosas.

Fizeram cursinho pré-vestibular treze entrevistados, sendo sete em

comunitários/PVNC, o que demonstra a força dessas iniciativas e seis em

cursinhos particulares.

Tabela 5: Trajetória escolar pré-universitária

Ensino Fundamental

Ensino Médio

Cursinho Pré-vestibular

Público 7 Público 13 Comunitário/PVNC 7 Particular 6 Particular 3 (2 são

bolsistas) Particular 6

Ambos 3 Ambos - Não fez 3

Dos treze entrevistados que cursaram o ensino médio em instituições

públicas, oito fizeram seus cursos em escolas da rede estadual, gerenciadas pela

Secretaria Estadual de Educação e cinco estudaram em escolas técnicas: três na

FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro), ligada à

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Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, e dois no CEFET (Centro Federal de

Educação Tecnológica), mantido pela União.

Dos entrevistados, cinco, Angela (direito), Amanda (direito), Atila (c.

biológicas), Elza (pedagogia) e Patricia (odontologia) fizeram mais de um

vestibular antes do ingresso na UERJ, enquanto os outros 11 prestaram vestibular

apenas no ano em que ingressaram na UERJ.

Januário (direito) já tinha concluído o curso de Biblioteconomia e Dora

(direito) abandonou no 8º período o curso de Engenharia de Telecomunicações já

cursando a UERJ, portanto, os dois já haviam prestado vestibulares e sido

universitários anteriormente ao ano de ingresso na UERJ.

Ao final desse item considero pertinente fazer três observações: a existência

de uma concentração significativa quanto à ocupação das mães, seis como

empregadas domésticas, seis “do lar” e uma merendeira, ocupações socialmente

subalternizadas e marcadamente “femininas” 57, a ocorrência dos egressos serem a

primeira geração de suas famílias a concluir o ensino superior (14 em 16 ex-

alunos) e a idade mais avançada do que a esperada ao término do curso

universitário58, fatos comuns em se tratando da experiência dos setores

subalternizados que chegam à universidade.

4.2 Primeiros momentos na universidade

Os entrevistados tentaram acessar a universidade pública realizando os

vestibulares não apenas para a UERJ, mas destacam a felicidade pelo ingresso na

UERJ. Elza (pedagogia) chorou, Isac (direito) fala de euforia, Januario (direito)

afirmou, “Estudar na UERJ era um sonho desde os dez anos, foi a primeira vez

que eu fui na UERJ”59 e Tadeu (letras) disse, “então fiquei assim tremendo,

realmente, porque eu consegui mesmo! E foi incrível. Eu voltei para casa

57Marcelo Paixão e Flávio Gomes (2008) em seu artigo Histórias das diferenças e das Desigualdades revisitadas: notas sobre gênero, escravidão, raça e pós-emancipação, asseveram que na População Economicamente Ativa em 2006, “o emprego doméstico ocupava mais mulheres do que homens e mais negras do que brancas. Assim, das negras, uma em cada cinco era doméstica (21,8%). A probabilidade de se encontrar uma mulher branca era 8,9 pontos percentuais inferior do que a de uma negra” (p.959). 58 Para o IBGE, o curso universitário deve ser realizado de 18 a 24 anos. 59 Na transcrição das entrevistas respeitei o fluxo das falas e procurei respeitar as escolhas discursivas dos entrevistados

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correndo, falei com minha mãe, abracei a minha mãe, ela ficou muito feliz”. Jane

(Matemática) e Mateus (pedagogia) lembram em seus depoimentos da

seletividade do vestibular da UERJ:

Jane - Eu comecei a pular, correr pra lá e pra cá. Fiquei lá gritando com os meus sobrinhos. Foi bom. Felicidade, né? Porque na minha turma tinham trinta alunos, e eu fui a única que passei pra uma universidade pública, entendeu? Os outros não conseguiram. Mateus - Eu não entendi nada, porque da minha turma inteira, de 31 alunos, só eu e mais uma menina que passamos para a faculdade naquele ano. Então eu fiquei meio em choque porque eu não sabia o que vinha, eu falei assim: e agora gente, eu passei e aí? E aí foi aquele alvoroço de família feliz, todo mundo muito surpreso,

Mateus não foi o único que se surpreendeu com a aprovação, essa sensação

esteve presente em outros depoimentos como o de Patricia (odontologia) “Eu

falei, ‘sério’? Aí eu: ‘fala sério’, ele ‘não, eu to falando sério’, eu falei ah, não

acredito!”. Para alguns estudantes entrevistados, a decisão pelo ensino superior

numa universidade pública não se constituía numa certeza, um acontecimento

provável. Chegar a esse nível de ensino e na UERJ nada tem de "natural", daí a

legitimidade da surpresa.

A opção pela UERJ se deveu ao fato dela ser uma universidade pública, de

qualidade (os quatro depoentes do direito falam disso), de fácil acesso quando

comparada à UFRJ e à UFF, como disse Edda (serviço social) “fácil acesso pra

galera da baixada porque tem o trem, pra galera da zona norte porque tem o trem

também, até o povo de Niterói, apesar de ser longe, mas tem a condição de deixar

no centro, na Leopoldina, pegar o trem ou o metrô” e também pela existência da

sua ação afirmativa, muito embora Vera (psicologia), Patrícia (odontologia), Jane

(matemática) e Januario (direito) afirmassem que passariam mesmo sem as cotas

devido a pontuação que tiveram no vestibular.

Os entrevistados asseveraram que suas escolhas pela disputa de vagas

através das cotas ocorreram num momento em que não tinham total discernimento

de como funcionaria o sistema. Devido ao ineditismo e à sucessão de legislações,

poucos até 2008 tinham clareza de como o sistema funcionava. Ressalto que, dos

dezesseis entrevistados, sete ingressaram em 2003, marco inicial da política, cinco

em 2004 e quatro em 2005.

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Por outro lado, também era nova a necessidade dos sujeitos de terem que se

autodeclarar tendo em vista a possibilidade de alcançar um direito conferido

através de uma política diferencialista.

No que diz respeito às motivações que determinaram essa escolha, elas são

diversas e devem ser vistas e pensadas inter-relacionadas. As motivações

transitam do pragmatismo das possibilidades de alcançar a vaga numa disputa

acirrada à afirmação peremptória da identidade negra construída, ora

manifestando uma tendência essencialista desta identidade, ora uma perspectiva

mais política. Por outro lado, a questão de “ter direito” à política aparece como

justificativa pela escolha, como também a necessidade de utilizar a política.

Angela (direito) foi pragmática "eu acho que vou ter muito mais chance com

as demais pessoas que se enquadram num mesmo perfil que o meu”. Amanda

(direito), nesse mesmo sentido declarou “porque no primeiro ano 80% das vagas

era no sistema de cota, e como eu me incluía dentro do sistema de cotas, eu

resolvi concorrer por ele”.

Jane (matemática) ficou dividida à época entre dois argumentos, o primeiro

era: “faz porque você tem direito é uma chance que eles estão dando” e o

segundo, “isso é discriminação, estão querendo julgar as pessoas pela cor e não

tem nada a ver”. Terminou optando pelo primeiro argumento.

Pedro (pedagogia) atesta em seu depoimento a dificuldade, numa sociedade

onde a tentativa de branqueamento dos negros foi a norma e, a ideologia do

branqueamento permitiu certa flexibilização da classificação racial, de se ver e se

dizer negro ainda que ateste uma ancestralidade negra:

É uma discussão interessante. Quando a gente tava saindo do normal, no meio do normal, já tinha essa discussão da questão da cota e isso era muito evidente, era uma discussão e ainda é cheia de 'não me toques', muito difícil de ser feita, e quando saí eu disse: "bom, isso é um direito, e eu quero usar esse direito, independente de se eu posso passar ou não com cota ou sem cota é um direito meu e eu vou usar essa cota". E aí dentro daquelas cotas todas que tinha, tanto pra negro quanto a pra escola pública, eu decidi pra escola pública. Por quê? Pra mim essa definição ainda era muito confusa, do que é ser negro e pra onde se destinava essa cota. Eu não conseguia dizer, definir que eu era negro, não conseguia dizer isso claramente. Na sociedade isso é muito difícil de ser dito, você dizer eu sou negro, é uma afirmação que até hoje as pessoas negam, por exemplo, eu sou baiano e, na Bahia, as pessoas me chamam de branco, dizem que eu sou branco. Se você olhar na minha certidão de nascimento está lá, escrito branco e, na verdade, isso não condiz, porque eu venho de uma família de origem negra, a minha avó é negra, eu me considero negro, enfim, as expressões culturais da qual eu vivencio e que eu vivenciei são todas, em sua maioria, de origem negra. Assim, eu me considero hoje

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um negro. Então assim, naquela época isso não era tão claro, não era tão evidente, obviamente pelo silêncio que a sociedade obriga a determinados grupos sociais. Então a gente vai se calando e não podendo assumir o que você é, enfim, não podendo se identificar de forma mais clara, mais evidente.

Conforme trabalhado nos capítulos anteriores, reafirmo que as pessoas,

ainda hoje, continuam a se beneficiar ou não, em sociedade, por pertencerem a

determinados grupos raciais. Os estudiosos contemporâneos da raça que não a

vêem como um construto biológico estão desafiados, como Frankenberger (2004)

ressalta, a estarem atentos à “irrealidade da raça, ao mesmo tempo em que

aderimos tenazmente ao reconhecimento de seus efeitos sumamente reais” (p.

308), especialmente nas sociedades como a nossa que foram colônias e têm um

longo passado escravocrata.

Mateus (pedagogia) também fala desse branqueamento em seu depoimento,

entretanto, ele já se identificara como negro à época da opção pelas cotas: “eu fui

ler o edital e falei assim: ‘bom, eu sou negro’, porque eu vejo que tem pessoas que

são negras e não têm consciência de que são, elas preferem se esconder atrás de

ser o moreninho, de ser chocolate, ser marrom bombom; eu não, eu sempre me

reconheci como negro!”.

O depoimento de Patrícia (odontologia) é outro que toca no tema do

branqueamento, posto que para ela, não haveria outra identidade possível a não

ser a negra, imagino por que sua cor de pele é preta e seus traços fenotípicos de

matriz africana, o que afastaria dela a possibilidade de uma identidade morena ou

parda. Entende também como Atila (c. biológicas) que as políticas de ação

afirmativa têm caráter reparatório:

olha, porque eu acho o seguinte, se você é negra e não tem como negar isso e você tem uma opção de poder ter mais oportunidades por conta disso eu acho que é a opção certa, na verdade. Eu acredito que os negros já passaram por muitas dificuldades, eu não me acho uma pessoa que teve muitas dificuldades na vida, graças a Deus eu tive muita sorte, sempre tive muita ajuda da minha família, mas na verdade, a minha família já teve muita dificuldade, teve que trabalhar muito mais, correr muito atrás pra conseguir um estudo de qualidade, pra minha avó conseguir me possibilitar estar na faculdade, ter entrado na faculdade, então eu falei ué, por que não estar, e poder usufruir do que está sendo oferecido. Quanto à nossa classificação racial, Telles (2003) afirma: diferentemente dos Estados Unidos e da África do Sul, o Brasil, pelo menos no período após Abolição, não teve leis que determinassem o pertencimento ou não a um grupo racial. A decisão da elite brasileira de promover o branqueamento

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através da miscigenação ao invés da segregação racial tornava desnecessárias as regras formais de classificação racial. Além disso, o Brasil não possuía nenhuma tradição de controle da ascendência, o que pode ter impedido a vontade das elites de impor um regime como o de descendência mínima. Como resultado, a classificação racial no Brasil tornou-se mais complexa, ambígua e mais fluida do que naqueles países com tradição de segregação legal (p.105). No depoimento de Edda (s. social) é possível encontrar sua negritude em

lugar de destaque no seu modo singular de identificar-se. Pergunto a ela por que

não concorreu às cotas de oriundos da escola pública e, ela me respondeu, “acho

que é porque a identidade racial sempre foi muito forte, antes de ser estudante de

rede pública eu sou negra, assim, antes, sabe?” Elza (pedagogia) responde a

mesma questão como um simples “porque eu sou negra”, quem sabe

essencializando sua identidade.

Vera (psicologia) parece marcar sua negritude como uma construção

política e não como uma marca de cor, “eu trazia muito essa consciência política

mesmo”. Ela, como Isac (direito) defendem o uso da política:

Vera (psicologia) - Já que tinha cota, era necessário você fazer o uso dela. Eu lembro que eu passei com uma nota muito acima de muita gente que passou sem cota. E num dos primeiros dias de aula, a discussão era a disparidade de notas entre os cotistas e os não-cotistas, e como que eles conseguiam entrar com uma nota que era quase a metade. Eu fiz questão de afirmar que eu era cotista e que a minha nota tinha sido uma das maiores do vestibular de Psicologia da UERJ. Isac (direito) - Eu me candidatei porque no meu entendimento eu sou negro de fato e de direito e entendo que as políticas de ação afirmativa precisam ser utilizadas, de uma forma geral elas precisam ser utilizadas, o Brasil ainda necessita de ações afirmativas sim, é um paliativo, é uma ação-meio.

Atila (c. biológicas) é outro sujeito que politiza sua opção, colocando a

política pública de ações afirmativas no campo das reparações à população negra.

Sobre suas motivações afirmou: “porque eu sou negro e acho que as cotas são

válidas pela reparação de danos históricos, por todo o processo que o negro sofreu

durante toda a história do Brasil, pela amputação de várias coisas, inclusive da

educação, então eu acho que esse é o meu direito”.

Dora (direito) se descobriu negra numa situação de discriminação racial da

qual foi vítima. Tal discriminação, ocorrida numa situação particular60, em sua

concepção foi tão severa e doída que a fez largar o curso de engenharia e procurar

o de direito. Dora conta que jamais tinha problematizado sua identidade racial, 60 Dora foi xingada de “macaca”.

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nunca havia se questionado sobre isso até ter sofrido essa violência “quando

aconteceu isso eu fiquei chocada porque isso para mim era muito longe da minha

realidade. Eu não sabia que isso realmente existia, eu ouvia falar, mas eu não

imaginava como era. Não imaginava como é a dor, qual é a dor que as pessoas

sentem, eu senti”. Quando perguntada por que decidiu concorrer às vagas de

cotista, ela declara:

Pois é, eu me defini por essa cota porque me definiram dessa forma. Eu falei: bom, já que estão usando isso de uma forma, no sentido de ser uma coisa negativa, vou mostrar que não. É uma coisa muito positiva. Eu sou negra? Que bom! Porque eu não sabia se eu era negra, se eu era branca, se eu era rosa, se eu era azul, até isso acontecer. Nunca passou pela minha cabeça. Eu vivia uma outra realidade. Perguntei a Dora se antes disso ela se via como branca e ela respondeu que

“não se via como nada”, perguntei o que aparece em sua certidão de nascimento e

ela disse “parda”e eu retruquei “você mudou de parda para negra?” e ela “para

definitivamente muito negra (dá ênfase). Muito negra”. Penha-Lopes (2007)

afirma que os insultos podem levar à “total rejeição de uma identidade negra” (p.

139), parece que Dora, vitimada pelo racismo, tenha decidido o inverso, a

assunção da sua.

Debora (história) diz que a escolha foi de sua filha, que foi ela que a

inscreveu e que ambas fizeram o mesmo vestibular, mas só Debora passou nesse

ano, todavia pensa que sua filha fez essa opção porque ambas “são negras”.

Luciana (c. sociais) destaca uma ancestralidade negra na motivação de sua

escolha, mas também teve um empurrão de um familiar, seu irmão, ela afirmou:

Não tive dificuldade de me colocar como negra, porque isso na minha casa sempre foi uma coisa normal. Meu pai era negro, minha mãe era negra, minha mãe nunca falou pra gente que a gente era moreno, mulato: “Vocês são negros”. E meu irmão falou assim: “Ah, você não tem o que pensar”, foi lá e preencheu pra mim e levou: “Isso aqui é pra preto, você vai fazer e acabou”, não teve muita discussão. “E é onde você tem mais chance de passar”. Eu ia até tentar pra Geografia na hora, pensei em São Gonçalo, ele falou: “Não, que aqui você vai ter mais chances de entrar”. Não teve muita discussão, aquelas discussões idiotas, não. “É pra preto, então você vai fazer, acabou. Talvez chegue uma bolsa no futuro, melhor ainda”. Januário (direito) é o único que afirmou ser contra a política e mesmo assim

dela fez uso. A sua identidade negra parece ser posta em questão quando utiliza os

verbos “ser” e “considerar”. Ele assim se expressou “Eu nunca concordei muito

com as cotas, eu acho que é uma situação emergencial, mas eu também pensei:

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bom, mas se eu tenho direito eu vou optar, eu vou dizer que sou negro, me

considero, então me considero não, eu sou né! Então eu marquei.”

Concordo com Penha-Lopes (2007) quando afirma que é inegável que a

adoção das cotas raciais implica uma reavaliação do significado da raça para a

identidade pessoal dos brasileiros (p.130). Nesse sentido Pinto (2206) afirma “a

formalização de identidades sociais como sujeitos de direito reconhecidos pelo

estado, permitindo que aqueles que as reivindiquem tenham um acesso

diferenciado a recursos, bens e serviços, tem efeitos profundos na dinâmica social

dessas identidades (p.138)”.

Nossa classificação racial é resultado de encorajamento e reconhecimento

da miscigenação onde os “traços físicos61 das categorias não-brancas normalmente

possuem conotações negativas” (Telles, 2003, p.104). Conforme esse autor, “a

categoria negro no Brasil é frequentemente evasiva, permitindo, por um lado,

contornar o estigma social e, por outro, a manipulação política que repele

importantes distinções sociais por raça” (idem).

Interessante é perceber como as noções de raça podem ser maleáveis

dependendo de inúmeros fatores subjetivos e objetivos somados, no caso da opção

por cota, por um fator objetivo que visa combater uma desigualdade racial, tendo

como pano de fundo, no contexto brasileiro, sistemas classificatórios em competição.

Perguntei aos ex-alunos o que teria marcado os primeiros momentos na vida

universitária depois do impacto e felicidade pelo sucesso no vestibular. Eles

falaram de um estranhamento por ser o primeiro da família a cursar a

universidade62 como afirmou Angela (direito)

Os meus pais não têm nível superior, na minha família quase ninguém tem, agora que a minha geração já está começando a ter, mas a geração do meu pai, da minha mãe, nenhum dos irmãos deles têm, a minha família toda não tinha essa experiência, não sabe o que é um médico, como é que a vida de um advogado. Segundo o PROINICIAR63 (2005), os calouros cotistas da UERJ em 2003 e

2004, eram “estudantes oriundos de classes populares, muitas vezes os primeiros a

terem a chance de cursar o ensino superior na família. Estudantes que não tiveram,

ao longo de suas vidas, a chance de usufruir de bens educacionais e culturais, e que

agora, na universidade, tentam viabilizar o sonho da ascensão social pela via da 61 Especialmente a cor da pele, tipo de cabelo, forma do nariz e dos lábios. 62 Apenas Isac (direito) tem pai e mãe e Patricia (odontologia) tem a mãe com curso universitário. 63 Programa de Iniciação Acadêmica, ligado a Sub-reitoria de graduação.

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Educação”. O fato de serem majoritariamente alunos de 1ª geração em termos de

ensino superior traduz um maior desconhecimento do funcionamento das

instituições e dos seus contextos, o que tende a gerar maior ansiedade nesses alunos.

Estranhamento por ser um dos mais velhos em classe, como disseram Dora

(direito), Debora (história) e Januário (direito) ou mais novo, como Mateus

(pedagogia).

Januário (direito) disse que marcante nesse primeiro momento foi ainda ver

a diferença entre o que encontrou no curso de Direito da UERJ,

em relação a todo o resto da universidade e até da universidade pública. Porque tinha recursos, não tinha falta de professores. Não foi uma realidade que eu vi na UNIRIO e não é uma realidade que tem nem na própria UERJ, porque se eu subisse até o nono andar eu encontraria portas quebradas, banheiro sem aparelhagem, todo pichado. O sétimo andar da UERJ realmente era um mundo à parte na UERJ, então isso pra mim era mais marcante. O estranhamento ainda com o “espaço” da universidade que pode ser

assustador ou encantador como mostram os depoimentos a seguir:

Pedro (pedagogia) - Primeiro, a UERJ é um espaço diferente, porque é uma universidade vertical e para você se achar aqui dentro é meio difícil, até você entender a lógica arquitetônica desse espaço não é muito simples. Acho que a primeira coisa que assustou na verdade foi o contato com o espaço que é diferente. Vera (psicologia) - O fato da UERJ ser uma universidade que agrega vários cursos, vários campos de saberes, e a diferença entre um campo de saber e outro é uma rampa, é um lote de degraus, escadas, isso me encantava. (...) eu vivia na Filosofia, eu vivia no Direito.

Para alguns, as dificuldades foram a marca desses primeiros momentos. A

necessidade de amadurecer, as dificuldades com os estudos, muito embora fossem

estudantes com um passado de bons resultados escolares e a falta de condições

financeiras64 aparece nos depoimentos:

Amanda (direito) - (...) tinha que acordar muito cedo, umas quatro e meia da manhã para eu conseguir chegar às sete na UERJ, eu pegava o trem de cinco e quarenta e cinco da manhã para conseguir chegar lá na hora, aí era bem cansativo. (...) No início tive muita dificuldade em algumas matérias mais abstratas tipo filosofia. O volume de matéria, muito grande. O volume de leitura muito grande. Era muita coisa para ler, muita coisa nova, diferente. Tadeu (letras) - Eu me lembro que o primeiro ano, exatamente o primeiro ano, para mim foi o mais difícil. Porque eu peguei assim professores ótimos, não tem como

64 As dificuldades financeiras serão tratadas mais detidamente no item a seguir (4.3).

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negar isso, mas a língua portuguesa para mim parecia que não era aquilo que eu tinha estudado, tinha trazido na bagagem. Então para mim foi um impacto muito grande. Então eu vi que não estava preparado, não tinha base, e eu sempre, sei lá, não sei se é coisa minha, mas na minha escola eu sempre fui bem, eu era mais espertinho, os professores diziam que eu ia bem, tirava boas notas. E chegar na faculdade e, no primeiro momento, você vê aquilo que não tava dando muito certo e ver que não entendia muito bem, via que era muito difícil, aquilo me deixou um pouco chocado. (...) Naqueles momentos, tinha que economizar também para poder pagar passagem, comer, então foi um momento complicado, os primeiros momentos que eu aprendi a andar de trem, porque não dava para pegar metrô todo dia; e andar de trem seria mais fácil, pelo menos seria mais próximo da minha casa, também daí eu poderia economizar uma passagem. Patricia (odontologia) - Olha, na verdade, eu acho assim, nos dois primeiros semestres você se sente meio fora sem saber onde você está, fazendo o que, o que é aquilo, sem entender muita coisa. Porque você vê muitas matérias que nunca ouviu falar, tem que estudar muitas coisas que você nunca estudou. (...) na verdade, eu tinha a sensação de que aquilo não era odonto, e aí eu ficava caraca, não sei pra que isso serve!

O fato de acessar a universidade de um modo diferenciado, isto é, na

condição de cotista, num momento ainda de muita rejeição à política de ações

afirmativas na UERJ, se constituiu um desafio a mais para os depoentes. O medo

aparece explicitado em três depoimentos:

Luciana (c. sociais) - Eu fiquei feliz, mas fiquei com medo, porque eu entrei na reclassificação, e tava tendo muita polêmica e eu lembro assim... Eu não tinha muito entendimento de Movimento Negro, nada disso, mas eu lembro que eu fiquei com medo até de apanhar das pessoas brancas, pela forma como elas se posicionavam na televisão. Então assim, eu fiquei com muito medo. Aí quando eu fui ver a inscrição foi até o meu irmão que foi comigo, mas eu lembro que o primeiro dia assim, foi bem difícil. Dora (direito) - Os cotistas, acho que a gente já entra com medo, com receio de ser discriminado por ter entrado pelas cotas. Porque sempre existe um comentário de: Ah, eu passei com a nota x; e o cotista passou com a nota x menos duzentos e isso desde o início da faculdade isso é falado. Débora (história) - eu tinha medo também do estigma do cotista, eu tinha esse medo, porque a essa altura já estava havendo muito debate, uns contra, uns a favor, um debate acirrado, né? A favor e contra as cotas. Eu falei: caramba eu sou cotista, como é que vai ser isso? Aliás, a minha maior apreensão, além da juventude dos meus colegas era essa questão das cotas.

Julgo importante notar que nesses primeiros momentos da vida universitária

o medo por ser cotista aparece. Não se trata, por exemplo, de um medo de não

concluir o curso por falta de uma ou de outra condição, mas um medo específico

advindo da condição de cotista. Alguns entrevistados sentiram fortemente o

rechaço social à sua condição peculiar de cotista e tiveram medo. É possível

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afirmar que alunos negros e ou carentes economicamente que acessaram a UERJ

antes do implemento das políticas de ação afirmativa não tenham vivido essa

experiência, ainda que admitidos em cursos de “prestígio” como o de Direito. A

identidade de aluno cotista se reveste de uma peculiaridade que lhe nega a

condição normal, no sentido empregado por Gofmann (2008, p.14) de aluno

universitário, e o medo não é incomum naqueles que sofrem o estigma.

Para Angela (direito), os cotistas receberam um “tratamento um pouco

diferente, as pessoas não estavam acostumadas, porque começou a ter pessoas

negras, começou a ter pessoas que não tinham condições de ir pra faculdade”.

Patricia (odontologia), nesse momento da entrevista, diz que não se sentiu

bem recebida por parte dos veteranos. Ela declarou:

olha, sinceramente, os meus veteranos, eu tinha um certo problema assim de relacionamento com eles porque eu acho que as pessoas, principalmente na faculdade de odonto, elas acham que são muito importantes, elas te tratam com superioridade, ainda mais por a gente ser a primeira turma de cotas, as pessoas claramente têm um certo pé atrás, principalmente os alunos, os professores nem tanto, eu acho que eles encaravam muito bem, mas os alunos das outras turmas, eles encaravam a gente de uma maneira meio estranha, principalmente os nossos veteranos que eram as pessoas que a gente tinha mais contato porque na odonto, como os ciclos são fechados, não tem esse negócio de você estar no primeiro período, no segundo, fazendo matéria do quarto então você faz só matérias daquele período senão você acaba reprovando porque não tem horário na grade pra você ter muita flexibilidade, você não tem muito contato com os outros alunos, de sexto período, de sétimo, você tem em alguns poucos momentos. Sobre o convívio com os veteranos e o trote, para Atila (c. biológicas) que

dele se recusou a participar, é a partir dessa recusa que se instaura “uma

perseguição”, “uma exclusão”, uma discriminação racial por parte dos veteranos.

O que marca esses primeiros momentos, para ele, foi essa reação desproporcional

dos veteranos “ganhei inimigos na biologia”, que ele atribuiu ao “racismo”. Não

participar do trote pode gerar desconforto durante o curso, entretanto, ele afirma

que não fora o único a não participar do trote, outros alunos e alunas também não

aceitaram o trote e, no entanto, a partir de então, somente ele ficou vetado de

todas as atividades discentes, como os churrascos, as festas e os jogos de futebol,

ainda foi alvo de chacotas e recebeu apelidos, o que lhe marcou todo o percurso

na universidade.

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Ainda no que se refere à diferença cultural entre os novos sujeitos da UERJ

e a sua comunidade padrão, nos primeiros momentos na universidade, vejamos as

tensões havidas entre aluna e professora, no depoimento de Luciana (c. sociais):

eu lembro que uma aula a professora foi falar daquele caso Gabriela65, na aula de Ciência Política, aí ela falando: “Nós, da classe média”, como se todas as pessoas que entrassem na universidade fossem da classe média (...) “não, porque aquilo foi uma bala, a gente nunca esperou, no asfalto, alguém morrer da forma como ela morreu, por uma bala perdida.”. Aí eu fui e questionei: “Professora, mas todos os finais de semana morrem milhares de jovens em baile funk, as estatísticas são bem altas, assim. Tem final de semana que podem morrer cento e cinqüenta pessoas. No baile funk, no subúrbio do Rio, no subúrbio de Niterói, em São Gonçalo.”. Aí ela foi e falou assim: “Ah, mas isso já é normal, já é o esperado.” Aquilo me deixou assim, literalmente nas nuvens. Eu fiquei: “Anh? Como assim é normal? Então quer dizer que meus primos podem morrer e a Gabriela não pode morrer, só porque ela tem olhos azuis?”. Aquilo, assim, me deixou muito chateada.

Perguntados se nesses primeiros momentos na UERJ tinham se identificado

como alunos cotistas, dos dezesseis entrevistados, quatorze se identificaram como

cotistas já nos primeiros momentos da universidade (primeiro semestre). Jane

(matemática) o fez no segundo semestre e Januário (direito) disse que não se

identificou como cotista durante todo o curso.

Ângela (direito), Atila (c. biológicas), Dora (direito), Edda (s.social), Debora

(história) e Luciana (c. sociais), quando perguntados se e quando teriam se

mostrado como cotistas, responderam no mesmo sentido: “os negros na UERJ são

vistos como cotistas”, “qualquer negro que está na UERJ, é visto como cotista”.

Edda afirma, “era bem engraçado, os negros que não optaram pelo sistema de cotas,

que entraram sem cotas, no discurso de alguns professores eles já eram cotistas e

isso era muito complexo. Se você era negro, você era cotista, tava dito, tava posto!”.

O depoimento de Dora, nesse sentido, deixa antever que o cotista não negro

poderia ter a condição de cotista invisibilizada, não padecendo do estigma

(Goffman, 2008), da marca que deterioraria sua identidade social de aluno no seio

das relações universitárias. Dora assim se expressa:

Os cotistas das cotas raciais ficavam mais isolados, das outras cotas não, porque eles não eram visíveis. A cota da escola pública ela é invisível, você não consegue determinar, agora as pessoas negras, ainda que elas não tivessem entrado pela cota, elas já ficavam meio deslocadas.

65 Gabriela foi assassinada dia 25 de março de 2003, na estação São Francisco Xavier do Metrô, em meio a uma troca de tiros entre policiais e bandidos que assaltavam a bilheteria.

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É possível que esse termo “deslocadas” possa ser interpretado como marcado

por um estigma que opera nas relações que se desenvolveram na universidade.

