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Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues
Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
Orientadora: Profa. Adriana Erthal Abdenur
Rio de Janeiro Março de 2015
Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues
Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
Profa. Adriana Erthal Abdenur Orientadora e Presidente
Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Profa. Eleni Lazarou Fundação Getúlio Vargas - FGV
Profa. Paula Orrico Sandrin Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Profa. Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação
do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 26 de março de 2015
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho sem a autorização da
universidade, da autora e do orientador.
Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues
Graduou-se em Relações Internacionais na
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) em 2011.
Fez parte da equipe Country Desks no BRICS Policy
Center, do Instituto de Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio).
Ficha Catalográfica
CDD: 327
Rodrigues, Eth Ludmilla de Gois V N Poder normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a União Europeia e o Brasil / Eth Ludmilla de Gois V N Rodrigues ; orientador: Adriana Erthal Abdenur. – 2015. 122 f. : il. (color.) ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais, 2015. Inclui bibliografia 1. Relações internacionais – Teses. 2. Cooperação internacional para desenvolvimento. 3. Potências emergentes. 4. União Europeia. 5. Brasil. 6. Mudanças institucionais e discursivas. 7. Potência normativa. 8. Socialização como processo de via dupla. I. Abdenur, Adriana Erthal. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Instituto de Relações Internacionais. III. Título.
Aos meus pais, Telma e Elí,
pelo apoio incondicional
Agradecimentos
Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Elí e Telma, que me forneceram
todo o apoio possível para eu pudesse cursar o mestrado fora da minha cidade
natal. Foram inúmeros os incentivos, as vibrações e os conselhos, além da torcida
e da confiança depositada em mim. Também ao meu irmão, Nícolas, agradeço
imensamente por todo o amor e apoio incondicional.
À João, companheiro há vários anos, na universidade e fora dela, por todo o apoio
na realização desse trabalho, com diversas revisões, críticas e sugestões e, acima
de tudo, por todo o carinho, companheirismo e compreensão.
Às minhas eternas amigas Nathália, Juliana, Talita e Jaqueline, por toda a torcida
e incentivo, pela compreensão com as minhas ausências, e por todo o carinho.
À minha orientadora, Adriana Abdenur, por todas as contribuições, sugestões e
orientações extremamente importantes para a concretização desse trabalho, além
do apoio e dos aconselhamentos para a minha carreira profissional.
Às professoras Elena Lazarou e Paula Sandrin, cujas críticas e sugestões foram
indispensáveis para a finalização dessa dissertação.
À turma do mestrado no IRI, pelas diversas discussões engrandecedoras e pelo
companheirismo durante esses dois anos de jornada.
Aos professores e funcionários do IRI, que tanto contribuíram para a minha
formação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, cujo
suporte foi imprescindível para a realização do mestrado e do presente trabalho.
Resumo
Rodrigues, Eth Ludmilla de Gois V N; Abdenur, Adriana Erthal. Poder
normativo na cooperação internacional para o desenvolvimento: a
União Europeia e o Brasil. Rio de Janeiro, 2015. 122 p. Dissertação de
Mestrado – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, o campo da cooperação internacional para o
desenvolvimento (CID) tem passado por mudanças significativas, como a
diversificação de atores e de financiamento, resultantes principalmente da
crescente atuação das potências emergentes. Esse estudo tem como objetivo
identificar e compreender como um ator do Norte, a União Europeia (UE), tem
respondido, de modo discursivo e institucional, às mudanças na área da CID e à
citada progressiva atuação das potências emergentes nela, especialmente o Brasil.
Parte-se de discussões acerca das transformações no campo da CID, dando ênfase
especial à ação das potências emergentes e à Cooperação Sul-Sul como desafios –
entre eles, normativos - à assistência ao desenvolvimento realizada pelos doadores
tradicionais, especialmente a UE. A UE é então discutida sob o prisma do
conceito de potência normativa, ou seja, que atua e tem como objetivo de política
externa perseguir princípios que basearam a sua criação e considerá-los
universais. Assim, o Sul global seria apenas socializado às normas internacionais
existentes, o que se torna inconsistente com a progressiva atuação normativa das
potências emergentes. Esse ideal normativo da UE se faz presente nos seus
marcos legais e na sua política de desenvolvimento, que, entretanto, tem buscado
formas de se adaptar e se relacionar com as potências emergentes. Esse
comportamento é identificado na relação da UE com o Brasil no campo da CID,
que, ao enfrentar diversos desafios, demonstra que, na realidade, potências
tradicionais e emergentes se influenciam mutuamente, ou seja, a socialização deve
ser vista como um processo de via dupla.
Palavras-chave
Cooperação internacional para o desenvolvimento; Potências emergentes;
União Europeia; Brasil; Mudanças institucionais e discursivas; Potência
normativa; Socialização como processo de via dupla.
Abstract
Rodrigues, Eth Ludmilla de Gois V N; Abdenur, Adriana Erthal (Advisor).
Normative power in international development cooperation: the
European Union and Brazil. Rio de Janeiro, 2015. 122 p. MSc.
Dissertation – Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
In the past few years, the field of international development cooperation
(IDC) has undergone significant transformations, as the diversification of actors
and of financing, mostly as a result of the growing role of emerging powers. This
study aims to identify and understand how a Northern actor, the European Union
(EU) has responded, discursively and institutionally, to changes in the area of IDC
and to the already cited progressive role of emerging powers in it, especially
Brazil. This study starts from discussions regarding the changes in the field of
IDC, giving special emphasis on the action of emerging powers and the South-
South Cooperation as challenges - including normative - to the development
assistance performed by traditional donors, especially the EU. The EU is then
discussed from the perspective of the concept of normative power, which means
that it aims to pursue the principles that based its creation in its foreign policy and
consider them universal. Thus, the global South would only be socialized into
existing international norms, which becomes inconsistent with the progressive
normative role of emerging powers. This normative ideal of the EU is present in
its legal frameworks and its development policy, which, however, has sought
ways to adapt and relate to the emerging powers. This behavior is identified in
EU's relations with Brazil in the field of IDC, that, by facing many challenges, it
shows that, in fact, traditional and emerging powers influence each other, that is to
say, socialization should be seen as a two way process.
Keywords
International Development Cooperation; Emerging powers; European
Union; Brazil; Institutional and discursive changes; Normative power;
Socialization as a two-way process.
Sumário
1. Introdução 13 2. As potências emergentes e as mudanças no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento 19 2.1 Mudanças no sistema internacional: o papel das potências emergentes 20 2.1.1 A UE e o seu posicionamento na governança da cooperação para o desenvolvimento 21 2.2 As transformações no campo da Cooperação Internacional para o desenvolvimento (CID) 23 2.3 O paradigma da Eficácia da Ajuda 30 2.4 O Brasil e a agenda da eficácia da ajuda 33 2.5 Conclusões do capítulo 36 3. A UE como potência normativa e os desafios trazidos pelas mudanças no cenário internacional 38 3.1 A União Europeia como potência normativa 39 3.1.1 E: potência normativa no desenvolvimento internacional? 44 3.2 Críticas à concepção da UE como potência normativa 47 3.3 A legitimidade do papel normativo da UE: a percepção do Sul global 51 3.4 Socialization as a two-way process: a influência recíproca entre a UE e as potências emergentes 56 3.5 Conclusões do capítulo 58
4. Respostas da União Europeia ao mundo em transição 60 4.1 O multilateralismo efetivo e as parcerias estratégicas 61 4.2 A Política de Desenvolvimento da UE: em busca de mais unidade com o European Consensus on Development e o Tratado de Lisboa 65 4.3 A Agenda for Change 70 4.4 Instrumentos de financiamento da ação externa da UE 72 4.5 Conclusões do capítulo 78 5. A UE e o Brasil: da assistência à parceria 80 5.1 As relações entre o Brasil e a UE: um breve histórico 81 5.2 De recipiente a parceiro: a mudança de percepção da UE sobre o Brasil 83 5.3 A parceria estratégica Brasil - UE e os seus resultados na cooperação internacional para o desenvolvimento 88 5.3.1 Resultados na cooperação triangular 93 5.3.2 Resultados na cooperação multilateral 98 5.4 Perspectivas futuras 102 5.5 Conclusões do capítulo 105 6. Considerações finais 107 7. Referências bibliográficas 112
Lista de Quadros Quadro 1 - Principais instrumentos de financiamento da ação externa da UE (2014 – 2020) 73
Quadro 2 - As Declarações Conjuntas e as iniciativas em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento 90
Abreviaturas e Siglas
ABC - Agência Brasileira de Cooperação
ACP - África, Caribe e Pacífico
AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento
BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CAD-OCDE – Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
CEE – Comunidade Econômica Europeia
CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos
CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
CRA - Arranjo Contingente de Reservas
CSP - Country Strategy Paper
CTR – Cooperação Trilateral
CSS – Cooperação Sul-Sul
DCI - Development Cooperation Instrument
ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
EDF – European Development Fund
EES – European Security Strategy
ENI - European Neighbourhood Instrument
ENP - European Neighborhood Policy
ESDP – Política de Defesa e Segurança Europeia
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
Mercosul – Mercado Comum do Sul
MRE - Ministério das Relações Exteriores)
NBD - Novo Banco de Desenvolvimento
NBD – Novo Banco de Desenvolvimento
NCRE – National Centre for Research on Europe
NPE – Normative Power Europe
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
OECE – Organização Europeia de Cooperação Econômica
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
PCSD– Política Comum de Segurança e Defesa
PESC - Política Externa e de Segurança Comum
PGCDE - Parceria Global para a Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz
PI – Partnership Instrument
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral
SEAE – Serviço Europeu para Ação Externa
TSE - Tribunal Superior Eleitoral
UE – União Europeia
1. Introdução
O fim da Guerra Fria, no início dos anos 1990, arrematou a bipolaridade
que dividiu o globo durante aproximadamente 45 anos e marcou o início de uma
transição no cenário internacional. Após um momento de unipolaridade norte-
americana, novos Estados despontaram como polos desse cenário e, assim, a
anterior bipolaridade e o momento unipolar seguinte passaram a ser gradualmente
substituídos por uma crescente multipolaridade. Como destaca Renard (2009), o
ressurgimento da Rússia e a emergência da China, da Índia e do Brasil, países que
compõem o BRICS1, contribui para uma possível transição rumo a uma maior
multipolaridade.
O trabalho proposto se insere nesse debate geral acerca do crescente papel
internacional que os chamados países emergentes têm adquirido nos últimos anos,
assim como as transformações que tal fenômeno acarreta na arena internacional
preexistente. Dentre os chamados países emergentes, encontram-se a Arábia
Saudita, a Turquia, a Indonésia e o México. Entretanto, maior destaque tem sido
dado aos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), termo
criado em 2003 por Jim O'Neil, economista-chefe do banco de investimento
Goldman Sachs, com o intuito de evidenciar aquelas economias em
desenvolvimento que demonstravam crescimento econômico acelerado2. Assim, o
tema tratado na presente pesquisa se configura como atual, envolvendo mudanças
do cenário internacional e abrangendo discussões sobre o Norte e o Sul Global,
especificamente grandes atores como a União Europeia e o Brasil.
Essa progressiva multipolaridade também ocorre no campo da cooperação
internacional para o desenvolvimento que, até recentemente, encontrava-se
extremamente assimétrico, mas cuja configuração atual se caracteriza por uma
redução de assimetria. Isso porque os atores do Sul contestam a estrutura da
governança global existente e, assim, deixam de ser apenas influenciados pelo
Norte para se tornarem também influenciadores dele. Esse fenômeno, apesar de
provocar entusiasmo no Sul, traz receio ao Norte, a exemplo da União Europeia
(UE).
1 Posteriormente, em 2011, a África do Sul integrou o grupo.
2 Para mais informações, ver: <http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/archive-
pdfs/build-better-brics.pdf>
14
Tal receio está vinculado ao fato de que as potências emergentes têm
aumentado a intensidade e o volume da cooperação na área – em que se destaca a
chamada Cooperação Sul-Sul -, promovendo que sua atuação ocorre de forma
diferenciada daquela dos doadores do Norte: enquanto os últimos propagam
princípios voltados para os valores e normas do Estado de direito, da democracia e
dos direitos humanos, por exemplo, os primeiros pronunciam que cooperam com
base na solidariedade, na parceria e na não condicionalidade.
Diante dessa contestação aos padrões normativos do campo da cooperação
internacional para o desenvolvimento, torna-se importante discutir o papel das
normas e do poder normativo. Dessa maneira, por focar no papel das ideias,
normas e entendimentos da vida social, o olhar teórico utilizado na pesquisa
proposta é o do construtivismo. Especificamente, o conceito de Normative Power
Europe – o entendimento da União Europeia como potência normativa -,
elaborado por Ian Manners, em 2002, traz à discussão uma abordagem adotada
pela UE que compreende a si própria como difusora internacional de princípios e
valores universais, baseados naqueles que fundamentam a sua própria formação,
para países em desenvolvimento. Por outro lado, Xiaoyu Pu (2012) discute que,
ao passo que Normative Power Europe tem sido intensamente debatido, poucos
estudos conceituam o poder normativo das potências emergentes, retratando uma
literatura que analisa esses atores como passivos e apenas recipientes dos valores
propagados pelo Norte. A formulação de Pu, elaborada através do conceito da
Socialization as a two-way process, nos permite compreender que essas novas
potências possuem agência e que, além de socializar outros atores dentro do seu
sistema de normas, a UE também é influenciada pela ação dos países emergentes.
Pela sua proeminência e diversificação, a atuação das potências
emergentes através da Cooperação Sul-Sul tem sido alvo de diversas pesquisas.
Entretanto, é identificada por pesquisadores a existência de uma lacuna nesses
estudos no que se refere ao impacto do fenômeno da Cooperação Sul-Sul na
tradicional ajuda oficial ao desenvolvimento do Norte. Poucas pesquisas abordam
a forma como as potências emergentes influenciam a ajuda ao desenvolvimento
do Norte (Quadir, 2013; Mawdsley, 2012) assim como o impacto normativo que
possuem (Pu, 2012) ou como o Norte procura se engajar com atores do Sul diante
das transformações ocorridas do campo do desenvolvimento (Abdenur; Fonseca,
2013). Desse modo, o estudo se propõe a aprofundar a pesquisa nessas questões
15
identificadas como pouco discutidas e contribuir para o preenchimento da lacuna
existente no conhecimento da área.
Nesse sentido, a presente proposta busca identificar e compreender como o
Norte tem reagido à heterogeneidade e, consequentemente, aos desafios trazidos
pelo Sul global, cuja atuação internacional se encontra cada vez mais
proeminente. Mais especificamente, procura-se entender como um ator do Norte,
no caso, a União Europeia, tem respondido discursivamente e institucionalmente
às mudanças ocorridas no campo da cooperação para o desenvolvimento em
relação a um país do Sul Global, no caso, o Brasil. A escolha dos atores se dá, em
primeiro lugar, pelo fato da União Europeia (no nível comunitário e no dos
estados-membros) se configurar como maior doadora de ajuda ao
desenvolvimento no mundo, representando mais de 50% da Assistência Oficial ao
Desenvolvimento (AOD) global3, além de possuir importância normativa no
campo. Em segundo lugar, o Brasil tem apresentado política externa atuante no
campo da cooperação internacional para o desenvolvimento, além de ser
integrante do grupo dos BRICS e contestar a estrutura da governança global
existente. Ademais, é de interesse acadêmico nacional a produção de bibliografia
sobre o país de origem.
Dessa forma, seguem duas questões de pesquisa norteadoras do trabalho:
1) Como a atuação das potências emergentes tem influenciado as mudanças
institucionais e discursivas da União Europeia no campo do desenvolvimento
internacional? 2) Como a União Europeia enquadra o Brasil dentro das mudanças
institucionais e discursivas identificadas?
Duas hipóteses podem ser levantadas na pesquisa proposta, sendo a
primeira voltada para o reconhecimento da influência mútua entre a União
Europeia e as potências emergentes e, a segunda, vinculada ao caso específico do
Brasil nas estratégias da União Europeia. Como primeira hipótese, supõe-se que a
crescente atuação das potências emergentes tem influenciado a União Europeia,
provocando mudanças institucionais e discursivas na organização. Como segunda
hipótese, presume-se que a União Europeia enquadra o Brasil dentro de
modalidades específicas de cooperação, de forma a assegurar o seu poder
normativo e alcançar o multilateralismo efetivo.
3 Informação obtida através do endereço eletrônico da Comissão Europeia, disponível em:
<http://ec.europa.eu/environment/integration/development_en.htm>
16
O trabalho se configura como uma pesquisa qualitativa com um estudo de
caso da relação da UE com o Brasil no contexto da cooperação para o
desenvolvimento. A escolha de um estudo de caso se dá pela complexidade e
abrangência do tema a ser debatido, que envolve diversos atores, tanto do Norte
como do Sul. Assim, de forma a ilustrar a abrangente discussão sistêmica, será
analisada a relação entre a União Europeia e o Brasil.
Quanto aos dados utilizados, fez-se uso de documentos oficiais publicados
pela UE, assim como de discursos proferidos por representantes das suas
instituições, e fontes semelhantes também foram utilizadas no caso com o Brasil.
Além disso, foram empregados dados e estatísticas fornecidos pela UE,
organizações internacionais, tal qual a OCDE, e informações de agências de
notícias. Ademais, foram empregados estudos de diversos pesquisadores que
debatem as temáticas discutidas no presente trabalho. Adicionalmente, foram
realizadas entrevistas com representantes da União Europeia - no caso, da
Delegação da União Europeia no Brasil - e do Brasil – no caso, do Ministério das
Relações Exteriores.
Nesse sentido, o método de análise dos dados mencionados foi o da análise
de discurso. Como algumas das fontes de pesquisa utilizadas são documentos e
discursos, além de debater normas e valores, a análise de discurso propiciou a
identificação de interesses, pontos de vista e valores essenciais para a realização
do trabalho proposto. No que se refere ao marco temporal da pesquisa, este será
do ano de 2003 até a atualidade, em razão da primeira referência oficial feita pela
UE à necessidade de cooperar com atores-chave - dentre eles, potências
emergentes como a China e a Índia - para a resolução dos desafios globais. Além
disso, o ano de 2003 também marca o início do governo Lula no Brasil e a
consequente atuação mais dinâmica do país no âmbito internacional, com enfoque
especial na Cooperação Sul-Sul.
O presente trabalho está dividido em quatro capítulos, além da introdução
e a conclusão. No primeiro capítulo, apresenta-se um debate geral sobre as
mudanças ocorridas no cenário internacional nos últimos anos, destacando-se a
emergência de novos polos. O campo da cooperação internacional para o
desenvolvimento espelha essa transformação e o caráter contestador de normas
internacionais que potências emergentes, especialmente integrantes dos BRICS,
têm adquirido. Assim, o capítulo localiza a União Europeia como integrante do
17
Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (CAD-OCDE), cujas regras são contestadas pela
Cooperação Sul-Sul, que é agenciada por potências emergentes, inclusive o
Brasil. Conclui-se que a agenda da eficácia da ajuda, elaborada no âmbito do
CAD-OCDE e que tem procurado a adesão dos países atuantes da Cooperação
Sul-Sul, é vista pelo Brasil como uma agenda em que predominam os interesses
do Norte. Assim, o Brasil tem dado prioridade a fóruns multilaterais alternativos,
a exemplo do BRICS.
O segundo capítulo é dedicado ao aporte teórico da pesquisa, em que se
discute o conceito de Normative Power Europe, sua aplicação empírica na política
de desenvolvimento da UE, e as diversas críticas a essa concepção,
essencialmente vinculadas à inadequação do conceito ao cenário internacional
discutido, em que se faz presente uma crescente atuação das potências
emergentes. Debate-se, assim, a melhor adequação da concepção de socialization
as a two-way process, ou a socialização como um processo bidirecional, que
identifica a crescente influência das potências emergentes na evolução das normas
internacionais, considerando que, ao mesmo tempo em que são socializadas na
ordem existente, também moldam a mudança nas normas internacionais.
É importante ressaltar que a política de desenvolvimento da UE é
formalmente de competência comunitária, mas não exclusiva dela, representando
uma esfera partilhada entre a organização e os seus estados membros, e que estes
últimos exercem sua competência no campo na medida em que a UE não tenha
exercido a sua. Estudar as políticas de desenvolvimento dos 28 estados membros
da UE está além do escopo do presente trabalho, que foca no âmbito coletivo da
política de desenvolvimento, ou seja, na sua esfera comunitária. No entanto, ficam
diversas sugestões para pesquisas futuras na área, a serem apresentadas nas
conclusões do trabalho.
Já o terceiro capítulo é dedicado à identificação e discussão das mudanças
institucionais e discursivas realizadas pela UE a partir do lançamento do
European Security Strategy (ESS), em 2003, que afetaram o plano da cooperação
internacional para o desenvolvimento assim como a relação da UE com as
potências emergentes. Desse modo, são discutidos o multilateralismo efetivo e as
parcerias estratégicas e os documentos do European Consensus on Development,
do Tratado de Lisboa e da Agenda for Change, além dos instrumentos
18
financiadores da cooperação para o desenvolvimento da UE. Conclui-se que as
mudanças institucionais e discursivas identificadas consideram formas de manter
a atuação normativa da UE e de se relacionar com potências emergentes, trazendo
evidências da socialization as a two-way process.
O quarto e último capítulo busca analisar o caso da relação entre a
União Europeia e o Brasil dentro da discussão feita nos capítulos anteriores,
em que se procura compreender o Brasil no plano das mudanças institucionais
e discursivas ocorridas no âmbito da União Europeia e quais os seus resultados
na esfera da cooperação internacional para o desenvolvimento. Após um breve
histórico da relação entre a UE e o Brasil, utiliza-se documentos como os
Country Strategy Paper – Brazil para os períodos 2001 – 2006 e 2007 – 2013
para identificar a mudança de percepção da UE em relação ao Brasil; e as
declarações conjuntas das cúpulas Brasil–UE ocorridas até então, os Planos de
ação Conjunta 2008 - 2011 e 2012 – 2014 e as entrevistas realizadas com
representantes de ambas as partes para compreender a parceria estratégica
Brasil-UE no âmbito da cooperação para o desenvolvimento.
Conclui-se que, a partir dos resultados discutidos na esfera da
cooperação trilateral e da multilateral, a parceria estratégica com o Brasil não
colabora para o alcance do multilateralismo efetivo perseguido pela UE, o que
enfraquece o conceito de Normative Power Europe e o seu caráter
unidirecional. Assim, essa constatação verifica que, as potências emergentes
não são apenas passivas à socialização, mas também são agentes dela. Por fim,
as conclusões gerais do trabalho recapitulam aquelas dos capítulos discutidos,
enfatizando as perguntas de pesquisa, trazem outras considerações sobre a
temática e abordam perspectivas futuras de pesquisa.
19
2. As potências emergentes e as transformações no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento
O campo da cooperação internacional para o desenvolvimento reflete
mudanças ocorridas no sistema internacional nos últimos anos, provocadas por
diversos fatores, mas que têm sido atribuídas, principalmente, à crescente
atividade das potências emergentes. Dentre esses países, encontram-se não apenas
os BRICS, mas também outros países emergentes como a Indonésia, a Turquia, o
Chile, o México, e outros.
O presente capítulo tem como objetivo apresentar um debate geral sobre o
atual campo da cooperação internacional para o desenvolvimento, com maior
enfoque para o posicionamento da União Europeia, os países BRICS e sua
Cooperação Sul-Sul (CSS), e como estes se portam diante da governança do
desenvolvimento internacional estabelecida. Além disso, pretende-se apresentar o
Brasil e a sua relação com a agenda da eficácia da ajuda, levada a cabo pelo CAD-
OCDE.
Com este fim, o capítulo situa o debate dentro das discussões sobre as
transformações gerais ocorridas no sistema internacional, posicionando os BRICS
e a União Europeia dentro dessa temática. Posteriormente, busca-se discutir tais
transformações no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento
através da abordagem da atuação da CSS e do CAD-OCDE na área. Em seguida,
trata-se do paradigma da eficácia da ajuda e a sua relação com os provedores da
CSS. Posteriormente, apresenta-se o posicionamento do Brasil em relação à
agenda da eficácia da ajuda. Por fim, conclui-se que a atuação das potências
emergentes, por meio da CSS, tem contestado as normas e práticas tradicionais do
CAD-OCDE. Apesar das tentativas dessa organização de trazer as potências
emergentes para o seu âmbito de regras através do progressivo reconhecimento da
CSS – que culminou com o encontro de Busan sobre a eficácia da ajuda -, os
grandes atores da CSS não têm demonstrado interesse na agenda proposta. O
Brasil, exemplo desse fenômeno, busca novas formas de engajamento no campo
da cooperação para o desenvolvimento, como através dos BRICS.
20
2.1 Mudanças no sistema internacional: o papel das potências emergentes e da UE
A emergência de novos polos traz mais heterogeneidade ao cenário
internacional, já que esses países buscam alcançar seus interesses individuais e
promover suas próprias visões de mundo (Grevi, 2009). Assim, as novas potências
procuram adquirir mais influência nas instituições internacionais e veem sua
participação nelas como forma de obter poder global, porém, apenas se
submeterão às suas regras caso possam se reconhecer nessas organizações
(Renard, 2009).
Nesse sentido, potências emergentes4, principalmente aquelas que
integram o BRICS - cuja ideia se iniciou com a simples criação do acrônimo por
O’Neill, em 2001 e que posteriormente foi posta em prática pelos respectivos
países com a realização da primeira Cúpula, em 2009 - enfatizam a importância da
reforma de instituições financeiras internacionais. De acordo com as declarações
conjuntas elaboradas após as Cúpulas BRICS – ocorridas anualmente desde 2009
-, essas instituições devem refletir as mudanças na economia mundial e, assim,
conceder maior participação aos seus novos participantes. Como sublinhado por
Hurrell (2009, p. 24), “apesar de sua inquestionável função de facilitadoras do
interesse comum e promotoras de valores compartilhados, instituições
internacionais são espaços de poder”. Na sua concepção, mesmo com a expansão
da ideia de igualdade soberana e do número de instituições internacionais, estas
permaneceram funcionando com base na hierarquia e na desigualdade, a exemplo
do Conselho de Segurança da ONU e de estruturas de votação do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
Para os BRICS, essa tem sido uma questão de grande importância e que
tem trazido muita insatisfação. Casarini (2012, p. 30), por exemplo, esclarece o
sistema de votação do FMI ao explicar que
[…] European countries today have 8 seats out of 24 on the IMF executive board.
Germany, the United Kingdom and France each have a larger voting share than
4 Como destacado por Weiss e Abdenur (2014, p. 1750-51), o termo “potências emergentes”
possui controvérsias, mas considera-se que são “countries whose policy elites are able to draw on
economic and other sources of power to project influence both within and outside their immediate
neighbourhood and regions, and which play a substantial role in the call for global governance
reform”.
21
China, as do the Netherlands and Belgium combined. With a voting share (or
quota) of 16.75, the U.S. retains veto power over IMF decisions, which require 85
per cent support. Europe, with its 32 per cent combined voting share, is the IMF’s
biggest stakeholder.
Dessa forma, é possível entender como:
Europe is reluctant to give up its voting rights within the IMF. The issue of voting
rights has become a pressing issue among Chinese leaders, who side with other
emerging countries – the BRICS – in demanding a meaningful reform of the
international monetary system that would take into consideration the shift in the
global balance of economic power (Casarini, 2012, p.30).
Para o Brasil, a representação da UE no FMI é desproporcionalmente alta,
pois, o Brasil, apesar de considerado como a 7ª economia mundial5, possui
participação nos votos inferior àquela da Bélgica e dos Países Baixos combinados
(Otero-Iglesias, 2012).
Desse modo, os BRICS “[…] are working together to make global
governance structures more representative and effective through peaceful and
gradual reforms […]” (Niu, 2012, p. 6). Como a atual estrutura de governança
global foi criada e liderada principalmente por potências ocidentais, Niu (2012)
considera que as potências emergentes devem utilizar sua influência coletiva com
o intuito de remodelar o sistema de forma que tenham nele os seus interesses
representados. Assim, novos grupos multilaterais têm surgido e vem demandando
mais influência na governança global, mas o grupo de países que tem
demonstrado o maior impacto no desafio à arquitetura da governança global
existente e criado expectativas para mudanças reais tem sido o BRICS (Armijo;
Roberts, 2014).
2.1.1 A UE e o seu posicionamento na governança da cooperação para o desenvolvimento
Quanto à Europa, Renard (2009) considera que há a redução do seu poder:
por muito tempo o continente tem controlado e determinado o destino do globo e
hoje é possível notar que aquele tem perdido essa posição. Dentro da Europa, a
UE enfrenta questões como a carência de recursos energéticos, sendo dependente
5 Em abril de 2015. Para mais informações, ver:
http://www.valor.com.br/internacional/3532202/estudo-do-banco-mundial-mostra-brasil-como-7/
22
do petróleo do Oriente Médio e do gás natural da Rússia. No quesito
demográfico, a população Europeia se encontra em redução - e assim, a sua força
de trabalho - enquanto a asiática está em crescimento. A crise econômica ocorrida
em 2008 teve abrangência mundial e ainda hoje suas consequências podem ser
sentidas, inclusive com grandes implicações políticas para a coesão do bloco.
Enquanto a União Europeia via a crise ser agravada no seu âmbito interno, os
países do BRICS observavam, na época, suas performances chegarem ao nível
pré-crise e irem além (Georgiev, 2011).
A UE reconhece as mudanças que ocorrem no cenário internacional, em
especial a atuação crescente das potências emergentes. Em estudo ad hoc
elaborado pela Diretoria Geral da Política Externa da União, do Parlamento
Europeu, afirma-se que "the BRICS phenomenon mirrors a general shift in the
international balance of power, with the centre of gravity moving from the Euro-
Atlantic to the Asia-Pacific area and from the North and West to the South and
East (...)" (Policy Department [...], 2011, p. 7).
Por outro lado, a UE configura-se como importante ator no campo da
ajuda ao desenvolvimento: apesar das restrições de orçamentos derivadas da crise
econômica de 2008, segundo a OCDE, em 2012, a organização manteve a sua
posição como maior doadora mundial de AOD, representando mais de 50% da
AOD global para países em desenvolvimento6. Sua atuação dentro do campo de
desenvolvimento remonta à instituição da Comunidade Econômica Europeia
(CEE), em 1957, com o Tratado de Roma, o estabelecimento de instrumentos
como o European Development Fund (EDF) e posteriores acordos, convenções e
parcerias. Nesse sentido, no contexto internacional de descolonização, a CEE
estabeleceu relações com as antigas colônias de seus estados membros, passando
progressivamente a abarcar diversos países africanos, caribenhos e do pacífico
(países ACP), a Ásia, a América Latina, o Oriente Médio e países do leste
europeu e do Mediterrâneo.
A UE colocou a luta contra a pobreza como centro da sua política de
desenvolvimento, particularmente através da adoção dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2000. Em 2001, a organização
estabeleceu o Escritório de Cooperação Externa - EuropeAid, o qual, dez anos 6 Informações obtidas através da Declaração Presidente da Comissão Europeia João Manoel
Barroso em nome da União Europeia na ocasião da 4º Conferência das Nações Unidas sobre os
Países Menos Desenvolvidos, ocorrida em Istambul, de 9 a 13 de maio de 2011. Disponível em:
<http://www.un.org/en/conf/ldc/pdf/ldc4-eu.pdf>
23
depois, juntamente com a Diretoria Geral para Desenvolvimento e Relações com
Países ACP, formou o Development and Cooperation - EuropeAid, órgão da
Comissão Europeia responsável pela concepção da política europeia de
desenvolvimento e pela sua implementação em todo o mundo. A UE é signatária
de importantes acordos internacionais na área de cooperação para o
desenvolvimento, como a Declaração de Paris, de 2005, a Agenda de Acra, de
2008, e a Parceria de Busan, de 20117 - que serão discutidos posteriormente no
capítulo.
Ainda, a União Europeia, através da Comissão Europeia, é membro do
CAD-OCDE desde 1961, ou seja, desde a fundação desta organização. É notável
que 19 dos Estados membros da UE fazem parte do organismo internacional e,
junto com a UE, a Europa contabiliza 20 de um total de 29 membros do CAD.
Nele, a UE possui uma delegação permanente, composta por embaixador e
diplomatas, mas possui um papel diferenciado em relação aos Estados membros,
não contribuindo para o orçamento da organização e não tendo poder de voto
quando atos legais estão em votação pelo órgão de tomada de decisões da OCDE,
o Conselho. Apesar disso, o representante da UE pode ser eleito como membro
dos conselhos de órgãos subsidiários, além de poder fazer propostas, sugerir
mudanças e participar integralmente da elaboração de documentos, como os atos
legais. Assim, compreendendo que a UE possui um papel normativo no CAD-
OCDE e, sendo esse o grande fórum internacional para provedores de cooperação
para o desenvolvimento, nota-se que a influência da UE no campo alcança âmbito
mundial8.
2.2 As transformações no campo da Cooperação Internacional para o desenvolvimento (CID)
A discutida tendência à transformação no sistema internacional também é
refletida no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. Como
destacado por Faure et al (2013), a atual ordem global é caracterizada pela
(re)emergência de novas potências econômicas globais, por uma arquitetura
7 Informações obtidas do endereço eletrônico da EuropeAid, disponível em:
<http://ec.europa.eu/europeaid/historical-overview-eu-cooperation-and-aid_en> 8 Informações obtidas no endereço eletrônico da OCDE, disponível em:
<http://www.oecd.org/eu/european-union-and-oecd.htm> e
<http://www.oecd.org/general/conventionontheorganisationforeconomicco-
operationanddevelopment.htm>
24
multilateral em evolução com a presença de vozes novas e mais fortes dos países
em desenvolvimento e por uma crise na zona do euro. Ao discutir tais mudanças,
Bruno Ayllón Pino (2012, p. 233) afirma que
os impactos desses movimentos tectônicos nas estruturas profundas do sistema
internacional não se limitam ao campo da economia e da política. Sua
repercussão se estende ao âmbito da CID [Cooperação Internacional para o
Desenvolvimento], delineando um desafio para a UE e seus Estados Membros.
Esse desafio desponta do questionamento da ajuda tradicional agenciada
pelos países integrantes do CAD-OCDE - do qual a União Europeia faz parte -,
que é organizada em torno dos valores e normas do Estado de direito, da
democracia e dos direitos humanos, por exemplo, e da ajuda atrelada às reformas
estruturais políticas, de estrutura econômica ou governança.
Criadas com o intuito de prover capital de investimento para a
reconstrução da Europa pós- II Guerra Mundial e de gerenciar o sistema
financeiro global, o Banco Mundial e o FMI, respectivamente, passaram a
funcionar no centro da governança global do desenvolvimento em momento
posterior (Moyo, 2009). Além de profundamente envolvido na criação das
Instituições de Bretton Woods (que incluem o Banco Mundial e o FMI), os EUA
desempenharam um papel ainda mais importante na reconstrução dos países
europeus por meio do programa de ajuda financeira massiva para a Europa, o
bem-sucedido Plano Marshall (Thomas, 2008). Em 1948, a Organização Europeia
de Cooperação Econômica (OECE) – que se tornou Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1961, quando o Canadá
e os EUA se juntaram aos países europeus – foi criada com o intuito de executar o
Plano Marshall (OCDE, 2015). Com o triunfo da ajuda do referido Plano, em um
contexto internacional de descolonização nos anos 1950 e 1960, direcionou-se
ajuda aos países subdesenvolvidos, especialmente os africanos.
Perspectivas sobre o desenvolvimento, e o direcionamento da ajuda, tem
sido modificadas desde o seu início, partindo dos projetos industriais em larga
escala, nos anos 1960; para o redirecionamento para as áreas como agricultura,
educação e saúde, nos anos 1970; seguido pela redução do papel do Estado e
liberalização da economia, nos anos 1980; e pela ideia da boa governança –
caracterizada por instituições fortes, transparência, fim da corrupção, democracia
– nos anos 1990 (Moyo, 2009). Até então, “poverty was a desirable but residual
25
expected outcome of economic growth and modernization” (Mawdsley, 2012, p.
34), mas, com o fim dos anos 1990, a redução da pobreza foi colocada na agenda,
sendo vinculada à solução de questões de segurança como migrações, terrorismo e
mudanças climáticas, especialmente no cenário pós-11 de Setembro (Mawdsley,
2012).
A ajuda ao desenvolvimento do Norte tem sido condicionada à aceitação
de regras elaboradas pelos doadores, a exemplo dos ajustes estruturais vinculados
à politica do livre mercado nos anos 1980 e 1990. Na atualidade, essas
condicionalidades tendem a aparecer de forma mais sutil, sob o manto de planos
nacionais de redução da pobreza, por exemplo (Mawdsley, 2012). Como
consideram Esteves e Assunção (2014), essas condicionalidades são tidas por
países do Sul como instrumentos coercitivos, interferência em questões
domésticas e como forma de alcançar os interesses dos doadores ao invés de
promover o desenvolvimento aos beneficiários. Ainda, os autores consideram que
as condicionalidades aprofundaram a lacuna entre doadores e beneficiários e
acentuaram as diferenças entre eles. A Cooperação Sul-Sul, por outro lado, é
distinguida pela ausência de condicionalidades, sejam elas sociais, ambientais, de
governança e de direitos humanos, além de ocorrer através da demanda dos países
parceiros (Mello e Souza, 2014).
O questionamento da ajuda do Norte global é aprofundado pelo fato da
credibilidade da forma tradicional da ‘ajuda’ estar desgastada pela persistência da
pobreza mundial, a despeito da grande quantidade de recursos direcionados para
ela, além dos doadores do CAD terem tido os seus compromissos com a ajuda
diminuídos diante dos impactos da crise financeira de 2008 (McEwan; Mawdsley,
2012). No que se refere à persistência da pobreza mundial, em crítica ferrenha à
ajuda ao desenvolvimento em países africanos, Dambisa Moyo (2009) distingue
grandes diferenças entre a ajuda realizada pelo Plano Marshall e aquela
direcionada aos países africanos hoje. Em primeiro lugar, Moyo destaca o fato de
que países europeus não eram totalmente dependentes da ajuda, que nunca
passava de 3% do PIB, ao passo que esse percentual pode, atualmente, alcançar
15% na África. Em segundo lugar, o plano Marshall atuou por tempo limitado,
enquanto a ajuda para a África tem sido contínua por ao menos 50 anos, o que
desestimula planejamentos de longo prazo ou alternativas para o financiamento do
desenvolvimento. Em quarto lugar, o Plano Marshall buscou a “reconstrução” da
26
Europa, não a sua “construção”. A Europa já possuía uma estrutura política,
econômica e física anterior, enquanto o legado colonial de infraestrutura em
países africanos estava pouco desenvolvido. Em quinto lugar, a ajuda do Plano
Marshall estava voltada, essencialmente, para a reconstrução de estrutura física,
ao passo que a ajuda para a África permeia diversos âmbitos, como a educação,
saúde, instituições políticas, e outras. Assim, Moyo (2009) vê a política de
desenvolvimento do pós-Guerra como um fracasso.
Sob a perspectiva dos parceiros Sul, a crise econômica de 2008 trouxe a
oportunidade de exaltar as diferenças entre a CSS e a tradicional AOD e, assim,
desses atores se reposicionarem no campo da cooperação internacional para o
desenvolvimento (Esteves; Assunção, 2014). De modo semelhante, Thakur (2014,
p. 1800) identificou que “Developing countries have also noted that Europe was
treated much differently during the Eurozone crisis from the harsh medicine
meted out to Asia, Latin America, and Eastern Europe in earlier crises”.
Durante décadas, desde o início dos esforços para a ajuda ao
desenvolvimento, no fim dos anos 1940, todas as questões voltadas para o campo
eram discutidas por um grupo de países integrantes da OCDE e o seu CAD
(Renzio; Seifert, 2014). Nesse quesito, as normas dominantes relacionadas à
definição, ao gerenciamento e ao monitoramento da ajuda eram definidas no
âmbito do CAD-OCDE e dos seus membros, que decidiam quais seriam as
condutas apropriadas (Mawdsley, 2012).
A caracterização do CAD sobre o que é considerado ajuda ao
desenvolvimento está estreitamente vinculada ao conceito de Assistência Oficial
ao Desenvolvimento (AOD), definida como
Fluxos de financiamentos oficiais administrados com o objetivo primordial de
promover desenvolvimento econômico e bem-estar nos países em
desenvolvimento e que possuem caráter de concessionalidade por serem
estendidos com pelo menos 25% de fundo perdido, seja diretamente para países
em desenvolvimento (bilateral), via agências governamentais dos países
doadores, ou via instituições multilaterais, excluindo empréstimos de agências de
créditos de exportação com o único propósito de promoção das exportações
nacionais (OCDE) (IPEA, 2010, p. 17).
Esse conceito, que supostamente objetiva restringir a ajuda à finalidade do
desenvolvimento, não é aprovado pela maior parte dos países emergentes, que,
por sinal, não são membros do CAD (Mello e Souza, 2014). Isso ocorre porque,
27
dentre outras considerações, ao privilegiar empréstimos concessionais e crédito, a
definição de AOD restringe a cooperação prestada pelos países em
desenvolvimento, “que amiúde ocorre por meio de cooperação técnica, de missões
de manutenção da paz, da acolhida a refugiados, de bolsas de estudo, da
facilitação do comércio e do investimento privado” (Mello e Souza, 2014, p. 21).
Assim, há uma crescente percepção do Sul de que os princípios
estabelecidos pelo CAD perpetuam desigualdades e que o foco na AOD reproduz
assimetrias do sistema internacional (Esteves; Assunção, 2014). Desse modo, a
CSS, promovida pelos países emergentes, desafia a ajuda ao desenvolvimento
realizada pelo Norte ao ser, ao menos discursivamente, fundamentada na
solidariedade, na complementaridade e na parceria (Abdenur; Fonseca, 2013).
Como exemplifica Mello e Souza (2014), países do Sul preferem a
utilização do termo cooperação ao invés de assistência/ajuda, mais utilizado por
países desenvolvidos. Isso ocorre porque a cooperação
implica uma relação de benefícios mútuos, horizontalidade e maior participação e
controle local dos recursos; e serve ao propósito político de distinguir o fenômeno
que ocorre no âmbito Sul-Sul daquele verificado há mais tempo e em extensão
maior no âmbito Norte-Sul. Pela mesma razão, em vez de empregar os conceitos
doador e recipiendário, os países do Sul fazem referência aos países envolvidos
na cooperação para o desenvolvimento como parceiros (Mello e Souza, 2014, p.
12).