Para além da possibilidade de serem de pronto identificados como cotistas -

por serem negros -, os entrevistados disseram que a condição de aluno cotista foi

ficando pública nas conversas, nem sempre amenas, com os colegas em classe e

com os professores, variando as situações. Vera (psicologia) “puxava conversa”,

Pedro (pedagogia) e Debora (história) contaram numa dinâmica de apresentação,

Dora (direito) contou “eu achava que aquilo era um benefício”, Edda (s. social),

Isac (direito), e Angela (direito) contaram em debates que participaram em classe

com seus professores:

Isac - A gente comentava, acredito que nós fomos a terceira ou quarta turma de cotas e então ainda estava fervilhando muito, tinham acabado de entrar com uma ação pública para julgar a inconstitucionalidade, então a gente discutia isso, nós tivemos aula com o professor ... que é advogado emblemático nessa questão de cotas, de ações afirmativas, então a gente discutia isso dentro de sala de aula e acabava sendo assunto de corredor. Edda - Sim, publicizava porque, a gente tinha muita discussão, sobretudo com professores. Cota na UERJ era muito criticada. No sentido contrário à publicidade da condição de cotista na sala de aula,

Marcos (pedagogia) disse que “esse assunto era tabu, assim, as pessoas não

falavam muito sobre” e Vera (psicologia) quando “puxava conversa”, notou que

alguns alunos “desconversavam, não era uma coisa muito dita não, ficava mais no

campo do não dito” e Januário, único que não se expos como cotista, disse que

poucos alunos o fizeram.

Januário (direito) justifica seu silêncio em relação à sua condição de cotista,

dizendo “eu evitei esse estigma de ser cotista” e, é interessante perceber que essa

evitação durou todo o curso.

Por outro lado, a luta pela obtenção de uma bolsa que viabilizasse a

permanência dos cotistas na universidade, fez com que eles se expusessem num

momento de total confusão e desconhecimento sobre o direito e o modo de

aquisição da bolsa66. Elza (pedagogia) afirma que os colegas que descobriam

alguma informação ou queriam alguma informação sobre a bolsa, passavam em

classe perguntando “quem era ou quem não era”.

66 As primeiras bolsas só chegaram às mãos dos cotistas no primeiro semestre de 2004, no valor de R$ 190,00 majoradas, posteriormente, para R$ 300,00 valor que têm hoje.

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Quando as bolsas foram oferecidas aos cotistas, eles tiveram que,

obrigatoriamente, participar de alguma atividade ou curso promovido pelo

PROINICIAR e, nessas atividades e cursos, também a condição de cotista ficava

manifesta, pública.

Os depoimentos evidenciaram que a conquista da vaga na UERJ foi

comemorada pelos ex-cotistas que valoravam o espaço social da universidade

pública, espaço no qual suas famílias estiveram historicamente alijadas. Dão conta

que representam uma exceção também nos grupos sociais que transitam.

A vaga acessada abriu novas possibilidades aos sujeitos dessa pesquisa que

ao chegarem à universidade, se deparam com os desafios típicos dessa etapa de

vida, somados aqueles referentes à condição de cotista que ficarão gradualmente

explicitados ao longo desse texto.

Já nos primeiros momentos da trajetória universitária parecem notar que são

alunos que padecem de uma diminuição social. Percebem, às vezes, que são

tratados de modo depreciativo, isto é, são portadores de um estigma. Há alunos

que reagem ao estigma com medo, mas nem todos.

Aquele que possui um estigma tem motivos para sentir que as situações

sociais ocorrem numa interação angustiada (Goffman, 2008, p.27), é o que parece

haver entre os cotistas e os demais sujeitos da comunidade acadêmica, de acordo

com alguns depoimentos.

Perguntados sobre a publicidade de sua condição de cotista, cinco

entrevistados declaram que, sendo negros, todos seriam prontamente identificados

como cotistas, logo não poderiam fugir do estigma de cotista, sendo conforme

Goffman (2008) os desacreditados. Caso houvesse o “benefício da dúvida” sobre

suas identidades de cotistas, eles dela abriram mão, transitando da condição de

desacreditáveis para desacreditados. Apenas Januário manteve o sigilo de sua

condição, o que o manteve como um desacreditável Goffman (2008).

A publicização da condição de cotista foi, para alguns, conseqüência da

procura pela bolsa que pudesse facilitar a permanência no curso. As

atividades/cursos realizados obrigatoriamente, para a obtenção da bolsa, por outro

lado, também acabaram facilitando a “quebra” do sigilo em relação à condição de

cotista, tendo em vista que só eles, os cotistas, participavam dessas atividades na

universidade.

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4.3 As dificuldades e desafios enfrentados

Busquei conhecer através dos depoimentos dos entrevistados quais teriam

sido suas maiores dificuldades e desafios enfrentados durante o percurso

universitário. Dos dezesseis entrevistados, dez se referiram primordialmente às

dificuldades financeiras e suas consequências: Atila (c.biológicas), Debora

(história), Edda (s. social), Isac (direito), Dora (direito), Amanda (direito), Pedro

(pedagogia), Luciana (c. sociais), Tadeu (letras) e Jane (matemática).

É importante lembrar que as bolsas voltadas aos cotistas só começaram a ser

pagas em 2004, logo os alunos que iniciaram seus cursos em 2003 (sete alunos)

ficaram sem bolsa durante dois semestres. Por outro lado, lembro ainda que, a partir

de 2004, os candidatos que pretenderam concorrer às vagas de cotistas precisaram

comprovar, à juízo da UERJ, suas condições de economicamente carentes.

Talvez essas condições expliquem a ênfase nas dificuldades financeiras. É

importante ponderar que as dificuldades financeiras são mais óbvias de serem

percebidas e ditas num contexto social ainda marcado pelo discurso/mito da

democracia racial. Não afirmo que elas inexistiram ou que tenham sido de pouca

monta, apenas que são elas mais facilmente visibilizadas e legitimadas socialmente,

afinal é corrente e talvez ainda hegemônico o discurso que afirma a desigualdade de

classe/renda como sendo a única enfrentada pelos negros no Brasil.

As dificuldades financeiras podem implicar em morar longe, em ficar muito

tempo na condução, em ter que sair de casa ainda no escuro numa cidade violenta,

em chegar cansado à universidade, em ter que gastar mais dinheiro com as

passagens, até em humilhação. Luciana (c. sociais) afirmou que era humilhada

pelos motoristas dos ônibus que não paravam quando a viam de uniforme de

escola pública67, ela disse:

aí também eu nem tinha mais saco e eu não tinha que fazer muitas matérias mesmo, aí eu pagava a passagem, porque tem umas coisas que os caras fazem que é muito constrangedor, sabe? Aí você tem que ficar discutindo, tem que ameaçar chamar a polícia... Estudante de escola pública passa isso, sabe? Então... É meio cansativo. A questão de ir pra universidade sem ter transporte, aí você ter que usar as suas estratégias, é muito cansativo.

67 O uso do uniforme por Luciana era uma estratégia para não pagar passagem.

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Tadeu (letras), que também fez referência a dificuldades acadêmicas

sofridas no decorrer do curso, explicou que não ter um espaço em casa só seu

onde pudesse estudar foi um problema,

na minha casa não tem onde estudar, não tinha um quarto para mim especificamente, onde eu podia ficar estudando, fechar a porta. Tinha que estudar com todo mundo falando e conversando, mas isso não era culpa deles (sua mãe e seus dois irmãos mais novos). De noite eu não poderia ficar com a luz acesa, eu tinha que estudar, tinha que dar o meu jeito. As dificuldades financeiras podem implicar em não comprar os livros dos

quais se têm necessidade no curso, nove em dezesseis ex-cotistas afirmam não

terem comprado livros. Adquiriram livros os cinco ex-alunos de Direito e, ainda

assim, quatro deles disseram que só compraram os Códigos por ser absolutamente

essenciais; Vera (psicologia) comprou poucos e Patricia (odontologia) afirmou

também ter adquirido poucos livros porque o mais importante era comprar os

materiais requeridos nas aulas práticas. Os entrevistados, com tristeza, se

referiram a impossibilidade de construir uma biblioteca própria para os estudos.

Isac (direito) declarou:

se eu pudesse ter os livros que hoje eu estou comprando, na época, talvez eu tivesse aprendido melhor, talvez eu estivesse melhor colocado hoje no mercado de trabalho, eu tenho total certeza disso, se eu tivesse uma condição financeira melhor eu conseguiria. Hoje, eu sei que eu vou poder dar isso aos meus filhos, à minha família. As dificuldades financeiras também se expressam pela necessidade de

trabalhar ou estagiar junto com a realização do curso universitário. Os

entrevistados atestaram que essa situação foi muito árdua de ser vivida, a

dedicação imprescindível ao curso era muito difícil.

Além disso, Ismael, Dora, Januario e Isac, todos do Direito, se queixaram do

fato das aulas nos primeiros períodos começarem às 17 horas, isto é, uma hora antes

do término de suas jornadas de trabalho/estágio, o que trouxe óbvios problemas.

No entendimento dos entrevistados, o trabalho gerou as seguintes

dificuldades: a impossibilidade de vivenciar os espaços da universidade e ter que

ficar circunscrito ao espaço da sala de aula; o obstáculo à participação em grupo

de pesquisa; a falta de tempo com o propósito de estreitar relações que seriam

importantes profissionalmente e academicamente quando se tem em mente fazer

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pós-graduação; falta de tempo para estudar sozinho ou em grupo e também o

cansaço. Nesse sentido, são paradigmáticos os depoimento abaixo:

Dora (direito) - Meus desafios eram diários. Era vista cansada e ter que vir pra faculdade assistir as aulas. O cansaço eu acho que foi o mais massacrante. Isso pra mim era um desafio. Isso pra mim era constantemente chato porque, às vezes, eu chegava muito mal humorada e aí eu não conseguia participar como as pessoas participavam. Eu nunca pude ir a uma viagem como tinha todo ano, congresso dos estudantes e eu nunca fui porque meu trabalho não permitia. Então eu não tinha como desenvolver um relacionamento maior. Eu não tinha como participar das viagens, dos treinos, porque eu trabalhava sábado e domingo. Eu trabalhava com escala de sábado e domingo. Uma semana sábado, uma semana domingo. Então eu não podia viajar pra fazer atividade física com eles pra fazer competição (...). Eu chegava em casa mal humorada, chegava em casa onze horas da noite e eu comia deitada na minha cama, eu jantava deitada.

Edda (s. social) - Eu poderia ter feito uma seleção para uma bolsa do CNPq, uma seleção para algum outro programa de pesquisa, se eu pudesse ficar na UERJ todos os dias, entrar às 2h, às 3h, 4h e sair depois do horário da aula, eu ia ter um acúmulo científico, acadêmico que se preza muito para o mestrado, para o doutorado, muito maior que se eu entrar em um estágio remunerado em uma empresa que não valorizava todo o acúmulo que eu adquiriria durante um ano, dois anos vivenciando uma universidade.

Há sintonia dos meus achados com os de Zago (2006), quando afirma em

sua pesquisa sobre estudantes universitários de camadas populares que:

O tempo investido no trabalho como forma de sobrevivência impõe, em vários casos, limites acadêmicos, como na participação em encontros organizados no interior ou fora da universidade, nos trabalhos coletivos com os colegas, nas festas organizadas pela turma, entre outras circunstâncias. Vários estudantes se sentem à margem de muitas atividades mais diretamente relacionadas ao que se poderia chamar investimentos na formação (congresso, conferências, material de apoio) (p.10)

Benedito (2007), tendo pesquisado alunos cotistas negros da UEMS,

afirmou que,

todos os estudantes entrevistados trabalham e muito. Enquanto metade dos vinte alunos entrevistados conta com algum apoio familiar, a outra metade é arrimo de família e tem de trabalhar em até dois empregos ou subempregos para manterem a si e seus familiares. Dependendo dos cursos em que os estudantes negros (as) estão matriculados o sacrifício pessoal é extraordinário (p.124).

Este estado de coisas é semelhante também ao encontrado por Salvador

(2008) em sua pesquisa de doutorado sobre a inserção de alunos pobres e negros

na PUC-Rio. Ela afirma que a questão econômica foi o ponto considerado mais

problemático pelos seus sujeitos de pesquisa.

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A rotina universitária exige, minimamente, a compra de livros, a realização de fotocópias e alimentação, o que implica em investimento financeiro. A escassez de recurso torna-se, então, um grande empecilho para quem pretende cursar a universidade. As principais dificuldades financeiras apontadas por esses alunos são a locomoção até a universidade e a permanência até o final do curso (p.137).

Acerca do aluno trabalhador ela atesta: ”Esses alunos passavam a maior

parte do dia no trabalho e também nos transportes (ônibus e/ou trem), devido à

longa distância entre trabalho e universidade. A vida universitária se concentrava,

sobretudo, nas atividades de sala de aula (p.135)”.

Dos dezesseis entrevistados, nove, praticamente a metade faz também

menção a dificuldades de ordem mais acadêmica: Atila (c. biológicas), Elza

(pedagogia), Mateus (pedagogia), Debora (história), Luciana (c. sociais), Amanda

(direito), Tadeu (letras), Patricia (odontologia) e Jane (matemática).

Tais vicissitudes implicaram no impacto de precisar amadurecer para enfrentar

as dificuldades de um curso universitário, de não mais receber tudo “mastigado” pelo

professor, de necessitar fazer pesquisa, afinal a matéria não se resume ao “dado” em

aula, de se constituir num estudante mais autônomo. Como atestou Atila

(c.biológicas), “eu comecei a ver que não poderia ficar só esperando cair a matéria do

céu, tinha que buscar a disciplina, ler artigos, já no primeiro período” e Mateus

(pedagogia), “o meu desafio foi amadurecer e me transformar para poder ser um

universitário de sucesso, eu acho que esse foi o meu maior desafio”.

Por outro lado, as entrevistas falam da dificuldade com a linguagem

acadêmica, “com as palavras novas” e com a escrita correta.

Debora (história) - a dificuldade era porque a gente nunca tinha ouvido falar em seminário, o que era, aí a professora de História Ocidental pediu para formar um grupo que ia fazer seminário. O que era seminário? Fazer o quê? Elza (pedagogia) - Eu acho que o escrever, vamos dizer, academicamente, para mim, foi muito complicado, eu não conseguia, por mais que eu entendesse, por mais que eu lesse, e às vezes o pessoal: "Elza, você entendeu, você está falando, então escreve isso que você está falando". Eu não conseguia escrever de forma acadêmica. Daniela - O que é isso Elza, escrever de forma acadêmica? Elza - citando os autores, citando, enfim, escrever nos formatos, eu não conseguia. E aí, assim, trazendo para a questão da avaliação, acabava sendo prejudicada. Januario (direito) - Eu consigo ler e entender, mas na hora que eu tenho que escrever o conhecimento, eu não consigo passar. Tanto que a professora de Civil no primeiro período botou umas estrelinhas em algumas provas e falou que queria

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conversar com as pessoas que tinha estrelinha e a gente ficou “o que é”? Eram as pessoas que tinham problema de escrita. Daniela - E o que ela estava propondo? Januario - Que as pessoas se dedicassem mais a escrever melhor, estudassem mais erro de concordância, de vocabulário, de coerência textual. De repente são confusas as idéias, na coesão do texto, começar uma idéia, misturar com outra coisa, talvez isso.

Para a surpresa e decepção dos egressos, os resultados em algumas

disciplinas foram bem ruins, embora tenham dito que sempre tiveram boas notas

nos ensino fundamental e médio. Jailson de Souza e Silva (2003) afirma que um

dos elementos comuns na trajetória escolar dos seus entrevistados (jovens de

origem popular que chegam à universidade), era a representação deles como bons

alunos (p.123). Os sujeitos que entrevistei também assim se representavam.

Houve quatro entrevistados que repetiram três vezes uma mesma disciplina,

o que desencadeou desde vontade de desistir do curso à perseverança em

continuá-lo através de esforços triplicados. Conforme assertiva de Nunes (2007)

que estudou a permanência da população negra na Universidade Estadual de

Londrina “ao mesmo tempo em que os (as) alunos (as) são assolados(as) pela

vontade de desistirem, relatos de persistência desmedida são trazidos”(p.329).

O curso de odontologia é de período integral e Patrícia, não podendo

trabalhar, dependeu financeiramente de sua avó para realizá-lo com sucesso.

Afirmou que precisou estudar muitas horas para alcançar sua formatura, usar a

biblioteca com antecedência porque os livros eram poucos e a procura por eles

muita, já que os livros além de caros são pesados dificultando seu transporte. Uma

particularidade de seu curso é a obrigação de esterilizar as bandejas com os

materiais (cada aluno tem, no mínimo, cinco bandejas) para utilizá-las nas aulas

práticas, o que só pode ser feito no horário do almoço. Patrícia relatou que seu

maior desafio foi vivenciar as aulas práticas que têm o nome de Clínica e que, na

verdade consistem, no atendimento aos pacientes. Instada a falar de suas

dificuldades, ela contou sua experiência mais traumática:

Primeira vez que você vai anestesiar uma pessoa na sua vida. É assim, você fala cara, e a primeira clinica é a clinica de cirurgia, então a gente fazia extração, você não só tinha que anestesiar pela primeira vez na sua vida, como você tinha que tirar um dente pela primeira vez na sua vida. Isso é o mais estressante, porque às vezes você chegava ali e você falava cara, não sei, não sei, eu tive um paciente que

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sangrou pelo nariz loucamente pelo atendimento, essa daí foi pra mim a pior de todas! Foi o seguinte, a gente chegou, a paciente falou que tinha pressão alta, mas que tá controlada e tal, tudo bem, o aparelho de pressão não estava lá, o professor falou não tem problema não, ela falou que está controlada, pode anestesiar. Depois da anestesia a paciente começou a sangrar, sangrar, e aquele negocio, você tem que ficar calmo, pra acalmar a paciente, chamar o professor e eu estava em pânico... O professor chegou e falou ah, você não tirou a pressão? Eu falei ué, aí eu fiquei com ódio, eu falei como assim professor? Aí ele falou com a paciente e tranqüilizou a paciente, aí parou o sangramento. Foi insuportável!

No depoimento de Angela (direito), identifiquei outra natureza de

dificuldade. Ela atestou que sua maior dificuldade foi ser a primeira em sua

família a fazer um curso universitário e não ter com quem conversar sobre as

questões relativas ao curso, diferente de seus colegas que tinham familiares no

campo do Direito.

Eu acho que meu maior desafio mesmo foi conhecer um mundo bem diferente do que eu já tinha vivido então era tudo novo para mim. Eu lembro até hoje de uma matéria que o professor estava falando, substabelecimento, aí eu falei: sobre estabelecimento? O que é isso? É alguma coisa de estabelecimento? É uma procuração que você passa para outro. Aí eu falei assim: nossa! E a menina respondendo assim, mas porque ela já tinha conhecimento daquilo e, eu não, e é uma coisa ridícula de fácil, mas se você não tinha intimidade, você não sabe o que é.

Por derradeiro, instada a falar de seus desafios na universidade, Vera

(psicologia) traz à luz dificuldades que, possivelmente só poderiam ser percebidas

por alguém com sua força e maturidade política. Ela é a única, que nesse

momento da entrevista, toca na questão racial e o faz de modo muito consciente,

daí porque acho importante dar espaço ao seu depoimento.

Falar da questão racial dentro da Psicologia foi muito difícil. Toda vez que eu puxava essa sardinha era muito difícil. Falar da questão da favela, da segurança púbica. Porque eu sempre trouxe um pouco da minha vida pra dentro da Psicologia. A Psicologia tinha que falar de mim, assim, de mim e da minha gente e não falava. Então eu fazia, ficava ali “fala alguma coisa”, entendeu? Então essa era a maior dificuldade, trazer assuntos, abordar temas, porque a faculdade de Psicologia é muito pautada em conversas, em trocas de experiências e tal. Tem os textos, mas os textos suscitam discussões. Então nessas discussões era sempre o momento que eu rasgava o verbo, “teve um massacre que vocês não estão sabendo, a televisão passa uma coisa, o sistema penal e tal...”, então você trazer esse assunto às vezes era complicado. (...) Nós também, alunos, não nos posicionávamos. A gente não cobrava da Psicologia nas aulas, esse posicionamento. A gente tinha aula de Psicologia Social, porque o forte da UERJ é Psicologia Social, e a gente não falava de racismo. Dificuldade em me ver sendo orientada por alguém, dificuldade em querer falar sobre esse tema. Eu lembro que fiquei muito na dúvida se eu falaria aquilo que a Psicologia queria ouvir ou se eu ia peitar e bancar uma monografia sobre

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extermínio do jovem negro, que era uma coisa que eu vivenciava naquele momento. Eu fiz a minha monografia em um mês. A minha orientadora viu a minha monografia pronta, ela não acompanhou. Ela fez a revisão da minha monografia, mas isso não foi uma coisa ruim, pelo contrário, isso foi uma coisa muito positiva, porque ela me deu total liberdade para vomitar as palavras que estavam presas em mim. Se fosse com outra não seria dessa forma.

Vera levanta a necessidade não só de visibilizar e problematizar os enfoques

teóricos e epistemológicos presentes em seu curso, como trazê-los mais para perto

das vivências e demandas dos grupos social e racial ao qual pertence e da

problemática dos grupos populares em geral, assim como dos beneficiários das

ações afirmativas implantadas na UERJ. Vera evidencia que para alterar as relações

de poder e saber na sociedade e, especificamente na universidade, não basta que os

negros tenham acesso à cultura universitária como hoje ela está posta e que a

“assimilem” sem uma resistência transformativa. Vera toca talvez nas questões-

chave da cultura universitária, seu currículo, práticas pedagógicas e horizonte

monoculturais. A universidade, por um lado, despreza os conhecimentos produzidos

por grupos raciais não brancos, por outro, ainda existe pouco investimento nas

pesquisas que abordem a temática do negro nos diversos campos científicos.

De outro ângulo, Vera entende que sua experiência universitária é

desenvolvida num ambiente de violência simbólica e, portanto, precisa estar alerta

na tentativa de se defender, o que nem sempre ocorre através do enfrentamento.

A gente que é negro só sobrevive com estratégia. A gente não pode ser burro em momento algum. A gente tem que ser inteligente em todos os aspectos. Inteligente não é você ser o melhor da classe, é você ter estratégia. (...) Eu acho que tem que ter estratégia, você também tem que se armar, porque é uma guerra. A faculdade é uma guerra, porque você está indo pra um espaço que não foi construído pra você, então você tem que lutar pela sua sobrevivência ali dentro. E nem sempre lutar pela sobrevivência é você sair atirando em todo mundo. É você fazer alianças, é você ter uma tática, é você ter uma sedução. Eu li “A arte da guerra”, eu lembro que quando eu estava no último ano do segundo grau, eu ganhei o “Arte da Guerra”, e eu me via muito no “Arte da guerra”, aquelas estratégias de você às vezes recuar, diante de um professor que é mais áspero, ou de você ser um pouco mais aberto com a turma. Eu sempre fui muito assim, tipo, entendia aquilo ali como um campo de guerra, aquilo ali não é um espaço de paz, ali é um espaço de construção saber-poder no campo político. Eu estou ali como uma usurpadora, então eles vão me receber de braços abertos, sorriso nos dentes e facas nas costas, entendeu? Era esse o meu pensamento, então eu fazia aliança com quem estava ali naquela posição como eu, e que tinha noção disso, porque é sobreviver, não é outro termo a não ser sobrevivência.

As dificuldades e desafios elencados nos depoimentos pelos sujeitos da

pesquisa revelam a problemática das desigualdades sociais e as diferenças

culturais as quais estavam submetidos os ex-cotistas. Tais dificuldades estão em

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acordo com as encontradas nas pesquisas que tratam dos “novos” sujeitos que

adentram a universidade na condição de bolsistas ou cotistas de ações afirmativas

(Candau, 2003, Monica Almeida, 2003, Reis, 2007, Salvador, 2008, Queiroz,

2008, Marques, 2010 e Magali Almeida, 2011, dentre outras).

Candau (2003), refletindo sobre as relações entre universidade e diversidade

cultural após realizar a pesquisa Universidade, diversidade cultural e formação de

professores assevera:

o que queremos evidenciar é que as políticas de ação afirmativa referentes ao mundo universitário não podem limitar-se a questões relativas ao acesso de sujeitos anteriormente excluídos ou com desiguais oportunidades e possibilidades de ingressar nesse nível de ensino, mas é a chamada cultura universitária que necessita ser ressignificada para que as questões multi/interculturais passem a impregnar os diferentes componentes do dia-a-dia da universidade (p.89-90). Nesse contexto, é fundamental ressaltar que cabe à comunidade acadêmica

universitária contribuir para o enfrentamento e amenização dessas dificuldades

que, embora não sejam inéditas na UERJ, se exacerbaram com a democratização

de seu corpo discente, através da adoção de ações afirmativas.

O depoimento de Vera (psicologia) talvez desnude o fato de que a UERJ não esta

à margem do racismo institucional, isto é, do racismo como sistema de desigualdades

de oportunidades inscritas na estrutura de uma sociedade (Brasil) e de suas instituições

independe de quem as opera se brancos ou negros. No racismo institucional não se

cogita sobre a intenção, racionalidade ou consciência de discriminar.

Carvalho (2006) trabalha a ideia de confinamento racial do mundo

acadêmico brasileiro e assevera que “na verdade, nossas universidades e nossa

classe docente têm sido parte do problema racial brasileiro. E acredito

sinceramente que somente a partir do momento em que nos enxergarmos como

parte do problema poderemos passar a fazer parte da sua solução” (p.102).

Quanto ao racismo institucional, Guimarães (1999) assevera que,

por volta dos anos de 1960, a ciência social começa a abandonar os esquemas interpretativos que tomam as desigualdades raciais como produtos de ações (discriminações) inspiradas por atitudes (preconceitos) individuais, para fixar-se no esquema interpretativo que ficou conhecido como racismo institucional, ou seja, na proposição de que há mecanismos de discriminação inscritos na operação do sistema social e que funcionam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos” (p. 156).

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Segundo Carmichael e Hamilton (1967), o racismo individual consiste em

atos manifestos contra a vida e a propriedade de um indivíduo orientado por

motivos raciais e se expressa geralmente de forma violenta. O racismo institucional,

por sua vez, orienta-se pelo funcionamento das forças sociais consagradas e

respeitadas pela sociedade, de tal sorte que seus mecanismos de discriminação são

dificilmente percebidos socialmente como um ato de violência que são.

Com o propósito de contornar ou enfrentar os obstáculos que se opuseram à

permanência e ao sucesso universitários, os ex-alunos desenvolveram estratégias,

percorreram caminhos que serão tratados no item que se segue.

4.4 Estratégias de permanência na universidade

A UERJ sempre contou, muito antes da experiência das cotas, com alunos

economicamente carentes demandando por assistência estudantil adequada à

realização de seus cursos. Assim, não seria correto dizer que é com a chegada

desses novos atores universitários que se iniciam as demandas por apoio

econômico aos estudantes.

Na pauta de reivindicação do movimento estudantil na UERJ, nos anos 80

do século passado, já constava a luta por “bandejão”, por moradia estudantil,

enfim, por aportes que dependem de vontade política e de apoio econômico para

que possam ser satisfeitas68.

Dito isso, ressalto que a chegada de alunos negros na condição de cotistas à

UERJ acirra a necessidade de compromisso da universidade e do governo estadual

com políticas de financiamento da permanência desses alunos para que a política

pública de ação afirmativa adotada possa ter êxito; isto é, que os alunos que

acessaram as vagas, possam concluir seus cursos. Isto porque primeiro, de acordo

com as estatísticas e pesquisas que trouxe à Introdução dessa tese, é possível

afirmar que são os negros que compõem o extrato racial mais pobre69 da

população brasileira e os entrevistados não fogem a essa condição, embora já

existam setores emergentes de classe média ocupados por negros.

68 Vivenciei pessoalmente essas lutas, posto que, fui presidente do Centro Acadêmico de Direito – CALC e do Diretório Central dos Estudantes da UERJ à época de minha primeira graduação. 69 A pobreza tem outras variáveis, por exemplo, gênero e região do país.

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Segundo, a existência de um recorte de renda adotado pela legislação

aplicada na UERJ de 2004 para cá, daí todos os estudantes que concorreram às

vagas destinadas às cotas se situam nas camadas sociais de baixa renda70, assim

reconhecidos inclusive pela própria universidade.

Por último, o depoimento de dez dos dezesseis egressos entrevistados

ressaltou que, foram as dificuldades de ordem econômica as que, prioritariamente,

vivenciaram.

A presença universitária dos sujeitos dessa pesquisa foi sendo construída

paulatinamente e, para alguns, esteve ameaçada num determinado momento ou

mesmo durante todo percurso universitário. Entendo que a discussão sobre a

presença dos ex-alunos negros cotistas na UERJ, passa necessariamente, por essas

construções de permanência, com variáveis múltiplas e complexas, especialmente,

as ligadas à realidade socioeconômica dos alunos, à hierarquia dos cursos

universitários, à discriminação racial ao pertencimento a redes de apoio dentro e

fora da universidade.

É possível distinguir dois caminhos básicos trilhados pelos ex-cotistas que

construíram sua permanência no curso universitário. Essas estratégias não devem

ser tomadas e entendidas separadamente. Cada uma tem um “peso” específico e

variável para cada aluno e ajudaram a construir o sucesso de todos eles.

Tais caminhos têm afinidades com os encontrados na literatura sobre

sucesso escolar de alunos universitários de camadas populares, especialmente em

Zago (2006), de camadas populares e negros em Teixeira (2003), e nas recentes

pesquisas sobre a presença desses alunos nas universidades, como a de Castro

(2005), Silva (2006), Reis (2007), Rocha (2007) e Salvador (2008), dentre outras.

Ressaltamos que os recursos dos quais lançam mão os ex-cotistas

respondem de um modo particular às muitas dificuldades materiais e simbólicas

por eles enfrentadas na universidade.

Tratarei de dois caminhos não excludentes que favoreceram a permanência e

conclusão dos cursos, pelos ex-cotistas: a condição de estudante trabalhador e o

pertencimento a diferentes redes de solidariedade.

70 Tema abordado no Capítulo 3 desta Tese. Para se candidatar às vagas reservadas para negros, é necessário comprovar a renda familiar per capita, valor estabelecido no edital do vestibular, como também e exigida a autodeclaração de cor.

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Perguntados como financiaram sua experiência universitária, dos dezesseis

entrevistados, seis afirmaram que trabalharam durante todo o período

universitário, Vera (psicologia), Elza (pedagogia), Luciana (c.sociais), Isac

(direito), Januario (direito) e Dora (direito), três que trabalharam parte do tempo

em que estiveram na universidade, Jane (matemática), Amanda (direito) e Pedro

(pedagogia) e os demais afirmaram que não trabalharam durante seus cursos,

Debora (história), Edda (s.social), Angela (direito), Mateus (pedagogia), Tadeu

(letras), Atila (c. biológicas) e Patricia (odontologia).

A condição de estudante trabalhador foi vivida por seis entrevistados

durante todo o curso e por três deles em parte do tempo em que cursaram a

universidade. É importante notar que não se trata de uma escolha voluntária, mas

de uma necessidade de sobrevivência e também de permanência no curso. O

estudante trabalhador é aquele que conjuga, concilia, o tempo dedicado aos

estudos com o tempo dedicado ao trabalho.