A cooperação para o desenvolvimento, além de incluir elementos da ajuda
externa, definida pelo CAD-OCDE, também se refere a uma amplitude de outras
práticas de desenvolvimento, a exemplo do comércio e investimento (McEwan;
Mawdsley, 2012). Ou seja, países do Sul, no contexto da falta de legitimidade da
ajuda do Norte, exaltam os seus próprios modelos de desenvolvimento, que
incluem práticas que vão além daquelas promovidas pelo CAD-OCDE.
Apesar da CSS não ser um elemento novo9, a quantidade – a exemplo dos
volumes de financiamento – e a qualidade – como o foco temático – da CSS
foram aumentados substancialmente na última década (Schlager, 2007, p. 2). De
9 As origens da Cooperação Sul-Sul remontam à Conferência de Bandung, em 1955, realizada com
líderes africanos e asiáticos com o intuito de dar voz ao Sul. A Conferência abriu caminho para o
estabelecimento, em 1964, do Grupo dos 77, como uma organização intergovernamental dentro do
sistema ONU que visa promover os interesses comuns dos países em desenvolvimento na ONU e a
Cooperação Sul-Sul. Para mais informações, ver: KRAGELUND, Peter. The potentioal role of
non-traditional donors’ aid in Africa. International Center for Trade and Sustainable Development,
2010. Disponível em: <http://www.ictsd.org/downloads/2011/03/the-potential-role-of-non-
traditional-donorse28099-aid-in-africa.pdf>
28
acordo com Renzio e Seifert (2014) após um período de pouca ação multilateral
da CSS nos anos 1980 e 1990 – devido, principalmente, às crises econômicas e
fiscais em países emergentes – o novo milênio apresentou maior atividade na
CSS. Essa mudança começou com o rápido crescimento econômico e político dos
países do BRICS, que iniciaram a expansão dos seus programas de cooperação
para o desenvolvimento como parte das suas estratégias de desenvolvimento.
No entanto, esses atores (re)emergentes no campo do desenvolvimento não
se reduzem aos BRICS, incluindo
growing global giants like China and India; regional powers like Brazil, South
Africa and Saudi Arabia; rapidly industrializing countries like Thailand and
Turkey; and former socialist states, such as Poland, Russia and Vietnam
(McEwan; Mawdsley. 2012. p. 1188).
De modo semelhante, Weiss e Abdenur (2014) ponderam que as potências
emergentes incluem não apenas aquelas integrantes do BRICS, mas também
países como Indonésia, México, Chile, Argentina, Coréia do Sul, Turquia,
Filipinas, Tailândia e Nigéria, além de uma gama de acrônimos como o IBAS
(BRICS menos Rússia e China), BASIC (BRICS menos Rússia), BRIICS (BRICS
mais Indonésia), MIST (México, Indonésia, Coréia do Sul e Turquia), além do G-
2010
. O importante é que todas as potências emergentes no campo da cooperação
internacional para o desenvolvimento possuem atuação relevante, não só como
beneficiários ou provedores de cooperação, mas também como contribuidores em
iniciativas e debates normativos dentro do sistema de desenvolvimento da ONU
(Weiss; Abdenur, 2014).
Sejam eles considerados “doadores não tradicionais”, “doadores
emergentes” ou “provedores do Sul”, por exemplo, esses atores possuem em
comum ao menos uma rejeição parcial dos princípios e práticas vinculados ao
CAD e a promoção da CSS, que afirmam se basear na horizontalidade –
representando oposição à verticalidade da ajuda do CAD –, na solidariedade, na
não-interferência nas questões domésticas e benefícios mútuos (Renzio; Seifert,
2014). Apesar dos países do Sul não atuarem de acordo com os mesmos
programas e políticas, ou seja, a despeito das diferenças de abordagem ao
10
É importante destacar que a lista de novos atores na cooperação internacional para o
desenvolvimento não integra apenas os países emergentes, mas também inclui, como ressaltado
por Mello e Souza (2014), atores não estatais, organizações da sociedade civil global, o terceiro
setor, atores privados, entre outros.
29
desenvolvimento por parte dos países do Sul, o ponto de encontro está na ênfase à
ajuda desvinculada, ao desenvolvimento autônomo, à Cooperação Sul-Sul e ao
desenvolvimento baseado nas prioridades dos países recebedores (Quadir, 2013).
Em geral, os termos, conceitos e visões que permeiam os debates realizados pela
OCDE são vistos por países emergentes como antiquados e, assim, encontram-se
inadequados para analisar a atual cooperação internacional para o
desenvolvimento (Mello e Souza, 2014). Apesar da crescente voz e influência de
parceiros emergentes em fóruns, muitos deles concebem que as normas e as
instituições da governança da ajuda internacional existente são irremediavelmente
de domínio ocidental (McEwan; Mawdsley, 2012).
Porém, apesar de estimativas apontarem que o volume na CSS representa
apenas cerca de 10% do fluxo líquido da ajuda global11
- ou seja, procurarem
demonstrar que a CSS possui uma participação reduzida em comparação à ajuda
internacional -, diante desse panorama de contestação da arquitetura global, o
Norte tem procurado se adaptar ao novo cenário. As porcentagens de voto das
instituições de Bretton Woods, por exemplo, estão sendo ajustadas – mesmo que
moderadamente -, assim como as políticas e as normas globais de cooperação para
o desenvolvimento estão sendo renegociadas em novos fóruns, o que desafia a
anterior dominação do CAD-OCDE (Mawdsley, 2012). Dessa maneira, com
concebem Weiss e Abdenur (2014), ao invés de se subordinarem às normas
determinadas por doadores tradicionais e às organizações por eles dominadas,
potências emergentes buscam participação ativa no processo de elaboração das
normas globais. Para os autores, essa participação pode ocorrer de diversas
formas, indo dos obstáculos às propostas normativas interpretadas como ação dos
países desenvolvidos - a exemplo da resistência dos BRICS à agenda da eficácia
da ajuda da OCDE – à alteração de normas existentes e propostas de outras novas
– como o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS. A próxima seção tratará
da mencionada agenda da eficácia da ajuda, originada a partir da insatisfação com
os resultados negativos da ajuda do Norte.
11
Quadir, Fahimul. Rising Donors and the New Narrative of ‘South–South’Cooperation: what
prospects for changing the landscape of development assistance programmes? Third World
Quarterly, 2013, vol. 34, ed. 2, p.321-338.
30
2.3 O paradigma da Eficácia da Ajuda
Os mais recentes debates sobre a eficácia da ajuda (aid effectiveness)
surgiram a partir da discutida permanência dos altos níveis de pobreza global,
apesar da prolongada ajuda realizada pelo Norte. De acordo com Mello e Souza
(2014, p. 18),
Essa preocupação com a efetividade e eficácia da AOD no início do século XXI
resulta em grande medida de estudos empíricos que demonstraram que tal
assistência não tinha contribuído para taxas mais altas de crescimento econômico
nos países recipiendários, e muitas vezes poderia ser considerada
contraproducente, incitando nos anos 1990 demandas por resultados positivos por
parte dos contribuintes dos países da OCDE que a financiam.
Dessa maneira, em um contexto composto pela estagnação da ajuda
tradicional e ampla frustração com a efetividade dessa ajuda, é esperado que o
crescimento contínuo de recursos advindos das potências emergentes para o
campo do desenvolvimento traga implicações para a arquitetura da ajuda
internacional (Cabral; Russo; Weinstock, 2014).
Assim, a ideia permeada pela agenda da Eficácia da Ajuda é a de unificar e
harmonizar normas e padrões da cooperação internacional para o
desenvolvimento, de modo a estabelecer metas, critérios e indicadores com o
objetivo de promover maior coerência e coordenação entre os países (Mello e
Souza, 2014). Essa é uma agenda que incorpora um “consenso” sobre as boas
práticas para a realização da ajuda ao desenvolvimento, compartilhado
primordialmente entre as fontes tradicionais da ajuda (Cabral; Russo; Weinstock,
2014).
A Eficácia da Ajuda possui dois elementos centrais: a maior
responsabilidade dos países recipientes quanto às suas estratégias de
desenvolvimento e o compromisso global com objetivos de desenvolvimento
tangíveis através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), tendo
sido formulado por uma série de Fóruns de Alto Nível ocorridos em Roma (2003),
Paris (2005), Accra (2008) e Busan (2011) (Mawdsley, 2012). Nesse sentido, o
primeiro Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, ocorrido na Itália, em
2003, “fue la manifestación de un primer esfuerzo internacional sustancial para
31
aumentar la eficacia de la asistencia para el desarrollo y contribuir así a alcanzar
los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM)” (Ayllón Pino, 2013b, p. 128).
A Declaração de Paris - resultante do Fórum de Alto Nível ocorrido em
2005, foi assinada por mais de 90 países e se tornou cerne do discurso e da
metodologia promovida para o melhoramento e monitoramento da qualidade da
ajuda (Ayllón Pino, 2013) ao promover a apropriação, harmonização,
alinhamento, resultados e responsabilidade mútua para o aumento da eficácia da
ajuda (Declaração de Paris [...], 2005). Já a Agenda de Ação de Acra, realizada
em 2008, incentivou maior liderança dos países receptores no seu
desenvolvimento, maior prestação de contas e parcerias mais eficazes e inclusivas
(Agenda de Ação de Acra, 2008). A Agenda descreve que
A cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento visa a observar o princípio da não-
interferência nos assuntos internos, igualdade entre os parceiros e respeito pela sua
independência, soberania nacional, diversidade cultural e identidade e conteúdo
local. Isto desempenha um importante papel na cooperação para o desenvolvimento
internacional e é um valioso complemento para a cooperação Norte-Sul (Agenda de
Ação de Acra, 2008, s/n )
Assim, o encontro de Accra representou uma primeira manifestação de
diversificação na agenda da eficácia da ajuda através do reconhecimento da
relevância da Cooperação Sul-Sul (Ayllón Pino, 2013a).
Entretanto, o paradigma do novo milênio foi apresentado como um
consenso entre doadores e entre recipientes. Segundo Mawdsley, Savage e Kim
(2014), três fatores desafiam a agenda proposta: 1) O fato de que, sob o manto
técnico e target-led do desenvolvimento, há uma política de disputas por
interesses, desigualdades de poder e de qual o caminho certo para o
desenvolvimento que não se encontram em discursos oficiais; 2) Os efeitos da
crise financeira global no financiamento do desenvolvimento, que parecem ter
acelerado mudanças na balança de poder global, e; 3) A explosão no número de
atores de desenvolvimento estatais e não estatais, com foco para a notável
presença de países como China, Índia, Brasil, África do Sul, Arábia Saudita,
Tailândia, Turquia e Rússia. Ou seja, além da questão política do
desenvolvimento, encoberta sob o antigo discurso das especificações técnicas, a
agenda proposta enfrentava os desafios das transformações em andamento no
cenário internacional.
32
O Acordo de Parceria de Busan, ocorrido em 2011, progrediu no sentido
de dar maior reconhecimento e apoio à Cooperação Sul-Sul e à triangular, além de
enfatizar a transparência sobre os dados da ajuda, mais atenção aos Estados
frágeis e que passam por conflitos, e outras inovações (Parceria de Busan [...],
2011). O encontro de Busan foi marcado pela atenção especial dada aos “doadores
emergentes” e pelo contexto dos efeitos da crise econômica que levou às tensões
vinculadas à distribuição dos custos e do financiamento do desenvolvimento, que
foi radicalmente diferente do cenário em que ocorreram os encontros anteriores
(Ayllón Pino, 2013). De acordo com o exposto por Renzio e Seifert (2014, p.
1869), “The shift from no mention whatsoever in the Paris Declaration to full
recognition in the Busan Partnership Document is a testimony to the growing
perceived importance and influence of SSC actors and practices”.
Mawdsley, Savage e Kim (2014) consideram que essas concessões feitas
aos atores da CSS podem ser compreendidas como sinal de aflição do Norte, que
procura se engajar com esses atores. Nesse sentido,
The (so-called) ‘traditional’ donors are responding rapidly to new challenges and
opportunities [...] and in the last five years or so the mainstream official
development community — DAC bilaterals and multilaterals — has moved
rapidly from neglecting the non-DAC development partners to a far more serious
recognition of their potential power and influence (McEwan; Mawdsley, 2012, p.
1186).
Com isso, países doadores do CAD, organizações multilaterais e da
sociedade civil passaram a reconhecer as potências emergentes como atores no
campo do desenvolvimento e, assim, a se ajustar à crescente influência delas em
iniciativas da ONU, da UE, do Banco Mundial e do FMI e do CAD, a exemplo da
criação do Development Cooperation Forum (DCF) no Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas (ECOSOC), em 2007 (McEwan, Mawdsley, 2012). Por
outro lado, uma das razões alegadas para a mobilização das potências emergentes
em direção aos princípios da eficácia da ajuda do CAD é a falta de efetividade no
que se refere ao monitoramento e avaliação, transparência e responsividade
(accountability) nas suas atividades de cooperação para o desenvolvimento
(Cabral; Russo; Weinstock, 2014).
No entanto, de acordo com Abdenur e Fonseca (2013), o Norte tem se
engajado cada vez mais em novas formas de se inserir na CSS e de influenciá-la,
sendo o apoio multilateral à CSS uma delas. Assim, apesar do crescente
33
reconhecimento do papel das potências emergentes e da CSS, essa diferenciação
na abordagem aos atores do Sul pode ser considerada uma forma buscar trazê-los
para o sistema de regras predominante nas organizações internacionais
tradicionais.
De fato, diversos países emergentes, incluindo os BRICS, perderam
interesse na agenda após o Fórum de Busan, pois essa passou a ser vista com
desconfiança por ser interpretada como uma estratégia para impor as normas e os
padrões da eficácia da ajuda do CAD-OCDE (Mello e Souza, 2014). Para Mello e
Souza (2014, p. 20), a própria “(...) preocupação com a efetividade da CID
reflete, ela mesma, uma agenda da OCDE que não é inteiramente compartilhada
pelos países emergentes [...]”. A próxima seção abordará o posicionamento
brasileiro nessa questão.
2.4 O Brasil e a agenda da eficácia da ajuda
O Brasil, apesar de enfatizar o seu compromisso com o multilateralismo
internacional, assume uma postura no campo da cooperação para o
desenvolvimento que tem distanciado o país das configurações do CAD e
enfatizado a sua posição como país do Sul, em que uma retórica explícita de
solidariedade e irmandade com outros países em desenvolvimento foi utilizada
por Lula e continuada, de forma similar, pela presidente Dilma Rousseff (Renzio;
Seifert, 2014). O Brasil se localiza, assim, junto a um grupo de países que criticam
a agenda da eficácia da ajuda, pois
Se reclama que se trata de una agenda de los países donantes de la OCDE que
quieren imponer sus visiones, criterios y formas de medición de la eficacia sin
tener en cuenta la existencia de otras perspectivas sobre la cooperación y sobre el
desarrollo, como las existentes en las agencias del sistema de Naciones Unidas,
las organizaciones de la sociedad civil o las propias de los países en desarrollo.
Frente a una agenda creada, impulsada y orientada desde la OCDE, son muchas
las voces que reclaman redirigir los debates sobre la eficacia al ámbito de la
ONU, más concretamente, al Foro de Cooperación para el Desarrollo del
ECOSOC, creado en 2008 (Ayllón Pino, 2013b, p. 138/139)
De forma semelhante à China, o Brasil não havia endossado declarações
do CAD até o reconhecimento da natureza diferenciada da CSS e mostrou
interesse limitado com a formação da Parceria Global para a Cooperação para o
34
Desenvolvimento Eficaz (PGCDE), ambos ocorridos após o Fórum de Busan, em
2011 (Renzio; Seifert, 2014).
Ao destacar o caso brasileiro, Ayllón Pino (2013b, p. 138) afirmou que
el país firmó la DP [Declaração de Paris] en su condición de receptor de AOD,
pero de ningún modo como oferente de cooperación. Bajo esta perspectiva, la
CSS practicada por Brasil constituiría un acto soberano de solidaridad sin
sometimiento a reglas generadas por los donantes y destinadas sólo a ellos. No
obstante, Brasil estimularía la aplicación de los principios de la DP que constan
com anterioridad en las declaraciones de la ONU, como la apropiación y la mutua
responsabilidad de los países en desarrollo sobre los programas de cooperación
técnica.
Nesse sentido, o próprio governo brasileiro demonstra o seu
desalinhamento com as políticas do CAD-OCDE. Na publicação “Cooperação
Brasileira para o Desenvolvimento (2005 – 2009)”, elaborada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Agência Brasileira de Cooperação
(ABC), a cooperação internacional é definida como
A totalidade de recursos investidos pelo governo federal brasileiro, totalmente a
fundo perdido, no governo de outros países, em nacionais de outros países em
território brasileiro, ou em organizações internacionais com o propósito de
contribuir para o desenvolvimento internacional, entendido como o
fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de grupos ou
populações de outros países para a melhoria de suas condições socioeconômicas
(IPEA, 2010, p. 17).
A própria publicação destaca que “[...] este conceito não se alinha à
tradicional definição de AOD da OCDE (IPEA, 2010 p. 17). O documento aponta
que a cooperação brasileira e a AOD se assemelham: 1) no fato de que o fluxo de
financiamentos oficiais objetiva promover o desenvolvimento econômico e o
bem-estar nos países em desenvolvimento e 2) no quesito da concessionalidade.
Esta última, no entanto, não está vinculada aos recursos com grau de
concessionalidade igual ou maior que 25%, como ocorre com a AOD, mas sim
àqueles oferecidos totalmente a fundo perdido (IPEA, 2010). Outra diferença
distinguida no documento é o fato de que a cooperação do Brasil inclui os
recursos que o país destina a uma variedade de organizações internacionais do Sul
- aquelas que o Brasil é membro - ao passo que a AOD contabiliza recursos a
organizações internacionais apenas do Norte (IPEA, 2010).
O ponto de vista do governo brasileiro no que tange à adoção de um
padrão comum é o de que a CSS não deve ter a mesma metodologia de
35
mensuração da AOD praticada por países desenvolvidos, já que o foco brasileiro
na cooperação horizontal não significa doação para terceiros (Cabral; Russo;
Weinstock, 2014). Adicionalmente, como apontado por Mello e Souza (2014),
não faz sentido avaliar a CSS com os critérios e os padrões do CAD, já que
muitos países emergentes entendem que não há compatibilidade entre a AOD e a
história, os princípios e os modelos da CSS.
Além disso, apesar de alguns dos valores e princípios da CSS brasileira
serem compatíveis com aqueles do CAD, a ênfase do Brasil no respeito à
soberania nacional e a sua recusa em infligir condicionalidades políticas na
cooperação cria tensões com a proposta do CAD (Abdenur, 2014). De acordo com
o exposto, a mencionada publicação “Cooperação Brasileira para o
Desenvolvimento (2005 – 2009)” ressalta que
Ao prover cooperação técnica, o Brasil tem particular cuidado em atuar com base
nos princípios do respeito à soberania e da não intervenção em assuntos internos
de outras nações. Sem fins lucrativos e desvinculada de interesses comerciais, a
cooperação técnica horizontal do Brasil pretende compartilhar nossos êxitos e
melhores práticas nas áreas demandadas pelos países parceiros, sem imposições
ou condicionalidades políticas (IPEA, 2010, p. 32).
Assim, apesar do crescente papel na CSS, o Brasil tem agido de modo
relutante no que se refere ao seu engajamento em discussões cujos interesses do
Norte, segundo sua percepção, são predominantes (Abdenur, 2014).
A situação é diferente quando se refere aos países do Sul. Através do
BRICS, por exemplo, o Brasil tem ampliado a sua reinvindicação por reformas
nas instituições voltadas para o desenvolvimento, principalmente com a visão
compartilhada no grupo de que a governança global do desenvolvimento deve ser
mais representativa da atual distribuição de poder (Abdenur, 2014). Na última
Cúpula, ocorrida em julho de 2014, em Fortaleza, os BRICS acordaram a criação
do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), um Banco que visa financiar
investimentos em infraestrutura - inicialmente, intra-BRICS - e que,
posteriormente, deverá abranger outros países em desenvolvimento12
. Há
previsões de que o NDB inicie as suas operações em 2016.
12
Para mais informações acerca do da VI Cúpula BRICS e do Novo Banco de desenvolvimento,
ver o endereço eletrônico do encontró, disponível em: <http://brics6.itamaraty.gov.br/pt_br/>, e
“VI Cúpula BRICS”, disponível em:
<http://bricspolicycenter.org/homolog/uploads/trabalhos/6575/doc/349422524.pdf >
36
Em discussão sobre o significado da criação do NDB, Schablitzki (2014, p.
6) adiciona que
The BRICS can use the NDB to ‘multilaterise’ […] and by that legitimize their
national interests through the strengthening of the South-South ties in trade,
investment and development, avoiding the impression of conducting self-
interested policies. Thus, beyond targeting projects in the five BRICS countries,
the NDB gives the BRICS the chance to present themselves in the Global South
as an alternative source of finance to the existing international development
system with different development paradigms.
Portanto, a despeito do caráter recente do novo banco, este representa uma
iniciativa concreta para desafiar a atual arquitetura do desenvolvimento, lançar
novas discussões sobre a CSS e alcançar um nível de coordenação política que
pode ser transposto para instituições estabelecidas (Abdenur, 2014). Para o Brasil,
a plataforma do BRICS permite seus membros “to collectively influence the field
of development by contesting existing norms and blocking certain initiatives
(Abdenur, 2014, p. 1890).
2.5 Conclusões do capítulo
Os últimos anos têm presenciado uma atuação crescente das chamadas
potências emergentes - especialmente aquelas integrantes do BRICS - no sistema
internacional, em geral, e no campo da cooperação internacional para o
desenvolvimento, em específico, através da Cooperação Sul-Sul. Essa progressiva
atuação das potências emergentes tem sido acompanhada por recorrentes
demandas delas por uma governança global mais inclusiva, de modo que se
encontrem melhor representadas.