Zago (2006) afirma, quanto ao financiamento dos estudos, que os estudantes

universitários oriundos de camadas populares se constituem em estudantes parciais

(p.8), posto que, concomitantemente desenvolvem atividades de trabalho e estudo

tanto no Brasil como em diferentes países. Zago em sua pesquisa assevera:

Desde o início do curso superior, os entrevistados, em sua totalidade, exercem algum tipo de atividade remunerada em tempo integral ou parcial. Alguns são trabalhadores-estudantes, com uma atividade que absorve muitas horas diárias, e por isso mesmo estabelece forte concorrência com os estudos. Outros têm uma carga horária mais flexível, em serviços prestados dentro da própria universidade, em forma de bolsa de treinamento, estágio ou iniciação científica, em tempo parcial de vinte horas semanais (2006, p.9).

Note-se que, para a autora, também os bolsistas se constituem em

estudantes parciais que exercem alguma atividade remunerada em tempo parcial.

Patricia (odontologia) e Atila (c. biológicas) estudaram em período integral

e, portanto, não tinham horário disponível para o trabalho.

Edda (s.social), Angela (direito) e Mateus (pedagogia) buscaram estágios

remunerados com o propósito de se manterem financeiramente na universidade.

Não olvido que o estágio, mesmo quando na modalidade não-obrigatório, pode

trazer vantagens educacionais e profissionais por construírem um currículo “mais

favorável quando o jovem deixa a universidade” (Zago, 2006, p.9), além de

motivações à realização dos cursos universitários e, em algumas circunstâncias ser

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encarado como um espaço de poder, entretanto, por vezes, a diferença entre

estágio remunerado e trabalho é tênue no que tange às obrigações do estagiário.

Pode ocorrer de fato uma relação de trabalho, dissimulada em estágio, posto

que, as obrigações trabalhistas não incidem numa relação de efetivo estágio.

Visando coibir esse tipo de fraude, foi promulgada pelo ex-presidente Lula, nova

Lei Federal do Estágio, Lei 11.788 de 2008, demarcando com riqueza de exigências

a condição de estagiário da condição de empregado71. Quando perguntada como se

mantinha financeiramente na universidade, se havia trabalhado, Edda (s.social)

afirmou que não trabalhou, mas que estagiou. Entretanto seu horário diário de

estágio era superior a seis horas, em flagrante descumprimento da Lei do Estágio.

Infelizmente, alguns “estágios” podem ser tão penosos quanto os trabalhos fora da

área de conhecimento dos cursos realizados pelos estudantes.

Somente Débora (história) e Tadeu (letras) não trabalharam ou fizeram

estágios que não fossem os obrigatórios durante seus cursos, embora não

estudassem em tempo integral. Ambos realizaram seus estágios obrigatórios no

Colégio de Aplicação da UERJ.

Há momentos onde os ex-cotistas são trabalhadores, bolsistas e estagiários

exclusiva, sucessiva ou concomitantemente. É certo que os egressos, acumularam

em determinados momentos de seus cursos trabalho com estágio, trabalho com

estágio e bolsa e bolsa com estágio.

O turno em que estudaram (manhã, tarde ou noite) dependeu da combinação

dessas três atividades trabalho, bolsa e estágio, sendo certo que foi modificado

algumas vezes com o propósito de permitir o acerto delas com a frequência às aulas.

Os alunos que são trabalhadores desenvolveram atividades no contexto das

relações formais ou informais de trabalho. São trabalhos informais: venda e

entrega de quentinha, venda de produtos Natura e Avon, tradução de textos, fazer

artesanato e trançar cabelos. Foram trabalhadores formais, por exemplo, Januário

71 Por exemplo, temos o determinado pelo Art. 7o São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos: I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar; Ainda o previsto no Art. 10§ 2o Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.

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(direito), Dora (direito) e Pedro (pedagogia) e informais, Elza (pedagogia) e

Luciana (c.sociais).

Januário (direito): Assim que eu entrei, trabalhava oito horas numa empresa particular em Botafogo. Dora (direito): se eu não trabalhasse eu não faria faculdade. Não tem como o aluno que tem uma renda baixa que não trabalhe, que não tenha renda, sobreviver com a bolsa, não tem como, é impossível. Pedro (pedagogia): Eu entrei na universidade trabalhando. Eu tinha me formado no normal, no meu último ano de normal eu tinha ido para uma escola onde eu fiquei trabalhando como professor, e trabalhei até o meu terceiro período que foi quando eu saí, porque aí eu recebi proposta de entrar na bolsa de pesquisa e eu larguei o trabalho pra ser bolsista (de iniciação científica). Elza (pedagogia): Durante o curso eu comecei assim: eu trabalhava em casa como autônoma, minha mãe fazia comida, essas coisas assim e a gente entregava. Luciana (c. sociais): Eu sempre tive trabalho informal, assim, eu sou trançadeira.

A universidade conta com diferentes bolsas de variáveis naturezas. O aluno

cotista a partir de 2004, depois de muita luta com a reitoria e desta com o governo

do estado, passou a receber uma bolsa específica72 chamada de bolsa permanência,

também conhecida como bolsa-auxílio que é conferida pelo Programa de Iniciação

Acadêmica – PROINICIAR desenvolvido pela Sub-reitoria de Graduação. A bolsa

permanência em 2004 tinha o valor de R$190,00 e foi majorada em 2008 para

R$300,00, valor que até hoje possui. Somente a partir de 2008, com a promulgação

da Lei estadual 5.346, a bolsa passa a ser devida durante todo o curso universitário,

posto que, anteriormente, tinha a duração de um ano.

À exceção de Januario (Direito), que esteve impedido de receber quaisquer

bolsas universitárias por conta de seus vínculos empregatícios e de Patricia

(Odontologia), que desconhecia a existência da bolsa permanência para cotistas73,

os demais quatorze entrevistados receberam essa bolsa específica e reconhecem

que ela foi de fundamental importância para sua permanência na universidade.

Patricia (odontologia) foi também bolsista da universidade, todavia, de outro tipo

de bolsa. Assim dos dezesseis ex-cotistas, quinze vivenciaram a condição de

bolsistas da universidade, recebendo bolsas de diferentes categorias como as

72 Alunos não cotistas não recebem essa bolsa, embora possam receber outros tipos de bolsa. 73 Ela tomou ciência da existência dessa bolsa durante a entrevista e afirmou “a gente fica muito isolado na odonto...”

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referentes à condição de cotista, quatorze alunos, assim como as bolsas não

específicas para alunos cotistas como as bolsas de IC, as de extensão universitária,

entre outras, todas fundamentais à conquista de suas formaturas.

Na UERJ, de acordo com suas normas reguladoras, a bolsa permanência pode

ser acumulada com outras bolsas referentes aos estágios externos obrigatório e não-

obrigatório, desde que o beneficiário mantenha a condição de carência sócio-

econômica. É somente a partir do Ato Executivo número 008 de 2011 (anexo 7.2.7)

que essa acumulação deve observar o limite de carga horária máxima de 30 horas

semanais e 06 horas por dia74. Por outro lado, é vedada a acumulação da bolsa do

PROINICIAR com outra que também seja paga pelos cofres da UERJ, assim como

a acumulação de duas bolsas pagas pelos cofres da UERJ.

Conforme já exposto no item 3.2., as bolsas oferecidas pelo PROINICIAR

obrigavam o cotista a realizar atividades específicas. Perguntados se realizaram

alguma atividade ou curso no PROINICIAR, dos quatorze entrevistados que

usufruíram dessa bolsa, um respondeu que não lembra (Elza - pedagogia), dez

afirmaram que realizaram e três não realizaram a contrapartida (Angela - direito,

Luciana – c. sociais e Vera - s. social).

Tabela 6: Atividade/curso desenvolvido no PROINICIAR.

Ex-aluno Curso Atividade/Curso

Atila C. Biológicas

Literatura e interpretação

Elza Pedagogia Não lembra Pedro Pedagogia Língua Portuguesa

Mateus Pedagogia Inglês instrumental

Isac Direito Português instrumental

Amanda Direito Pesquisa eleitoral Angela Direito Não fez

Dora Direito Atividades fora da

UERJ com entrega de comprovante

Januario Direito Não fez Debora História Inglês instrumental

Jane Matemática Oficina de geometria Luciana C.Sociais Não fez

74 Ato do Reitor em conformidade com a Lei Federal de Estágio, 11.788 de 2008.

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Tadeu Português-literatura

Italiano instrumental e Oratória

Vera Psicologia Não fez

Edda S. Social História do samba e História dos negros no Rio de Janeiro

Patrícia Odontologia Não fez

Os entrevistados que realizaram as atividades do PROINICIAR disseram

que assim procederam porque o recebimento da bolsa exigia, isto é, fizeram

porque obrigados. Dois dentre eles gostaram das atividades, Atila (c.biológicas) e

Edda (s.social). Pedro (pedagogia) disse que achava em absurdo comparecer à

UERJ aos sábados para realizar as atividades. Os demais não revelaram prazer ou

desprazer com as mesmas, denotando que foram desinteressantes.

Os depoimentos relatam extrema dificuldade em permanecer no curso no período

“entre bolsas”, isto é, ao final do período de vigência de uma bolsa (geralmente a de

permanência) até ser selecionado para outra, afirmaram enfaticamente a importância

desse aporte financeiro para a permanência em seus cursos.

Mateus (pedagogia), por exemplo, recebeu a bolsa permanência destinada

aos cotistas durante um ano. Com o fim dessa bolsa foi selecionado para monitor

no Laboratório de Informática da UERJ recebendo bolsa e, posteriormente, obteve

uma terceira bolsa, de IC. da FAPERJ, que usufruiu concomitantemente com a

segunda. Juntas essas duas bolsas lhe exigiam 34 horas semanais de trabalho, ele

afirmou “eu saía de casa 5 horas da manhã e chegava em casa meia noite”.

Edda (S.Social) recebeu a bolsa permanência durante 6 meses.

Posteriormente foi selecionada para bolsa do PET- Programa de Educação

Tutorial do MEC. Tadeu (Letras) recebeu por um ano a bolsa permanência, ficou

um ano sem bolsa, dependendo exclusivamente da ajuda materna para continuar

os estudos e no ano seguinte foi selecionado para bolsa de IC.

Por vezes a obtenção da bolsa universitária75 que exige 20 horas semanais e,

geralmente tem maior flexibilidade de cumprimento do horário, quando

comparado ao trabalho realizado fora da universidade, transforma-se em uma

vantagem para o aluno. Para além da questão objetiva, financeira, em alguns

casos, notamos que a condição de bolsista fortaleceu o vínculo do aluno com seu

75 Não se trata da bolsa permanência.

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curso motivando sua permanência. Zago (2006) ressalta que “em geral esses

estudantes permanecem toda a jornada na universidade e apropriam-se com maior

intensidade da cultura acadêmica” (p.9).

Pedro (Pedagogia): Acho que depois que a gente entra na pesquisa, é, amplia. Primeiro a possibilidade de estar num espaço, você poder se dedicar mais a estar dentro da universidade. A conhecer os trâmites da universidade, que você conhece todos aqui dentro (da pesquisa).

Por outro lado, a condição de bolsista, ressaltando que não se trata da bolsa

permanência, favoreceu aos alunos o acesso a um ou mais desses capitais:

computador, publicações recentes, cópias e Congressos. Foi o caso de Vera

(psicologia), Debora (história), Luciana (c.sociais), Pedro (pedagogia) e Tadeu

(letras), Atila (c. biológicas) e Marcos (pedagogia). Esses aportes foram

determinantes na construção do sucesso desses alunos, posto que, ao receberem

outra bolsa que não a de permanência, puderam fazer economia, por exemplo,

com as fotocópias que puderam tirar na conta da pesquisa ou do estágio interno, o

que não era pouca coisa, afinal nove entrevistados disseram não ter comprado

livros durante o curso76. Dá mostra da importância dessas bolsas o depoimento de

Marcos (pedagogia), “eu trabalhava no laboratório de informática, algumas coisas

eu imprimia lá, lia também lá nos computadores que tinham acesso à internet

porque a professora liberava para a gente usar os computadores quando

precisasse, então facilitou muito”,

Tabela 7: Resumo das atividades de suporte financeiro dos ex-alunos77

Ex-aluno

Curso Trabalho e natureza

Bolsas

Valor em R$

Estágios

Vera Psicologia Todo o curso, Formal e/ou informal

Bolsa-Auxílio e Bolsa pesquisa Faperj

190,00 190,00

Sim, remunerado numa ONG (R$300,00), não remunerado e na UERJ

Jane Matemática Trabalhou por dois

Bolsa-Auxílio Em diversos

190,00 190,00

Sim, colégio particular

76 Só compraram livros: os ex-alunos de direito e, ainda assim, quatro deles disseram que só compraram os códigos por serem absolutamente essenciais, Vera (psicologia) e Patricia (odontologia) também disseram que foram poucos os livros adquiridos. 77 Os valores foram expressos pelos entrevistados à pesquisadora.

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anos no Convênio UERJ/SUS (R$600,00)

Projetos de Extensão Bolsa-estágio interno

190,00

remunerado e na UERJ com bolsa

Débora História Não trabalhou

Bolsa-Auxílio e NUCLEAS

190,00 190,00

Sim, CAP- UERJ, não remunerado

Luciana C. Sociais Todo curso, informal

Bolsa-Auxílio e Bolsa PROAFRO

190,00 240,00

Sim, não remunerado

Átila C. Biológicas

Não trabalhou

Bolsa-Auxílio, Bolsa IC. e Bolsa-estágio interno

190,00 190,00 190,00

Sim, na UERJ, com bolsa

Edda Serviço Social

Não trabalhou

Bolsa-Auxílio e Programa de Educação Tutorial

190,00 190,00

Sim, remunerado

Ângela Direito Não trabalhou

Bolsa-Auxílio

190,00

Sim, remunerado

Januário Direito Todo o curso, formal

Convenio AMIL/UERJ

Salário mínimo

Sim, não remunerado

Dora Direito Todo o curso, formal

Bolsa-Auxílio

190,00

Sim, Escritório Modelo, não remunerado

Amanda Direito Sim, formal, parte do curso

Bolsa-Auxílio e Bolsa pesquisa

190,00 190,00

Sim, remunerado

Isac Direito Todo o curso, formal

Bolsa-Auxílio

190,00

Sim, remunerado

Pedro Pedagogia Sim, formal, parte do curso

Bolsa-Auxílio e Bolsa IC.

190,00 300,00

Sim, remunerado e não remunerado

Mateus Pedagogia Não trabalhou

Bolsa-Auxílio, Bolsa-estágio interno Complementar e IC. Faperj

190,00 190,00 300,00

Sim, na UERJ, com bolsa

Elza Pedagogia Sim, informal e

Bolsa-Auxílio

190,00

Sim, remunerado

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formal Patricia Odontologia Não

trabalhou Bolsa do NESA/UERJ

190,00

Sim, SESC (R$300,00)

Tadeu Letras Português – Literatura

Não trabalhou

Bolsa-Auxílio e Bolsa IC.

190,00 190,00

Sim, CAP-UERJ, não remunerado

Com esses aportes, trabalho, bolsas e estágios, os sujeitos dessa pesquisa

asseveram que tiveram dificuldades econômicas para se manter na universidade,

mas no dizer de Isac “a gente que é acostumado a tirar leite de pedra no decorrer

da vida, já viu os pais fazendo isso, vai levando”.

O custeio das passagens saía muito caro. Nem sempre eram somente duas

passagens, para alguns eram quatro as passagens. Edda (s.social), Atila (c.

biológicas) e Jane (matemática) mudaram para mais perto da UERJ para

economizarem nas passagens e na alimentação já que poderiam se alimentar em

casa. Luciana (c. sociais) fez menos disciplinas em determinados semestres para

não precisar ir todos os dias à UERJ78. Tadeu (letras) trocou o metrô pelo trem,

embora o achasse muito perigoso. Alguns depoimentos relatam “jeitinhos”

visando amenizar essa despesa: “tinha uns esquemas de ir com o uniforme de

escola pública”, “ter carteirinha falsa”, aluguel de Rio Card alheio e outra

estratégia utilizada foi a inscrição em curso profissionalizante que não se

pretendia freqüentar, com o propósito de receber o Rio Card que era utilizado até

ser desativado quando far-se-ia nova inscrição.

Além das demandas por transporte e cópias, outra importante necessidade

era a alimentação. Perguntados como faziam para se alimentar, alguns ex-alunos

traziam seus alimentos de casa, outros lanchavam na UERJ dependendo do

dinheiro em mãos, como Isac declarou,

trazia lanche de casa. Lá em casa a gente comprava mais pão, cortava o pão, manteiga, o que pudesse colocava, mortadela, de vez em quando um presunto e colocava na bolsa e à noite eu comia isso, bebia água e comia assim. Depois quanto eu comecei a estagiar, os estágios de direito têm valores legais, então já dava para pedir um lanche aqui dentro (da UERJ), eu sempre buscava uma lanchonete baratinha, um salgado e um refresco. Quanto à alimentação, o maior problema não era o lanche porque, na pior

hipótese, no dizer de uma entrevistada, “a gente juntava as moedas e comprava um

78 Luciana levou quinze semestres para concluir seu curso.

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pacote de biscoito”. O maior problema se constituía na necessidade de almoçar para

aqueles alunos que ficavam dois turnos na universidade por conta das atividades de

bolsista e das aulas. Sem dinheiro, o expediente dos ex-alunos foi frequentar o

chamado “Restaurante Popular do Garotinho” que funcionou nas dependências do

Maracanã e custava R$1,00 a refeição. Tadeu (letras), Jane (matemática), Vera

(psicologia), Atila (c. biológicas) e Marcos (pedagogia) se referiram a essa

estratégia. Tadeu declara que os alunos da UERJ se encontravam lá:

teve um momento em que aqui no Maracanã tinha o Restaurante do Garotinho. Nos primeiros anos a qualidade era muito boa, todos os alunos iam para lá. Eu encontrava muitos alunos de outros cursos, então a gente comia muito lá, ai teve um momento que eu parei porque a qualidade caiu muito, resolvi só trazer biscoitinho, lanchinho. Reis (2007) na pesquisa que desenvolveu com os alunos cotistas da UFBA

afirma:

o Programa de Bolsa-Alimentação está cada vez mais escasso e a UFBA não tem um Restaurante Universitário (RU) que venda alimentação mais em conta. Nas entrevistas individuais, muitos estudantes disseram que tentaram o auxílio-alimentação, mas não conseguiram. Assim, um método muito utilizado é visitar um colega na Residência Universitária no horário de almoço e dividir a alimentação a que este tem direito como residente.

O segundo caminho que construiu a permanência e o êxito acadêmico dos

ex-cotistas negros foi o pertencimento a diferentes redes de solidariedade.

Teixeira (2003) visualiza a formação dessas redes e as chama de redes de

relações. Tais redes, no entender da autora, são fundamentais ao acesso e

permanência de estudantes negros que ascendem ao ensino superior. A integração

numa rede orienta e preserva o projeto dos agentes na universidade na forma de

financiamento de boas escolas, cursinhos pré-vestibulares, gastos com transportes,

alimentação e incentivos morais. Essas redes são responsáveis por ajuda mútua e

contribuem para o êxito acadêmico de alunos negros e/ou de baixa renda.

Nas pesquisas que tratam das trajetórias de negros que ascenderam

socialmente, como no caso dos docentes negros, é possível afirmar que é ponto

comum em todas as narrativas, o fato de que sem esta rede de apoio financeiro,

intelectual, afetivo e familiar, esses sujeitos não teriam alcançado o sucesso

acadêmico, profissional e pessoal, conforme trabalhos recentes de Ednailda

Santos (2010) que pesquisou docentes da UFAM (Universidade Federal do

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Amazonas) e de Yone Gonzaga et al (2009) que pesquisaram docentes na UFMG

(Universidade Federal de Minas Gerais).

Teixeira (2003) assinala que “tanto indivíduos quanto grupos – entre eles

pode estar a família – podem ser considerados como unidades de formação de

“redes” que conduzem determinados indivíduos a contornar obstáculos, tanto de

origem socioeconômica quanto racial, e realizar trajetórias de ascensão” (p.198).

Reis (2007), quanto às estratégias de permanência na universidade,

encontrou, especialmente, o auxílio da família,

em muitos casos, esses estudantes negros são os primeiros da família a ingressar na Universidade. Então, a família se reúne para ajudar nos custeios de sua manutenção, sobretudo quando o jovem ingressa em cursos de alto prestígio. A Universidade é, para essas famílias, uma possibilidade concreta de mobilidade social e, conseqüentemente, a garantia de um futuro melhor (p.59). Destaco que dos dezesseis sujeitos pesquisados, apenas dois, Januario e

Dora ambos do Direito, não contaram durante seus cursos, com suporte financeiro

de parentes como mãe, pai, irmãs e tios, fundamental para a permanência e

conclusão do curso dos demais quatorze ex-alunos. Esses dois entrevistados

trabalharam de modo formal durante todo o curso universitário para a manutenção

de seus cursos e famílias.

Dora tinha, dentre os entrevistados, a maior jornada de trabalho, 9 horas,

depois das quais ela pegava o ônibus lotado para a faculdade, e inexoravelmente

chegava atrasada. Ela destaca o apoio da família “nossa, ela passou! E aí eu tinha

apoio. Porque eu chegava em casa mal humorada, chegava em casa onze horas da

noite e eu comia deitada na minha cama, eu jantava deitada. E aí assim eu tinha

minha mãe, meu pai, meu avô pra me aturar e falar: Não, calma, vai passar, falta

pouco. Você vai conseguir!”

Mateus (pedagogia) também se referiu aos incentivos morais recebidos da

família. Teixeira (2003) nomeia essas frases de incentivo “psicológico-emocional”

e afirma que em muitos casos essa postura dos pais são consideradas muito

importantes na trajetória de ascensão dos filhos.

Vera (psicologia) se referiu ao pai como grande incentivador de seus estudos.

Em termos de estudos meu pai nunca deixou faltar nada. Nada, nada, nada. Se eu precisasse de um livro, “Pai, não estou com grana pra comprar, me ajuda”, ele prontamente. Inscrição pra não sei o que, “Pai, preciso comprar a passagem porque a bolsa atrasou”, eu tenho um pai, entendeu? Coisa que muita gente infelizmente

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não tem. Mãe também, mas o meu pai, em termos de estudo, até hoje ele paga o meu Francês. Eu fiz Francês a graduação toda, ele sempre investiu na gente. A gente mora no morro e ele fala: “A gente mora na favela pra poder investir em vocês”. É um caso atípico, minha vida não é muito igual a da maioria, né?

As redes de solidariedade são compostas por diferentes sujeitos e reúnem

familiares, colegas de classe e da universidade, professores e amigos externos à

comunidade universitária. Além dos sujeitos serem múltiplos, também o são os

apoios oferecidos aos alunos depois que acessaram a universidade, tais como,

doação e empréstimo de dinheiro para os diversos gastos com o curso, dormir na

casa de um colega ou ir morar na casa de parentes, “dividir” uma moradia na

Mangueira com colegas de outros cursos, tirar fotocópias no trabalho para o

colega de classe, compartilhar o material didático, estudar junto para tirar dúvidas

e apoio motivacional, conforme os depoimentos a seguir Amanda (Direito) - Tudo vinha dos meus pais. Edda (S. Social) - Por a gente vir do mesmo local social, a gente se ajudou muito, porque a gente sabia o quanto era difícil... Daniela - Ajudou como? Edda - Trazendo a Xerox porque a outra trabalhava, emprestando dinheiro, indo dormir na casa de uma... Deborah (História) - Então havia, eu vou te falar, esses colegas todos que fizeram o curso comigo, algumas pessoas trabalhavam em firmas por aí, então xerox, por exemplo, um amigo meu sempre copiava para mim no trabalho dele e trazia, esse tipo de ajuda que eu recebia. Às vezes eu não tinha o dinheiro para vir aí eu ligava para uma amiga e dizia: "olha eu vou arrumar para ir, você arruma para eu voltar para casa?" Ela: "arrumo, pode vir" e com isso eu tive quase que 100% de frequência, e foi assim, mas foi duro.

Jane (matemática) e Debora (história) explicitam que sem o apoio de alguns

colegas de classe teriam desistido dos cursos79, que o “estudar juntos” foi fundamental

à superação das dificuldades acadêmicas que tiveram. Patricia (odontologia) e Isac

(direito) também se referem aos colegas de classe como importantes às suas dinâmicas

de estudo. Isac (direito) quando relatou suas dificuldades financeiras se lamentou por

não poder ter acesso ao computador fora da UERJ já que sua classe tinha uma

comunidade virtual onde diariamente trocava informações.

A cor/raça pode aparecer como única condicionante para a participação nas

relações/redes de solidariedade na universidade, independente até da condição de

cotista, como no caso de um coletivo de alunos existente na UERJ - o Enegrecer80,

79 O grupo de estudos de Jane era formado por nove alunos, o de Debora, por três. 80 Nome fictício de grupo do movimento negro estudantil situado na UERJ.

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mas frequentemente, ela aparece como um fator concomitante com outros,

especialmente os ligados à condição social dos alunos. Um exemplo disso é o fato

de alunos cotistas negros e/ou de baixa renda e/ou oriundos de escolas públicas de

diferentes cursos irem juntos ao restaurante popular do “Garotinho”81 para

almoçarem por R$ 1,00, o que lhes era de muita ajuda.

É certo que esses alunos encontraram formas de se reconhecer pela pertença

racial e, a participação nos grupos ligados ao Movimento Negro é uma estratégia

de preservação e luta contra o racismo institucional da UERJ.

Além da pertença racial os alunos também se aliaram tendo em vista à

pertença socioeconômica e/ou por serem oriundos de escolas públicas e a partir

dessa rede de relações (Teixeira, 2003) garantirem suas formações e formaturas.

Os cursinhos préuniversitários para negros e carentes já vêm construindo

laços de solidariedade entre os estudantes negros e os demais sujeitos

subalternizados socialmente.

Reis (2007, p.62) reconhece a importâncias dessa estratégia também na

UFBA, onde os alunos se reuniam no Núcleo de Estudantes Negros Universitários

(NENU) e faziam mutirões para se alimentar: levavam marmitas, frutas e outras

coisas e dividiam entre si, também dividiam os textos fotocopiados, se ajudavam

na área de informática dentre outras.

Quanto à pertença racial, o depoimento de Luciana (c. sociais) que

participou de dois grupos ligados ao movimento negro no período em que estava

na UERJ os quais foram decisivos à sua formação pessoal, a permanência no

curso e terminalidade deste é esclarecedor:

Luciana (c. sociais) - Se eu não estivesse no Movimento Negro, acho que eu nem me formava. Não me formava. Daniela - Não? Luciana - A universidade é muito violenta, é muito agressiva, sabe? Inúmeros colegas meus, eu percebi que saíram, eu não falei isso, mas saíram. E às vezes nem é por questão econômica não, é por não se sentir bem no espaço acadêmico. E quando você está no movimento negro, é um espaço que você tem, que você vê que não é só você, sozinho. E o movimento negro, os dois que eu fiz parte, tem a questão de formação a partir de textos, então você lê, e vê que você também passou por isso. E tem o outro (negro) que passa na UFF, na UFRJ, e você passa na UERJ. Então, experiências comuns, fortalecimento. É que nem os terreiros de candomblés,

81Durante poucos anos o restaurante popular funcionou dentro do Maracanã, muito próximo à UERJ.

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que são as nossas primeiras... Pra estar vivo, pra continuar dentro de um período de opressão, é a união entre negros. Isso aí é fundamental. Pra ser a Luciana que eu sou hoje, pra escrever o trabalho que eu escrevi (monografia), estar nesses movimentos, foi assim. De entender, enquanto mulher negra, de entender a minha existência. Se eu não estivesse lá, estaria muito perdida, muito mal, sabe? Porque o Movimento Negro, ele não é só um movimento reivindicativo, de criticar e denunciar o racismo. Ele é um movimento de formação do sujeito e que é muito importante. Ele te forma mesmo, ele te faz entender quem você é, a partir de histórias que não são colocadas, que é pra você entender, sabe? Faz entender suas origens, e tudo é muita informação, e você ganha muito acúmulo, muito rápido.

Quanto à importância dessas redes, Maria Alice Gonçalves (2010) afirma que:

um dos espaços políticos e de sociabilidade eleitos para a construção da identidade negra na universidade é o movimento estudantil. Desde a adoção do sistema de reserva de vagas, são crescentes os grupos de estudantes negros que, por meio da valorização das culturas diaspóricas e do combate ao racismo, agrupam-se em novas entidades do movimento estudantil (p.63). Gonçalves (2010) identifica, na UERJ, os seguintes grupos: Coletivo

Denegrir, Grupo Luís Gama e Associação de Alunas Negras Aqualtune.

É possível depreender das falas dos entrevistados que as redes de

solidariedade formadas pelos sujeitos universitários propriamente na universidade

são compostas pelos alunos cotistas, somados aos alunos de baixa renda, aos

oriundos de escolas públicas, negros ou não.

Essas redes têm semelhanças com as que imigrantes criam e participam

como estratégias de ajuda mútua, como identifiquei no trabalho de Figueiredo

(2000, p.16) “favorecendo o estabelecimento e a inserção de novos membros da

comunidade nos seus negócios, ao tempo em que reafirmam a identidade e a

solidariedade grupal”. Parece que alguns ex-cotistas negros na universidade

recorrem às formas tradicionais de solidariedade étnica baseadas no uso de

estratégias coletivas, de que lançavam mão, por exemplo, alguns judeus no Brasil.

4.5 Estudos: quando, quanto, onde e com quem?

Busquei conhecer como os ex-cotistas tinham lidado com a atividade de

estudar, quando a ela se dedicavam, quantas horas em média, onde estudavam e se

essa atividade era desenvolvida solitariamente ou em grupo.

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A exceção de Januário que afirmou ter estudado muito pouco, os ex-cotistas

disseram estudar com freqüência. Afirmaram que seus cursos foram exigentes, que

tinham uma carga de leitura muito grande, muitos trabalhos, exercícios e fichamentos.

Pedro (pedagogia) - você tem que se dedicar mesmo, porque você tem que fazer trabalho, tem que escrever, tem que elaborar aqueles milhões de seminários e apresentações. Os entrevistados declararam que também estudavam nos fins de semana

porque era quando “sobrava” tempo em suas rotinas ou por conta da grande

quantidade de matéria ministrada na semana e que seria “impossível” não ter que

estudar nos fins de semana.

Isac (direito) - No final do curso, eu só conseguia estudar mesmo nos fins de semana, eu estava muito cansado, os estágios estavam começando a tirar o fôlego, a gente já com a carteira da OAB, indo ao fórum, aquela coisa toda, então eu ia nos ônibus cochilando, cochilava às vezes na aula e estudava aos sábados e domingos. A freqüência dos estudos dependeu das atividades de trabalho e estágio, dos

namoros, dos filhos que nasceram e do dinheiro para poder tirar as fotocópias dos

textos.

Marcos (pedagogia) - passava o dia inteiro no estágio, então não tinha tempo para estudar as coisas das aulas, ler os textos das aulas, então eu fazia isso muito no fim de semana e nos horários que dava, no trem, nossa, eu cansei de ler texto no trem, eu desenvolvi a técnica de não prestar atenção em nada relacionado à minha volta. Os ex-cotistas estudavam nas folhas de papel fotocopiadas. É importante

lembrar que nove em dezesseis ex-cotistas afirmaram não terem comprado livros

devido às dificuldades financeiras que enfrentaram. Situação semelhante à

encontrada por Rocha (2007) em pesquisa realizada com alunos negros da UFF. O

pesquisador observou que os gastos com livros desses alunos aparecem como o

menor investimento durante a permanência na universidade, “o que influencia

decisivamente na qualidade de sua formação. A permanência fica condicionada

fundamentalmente a questões como transporte, moradia e alimentação” (p.262).

O número de horas de estudo era variável, todavia aumentavam nas

vésperas das provas ou entrega de trabalhos, como no curso de pedagogia, no qual

esses, no dizer dos entrevistados, em geral substituíam as provas como

instrumento de avaliação. Também ficavam maiores no caso de reprovação em

alguma disciplina como afirmaram Jane (matemática) e Tadeu (letras).

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Jane (matemática) e Patricia (odontologia) talvez sejam as que mais horas

dedicaram aos estudos. Jane afirmou que “entrar pra matemática na UERJ é fácil,

mas sair é uma loucura!”. Estudava diariamente não menos de 3 horas na

biblioteca com os colegas. Depois em casa sozinha também estudava “de perder a

noção do tempo, de virar a noite estudando” e todo sábado estudava com os

colegas de 8 às 13 horas disciplinadamente.

Houve ex-alunos que estudaram sempre sós por gosto (sete), como Luciana

(c. sociais), Vera (psicologia) e Amanda (direito) “Nunca gostei de estudar com

colega” ou por falta de tempo como Dora (direito). Januario (direito) acrescentou

outro motivo. Para ele estudar sozinho seria uma característica do curso. Afirmou

que preferiria compartilhar essa atividade:

Gostaria de poder trocar mais com os colegas, porque eu acho que eu aprendo mais com prática, com discussão, do que só lendo, como a maioria dos que faz Direito estuda, lê, lê, lê, lê, leitura de vários livros e, eu queria discutir, tá estudando, tirando dúvida. Outros ex-alunos, para além do estudo individual, optaram por vontade

própria, pelo estudo coletivo com os colegas de curso com quem formaram

parcerias duradoras como Patricia (odontologia), Jane (matemática), Isac (direito)

e Debora (história) ou eventuais como Edda (s.social).

Quem seriam esses colegas? Os colegas de estudo são “afins”, porque

teriam talvez uma identidade comum de classe, que se revestia em locais de

moradia próximos ou um mesmo objetivo de vida e também porque

compartilhassem a identidade de cotista, não necessariamente a identidade racial.

Sobre a escolha dos colegas com quem estudar, vejamos o depoimento de

Isac (direito) e Debora (história), nesta ordem:

Isac - Eu me associei muito com o pessoal da “terceira idade” e uma galera da zona norte que também curtia estudar e estava ali precisando da faculdade para poder se erguer na vida.(...), Por exemplo, a gente tinha que marcar encontros para estudar, alguns marcavam na casa deles lá no Recreio, pra mim lá no Recreio era inviável! (...), oh galera, a gente vai marcar na sala tal do sétimo andar, do nono, aí quando chegava lá, o pessoal que estava era normalmente o pessoal do Méier, Inhaúma, Pilares... Daniela - Então o local de moradia e a condição financeira eram características desse grupo? Sim, eu acho que a gente pode dizer que sim, talvez o meio, de alguma forma, influencia o caráter em certas coisas, não sei como eu posso dizer isso da melhor

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maneira possível, de uma maneira educada, mas eu acho que o pessoal que, por exemplo, tem algumas pessoas, claro que isso não se aplica a todas, mas de uma forma o meio influencia teu caráter, teu jeito de ser, a maneira de se portar e isso vai toda numa associação, uma repulsa, uma atração natural, eu penso assim. Debora - Nos fins de semana eu aproveitava para colocar as leituras das minhas xerox em dia. Aí depois eu vinha para discutir com minhas colegas, porque nós éramos três, até batizadas das irmãs cajazeiras porque sempre andavam as três juntas, para discutir, porque elas sempre me ajudavam. Eram as três cotistas. O estudo com os colegas ocorreu também de modo involuntário, ou melhor,

provocado pelo professor que determinou trabalhos ou exercícios em grupo como

afirmaram Atila (c. biológicas) e Pedro (pedagogia), mas muito excepcionalmente.

Quanto ao local de estudo além da casa, afirmaram estudar no transporte, no

estágio, na casa do colega, no Parque Laje e nas salas vazias e bibliotecas da UERJ.

É importante destacar a utilização das bibliotecas. Todos entrevistados as

frequentaram82. Dos dezesseis entrevistados, cinco disseram que as utilizaram

muito (quase todos os dias), cinco, medianamente (três vezes por semana) e seis

afirmaram que freqüentaram pouco as bibliotecas. Aos ex-alunos as bibliotecas

serviram: de lugar de estudo com material do aluno ou do acervo da biblioteca,

para estudo individual ou para fazer trabalhos em grupo e, por fim, para pegar

livros emprestados.

Os entrevistados afirmaram que foram bem tratados nas bibliotecas da

UERJ. Januario (direito) que é bibliotecário e, portanto, tem um olhar

diferenciado, profissional, respondeu sobre a qualidade do atendimento que

“faltou um pouco mais de empenho no atendimento, para não ser só empréstimos

de livros, para se fazer uma pesquisa, dar uma atenção maior”.

Dos dezesseis entrevistados, apenas quatro entenderam que as bibliotecas

lhes serviram sem problemas. Os demais estiveram descontentes.

Januario (direito), Isac (direito) e Pedro (pedagogia) reclamaram do horário

de funcionamento das bibliotecas nos seguintes termos:

Isac - No meio da tarde, assim, no período entre uma e quatro horas ela ficava fechada, abria às cinco e fechava às nove, abria de manhã e abria à noite, no meio da tarde ficava fechada durante um bom tempo, depois a gente conseguiu fazer com que a biblioteca ficasse aberta, mas nos dois primeiros anos a gente tinha essa bronca porque era inacreditável, no horários que a pessoa às vezes podia dar uma fugidinha do trabalho, vir aqui pegar, não tinha como.

82 Os entrevistados frequentaram diferentes bibliotecas e não somente as referidas aos seus cursos.

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Pedro - Tive um contato muito pouco com a biblioteca porque é difícil para quem estuda à noite conseguir freqüentar a biblioteca porque ela fechava oito horas da noite, não sei qual era a lógica, nunca consegui entender o porquê num curso que funciona até às dez e quarenta oficialmente, mas até às dez na prática cotidiana. Os sujeitos dessa pesquisa ainda levantaram problemas de ordem

quantitativa, falta de livros para consultar e/ou para levar para casa, mas também

qualitativos como livros velhos, desatualizados.

Debora (história) - muitos livros sugeridos pelos professores nós íamos buscar lá e não tinha. A gente levava a informação ao professor, ele diz que já tinha dado a lista de livros que sugeriu para a biblioteca adquirir e isso nunca acontecia, eu saí daqui ainda estava com o acervo bem defasado. Atila (c. biológicas) - o acervo que é muito limitado. Ele é muito obsoleto. Luciana (c.sociais) - falta muito livro. Se você quiser estudar só pela biblioteca, você não tem condições de fazer isso. Pedro (pedagogia) - tão deteriorados, estão acabados, enfim, um livro muito velho, então você abre o livro, está cheio de ácaro! Angela (direito) - para você estudar na biblioteca tinha alguns exemplares ótimos e atuais, mas para você levar não tinha, porque geralmente as novidades eram um ou dois exemplares.

É inegável que a melhoria das bibliotecas e a criação de locais de acesso aos

computadores foram medidas importantes para os ex-cotistas. Entretanto, ainda há

muito por fazer, medidas internas que a administração da UERJ pode realizar sem

depender do governo do estado.

Parece certo afirmar que disciplina e dedicação aos estudos foram também

estratégias utilizadas pelos egressos que redundaram na permanência e

terminalidade de seus cursos tão díspares em suas estruturas em termos de carga

horária e de nível de exigência.

4.6 Relações com os professores

Quanto às relações que desenvolveram com seus professores, os entrevistados

afirmaram que foram relativamente de boa qualidade: Angela (direito), Tadeu

(letras), Dora (direito), Patricia (odontologia), Jane (matemática), Pedro

(pedagogia), Debora (história), Vera (psicologia) e Elza (pedagogia) consideraram

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“muito boas” ou “boas”, Marcos (pedagogia) afirmou “eu sempre gostei de ter

relação com os professores”, Atila (c.biológicas) classificou-as como “razoáveis”,

Edda (s. social) “boas, tranquilas, com algumas exceções”, Januário (direito)

“distante eu não tinha tempo”, Amanda (direito) “eu não tinha uma relação de

proximidade”, Isac (direito) “de normal para boa. Alguns professores não gostavam

da minha maneira de questionar. Eu tenho um caráter muito inquisitivo”. Perguntei

se chegou a ter algum tipo de confronto com professores e ele respondeu:

Confronto, confronto mesmo foi uma vez só e isso veio muito em reação a uma atividade prática, porque eu já trabalhava com Direito há um tempo e eu conhecia algumas questões que os advogados se utilizavam para ganhar tempo, para prolongar o processo, ou para apressar o processo e esse professor era jurista também e ele fez um comentário a respeito de que, por exemplo, certas questões eram utilizadas pelos advogados por falta de técnica, por falta de estudo. Eu disse não professor, isso é algo deliberado, isso é uma prática deliberada de ganhar tempo, faz parte da prática jurídica, faz parte do dia a dia do advogado, até porque, se ele não fizer isso, um exemplo, pedir mais prazo ou adiar uma audiência próxima da data limite ou entrar com algum Embargo, enfim, e aí ele discutiu dizendo que não, aí me chamou de medíocre e aí acabou envolvendo meu pai e eu acabei discutindo com ele naquela questão, sei lá, depois a gente ficou amigo e tudo. Luciana (c. sociais) já nos primeiros momentos como universitária teve uma

rusga com uma professora conforme já exposto no item 4.2. Não foi a única.

Durante a entrevista Luciana relatou muitas e distintas tensões que permearam

suas relações com os professores, mas também com o curso e o modelo

teórico/ideológico nele desenvolvido. Não pôde cursar uma disciplina porque a

professora não aceitava que comesse em classe e ela precisa alimentar-se de modo

especial devido ao tratamento operatório que tinha realizado. Trancou uma

disciplina duas vezes “porque pra mim era muito difícil estudar Gilberto Freire

com professores extremamente conservadores”. Luciana, militante do Movimento

Negro desde os 19 anos vivenciou processos delicados, desgastantes, para ela

muito violentos. Reproduzo abaixo parte da entrevista onde ela expõe suas

contrariedades e dor.

Luciana - A gente ouvia as análises em sala de aula quando vai estudar a obra de Gilberto Freire. Aquilo é muito violento, você estudar alguns autores, Paulo Prado, aquilo ali me emperrou. Foi um momento que eu me desencantei muito com as Ciências Sociais, que você vê que é um objeto daquilo, você não é um graduando qualquer, você é um graduando que está ali como objeto. Aquilo é muito, muito agressivo. Você é um objeto de estudo, sua cultura, seus atos, o seu modo de falar. Daniela - Todo mundo não é objeto de estudo?

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Luciana - É, mas a questão do negro é diferente. Existe uma antropologia biológica, uma antropologia colonialista, que é voltada para estudar o continente africano, que é voltada para estudar as culturas consideradas não evoluídas, você tem toda uma ciência formulada para dizer que os povos que foram subalternizados e oprimidos são inferiores intelectualmente e culturalmente, enquanto o povo europeu que colonizou brutalmente, massacrou e exterminou milhares de nativos ameríndios e africanos são os superiores e estudar isso como se fosse uma verdade absoluta, sem ter autores críticos. Daniela - Isso é passado no curso dessa forma? Luciana - É dessa forma. E não é porque: “ah, isso aqui vamos entender que é a teoria da época”. Parece ainda o padrão de escola: “você vai escrever o que está escrito no texto. Quando você fizer a prova sobre Casa Grande e Senzala, você vai escrever o que eu falei em aula”. O professor não vai te dar outro autor, você vai lá e traz outro autor e fala: “segundo a perspectiva histórica atual, isso não é assim...”. Porque senão aquilo é colocado como verdade! E como existe o hábito de não estudar, têm pessoas que nem percebem isso na obra, porque só ficam escrevendo o que o professor fala, mas se você for ler a obra, é muito complicado. O prefácio do livro fala que os indígenas trocavam suas mulheres por “espelhinho”, sabe? O prefácio do livro tem isso, no capítulo IV que a gente era acostumada a ser violentada, nós mulheres negras. E aí o professor fala isso em sala de aula, as pessoas estão só copiando, nem ouvem. Eu me vi ali dentro daquele livro, outras pessoas não se viam, então depende muito do seu nível crítico. Então era difícil. Para mim foi dificílimo estudar, porque eu não sabia que prostituição, violência sexual são coisas que são colocadas assim “tá ali porque quer”, sabe? É muito difícil. Luciana precisou de 15 períodos para chegar à formatura num curso

oferecido em 8. Sua trajetória universitária foi permeada de dificuldades outras, é

certo, entretanto, nesse item do trabalho é importante destacar a violência

simbólica da cultura universitária a que estão submetidos alunos negros,

especialmente as alunas negras. São currículos, práticas, ciências e

epistemologias, em geral monoculturais, eurocêntricos, brancos e machistas.

Luciana se viu nos livros e não gostou do que viu e sentiu. Para Luciana alguns de

seus professores estão implicados nessa violência e são também racistas.

Todavia, Luciana encontrou apoio e reconhecimento em outros professores

com os quais “tinha uma relação mais positiva. Mais com professores do que com

professoras”. Ela fala de um professor, “o melhor do curso” e seu favorito.

O professor... era realmente um cara democrático, era um bom professor. Era bem certinho, tinha que estar na hora na aula, mas era um professor que denunciava essa questão do racismo na sala de aula falando sobre as pichações no banheiro83, falando “tem que existir o Movimento Negro84 mesmo, que os negros sofreram”. Foi o professor que eu mais gostei no curso. Um dia eu cheguei na aula e ele falou

83 Houve diversos incidentes na UERJ por conta de pichações racistas nos banheiros dos vários cursos, especialmente, nos primeiros anos de implantação das cotas. Entretanto, elas persistem. 84 Movimento Negro atuante dentro da universidade.

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“Eu quero te falar uma coisa eu quero te elogiar, eu acho muito bonito os seus penteados, não sei o que”. Outra entrevistada que toca nas tensões que permeiam a relação aluno-

professor no tocante à diferença cultural existente entre esses dois sujeitos e à

cultura universitária hegemonicamente eurocêntrica, que nega ou minimiza

vivências de outra matriz cultural, é Vera (psicologia). Ela afirmou:

Quando você é cotista e tem noção da sua condição, você vai querer falar da sua dor, da sua história. Você não vai querer discutir a bomba atômica de Hiroshima. É doloroso? É. O extermínio do judeu lá na Alemanha é doloroso? É. Mas eu quero falar da minha dor, me dá espaço pra falar da minha dor. E aí você não tem espaço. Aí chega na graduação, muitos amigos meus querem se formar e não tem orientador, porque ele quer falar de Filosofia Africana e não tem orientador pra falar de Filosofia Africana. Ele fica ali, batendo cabeça, tendo que se mutilar, falar de um tema que ele não tem o mínimo tesão, a mínima vontade, pra poder se formar. E aí você quer no mestrado se candidatar a alguma coisa, não tem cota, e aí você vai falar do quê? Se o professor quer que você faça eco pra pesquisa dele? Então é isso que eu estou me debatendo nesse momento. A cota é como se ela dissesse assim: “Olha só, tudo bem, os negros continuam tendo o seu lugar. A gente é generoso, deu um pouquinho mais de espaço, mas é só até aqui. Não venha vocês querer entrar pro mestrado e doutorado, que aí vocês vão ser professores, médicos, querer falar com autoridade da dor de vocês, que não pode, entendeu? É só até aqui.”. Uma amiga acabou de terminar a dissertação dela sobre o extermínio do jovem negro em Vitória da Conquista na Bahia, como ela penou pra conseguir terminar isso, que a orientadora dela queria mudar a dissertação dela de cabo a rabo. E o outro querendo falar também da Filosofia Africana está lá sofrendo. Então quer dizer, é como se dissesse pra você: “Vocês podem, mas só até aqui.” Depois não tem mais “papai e mamãe”, cota seria “papai e mamãe” pra ajudar. Vera parece ter se desencantado com o curso por conta do que chamou de

“silencio da psicologia”. Ela afirmou:

em nenhum momento a gente questionou como a formação da subjetividade do negro dentro do processo histórico-cultural brasileiro é diferente, ela tem a suas peculiaridades. Então isso pra mim foi muito chocante. Eu terminei o curso muito revoltada com a Psicologia, com esse silenciamento. E durante todo o curso eu sempre trouxe indagações, desde a Psicologia Jurídica, por que não adota a criança negra, por que a maior parte das pessoas do sistema penal são negros, por que é tão caro fazer psicanálise, não tem psicanalista negro, como você vai fazer uma transferência com uma pessoa que não tem nada a ver com você, outra realidade, tanto aspecto físico quanto social.

Vera e Luciana dão visibilidade à negação do “outro” cotidianamente

perpetrada na/pela cultura universitária. São exemplos de resistência reafirmando

suas identidades de mulher, de cotista, de negra, de classe, num espaço de relações

de poder assimétricas. Por outro lado, é possível constatar nesses depoimentos os

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limites das políticas de ação afirmativa que vimos tratando quando pensadas e/ou

executadas numa perspectiva assimilacionista dos negros, sujeitos das políticas.

Nesse sentido, o acesso à universidade é possibilitado aos “outros”, desde que

sejam como “nós”, isto é, a cultura universitária não é desafiada em sua

configuração historicamente construída. Quem dela quiser participar deve

incorporar seus valores e práticas sem questioná-los. Como salienta McLaren

(2000) “um pré-requisito para juntar-se à turma é desnudar-se, desracializar-se, e

despir-se de sua própria cultura” (p. 115). Nesse contexto, as trajetórias

universitárias desses alunos cotistas ou não cotistas podem se revestir de profunda

violência devido à natureza epistemológica dos conhecimentos produzidos e

ensinados nesse espaço.

Candau (2005 b) afirma que para superar a perspectiva assimilacionista “um

aspecto que para nós é fundamental consiste em penetrar na ótica dos ‘outros’,

destes novos atores, oriundos das camadas populares, em sua grande maioria

afrodescendentes e tendo cursado escolas públicas e pré-vestibulares

comunitários. Supõe colocar em questão o etnocentrismo presente nas relações

sociais e culturais, também no mundo universitário (p.2).

Debora (história) que teve muitas dificuldades para permanecer na

universidade afirmou que recebeu além de incentivos, dinheiro de alguns

professores e que essa ajuda financeira também recebida de alguns colegas de

classe, evitou que trancasse sua matrícula, o que poderia ter sido o fim de seu

sonho de cursar a universidade.

Teve momentos em que eu pensei realmente em trancar, aí então um professor às vezes me via triste assim e “está precisando de dinheiro?” e puxava vinte reais e me dava dez reais, assim. Foi legal, legal isso. Agora houve uma vez que eu pensei em trancar e ele chegou para mim e disse: “não tranca”. Graças a Deus e ao conselho dos professores "não tranca porque todas as vezes que eu vi trancar, nunca mais volta... vai, vai, a gente te ajuda" e foi!

Em outro momento da entrevista, Debora disse que foi adotada pelos

professores que “percebendo suas dificuldades cognitivas” a ajudavam nas

“explicações” e que se sentia bem com esse apoio.

A maioria dos entrevistados afirmou enfaticamente, a qualidade dos seus

professores e suas aulas, como Vera (psicologia) “eu não posso ser injusta de

dizer que não tiveram excelentes professores com excelentes aulas”.

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É possível inferir pela análise das entrevistas que raramente o conjunto dos

professores tocou nos temas “reserva de vagas”, “cotas” ou “cotistas”, os debates

foram escassos. Como afirmou Tadeu (letras) “não houve nenhum momento

específico, durante os quatro anos, do professor fazer esse debate ou sem querer

esbarrar nesse assunto, nunca houve algo parecido”.

Os debates havidos foram concentrados nos primeiros períodos dos cursos e,

à exceção de Isac (direto) e Amanda (direito) que afirmaram que seu professor de

direito constitucional propôs uma discussão em classe sobre a questão das ações

afirmativas e de Pedro (pedagogia) que afirmou que a professora de didática

trouxe textos para a discussão “das ações afirmativas ou especificamente a

questão da cota, eu lembro que foram discussões ferrenhas, as pessoas estavam

com uma raiva tão grande”, todas as vezes que tais temas foram suscitados o

foram por iniciativa dos alunos.

Poucos professores expunham sua posição quanto à política implantada na

UERJ. Daqueles que davam a conhecer sua opinião, a maioria era contrária com

exceções de um professor de Mateus (pedagogia) que lecionava uma disciplina

não obrigatória, eletiva, que defendeu a necessidade de apoio à permanência do

aluno cotista, sendo favorável às cotas e do professor de direito constitucional de

Isac e Amanda, talvez o mesmo professor.

Debora (história) afirmou que não era possível saber a opinião dos

professores quando o assunto surgia em classe, mas imagina que a maioria dos

professores do curso fosse contrária às cotas.

Nunca se posicionaram, contra ou a favor. Era sempre uma incógnita e mesmo a gente perguntando, eles fugiam da pergunta. Não sei se eles temiam algum tipo de coisa, eu sei que eles nunca se posicionaram. Um professor, esse que eu trabalhava que era lá da História, como eu trabalhei com ele três anos, aí eu fiquei sabendo a posição dele e ela era a favor. Agora, eu nem sei se era geral não. Porque a minha impressão pessoal é de que a maioria era contra. Vera (psicologia) afirmou que sua orientadora de monografia, em particular,

se posicionou a favor nos seguintes termos:

“Vera, eu não lembro ter pegado um elevador com gente negra aqui antes das cotas. Não lembro, era tudo branco e é complicado isso, porque a gente vive num país em que a metade da população é negra.”. Ela fez um comentário particular comigo. Isso não era comentado em sala. Quem era a favor não se posicionava a favor em sala e quem era contra também não. Não se falava no assunto.

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Edda (s. social), ao contrário, afirmou que alguns de seus professores se

posicionaram e que eram contrários às cotas.

A gente tinha muita discussão, sobretudo com professores. Cota na UERJ era muito criticado, dentro de sala de aula mesmo e por professores que se dizem de esquerda e que se dizem sabe, socialistas, que se dizem mais avançados, de esquerda, mais progressistas, mas que não conseguiam conceber as cotas como políticas públicas, como políticas afirmativas, de distribuição de renda. Tinha professores que criticavam abertamente o sistema de cotas e os alunos que defendiam, se identificavam enquanto cotistas. Esse debate realizado no início do curso quando os alunos ainda estavam se

acomodando à vida universitária, especialmente no período de implantação das

ações afirmativas na UERJ, isto é, num momento de grande efervescência política

contra e a favor das medidas, num momento de “enxurrada discursiva” contra as

cotas e cotistas, pode ter sido um fardo pesado para aqueles novos alunos. Edda

(s.social) lembrou que, embora não fosse seu caso já que tinha irmãos cursando o

ensino superior, seus colegas cotistas não tinham familiaridade com o espaço

universitário; os cotistas como ela, faziam parte, provavelmente, da primeira

geração que alçou a universidade e, de fato foi essa a realidade dos ex-cotistas

negros da UERJ, nesta pesquisa, 14 dos 16 ex-cotistas são os primeiros a

concluírem o ensino superior, exceção de Isac (direito) que tem pai e mãe com

curso universitário e Patricia (odontologia) que tem mãe também formada no ensino

superior. Vejamos parte do diálogo que travamos nesse momento da entrevista,

Edda - Tinham (os professores) uma postura complicada em relação às cotas, faziam críticas e aluno no primeiro período é um ser tímido, confuso, tá entrando na universidade agora e pra muita gente é um espaço muito grandioso você não consegue nem conceber o que você está fazendo ali ainda, realização muito mais de sonho do que busca profissional, a pessoa talvez fosse o primeiro estudante da família a entrar na universidade. O professor dentro de sala de aula ele é rei, sem dúvida nenhuma, ele é o iluminado, vamos dizer assim dentro da nossa perspectiva de ensino. E aí o cara chega lá, o que ele fala, ele tem a razão, a razão é dele, ele quem publica artigo, é ele tem grupo de pesquisa, é ele que tá naquele espaço de professor. Daniela - Mas o que eles chegavam dizendo? Me conta como era, chegava o professor, aí ele falava o que em relação às cotas? Edda - Ah, de que não era política pública, de que era caridade, de que não sabe se negro precisa disso, aí dava uns exemplos surreais, exemplos de exceções à regra, de que fulano de tal, vamos dizer, alguém que não seja de esporte e cultura, algum negro que tenha ascendido socialmente que não seja por esses dois viés, porque fulano de tal está nesse lugar, estudou, tipo o do STF lá...

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Daniela - Joaquim Barbosa. Edda - Joaquim Barbosa tá lá naquele lugar na dele... Daniela - Ok, não entrou por cotas... Edda - Não entrou por cotas, mas qual a história, qual a trajetória dessa criatura? Uma exceção, quantos Joaquins Barbosas... sabe assim, ele usava um único, a criatura usava um único exemplo pra criticar! Daniela - E aí, o que acontecia na sala? Edda - A turma concordava, ora!

Luciana (c. sociais) também destaca essa realidade, ela afirmou que os alunos

por pertencerem à primeira geração que cursava a universidade tenham medo de se

opor aos professores, “não sabem onde, como recorrer, não conhecem a Secretaria,

o Departamento”. Por outro lado, ela afirmou que sentiu falta de orientação, de

alguém que “apontasse os caminhos” no seu percurso na universidade.

Em seguida indaguei se presenciaram, notaram, perceberam algum

tratamento diferenciado, especial, dos professores em relação aos alunos cotistas.

Todos interpretaram “diferenciado/especial” como prejudicial ou negativo e, em

princípio, todos, com exceção de Luciana (c. sociais) e Vera (psicologia)

responderam que não, que nunca notaram um tratamento não equitativo dos

professores em relação aos alunos cotistas. No entanto, em diferentes momentos

das entrevistas, os sujeitos dessa pesquisa foram narrando situações de tensão

envolvendo os professores e alunos cotistas, não necessariamente eles próprios.

No entendimento de Vera (psicologia) essa é uma questão complexa e de

difícil resposta.

Tem uma matéria que reprovava e reprova todo mundo: estatística. Todo mundo reprovava estatística. Todo mundo, todo mundo, todo mundo. E eu era muito boa em estatística, minha media em estatística era dez, nove e meio. Então assim, eu me lembro da professora muito assustada com aquilo, sabe? Ela, “nossa, você tirou dez!” e isso me incomodava muito, a reação dela, como me tratava, tratava o meu sucesso e como ela fazia uso daquilo. Porque era um campo de saber, da matemática. Imagina, é uma lacuna na vida de muitas pessoas. Então muita gente ficava ali à mercê da professora e ela fazia um uso disso meio perverso mesmo, sabe? Pessoas que não estão com os diplomas até hoje, amigos meus de faculdade estão com o diploma preso, está com a formação presa, por conta de estatística. Eu insisti na pergunta “ela fazia diferença entre cotistas e não cotistas?”, ao que

Vera respondeu me chamando a atenção: “não, eu acho que é aí que está, Daniela! Eu

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acho que a dificuldade da sua pergunta está aí, na dificuldade de você justamente

saber. As coisas não são tão declaradas, então é muito difícil, é muito sutil”.

Luciana desconfiou que alguns professores perseguissem os alunos cotistas,

reprovando-os, especialmente nos primeiros períodos. Ela afirmou que todos os

professores da UERJ, pelo menos das primeiras turmas após o advento das cotas,

tinham uma listagem dos seus alunos e que nela estariam classificados como

cotistas e não cotistas e que ouviu um professor dizer “que eles estavam avaliando

o desempenho dos alunos para informar à Reitoria”. Para Luciana foi através

dessa listagem, que teria publicizado para os professores quem é ou não cotista,

que alguns professores tratavam desigualmente seus alunos em prejuízo dos

cotistas, dando como exemplo um professor do curso de Direito que teria

reprovado a maioria dos cotistas em períodos diferentes, ela ressaltou: “isso não

pode ser coincidência!”

Pedro (pedagogia) afirmou em sentido contrário, que os professores não

trataram seus alunos cotistas de modo diferenciado, posto que “ eles também não

davam conta de quem era e quem não era (cotista)”.

Angela (direito) alegou que seus professores tratavam seus alunos

“indistintamente”, embora percebesse que os mesmos receavam que os alunos

cotistas pudessem “baixar a qualidade do curso” oferecido. Relata que seu

professor de Direito Civil85, no começo também tinha receio de cota e ele foi

homenageado na nossa turma na Colação, no seu discurso falou: eu também fui um

grande aprendiz desse processo, porque no começo eu tinha receio de cair a qualidade do

ensino, de a gente passar por dificuldades. Eu sou uma testemunha viva de que isso não

aconteceu e de que isso foi bom para UERJ.

Para Angela, esse receio se deveu ao fato do professor “não ter podido pela

condição de vida dele, não ter tido a necessidade de conviver com a diversidade,

então também foi uma coisa nova para ele, mas ele se adaptou e aprendeu com

todo processo”.

Por outro lado, ela conta que teve uma professora que “se desentendeu com

uma aluna cotista, tendo sido preconceituosa”. A situação foi a seguinte:

85 O professor de Direito Civil é o único que acompanha a classe durante todo o curso, posto que, sua disciplina é oferecida durante os dez períodos do curso e, nessa qualidade, costuma ter um lugar de destaque entre os alunos.

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a menina só tirava dez e aí ela (a professora) falou assim, ela fez um comentário maldoso dizendo que ela (a aluna) tirava dez porque ela não era cotista, só que a garota era cotista e a menina foi e falou: ‘engraçado que a senhora se acha tão correta e eu sou cotista!’. E isso causou um constrangimento porque ela falou no meio da aula, a gente começando a faculdade, com tantos desafios pela frente, com relação às cotas mesmo, foi no primeiro período, era Introdução ao Direito que ela dava.