Ao mesmo tempo, a União Europeia, integrante do CAD-OCDE e super
representada nele e em outras organizações internacionais, vê o sistema de
governança que ajudou a construir ser contestado. Além disso, ela não tem
ocupado o posto de liderança global que antes possuía por diversos motivos,
dentre eles, questões internas, a multiplicidade de novos polos no sistema
internacional e os efeitos da crise econômica global no orçamento voltado para a
ajuda ao desenvolvimento.
O Paradigma da Eficácia da Ajuda foi elaborado no âmbito do CAD-
OCDE com o intuito de abordar o problema da credibilidade da sua ajuda, vista
37
com insatisfação com a persistência dos altos níveis de pobreza em países
receptores da ajuda dos países desenvolvidos. No entanto, vista por países do Sul
como uma agenda em que predominam os interesses do Norte, a eficácia da ajuda
não é bem aceita por eles, a despeito do reconhecimento da importância da CSS
com o encontro de Busan.
O Brasil, integrante do clube de países mais críticos às práticas do CAD-
OCDE, é resistente à AOD e, apesar de ter assinado o acordo de Busan, persiste
desinteressado na agenda da eficácia da ajuda após o encontro por considerá-la,
assim como outros países emergentes, dominada pelos interesses dos países
desenvolvidos. Por outro lado, o Brasil tem dado prioridade às alternativas do Sul,
focando no grupo BRICS que, com o recente anúncio de um banco próprio
voltado para o desenvolvimento, pode representar maior desafio e vir a
representar uma alternativa à existente governança internacional do
desenvolvimento.
38
3. A UE como potência normativa e os desafios trazidos pelas mudanças no cenário internacional
[W]hy does Europe do this [development co-operation] at Community level? The
individual 15 member states do their part in development cooperation, so why do we also
do it together? The answer to this is that it is simply a projection of the values on which
European co-operation has been founded. These are the same values we want to project
into the world, and also our own self-perception makes it natural for us to do these things.
There is a strong moral aspect in this, but there is also ideology and some enlightened
self-interest; promoting stability, co-operation and prosperity in the world is definitely
also part of making it a better world for us to live and work in. (Nielson, former EC
Commissioner for Development and Humanitarian Aid, 2001 apud Bonaglia; Goldstein;
Petito, 2006, p. 164)
Tendo em vista o cenário mutante discutido no capítulo anterior e a
posição importante da UE como influenciadora das normas no campo do
desenvolvimento internacional, o presente capítulo tem como objetivo discutir o
conceito de Normative Power Europe diante das transformações debatidas.
Assim, na primeira seção, busca-se compreender o papel das normas nesse
cenário, apresentar o conceito de Normative Power Europe e, em seguida, discutir
a sua aplicação empírica na política de desenvolvimento da União Europeia.
Posteriormente, são apresentadas diversas reações à concepção da UE como
potência normativa, que são primordialmente voltadas para a inadequação do
conceito ao cenário mundial em transformação caracterizado, entre outros fatores,
pela crescente atuação das potências emergentes. Em seguida, discute-se a
Socialization as a Two-way Process, ideia elaborada por Xiaoyu Pu (2012), que
identifica a crescente influência das potências emergentes na evolução das normas
internacionais e que, assim, ao passo que são socializadas na ordem existente,
também moldam a mudança nas normas internacionais. Por fim, conclui-se que,
diante das transformações ocorridas no cenário internacional, o conceito de
Normative Power Europe, associado à socialização como um processo de via
única, não condiz com a atuação global da UE nem comporta as mudanças
ocorridas no cenário internacional.
39
3.1 A União Europeia como potência normativa
A contestação da governança global, e no campo da cooperação
internacional ao desenvolvimento - discutida no capítulo anterior - realizada por
potências emergentes, está estreitamente vinculada às suas críticas aos padrões e
práticas estabelecidas no campo, aos debates normativos de como a cooperação
deve ocorrer. Destaca-se, desse modo, a importância de se discutir o papel das
normas nas relações internacionais, o que leva o presente trabalho a adotar uma
visão construtivista, pois “Constructivists focus on the role of ideas, norms,
knowledge, culture, and argument in politics, stressing in particular the role of
collectively held or ‘intersubjective’ ideas and understandings on social life”
(Finnemore; Sikkink, 2001, p. 392).
Finnemore e Sikkink (1998) assumem uma definição geral de normas
como “a standard of appropriate behavior for actors with a given identity”
(Finnemore; Sikkink, 1998, p. 891). Nesse sentido, é possível relacionar as
normas predominantes em organizações internacionais, a exemplo do CAD-
OCDE, como determinantes de padrões de comportamento apropriados no campo
do desenvolvimento internacional. De forma similar, ao perceber a sua atuação
internacional como uma “force for good” e se assumir como potência normativa,
conceito a ser debatido no presente capítulo, a União Europeia passa a crer na sua
capacidade de definir o que é ‘normal’, agindo com o objetivo do ‘bem comum’.
Como afirmam Finnemore e Sikkink (2001, p. 401),
Organizations are effective agents of social construction in part because the
rational-legal authority they embody is widely viewed as legitimate and good.
Further, the perceptions that these organizations are merely technical (not
political) and that the social models they push are chosen because they are
efficient and effective add to the power of these norms.
Em uma perspectiva construtivista, ideias compartilhadas, expectativas e
crenças sobre qual é o comportamento adequado dá estrutura, ordem e
estabilidade ao sistema internacional (Finnemore; Sikkink, 1998, p. 894). Nesse
sentido, ao estabelecer padrões e monitorar e avaliar a ajuda, por exemplo, o CAD
assume o papel de ‘moral bookkeeper’, incentivando a assistência ao
desenvolvimento como uma prática virtuosa entre os seus membros e auxiliando a
legitimar o papel dominante que membros doadores – entre eles, a UE – tem
40
assumido no pós II Guerra como eticamente justificados, acima dos imperativos
das forças do mercado e políticas de poder (Hattori, 2003).
Contudo, uma vez que países provedores da CSS não concordam com as normas
defendidas pelo CAD-OCDE, ou com as atuais estruturas de algumas organizações
internacionais, os países do Sul buscam não apenas deixar de seguir as normas como
também criar novas estruturas e procedimentos. Dessa maneira, Abdenur (2014) ressalta
que o recente fenômeno da emergência de diferentes formas de crescimento
econômico tem dado aos provedores da CSS mais influência no que se refere à
formação de normas de desenvolvimento. Adicionalmente, a proliferação de
‘norm-setting arenas’, a exemplo dos BRICS, traz às potencias emergentes uma
nova possibilidade de contestar normas que percebem como de interesse do Norte,
a exemplo da discutida agenda da eficácia da ajuda liderada pela OCDE.
Dada a influência normativa da UE, torna-se importante a discussão do
conceito de ‘Normative Power Europe’ (NPE) – que se refere à UE como
potência normativa – com o intuito de compreender o seu papel na elaboração e
difusão das normas no âmbito internacional. Mais que isso, a questão normativa
da UE remete à discussão sobre que tipo de ator ela é e como age
internacionalmente.
Porém, o argumento do poder normativo foi levantado com o intuito de ir
além das discussões sobre se a UE é um ator na política internacional. Como
ressaltado por Richard Whitman (2013, p. 174),
Normative power theorising is interested in the EU’s aim of setting standards for
others through the means of spreading norms rather than being powerful with
either military or economic means [...]. The concept has been developed as a
response to the absence of normative theorising and with an aim to go beyond
dichotomies of civil versus military power, which was a product of Cold War
politics.
Dessa maneira, o conceito de potência normativa, elaborado por Ian
Manners (2002), dialoga com o conceito de ‘potência civil’ (civilian power)
atrelado à UE por François Duchêne, em 1972, e à crítica a essa definição, voltada
para a necessidade de poder militar, elaborada por Hedley Bull, em 1982
(Manners, 2002). De acordo com Tuomas Forsberg (2011), Manners procurou
superar o debate referente ao papel da UE como potência militar ou civil, visto
como obsoleto em razão do desenvolvimento supranacional da integração
europeia.
41
Por civilian power, Duchêne compreende a então Comunidade Europeia
como um “special international actor whose strength lies in its ability to promote
and encourage stability through economic and political means” (Whitman, 2013,
p.174). Manners considera que civilian power é formada por três principais
dimensões: a cooperação diplomática para a resolução de problemas
internacionais, a centralidade do poder econômico e a existência de instituições
supranacionais com poder jurídico. A crítica de Bull ao referido conceito foi de
que ele era ineficiente e que havia a necessidade de autonomia militar. Assim, a
Comunidade Europeia deveria buscar a autossuficiência em defesa e segurança,
com o objetivo de se tornar uma potência militar (Manners, 2002). O surgimento
da Política de Defesa e Segurança Europeia (ESDP) – ou a Política de Defesa e
Segurança Comum (CFSP) -, criada em 1999, levantou expectativas de inclinação
em direção à ‘UE potência militar’, que não deixou de ser questionada por
fragilizar a identidade civil da UE (Manners, 2002).
Para Manners (2002), os dois conceitos apresentados possuem mais em
comum do que se imagina, compartilhando pressupostos voltados para a natureza
‘fixa’ no Estado-nação, a importância do poder físico (vinculado às capacidades) e
a noção de interesse nacional - pressupostos que foram, para ele, moldados pelo
contexto da Guerra Fria. O autor argumenta que o fim da bipolaridade levou ao
colapso de ideias então consideradas insustentáveis por governos e cidadãos do
leste europeu – uma crise vinculada às normas, não ao poder da força. Assim, na
sua concepção, o papel da UE na política mundial é melhor compreendido através
da reflexão sobre o que essas revoluções demonstram sobre o poder de ideias e
normas, ou seja, através do poder normativo (Manners, 2002).
A UE potência normativa entende a sociedade internacional como
composta por diversos atores – não limitada à relação entre estados -, privilegia o
poder de ideias e normas – ao invés do poder material – e rejeita afiliação com a
prática colonial ou neo-colonial – a mission civilizatrice, associada por Manners
com o conceito de civilian power – em países menos desenvolvidos. Como
destaca Whitman (2013, p. 174), para Manners, “normative power emphasizes de
cosmopolitan nature of the EU’s principles [...] by ‘a commitment to placing
universal norms and principles at the centre of its relations with member states
and the world’”. Por outro lado, Postel-Vinay (2008) resume que, a despeito dos
diferentes posicionamentos dos estudiosos sobre o como e o porquê, há um grande
42
consenso – que permeia as ideias de Duchêne a Manners - acerca da singularidade
e da novidade da presença europeia.
Manners (2002) destaca o fato da UE ter sido fundada com base na
consolidação da democracia, no Estado de Direito e no respeito aos direitos
humanos e liberdades fundamentais e, assim, persegui-los como objetivos de
política externa e desenvolvimento. Portanto, o poder normativo se distancia da
ideia de interesse nacional dos Estados. Para o autor, o conceito de potência
normativa "is an attempt to suggest that not only is the EU constructed on a
normative basis, but importantly that this predisposes it to act in a normative way
in world politics" (Manners, 2002, p. 252). Ou seja, definir a política externa da
UE em termos normativos significa que o poder da UE não pode ser reduzido aos
meios militares ou puramente econômicos (Whitman, 2013).
Na concepção de Manners, a existência diferenciada da UE - que a
distingue do modelo de Estado Westfaliano - e a base normativa que possui - que
fundamenta a sua ação externa - fazem parte da redefinição do que é ‘normal’ nas
relações internacionais e é essa habilidade que fornece à UE um grande poder.
Adicionalmente, como destacado por Forsberg (2011), Manners argumenta que a
UE promove uma série de princípios normativos que são, em geral, reconhecidos
como aplicáveis globalmente pelas Nações Unidas.
A ideia da UE potência normativa se tornou bastante popular e passou a
ser adotada na diplomacia pública, sendo endossada por representantes da
organização, como o ex-presidente da Comissão Europeia José Manuel Barroso
(Forsberg, 2011). Ademais, o próprio Tratado de Lisboa denota essa percepção ao
afirmar que
A acção da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à
sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objectivo promover em
todo o mundo: democracia, Estado de Direito, universalidade e indivisibilidade
dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade
humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da
Carta das Nações Unidas e do direito internacional. [...] A União procura
desenvolver relações e constituir parcerias com os países terceiros e com as
organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem dos princípios
enunciados no primeiro parágrafo. Promove soluções multilaterais para os
problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas.” (Tratado de
Lisboa, 2007, p. 23)
Ainda, no documento do European Security Strategy, a UE se apresenta,
em conjunto com os EUA, como uma “formidable force for good in the world”
43
(European Union, 2003, p.13). Nesse sentido, Whitman (2013) sublinha que, para
Thomas Diez, a UE potência normativa é, inerentemente, uma construção
discursiva da UE como um modelo e uma “force for good” para o resto do mundo.
Adicionalmente, Diez “has argued that the political discourse on normative power
is actually an essential dimension of the EU’s strategy to assert its power on the
international scene” (Postel-Vinay, 2008, p. 42).
Segundo Manners (2002), a diferença normativa UE em relação a qualquer
outra potência que promove suas normas está no seu contexto histórico, na sua
política híbrida e na sua constituição político-legal. O autor destaca que a
organização se originou em um contexto histórico pós-guerra marcado pelos
nacionalismos que ocasionaram a guerra e o genocídio. Por esse motivo, a criação
de instituições e de políticas comunitárias ocorreu dentro de uma conjuntura em
que europeus se comprometeram a partilhar recursos no intuito de preservar a paz
e a liberdade. Assim, no período pós-guerra fria, a combinação de "[...] historical
context, hybrid polity and legal constitution has [...] accelerated a commitment to
placing universal norms and principles at the center of its relations with its
member states [...] and the world [...]" (Manners, 2002).
Para Manners, as normas da UE são difundidas de seis formas. A primeira
é o contágio, em que as normas se difundem da UE para outros atores de forma
não intencional, a saber, por meio do seu exemplo, do seu modelo de integração
regional, como parâmetro para o Mercosul (Mercado Comum do Sul). Já a difusão
informacional resulta de comunicações estratégicas, a exemplo de iniciativas da
presidência da UE ou da Comissão. Em terceiro lugar, a difusão processual, que
envolve a institucionalização da relação da UE com a outra parte, como um
acordo de cooperação inter-regional, filiação em uma organização internacional
ou o próprio alargamento da UE. Os exemplos utilizados pelo autor foram o
diálogo inter-regional firmado com a Comunidade para o Desenvolvimento da
África Austral (SADC, em inglês), a filiação da UE à Organização Mundial do
Comércio (OMC) e a adesão de países do Mediterrâneo e do Leste Europeu à UE.
A difusão por transferência ocorre através da troca de bens, do comércio,
da ajuda ou da assistência técnica, que pode acontecer por meios financeiros,
exportando normas e padrões comunitários, a exemplo do fundo de
desenvolvimento para os países de Cotonou. Manners (2002) sublinhou que tanto
a difusão processual como a de transferência tem sido facilitada com as
44
condicionalidades atreladas aos acordos da Comissão com terceiros países. A
difusão ostensiva acontece através da presença física da UE em outros países e
organizações internacionais, a exemplo das delegações da UE e embaixadas dos
seus Estados membros. Por fim, a difusão por filtro cultural é baseada na ação
recíproca entre a construção do conhecimento e a criação de uma identidade
política e social por aqueles sujeitos à difusão das normas, afetando o impacto das
normas internacionais em terceiros países ou organizações. O filtro cultural leva
ao aprendizado, à adaptação ou rejeição de normas e tem como exemplos a
difusão de normas democráticas na China e dos direitos humanos na Turquia.
3.1.1 UE: potência normativa no desenvolvimento internacional?
Ao buscar compreender se a abordagem da UE para o desenvolvimento
internacional era condizente com a concepção de Manners da UE como potência
normativa, Vicky Birchfield (2007, p. 3) destacou que,
Externally, the EU has projected its norms and values by emphasizing the
humanitarian and civilian nature of its external relations and linking its
development policies to the broader aims of promoting fundamental freedoms,
consolidating democracy and strengthening the respect for human rights and the
rule of law.
Dessa forma, a autora apresenta a ajuda ao desenvolvimento como um
meio para a expansão das normas e dos valores elaborados pela UE. Birchfield
ainda conclui que "The EU’s approach to development may be an important
confirmation of this conceptualization of 'normative power Europe' as well as a
significant pillar of the EU’s external policy" (Birchfield, 2007, p. 8). Uma das
evidências empíricas utilizadas pela autora para chegar nessa conclusão foi o
comprometimento na UE com o alcance dos ODM, destacando o engajamento da
UE com a obtenção da meta de 0,7% do PIB dos países membros voltado para a
AOD até 2015.
De modo similar a Birchfield, Manners (2008) procurou traçar evidências
empíricas da sua concepção da UE como potência normativa no âmbito da ajuda
ao desenvolvimento. Entretanto, o autor sublinhou a dificuldade de avaliar a
política de desenvolvimento da UE, pela sua característica complexa, já que
envolve os Estados membros e a Comissão trabalhando através do CAD-OCDE,
45
tornando assim difícil de compreender o seu poder normativo em termos de
princípios normativos, ações e impacto.
Porém, ao buscar perspectivas empíricas da sua teoria no campo da ajuda
ao desenvolvimento, Manners (2007) afirma que
Since 1990, the EU’s development policy has increasingly moved in a less
privileging but more holistic direction, placing an emphasis on conditional and
differentiated aid encouraging regionalisation, together with greater overall
funding. This [...] is motivated by the aim of promoting more holistic normative
principles (such as good governance, human rights, democracy and rule of law)
reflecting a greater emphasis on the results-orientated consequentialist ethics
increasingly witnessed in the millennium Development Goals (MDGs) [...].
(Manners, 2008, p. 26).
Por outro lado, o autor ressalta o fato de que pouco se deve aos membros
do CAD-OCDE (inclusive a UE e os seus Estados membros) a melhoria da
qualidade de vida em alguns países nos 30 anos anteriores - que ocorreu mais
devido aos crescentes níveis de desenvolvimento de países como a China e a Índia
- e que diversos países, principalmente africanos, apresentaram redução do
desenvolvimento humano no mesmo período. Manners ainda menciona que a UE
e os seus Estados membros encontram resistência nos países parceiros que se
sentem discriminados e são hostis aos princípios como a boa governança e de
direitos humanos e sociais. Apesar de Manners, assim como Birchfield, também
mencionar o compromisso da UE de direcionar 0,7% do PIB dos Estados
membros para a ajuda ao desenvolvimento até 2015, é importante evidenciar que a
meta não deverá ser alcançada, pois apenas o Reino Unido, a Suécia, a Dinamarca
e Luxemburgo a atingiram até então13
.
Assim, a título de conclusão, para Manners, esse e outros casos empíricos
sugerem que "the EU is a committed yet troubled normative power in the
globalised world" (Manners, 2008, p. 37). Por outro lado, Manners (2008) defende
que, como atestado em diversos documentos de políticas da UE, a exemplo do
European Consensus on Development, a UE parece continuar comprometida em
exercer poder normativo. De modo menos relutante, Birchfield alega que a
política de desenvolvimento da UE representa, teórica e empiricamente, o
conceito de Normative Power Europe. Nesse sentido, Birchfield (2007) afirma
que países europeus têm transferido políticas de desenvolvimento para o nível
13
Para mais informações, ver relatório Aid Watch 2014. Disponível em:
<http://www.concordeurope.org/images/AidWatch_2014.pdf>
46
supranacional da integração com o intuito de afastá-las das “[...] temptations and
perils of pursuing narrow national interests that may come at the expense of the
broader interest of sustainable development (Birchfield, 2007, p. 20).
A UE atesta que o objetivo primordial da sua política de desenvolvimento,
presente no European Consensus on Development, é a redução da pobreza no
contexto do desenvolvimento sustentável e, nesse sentido, a UE procura alcançar
os ODM. Para ela, o objetivo final da redução da pobreza se encontra
intrinsicamente vinculado aos objetivos complementares “of promotion of good
governance and respect for human rights, these being shared values underpinning
the EU” (European Union, 2006).
Entretanto, o discurso corresponde à realidade? Bonaglia, Goldstein e
Petito (2006) advogam que a retórica e o comportamento das políticas se mostram
diferentes:
Confirming the findings of the existing empirical studies, both the simple
descriptive analysis and the econometric estimation of the determinants of EC
[European Commission] aid showed that aid is not necessarily directed towards
the poorest countries, and that, at least in the case of Africa, commercial interest,
the recipient governance stance (as imperfectly measured by the index of
perceived corruption) and the behaviour of other donors influence the EC’s aid
giving (Bonaglia; Goldstein; Petito, 2006, p. 181).
Em pesquisa, os autores referidos buscaram compreender a distribuição de
ajuda, divididos por grupo de renda, comparando o montante destinado pela
Comissão Europeia, pelos Estados membros da UE e pela soma de todos os países
do CAD nos anos de 1980, 1991 e 2000. Das conclusões do estudo, os autores
identificaram três grandes tendências: 1) o declínio da importância dos países de
baixa renda (em termos absolutos e relativos)14
; 2) a importância crescente dos
países do centro e do leste europeu, assim como dos países que tinham se tornado
independentes, e; 3) o fato dos Estados membros parecerem ter delegado à
Comissão Europeia a tarefa de assistir países do centro e do leste europeu e países
recentemente independentes.
Dessa maneira, diferenças entre o discurso e a prática da política de
desenvolvimento da UE representam um desafio para a caracterização da
organização como potência normativa, já que essa distinção implica dizer que a
14
É importante ressaltar que “Although ODA more than doubled in real terms from 1980 to 2000,
low-income countries received a decreasing share of this larger cake, in favour of middle-income
countries” (Bonaglia; Goldstein; Petito. 2006, p. 176)
47
UE atua buscando objetivos normativos, caracterizando, assim, a busca pelo
alcance de interesses como exclusiva dos Estados. Outras críticas referentes ao
conceito de Normative Power Europe são discutidas na próxima seção.
3.2 Críticas à concepção da UE como potência normativa
As reações e críticas à ‘UE potência normativa’ foram diversas15
,
mobilizando vários estudiosos em um debate dinâmico desde a elaboração do
conceito por Manners, em 2002. O presente trabalho não objetiva ser exaustivo
diante de tamanho debate, mas busca apresentar as principais críticas feitas ao
conceito levando em conta as mudanças ocorridas no cenário internacional desde
o início do século, especialmente o progressivo desempenho das potências
emergentes nele.
Thomaz Diez, em seu artigo “Normative Power as hegemony” (2013),
analisa o poder normativo através do conceito de hegemonia (até sugerindo a
troca dos termos) - definida em sua concepção Gramsciana e, assim, focando no
poder das ideias e do consenso, ao invés da força -, termo que se aproxima da
definição de Manners de potência normativa como a capacidade de moldar
concepções do que é normal. Essa sugestão teve como objetivo lidar com
problemas encontrados no conceito de UE potência normativa, como o debate
sobre se a política externa da UE é conduzida por normas ou interesses e a
possibilidade do poder normativo não funcionar, ou não funcionar além da esfera
do alargamento da UE.
Quanto à primeira questão, por combinar elementos materiais
(econômicos) e discursivos, o conceito de hegemonia resolveria o problema da
ideia central da definição de potência normativa da busca por normas mesmo
quando elas não são do seu interesse, pois “[...] norms and economic interests
form one whole: norms shape interests; interests shape norms” (Diez, 2013, p.
201). Em referência à possibilidade do poder normativo da UE não ser eficaz - da
UE não ser capaz de moldar concepções do que é normal – Diez (2013) destaca
que testemunhamos a competição e/ou contestação das normas em vários níveis,
15
Para uma revisão de literatura mais aprofundada sobre o extenso debate relacionado à Normative
Power Europe, ver: WHITMAN, Richard. The neo-normative turn in theorising the EU’s
international presence. Cooperation and Conflict. Vol. 48, N. 2, p. 171 – 193, jun/2013.
48
desde o âmbito dos Estados membros ao da relação com terceiros. Como
sublinhado pelo autor
EU norms may also not be competing only with the interests but also with the
norms of other international actors [...], which may all too often see EU norms as
impositions on a ‘mission civilisatrice’ that in their lack of reflexivity undermine
their very aim [...] (Diez, 2013, p. 203).
Desse modo, Diez defende que o poder normativo é melhor explicado
quando visto como uma disputa transversal das normas sociais, em que diferentes
atores interagem em diversos níveis, do que como a imposição incontestável e
unidirecional das normas, que replicariam os velhos problemas de modelos top-
down de europeanização.
Karoline Postel-Vinay (2008, p. 39) inicia a sua crítica ao conceito de UE
potência normativa ao afirmar que "the relation between norms and power, as well
as the constitution of international normative power, are situated in time and
space". Nesse sentido, as normas podem ter significado universal, a exemplo do
desejo de erradicar a violência ou o respeito pelo meio ambiente, mas isso não
significa que elas são formuladas universalmente. A autora destaca que a
humanidade pode ter a mesma ambição por liberdade política, por exemplo, mas a
democracia liberal foi elaborada como norma internacional em um espaço e um
tempo específico, a saber, no mundo Ocidental e na última parte do século vinte.
Postel-Vinay (2008) define a Europa pré-1945, composta por potências
individuais, como uma clara definidora de normas internacionais ao criar as
primeiras organizações internacionais e promover (ou impor) normas através
dessas instituições. Entretanto, a União Europeia - a organização comunitária -
tem tido sua influência geopolítica limitada tanto pela emergência do poder
Americano no período pós-1945 (principalmente através do estabelecimento de
novas organizações internacionais) como, mais recentemente, pelo surgimento de
potências não ocidentais na Ásia e na América do Sul (Postel-Vinay, 2008).
Dessa forma, a autora questiona:
All cultures at any time in history produce norms: how come some become global
and others not? How come most of what we call international norms are in fact
genealogically constituted Western norms, and therefore global normative power
is intrinsically linked to Western power? This problem is absent from EU studies
discussion on normative power for the obvious reason that its starting point is
explicitly located in Europe, either post-Cold War Europe or post-Second World
War Europe (Postel-Vinay, 2008, p.41).
49
Assim sendo, Daniel Fiott (2011) acrescenta que
NPE [Normative Power Europe] has not been appraised in light of the possible
consequences of multipolarity. If [...] the world is heading towards multipolarity
between states such as the US, China, India and Brazil, and entities such as the
EU, what consequences will this have for NPE theory?
Em resposta a essa pergunta, na concepção de Larsen (2014), a forma
predominante de como a UE exerce a sua influência global hoje não pode ser
considerada a de poder normativo, que se torna secundário em relação à percepção
de poder econômico, por exemplo. Além disso, a compreensão da UE como
potência normativa se encontra mais presente na vizinhança oriental e meridional
da Europa e quase não existente no resto do mundo (Larsen, 2014). Assim, futuros
debates sobre Normative Power Europe devem levar em consideração essa
distinção geográfica. Para o autor, também é importante considerar o fato de que
elites no Brasil, China, em partes da África e em vários outros lugares concebem
que a UE utiliza sua posição econômica com o intuito de proteger interesses
neocoloniais, ao invés de promover ajuda.
Para Miriam Saraiva (2013), a projeção de princípios e valores da UE –
baseados no seu modelo político e social – para além das suas fronteiras, tem sido
uma das ferramentas principais da atuação global da organização. A autora pontua
que, nos anos 1990, essa atividade contribuiu para a inclusão e a defesa dos
princípios da democracia e dos direitos humanos na agenda internacional. Nesse
sentido,
Examined from a constructivist perspective of structuring a new international
order, this European preoccupation with democracy promotion [...] projected in
the construction of this order would contribute to the production of normative
effects (Saraiva, 2013, p. 2)
Entretanto, a década de 2000 apresenta um cenário internacional distinto,
marcado por um momento de crise após os atentados de 11 de setembro e a
posterior invasão dos EUA no Iraque, agravada pela crise financeira em 2008 que
afetou enormemente a Europa. Esse contexto abriu espaço para o surgimento de
novos atores – países emergentes em particular – e, consequentemente, de visões
de mundo alternativas ao liberalismo dos anos 1990. Essa conjuntura abalou a
50
integração europeia e, assim, a projeção externa do seu modelo, enfraquecendo a
concepção da UE como potência normativa (Saraiva, 2013).
No campo da cooperação para o desenvolvimento, para Ayllón Pino (2012),
os doadores tradicionais - e, de forma especial, os europeus - serão estimulados a
mudar as suas estratégias na área por razões como a intensidade das relações Sul-
Sul e a emergência de espaços independentes para a coordenação política entre os
países em desenvolvimento. Segundo o autor,
o modelo de prosperidade que a UE objetivou difundir através de sua cooperação
tem hoje outras alternativas, pois é evidente a quebra do pensamento único e das
práticas padronizadas, do tipo one size fits all, no debate sobre o desenvolvimento
(Ayllón Pino, 2012, p. 247)
Com a contestação realizada pelos países defensores da Cooperação Sul-
Sul ao modelo padronizado de ajuda ao desenvolvimento promovido pelo Norte,
esse tem procurado manter os primeiros dentro do sistema de regras
predominante. Como afirmam Abdenur e Fonseca (2013, p. 1475-1476),
The OECD’s Development Assistance Committee (DAC), which has worked to
encode a set of norms, values and practices as part of the organisation’s
guidelines, is being increasingly (and openly) contested by South–South
providers who do not always endorse the same principles. Within this context
Northern donors have begun to rethink their role in international cooperation,
trying out new institutional configurations, forging new partnerships and — more
broadly—seeking new points of entry into cooperation dynamics that focus,
geographically and politically, on the global South.
Desse modo, a União Europeia tem procurado se relacionar com as
potências emergentes de forma diferenciada, de forma a mantê-las dentro de um
mesmo sistema de regras. Isso ocorre porque a UE necessita operar em um mundo
regrado e normatizado, pois um mundo governado por jogos de poder instáveis a
tornaria apenas mais um jogador entre vários (Vasconcelos, 2003). Abdenur e
Fonseca (2013) destacam o apoio multilateral à CSS, iniciativas de cooperação
triangular e a produção de conhecimento sobre a CSS como formas do Norte
tentar manter ou ganhar espaço nas áreas em que tem perdido influência, assim
como remodelar normas e práticas da CSS. Nesse contexto, mudanças
institucionais e discursivas realizadas pela UE com o intuito de melhor atuar e de
se posicionar no novo cenário internacional serão discutidas no 3º capítulo.
51
3.3 A legitimidade do papel normativo da UE: a percepção do Sul global
Poucas análises abordam a importância das percepções internacionais para
a discussão da UE como potência normativa (Larsen, 2014). Entretanto,
considerando a apresentada mudança do cenário internacional, e a crescente
significância da atividade global das potências emergentes, torna-se importante a
discussão de como a UE é compreendida por elas. Larsen (2014) concebe que,
empiricamente, definir a UE como potência normativa requer como pré-condição
que outros atribuam a ela esse papel especial, tornando, assim, fundamental para o
conceito discutido procurar compreender como o mundo exterior concebe a UE.
Em crítica similar, Fioramonti e Poletti (2008) argumentam que muitos
estudos têm focado exclusivamente na exploração das políticas internas da UE
como forma de perceber a eficácia do seu papel em questões mundiais.
Compreende-se que, essas análises, ao serem complementadas com estudos sobre
como a UE é percebida por outras sociedades, geram informações importantes
para a avaliação do papel da organização comunitária na política mundial. Os
autores apontam que países do "Sul global" merecem atenção particular, pois
países em desenvolvimento são muito mais afetados quando se considera o fato de
que a UE tem adotado diferentes políticas e abordagens para questões de
desenvolvimento, pobreza, multilateralismo, e outras (Fioramonti; Poletti, 2008).
Assim,
in focusing almost exclusively on either the EU’s self-perception or its different
policies vis-à-vis the USA, political analysts have forgotten to ask the most
crucial informants (i.e. the global South) whether they share the view that the EU
is a qualitatively different global actor” (Fioramonti; Poletti, 2008, p.168).
Larsen (2014) pondera que, apesar de Manners apontar seis mecanismos
de difusão das normas da UE, não há amplas considerações sobre o que leva o
mundo exterior a adotá-las (ou não), apenas o mecanismo de filtro cultural sugere
o porquê disso. Desse modo, o autor declara que
For the EU to have the status of a normative power regionally or globally, the
international actors have to find that the EU plays a special role in defining the
normal or as a beacon for norms. If international actors do not view the EU in this
way, or only to a limited extent, then the EU is not likely to be able to influence
conceptions of the normal in international politics through normative power
(Larsen, 2014, p. 899)
52
Portanto, há a necessidade de reduzir a lacuna entre a autopercepção da
UE e a do mundo exterior sobre ela. Com esse objetivo em mente, Larsen (2014)
procurou resumir os achados da literatura sobre percepções externas da UE,
baseados em artigos e em três grandes projetos de pesquisa: o do National Centre
for Research on Europe (NCRE), da Universidade de Canterbury; do Framework
of Excellence Garnet, da Universidade de Warwick, e; o projeto realizado por Ole
Elgström, intitulado ‘New roles for the EU in International Politics’. Desse modo,
o autor se utilizou da principal literatura sobre percepções externas para tirar
constatações gerais sobre como a UE é vista pelo seu mundo exterior.
Larsen (2014) destaca as principais observações resultantes dos três
projetos de pesquisa citados. A primeira grande constatação do autor é que a UE é
amplamente vista como um ator internacional em diversas issue areas, mas não
uma potência internacional em todos os campos. A UE é compreendida como uma
grande potência em questões comerciais e ambientais, por exemplo (Larsen,
2014).
Em segundo lugar, observou-se que prevalece a percepção da UE como
uma potência econômica internacional, caracterizada predominantemente como
um gigante do comércio, um grande mercado e fonte de investimento estrangeiro
direto (estudos realizados após a deflagração da crise financeira de 2008 não
constatam mudança de imagem nesse quesito). No entanto, predomina no "Sul"
(África, Pacífico, sudeste asiático, Índia, Brasil e China) uma imagem negativa da
UE como potência econômica, que é entendida como uma contraparte desigual,
que contribui para a continuidade da situação subordinada da África. Essa imagem
desfavorável é composta pela atitude protecionista da UE em relação aos produtos
agrícolas, às condicionalidades atreladas aos acordos de comércio e à barganha
durante negociações comerciais. Nesse sentido, a retórica da UE de "parceria"
com os países ACP (África, Caribe e Pacífico) é vista como falsa.
Adicionalmente, "Terms such as ‘neo-colonialism’ frequently appear in analyses
of the views of the south on the EU as an economic power, and this also affects
readings of NPE [Normative Power Europe]" (Larsen, 2014, p. 902).
A terceira constatação geral traz uma imagem mais positiva do "Sul" em
relação à atuação política global da UE, que é vista como mais progressiva do que
os EUA no que se refere à governança democrática e ao multilateralismo, por
53
exemplo. A UE não é tida como uma potência no campo militar, mas tem seu
papel reconhecido em relação à mediação e à conciliação pacífica. Por fim, a
imagem da UE como ator no campo do desenvolvimento não é proeminente, mas
é vista como um grande prestador de ajuda pelos países que dela precisam ou
dependem (Larsen, 2014). O autor conclui que a imagem prevalecente da UE nas
pesquisas é a de líder no campo econômico (e comercial, incluindo a assistência
ao desenvolvimento).
Em referência à UE como potência normativa, Larsen (2014) se
fundamentou principalmente em um estudo feito pelo NCRE, baseado em 274
entrevistas semiestruturadas realizadas com elites políticas, de negócios, da
sociedade civil e da mídia em países do sudeste asiático (Filipinas, Malásia,
Cingapura, Tailândia e Vietnã) da África (África do Sul e Quênia) e do Pacífico
(Fiji, Papua Nova Guiné e do amplo Pacífico), que foram questionadas sobre que
tipo de grande potência era a UE. A caracterização da UE como potência
normativa se mostrou ausente nas entrevistas realizadas no Pacífico e pouco
visível na África e no sudeste asiático. No projeto do Garnet, a UE não é vista
como potência normativa no Brasil, na China, Índia, Rússia ou África do Sul. A
despeito da conclusão geral de que a UE não é compreendida como uma potência
normativa, há uma exceção geográfica para essa constatação, a da vizinhança
oriental e meridional da UE, em que países dão à organização um status de grande
potência e reconhecem a atratividade da sua agenda normativa, apesar das áreas
econômica e comercial receberem mais destaque. Outras exceções geográficas
também são encontradas no México, em Cingapura e nas Filipinas. No entanto,
concluiu-se que as percepções da UE como potência normativa são mais
proeminentes em países vizinhos à UE e em alguns outros países individuais.
Em resumo, Larsen (2014) conclui que
The general absence of an image of the EU as a normative power comes in three
forms. The first presents the EU as a partner with no special normative status.
The second sees the EU as a self-declared promoter of legitimate norms, but
views this as an attempt by the EU and its former colonial powers to reintroduce
neo-colonial control. A third sees the EU as a power that attempts to further its
own norms rather than universal norms. In the three readings, the EU does not
have a special status through its norms which might give it influence. To the
extent that there is a component of EU normative power connotations that is
widely accepted, it is the ‘peace’ element (Larsen, 2014, p. 905-906)
De maneira semelhante à Larsen, Postel-Vinay (2008, p. 42) verificou que
54
Would-be members or would-be partners of the EU, such as Ukraine, Turkey or
North African countries, in fact have a very different understanding of European
normative power than countries such as Brazil or China, whose relations with the
EU are defined by more global parameters. This distinction points not only to an
identity issue but also to questions of international power and influence.
Nesse contexto, o trabalho de Emilian Kavalski (2013) discute que
definições do que é considerado ‘normal’ não são simplesmente empreendidas
pela potência normativa, mas emergem no contexto da sua interação com os
outros. Assim, não basta uma autopercepção de potência normativa para se tornar
uma, é preciso o reconhecimento desse status pelos outros por meio da interação:
“Normative powers need to be perceived as legitimate – in other words, their
agency depends on the validation by target actors […] (Kavalski, 2013, p. 258). O
autor destaca que Bruxelas não parece ser capaz de gerar relações com países para
além do contexto da filiação à UE e a sua consequente parceria privilegiada, que
mantém a influência socializadora do seu poder normativo. Para ele, a
complexidade do contexto global faz a UE enfrentar a realidade de que outros
países não a veem como atrativa. Assim, nos seus assuntos externos, a UE insiste
na internalização das suas normas por vários países no mundo, sem, entretanto,
utilizar o suporte dos instrumentos privilegiados da sua política de alargamento.
Assim, sob quais condições target actors concederiam esse reconhecimento? Para
Kavalski, o incentivo de maior credibilidade para esse reconhecimento seria a
inclusão de interesses ou ideias predominantes em um país nas estratégias daquela
que quer ser vista como potência normativa.
De forma similar, Lorenzo Fioramonti e Arlo Poleti (2008) criticam a
autopercepção da UE como um ator singular, cuja política externa se baseia nos
princípios que inspiraram a sua própria criação. Os autores identificam que o
pressuposto implícito dessa autopercepção é o de que a ação externa da UE
"follows values and approaches that are somehow different from those of nation-
states [...] which are mainly or exclusively concerned with their national interests"
(Fioramonti; Poleti, 2008, p. 167).
Ao analisar as percepções da UE pela opinião pública, elites políticas,
organizações da sociedade civil e a mídia do Brasil, da Índia e da África do Sul,
Fioramonti e Poletti procuram preencher a lacuna sobre as percepções da UE por
parte do ‘Sul global’. Os autores colheram informações da pesquisa ‘The External
55
Image of the European Union’16
, que se baseou em informações decorrentes de
pesquisas de opinião, comunicados de imprensa, documentos e publicações
divulgadas, entrevistas selecionadas, websites e da mídia. Pelo fato do presente
trabalho focar no Brasil, serão enfatizados os resultados da pesquisa realizada no
país sul-americano17
.
Em relação à opinião pública sobre a UE, verificou-se que poucos
cidadãos do ‘Sul’ tem ideia do que ela é e quais são as suas políticas, motivos e
objetivos. Cidadãos brasileiros se mostraram relativamente familiares com a UE,
em que 43% deles declararam saber o suficiente para ter uma opinião sobre ela e,
no que se refere à relação do Brasil com a organização comunitária, 56 % dos
entrevistados possuíam uma opinião ‘boa’ ou ‘muito boa’. Quanto às elites
políticas brasileiras, a percepção geral é a da UE como provedora de
oportunidades para o alcance dos objetivos de desenvolvimento do país,
particularmente em relação ao tamanho do mercado europeu para exportações
brasileiras e à provisão de investimento direto estrangeiro no país. Por outro lado,
também há uma imagem negativa referente ao mesmo aspecto: a UE é vista como
uma potência econômica com atitude protecionista. Adicionalmente, o modelo de
integração regional da UE é visto como positivo pelas elites políticas brasileiras,
especialmente quando se considera o Mercosul (Fioramonti; Poletti, 2008).
Por fim, análises da imprensa brasileira confirmam as opiniões anteriores,
retratando a UE essencialmente em relação às suas atividades econômicas,
enquanto sua natureza política permaneceu pouco retratada. Fioramonti e Poletti
(2008) inferiram que, em geral, a UE não se caracterizou como um tópico
relevante em debate público no Brasil, na Índia e na África do Sul e, em várias
áreas (como comércio, barreiras não tarifárias e subsídios agrícolas), foi vista,
principalmente na Índia e na África do Sul, como um ator que perpetua a
dominação ocidental. De acordo com os autores,
This reveals a significant ‘gap’ between how the EU perceives itself and how it is
perceived by other countries. It seems that the ‘uniqueness’ of the EU as a global
actor permeated by values such as solidarity, sustainable development, human
rights promotion and the like, which is very common in the EU rhetoric, is belied
by the common perceptions of the leading nations of the global South. [...] If it is
16
Pesquisa realizada pelo Network of Excellence (Garnet), "Global Governance, Regionalisation
and Regulation: the role of the EU", coordenado por Sonia Lucarelli de outubro de 2005 a
dezembro de 2006. 17
Destaca-se que a pesquisa utilizada por Fioramonti e Poletti (2008) foi realizada entre 2005 e
2006.
56
true that the EU is seriously concerned with issues such as social justice and
sustainable development, then it should pay particular attention to the views of
those societies that suffer most from social injustice and underdevelopment
(Fioramonti; Poletti, 2008).
Dessa maneira, torna-se relevante, tanto para a concepção teórica do
Normative Power Europe quanto para a própria UE, que acolheu o conceito, ir
além da sua autopercepção e compreender como o ‘mundo exterior’ a concebe.