Perguntei para a Angela se a aluna cotista era branca ou negra e ela

respondeu que branca. Tratava-se provavelmente de ex-aluna de escola pública e

que por essa condição acessou a vaga de cotista. Angela ressaltou que o aluno

cotista branco não “tinha como ser identificado visualmente” enquanto os negros

seriam identificados de pronto, “visualmente”.

Note-se que, é provável que a professora tenha feito esse comentário porque

sua aluna cotista era branca e, portanto, de acordo com a categoria de Goffman

(2008) trabalhada nesta pesquisa, um aluno desacreditável, isto é, aquele

estigmatizado que tem sua característica distintiva não conhecida ou

imediatamente evidente ou perceptível pelos presentes (idem, p.14).

No momento em que a aluna cotista se declara como tal em sala, ela dá a

conhecer sua marca e, daí por diante, passaria da condição de desacreditável para

a de desacreditada.

Posteriormente, ao longo da entrevista, Angela afirma, talvez em

contradição com o afirmado anteriormente, que havia por parte dos professores

um “preconceito velado” em relação aos cotistas.

Elza (pedagogia) também afirmou não se lembrar de alguma vez ter visto ou

percebido algum tratamento diferenciado dos professores, mas acha que outra

turma teve algum “problema” com um professor: “Não. Eu tenho que me remeter

mais ao primeiro, segundo períodos, eu não me recordo disso, da gente ter tido

algum tipo de problema com isso. Eu acho que na outra turma até teve, mas na

minha turma em especial, não”.

Dora (direito), disse que ouviu um professor dizer em sala que o problema

dos cotistas é que suas notas eram baixas e que tinha dúvidas se conseguiriam

alcançar a formatura, mas Dora afirmou para mim: “aí eu te digo que eu não

conheço nenhum aluno cotista que não tenha terminado a faculdade comigo”.

Dora toca numa questão que sempre aparece nas pesquisas que tratam a presença

de camadas populares e negras nos espaços universitários, qual seja, a pretensa

dificuldade da escrita dos “novos” alunos. Ela relatou que um professor se referiu

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“à dificuldade para escrever português, ele era muito rígido com o português, com

a redação, e aí tinha realmente redações que deixavam muito a desejar. Eu acho

que ele relacionava isso, de certa forma, à cota”.

Amanda (direito) conversou no corredor com um professor, que não

lecionava para a sua turma, ele comentou com ela “que alguns alunos cotistas

tinham algumas dificuldades para assimilar alguns conceitos, vinham um pouco

crus, não sabiam várias coisas básicas de português”.

Na minha pesquisa de mestrado entrevistei 9 professores do curso de Direito

da UERJ e a maior queixa em relação aos seus alunos cotistas diz respeito a uma

pretensa debilidade no uso da língua portuguesa (Valentim, 2005 a).

Tadeu (letras) afirmou que alguns colegas do curso teriam ouvido uma

professora dizer que os alunos cotistas “baixariam o nível do curso”.

Jane (matemática) também afirmou que no seu curso nunca presenciou, por

parte dos professores, tratamento discriminatório aos alunos cotistas, mas afirma

que noutros cursos isso acontecia “ouvi falar do pessoal que faz Filosofia, História,

falavam muito disso”. Eu perguntei: Disso o quê? Jane respondeu “dessa questão do

professor discriminar, falar ‘ah, você é cotista, você não deveria estar aqui’,

entendeu? Mas assim, no meu curso não”. Entretanto, no decorrer da entrevista

falando sobre suas dificuldades durante o curso na disciplina Física, Jane relatou:

Eu estava fazendo Física, tirei três mais ou menos, aí ele (o professor) veio me perguntar se eu era aluna cotista. Falei, ‘sou’. Aí ele pegou e falou que eu tinha que procurar ajuda, ir ao PROINICIAR, porque a UERJ tinha que incentivar “esses alunos cotistas”, falou que a gente vem despreparado aí chega na universidade só tira nota vermelha, coisa e tal, eu falei com ele: “não, não é assim! Infelizmente aconteceu comigo de eu tirar uma nota baixa na sua disciplina”. Edda (s. social) afirmou que teve uma professora, com a qual cursou duas

disciplinas, que sempre se dizia surpresa com as boas notas de seus alunos cotistas

e eu perguntei o porquê e Edda então foi enfática em sua resposta

Por conta das cotas! Aluno cotista é burro, é ignorante, aluno cotista, ele passou como exceção, como se aluno cotista não fizesse a mesma prova que os outros alunos, na verdade a gente passa na prova, mas tem uma reserva de vagas, entendeu? Que aluno cotista é menor. Nessa seleção que eu passei, do PET86, eram quatro vagas, a UERJ toda, o serviço social todo se inscreveu, porque era do primeiro ao quinto semestre que poderia se inscrever. Então não sei, 100 alunos se inscreveram? E aí, quatro vagas e eu passei e mais três, mais duas cotistas passaram, éramos três cotistas e aí no Relatório Final que a gente teve que mandar

86 Programa de Educação Tutorial.

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pro MEC a gente sinalizou isso, né? Que três alunas cotistas passaram o que era bem interessante dentro desse debate universitário que acha que cota é caridade, que os alunos não estão preparados! Atila (c.biológicas), perguntado se percebeu alguma diferença de tratamento

por parte dos professores aos alunos cotistas, afirmou inicialmente que não, que

nunca presenciou tratamento diferenciado ou discriminatório, entretanto, afirma

que seu melhor amigo (branco) perguntou para o professor “se era fácil fazer

estágio com ele e então o professor perguntou se ele era cotista, ele falou: ‘não,

não sou cotista’, e o professor respondeu: então para você vai ser fácil”.

Isac (direito) à mesma pergunta afirmou “Alguns, a maioria não. Acho que de

alguma forma, a questão das cotas com os professores já estava bem resolvida,

alguns talvez, fingiam não se importar”. Posteriormente, afirmou que após as

primeiras correções de prova percebeu que alguns professores tinham “preconceito”

com os cotistas porque sempre suspeitavam que as notas mais baixas da classe se

referissem a esses alunos e que acabariam “rebaixando o nível do curso” porque

“não tinham estrutura acadêmica”. Apontou ainda a existência de outro

“preconceito”, o de classe: “eu vou te dizer que algumas pessoas têm preconceito

com classe baixa de uma forma geral e aí o camarada tinha o preconceito dele que

não somente se aplicava às cotas”. Além disso, Isac se refere a outro tipo de

“preconceito”, o racial. Para Isac, com o passar dos períodos letivos e com o

aumento das notas dos alunos o preconceito racial começou a arrefecer, vejamos:

Eu acho que com o crescimento das notas a gente acabou... Eu acho que aconteceu na UERJ o que acontece de alguma forma no mercado de trabalho, e aí vou falar de uma experiência pessoal: eu comecei a ficar menos negro a partir do momento que eu fui aumentando o meu currículo. Quando eu era técnico em eletrônica comecei a participar de grandes processos seletivos e era aprovado, então eu participava de alguns estágios, quando o cara olhava o meu currículo ele não se importava com a minha questão, se eu era negro, se eu era pobre, ele sabia que eu tinha um currículo para prestar um serviço ali, antigamente não, eu sabia que no processo seletivo havia essas questões, então acho que na UERJ também, de alguma forma aconteceu isso (grifo nosso).

Ficar “menos negro” parece ser uma faceta do “racismo à brasileira”, típico

de uma classificação racial que proporciona certa mobilidade entre os brancos e

negros, permitindo pelo menos duas possibilidades de acordo com Teixeira

(2003): “estar ‘mais para lá’, e mais perto dos brancos; ou ‘mais pra cá’, e,

portanto, mais perto dos negros” (p.100); todavia, essa mobilidade opera dentro de

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limites. Em algumas situações relacionais, em alguns espaços sociais, em alguns

momentos ou circunstâncias alguém poderia ficar “menos negro”, por exemplo,

tendo muito dinheiro, ou casando com um cônjuge branco e Isac levanta mais uma

circunstância que pode “embranquecer” um indivíduo: “aumentar o currículo”.

Para Bernardino (2002) em termos concretos, são encontradas duas

variáveis que interferem significativamente tanto na auto quanto na

alterclassificação dos indivíduos: a escolaridade e o rendimento familiar (p.14).

Conforme Teixeira (2003), o sistema de classificação racial operante no

Brasil, amplo e rico em “categorias e possibilidades que, por navegar entre o

clareamento e o escurecimento do indivíduo acaba por ampliar também, junto

com ele, a gama de possibilidades para a prática de discriminação racial” (p.123).

Januario (direito), perguntado se percebeu que, de algum modo, os

professores tratassem diferentemente os alunos cotistas, respondeu: “não, não teve

isso. O que a gente soube no burburinho é que alguns professores da casa não

quiseram dar aula para turma de cota. Eles simplesmente não pegaram a turma. A

gente soube nos bastidores, que alguns professores disseram: “’não vou dar aula

pra essa turma’”, o que naquele momento foi possível já que as “turmas de cota”

foram as primeiras, hoje essa escolha seria impossível.

Junqueira (2007) problematiza a idéia de que a heterogeneidade da origem

sócio-racial dos alunos produziria a heterogeneidade de rendimentos acadêmicos,

que por fim, colocaria em risco a formação de todos com a queda da qualidade do

ensino. Ele afirma:

A este ponto, por mais que seja óbvio, é preciso lembrar que a crise qualitativa do ensino brasileiro começou no fim dos anos 1970, no ensino fundamental, chegou ao ensino médio no fim dos anos 1980 e se faz presente, desde a década de 1990, no ensino superior. As universidades brasileiras (com ou sem reservas de vagas) se ressentem desse processo. Além disso, cada educador (a) reconhece que o desnível cultural e educacional sempre caracterizou toda sala de aula. As cotas não podem ter criado condições que lhe são anteriores (p.32). Os depoimentos, as situações narradas, ajudam a desnudar o estigma (Goffman,

2008) que acompanhou os alunos cotistas na/da UERJ, o descrédito de que gozaram

na condição de alunos universitários. Sobressai a baixa expectativa dos professores da

UERJ em relação aos alunos cotistas e seus desempenhos acadêmicos (Valentim,

2005 a, Pinto 2006 e Silva, 2010). Representações de professores nesse sentido

podem ser encontradas nas pesquisas que buscaram conhecê-las tanto em relação aos

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cotistas, quanto aos bolsistas, enfim sujeitos das políticas de ação afirmativa (Dauster,

2002, Almeida, 2003, Candau, 2004, Silva, 2010, dentre outras).

Para Vera (psicologia) a questão da discriminação negativa ou de sua

suspeita, em relação aos alunos cotistas por parte dos professores, se assemelhava

ao racismo “é como o racismo no Brasil, não é declarado, entende? É um campo de

guerra que não é declarado. Você está o tempo todo ali sem saber, será que foi isso

mesmo?”. Vera em seu depoimento hibridiza, mescla a condição de cotista com a

de negro e, na minha análise, é fato que estão imbricadas em muitas situações. Os

limites entre ser carente economicamente, ser negro e ser cotista são borrados.

De acordo com Vera, às vezes, alguns professores agiriam com

discriminação racial, mas sempre de modo sutil, não escancarado porque seria

“burrice. É igual chamar alguém de macaco, ninguém vai fazer isso hoje em dia. É

muito difícil, entendeu?

Para Vera, os professores da UERJ, com raras exceções, não confiavam na

competência intelectual e acadêmica de seus alunos cotistas negros, utilizando o

referencial de Goffman (2008), eles seriam desacreditados. Vera recorreu a uma

professora para buscar informações sobre o mestrado e percebeu que a professora

não teria lhe dado crédito como possível aluna do Programa ao dizer:

“para fazer o mestrado você tem que falar outro idioma, inglês ou francês, Au revoir!”, e aí eu agarrei ela e fui falando francês com ela até o corredor. Porque aí ela quis mostrar pra mim o meu lugar, entendeu? É muito sutil. E se você não está preparado para enfrentar essa sutileza, você não se posiciona você recua, porque dói e você não sabe de onde vem a dor, entendeu? Atila (c.biológicas) falou de uma situação que o “marcou” em relação aos

professores:

Final de 2005, eu estava no corredor que estava vazio, segundo andar do Haroldinho87 e eu corri para o final do corredor para pegar minha nota de Zoologia 7, com o professor ..., e aí eu fui cheguei na porta parei e ela estava dando aula aos alunos, depois corri e ela chamou o segurança e enquanto eu estava esperando o professor chegar, encontrei com umas pessoas lá, e perguntaram se não tinha ninguém correndo pelo corredor, porque a professora reclamou que tinha um cara correndo pelo corredor, que tinha acabado de passar e ela saiu da sala para chamar o segurança e todo mundo falou: Não! Ninguém passou! E daí eu falei que fui eu que passei porque eu sou aluno daqui e tudo mais, depois, em 2007, eu fui aluno dessa professora, fui um ótimo aluno dela e ela me aceitou como aluno de Iniciação Científica e fiquei todo o ano de 2007 com ela super bem.

87 Prédio onde é ministrado o curso de ciências biológicas.

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É possível que a professora tenha saído de sala e chamado o segurança porque

suspeitasse que o rapaz negro correndo pelo corredor não fizesse parte da

comunidade acadêmica, suspeitou que pudesse ser um malfeitor. A suspeita da

professora é partilhada socialmente, os rapazes negros, especialmente os jovens, são

tidos como ligados ao crime, à patologia ou à degeneração moral devido aos

estereótipos ampla e historicamente inculcados em nossa sociedade. Incidentes

como esse são relatados noutras pesquisas que estudam a chegada de novos grupos

culturais ao espaço universitário onde antes não transitavam com regularidade.

Alunos negros, cotistas ou bolsistas são confundidos com bandidos ou mais

frequentemente com funcionários das universidades (Salvador, 2008, Gomes, 2008,

Souza, 2006), especialmente, nos primeiros anos de implantação das ações

afirmativas no ensino superior, demonstrando a excepcionalidade de alunos negros

nos campi. José Jorge de Carvalho (2005b) chega a afirmar: “É queixa freqüente

dos poucos estudantes negros brasileiros que andam pelo campus [UNB] o fato de

serem facilmente confundidos, aos olhos dos brancos, sejam eles alunos,

professores ou funcionários, com africanos! Essa confusão já confirma a presença

de um imaginário de exclusão introjetado pelos estudantes brancos”. (p.66)

Os ex-cotistas negros provavelmente vivenciaram situações de desprestígio por

diferentes causas, por serem cotistas, por serem negros, por serem carentes

economicamente, causas com “pesos” maiores e menores, possivelmente

combinadas.

Somente Vera (psicologia) e Jane (matemática) comentaram sobre a

pertença racial de seus professores. Vera afirmou “eu só tive uma professora negra

que não afirmava a sua negritude” e Jane que teve um professor e uma professora

negros e que eles foram importantes no seu percurso universitário. Jane afirmou

que contavam suas histórias de vida, “dificuldades e discriminações que sofriam”

na universidade. “A professora... falava sempre: ‘Olha gente, não desiste, porque

aconteceu isso comigo, eu fui pra sala e a professora falou que eu não poderia,

porque era negra”. Eu perguntei, não poderia o quê? Jane declarou: “Não poderia

cursar lá, tirar uma ótima nota na disciplina que ela fazia porque era negra! Ela

falava ‘não deixe que ninguém... Se a pessoa tentar fazer isso com vocês, vai pra

cima, discute, mostra pra ela que isso é besteira’”. Além disso, Jane apreciou o

fato de seu professor ter sido eleito para um cargo importante na universidade e,

arrisco dizer, sentiu-se orgulhosa. Ela disse “porque a gente não está acostumada a

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ver um (cargo ocupado) negro. Além disso, ele escreve artigos pra uma revista

espanhola, ele faz diversas coisas, entendeu? A gente não está acostumada com

isso e quando aconteceu a gente ficou super feliz”.

É possível afirmar que foram boas as relações desenvolvidas pelos sujeitos

dessa pesquisa com seus professores. Houve tensões que fazem parte do currículo

universitário e outras que parecem ser próprias da nova realidade que se avoluma

no ensino superior cada vez menos homogêneo culturalmente.

É importante lembrar, conforme já trabalhado no item 3.1, que as ações

afirmativas da UERJ não foram fruto de sua comunidade interna e que

problematizaram a chamada “autonomia universitária”. De acordo com Gonçalves

(2005) “a maioria das unidades acadêmicas se pronunciaram contrárias à

implantação de tais leis” (p.159). Quando elas começaram a vigorar, todos os

setores da comunidade, incluindo a sua Reitora88, eram contrários à sistemática

que se viram obrigados a adotar.

As opiniões e vozes dos professores devem ser ouvidas, respeitadas,

valorizadas, entretanto, em se tratando de ações afirmativas, parecem que não

fugiram ao senso comum. De acordo com Jocélio Santos (2006) “é fundamental

refletir que as práticas de intelectuais são práticas sociais. Desse modo, é que as

categorias do senso comum se tornam, em certos contextos, categorias usadas por

acadêmicos. Vários argumentos contrários às cotas se assemelham ao que

verificamos no senso comum e, portanto, tornaram-se ideológicos” (p.52)

É digno de atenção que 14 dos 16 ex-cotistas tivessem respondido de pronto

que não ou nunca viram, perceberam, sentiram, notaram tratamento

diferenciado/especial por parte de seus professores aos alunos cotistas e a

pergunta que fiz não especificava quais alunos cotistas. Todos interpretaram

diferenciado/especial como pior, persecutório ou discriminatório negativamente.

É certo que em muitos momentos as afirmações que os entrevistados fazem de si

próprios e sobre os demais cotistas estão referidas aos negros, mas não todas.

Quero ressaltar ainda que, na medida em que as entrevistas se

desenvolveram, foram sendo explicitadas pelos entrevistados situações de

flagrante tratamento discriminatório e desrespeitoso de professores em relação aos

88 Nilcéa Freire.

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alunos cotistas que julguei importante transcrever mesmo correndo o risco de me

alongar neste item.

Interessante é ainda notar que muitos desses tratamentos ocorrem com

“outros cotistas”, em “outras turmas”, “noutros cursos”, perpetrados por “outros

professores”. Os entrevistados parecem ter a perspicácia de que seus professores

não estão imunes à reprodução de estereótipos que reforçam os preconceitos

sociais, raciais e culturais, nem às expectativas diferenciadas a partir dessas

mesmas características, mas expressam essa percepção de modo oblíquo.

Alguns estão atentos à posição de poder que os professores têm a seu favor.

Trata-se da ideologia da competência (Chauí, 2006).

A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como predetermina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e finalmente, define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que vêm ouvir e obedecer. Em uma palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem, e os incompetentes, que obedecem (p. 77). Concluo reafirmando que os ex-cotistas negros são deslegitimados como

alunos universitários. São portadores de um estigma (Goffman, 2008) e têm suas

identidades de universitários deterioradas. Chegam às suas primeiras classes nessa

posição que, por vezes, acabou sendo reforçada num momento de fragilidade

típico dos primeiros tempos na universidade pelos professores.

4.7 Relações com os colegas de classe

Procurei conhecer como ocorreram as relações entre os sujeitos dessa

pesquisa e os demais alunos, ciente de que as pesquisas que tratam da chegada de

“novos alunos” cotistas ou bolsistas ao ambiente universitário demonstram que

estas são complexas e se desenvolvem de modos distintos e dinâmicos.

Nos itens anteriores, tanto as descrições quanto as análises referentes às

relações, ora em foco, foram tangenciadas, de tal modo que busco concentrar

nesse momento situações que merecem destaque e que ainda não foram trazidas.

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Antes que eu chegasse propriamente ao bloco de perguntas sobre as relações

com os colegas de curso, em algumas entrevistas apareceu a situação das salas de

aula cindidas em grupos bem delimitados.

Foi o que ocorreu no depoimento de Angela (direito) que afirmou: “na

minha sala em específico houve uma cisão desde o começo” e essa cisão durou até

o momento da formatura. Ela contou que na cerimônia de formatura a turma

sentou-se partida e foi preciso pedir “vamos sentar todos juntos” para que os

grupos sentassem um ao lado do outro. Mais, ela relatou que alguns alunos foram

à cerimônia de Colação vestidos com a camisa do uniforme esportivo da

República do Congo “para diminuir, para agredir os cotistas negros, e falaram que

a UERJ tinha virado agora uma República do Congo”.

A cisão na sua turma deu-se em dois grupos estanques. Um grande grupo de

alunos formados por “gente que tem mais a cabeça aberta. É um conseguir

conviver com diferentes pessoas”. Nele se encontravam os alunos “que tinham

deficiências (de visão e locomoção) e os cotistas (negros ou não)”. Perguntei

como era a dinâmica desses grupos no caso dos trabalhos coletivos em classe ou

fora dela. Angela afirmou que, no caso de trabalho em grupo, os alunos (dos

grupos distintos) só se misturavam quando o professor sorteava os nomes e que

nessas ocasiões, os alunos faziam o trabalho requerido e depois “cada um ia para

seu lado”. O grupo menor (Angela estimou em 30% dos alunos) seria o “grupo de

classe A, que não conseguia conviver com as demais pessoas”.

No entanto, Angela, que fazia parte do grupo maior, afirmou que nunca se

sentiu discriminada pessoalmente pelos colegas, que via a discriminação ocorrer,

mas que ela “era velada, não era muito às claras” e, que não se destinava apenas

aos alunos negros, mas que alcançava os “diferentes” do perfil tradicional dos

alunos do curso de direito.

Para Angela, essa cisão deveu-se “a falta de saber conviver com a diferença” e

foi sendo amenizada ao longo dos períodos com a continuidade do curso e da política

de ação afirmativa “eu acho principalmente no nosso caso, que foi o primeiro ano,

porque depois quando a gente já era veterana, a gente viu que as demais turmas, as

subseqüentes, tiveram muito mais naturalidade em absorver essa realidade”.

Dora (direito) não compareceu à primeira semana de aulas por causa do

trote e relatou que na segunda semana quando chegou à classe “já havia uma

separação física entre os negros e brancos. Negros nas pontas, nos cantos, juntos.

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As próprias pessoas se excluíam também”. Para Dora os próprios cotistas

“buscavam os iguais”.

De outro modo, Januário (direito) que cursou a mesma faculdade, afirmou

não ter notado nenhuma cisão em classe, ao contrário disse que até estranhou o

fato da turma não ser competitiva.

Jane (matemática) relatou que mesmo antes de se revelarem como cotistas,

tais alunos sentaram-se agrupados numa turma que também ficou cindida. Ela

contou como os cotistas acabaram visibilizando ao grupo essa condição: “é,

porque a gente estava conversando, aí o pessoal falou: ‘parece que eles estão

dando bolsa’. Aí a gente falou: ‘não, é só para quem é cotista’. Foi aí que os meus

amigos começaram a falar: ‘Eu sou cotista’, ‘Eu também’, ‘Eu também’.

Luciana (c. sociais) afirmou que tinha boas relações com seus colegas, mas

que se relacionava mais com o “pessoal da Filosofia e do Movimento Negro”.

Afirmou que “os colegas cotistas só andavam juntos, de escola pública e negros,

que iam almoçar juntos, da História, Filosofia e Ciências Sociais”, especialmente

porque estavam organizados na luta pela obtenção das bolsas. No entanto,

Luciana atestou que “todas as pessoas se falavam. Existia uma certa sensação de

felicidade de ser universitário. Eu acho que as próprias pessoas que sentavam só

com cotistas nem percebiam que existia uma separação no ambiente, sabe?”

Luciana conta que uma vez se estranhou com um colega de classe porque ele

gostava de “fazer piadinhas racistas com duas meninas negras e as meninas aceitavam

e como ele sabia que eu era de Movimento Negro, se fizesse, aí no mínimo eu ia ser

muito agressiva, ia ter confusão. Digo até uma agressão física, porque eu era muito

nova e eu tinha muito ódio, assim, não ia aceitar nada de piadas”.

Como Angela (direito), Luciana destacou que a turma posterior a sua “já

pegou um ambiente bem mais leve. Os grandes embates, as agressividades, foram

muito no primeiro ano, o segundo ano já foi bem mais tranqüilo”. Dora (direito),

nesse sentido, afirmou “na minha turma, no segundo ano isso já tinha dissipado”.

Atila (c. biológicas), que teve problemas com os veteranos logo na chegada

ao curso, afirmou que seus colegas de classe foram poucos: as mulheres negras e

um casal branco (seu melhor amigo no curso e outra colega, ambos militantes do

PSTU89). Afirmou que no início do curso teve dificuldades com algumas

89 Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.

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disciplinas e “se não são tão boas (as notas) então você já fica um pouco excluído

do grupo”. Atila enfrentou problemas de relacionamento com os veteranos, com

os colegas por conta de suas notas e também verificou que sua sala era cindida em

dois grupos “uma coisa era fato na sala de aula: a divisão de cor era geográfica”.

A cor funciona como uma imagem figurada da raça. Nesse sentido é a

assertiva de Guimarães (1999),

Não há nada espontaneamente visível na cor da pele, no formato do nariz, na espessura dos lábios ou dos cabelos, ou mais fácil de ser discriminado nesses traços do que em outros, como o tamanho dos pés, a altura, a cor dos olhos ou a largura dos ombros. Tais traços só têm significado no interior de uma ideologia preexistente, e apenas por causa disso funcionam como critérios e marcas classificatórias. Em suma, alguém só pode ter cor e ser classificado num grupo de cor se existir uma ideologia em que a cor das pessoas tenha algum significado. Isto é, as pessoas têm cor apenas no interior de ideologias raciais (p.44). Atila afirmou que as mulheres negras de seu curso eram cotistas. Embora

houvesse mulheres cotistas brancas elas não se sentavam juntas às negras, daí a

divisão nessa sala de aula ser por cor “a cor era definidora da separação”, situação

um tanto diferente da relatada por Angela (direito) e por Isac (direito) para quem

seu grupo de pertença em classe era mais amplo e composto comumente por

cotistas negros ou não e alunos oriundos de escolas públicas, cotistas ou não.

Nesse grupo de “cor” a exceção era um casal de alunos brancos, namorados.

O melhor amigo de Atila contou para ele que na UERJ funcionava um coletivo de

alunos negros e que Atila deveria conhecê-lo. Foi assim que se aproximou do

deste grupo no segundo semestre de 2006. Ele afirmou que a partir de então

“passou a fazer um discurso radical, de afrontamento mesmo, para professores e

para alunos”, Atila se colocou como “aquele negro de afrontamento, um negro

que fazia parte do coletivo negro”.

Elza (pedagogia) afirmou que as relações em sua classe se desenvolveram

sem grandes problemas ou questões, que em sua classe havia grupos,

“panelinhas”, mas negou que sua turma fosse dividida em grupos raciais ou entre

cotistas e não cotistas. Elza e Mateus, ambos da pedagogia, afirmaram que entre

os alunos da classe, a visibilização de quem era ou não cotista acabou se dando,

na medida em que a busca pelas informações sobre a bolsa do PROINICIAR e o

seu efetivo pagamento se tornava uma realidade. As informações chegavam à

classe não se sabe exatamente como e o burburinho se desenvolvia. Elza contou

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de uma reunião em que esteve presente para tratar do assunto bolsa, mas não

soube precisar quem a teria organizado. O benefício da bolsa do PROINICIAR

desencadeou a procura pelos cotistas e esses, por outro lado, começaram a

visibilizar tal condição caso isso ainda não houvesse acontecido.

Vera (psicologia), que em outro momento desta tese relatei, que nos

primeiros dias de aula reagiu aos colegas que discutiam sobre “a disparidade de

notas entre os cotistas e os não-cotistas, e como que eles conseguiam entrar com

uma nota que era quase a metade”, perguntada sobre sua relação com os colegas

de classe, disse que tinha alunos dos quais era próxima, mas nenhuma amizade,

que suas “relações eram nômades” e que não se fixava num grupo. Quanto a uma

possível separação em classe entre cotistas ou não cotistas ela afirmou que havia

“um silenciamento sobre o tema, que quando ele aparecia causava um ‘vamos

falar de outra coisa’, era sempre um clima”. Quanto à divisão em classe devido à

pertença racial, ela afirmou que não houve.

Mateus (pedagogia) afirmou que teve um bom relacionamento com os

colegas e chegou a ser representante de turma, mas seu grupo de maior proximidade

fora formado por alunos evangélicos como ele. Quando começou a freqüentar as

disciplinas no turno da noite, Mateus afirmou que seu grupo tinha uma “afinidade

por questões políticas, nós já éramos engajados, fazendo parte de CA90, de

movimento estudantil, eu acho que isso nos identificou. Na UERJ eu vejo que o

povo da noite é muito mais ligado nessas questões do que o povo da manhã; o povo

da manhã é muito assim: ‘Ah! Eu venho aqui, faço minha faculdade e vou

embora’". Perguntado se notou alguma divisão entre os colegas por conta da

questão racial ou uma separação entre colegas cotistas e não cotistas, respondeu que

em sua classe não, mas que na turma anterior à sua teria ocorrido essa divisão.

Amanda (direito) considerou sua relação com os colegas sem problemas,

sua turma era “heterogênea” e ela tinha afinidades com uns e não com outros.

Perguntada se existia uma separação na sua sala entre cotistas e não cotistas,

respondeu que “não. Eu nunca pude perceber isso. Existia separação normal como

existe em qualquer grupo social”. Perguntada sobre como era o seu grupo de

afinidade em classe, ela afirmou que seus colegas eram mais velhos como ela.

Perguntei ainda se nesse grupo tinha alunos cotistas e ela me respondeu “tinha.

90 Centro acadêmico.

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Acho que quase todos”. Em seguida perguntei se eram cotistas negros e ela me

respondeu que sim e também cotistas oriundos das escolas públicas. Amanda

afirmou que gostou mais dos colegas do turno da noite “o pessoal da noite era

menos antipático, o pessoal da manhã não era muito simpático”.

Perguntada como era o seu relacionamento com os colegas, Edda (s. social)

afirmou que não teve problemas de relacionamento em classe. Indagada ainda se

notou alguma divisão em grupos de alunos baseada em raça ou entre cotistas e não

cotistas, afirmou que nas classes que freqüentou não havia divisão entre cotistas

ou não ou entre negros ou não. Disse que seu grupo mais próximo era constituído

de amigas cotistas e não cotistas. Havia sim, grupos com concepções ideológicas

distintas sobre a profissão, ela narrou:

O curso de serviço social é um curso muito contraditório porque você tem essa perspectiva muito caridosa no curso ainda, de ajuda, de solidariedade, de amor ao próximo e tem outra também muito radical, de esquerda, de igualdade, de justiça social e isso converge muito. O objetivo, talvez, não sei se é o mesmo, você quer um mundo mais justo, mais igualitário. Acho que o mais tenso no curso pra mim foi que tinha uma galera muito conservadora que não consegue discutir aborto sem o viés da religião, que não consegue discutir o uso de drogas, que a assistente social tem que ser quase santa para conseguir garantir um direito. Não conseguem perceber a profissão como garantia de direitos e sim ajuda, eu não estou aqui para ajudar ninguém, eu estou aqui pra garantir direitos de indivíduos que estão à margem da sociedade. Edda atesta que seus colegas se identificavam entre si pela questão

socioeconômica “a maioria, moradores de subúrbio, zona norte, baixada, acho que

uma ou duas pessoas que moravam na zona sul, essas pessoas se identificavam

entre si, a questão de classe talvez, era forte essa questão de identificação”.

Entretanto, Edda afirmou que “nas outras turmas percebia-se isso sim, nos outros

cursos, direito, por exemplo, era nítido”. Perguntei como sabia disso e ela

respondeu que tinha amigos em outros cursos.

Perguntado como era sua relação com os colegas de classe, Pedro (pedagogia)

disse que era tranqüila, mas que se apegou mais aos colegas de militância do CA e

do grupo de pesquisa. Perguntado se havia alguma separação entre cotistas e não

cotistas em sua sala ele respondeu: “Não. O grupo de pessoas se identificava porque

morava perto, então viviam o cotidiano. Tinha o pessoal do trem, a partir do trem

estabelece uma relação, os grupinhos foram se formando, por exemplo, não tinha

muito essa marca do cotista e do não cotista, até porque não era explícito no início,

as pessoas foram vivenciando e foram descobrindo isso depois”.

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A identidade de classe social também aparece na entrevista de Tadeu (letras).

Nos primeiros momentos da entrevista, afirmou que fez boas amizades além de ter

reencontrado uma amiga do PVNC e que a maioria dos seus amigos também era

cotista. Instado a falar sobre sua relação com os colegas de classe, ele afirmou:

olha, eu vou dizer assim, bem a verdade mesmo! Houve uma divisão, não uma divisão de desagregar, mas eu vi assim, uma faixa de alunos pertencentes a uma determinada classe social que tinham um jeito diferente e outro grupo que tinha mais humildes e a tendência era do pessoal mais humilde se juntar, não que nós não nos dávamos bem com eles, sempre nos dávamos bem com todos os colegas, mas eu via isso, que eu conseguia me aproximar mais com aquele pessoal mais humilde mesmo e a maioria desses eram cotistas. Daniela - Esses mais humildes, você está falando de cor ou você está falando de grana? Tadeu - De grana. A gente brincava junto, a gente conversava das mesmas coisas, parecia que a gente vivia no mesmo mundo. Por exemplo, no outro grupo, uma conversa deles, ah, entre aspas, mas isso aconteceu, uma menina que foi à Disneylândia, tudo bem que ela foi trabalhar, mas ela foi à Disneylândia! Nossa realidade, a do meu grupo era diferente. O máximo que eu viajei foi para Minas, a realidade era um pouco diferente deles para a nossa. A gente se dava bem por isso.

Patricia (odontologia) que afirmou já nos primeiros momentos como caloura,

não ter sido bem recebida pelos veteranos conforme exposto no item 4.2 deste

trabalho, fez amizades com os colegas de classe. Especialmente, Patricia, Jane

(matemática), Isac (direito) e Debora (história) forjaram relações com os colegas de

classe que foram fundamentais às suas permanências no ensino superior e

consequentes formaturas. Conforme destaquei no item 4.4, uma das estratégias de

permanência adotada pelos ex-alunos foi a construção e participação em redes de

solidariedade formadas por diferentes sujeitos, dentre eles os colegas de classe. Tais

alunos destacaram a importância dos colegas para estudar junto, tirar dúvidas,

compartilhar material didático, dentre outras atividades.

Quanto às relações com os colegas, a variabilidade de situações é a tônica.

Podem ser relações de negação, de discriminação, de guetização, de

estranhamento e de solidariedade.

Parece que em algumas classes houve hostilidade por parte de estudantes

(brancos ou não), acostumados, provavelmente, a não compartilhar seus espaços

sociais e educativos com uma presença maior de estudantes negros. É bom que se

diga, que as paredes, os quadros, os banheiros da UERJ foram espaços onde o

preconceito e a discriminação racial e social foram manifestados. Dezenas de

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Comunidades foram criadas no Orkut contra as cotas, os alunos cotistas negros ou

não da UERJ.

A análise das entrevistas revela indícios de que houve em alguns momentos,

especialmente, nos primeiros anos de realização dos cursos, resistência ao

convívio com os alunos cotistas da UERJ. Em intensidades diferentes e em

determinados cursos foram desenvolvidas relações entre os colegas de sala num

clima de tensão, desconforto e estranheza.

Os ex-cotistas criaram e participaram de grupos que levaram em conta a

pertença à condição de cotistas, o perfil racial além do socioeconômico de seus

colegas. Não é possível afirmar que tais grupos foram forjados com base apenas

numa dessas dimensões, embora cada uma delas possa ter tido maior ou menor

importância relativa. Ao contrário, parece que as diferentes dimensões estiveram

embaralhadas na trajetória universitária desses sujeitos que aprenderam a lidar

com as identidades subalternizadas de classe e raça somada à condição

estigmatizada de cotista.

Em alguns momentos, cotistas se equivalem a negros, em outros não. No

país do mito da democracia racial, o agrupamento dos alunos negros nos espaços

da universidade não costuma ser pensado, entendido ou enunciado por tais

sujeitos, como tendo por causa uma pertença racial subalternizada, ainda que

sejam alcançados por força de uma política pública focada na questão racial.

De acordo com Bernardino (2002) a construção da nação brasileira está

estruturada dentre outras coisas a partir do mito da democracia racial. Ele

explicita:

Uma parcela expressiva da sociedade brasileira compartilha a crença de ter construído uma nação diferentemente dos Estados Unidos e da África do Sul, por exemplo não caracterizada por conflitos raciais abertos. Além disso, imagina-se que em nosso país as ascensões sociais do negro e do mulato nunca estiveram bloqueadas por princípios legais tais como os conhecidos Jim Crow e o Apartheid dos referidos países. Para os que imaginam e advogam a singularidade paradisíaca brasileira, isto significa dizer que o critério racial jamais foi relevante para definir as chances de qualquer pessoa no Brasil. Em outras palavras, ainda é fortemente difundida no Brasil a crença de que a cultura brasileira antecipa a possibilidade de um mundo sem raças (p.3). Todavia, as condições relativas à carência econômica são pensadas,

entendidas e enunciadas por alguns ex-alunos, como sendo as “disparadoras”

capazes de provocar e manter a constituição dos agrupamentos. Além disso, a

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situação se reveste de extrema complexidade na medida em que a sistemática

adotada pela UERJ tem características que mesclam raça e classe.

Por fim, se por um lado, a convivência em sala parece ter sido mais tensa do

que provavelmente em outros momentos na UERJ, por outro lado, apostas

catastróficas de confrontos acirrados envolvendo alunos cotistas negros e o

restante da comunidade universitária não se confirmaram na UERJ nem nas

demais instituições que adotaram ações afirmativas voltadas para a população

negra, é o que depreendi da leitura das pesquisas pioneiras sobre a temática.

É nesse sentido é o depoimento feito por Munanga, africano de nascença,

brasileiro naturalizado, em audiência no STF dia 4 de março de 2010:

Nos últimos oito anos, a começar pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro (UERJ) e do Norte Fluminense (UENF) onde a política de cota foi implementada por meio de uma lei aprovada em 2001 na Assembléia Estadual do Rio de Janeiro, dezenas de universidades públicas federais e estaduais adotaram o sistema de cotas a partir da decisão de seus órgãos internos e conselhos universitários. Contrariando todas as previsões escatológicas daqueles que pensam que essa política provocaria um racismo ao contrário, conseqüentemente uma guerra racial devido à racialização de todos os aspectos da vida nacional, a experiência brasileira destes últimos anos mostra totalmente o contrário. Não houve distúrbios e linchamentos raciais em nenhum lugar como não apareceu nenhum movimento Ku Klux Klan à brasileira, prova de que as mudanças em processo estão sendo bem digeridas e compreendidas pelo povo brasileiro. Mais do que isso, as avaliações feitas até o momento comprovam que apenas nesses últimos oito anos da experiência das políticas de ação afirmativa, houve um índice de ingresso e de diplomados negros e indígenas no ensino superior jamais alcançado em todo o século passado (p.1-2).

4.8 Outros espaços formativos

Busquei conhecer se os ex-cotistas participaram de grupos de pesquisa, por

entender que esse espaço acadêmico pode estimular a permanência do estudante

em seu curso ampliando suas chances de sucesso universitário.

Perguntados se participaram de grupo de pesquisa, cinco dentre os ex-cotistas

responderam que não, Elza (pedagogia), Jane (matemática), Luciana (s. social),

Patricia (odontologia) e Januário (direito). Os demais participaram e gostaram da

experiência. Vera (psicologia), acerca de sua participação assim se expressou,

foi o que por muito tempo me fez permanecer na Psicologia, a convivência da pesquisa, porque a pesquisa me permitia ir para outros espaços. Eu assistia aula do quinto período da graduação, eu assistia aula da pós-graduação como ouvinte,

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ficava lá perdidinha, mas estava lá, ouvindo, trocando às vezes, quando era possível. A pesquisa foi muito positiva, me fez escrever. A participação em grupo de pesquisa ocorreu na segunda metade da

graduação. Ressalto que à exceção de dois ex-alunos, o restante (nove) participou

alternadamente como bolsista e voluntário; Tadeu (letras), Vera (psicologia) e

Atila (c. biológicas) participaram de grupos de pesquisa diferentes.

Debora (história) participou por três anos em grupo de pesquisa sem uma

bolsa formal, foi o professor coordenador da pesquisa que pagou à aluna o valor

da bolsa. As atividades que Debora desenvolveu eram típicas de monitoria ficando

responsável pelas turmas e correções de provas na ausência do professor. No

entanto, Debora nunca fora informada da possibilidade de concorrer a uma bolsa

monitoria ou de iniciação à docência.

A participação no grupo de pesquisa deu-se juntamente com estágios dentro

e/ou fora da UERJ e trabalho.

Mateus (pedagogia), Pedro (pedagogia) e Vera (psicologia) depois de

formados continuaram a participar dos grupos aos quais se vincularam.

Dentre os onze ex-alunos que participaram de grupos de pesquisa, seis

produziram algum trabalho acadêmico. Atila foi co-autor de um livro e, com o

trabalho final de monografia produziu dois artigos, um para o Congresso de

Mastozoologia, em São Lourenço e outro para o Simpósio Internacional de

Pesquisa Antártica, no Equador “que infelizmente não pude ir por complicações

de documentação, mas mandei meu trabalho para lá e ela (professora orientadora)

apresentou”; Edda (s. social) publicou no Encontro de Pesquisadores do Serviço

Social; Vera (psicologia) publicou artigos em revista de Psicologia; Mateus

(pedagogia) apresentou trabalho no Encontro Nacional de Estudantes de

Pedagogia no Maranhão; Amanda (direito) apresentou dois pôsteres em

Congressos e Pedro (pedagogia) participou de dois a três Congressos/Seminários

anuais com apresentação de trabalhos e livros eletrônicos.

Aos ex-cotistas que participaram de grupo de pesquisa questionei se

sentiram atraídos pela vida acadêmica, todos responderam que sim. Edda (s.

social), Vera (psicologia), Pedro (pedagogia) e Mateus (pedagogia), afirmaram

que estavam tentando o ingresso em mestrado. Atila (c. biológicas) e Tadeu

(letras) começaram o mestrado em 2010 e Vera (psicologia) acabara de terminar

uma especialização.

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Outro espaço formativo importante é o estágio que já foi alvo de

considerações ao longo deste texto, especialmente como sendo de fundamental

importância à permanência na UERJ do ponto de vista financeiro. Também é

importante assinalar que o estágio pode ser um motivador, incentivador da

realização do curso, por um lado, e um espaço social de poder na construção de

uma futura carreira profissional, de outro.

Todos ex-cotistas estagiaram. Entretanto, Atila (c. biológicas), Dora

(direito), Mateus (pedagogia) e Tadeu (letras) não estagiaram fora da

universidade, os demais sim.

Perguntei aos entrevistados se na busca por estágio, eles teriam sido

indagados se seriam cotistas da UERJ. Apenas Isac (direito) foi questionado sobre

sua condição de cotista em uma das entrevistas dos diferentes estágios que realizou

ao longo do curso. O estágio pretendido era num escritório de advogados. Ele

afirmou:

Uma pessoa perguntou na hora da entrevista se eu entrei pelas cotas, eu disse sim. Daniela - Você acha que de algum modo ter visibilizado isso ajudou, prejudicou você ou não fez diferença? Isac - o meu currículo era um currículo bom, então de alguma forma, o meu currículo blindava a questão racial. Porque eu estou dizendo isso? Quando eu fui fazer a entrevista e foi uma coisa que me marcou muito, quando eu fui fazer essa entrevista nesse escritório que o advogado me chamou para entrar, ele estava com o meu currículo na mão e a folha da prova e ele estava com a cabeça baixa, ele pediu para eu entrar, fez uma coisa impessoal, tipo “entra Isac, pode vir” e quando eu fui chegando próximo a ele, que ele me olhou nos olhos, ele disse, “o currículo que eu tenho aqui não parece com a pessoa que eu tenho de frente de mim, como eu vou te explicar isso?” Não sei, eu sei que ele fez assim... Ele não esperava encontrar um negro. Aquele olhar do tipo “é você”? Depois ficamos amigos, e eu era o único negro no escritório! Isac volta à idéia, anteriormente exposta (no item 4.6), de um “currículo que

embranquece”, assim, a escolaridade seria capaz de “blindar a questão racial”, ou

seja, de afastar o preconceito e a discriminação racial que Isac conheceu ao longo

da vida.

Isac relatou que ficou nítido o “desconcerto” do entrevistador. Suas

representações de competência acadêmica, técnica, intelectual foram deslocadas,

posto que um aluno cotista e negro fora selecionado para a entrevista (fase final da

avaliação nos escritórios) com o advogado responsável do escritório. É possível

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que o advogado não tenha, anteriormente, entrevistado um negro com a finalidade

de ocupar o espaço de estagiário em seu escritório.

Angela (direito), embora não tenha sido inquirida nas duas entrevistas que

realizou para as vagas de estagiária, contou que lera no mural da faculdade anúncios

de escritórios que ofereciam vagas de estágio para os alunos da UERJ não cotistas.

Angela narrou ainda: “tinha uma amiga que era cotista (...). Trabalhava no escritório

daqui do Centro que fica na 7 de Setembro e eles solicitaram ‘a gente está

precisando de uma pessoa, comunique ao seu grupo de amigos’. Foi quando falaram

para ela assim ‘mas na condição de não ser cotista’ e ela era cotista!”. Perguntei

para Angela se sua amiga era branca e me disse que sim.

Novamente, é possível antever como a categoria de Goffman (2008) se

adéqua à situação em tela. Sendo branca, a aluna cotista não tem sua identidade de

cotista conhecida, nem imediatamente perceptível, isto é, trata-se de uma cotista

desacreditável (op.cit.14). Isac, sendo um negro de pele bem escura, teve sua

condição de cotista, seu estigma evidenciado, tanto que seu interlocutor perguntou

se seria cotista. Isac vivenciou a condição do desacreditado (idem). Isac não se

enquadra nos estereótipos que socialmente criamos e mantemos para um

determinado tipo de indivíduo, nesse caso, um aluno de direito da UERJ com

grande coeficiente de rendimento e capaz o suficiente para ser selecionado para

estagiar num escritório importante.

Daí a importância da implantação de políticas de ação afirmativa no ensino

superior e também noutros espaços sociais de prestígio, favorecer a ruptura, o

desgaste, a desconstrução da naturalização da presença negra apenas nos espaços

sociais de pouco prestígio social.

Indaguei ainda aos entrevistados, se visibilizaram sua condição de cotista,

por vontade própria, nos respectivos estágios. Edda (s. social), Vera (psicologia),

Luciana (c.sociais) e Amanda (direito) responderam que sim e que não acreditam

que isso tenha melhorado ou prejudicado suas experiências nos estágios.

Luciana (c. sociais) fez quatro estágios fora da UERJ em escolas. Em uma

delas visibilizou sua condição de cotista “por ser uma escola perto da minha casa

e ser uma escola que tem pessoas da mesma origem, de favela, negros, oriundos

de uma história comum. Então eu fazia questão de falar”. Luciana contou que os

professores dessa escola pediam para que ela falasse dessa experiência em suas

turmas “para incentivar os alunos a estudarem”.

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Amanda (direito) visibilizou sua condição de cotista nos seguintes termos:

uma vez alguém estava comentando aí eu falei que sou do sistema de cotas e eu acho que isso é favorável, isso é benéfico para as pessoas. A minha média no vestibular foi uma média bem alta, eu passaria de qualquer jeito, mas algumas de minhas amigas tiveram 60 pontos e com 60 pontos você não passa, é impossível você passar para direito na UERJ e hoje elas são advogadas e se formaram com CR muito maior que o meu e são ótimas profissionais, estão empregadas, elas já passaram em concursos, uma fez mestrado na França, lá na França! Se não fosse o sistema de cotas talvez elas não tivessem essa oportunidade. Daniela - você consegue lembrar o porquê dessa discussão no estágio? Amanda - Porque o cunhado do advogado, professor de medicina da UERJ, estava falando do sistema de cotas que ele não concordava e não sei o que, aí eu falei, me posicionei contrariamente, que eu concordava. Daniela: E ele não concordava por quê? Angélica: Porque ele não achava justo que as pessoas com uma nota menor entrassem na vaga. É porque é outro sistema, eles não sabem o que é ser pobre, nunca souberam. Ainda mais em um escritório. Não têm noção da realidade social. Que bom que você convive com vários mundos. Você vai conhecendo tudo quanto é tipo de posição social. Algumas pessoas não conseguem enxergar o outro, só o meu e o outro não importa, não sou eu então.... Perguntei aos entrevistados se participaram de movimento estudantil. Quatro

ex-cotistas participaram do movimento estudantil, na direção do centro acadêmico:

Elza (pedagogia) “por pouco tempo, eu tinha que me envolver de verdade, mas não tinha tempo por causa do estágio”. Edda (s. social) “foi interessante. Daí que vi essa questão de desmobilização dos alunos que não se interessam tanto por espaços políticos, o que é preocupante num curso de serviço social. A gente acredita que estudante que vivencia já dentro do centro acadêmico ou dentro de outros setores da sua vida essa militância política, quando ele chega na vida profissional ele está mais capacitado para lidar com as problemáticas do dia a dia. Mas o que a gente presenciou foi uma total desmobilização dos estudantes, movimento de greve a galera não participava, a galera queria mais que tivesse aula mesmo com a UERJ sem luz, sem ventilador de teto, com elevador caindo”. Perguntei a Edda se o centro acadêmico promoveu discussões sobre cotas.

Ela afirmou que sim, “em 2009 chegou ao Centro de Ciências Sociais uma verba

para material permanente vinda do PROINICIAR e nós discutíamos com a direção

da faculdade o que fazer com o dinheiro. Deliberamos pela compra de livros”.

Mateus (pedagogia) foi diretor do centro acadêmico em duas gestões, ele era

o responsável pela comunicação, internet e pelo uso dos materiais do centro

acadêmico. Perguntei se o centro acadêmico promoveu debates sobre cotas, ele

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afirmou que sim, que houve um debate com dois professores da faculdade “foi

legal, vieram alunos de outros cursos”. Pedro (pedagogia) também fez movimento

estudantil, mas recusou-se a participar do grupo X91, por não concordar com suas

posições, como a de não aceitar que os seus integrantes namorassem com pessoas

que não fossem negras. Ele recorda que esse grupo ganhou uma sala da reitoria e

que “houve muita polêmica na época porque os centros acadêmicos estavam com

as salas sendo fechadas, fecharam o teatro, fecharam a sala do centro acadêmico

de Filosofia e a reitoria estava inaugurando uma mega sala para o grupo X”.

Indaguei aos entrevistados se participaram de algum grupo ligado ao

movimento negro estudantil. Responderam que sim cinco ex-alunos.

Atila (c. biológicas) participou do grupo acima mencionado por um

semestre, conforme já relatado no item 4.7.

Edda (s. social) afirmou que não participava “institucionalmente” do grupo X,

mas que freqüentou reuniões. Ela afirmou que tal grupo “era o ponto de encontro da

negrada”. Quanto ao grupo X, ela ressaltou que “depois você vai lá e vê que a galera

tem a mente extremamente radical, tem uma postura que eu não gosto muito, mas é

o local em que a galera se encontra e se percebe enquanto iguais”. Edda também

ajudou algumas vezes nos eventos realizados pelo PROAFRO92.

Jane (matemática) foi convidada pelas duas colegas que moravam com ela

na Mangueira a participar do grupo X. No tocante à sua participação, narrou:

Eu comecei a fazer parte das reuniões do grupo X que tinha muitas coisas que eu não concordava. Eu acho que cada um faz o que quer. A menina estava usando All Star, eles começaram a criticar a menina porque ela estava usando All Star, a outra porque estava tomando Coca-Cola e essas políticas todas. Aí eu falei: “Gente, tem um amigo meu que ele quer vir aqui pra conhecer, para assistir a reunião”, aí não podia e até hoje não pode porque ele é branco, entendeu? E eu achei isso ridículo, eu falei “Olha só...”, e ele falou “Ah, porque você não conhece, você não sabe de nada”, então eu falei “prefiro continuar não conhecendo, não sabendo, porque eu não aceito isso, cara”. Uma vez a gente foi assistir a um seminário, aí apareceu um argentino para dar uma palestra e na hora que ele estava entrando eles fizeram um tumulto ali na porta da Capela, fizeram um tumulto chamando “Seu branco isso, seu branco aquilo”. Eu falei assim: “Gente, para que isso?”. Aí, quando chama um negro “Ah, porque ele é isso, ele é aquilo”, vai para delegacia! Eu acho que deveria

91 Nome fictício de um grupo de estudantes negros organizado nas dependências da UERJ. 92 Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-americanos, criado em 1993, o PROAFRO constitui-se como um centro de pesquisa, documentação e atividades de Extensão Universitária, com sede na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob a responsabilidade do CCS, tendo como objetivo o desenvolvimento de estudos e pesquisas relacionadas à História e Cultura dos povos africanos e afro-americanos.

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ser igual para todo mundo. Aí eu não quis participar mais, parei de ir às reuniões porque eu não concordava com algumas opiniões deles, com as regras. Eu não concordava. Daniela - Quais eram as regras? Jane - Era isso de ficar criticando. “Porque você não deixa seu cabelo natural? Por que você usa química?” Eu uso. Eu falei: “Olha só, o cabelo é meu, o dinheiro é meu, eu faço o que eu quiser”. “Ah, mas aí você está negando as suas origens”. Eu falei: “gente, cada um é cada um”. Tem gente que se sente bem com cabelo natural, faz trança, eu trançava o meu cabelo, mas eu falei: “Ué, eu gostei assim? Então eu vou usar assim”. Roupa, questão de roupa, “Ah, por que você usa roupa de branco.”, eu falei “É? Eu tenho que usar o quê?” Daniela - Como é “roupa de branco”? Jane - Roupa de branco é essa roupa normal que a gente usa. Daniela - Você tinha que usar que roupa? Jane: Roupa de negro para eles é bata. Perfume também tinha que ser tudo feito. Tem um menino lá que até faz perfume, ele pega umas ervas lá e faz perfume, ele falava muito de capitalismo, eu falei com ele há pouco tempo, falei: “O que você é agora é um capitalista, né? Você está fazendo perfume, está vendendo”. Eu discutia sempre. Eu falei “olha, eu acho legal a gente lutar pela igualdade, porque tem preconceito sim, a gente vê”, mas eu disse para ele, eu falei, a gente sempre fala, não é? Todo mundo fala, que os piores racistas são os negros. Porque tem preconceito, entendeu? Não adianta, e sempre vai ser assim. Luciana (c. sociais) participou do grupo X por, aproximadamente, um ano.

Posteriormente, começou a participar de outro grupo também ligado ao

Movimento Negro, entretanto, voltado especificamente às mulheres negras e que

atua fora da UERJ. Luciana, conforme já exposto no item 4.4 desta pesquisa,

alegou que a participação no Movimento Negro garantiu sua formatura num

espaço social (a universidade) que entendia como “violento”.

Vera (psicologia) afirmou que sempre participou do grupo X, mas nunca como

membro “fixo”. Em vários momentos desse trabalho nota-se que Vera, excelente

aluna, teve dificuldade de inserção simbólica dentro da universidade e participar do

movimento negro universitário foi fundamental à sua permanência na UERJ.

Não é esse o espaço propício para analisarmos a qualidade das concepções

identitárias e práticas políticas do grupo X, todavia era preciso chamar atenção

para o fato de que tal agrupamento fez parte da rede de relações (Teixeira, 2003)

de alguns ex-cotistas negros que a utilizaram enquanto estratégia de permanência

na universidade.

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É possível afirmar que mesmo problematizando suas “regras”, participando

de modo intermitente como membro ou não do grupo X, Atila (c. biológicas),

Edda (s. social), Jane (matemática), Luciana (c. sociais) e Vera (psicologia)

vivenciaram inequivocamente sua influência. Nele encontraram suporte que lhes

propiciou superar dificuldades de diferentes ordens, não só materiais, mas também

de exclusão cultural, especialmente, racial.

Por fim, destaco que ao fazer esse bloco de questões aos entrevistados, de

um modo ou de outro, a falta de tempo ocasionada pela necessidade de trabalhar

e/ou estagiar (dentro ou fora da UERJ), sempre apareceu como justificativa por

não poderem participar dos espaços formativos aqui explicitados, assim como os

ligados a outros grupos que existem na UERJ.

4.9 As alegrias e prazeres na/da experiência

Busquei conhecer quais teriam sido os maiores prazeres, alegrias,

gratificações que os sujeitos pesquisados tiveram devido à/na experiência

universitária. Foi interessante notar que alguns entrevistados ficaram emocionados

ao ouvirem minha pergunta.

Em resposta, eles elencaram: os momentos de convivência com os colegas, as

brincadeiras, a “chopada”, criar grupos, redes, as amizades que fizeram para a vida,

o reconhecimento de que se é capaz de superar dificuldades que sempre vão existir,

as trocas com pessoas diferentes, alunos e professores de perfil social, racial e

cursos distintos, ter ampliado seus horizontes de vida foram grandes gratificações.

Elza (pedagogia) - Ah, conhecer as pessoas de dentro da turma, da discussão nos momentos de aula, eram momentos de troca de opinião, de passar situações engraçadas na universidade, quando a universidade pegou fogo e a gente saiu correndo! Na verdade, foi engraçado porque a gente estava lá no 12º no CA, discutindo um monte de coisa e a gente começou assim "Nossa, está um cheiro de queimado, tá um cheiro de queimado, ai meu Deus, será que está em curto? O 12º está em curto?" Aí um amigo saiu: "Meu Deus, está pegando fogo!" Gritando, enfim... Essas coisas de UERJ... Edda (s. social) - Acho que foi essa coisa do conhecimento, de você se transformar numa pessoa, não numa pessoa melhor, mas numa pessoa mais esclarecida, uma pessoa mais dinâmica, uma pessoa consegue bater um papo, porque eu era muito tímida e a faculdade vai abrindo espaços de você se mostrar, de você falar, de você conhecer um outro local, conhecer o Rio de Janeiro, o centro, eu moro em Nova Iguaçu, que é uma outra cidade, uma outra dinâmica, local, social, e daí eu ter que

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vir pra cá, de sair, de ter que pegar o ônibus todo dia, pegar o trem e vir pra faculdade, ter uma ocupação, não que eu não fizesse isso, eu morava em Nova Iguaçu e estudava em Nilópolis, mas essa dinâmica, essa vida mais agitada que eu garanti, construí com a universidade, os amigos e ter uma rede social, construir redes maiores que a minha lá. Patricia (odontologia) Era a folga. A “chopada”. A parte extra-aula, o tempo livre. O “churrascão” no jardim de inverno que tem lá no segundo andar. Porque os outros momentos sempre eram motivo de algum stress, que tá faltando algum material, ih, acabou não sei o quê (...) Houve prazer ainda em adquirir vários tipos de conhecimentos, de ter

estudado, de ter desenvolvido a capacidade de debater idéias, superando medo e

timidez. As viagens e apresentações de trabalho derivadas da participação em

grupos de pesquisa também foram afirmadas como prazeres.

Jane (matemática) - As pessoas me chamavam de “rato de biblioteca”. Porque a gente ficava só estudando, a gente gostava daquilo e a hora passava. (...) das pessoas que queriam desistir, mas encontrou amigos ali que estavam dando força “não, não desiste, vamos estudar!”. Era um tirando a dúvida do outro sempre. Foi isso. Mateus (pedagogia) O momento de gratificação foi, aquilo que eu me recordo, foi eu desenvolver um trabalho, apresentar esse trabalho e ele ser reconhecido como algo importante. No Maranhão, no encontro de estudantes.

Foi muito bom ter conseguido acessar à UERJ e ter alcançado a formatura

nessa instituição de prestígio e usufruir o status que isso acarreta. O mais

gratificante pode ainda ter sido a reconstrução, reconfiguração da própria

identidade. O prazer de ter orgulho de si próprio.

Debora (história) - Ah, sim, os meus amigos, amigos que eu adquiri aqui. O orgulho de ter feito uma faculdade. Isac (direito) - Conhecer o direito do trabalho. O que a UERJ me proporciona, não posso negar, o status social, a UERJ me proporciona isso de forma geral, lidar com pessoas que eu não lidaria se estivesse em outra faculdade, lidar com grandes mestres, conhecê-los, lidar com eles na rua e isso aproxima de alguma forma você, consegue ultrapassar certas barreiras sociais quando a pessoa sabe que você lidou com esse camarada. Januario (direito) - Ter me formado em Direito na melhor universidade de Direito do estado. Eu acho até que é uma alegria de pobre, de pais semianalfabetos, minha mãe nordestina, meu pai da roça de Minas, entendeu? Uma família de seis filhos e tá fazendo um curso, que eu falava pra minha mãe "mãe, agora eu quero ser juiz". E a primeira etapa eu fiz. Para ser juiz tem que ser bacharel em Direito e isso eu já fiz. Isso me dá um certo orgulho.

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Luciana (c.sociais) - A universidade pra mim foi o momento de eu construir a minha identidade negra. Eu tenho um amigo do grupo X que fala muito, “negro se descobre bonito na universidade”. Eu estudava numa escola em que eram três negros por sala, no Liceu eram poucos alunos negros. Não é uma perspectiva de não saber que eu era negra, mas eu estudei numa escola em que eu não aprendi a me ver como bonita. Todo aquele processo que a Educação, tem aquele pessoal que trabalha com relações raciais que fala, eu não aprendi a ter autoestima e identidade negra na escola, então eu fui formular isso na faculdade. Isso foi muito bom, porque eu formulei em mim e, através da minha imagem, eu pude formular em outras mulheres negras, sabe? Existem muitas meninas negras que usam cabelo black power, usam cabelo com penteado afro, porque aprendeu comigo. Não estou tipo, me exaltando, mas sabe.