3.4 Socialization as a two-way process: a influência recíproca entre a UE e as potências emergentes
Isso posto, Xiaoyu Pu (2012), ao citar o exemplo do conceito de
Normative Power Europe, considera que, nas relações internacionais, a
socialização - ou seja, o processo de obtenção de identidade e aprendizado das
normas, valores e comportamentos adequados à posição social ocupada e, no
âmbito das relações internacionais, aplicado à relação entre estados e a sociedade
internacional - tem sido estudada como um processo de sentido único, em que
potências ocidentais dizem aos países não ocidentais de que forma devem se
comportar. Na sua concepção,
The presumption is that the social norms and political values preferred by the
West are the only possible way to achieve modernity. With the emergence of
non-Western great powers in the 21st century, however, this idea is increasingly
challenged. Emerging powers are sending a strong message to the West, 'Stop
telling us how to behave' (Pu, 2012, p. 341-342)
Assim, o autor aponta que as teorias de política internacional focam em
como as potências emergentes são socializadas dentro das normas internacionais
existentes e como é pouco estudada a forma como essas potências emergentes
resistem às normas ocidentais e de que modo podem participar da elaboração das
normas.
Como ressaltado na sessão anterior, diversos autores apontam para a
lacuna existente entre a autopercepção da UE como uma ‘force for good’ e a
compreensão que o mundo externo tem dela, enfatizando a necessidade de
reconhecimento por parte dos outros para que ela seja vista como uma potência
normativa. De modo semelhante, Pu (2012, p. 351) analisa que “legitimacy is a
social fact that is meaningful only to members of the community who accept it
57
[…]” e que, sendo a socialização um processo bidirecional, a perspectiva das
potências não ocidentais deve ser vista como parte da ordem normativa legítima.
Desse modo, Pu (2012) afirma que a socialização como um processo de
via única é um conceito mais pertinente ao se considerar o estágio inicial de
desenvolvimento de potências emergentes, que buscam se integrar nas normas
existentes, além de não serem ainda capazes de impor agendas. Com o
crescimento do poder e da influência, potências emergentes passam a não aceitar
passivamente o status quo da ordem normativa existente.
Assim, Pu (2012) conceitua que a socialização deveria ser estudada como
um processo ocorrido em dois sentidos - a two-way process of socialization,
aquela em que ambos os agentes são ativos e, assim, se influenciam. O autor
adiciona que a socialização como um processo em dois sentidos significa
considerar que os "rising powers are socialised into the existing international
order, while reshaping the order when they enter" (Pu, 2012, p. 349). Assim, as
potências emergentes deixam de ser apenas norm takers para agirem também
como norm shapers. A título de exemplificação, o autor explica que
China has been a rule shaper in this issue area of humanitarian intervention, not a
passive student of international norms. China participated fully in the United
Nations debate on development of the concept of 'Responsibility to Protect'
(R2P). Moreover, Brazil proactively promotes the new concept of
'Responsibilities While Protecting' (RWP) as a new norm of international
intervention (Pu, 2012, p. 2).
Pu (2012) defende que as potências emergentes atuam como norm shapers
ao: 1) desafiar a noção de que a cultura e as ideias ocidentais são superiores às do
resto do mundo; 2) enfatizar sua soberania e independência; 3) utilizar fóruns
multilaterais para influenciar a evolução das normas internacionais, a exemplo dos
BRICS, e; 4) desejar ter voz ativa na definição de que tipos de normas deveriam
ser vistas como legítimas na sociedade internacional. No campo do
desenvolvimento internacional, esses aspectos são facilmente identificados, sendo
as negociações em torno do Acordo de Parceria de Busan, de 2011, as atuais
discussões acerca da agenda de desenvolvimento pós-2015 da ONU e, a criação
do NBD dos BRICS, dois grandes exemplos da maior atuação e do desejo de ter
voz ativa na área.
Por fim, a crise financeira global de 2008 trouxe às potências emergentes
maior possibilidade de atuação global, propiciando maior espaço para a mudança
58
do cenário de influência diplomática e ordem normativa. Assim, “Emerging
powers such as China, India, Russia and Brazil will have seats at the international
high table, and bring to it the new rules of the game” (PU, 2012, p.343), ao
mesmo tempo que a comunidade internacional enfrenta problemas globais, como
as questões vinculadas à mudança climática e a própria crise financeira, que não
podem ser solucionadas apenas pelas potências ocidentais. Essas questões tornam
cada vez mais crucial considerar as ideias e preferências das potências
emergentes.
3.5 Conclusões do capítulo
A concepção da UE como potência normativa defende o compromisso da
organização com a colocação das normas e dos princípios universais – aqueles
que basearam a sua criação, a saber, consolidação da democracia, no Estado de
Direito e no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais - no centro
das suas relações com o resto do mundo. Assim, o conceito se afasta da ideia de
interesse nacional, associada aos Estados, e se torna símbolo da autopercepção da
UE como uma ‘force for good’, inclusive na sua política de desenvolvimento.
Para Manners (2002), o maior poder da UE é a possibilidade de moldar
concepções do que é ‘normal’ na política internacional.
No entanto, a década de 2000 viu o cenário mundial passar por mudanças
que culminaram com a crise financeira mundial de 2008, abrindo mais espaço
para uma tendência que tomava força desde o início da década: a da maior
influencia das potências emergentes. Esse evento trouxe mais heterogeneidade ao
cenário internacional à medida que esses países traziam as suas próprias
concepções de mundo, nem sempre condizentes com as da ordem predominante.
Eles passaram então a rejeitar algumas normas já existentes e a demandar voz
mais ativa nos fóruns internacionais, mostrando que também desejam ser norm
shapers, sendo o campo do desenvolvimento internacional um exemplo desse
fenômeno.
O conceito de Normative Power Europe, assim como a atuação da UE de
acordo com ele, não comporta as mudanças ocorridas na conjuntura internacional,
por compreender que a UE socializa outros atores na ordem existente – a ordem
em que os princípios e valores da UE predominam -, ou seja, a socialização é tida
59
como um processo de mão única. Assim, a socialização envolve apenas a
propagação direta de normas para atores passivos, que, dessa forma, não possuem
agência.
No entanto, as ativas potências emergentes, em geral, não percebem a UE
como um ator normativo, contestam algumas das normas existentes e atuam na
elaboração de normas alternativas. Além disso, problemas globais, como as
mudanças climáticas, poluição e pobreza, não podem ser solucionados apenas
pelos países do Norte, e necessitam de soluções também globais. Nesse cenário,
entender a socialização como um processo de duas vias ajuda a compreender
como as potências emergentes podem influenciar a evolução das normas na
política internacional, um entendimento que se torna cada vez mais importante.
Com os dez anos da formulação do NPE, Manners fez uma reavaliação do seu
conceito em 2013, defendendo a sua continuidade. O autor propôs uma nova
agenda para refletir NPE ao repensar o poder e a capacidade de agir da UE.
Assim, estabeleceu três formas de desenvolver o conceito, através de: a) macro-
approach, com um programa de pesquisa holístico na abordagem de potência
normativa e que esclareça a relação entre teoria normativa, abordagem
metodológica e estrutura analítica; b) meso-characterization, com a caracterização
do tipo de ator ou potência e análise comparativa com organizações regionais e
internacionais, atores estatais e não-estatais, e; c) micro-analysis, com análise da
“justificativa normativa” como forma de poder. Pesquisas futuras demonstrarão se
a agenda proposta responderá às críticas feitas ao conceito.
60
4. Respostas da União Europeia ao mundo em transição
Com a publicação do European Security Strategy (ESS), em 2003, a UE
identificou os desafios que ela própria enfrentava, assim como as ameaças
globais, e instituiu a forma pela qual lidaria com ambos. No cenário internacional,
as chamadas potências emergentes cada vez mais conquistavam espaço de ação,
sendo atuantes no âmbito da cooperação para o desenvolvimento. Atrelada às
questões externas, a organização comunitária viu o número de Estados membros
aumentar, saindo de 15 para os atuais 28, além de enfrentar as graves
consequências da crise internacional de 2008, dentre elas, problemas com
consenso interno e a redução dos orçamentos.
Desde o ESS, a UE tem passado por diversas mudanças institucionais e
discursivas, e é o objetivo desse capítulo identificar e discutir aquelas que
afetaram o plano da cooperação internacional para o desenvolvimento e a relação
da UE com as potências emergentes. Para isso, inicialmente, debatem-se as
iniciativas de ação externa que surgiram com o ESS, a saber, a promoção do
multilateralismo efetivo e o estabelecimento de parcerias estratégicas. Em
seguida, analisa-se a política de desenvolvimento da UE e como ela é atrelada à
política externa da organização a partir do European Consensus on Development,
criado em 2005, e das inovações trazidas pelo Tratado de Lisboa, que entrou em
vigor em 2009. Depois, será discutida a Agenda for Change, estabelecida em
2011, que traz novas mudanças à cooperação para o desenvolvimento tendo em
vista os mais recentes acontecimentos internos e externos.
Posteriormente, são identificados os mecanismos financiadores da cooperação
para o desenvolvimento da UE e por quais mudanças eles têm passado. Por fim,
conclui-se que todas as mudanças institucionais ocorreram tendo em vista a
contínua expansão tanto dos interesses quanto dos valores da UE - e, portanto, a
sua atuação normativa – assim como a forma como a UE abordaria as potências
emergentes e lidaria com a crescente atuação das mesmas no cenário internacional
e na esfera da cooperação internacional para o desenvolvimento. Desse modo, a
despeito do anseio da UE em atuar como potência normativa, as mudanças
institucionais identificadas evidenciam a socialização como um processo
61
bidirecional, ou seja, demonstram que, assim como a UE socializa potências
emergentes, a organização também recebe influência da atuação delas, em uma
relação de influência mútua.
4.1 O multilateralismo efetivo e as parcerias estratégicas
Como mencionado, a União Europeia reconheceu as ameaças à sua
segurança e os desafios enfrentados pelo mundo na publicação do documento
intitulado European Security Strategy, ou ESS. O ESS, adotado pelo Conselho
Europeu em dezembro de 2003, analisou e definiu, pela primeira vez, o cenário de
segurança da UE, assim como identificou os seus principais desafios de segurança
e suas consequentes implicações políticas para a organização. Foi uma estratégia
que surgiu no contexto das divergências entre os Estados membros da UE no que
se refere à invasão dos EUA no Iraque, em 2003, evento que evidenciou a
necessidade de uma visão estratégica comum como forma de reforçar a coesão
interna da organização. Assim, o documento forneceu um quadro conceitual para
a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da UE, incluindo a sua Política
Comum de Segurança e Defesa (PCSD)18
.
Dentre os desafios globais, o documento identificou as guerras, a miséria,
os problemas energéticos e a falta de recursos naturais e, em relação às ameaças, a
UE enumerou o terrorismo, a proliferação de armas de destruição em massa, os
conflitos regionais, a falência de Estados e o crime organizado. Dessa forma, o
ESS distinguiu duas maneiras de lidar com os desafios mencionados: a promoção
do ‘multilateralismo efetivo’ e o estabelecimento de ‘parcerias estratégicas’ com
atores-chave.
No que se refere ao ‘multilateralismo efetivo’, o ESS destaca que seu
objetivo é o bom funcionamento das instituições internacionais e uma ordem
mundial baseada em regras (União Europeia, 2003). Isso ocorre porque, para a
UE, nenhum país consegue lidar sozinho com os problemas existentes hoje. Dessa
maneira, o ‘multilateralismo efetivo’ seria um elemento central da sua política
externa, exaltando a importância de um sistema multilateral centralizado em
regras e valores universais, concentrado na Organização das Nações Unidas
18
Informações obtidas do endereço eletrônico da Ação Externa Europeia, disponível em: < http://www.eeas.europa.eu/csdp/about-csdp/european-security-strategy/>
62
(ONU), com o intuito de enfrentar as ameaças à comunidade internacional19
. Ao
buscar que todos se mantenham dentro de um mesmo sistema de regras, o
‘multilateralismo efetivo’ representa um modo de procurar conservar todos
atuando dentro do sistema de regras da ONU. Para Renard (2009), essa é também
uma forma de manter a relevância dos países europeus no nível global.
Assim, a UE procura
[...] a truly efficient global multilateral system, and the creation of institutions
able to regulate political and economic interdependence. The aim is to construct a
system, accepted by a majority of states, governed by international norms for
international trade, security, the protection of human rights and the environment
(Vasconcelos, 2003, p.33).
Portanto, apesar da proliferação de novas organizações internacionais e
fóruns, a UE busca a participação dos países em um mesmo sistema de regras. Em
discurso proferido na Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e
Caribenhos (CELAC), ocorrido em janeiro de 2015, a Alta Representante para os
Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica Mogherini, reforçou a
forte crença da UE no multilateralismo efetivo20
. Adicionalmente, UE destaca que
deve lidar com os seus desafios tanto por meio da cooperação multilateral em
organizações internacionais – ou seja, através do multilateralismo efetivo – quanto
através de parcerias com atores-chave (União Europeia, 2003), ou seja, os
parceiros estratégicos.
São dez os atuais parceiros estratégicos da UE, a saber, a África do Sul, o
Brasil, o Canadá, a China, a Coréia do Sul, os EUA, a Índia, o Japão, o México e
a Rússia. Destes, seis países emergentes são parceiros estratégicos da UE, e todos
tiveram essa parceria estabelecida entre 2003 e 2007 (Grevi, 2012). Assim, o
estabelecimento de parcerias estratégicas com esses países representa
reconhecimento da importância política e/ou econômica deles, seja no âmbito
regional ou no cenário global (Hess, 2012). Ela estabelece um diálogo de alto
nível entre os parceiros, caracterizados por cúpulas anuais entre os mais altos
representantes de ambas as partes, além de diversos encontros setoriais.
19
Informações obtidas do endereço eletrônico da Ação Externa Europeia, disponível em:
<http://eeas.europa.eu/organisations/un/index_en.htm > 20
Para mais informações, ver discurso proferido por Federica Mogherini, disponível em:
<http://eeas.europa.eu/delegations/barbados/documents/press_corner/news/2015/celac_speech_mo
gherinii_en.pdf>
63
Como destaca Fejerskov (2013), as parcerias estratégicas com o Brasil, a
África do Sul, a Índia e a China estão ligadas às mudanças na cooperação com
potências emergentes e países emergentes de renda média que se encontram no
cerne dos desafios postos à cooperação para o desenvolvimento da UE. O Tratado
de Lisboa – discutido ainda nesse capítulo – promoveu mudanças na ação externa
da UE, e atrelou a ela a sua política de desenvolvimento. Nesse sentido, Grevi
(2012) atribui grande afinidade da parceria estratégica promovida pela UE às
reformas institucionais realizadas pelo Tratado de Lisboa, pois o último procurou
introduzir mais continuidade, coerência e maior capacidade de definição da
agenda no nível europeu, características necessárias às parcerias estratégicas.
Entretanto, o termo tem sido alvo de debate por questões como a sua falta
de definição, de clareza sobre quem se qualifica como parceiro estratégico da UE,
de que lhes falta conteúdo realmente estratégico ou de que elas não têm
apresentado os resultados esperados (Biscop e Renard, 2010; Renard, 2009, 2012;
Grevi, 2008, 2012; Fejerskov, 2013). Porém, de acordo com Renard (2011, p. 5),
um verdadeiro “parceiro estratégico” é um
[…] key global player which has a pivotal role in solving global challenges – in
the sense that the EU cannot hope to solve these issues without the positive
contribution of that partner – and which is willing to cooperate with the EU to
solve these challenges, preferably in a multilateral framework […]
Assim, apesar do aspecto bilateral da parceria estratégica, ela representa
um meio para se alcançar o multilateralismo efetivo. De modo similar, Grevi
(2012, p. 16) adiciona que
Strategic partnerships are important bilateral means that can be mobilised to
foster international cooperation. The redistribution of power at the international
level enhances the clout of a number of EU partners in formal and informal
multilateral formats. Given the diverse priorities and normative outlooks of its
main stakeholders, a more heterogeneous international system results in a more
contested and consequently weaker multilateral order.
Dessa maneira, para Grevi (2008), as parcerias estratégicas refletem a
transição do sistema internacional, caracterizado pela contestação das normas e
por mudanças na balança de poder, mas cujos desafios são comuns a todos. Para
Lazarou e Edler (2012), a parceria estratégica se torna uma ferramenta discursiva
64
que reforma o modo tradicional de compreender a relação entre potências
relevantes para uma forma mais coerente com a multipolaridade em crescimento.
Diante dessa discussão, o estabelecimento de parcerias estratégicas como
instrumento para alcançar o multilateralismo efetivo remete ao anseio da UE em
aproximar as potências emergentes dos meios em que as normas e os valores da
UE predominam, ou seja, onde a UE pode exercer melhor o seu poder normativo.
Elevar o nível do relacionamento com potências emergentes representa, assim,
não apenas um reconhecimento da importância delas no cenário internacional,
mas também um meio de trazê-las para o sistema de normas vigente, contestado
por elas. Dessa forma, a constituição de parcerias estratégicas pode ser
considerada uma estratégia para a UE exercer o seu poder normativo.
De modo similar aos autores citados, Fejerskov (2013) conclui que as
parcerias estratégicas são instrumentos de política externa flexíveis e polivalentes
em um cenário internacional que se torna cada vez mais complexo. Porém, o autor
aprofunda a ideia ao afirmar que as parcerias estratégicas podem formar a base de
uma abordagem multissetorial para a cooperação para o desenvolvimento, com o
potencial de se tornar um instrumento para lidar com a exclusão de potências
emergentes e países de renda média das relações tradicionais da ajuda – uma
exclusão resultante da mais recente política de diferenciação das parcerias
realizadas pela UE. As parcerias estratégicas são ideais para aprimorar as relações
com países “situated at the interface between north and South [...]. But they are
also testament to the changing power relations manifesting themselves in
development cooperation […]” (Fejerskov, 2013, p. 42). Essa diferenciação
presente nas mais novas mudanças ocorridas na política de desenvolvimento da
UE será abordada na próxima seção.
Na atualidade, as parcerias estratégicas continuam sendo importantes para
a ação externa da UE. Em palestra ministrada em novembro de 2014, a Alta
Representante da UE, Federica Mogherini, ressaltou a necessidade de desenvolver
um sistema de parcerias globais mais efetivas:
The factual list of our strategic partners...and if you look at them, some of them
are real, some of them might be strategic and not partnerships anymore, some of
them are partnerships, not strategic. Still it’s [sic] all countries with whom we
will need to develop a real working relationship. Because, again, if the European
Union wants to play a political global role we cannot just pretend that we do not
relate to countries that might be difficult to relate to…it might be very
65
challenging. But that’s our size, that’s our level of ambition, to work together,
being it confrontational or cooperational [sic] with big global players, being it
Russia, being it Brazil, being it South Africa […] (Mogherini, 2014)
Além disso, Mogherini enfatizou a necessidade do multilateralismo efetivo
como melhor forma de promover a convivência global. Assim, o multilateralismo
efetivo integra a finalidade maior da política externa da UE, que é um sistema de
regras comuns para todos no sistema internacional, e as parcerias estratégicas são
instrumentos para abordar atores-chave no intuito de alcançar o multilateralismo
efetivo e, assim, exercer o seu poder normativo. Dessa maneira, a partir do
estabelecido no ESS e das posteriores parcerias estratégicas firmadas, a UE
reconheceu a importância de se relacionar de forma diferenciada com potências
emergentes para alcançar os seus objetivos.
4.2 A Política de Desenvolvimento da UE: em busca de mais unidade com o European Consensus on Development e o Tratado de Lisboa
A cooperação para o desenvolvimento tem estado, junto com a política
comercial, no centro das relações da UE com o mundo exterior desde os anos
1950 – que, na época, era Comunidade Econômica Europeia. O Tratado de
Maastricht, que instituiu a atual União Europeia, tornou a política de
desenvolvimento, formalmente (mas não exclusivamente), de competência
comunitária, sendo partilhada com os seus Estados membros (Furness, 2010).
Dessa maneira, “a União e os Estados-Membros podem legislar e adoptar actos
juridicamente vinculativos nesse domínio. Os Estados-Membros exercem a sua
competência na medida em que a União não tenha exercido a sua” (União
Europeia, 2007, p. 46).
A política de desenvolvimento da UE "[...] is a cornerstone of EU relations
with the outside world – alongside foreign, security and trade policy" (Comissão
Europeia, 2014, s/n) e se baseia 1) no European Consensus on Development,
publicado em 2005 e que une o Conselho, o Parlamento e a Comissão Europeia a
uma visão comum de desenvolvimento, e; 2) no Tratado de Lisboa, que entrou em
vigência em 2009 e, dentre as suas atribuições, determinou a forma como a UE se
posicionaria no âmbito das suas relações externas. Atualmente, a qualidade da
ajuda é monitorada através dos objetivos acordados na Declaração de Paris, em
66
2005, na Agenda de Acra, em 2008, e revisados no Fórum de Busan, em 2011
(European Union, 2014).
O European Consensus for Development forneceu à UE e aos seus Estados
membros princípios comuns para implementar políticas de desenvolvimento
baseados na complementariedade e na eficiência. O acordo proveu, pela primeira
vez, uma visão comum para guiar a ação da UE e os seus Estados membros na
cooperação para o desenvolvimento (Fejerskov, 2013). Essa visão está atrelada ao
comprometimento com a erradicação da pobreza, a propriedade, a parceria e a
prestação de uma ajuda maior e melhor (European Union, 2006).
Assim, dentre os objetivos comuns acordados estavam a erradicação da
pobreza no contexto do desenvolvimento sustentável, incluindo os ODMs; o
desenvolvimento como um objetivo central e a boa governança, os direitos
humanos e outros aspectos políticos, sociais e ambientais como partes integrantes
do desenvolvimento sustentável; o compromisso com a coerência das políticas
para o desenvolvimento, e; a busca desses objetivos no âmbito da ONU. Dessa
forma, estando a UE comprometida com a agenda da Eficácia da Ajuda, o
Consensus on Development garante a implementação e o monitoramento dessa
agenda nos países em desenvolvimento, focando nos princípios que o formam, a
saber, a propriedade nacional, coordenação e harmonização de doadores,
alinhamento com sistemas do país beneficiário, orientação para os resultados,
dentre outros.
No que se refere aos valores comuns, o documento destaca que
EU partnership and dialogue with third countries will promote common values of:
respect for human rights, fundamental freedoms, peace, democracy, good
governance, gender equality, the rule of law, solidarity and justice. The EU is
strongly committed to effective multilateralism whereby all the world's nations
share responsibility for development (European Union, 2006, p. 3).
Adicionalmente, a UE e seus Estados membros se comprometeram com os
princípios da propriedade e parceria, participação da sociedade civil, igualdade de
gênero, do diálogo político e de abordar a fragilidade do Estado.
Nesse sentido, o documento também destaca a insegurança e os conflitos
violentos como um dos grandes obstáculos para o alcance dos ODM, além da
necessidade do desenvolvimento para o combate à migração ilegal. Na realidade,
o Consensus on Development explicitamente vinculou policy areas como o
67
comércio, direitos humanos, boa governança, educação, migração e segurança
com a agenda dos ODM e a erradicação da pobreza (Furness, 2010). Como
reconhecido pelo ESS e pelo Consensus on Development, “there cannot be
sustainable development without peace and security, and without development
and poverty eradication there will be no sustainable peace” (European Union,
2008, p. 8). Assim, o desenvolvimento, centralizado na erradicação da pobreza no
contexto do desenvolvimento sustentável, é tido como importante no
enfrentamento dos problemas globais (European Union, 2006).
Com o objetivo de fazer a UE se posicionar no âmbito global através de
uma voz única e mais coerente, o Tratado de Lisboa introduziu mecanismos
institucionais voltados para esse objetivo, sendo os mais notáveis o
estabelecimento do cargo do Alto Representante da União Europeia para os
Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e o Serviço Europeu para Ação
Externa (SEAE). Além de assumir o cargo de Alta Representante da União
Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica
Mogherini também é vice-presidente da Comissão Europeia. Sua antecessora,
Catherine Ashton, ocupou o cargo desde que o Tratado de Lisboa entrou em
vigor, em 2009. A Alta Representante tem como função primordial coordenar e
executar a Política Externa e de Segurança Comum da UE, sendo assessorada pelo
SEAE e pelas delegações da UE no mundo todo. Dentre as suas atividades, estão a
condução da política externa em nome da UE; coordenar os instrumentos de
política externa comunitários – como a ajuda ao desenvolvimento, comércio,
ajuda humanitária e resposta a crises; a construção de consenso entre os 28
membros da UE e suas prioridades; representação da UE em fóruns
internacionais, entre outras21
.
O SEAE – o órgão mais recente da UE, criado em 2011, e proposto pela
então Alta Representante, Catherine Ashton – é presidido pelo Alto Representante
e reúne serviços de política externa da Comissão e do Conselho da UE, além de
diplomatas dos Estados membros (Furness, 2010). O órgão desempenha um papel
diplomático, gerenciando as relações diplomáticas da UE com o resto do mundo e
dando assistência ao Alto Representante da União em assuntos de política externa,
sendo assim responsável pelas cerca de 140 delegações da UE no mundo. É sua
21
Informações obtidas através do endereço eletrônico do Serviço Europeu para a Ação Externa, da
União Europeia, disponível em: <http://europa.eu/about-eu/institutions-bodies/eeas/index_pt.htm>
68
missão garantir que todas as atividades realizadas pela UE no exterior sejam
consistentes e efetivas, ou seja, assegurar a coerência e a eficiência da política
externa da UE. Isto é, ele trouxe uma oportunidade de garantir a coerência entre as
políticas de modo que elas evitem impactos negativos em países em
desenvolvimento (Fejerskov, 2013). Além disso, para a União Europeia (2015),
“uma das funções principais do SEAE é apoiar as parcerias estratégicas da UE
com os intervenientes fundamentais na cena internacional e o compromisso
assumido para com os países emergentes”.
Desse modo, enquanto cabe à EuropeAid – a Diretoria Geral da Comissão
Europeia para o Desenvolvimento Internacional e Cooperação – a elaboração e a
implementação da política de desenvolvimento da União Europeia, o SEAE tem
como função se certificar da sua sinergia com as demais áreas de ação externa da
UE, a exemplo dos direitos humanos, da segurança, estabilidade e prevenção de
conflitos (SEAE, 2015). O SEAE também tem voz no estabelecimento de
estratégias para o orçamento da AOD oficial da UE, o que lhe confere mais
influência na política de desenvolvimento comunitária (Furness, 2010).
Como pontuado por Natalie Hess (2012), em 2010, Ashton assinalou três
prioridades para o seu mandato: criar um novo serviço de política externa (o
SEAE), a vizinhança europeia e as relações da UE com os parceiros estratégicos.
Desse modo, nota-se a relevância que os parceiros estratégicos têm tomado no
âmbito da UE e como o Tratado de Lisboa fixou a política de desenvolvimento da
UE à sua ação externa.
O Tratado de Lisboa teve como pretensão combinar as relações externas
da UE e as políticas externa e de desenvolvimento da organização em um quadro
institucional único e simplificado, de forma a aumentar a sua eficiência (Furness,
2010). Sobre a ação externa da UE, o Tratado estabelece que
Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus
valores e interesses e contribui para a protecção dos seus cidadãos. Contribui para
a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o
respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da
pobreza e a protecção dos direitos do Homem, em especial os da criança, bem
como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional,
incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas (Tratado de
Lisboa, 2007, p. 11).
69
No que se refere especificamente à cooperação para o desenvolvimento, o
Tratado anuncia que
A política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento é
conduzida de acordo com os princípios e objectivos da acção externa da União. A
política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas
dos Estados Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se
mutuamente. O objectivo principal da política da União neste domínio é a
redução e, a prazo, a erradicação da pobreza. Na execução das políticas
susceptíveis de afectar os países em desenvolvimento, a União tem em conta os
objectivos da cooperação para o desenvolvimento (Tratado de Lisboa, 2007, p.
93).
Nos trechos apresentados, o Tratado de Lisboa deixa clara a ligação da
política de desenvolvimento da UE com os seus objetivos de ação externa,
principalmente o da redução e posterior erradicação da pobreza. Entretanto,
compreende-se que grande parte da AOD da UE não era direcionada aos países
mais pobres, mas sim para países de renda média da sua vizinhança e da América
Latina, por exemplo, onde Estados Membros possuíam fortes interesses
econômicos ou de segurança. Citando caso parecido, a European Neighborhood
Policy (ENP) recebe grande parte da AOD da UE, apesar do seu foco na
estabilidade regional. Outro exemplo é o financiamento da African Peace
Facility22
pelo European Development Fund (EDF), cujo objetivo principal é a
redução e a erradicação da pobreza (Furness, 2010). Assim, critica-se a
‘securitização’ da ajuda da UE, ou seja, a dominação dos interesses de segurança
– voltados para as questões das migrações, terrorismo e estabilidade regional – na
política de desenvolvimento da UE.
Dessa forma, o Tratado de Lisboa reforça a visão comum para o
desenvolvimento estabelecida pelo Consensus on Development, que teve como
foco a busca de uma voz única para a UE e os seus Estados membros nesse
âmbito. O Tratado de Lisboa também fortalece o aspecto comunitário e uno ao
criar uma representação permanente para a UE no âmbito da sua política externa e
estabelecer um serviço diplomático de assistência, além de fixar a política de
desenvolvimento da UE à sua ação externa. Por outro lado, as inovações do
22
A pedido de líderes africanos, o African Peace Facility (APF) foi criado em 2004 como um
instrumento inovador, fonte principal de financiamento em apoio ao African Peace and Security
Architecture. Para mais informações, ver: <https://ec.europa.eu/europeaid/regions/africa/african-
peace-facility_en>
70
Tratado de Lisboa também trazem mecanismos para lidar com aquelas que Ashton
considerou como uma das prioridades do seu mandato, as parcerias estratégicas da
UE.
4.3 A Agenda for Change
Porém, para cumprir os seus objetivos de desenvolvimento, a Comissão
Europeia (2011) identificou que as políticas da UE deveriam se manter atualizadas
diante de um ambiente global em rápida mudança, em que novos desafios e
oportunidades requerem a adaptação da cooperação para o desenvolvimento da
UE. Como afirma Furness (2010, p. 2)
Global development challenges are becoming increasingly more diverse:
addressing poverty, insecurity and state fragility in sub-Saharan Africa requires
different approaches than addressing the development priorities of 21st Century
China, Brazil or India. The restructuring of EU external policy provides an
opportunity to revisit Europe’s development cooperation strategies in a changing
global context.
Assim, em 2011, a Comissão Europeia estabeleceu uma abordagem mais
estratégica para a redução da pobreza, em que o financiamento para o
desenvolvimento passou a ser mais direcionado e concentrado. Essa nova
abordagem da UE está contida na Agenda for Change, estratégia vista como uma
resposta da UE para os novos desafios, que vão da escassez de recursos naturais
às consequências da crise econômica e o crescimento das economias emergentes
(European Union, 2014).
O documento reforça o descrito no Tratado de Lisboa, afirmando que o
apoio aos esforços dos países em desenvolvimento na erradicação da pobreza é o
objetivo fundamental da política de desenvolvimento da UE, assim como é uma
prioridade para a sua ação externa na busca ao interesse da UE em um mundo
próspero e estável (European Commission, 2011). Além disso, a Agenda for
Change destacou a posição da Comissão não apenas como mais um doador (além
dos seus Estados membros), mas como responsável por cerca de 20% dos esforços
coletivos da UE na ajuda internacional, que ainda atua na formulação e na
coordenação de políticas. Essa característica, segundo o documento, em conjunto
com a capacidade econômica, comercial e de diálogo político da organização,
71
além das outras políticas, confere a ela grande impacto em países em
desenvolvimento. Dessa forma, tal papel ‘multifacetado’ da UE deve se traduzir
em políticas adaptadas a cada país parceiro. Nesse sentido, o documento sublinha
que
EU development policy must take into account the increased differentiation
between developing countries. Recently, several partner countries have become
donors in their own right, while others are facing increasing fragility. The EU
must now explore new ways of working with them and promote a more inclusive
international development agenda (European Commission, 2011, p. 3).
Diante desse contexto, somado às dificuldades orçamentárias e
econômicas impostas pela mais recente crise econômica global, a nova proposta
defende que “the EU must seek to focus its offer to partner countries where it can
have the greatest impact” (European Commission, 2011, p. 4). Ainda, por um
lado, a UE deve concentrar a cooperação no suporte aos direitos humanos, à
democracia e outros elementos da boa governança e, por outro, no crescimento
sustentável e inclusivo. Essa ação deve ser acompanhada por parcerias de
desenvolvimento diferenciadas, ação coordenada na UE e melhor coerência nas
suas políticas.
As principais propostas feitas para a atualização da política de
desenvolvimento da UE envolvem: 1) a diferenciação dos países que recebem a
ajuda, com prioridades aos países mais necessitados e onde a ajuda tenha maior
impacto; 2) o foco em no máximo 3 setores por país; 3) a melhoria na
coordenação da UE visando mais impacto e resultados; 4) a ênfase nos direitos
humanos, democracia e boa governança; 5) o aumento no suporte ao crescimento
inclusivo e sustentável através do engajamento em setores estratégicos como a
agricultura e energia, e; 6) a maximização da coerência das políticas da UE, de
modo que os objetivos do desenvolvimento sejam levados em consideração em
todas as áreas de ação comunitárias (European Union, 2014).
Em comparação com o European Consensus on Development, Kijzer,
Krätke e van Seters (2013) discutem que a política de desenvolvimento da UE
partiu de um ponto em que se justificava o uso da AOD para grupos específicos
de países, como os países de renda média, como explicitado no trecho abaixo:
72
Many lower MICs are facing the same kind of difficulties as LICs. A large
number of the world's poor live in these countries and many are confronted with
striking inequalities and weak governance, which threaten the sustainability of
their own development process. The Community therefore continues to provide
development assistance based on countries' poverty reduction or equivalent
strategies. Many MICs have an important role in political, security and trade
issues, producing and protecting global public goods and acting as regional
anchors. But they are also vulnerable to internal and external shocks, or are
recovering, or suffering, from conflicts (European Union, 2006, p. 10).
E, posteriormente, com a Agenda for Change, a política de
desenvolvimento da UE passou a utilizar uma abordagem específica para países,
em que a cooperação para o desenvolvimento comunitária é adaptada às
especificidades de países beneficiários no intuito de maximizar o seu impacto.
Assim, a Agenda for Change, além de reforçar a visão comum estabelecida
no Consensus on Development, representa uma adaptação da política de
desenvolvimento da UE aos novos tempos, caracterizados, por exemplo, pela
restrição orçamentária imposta pela crise, pela proximidade com o fim dos ODM
e pelo crescimento de países emergentes, que passaram a ser doadores. Dessa
forma, a Agenda for Change propôs a política de diferenciação entre os países,
‘graduando’ países emergentes da ajuda da UE – ou seja, que não mais se
qualificariam como receptor da ajuda bilateral da UE - que afetou a elaboração
dos mecanismos de financiamento da ação externa comunitária no período
orçamentário de 2014 a 2020, como será abordado na próxima seção.
4.4. Instrumentos de financiamento da ação externa da UE
Dentre os instrumentos financiadores da cooperação para o
desenvolvimento comunitária, três são os de maior orçamento: 1) o European
Development Fund (EDF), que fornece ajuda para os países das regiões da África,
Caribe e do Pacífico (ACP) e territórios ultramarinos; 2) o Development
Cooperation Instrument (DCI), que cobre a cooperação da UE com a América
Latina, a Ásia, Oriente Médio e o sul da África, e; 3) o European Neighbourhood
Instrument (ENI) (antigo European Neighborhood and Partnership Instrument),
73
que presta ajuda aos países localizados no entorno da UE23
. Os principais
instrumentos para a ação externa da UE com os seus orçamentos para o período de
2014 a 2020 se encontram quadro 1:
Quadro 1: Principais instrumentos de financiamento da ação externa da UE
(2014 – 2020)
Instrumento Formato Orçamento
European Development Fund
(EDF) Geográfico € 30, 5 bilhões
Development Cooperation
Instrument (DCI) Geográfico € 19, 6 bilhões
European Neighborhood
Instrument (ENI) Geográfico € 15, 4 bilhões
Instrument contributing to
Stability and Peace (IfSP) Temático € 2, 3 bilhões
European Instrument for
Democracy & Human Rights
(EIDHR)
Temático € 1,3 bilhões
Partnership Instrument (PI) Geográfico € 0,9 bilhões
Instrument for Nuclear Safety
Cooperation Temático € 0,2 bilhões
Fonte: Comissão Europeia24
. Elaboração própria.
Desses instrumentos, dois são particularmente relevantes para a
cooperação para o desenvolvimento da UE, devido ao seu tamanho e foco: o EDF e
o DCI. Apesar da maior parte dos recursos do EDF ser gerida pela Comissão
Europeia, seu orçamento não advém do orçamento da UE, pois o fundo é de
natureza intergovernamental, regido pelo Acordo de Cotonou25
. Assim, os países
membros da UE desembolsam parte da sua AOD através do EDF26
. O EDF abrange
grande parte das ex-colônias dos países membros da UE e tem como objetivo
23
Os países abrangidos por esse instrumento são: Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia,
Marrocos, Palestina, Síria (atualmente suspenso devido à situação política do país), Tunísia,
Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia. 24
Informações obtidas no endereço eletrônico da Comissão Europeia, disponível em:
<http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-13-1134_en.htm> 25
O Acordo de Cotonou gere as relações da União Europeia com países ACP (África, Caribe e
Pacífico) no âmbito do desenvolvimento económico, social e cultural. Seu objetivo é a redução e, a
longo prazo, a erradicação da pobreza, devendo também contribuir para a paz, a segurança e a
estabilidade política dos países beneficiários.O acordo foi assinado em 2000 e possui vigência de
20 anos, expirando em 2020. Para mais informações, ver: < http://europa.eu/legislation_summaries/development/african_caribbean_pacific_states/r12101_pt.h
tm> 26
Informações obtidas através do endereço eletrônico do Parlamento Europeu, disponível em:
<http://www.europarl.europa.eu/EPRS/EPRS-IDA-542140-European-Development-Fund-
FINAL.pdf> e
<http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/en/displayFtu.html?ftuId=FTU_6.3.1.html>
74
principal alcançar o desenvolvimento econômico, social e humano, além da
cooperação e da integração regional. Todas as despesas desse instrumento devem
estar de acordo com a definição da AOD, elaborada pelo CAD-OCDE.
O DCI, por outro lado, compõe a maior fonte financiadora para o
desenvolvimento no âmbito do orçamento da UE, e tem como objetivo primário a
erradicação da pobreza, além do alcance dos ODM, do desenvolvimento ambiental,
social e econômico sustentável e a consolidação da democracia, do Estado de
direito, dos direitos humanos e do direito internacional27
. Em seu âmbito
geográfico, o DCI dá suporte à cooperação bilateral e regional com países em
desenvolvimento incluídos na lista de países recipientes de AOD elaborada pelo
CAD-OCDE28
. Os programas temáticos são voltados para os bens públicos globais
e desafios e o suporte para organizações da sociedade civil e autoridades locais. Por
fim, o DCI possui o programa Pan-Africano, que dá suporte à implementação da
parceria estratégica UE-África. Todas as despesas realizadas no âmbito dos
programas geográficos devem cumprir critérios do CAD-OCDE para a AOD,
enquanto ao menos 95% nos programas temáticos e 90% do Programa Pan-
Africano deve preenchê-los29
. Para o período 2014 – 2020, a mudança mais notável
realizada no DCI foi a incorporação da ‘diferenciação’, já apontada pela Agenda for
Change, que sugere que a cooperação “should be based on the partner country’s
needs; capacities to generate and access financial resources and absorption
capacities; commitments and performance; and the potential impact of EU
development aid” (European Parliamentary..., 2014). Nesse sentido, países que se
encontram na categoria de “países de rendimento médio superior” (upper-middle
income countries) da lista do CAD-OCDE e com mais de 1% do PIB mundial,
estariam “graduados” do DCI e, assim, não seriam mais elegíveis para recebê-lo no
âmbito bilateral, apenas na esfera regional e nas áreas temáticas.
Esses países passaram a ser abordados através de um novo instrumento, o
Partnership Instrument (PI). Enquanto os programas sob o DCI objetivam a
27
Informações obtidas através do endereço eletrônico do Parlamento Europeu, disponível em:
<http://www.europarl.europa.eu/RegData/bibliotheque/briefing/2014/140725/LDM_BRI(2014)14
0725_REV1_EN.pdf> 28
Lista dos recipientes de OAD do CAD-OCDE, disponível em:
<http://www.oecd.org/dac/stats/documentupload/DAC%20List%20of%20ODA%20Recipients%2
02014%20final.pdf> 29
Informações obtidas através do endereço eletrônico do Parlamento Europeu, disponível em:
<http://www.europarl.europa.eu/RegData/bibliotheque/briefing/2014/140725/LDM_BRI(2014)14
0725_REV1_EN.pdf >
75
redução e, no longo prazo, a erradicação da pobreza, o PI visa promover e avançar
os interesses da UE ou interesses mútuos com terceiros países. Dessa forma, o PI
não procura abordar desafios globais – como as mudanças climáticas, segurança
energética e proteção do meio ambiente - sob a perspectiva da ajuda ao
desenvolvimento (European Commission, 2014)30
. Nesse sentido, o PI pode incluir
gastos de AOD, mas não é algo obrigatório31
. Apesar do orçamento limitado,
principalmente em relação aos outros instrumentos, espera-se do PI um papel
catalizador, “for example by funding activities that promote policy dialogue and
contribute to developing collective approaches and responses to global challenges
such as energy security [...]” (Keijzer; Krätke; Van Seters, 2013, p. 19). O novo
instrumento possui quatro finalidades principais: 1) oferecer políticas de apoio e de
resposta aos desafios mundiais; 2) projetar a dimensão internacional do ‘Europa
2020’32
; 3) melhorar o acesso a mercados e promover o comércio, investimento e
oportunidades de negócios para as empresas da UE, e; 4) Promover a diplomacia
pública e cooperação acadêmica33
.