Vera (psicologia) - Os Congressos de Psicologia... Também foi muito legal ser monitora, porque despertou o desejo de ser professora universitária. Eu gostava muito desse lugar, porque eu tive uma excelente professora, essa professora me marcou muito, é muito querida. Esse encontro foi muito bom, foi muito construtivo, me mudou muito enquanto pessoa, me fez uma pessoa mais ética, me fez entender que a arrogância era uma arma e que nem sempre eu preciso estar armada, então foi muito bacana.

Os entrevistados lembram com alegria esse período que descreveram como

árduo: chegar à universidade como uma conquista, um sonho até... A permanência

construída período a período... Ter alcançado a formatura, uma grande vitória

sobre seus limites... Relembrar desses momentos foi emocionante, talvez o

momento menos tenso da entrevista, o mais risonho com certeza. Eu também me

emocionei...

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5 Considerações Finais

No Brasil, os negros ocupam uma posição de subalternidade social.

Diversos são os estudos que apontam o caráter das desigualdades existentes entre

brancos e negros no Brasil nos mais diversos campos da vida. Patente é a

persistência das desigualdades sociais, dentre elas as educacionais, entre brancos e

negros em prejuízo dos negros ao longo das gerações.

Pesquisas (IBGE, 2008, 2010, IPEA, 2008) apontam os problemas

estruturais de ordem sócio-econômica da nossa sociedade. No entanto, a

explicação das desigualdades raciais não se circunscreve somente a tais variáveis

estruturais, revelam que os negros enfrentam, incontestavelmente, também

situações de discriminação racial.

Cursar o ensino superior, especialmente o público no Brasil, ainda hoje

tende a ser privilégio dos jovens brancos, especialmente os cursos considerados de

maior prestígio social. A discriminação sofrida pelos negros no campo da

educação superior no Brasil dificulta e, em certos casos, pode inviabilizar a

competição pela obtenção de empregos e posições de poder e reconhecimento

social. Trata-se de uma privação instrumental que gera uma discriminação que

tem efeitos nas gerações posteriores.

A ascensão de políticas de identidade é um fato marcante neste novo século

e é um fenômeno globalizado. Em tal contexto, as relações entre educação e

cultura(s) estão adquirindo paulatinamente maior importância, especialmente,

entre outras medidas, com o incremento das ações afirmativas voltadas aos

estudantes negros nas universidades públicas e privadas.

As ações afirmativas para os negros nas universidades fazem parte das

chamadas políticas de reconhecimento da diferença, cujas demandas estão ligadas

à representação, à cultura e à identidade dos grupos étnicos, raciais, sexuais,

dentre outros. As demandas por reconhecimento vêm adquirindo maior relevância

na arena política desde o fim do século XX.

Todavia, as demandas por reconhecimento da diferença ocorrem em um

mundo de desigualdade material acentuada, onde ainda faz muito sentido lutar por

uma repartição menos desigual das riquezas sociais, isto é, por políticas de

redistribuição.

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Amparada no entendimento de Fraser (2001), para quem a justiça hoje requer

tanto redistribuição quanto reconhecimento, afirmo que as políticas públicas de

ação afirmativa se constituem numa versão da política cultural da diferença que

pode ser coerentemente combinada com a política social da igualdade. Dito de outro

modo, essas políticas têm potencialidades no enfrentamento do racismo cultural

brasileiro, mas também respondem à dimensão redistributiva de aumento de renda e

mobilidade social ascendente dos sujeitos negros.

As ações afirmativas são uma estratégia que visa beneficiar parcelas da

população afetadas por mecanismos discriminatórios longevos, alterando seu

status de inferioridade social através da promoção da igualdade de oportunidades

ao acesso de recursos e bens. São, portanto, políticas públicas focadas, ações

parciais, temporárias e limitadas.

Ressalte-se que a defesa de ações afirmativas não exclui a concomitância de

ações e políticas públicas de cunho universalista. Essa é uma falsa dicotomia. Ao

contrário, políticas públicas genéricas e especificamente focadas, quando

utilizadas em conjunto, podem reduzir significativamente desigualdades existentes

entre os grupos sociais, concorrendo para equipará-los no acesso aos bens

materiais e simbólicos.

Os programas de ação afirmativa na educação superior são uma realidade.

Entretanto, o que têm a dizer os sujeitos que protagonizam tais programas sobre as

suas experiências universitárias?

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira grande

universidade pública a vivenciar a experiência de ter em seus quadros alunos

beneficiados por ações afirmativas.

As ações afirmativas chegaram à UERJ na forma de cotas através das leis

estaduais 3.524, de 28 de dezembro de 2000 e 3.708, de 9 de novembro de 2001 e

seus respectivos decretos regulamentadores como produto da luta do Movimento

Negro e seus aliados, articulados com os Poderes Executivo e Legislativo do

Estado do Rio de Janeiro.

São fortemente contestadas pela comunidade universitária “uerjiana”, mas

não apenas por ela. Assim que a experiência da UERJ se tornou pública em 2003,

parte significativa da grande mídia, dos intelectuais, dos juristas, dos acadêmicos,

com destaque para os das universidades públicas paulistas e da UFRJ e dos

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políticos ligados aos partidos conservadores empreenderam diferentes ações

visando sua extinção, através de expedientes políticos, acadêmicos e jurídicos.

A política de cotas da UERJ “sobreviveu”.

Foram necessárias muitas negociações indispensáveis à sua exequibilidade

política, que envolveram a Universidade, o Movimento Negro e os Poderes

Executivos, Legislativo e Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. A política foi

potente para oportunizar o acesso de 8.025 cotistas (2003, 2007, 2008, 2009 e

2010) e esse é o seu maior avanço. O fato é que, dentre eles, estão / estiveram

estudantes negros plenamente capacitados à experiência universitária que

poderiam não ter a oportunidade, caso a política não estivesse em curso.

Por outro lado, houve retrocessos quanto ao percentual de vagas destinadas

aos alunos cotistas, especialmente aos candidatos autodeclarados negros e quanto

à configuração dos ocupantes dessas vagas, a saber: “estudantes carentes”.

Esse corte de renda “desracializou” a política, impedindo que setores

médios da população negra, ficassem excluídos da possibilidade de concorrer às

vagas reservadas, embora, de acordo com Osório (2009), é na camada

intermediária da população que a discriminação racial é mais sentida.

Por outro lado, a “desracialização” das ações afirmativas desgasta a política

que oportuniza a possibilidade de uma identidade negra positiva, de um

reconhecimento positivo.

Por fim, a “carência” como critério norteador da política de ação afirmativa

implantada na UERJ minimiza as possibilidades de construção de saberes que

incorporem novas temáticas através da valorização das experiências históricas e

sociais dos grupos raciais que ingressam através das cotas (Santos 2006).

É um erro implantar ações afirmativas que se dirijam apenas aos grupos

com baixa renda, ainda que os negros estejam mais representados nesses grupos.

O que se pretende com tais políticas é o reconhecimento sociocultural; lutar contra

todas as formas de racismo e de estigmatização social (Joninsein 2006),

provenientes de ideologias e práticas baseadas nas hierarquizações das raças.

Os cotistas são os “novos” sujeitos que passam a vivenciar a experiência

universitária “uerjiana”, com suas diferentes especificidades: portadores de

necessidades especiais, negros, indígenas, oriundos de escolas públicas dentre outras.

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Investiguei a trajetória universitária de 16 ex-alunos cotistas da

Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que se autodeclararam negros e que

alcançaram suas formaturas.

Pretendi conhecer a compreensão pessoal dos sujeitos negros que

protagonizaram uma experiência universitária exitosa na condição de cotistas,

quando todas as opiniões, expectativas e representações sobre esses sujeitos eram

de que fracassariam. Pesquisei o processo de construção do “sucesso

universitário” desses alunos, buscando identificar como se desenrolaram seus

cursos, suas relações com os membros da comunidade universitária, suas

estratégias de permanência.

A natureza das questões que investiguei e sua abrangência exigiram um

tratamento metodológico amplo e flexível, que articulou um estudo de caráter

reflexivo-analítico da literatura pertinente: às políticas de ação afirmativa e seu debate

teórico, inseridas num contexto de políticas de reconhecimento cultural

protagonizadas pelos movimentos negros; à constituição da experiência de ação

afirmativa desenvolvida pela UERJ; ao atual estágio das políticas de ação afirmativa

no Brasil; à temática da desigualdade racial existente na sociedade brasileira,

especialmente no tocante à pouca presença de negros no ensino superior; à presença

de sujeitos pobres e negros no ensino superior, especialmente os que tiveram acesso à

universidade através de ações afirmativas e os caminhos que traçaram até suas

formaturas e, simultaneamente, a realização uma pesquisa de campo.

Optei por uma abordagem do tipo qualitativa, privilegiando a realização de

entrevistas individuais semi-estruturadas.

A questão de maior complexidade metodológica foi como encontrar esses

ex-alunos cotistas já formados, posto que tais sujeitos não circulam mais no

espaço da universidade. Diante dessa dificuldade para a seleção dos participantes

na pesquisa, optei pela técnica de snowball ou metodologia “bola de neve”

(Goodman, 1961).

Foram entrevistados 16 – dezesseis – ex-alunos cotistas, seis homens e dez

mulheres, distribuídos por dez cursos: Direito (cinco), Pedagogia (três), e um nos

demais, Serviço Social, Odontologia, Ciências Sociais, Ciências Biológicas,

História, Português/Literatura, Psicologia e Matemática.

Em diálogo com Goffman (2008), é possível afirmar que os alunos cotistas

não são reconhecidos como pertencentes à categoria social alunos universitários

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normais da UERJ. Todos padeceram de uma marca, de um defeito, de um estigma

e, portanto, suas identidades de alunos universitários são estragadas e diminuídas

e, estigmatizados, são desacreditados ao longo de todo caminho universitário. No

caso do ambiente universitário, a categoria - aluno universitário - possuiria um

atributo que faz parte da sua “identidade social de aluno”, aquilo que se costuma

designar por “mérito universitário”.

Faltaria aos alunos cotistas o atributo indispensável à identidade de aluno

normal: o “mérito”. Tal mérito é pensado como uma categoria neutra, objetiva,

universal ou natural, como se a noção de mérito estivesse além dos jogos de poder

e das disputas sociais

Apropriando-me de Goffman (2008), aqueles que podem ocultar essa marca -

que acederam à UERJ através das cotas - são os desacreditáveis. Entretanto, a

condição de cotista pode vir à luz, situação que altera a posição de desacreditável

para desacreditado. Os alunos brancos, ainda que cotistas, e ressalte-se que a maioria

dos alunos cotistas é branca, podem mais facilmente ocultar tal condição não

padecendo imediatamente, portanto, das conseqüências nefastas de um estigma social

especialmente importante no âmbito das relações que ocorrem na universidade.

Por outro lado, aqueles que não podem ou não querem ocultar a marca de

cotistas são os desacreditados. Os alunos negros cotistas são invariavelmente os

desacreditados. Um dos possíveis achados dessa investigação é o de que o racismo

institucional vigente na UERJ responde pela associação aluno negro = aluno cotista,

de tal forma que, após o implemento da ação afirmativa na UERJ, que alcança

diferentes sujeitos – não só os negros –, os alunos negros têm sido imediatamente

identificados como alunos cotistas, o que não ocorre com os alunos brancos: é a

plasticidade do racismo que, quando não superado, adequa-se às novas situações

fáticas, a fim de manter o privilégio branco (Frankenberger, 2004).

Dito de outro modo, após a implantação da política de cotas da UERJ,

alunos brancos têm pouco risco de serem identificados como cotistas. Os alunos

negros, ainda que não sejam cotistas, são identificados como tal; associados aos

beneficiários da ação afirmativa, padecem prontamente do estigma de cotista.

Na Introdução desta pesquisa, explicito minha opção por designar a todos os

meus depoentes como negros, o que não significa que tenham eles a mesma

aparência ou os mesmos traços fenotípicos. Do meu ponto de vista, sem dúvida,

há dentre os sujeitos de pesquisa que designo por negros, aqueles que jamais

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poderiam se passar por brancos, entretanto, há também aqueles que poderiam e

que socialmente são estimulados a fazê-lo. Devido à natureza flexível e ambígua

dos esquemas classificatórios baseados na cor e na mestiçagem que operam na

sociedade brasileira, os alunos que têm menores marcas que denunciem sua

pertença racial de matriz africana podem gozar do “benefício da dúvida”

deslizando da condição de desacreditado para a de desacreditável.

Com o propósito de permanecer na universidade e alcançar suas formaturas,

os ex-alunos tiveram que lidar com suas identidades subalternizadas de classe e

raça somadas ao estigma de cotista. A maioria é de alunos oriundos de classes

populares e os primeiros a terem a chance de cursar o ensino superior na família.

Alguns entrevistados reagiram ao estigma com medo.

Suas experiências universitárias foram permeadas por diferentes

dificuldades e desafios desde os primeiros momentos na universidade. Os

primeiros períodos dos respectivos cursos foram os mais tensos.

As dificuldades de ordem econômica foram muito importantes na

experiência desses ex-alunos, mas não somente elas. Experimentaram dificuldades

de ordem “acadêmica” e alguns entrevistados afirmam sua decepção com as

reprovações que tiveram, o que desencadeou desde vontade de desistir do curso à

perseverança em continuá-lo. Além disso, alguns tocam nas vicissitudes geradas

pela violência da monocultura universitária, pelo racismo institucional e também

pelos currículos eurocêntricos.

De acordo com os entrevistados, as repetidas dificuldades econômicas, em

certa medida, comprometeram a qualidade do curso. Na experiência dos ex-

alunos, nem sempre se articulam permanência e qualidade, sendo por vezes

obrigados a se submeterem a experiências que favoreceram a permanência, mas

que desgastaram a qualidade dos estudos, o que revela uma grande injustiça.

As condições de permanência foram sendo construídas dia-a-dia com

variáveis múltiplas e complexas, especialmente, as ligadas à realidade

socioeconômica dos alunos, à hierarquia dos cursos universitários, à

discriminação racial e ao pertencimento a redes de relações (Teixeira, 2003) e

apoio dentro e fora da universidade.

Distingo dois caminhos básicos trilhados pelos ex-cotistas que construíram

sua permanência no curso universitário. Essas estratégias não devem ser tomadas

e entendidas separadamente. Cada uma tem um “peso” específico e variável para

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cada aluno e ajudaram a construir o sucesso de todos eles. São caminhos que não

se excluem: a condição de estudante trabalhador e o pertencimento a diferentes

redes de solidariedade.

Os ex-alunos financiaram seus estudos com trabalhos, estágios (dentro e

fora da universidade) e bolsas, exclusiva, sucessiva ou concomitantemente. É

certo que acumularam em determinados momentos de seus cursos trabalho com

estágio, trabalho com estágio, trabalho com bolsa e bolsa com estágio.

Dos dezesseis ex-cotistas, quinze vivenciaram a condição de bolsistas da

universidade, recebendo bolsas de diferentes categorias, como de iniciação

científica, extensão universitária, estágio interno complementar, entre outras.

Quatorze entrevistados receberam a bolsa referente à condição de cotista,

denominada de bolsa permanência ou bolsa-auxílio. Todas foram fundamentais ao

“sucesso universitário” dos ex-cotistas.

As bolsas do PROINICIAR foram fundamentais à permanência dos sujeitos

entrevistados, entretanto o seu valor, como os das demais bolsas da UERJ, foi e é

muito baixo. Andou bem a Lei que dispôs a obrigatoriedade da bolsa-auxílio por

todo o curso, mas há que se ter atenção para que não paralise, desestimule ou

dificulte o envolvimento dos alunos nas atividades acadêmicas. As bolsas devem

ter inequivocamente caráter acadêmico.

Quanto às redes de solidariedade, são constituídas, principalmente, pela

família e pelos colegas de sala. Os agrupamentos ligados ao movimento estudantil

e negro são também sujeitos que se destacam no suporte à permanência e

terminalidade dos cursos.

Outra estratégia importante foi a utilização das bibliotecas. Todos os

entrevistados as frequentaram e não somente às referidas aos seus próprios cursos.

A melhoria quantitativa e qualitativa das bibliotecas, que a universidade deve

priorizar, com certeza impactaria, especialmente, a experiência dos alunos cotistas.

Quanto às relações desenvolvidas pelos sujeitos da pesquisa e seus professores,

é possível afirmar que foram boas. Houve tensões e conflitos que fazem parte do

currículo universitário e outros que parecem ser próprios da nova realidade que se

expande no ensino superior, cada vez menos homogêneo culturalmente.

Os professores em geral não apresentam uma sensibilidade intercultural no

manejo das suas turmas. O diálogo, a troca que caracteriza a interculturalidade,

não se dá espontanea ou “naturalmente”, ao contrário requer ocasiões e sujeitos

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que conscientemente o valorizem e o promovam de modo explícito entre os

diferentes grupos socioculturais (Candau, 2005b).

Raramente, os professores tocaram nos temas “reserva de vagas”, “cotas”,

“cotistas” ou promoveram debates em classe. Os debates havidos ocorreram

majoritariamente nos primeiros períodos. Poucos professores expunham sua

posição quanto à política implantada na UERJ.

Sobressai a baixa expectativa dos professores da UERJ em relação aos

alunos cotistas e seus desempenhos acadêmicos. Na medida em que as entrevistas

se desenvolveram, foram sendo explicitadas pelos entrevistados situações de

flagrante tratamento discriminatório e desrespeitoso de professores em relação aos

alunos cotistas.

Os professores estão implicados com a perspectiva curricular de forte

caráter monocultural, legitimada e naturalizada tanto na UERJ, quanto nas demais

universidades, o que tende a ser foco de tensões em classe com alunos mais

“afrocentrados” que pretendam um processo de integração não subordinado tanto

à cultura universitária quanto à sociedade brasileira.

Quanto às relações com os colegas, a variabilidade de situações é a tônica.

Entretanto, cotistas e não cotistas ocuparam posições assimétricas de poder e

prestígio na condição de alunos universitários.

Houve relações de negação, de discriminação, de guetização, de

estranhamento e de solidariedade.

Parece ter havido em algumas classes, por parte dos colegas (brancos ou

não), hostilidade em relação aos cotistas que inclusive teriam ficado segregados

em territórios bem demarcados nas salas de aula.

Os discursos alarmistas da mídia, de intelectuais e acadêmicos, no entanto,

não se confirmaram, não tiveram base empírica que os sustentassem. Não há

notícias de distúrbios raciais ao estilo Ku Klux Klan, até porque o “racismo à

brasileira” opera de modo “ambíguo, meloso, pegajoso” (Munanga, 1996).

Os ex-cotistas negros se agruparam levando em conta a pertença à condição

de cotistas, o perfil racial, assim como o perfil socioeconômico dos colegas. Não é

possível afirmar que tais grupos foram forjados com base apenas numa dessas

dimensões, ao contrário, parece que essas diferentes dimensões estiveram

embaralhadas na trajetória universitária dos entrevistados.

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Em alguns momentos, cotistas se equivalem a pobres, noutros se equivalem

a pobres e negros e ainda noutros se equivalem a negros. Entretanto, no país do

“mito da democracia racial”, o agrupamento dos alunos negros nos espaços da

universidade não costuma ser pensado, entendido ou enunciado por tais sujeitos

negros, como tendo por motivação uma pertença racial subalternizada, uma

necessidade de apoio, reconhecimento e incentivo à autoestima, ainda quando os

sujeitos negros são alcançados por uma política pública focada na questão racial.

Exceção a essa situação ocorre no caso em que os ex-cotistas participam do

Movimento Negro organizado na universidade. A participação no Grupo X foi

estratégia utilizada com o propósito de superar dificuldades materiais, mas

especialmente a exclusão cultural e potencializou a permanência dos alunos que a

ele se ligaram, ainda que contingentemente.

Outra estratégia que serviu ao “sucesso” dos entrevistados foi a atuação em

coletivos: grupos de pesquisa e centros acadêmicos. Através da participação

nesses espaços, os ex-alunos sentiram-se mais legitimados na universidade e

estreitaram seus compromissos com a permanência e terminalidade de seus

cursos. Expressaram ter vivido momentos de contentamento como conseqüência

dessa participação.

Também na universidade a branquidade (Frankenberger, 2004) é um lugar

de vantagem estrutural, é um ponto de vista, um lugar a partir do qual a cultura

universitária se desenvolve e se reproduz. E aqui esbarramos nos limites das ações

afirmativas quando pensadas e/ou executadas numa perspectiva assimilacionista

(Candau, 2005 b; McLaren, 2000) dos negros, sujeitos das políticas. Nesse

sentido, o acesso à universidade é possibilitado aos “outros”, desde que sejam

como “nós”, isto é, a cultura universitária não é desafiada em sua configuração

historicamente construída. Quem dela quiser participar deve incorporar seus

valores e práticas sem questioná-los.

A cultura universitária da UERJ está longe de superar uma perspectiva

assimilacionista, ao contrário, há momentos em que é violenta. Os “novos” alunos

pesquisados pareceram adentrar “território alheio”.

Para finalizar, registro que o trabalho suscitou outras questões relacionadas à

experiência dos ex-alunos cotistas negros que podem ser objeto de outras pesquisas.

Sugiro e estimulo os pesquisadores interessados na temática a buscarem

conhecer: os motivos pelos quais os cotistas se evadem menos que os não cotistas e

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também o porquê de se evadirem; a existência ou não de mudanças nos programas

das disciplinas nas graduações em função da mudança do perfil social e racial

experimentado nos cursos; a composição racial do segmento docente, identificando

e localizando os professores negros na UERJ; as reais lacunas e dificuldades

acadêmicas dos estudantes cotistas com o propósito de construir propostas não

estigmatizadoras de uma formação complementar, questões que me perseguiram

durante a pesquisa, além de outras tantas possíveis que visem compreender como

ocorrem as vivências dos sujeitos negros no universo acadêmico.

Muito ainda há para ser aprendido com a experiência da UERJ, mas para

que isso possa acontecer de modo plural, democrático, é essencial que a

universidade abra seus arquivos, seu banco de dados, dando publicidade às

informações que somente ela possui a todos os pesquisadores interessados. E

mais, que incentive pesquisas relacionadas à experiência das ações afirmativas

que lá se desenvolvem.

Cabe à universidade reconhecer a existência de seu racismo institucional,

promovendo junto a toda a comunidade universitária e, especialmente aos Centros

Setoriais, a tarefa complexa de combate ao racismo, desmistificando estereótipos e

concepções preconceituosas que povoam representações e orientam práticas

cotidianas.

Proponho ainda que a universidade, dentre tantas ações necessárias, priorize

as seguintes: desenhe junto à comunidade universitária ações afirmativas em todas

as instâncias que selecionam através do chamado “mérito acadêmico”, como os

programas de bolsas, os programas de pós-graduação, dentre outros. É preciso

reverter o processo de seletividade do ensino superior brasileiro que, de acordo

com uma lógica não inclusiva (Luckesi, 2005), foi responsável pelo recrutamento

de seus alunos e professores quase que exclusivamente em um único contingente

racial, e incentive institucionalmente a produção de saberes voltados à questão

racial e ao oferecimento de disciplinas que contemplem as culturas

“afrobrasileiras” e as contribuições dos saberes de matriz africana nas diversas

áreas do conhecimento.

A universidade, caso pretenda sair da posição considerada por Carvalho

(2006) de confinamento racial, deverá promover alterações nos conteúdos

programáticos das disciplinas e nas grades curriculares, com vistas a criar

possibilidades de construção de identidades raciais não hierarquizadas,

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subalternizadas, dando combate ao racismo e seus efeitos dentro e fora do espaço

universitário. Para tanto, há que se enfrentar na universidade a temática das

relações raciais no Brasil, promovendo o esfacelamento do persistente mito da

democracia racial.

Apostar nos olhares cujas perspectivas podem não ser as postas pela

branquidade é salutar à universidade, embora se constitua num grande desafio

para gestores, professores e alunos (Junqueira, 2007).

A chegada de alunos negros às universidades, através das ações afirmativas,

democratiza a universidade e pode fomentar um salto de qualidade nos padrões

acadêmicos, científicos e políticos nacionais capazes de colaborar na realização

das transformações sociais radicalmente democráticas que desejamos para a

totalidade da sociedade brasileira.

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6 Referências Bibliográficas ALMEIDA, Nival. Introdução: a política de ações afirmativas na UERJ. In: ARRUDA, José Ricardo (org). Política de ações afirmativas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2007. p. 9- 26. ANDRADE, Pedro. As Políticas de Ação Afirmativa na Universidade Estadual de Londrina. Trabalho apresentado no VII-SEPECH - Seminários de Pesquisa em Ciências Humanas, na Universidade estadual de Londrina, 2008. Disponível em <http://www.uel.br/eventos/sepech/arqtxt/resumos-anais/PedroHAndrade.pdf>. Acesso em: 9 fev. 2011. ARBACHE, Ana. A Política de cotas raciais na universidade pública brasileira: um desafio ético. Tese (Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. ARRUDA, José Ricardo & BIRBEIRE, Maria Alice. Análise de desempenho na universidade dos ingressantes através do sistema de cotas. In: ARRUDA, José Ricardo Campelo (org). Política de ações afirmativas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2007. p. 47 – 102. BENEDITO, Vera. Universidade Plural, País de Cidadãos: ações afirmativas desafiando paradigmas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. In: LOPES, Maria e BRAGA, Maria (orgs.). Acesso e Permanência da população negra no ensino superior Brasília. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Unesco, 2007. BENTO, Maria. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público. (Tese de doutorado), São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, 2002. ________. A institucionalização da luta anti-racismo e branquitude. In: HERINGER, Rosana (Org.). A cor da desigualdade: desigualdades raciais no mercado de trabalho e ação afirmativa no Brasil. Rio de Janeiro: IERÊ-IFCS/UFRJ, 1999. BERNARDINO, J. Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, 2002 . Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000200002&script=sci_arttext&tlng=es > Acesso em: 22 fev. 2011.

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APÊNDICES 7.1. FICHA DE ENTREVISTA

PREENCHA OS SEGUINTES DADOS:

1–Nome:____________________________________________

2 - Sexo: ( ) F ( ) M

3- Idade: ____ anos

4 - Residência:

( ) zona oeste

( )zona norte

( )zona sul

( ) baixada fluminense,

( ) Niterói e São Gonçalo

( ) outra: Qual? _____________

5- Cor/raça: _________________

6 - Estado civil atual:

( ) solteiro/a

( ) casado/a

( ) separado/a divorciado/a

( )viúvo/a

( ) outro: qual? ________________

7 - Escolaridade dos pais:

Mãe:

( ) analfabeta

( ) fundamental

( ) médio

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( ) superior incompleto

( ) superior completo

Pai:

( ) analfabeto

( ) fundamental

( ) médio

( ) superior incompleto

( ) superior completo

8 - Ocupação da mãe: ________________________

9 - Ocupação do pai;__________________________

10 - Renda mensal da família em salários mínimos: ______________

11- Trabalhava antes da entrada na UERJ?

( ) Não

( ) Sim Em que atividade?________________________________

12 - Trajetória escolar pré-universitária

A - Cursou o ensino fundamental em

( ) escola pública

( ) escola particular

( ) ambos (explicitar)

B - Cursou o ensino médio em:

( ) escola pública

( ) escola particular

( ) ambos (explicitar)

C - Fez Curso Pré-Vestibular?

( ) não

( ) sim, qual? ____________________

Em que ano/s? __________________

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D - Fez vestibular quantas vezes? _____________________

E – Em que ano entrou na universidade? _____________________

F – Em que curso? ________________________

G - Em que ano concluiu o curso? ________________________

H – Através de que tipo de cota você cursou a universidade?

( ) escola pública

( ) pretos/pardos

( ) ambos

( ) outra: qual? ________________

13 – Durante o curso universitário, você participou de atividades coletivas como

núcleos, grupos de leitura, centro acadêmico, etc?

( ) não

( ) sim, qual? _____________________

14 - Participou de algum curso no PROINICIAR?

( ) não

( ) sim, qual? ___________________________

O que fez você participar? ______________

15 - Participou de alguma atividade no Espaços Afirmados?

( ) não

( ) sim, qual?____________________________________

Por que? ___________________________________

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7.2. ROTEIRO DE ENTREVISTAS

1- Trajetória universitária: primeiros momentos

a. Por que você escolheu a UERJ para ingressar no ensino superior?

b. E o curso xxx? O que o/a levou a escolhê-lo?

c. Em relação ao tipo de cota, como você definiu? Baseado em que motivos?

d. Qual foi a sua primeira reação quando soube que tinha sido admitido na

UERJ? Como você se sentiu?

e. E os primeiros momentos, de inserção na universidade? Fale um pouco

como foram, o que você fez, as primeiras aulas, os espaços da

universidade os colegas, etc. Do que você lembra? O que foi mais

marcante?

f. Você comentou com alguém que era cotista? Se responder sim, perguntar:

Quando? Como? Com quem?; Se respondeu não, perguntar: porque?

2- Permanência na universidade

2.1- condições financeiras

a. Você trabalhou durante a o curso? Caso positivo, perguntar: onde?

quantas horas por dia?; caso negativo, perguntar: como você se mantinha

financeiramente?

b. Recebeu bolsa? Caso positivo: Qual? Por quanto tempo? A bolsa era de

quanto? A bolsa exigia quantas horas de dedicação por semana? Cobria

seus principais gastos?

c. Como você fazia para dispor dos materiais exigidos pelas aulas (livros,

fotocópias, apostilas, etc)?

d. Onde você almoçava, lanchava ou fazia outra refeição durante o curso?

e. Experimentou alguma dificuldade no curso devido à questão financeira, à

falta de dinheiro? Caso positivo, qual/ais?

2.2- Tempo e local de estudos

a. Durante o curso, quantas horas você dedicava aos estudos fora as aulas?

Onde estudava? (em casa, faculdade, biblioteca, etc) ; Em geral, estudava

sozinho? Com colegas? Da mesma turma ou com outros? Quais? Estudava

todos os dias? Nos fins de semana? Às vezes? Nas vésperas das provas?

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b. Você freqüentava a biblioteca da UERJ? Quando? Considera que foi bem

atendido? A biblioteca dispunha dos materiais que você necessitava?

c. Em relação ao estudo, o que foi mais importante para você? O que o

ajudou mais? E suas principais dificuldades?

2.3- Relação com outros alunos/as

a. O que você achava dos seus colegas de turma? Como era sua relação com

eles? Havia alguma separação entre cotistas e não cotistas? Caso positivo,

como se dava? Como você se sentia? Caso negativo, o que favorecia a

relação entre os membros da turma? O que dificultava?

b. Você escolhia o lugar para ficar na sala de aula? Como? Sentava junto de

qualquer aluno/a? De outros aluno/as cotistas?

c. Quando o/a professor/a promovia trabalhos em grupo, em geral, como

eram formados os grupos?

d. E fora da sala de aula, você encontrava seus colegas? Em geral, quais? Em

que espaços? Havia momentos de encontro entre os cotistas? Onde?

Quando?

e. Você participou de algum grupo de pesquisa durante o curso? Caso

positivo, como foi sua inserção? Por quanto tempo? Foi bolsista? De que

instituição? Quantas horas de dedicação a bolsa exigia? Conte um pouco a

sua experiência no grupo de pesquisa: a temática estudada, as atividades

que você desenvolveu, como se sentia, etc. Você chegou a publicar algo?

O que? Como se sentiu? Você se sente atraído pela vida acadêmica? O que

pretende fazer?; Caso negativo: você tentou participar? Não teve interesse

por esta atividade? Preferia outros espaços? Quais?

2.4- Relação com os/as professores/as

a. Como era a sua relação com os professores? Com que professores você se

sentia melhor? E quais aqueles com os quais você se sentia mais

incômodo?

b. Quais as aulas que você achava mais interessantes? Porque? E aquelas

menos interessantes? Como você se semtia em geral durante as aulas?

c. Os /as professores/as manifestavam alguma maneira especial de tratar

os/as cotistas? Eles/as sabiam quem eram vocês? Você presenciou em

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algum momento algum comentário dos/as professores/as sobre esta

realidade?

d. Em geral, como você se sentia nos momentos de avaliação? Como você se

saiu nas provas, trabalhos, seminários, avaliações? Como foi seu

desempenho acadêmico?

3- Outros espaços formativos

a. Você fez estágio? Onde? Durante quanto tempo? Como você conseguiu o

(s) estágio(s)? A condição de cotista facilitou este acesso? Dificultou?

Como? Ou não foi um aspecto tornado público ou levado em

consideração?

b. Você teve acesso a outros espaços de formação como grupos organizados

pelos alunos/as, experiências de voluntariado, etc? Caso positivo, diga em

que consistiram e o que foi mais positivo e interessante para você.

4- Maiores desafios/dificuldades/êxitos/prazeres

a. Poderia me contar quais foram os maiores desafios que você enfrentou na

universidade? (exigências/atividades/desempenho acadêmicos?

econômicas (manutenção na universidade? Conciliar estudo e trabalho?

Acesso ao computador e outros recursos pedagógicos? De relacionamento

com alunos/professores?)

b. Como você acha que contornou/superou essas dificuldades/desafios? O

que foi mais importante?

c. O que você recomendaria a um/a colega cotista iniciante para que ele/a

possa ter sucesso na vida universitária?

d. Se você tivesse de começar de novo o curso, o que evitaria e o que

reforçaria para ter êxito acadêmico?

e. Quais foram seus maiores prazeres na universidade? O que você gostou

mais? O que foi mais gratificante?

f. E quais aquelas coisas que foram mais massacrantes, difíceis e

estressantes?

5- A questão da cor/raça e da discriminação/racismo na universidade

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a. você sempre se reconheceu como negro(a)? Por que? (fenótipo,

ancestralidade, características sociais).

b. Poderia me relatar alguma experiência que viveu na universidade como

negro(a)?

c. Você presenciou ou sofreu alguma situação de discriminação racial

durante o período que esteve na UERJ?Caso positivo, poderia contar

como foi? Como a UERJ lidou com esse fato ou situações semelhantes?

Você acha que outros modos de enfrentar estas questões seriam mais

adequados? Quais?

6—Você e as cotas hoje

a. Como você vê hoje a política de cotas no ensino superior? Em que são

positivas? Quais suas maiores dificuldades?

b. E a política de cotas atual da Uerj, o que você acha? Deveriam ser só para

alunos egressos de escola pública? Também raciais? E o corte de renda,

deve ser mantido?

c. Entre o que você pensava sobre este tema antes de entrar na Uerj e agora

que já terminou o curso, a sua posição se manteve? Se modificou? Caso

positivo, em relação a que?

d. Você gostaria de acrescentar alguma coisa mais sobre a sua experiência de

cotista negro na UERJ?

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7.3. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou desenvolvendo pesquisa de doutorado intitulada: “Acesso,

permanência e terminalidade no ensino superior: experiências universitárias de ex-

alunos cotistas negros da UERJ”, com a orientação da professora Vera Maria

Candau, professora titular do Departamento de Educação da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). O trabalho tem por objetivo

conhecer e analisar as estratégias utilizadas por cotistas negros, oriundos ou não

de escolas públicas, que tiveram êxito nos seus cursos universitários ao ponto de

chegarem à formatura, isto é, trata-se de pesquisar a construção do sucesso

universitário desses sujeitos que chegam à universidade através do mecanismo de

cotas. Durante a realização da pesquisa tenho tido encontros presenciais

quinzenais com a orientadora e assim será até o término da mesma, o que

permitirá um cuidadoso acompanhamento de todas as etapas do estudo.

Este documento procura dar a você informações e pedir sua participação

nessa pesquisa. Para participar do estudo é preciso ser entrevistado(a), atividade

que poderá ser realizada em um único dia ou em dois. Nesta ocasião o/a

entrevistado/a inicialmente preencherá por escrito uma ficha com alguns dados

que permitam caracterizar globalmente o perfil dos/as participantes. Para a

obtenção de um registro adequado da entrevista será utilizado um gravador. Fica

assegurado o seu direito de pedir quaisquer esclarecimentos sobre esta pesquisa,

agora ou mais tarde, podendo inclusive se recusar a participar ou interromper sua

participação na mesma em qualquer momento caso se sinta desconfortável com

alguma questão, podendo inclusive se negar a respondê-la. Sua participação na

pesquisa é livre e voluntária em todo o processo. Não haverá nenhum benefício

direto decorrente desta participação. Sempre que considerar oportuno você pode

entrar em comunicação com a pesquisadora, através do e.mail

danielavalentim@yahoo.com.br e/ou com a orientadora da tese, através do e.mail

vmfc@puc-rio.br.

As informações sobre sua pessoa, neste estudo, serão tratadas com sigilo.

Os nomes dos participantes não serão divulgados em nenhuma hipótese. O

relatório final da pesquisa, bem como a socialização dos resultados em revistas

científicas, periódicos, congressos ou simpósios apresentará os dados em seu

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conjunto de modo que não será possível a identificação dos indivíduos que dela

participarem.

Li e sou consciente da natureza da pesquisa descrita neste Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, e aceito participar da mesma.

Para tanto assino este documento juntamente com a pesquisadora para a

confirmação do compromisso assumido por ambas as partes, sendo que cada um/a

deles/as ficará com uma cópia, estando ainda ciente que a cópia da pesquisadora

permanecerá arquivada no Departamento de Educação da PUC-Rio.

Rio de Janeiro, de de 2010

______________________________

Nome do/a entrevistado/a

_________________________________

Daniela Frida Drelich Valentim - pesquisadora

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ANEXOS 8.1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL À UERJ 8.1.1. LEI Nº 5.346 DE 11 DE DEZEMBRO DE 2008 LEI Nº 5.346 DE 11 DE DEZEMBRO DE 2008 DISPÕE SOBRE O NOVO SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º - Fica instituído, por dez anos, o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais, adotado com a finalidade de assegurar seleção e classificação final nos exames vestibulares aos seguintes estudantes, desde que carentes: I - negros; II - indígenas; III - alunos da rede pública de ensino; IV - pessoas portadoras de deficiência, nos termos da legislação em vigor; V - filhos de policiais civis e Militares, bombeiros Militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço. §1º Por estudante carente entende-se como sendo aquele assim definido pela universidade pública estadual, que deverá levar em consideração o nível sócio-econômico do candidato e disciplinar como se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores sócio-econômicos utilizados por órgãos públicos oficiais. § 2º- Por aluno oriundo da rede pública de ensino entende-se aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do 2º ciclo do ensino fundamental e do ensino médio em escolas públicas de todo território nacional. § 3°- O edital do processo de seleção, atendido ao princípio da igualdade, estabelecerá as minorias étnicas e as pessoas portadoras de deficiência beneficiadas pelo sistema de cotas, admitida a adoção do sistema de auto-declaração para negros e pessoas integrantes de minorias étnicas, e da certidão de óbito, juntamente com a decisão administrativa que reconheceu a morte em razão do serviço, para filhos dos policiais civis, Militares, bombeiros Militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, cabendo à universidade criar mecanismos de combate à fraude. § 4°- O candidato, no ato da inscrição, deverá opta r por qual reserva de vagas estabelecidas no caput e nos incisos I ao V do presente artigo irá concorrer. § 5º- As universidades estaduais, no exercício de sua autonomia, adotarão os atos e procedimentos necessários para a gestão do sistema, observados os princípios e regras estabelecidos na legislação estadual, em especial: I - universalidade do sistema de cotas quanto a todos os cursos e turnos oferecidos;

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II - unidade do processo seletivo; III - em caso de não preenchimento de vagas reservadas a determinado grupo, estas serão, prioritariamente, ocupadas por candidatos classificados dos demais grupos (art. 1°, I ao V), seguindo a ordem de classificação; IV - caso persistirem vagas ociosas depois de esgotados os critérios do inciso anterior, as vagas remanescentes deverão, obrigatoriamente, ser completadas pelos candidatos não optantes pelo sistema de cotas. § 6º- No prazo de um ano anterior ao fim do prazo de prorrogação estabelecido no caput deste artigo, o Poder Executivo instituirá comissão para avaliar os resultados do programa de ação afirmativa, presidida pelo Procurador-Geral do Estado, com representantes dos órgãos e entidades participantes do referido programa, além de representantes das instituições da sociedade civil, em cada etnia ou segmento social objeto desta Lei. § 7º- O Relatório da avaliação do programa será publicado e encaminhado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ, para fins de acompanhamento. Art. 2º - As cotas de vagas para ingresso nas universidades estaduais serão as seguintes, respectivamente: I - 20% (vinte por cento) para os estudantes negros e indígenas; II - 20 % (vinte por cento) para os estudantes oriundos da rede pública de ensino; III - 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e filhos de policiais civis, Militares, bombeiros Militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço. Art. 3º - É dever do Estado do Rio de Janeiro proporcionar a inclusão social dos estudantes carentes destinatários da ação afirmativa objeto desta Lei, promovendo a sua manutenção básica e preparando seu ingresso no mercado de trabalho, inclusive mediante as seguintes ações: I - pagamento de bolsa-auxílio durante o período do curso universitário; II - reserva proporcional de vagas em estágios na administração direta e indireta estadual; III - instituição de programas específicos de crédito pessoal para instalação de estabelecimentos profissionais ou empresariais de pequeno porte e núcleos de prestação de serviços. Art. 4º - É mantido o procedimento de declaração pessoal para fins de afirmação de pertencimento à raça negra, devendo a administração universitária adotar as medidas disciplinares adequadas nos casos de falsidade. Art. 5º - O Estado do Rio de Janeiro promoverá, noventa dias antes das inscrições para os exames vestibulares das universidades estaduais, campanha publicitária de orientação social para informar os estudantes destinatários desta Lei. Art. 6º - As disposições desta Lei aplicam-se, no que for cabível, a todas as instituições públicas de ensino superior, mantidas e administradas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.

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Art. 7º - Esta Lei será objeto de revisão a ser iniciada seis meses antes do termo final do prazo a que se refere o art. 1º, revogadas as disposições em contrário, em especial a Lei nº 4.151, de 4 de setembro de 2003 e a Lei n° 5.074, de 17 de julho de 2007. Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2008. SERGIO CABRAL Governador Projeto de Lei nº 1774/2008 Autoria: Poder Executivo, Mensagem nº 35/2008

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8.1.2. LEI 4151 DE 04 DE SETEMBRO DE 2003 LEI 4151 DE 04 DE SETEMBRO DE 2003 INSTITUI NOVA DISCIPLINA SOBRE O SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS ESTADUAIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS

A Governadora do Estado do Rio de Janeiro

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - Com vistas à redução de desigualdades étnicas, sociais e econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer cotas para ingresso nos seus cursos de graduação aos seguintes estudantes carentes:

I - oriundos da rede pública de ensino;

II - negros;

III - pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas.

§ 1º - Por estudante carente entende-se como sendo aquele assim definido pela universidade pública estadual, que deverá levar em consideração o nível sócio-econômico do candidato e disciplinar como se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores sócio-econômicos utilizados por órgãos públicos oficiais.

§ 2º - Por aluno oriundo da rede pública de ensino entende-se como sendo aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do 2º ciclo do ensino fundamental em escolas públicas de todo território nacional e, ainda, todas as séries do ensino médio em escolas públicas municipais, estaduais ou federais situadas no Estado do Rio de Janeiro.

§ 3º - O edital do processo de seleção, atendido o princípio da igualdade, estabelecerá as minorias étnicas e as pessoas com deficiência beneficiadas pelo sistema de cotas, admitida a adoção do sistema de auto-declaração para negros e pessoas integrantes de minorias étnicas, cabendo à Universidade criar mecanismos de combate à fraude.

§ 4º - O candidato no ato da inscrição deverá optar por qual reserva de vagas estabelecidas nos incisos I, II e III do presente artigo irá concorrer.

Art. 2º - Cabe às universidades públicas estaduais definir e fazer constar dos editais dos processos seletivos a forma como se dará o preenchimento das vagas reservadas por força desta Lei, inclusive quanto ao quantitativo oferecido e aos critérios mínimos para a qualificação do estudante, observado o disposto no seu art.5º, os seguintes princípios e regras:

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I - autonomia universitária;

II - universalidade do sistema de cotas quanto a todos os cursos e turnos oferecidos;

III - unidade do processo seletivo; e

IV - em caso de vagas reservadas não preenchidas por determinado grupo deverão as mesmas ser, prioritariamente, ocupadas por candidatos classificados dos demais grupos da reserva (art.1º, I a III) seguindo a ordem de classificação.

Parágrafo único - Os critérios mínimos de qualificação para acesso às vagas oferecidas deverão ser uniformes para todos os concorrentes, independentemente de sua origem, admitida, porém, a adoção de critérios diferenciados de qualificação por curso e turno.

Art. 3º - Deverão as Universidades Públicas Estaduais constituir Comissão Permanente de Avaliação com a finalidade de:

I - orientar o processo decisório de fixação do quantitativo de vagas reservadas aos beneficiários desta Lei, levando sempre em consideração seu objetivo maior de estimular a redução de desigualdades sociais e econômicas;

II - avaliar os resultados decorrentes da aplicação do sistema de cotas na respectiva instituição; e

III - elaborar relatório anual sobre suas atividades, encaminhando-o ao colegiado universitário superior para exame e opinamento e posterior encaminhamento à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Art. 4º - O Estado proverá os recursos financeiros necessários à implementação imediata, pelas universidades públicas estaduais, de programa de apoio visando resultados satisfatórios nas atividades acadêmicas de graduação dos estudantes beneficiados por esta Lei, bem como sua permanência na instituição:

Parágrafo único - Aplicam-se as disposições deste artigo, aos estudantes carentes que ingressaram nas universidades públicas estaduais beneficiados pelo disposto nas Leis nºs 3.524, de 28 de dezembro de 2000, 3.708, de 09 de novembro de 2001 e 4.061, de 02 de janeiro de 2003, ficando desde já, o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares para cobrir as despesas necessárias à manutenção do programa, inclusive com recursos oriundos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza.

Art. 5º - Atendidos os princípios e regras instituídos nos incisos I a IV do artigo 2º e seu parágrafo único, nos primeiros 5 (cinco) anos de vigência desta Lei deverão as universidades públicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes carentes no percentual mínimo de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da seguinte forma:

I - 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pública de ensino;

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II - 20% (vinte por cento) para negros; e

III - 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor e integrantes de minorias étnicas.

Parágrafo único - Após o prazo estabelecido no "caput" do presente artigo qualquer mudança no percentual acima deverá ser submetida à apreciação do Poder Legislativo.

Art. 6º - Para fins de aplicação da ação afirmativa instituída nesta Lei, os órgãos de direção pedagógica superior das universidades, para assegurar a excelência acadêmica, adotarão critérios definidores de verificação de suficiência mínima de conhecimentos, os quais deverão ser publicados no edital de vestibular ou exames similares, sob pena de nulidade.

Art. 7º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário, especialmente as Leis nºs 3.524, de 28 de dezembro de 2000, 3.708, de 09 de novembro de 2001 e 4.061, de 02 de janeiro de 2003.

Rio de Janeiro, 04 de setembro de 2003.

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8.1.3. LEI Nº 4061, DE 02 DE JANEIRO DE 2003 LEI Nº 4061, DE 02 DE JANEIRO DE 2003. DISPÕE SOBRE A RESERVA 10% DAS VAGAS EM TODOS OS CURSOS DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS ESTADUAIS A ALUNOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. A Governadora do Estado do Rio de Janeiro, Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1° - As Universidades Públicas Estaduais deverão reservar 10% (dez por cento) das vagas oferecidas em todos os seus cursos para alunos portadores de deficiência. Parágrafo único – As vagas oferecidas nesta Lei serão tomadas dentre aquelas ofertadas aos alunos egressos da rede pública de ensino do Estado ou dos municípios, conforme dispõe a Lei nº 3.524/2000. Art. 2° - O número de vagas previsto no “caput” do art. 1° desta Lei deverá constar obrigatoriamente do Edital que disciplina o processo de seleção para cada Curso e Unidade, arredondando-se para cima quando a quantidade de vagas for fracionada. Art. 3° - Os beneficiários desta Lei deverão, no ato de inscrição para o processo de seleção ao Curso desejado, informar sua condição de portador de deficiência através de laudo médico passado por Unidade Pública de Saúde. Art. 4° - No caso do número de candidatos portadores de deficiência ser menor que o número de vagas oferecidas de acordo com esta Lei, as vagas remanescentes poderão ser preenchidas com alunos não beneficiados por esta Lei. Art. 5° - Para ingresso no Curso desejado, os beneficiários desta Lei deverão auferir nas provas de seleção pontuação mínima e que seja compatível com a determinada pelas regras do Concurso. Art. 6° - Além da reserva de vagas prevista nesta Lei, deverão ainda as Universidades Públicas Estaduais adaptarem seus Campus ao livre acesso aos portadores de deficiência, com a eliminação de toda e qualquer barreira arquitetônica ou urbanística. Art. 7° - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 02 de janeiro de 2003. ROSINHA GAROTINHO GOVERNADORA

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8.1.4. DECRETO Nº 30.766, DE 04 DE MARÇO DE 2002 Decreto nº 30.766, de 04 de março de 2002 DISCIPLINA O SISTEMA DE COTA PARA NEGROS E PARDOS NO ACESSO À UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E À UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS

O Governador do Estado do Rio de Janeiro, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o disposto no artigo 1º, caput e parágrafo único, da Lei nº 3.708, de 09 de novembro de 2001, e tendo em vista o que consta do Processo E-26/059/2002.

DECRETA:

Art. 1º - Ficam reservadas, para negros e pardos, 40% das vagas relativas aos cursos de graduação oferecidas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Parágrafo único - Para os fins deste decreto, não se faz distinção entre pessoas negras e pardas.

Art. 2º - Caberá às universidades envolvidas definir os critérios mínimos de qualificação para o acesso às vagas reservadas aos alunos negros e pardos.

Art. 3º - No preenchimento de suas vagas, deverão as universidades observar, sucessivamente, o seguinte:

I - verificar os candidatos qualificados de acordo com o com os critérios tratados na Lei nº 3.524/2000, selecionando-os para ingresso até o limite das vagas destinadas a tal fim;

II - identificar, dentre os alunos selecionados para ingresso na instituição na forma do inciso anterior, o percentual que se declarou negro ou pardo em relação ao número total de vagas oferecidas, por curso e turno;

III - deduzir, da cota de 40%, o percentual de candidatos selecionados na instituição, declarados negros ou pardos, que foram beneficiados pela Lei nº 3.524/2000 (art. 1º, parágrafo único, da Lei 3.708/2001).

IV - preencher as vagas restantes, da cota de 40%, com os demais candidatos declarados negros ou pardos que tenham sido qualificados para ingresso na instituição, independentemente da origem escolar; e

V - preencher as demais vagas oferecidas independentemente da cor, raça ou origem escolar do candidato qualificado.

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Parágrafo único. Em caso de reclassificação, deverão as universidades observar o sistema de cotas estabelecidos pelas Leis nºs 3.524/2000 e 3.708/2001.

Art. 4º - Caso não sejam preenchidas todas as vagas reservadas aos beneficiários deste Decreto poderão ser elas aproveitadas pelos demais estudantes.

Art. 5º - A identificação dos alunos negros e pardos se fará através de declaração firmada, sob as penas da Lei, pelo próprio candidato à vaga na universidade.

§1º - A autodeclaração é facultativa, ficando o candidato submetido às regras gerais de seleção, caso opte por não a firmar.

§2º - Os candidatos beneficiados pelo regime de reserva de vagas tratado na Lei nº 3.524/00 poderão firmar a declaração prevista neste artigo.

Art. 6º - Fica instituído sem o aumento de despesa, o Conselho para a Promoção Educacional Superior das Populações Negra e Parda - COPESNEP, com os seguintes objetivos:

I - manter memória de dados capaz de permitir o acompanhamento do perfil de desempenho dos estudantes negros e pardos nos exames seletivos para o ingresso nas instituições de ensino superior em funcionamento no Estado do Rio de Janeiro;

II - propor medidas que visem estimular a aplicação do sistema de cotas estabelecido neste Decreto a outras instituições de ensino superior;

III - propor medidas que visem o aprimoramento da legislação que trata do acesso dos negros e pardos ao ensino superior; e

IV - propor medidas que visem divulgar e orientar a sociedade da importância das ações afirmativas adotadas por força deste Decreto, com vistas à promoção da igualdade de oportunidades entre os diversos grupos étnicos e o combate à discriminação.

Art. 7º - O Conselho para a Promoção Educacional Superior das Populações Negra e Parda - COPESNEP, vinculado à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, é composto dos seguintes membros:

I - um representante da Secretaria de Estado de Educação de Ciência e Tecnologia;

II - um representante da Secretaria de Estado de Educação;

III - um representante do Conselho Estadual do Negro;

IV - um representante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro;

V - um representante da Universidade Estadual do Norte Fluminense; e

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§1º - Será convidado para participar do COPESNEP um representante do movimento estudantil negro organizado indicado pela Coordenação Nacional de Entidades Negras - CONEN, dentre estudantes do ensino médio.

§2º - O COPESNEP será presidido pelo representante da Secretaria de Estado de Ciências e Tecnologia, contando com voto qualificado, em caso de empate nas votações.

§3º - O exercício das funções de Presidente ou membro do Conselho não será remunerado, a qualquer título, sendo considerado de relevante interesse público.

Art 8º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos para o ingresso nas universidades a partir de 2003, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 04 de março de 2002

Anthony Garotinho

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8.1.5. LEI Nº 3708, DE 09 DE NOVEMBRO DE 2001. LEI Nº 3708, DE 09 DE NOVEMBRO DE 2001. INSTITUI COTA DE ATÉ 40% (QUARENTA POR CENTO) PARA AS POPULAÇÕES NEGRA E PARDA NO ACESSO À UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E À UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

O Governador do Estado do Rio de Janeiro,

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º – Fica estabelecida a cota mínima de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF.

Parágrafo único – Nesta cota mínima incluídos também os negros e pardos beneficiados pela Lei nº 3524/2000.

Art. 2º – O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 30 (trinta) dias de sua publicação.

Art. 3º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 09 de novembro de 2001.

ANTHONY GAROTINHO

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8.1.6. LEI Nº 3524, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2000. LEI Nº 3524, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2000. DISPÕE SOBRE OS CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E ADMISSÃO DE ESTUDANTES DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO EM UNIVERSIDADES PÚBLICAS ESTADUAIS E DÁ OUTRAS PROVIDENCIAS

O Governador do Estado do Rio de Janeiro, Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - Os órgãos e instituições de ensino médio oficiais situadas no Estado do Rio de Janeiro, em articulação com as universidades públicas estaduais, instituirão sistemas de acompanhamento do desempenho de seus estudantes, atendidas as normas gerais da educação nacional.

Art. 2º - As vagas oferecidas para acesso a todos os cursos de graduação das universidades públicas estaduais serão preenchidas observados os seguintes critérios:

I - 50% (cinqüenta por cento), no mínimo por curso e turno, por estudantes que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:

a) tenham cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em instituições da rede pública dos Municípios e/ou do Estado.

b) tenham sido selecionados em conformidade com o estatuído no art. 1º desta Lei;

II - 50% (cinqüenta por cento) por estudantes selecionados em processo definido pelas universidades segundo a legislação vigente.

Parágrafo único – Os candidatos oriundos das escolas públicas não pagarão taxa de inscrição.

Art. 3º - VETADO. Art. 4º - VETADO. Art. 5º - VETADO.

Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2000.

Anthony Garotinho

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8.1.7. ATO DA REITORIA 008 DE 2011

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8.2. LEI Nº 11.788, DE 25 DE SETEMBRO DE 2008. LEI Nº 11.788, DE 25 DE SETEMBRO DE 2008.

Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DA DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E RELAÇÕES DE ESTÁGIO

Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

§ 1o O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.

§ 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.

Art. 2o O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso.

§ 1o Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma.

§ 2o Estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.

§ 3o As atividades de extensão, de monitorias e de iniciação científica na educação superior, desenvolvidas pelo estudante, somente poderão ser equiparadas ao estágio em caso de previsão no projeto pedagógico do curso.

Art. 3o O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos:

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I – matrícula e freqüência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino;

II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;

III – compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.

§ 1o O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta Lei e por menção de aprovação final.

§ 2o O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

Art. 4o A realização de estágios, nos termos desta Lei, aplica-se aos estudantes estrangeiros regularmente matriculados em cursos superiores no País, autorizados ou reconhecidos, observado o prazo do visto temporário de estudante, na forma da legislação aplicável.

Art. 5o As instituições de ensino e as partes cedentes de estágio podem, a seu critério, recorrer a serviços de agentes de integração públicos e privados, mediante condições acordadas em instrumento jurídico apropriado, devendo ser observada, no caso de contratação com recursos públicos, a legislação que estabelece as normas gerais de licitação.

§ 1o Cabe aos agentes de integração, como auxiliares no processo de aperfeiçoamento do instituto do estágio:

I – identificar oportunidades de estágio;

II – ajustar suas condições de realização;

III – fazer o acompanhamento administrativo;

IV – encaminhar negociação de seguros contra acidentes pessoais;

V – cadastrar os estudantes.

§ 2o É vedada a cobrança de qualquer valor dos estudantes, a título de remuneração pelos serviços referidos nos incisos deste artigo.

§ 3o Os agentes de integração serão responsabilizados civilmente se indicarem estagiários para a realização de atividades não compatíveis com a

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programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular.

Art. 6o O local de estágio pode ser selecionado a partir de cadastro de partes cedentes, organizado pelas instituições de ensino ou pelos agentes de integração.

CAPÍTULO II DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO

Art. 7o São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:

I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar;

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando;

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;

IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades;

V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento de suas normas;

VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;

VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas.

Parágrafo único. O plano de atividades do estagiário, elaborado em acordo das 3 (três) partes a que se refere o inciso II do caput do art. 3o desta Lei, será incorporado ao termo de compromisso por meio de aditivos à medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante.

Art. 8o É facultado às instituições de ensino celebrar com entes públicos e privados convênio de concessão de estágio, nos quais se explicitem o processo educativo compreendido nas atividades programadas para seus educandos e as condições de que tratam os arts. 6o a 14 desta Lei.

Parágrafo único. A celebração de convênio de concessão de estágio entre a instituição de ensino e a parte concedente não dispensa a celebração do termo de compromisso de que trata o inciso II do caput do art. 3o desta Lei.

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CAPÍTULO III DA PARTE CONCEDENTE

Art. 9o As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:

I – celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento;

II – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural;

III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente;

IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;

V – por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho;

VI – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio;

VII – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário.

Parágrafo único. No caso de estágio obrigatório, a responsabilidade pela contratação do seguro de que trata o inciso IV do caput deste artigo poderá, alternativamente, ser assumida pela instituição de ensino.

CAPÍTULO IV DO ESTAGIÁRIO

Art. 10. A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares e não ultrapassar:

I – 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos;

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II – 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.

§ 1o O estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.

§ 2o Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.

Art. 11. A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de deficiência.

Art. 12. O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório.

§ 1o A eventual concessão de benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, entre outros, não caracteriza vínculo empregatício.

§ 2o Poderá o educando inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência Social.

Art. 13. É assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano, período de recesso de 30 (trinta) dias, a ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares.

§ 1o O recesso de que trata este artigo deverá ser remunerado quando o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação.

§ 2o Os dias de recesso previstos neste artigo serão concedidos de maneira proporcional, nos casos de o estágio ter duração inferior a 1 (um) ano.

Art. 14. Aplica-se ao estagiário a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio.

CAPÍTULO V DA FISCALIZAÇÃO

Art. 15. A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

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§ 1o A instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata este artigo ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente.

§ 2o A penalidade de que trata o § 1o deste artigo limita-se à filial ou agência em que for cometida a irregularidade.

CAPÍTULO VI DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 16. O termo de compromisso deverá ser firmado pelo estagiário ou com seu representante ou assistente legal e pelos representantes legais da parte concedente e da instituição de ensino, vedada a atuação dos agentes de integração a que se refere o art. 5o desta Lei como representante de qualquer das partes.

Art. 17. O número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções:

I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário;

II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários;

III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários;

IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários.

§ 1o Para efeito desta Lei, considera-se quadro de pessoal o conjunto de trabalhadores empregados existentes no estabelecimento do estágio.

§ 2o Na hipótese de a parte concedente contar com várias filiais ou estabelecimentos, os quantitativos previstos nos incisos deste artigo serão aplicados a cada um deles.

§ 3o Quando o cálculo do percentual disposto no inciso IV do caput deste artigo resultar em fração, poderá ser arredondado para o número inteiro imediatamente superior.

§ 4o Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos estágios de nível superior e de nível médio profissional.

§ 5o Fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio.

Art. 18. A prorrogação dos estágios contratados antes do início da vigência desta Lei apenas poderá ocorrer se ajustada às suas disposições.

Art. 19. O art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:

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“Art. 428. ......................................................................

§ 1o A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e freqüência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.

......................................................................

§ 3o O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de aprendiz portador de deficiência.

......................................................................

§ 7o Nas localidades onde não houver oferta de ensino médio para o cumprimento do disposto no § 1o deste artigo, a contratação do aprendiz poderá ocorrer sem a freqüência à escola, desde que ele já tenha concluído o ensino fundamental.” (NR)

Art. 20. O art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua jurisdição, observada a lei federal sobre a matéria.

Parágrafo único. (Revogado).” (NR)

Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 22. Revogam-se as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001.

Brasília, 25 de setembro de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

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