De acordo com o First Multi-annual Indicative Programme for the period
2014-2017 do PI, esse instrumento vai dar prioridade aos parceiros estratégicos da
UE e, posteriormente, será aplicado nas regiões da Ásia-Pacífico, as Américas, com
a Rússia, a Ásia Central e os países do Golfo Pérsico. A justificativa é de que
desafios da ação externa da UE são cobertos por outros instrumentos de
financiamento para a cooperação e o desenvolvimento e agora, pela primeira vez, a
organização possui um instrumento que possibilita a promoção dos interesses
estratégicos da UE no mundo. O PI permite, então, a cooperação baseada nos
interesses – da UE ou mútuos – com os principais atores, existentes ou novos, do
sistema internacional, como as economias emergentes, inclusive os BRICS
30
European Commission, Anexo do “Commission Implementing Decision of 3.7.2014 on the
adoption of the first multiannual indicative programme for the period 2014-2017 under the
Partnership Instrument for cooperation with third countries.” 2014. Disponível em:
<http://ec.europa.eu/dgs/fpi/documents/pi_mip_annex_en.pdf> 31
Informação obtida através do endereço eletrônico do European Centre for Development Policy
Management (ECDPM), disponível em: <http://ecdpm.org/talking-points/eu-financial-framework-
2014-2020-development-cooperation/> 32
“A estratégia Europa 2020, lançada em 2010 para os dez anos seguintes, é a estratégia da União
Europeia para o crescimento e o emprego. Esta estratégia visa não só a saída da crise, [...] mas
também abordar as deficiências do modelo de crescimento e criar condições para um crescimento
inteligente, sustentável e inclusivo”. Para mais informações, ver:
<http://ec.europa.eu/europe2020/europe-2020-in-a-nutshell/index_pt.htm> 33
Informação obtida através do endereço eletrônico do Service for Foreign Policy Instruments, da
Comissão Europeia, disponível em: <http://ec.europa.eu/dgs/fpi/what-we-
do/partnership_instrument_en.htm>
76
(European Commission, 2014). O documento deixa claro, assim, o caráter
estratégico do instrumento, não vinculado à ajuda:
What is key is to be able to define the EU priorities, the EU interests in the
countries of strategic interest to the EU and then identify the concrete
actions/projects that best tackle those priorities. Ensuring that PI programming is
fundamentally guided by the promotion of core EU interests will help to exclude
from its scope actions that should more appropriately be funded through other
external action instruments. Although the non-ODA nature of the PI is one of its
defining characteristics, it is possible that some actions/projects funded under the
PI may be categorized as “DAC-able” ex post. It is however important to recall
that the PI is not an aid instrument” (Comissão Europeia, 2014, p. 11).
Assim, o PI foi criado como um instrumento para a atuação da UE tendo
em vista as mudanças identificadas no cenário internacional,
The EU will remain one of the principal global political and economic players,
but in a so-called "multi-polar" world in which there are more power centres,
including dynamic emerging countries like China, Brazil, India and Mexico. In
view of these realities, the EU will need to think even more than today in terms of
forging bilateral and multilateral partnerships to advance its strategic interests.
The PI has been designed to support the EU's efforts to create and maintain such
partnerships (European Commission, 2014, p. 4).
Ainda de acordo com o documento, o PI traz credibilidade e consistência à
política externa da UE ao vincular a promoção dos seus valores e interesses às
atividades de cooperação específicas, o que ajudaria a UE a apoiar a sua ambição
de se legitimar como um ator-chave no âmbito político e econômico internacional,
tanto bilateralmente como multilateralmente em órgãos como o G-20.
Nesse sentido, o PI é um instrumento flexível e que abre a possibilidade de
novas formas de parceria com terceiros países, como a cooperação triangular com
países industrializados ou emergentes. Aliás, dentre as considerações do PI está a
possibilidade da UE trabalhar formalmente em parceria com economias
emergentes e terceiros países através da cooperação trilateral (CTR) (McEwan;
Mawdsley, 2012). A Cooperação Sul-Sul e Triangular, identificada como um dos
oito ‘building blocks’34
do Quarto Fórum de Alto Nível em Eficácia da Ajuda, em
34
A criação desses ‘building blocks’ permitiu que os parceiros de desenvolvimento e organizações
se unissem no sentido de pressionar por soluções de questões de desenvolvimento e de concentrar
esforços para promover o progresso nessas áreas.
77
Busan, em 201135
, recebeu o apoio da União Europeia, que anunciou o PI no
mesmo ano.
Fejerskov (2013) afirma que iniciativas de cooperação trilateral - que
envolve um doador tradicional do Norte, um doador do Sul e um beneficiário do
Sul - têm ocorrido como forma dos doadores tradicionais se manterem relevantes.
Na sua concepção, esse tipo de cooperação pode ser vista como uma forma
inovadora de lidar com as mudanças geográficas da ajuda e do poder, pois pode
levar à redução da lacuna de legitimidade dos regimes de desenvolvimento do
Norte ao reconhecer as potências emergentes do Sul e, assim, melhorar a eficácia
da ajuda. Por outro lado, o autor aponta que a cooperação trilateral traz desafios à
concepção tradicional de parcerias ao trazer um doador tradicional à cooperação
entre dois parceiros do Sul. Entretanto, iniciativas de cooperação triangular da UE
tem enfrentado alguns desafios: por exemplo, ao procurar lidar com a crescente
atuação chinesa na África, a UE tem levado iniciativas de cooperação trilateral
com as duas partes, mas o insucesso dos projetos está vinculado à baixa adesão de
países africanos (Fejerskov, 2013).
No caso com o Brasil, a UE também tem enfrentado problemas na
operacionalização da cooperação triangular, voltados, dentre outros fatores, para
os mecanismos de financiamento. No capítulo a seguir, serão analisadas as
relações da UE com o Brasil tendo em vista as mudanças institucionais e
discursivas tratadas no presente capítulo.
Dessa maneira, países emergentes foram diretamente abordados na nova
configuração do financiamento da ação externa da UE, presente no orçamento do
período de 2014 a 2020. Os países ‘graduados’ do DCI não mais se qualificaram
para receber a AOD da organização comunitária, sendo encaixados em um novo
instrumento, mais flexível, e focado nos parceiros estratégicos, o Partnership
Instrument.
35
Para mais informações, ver: OCDE -
http://www.oecd.org/dac/effectiveness/fourthhighlevelforumonaideffectivenessbuildingblockspons
ors.htm
78
4.5 Conclusões do capítulo
Particularmente com a virada do século, a UE tem enfrentado o desafio de
se redefinir como ator no cenário internacional em transformação. Além dos
diversos elementos externos pontuados no European Security Strategy, elementos
internos também foram responsáveis pelos novos desafios, como a adesão de
novos membros e as consequências internas da crise econômica internacional.
As diversas mudanças institucionais e discursivas aqui discutidas - o
discurso do multilateralismo efetivo, a criação de parcerias estratégicas, o
Consensus on Development, o Tratado de Lisboa, a Agenda for Change e os
mecanismos de financiamento da cooperação para o desenvolvimento – possuem,
em maior ou menor grau, dois aspectos em comum: a busca da UE em falar com
uma voz única no âmbito internacional – ou seja, mais consenso interno para mais
representatividade externa - e como a UE pode abordar os países emergentes.
Falar com uma só voz e atuar no âmbito do desenvolvimento tem provado ser uma
tarefa difícil para a UE, principalmente quando se leva em conta que essa é uma
esfera compartilhada com os seus Estados membros.
A relação com países emergentes foi menos abordada no Consensus on
Development e mais relacionada ao PI. Porém, a constituição de parcerias
estratégicas com atores-chave - sendo seis deles países emergentes -, a
responsabilidade do Alto Representante e do SEAE sobre a relação com os
parceiros estratégicos, a criação de uma política diferenciada para países
emergentes na Agenda for Change e o surgimento do PI representam mecanismos
institucionais formulados pela UE para abordar potências emergentes, em especial
aquelas que também são parceiras estratégicas.
O estabelecimento de parcerias estratégicas com potências emergentes
representou, além do desejado reconhecimento dessas potências, uma plataforma
de diálogo para a criação de entendimentos compartilhados e atuação conjunta no
âmbito multilateral. Ademais, as parcerias estratégicas também denotam um
instrumento para a UE exercer o seu poder normativo, de modo a aproximar seus
parceiros estratégicos dos meios onde as normas da organização predominam,
principalmente diante de um cenário em que as potências emergentes estabelecem
fóruns alternativos. O Partnership Instrument veio a complementar as parcerias
79
estratégicas ao trazer um mecanismo de financiamento desvinculado das regras da
AOD, e assim, do CAD-OCDE.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que as parcerias estratégicas ainda
não trouxeram muitos resultados na busca da UE pelo multilateralismo efetivo, ou
seja, ainda não se tornaram efetivamente estratégicas, o orçamento do PI também
é muito baixo em relação aos grandes instrumentos de financiamento da
cooperação para o desenvolvimento, dominados pelas regras do CAD-OCDE. Isso
pode indicar relutância por parte da UE e, mais uma vez, o seu desejo em manter
todos sob um mesmo sistema de regras.
O discurso de potência normativa, da UE como uma ‘force for good’
consta como outro elemento comum às modificações institucionais discutidas no
presente capítulo. Ou seja, as políticas e mecanismos da UE no campo do
desenvolvimento continuam a indicar a expansão dos seus princípios e valores –
que são ‘universais’, como considerados pelo conceito de Normative Power
Europe – para o mundo, assim como o ideal da manutenção de todos sob um
sistema de regras influenciado por eles.
Por outro lado, essas mudanças institucionais e discursivas evidenciam
adaptações da UE às transformações ocorridas no cenário internacional e no
campo do desenvolvimento. O fato de representarem progressivamente novas
formas da UE abordar e se relacionar com potências emergentes confirma a
influência dessas novas potências na UE. Ou seja, há evidências de que a UE não
apenas socializa, mas também é socializada e que, assim, há influência mútua
entre a UE e as potências emergentes.
80
5. A UE e o Brasil: da assistência à parceria
Como abordado nos capítulos anteriores, o cenário da cooperação
internacional para o desenvolvimento tem passado por diversas mudanças,
dentre elas, a crescente atuação das potências emergentes na Cooperação Sul-
Sul, com a contestação das regras da governança global existente. O Brasil é
um importante exemplo desse fenômeno, cujo caso ilustra os paradigmas
apresentados. Por outro lado, a UE – doadora do Norte e integrante do CAD-
OCDE –, com base em seus marcos legais, busca atuar como potência
normativa, em que os princípios e valores que baseiam a sua criação – e que
permeiam organizações internacionais como o CAD-OCDE – são também
objetivos de política externa.
No capítulo anterior, identificou-se as mudanças institucionais e
discursivas ocorridas na UE no âmbito da sua política de desenvolvimento
internacional, também consideradas como resultantes da influência que a ação
das potências emergentes exercem na UE. Essa constatação leva a evidências
do que Pu (2012) conceitua como socialization as a two-way process, a
socialização vista como um processo bidirecional, não unidirecional, como
contido na concepção de Normative Power Europe.
Assim, o presente capítulo tem como objetivo analisar o caso da relação
entre a União Europeia e o Brasil dentro da discussão feita nos capítulos
anteriores. Procura-se compreender como o contexto apresentado e as
mudanças institucionais e discursivas ocorridas no âmbito da União Europeia
se aplicam ao caso brasileiro e quais os seus resultados no âmbito da
cooperação internacional para o desenvolvimento.
Para isso, inicialmente, realiza-se um breve histórico da relação entre as
partes, de modo que se compreenda a abordagem da UE para o Brasil anterior à
proposta da parceria estratégica. Nesse sentido, a posterior análise, na segunda
seção, dos Country Strategy Paper (CSP) ‘2001 – 2006’ e ‘2007 – 2013’
demonstram com mais clareza a mudança de percepção da União Europeia em
relação ao Brasil, culminando com o aprofundamento da cooperação bilateral
através do estabelecimento da parceria estratégica.
81
A terceira seção, dedicada à parceria estratégica, conta com a análise
dos documentos elaborados como resultado da parceria, as Declarações
Conjuntas, publicadas ao fim de cada cúpula anual, e os dois Planos de Ação
Conjunta publicados até então, o 2008 - 2011 e o 2012 - 2014. Pelo motivo do
presente estudo buscar compreender o âmbito da cooperação internacional para
o desenvolvimento, são discutidos os resultados da parceria entre a UE e o
Brasil nos campos da cooperação trilateral e multilateral.
Em sequência, na quarta seção, seguem reflexões acerca das
perspectivas futuras da cooperação, seguidas pelas considerações finais.
Conclui-se que, apesar de haver possibilidade futura de progredir no campo da
cooperação triangular, caso o Partnership Instrument consiga reverter os
problemas operacionais da área, há menor probabilidade de convergência no
âmbito multilateral devido aos diferentes pontos de vista em relação à forma
como a cooperação para o desenvolvimento deve se realizar. Ademais, o Brasil
vem investindo mais na sua relação com fóruns como o BRICS.
5.1 As relações entre o Brasil e a UE: um breve histórico
As relações do Brasil com a antiga CEE remontam ao ano de 1980, quando
foi celebrado o Acordo-Quadro de Cooperação, que entrou em vigor em 1982. O
Regulamento 442/81 do Conselho Europeu, base do Acordo, teve como objetivo a
implementação de mecanismos de ajuda técnica e financeira e ações de
cooperação econômica e industrial destinada à formação de joint ventures com
países em desenvolvimento da América Latina (Medeiros; Leitão, 2009).
Entretanto, a turbulência causada pela crise financeira, o encolhimento das
importações e a transição para a democracia no Brasil deteve o progresso da
relação entre as duas partes. Com o fim dessa fase brasileira e a assinatura do
Tratado de Maastricht em 1992 - que estabeleceu a União Europeia - estabeleceu-
se um novo Acordo-Quadro de Cooperação com o Brasil. Esse novo acordo
contou com a inclusão de uma cláusula democrática, "a qual condiciona a parceria
institucional ao respeito dos princípios políticos pluralistas e dos direitos humanos
[...]" (Medeiros; Leitão, 2009, p. 19), além de uma cláusula evolutiva, a qual
permitiria a ampliação das áreas regidas pelo acordo.
82
A constituição - em 1991/1992, com o Tratado de Maastricht - de um pilar
voltado para a política externa e de uma PESC revelou o estabelecimento de
relações mais aprofundadas, de parceria com regiões, ao invés de países, o que
contribuiu para que a relação com o Brasil não fosse prioritária. Assim, com a
assinatura, em 1991, do tratado que deu origem ao Mercosul, o Tratado de
Assunção, as relações entre o Brasil e a UE passam a vigorar em um âmbito mais
amplo, o inter-regional, baseado na ambição da UE de promover o seu próprio
modelo bem-sucedido de integração regional (Lazarou, 2011; Medeiros, Leitão,
2009).
Dessa forma, Lazarou (2011) destaca o fato das normas e dos valores da
UE serem promovidos e difundidos através de acordos com terceiros, fazendo
com que a organização europeia fosse relacionada a um conjunto de princípios,
como o Estado de Direito, paz e desenvolvimento, a promoção dos direitos
humanos, e outros. Nesse sentido, Söderbaum, Stalgren e van Langenhove (2005,
p. 371) aprofundam a discussão ao afirmarem que
A crucial ingredient in understanding the EU's role in the promotion of
regionalism is its self-image as the "natural" point of reference for regional
initiatives. The EU tries to promote its own regional experience as the norm for
region-building throughout the globe. The EU is eagerly persuading other
regions, especially in Africa, but also elsewhere, to follow its example, which it
sees as a "model for integration between countries in other regions of the world"
(European Commission, 2004, p. 3). The EU is (consciously or unconsciously)
projecting its particular regional integration model to the rest of the world.
Assim, a integração regional passou a ser vista pela UE como uma forma
de articular objetivos gerais da PESC, a saber, a promoção da cooperação
internacional, do Estado de Direito, o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais, além do desenvolvimento e consolidação da democracia (Lazarou,
2011). Soma-se a isso ao fato de que a política externa brasileira, como aponta
Saraiva (2014), no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), era
caracterizada pelo apoio aos regimes e à ordem política liberal internacional,
baseando o comportamento brasileiro em conceitos de soberania e autonomia
voltados para a defesa dos valores internacionais. Entretanto, ao passo que a
diplomacia de FHC poderia propiciar um maior estreitamento das relações com a
UE, a prioridade europeia continuava voltada para o inter-regionalismo, o que
83
limitou o presidente brasileiro à interação individual com países europeus
(Saraiva, 2014).
Eventos ocorridos com a virada do século fizeram a UE modificar a sua
estratégia global: além de fracassos na coesão dos membros da UE em eventos
como a guerra de Kosovo, em 1999, e no Iraque, em 2003 - e, assim, do ceticismo
quanto à atuação global da organização -, houve o crescimento das economias
emergentes e o consequente questionamento da ordem global existente (Lazarou,
2011). Dantas (2011) adiciona que dificuldades impostas pela adesão de doze
novos países à União Europeia, em políticas de alargamento ocorridas entre 2004
e 2007, assim como a ocorrência da crise Argentina no fim dos anos 1990 e início
dos anos 2000, afetando o Mercosul, dificultaram ainda mais a continuação do
projeto de relação inter-regional. Assim, o Brasil passou a ser visto como ator
central da política regional e elemento chave para o projeto político europeu na
América Latina (Dantas, 2011).
O lançamento da European Security Strategy, em 2003. representou a
primeira menção da UE à importância de estabelecer parcerias com potências
emergentes como a China e a Índia. No entanto, apesar da ênfase na necessidade
de estabelecer parcerias com atores-chave, o Brasil ainda não era considerado um
deles, fato que mudou com a suspensão das negociações inter-regionais (UE -
Mercosul) em 2004 e a política externa proativa de Lula no Brasil (Lazarou,
2011).
5.2 De recipiente a parceiro: a mudança de percepção da UE sobre o Brasil
A Comissão Europeia publica documentos chamados Country Strategy
Paper (CSP), que apontam quais as suas diretrizes e prioridades para uma região
ou país durante um período específico de tempo. Em geral, os Country Strategy
Paper - Brazil analisam aspectos como a situação política, econômica e
comercial, social e ambiental do país e, desse modo, apontam as prioridades da
cooperação da UE em relação ao Brasil, assim como envolvem o âmbito
operacional da estratégia ao definir os orçamentos dos setores apontados como
prioritários. Nesse sentido, é de fundamental importância para a compreensão da
mudança da percepção da UE sobre o Brasil desde 2003 a análise dos documentos
84
de estratégia existentes: o Country Strategy Paper - Brazil (2001 - 2006),
publicado em junho de 2002, e o Country Strategy Paper - Brazil (2007 - 2013),
publicado em maio de 2007.
O CSP (2001 - 2006) descreve o Brasil como um país em desenvolvimento
de dimensões continentais e com grande biodiversidade - ameaçada pelo
desflorestamento e pela degradação -, atuante nas negociações regionais e
internacionais, que possui certa estabilidade econômica, política e financeira e que
tem grande desigualdade de renda e nível de pobreza. Nesse sentido, o documento
aponta um paradoxo na cooperação com o país, pois
On the one hand co-operation with a middle-income country like Brazil, having a
relatively well-organized government apparatus and level of economic
development, should in principle not be based on the same criteria as
development co-operation with poorer countries. On the other hand, due to wide-
spread social problems, often related to poverty, EC co-operation is unavoidably
drawn towards social needs. This paradox implies that for a country like Brazil
EC co-operation could include both economic reform as well as social
development activities (European Comission, 2002, p. 26-27).
Dessa forma, é apresentado que o objetivo da cooperação da UE com o
Brasil é voltado para a assistência na implantação de reformas econômicas
estruturais, com o intuito de criar mais competitividade e gerar crescimento
econômico sustentável e igualitário, sem, entretanto, negligenciar as suas
necessidades sociais e ambientais. Para tal, a UE definiu três setores prioritários
para a cooperação: 1) reforma econômica, com orçamento de € 30 milhões (47%
da verba total); 2) desenvolvimento social, cujo financiamento foi orçado em € 15
milhões (23% da verba) e; 3) meio-ambiente, orçado em € 6 milhões (9% da
verba total)36
.
Já o CSP (2007 - 2013), publicado em maio de 2007, aponta um Brasil
mais estável politicamente e economicamente, cujos indicadores sociais
melhoraram, mas onde a desigualdade ainda se fazia presente, assim como a
fragilidade do seu rico meio ambiente, apesar de ser uma potência política
emergente tanto em âmbito regional como global. Nesse sentido, o CSP (2007 -
2013) destaca a Comunicação ‘A stronger partnership between the European
Union and Latin America’, adotada em dezembro de 2005, que
36
O orçamento apresentado no Country Strategy Paper 2001 - 2006, cobriu o período do ano 2000
a 2006. Entre 2000 e 2001, €13 milhões (ou 21% do orçamento) foram comprometidos com
projetos na áreas de reforma da administração pública e de desenvolvimento social.
85
highlighted the growing influence of Brazil and stated that 1) Brazil warrants a
special treatment because of its important role in regional affairs and that 2) the
fact that the EU has only the bare bones of bilateral dialogue with Brazil with no
political dimension is no longer appropriate in view of Brazil’s rapid
development as a global economic and political player (European Commission,
2007, p. 7).
Assim, o CSP (2007 - 2013) representa, claramente, uma mudança na
forma como a UE concebe o Brasil, expondo o quanto a estratégia de cooperação
anterior não estava condizente com a nova compreensão do país sul-americano.
Para a União Europeia, essa nova percepção está ligada à existência de
uma política externa brasileira mais assertiva nos anos anteriores, com
comportamento ativo no âmbito multilateral "and positioning itself as a
representative of emerging countries and as a staunch defender of poorer
countries, particularly in Africa" (European Commission, 2007, p. 7). No âmbito
regional, a UE destacou o papel de líder regional do Brasil, além de ator-chave no
Mercosul.
Segundo Saraiva (2014), essa atuação assertiva do Brasil se refere à
alteração realizada pelo presidente Lula no Itamaraty, a partir de 2003, na ocasião
da sua eleição, ao mudar o grupo de maior influência na formulação da política
externa brasileira, dando a vez aos chamados autonomistas. Ao buscarem a
construção da liderança regional e a ascensão do Brasil à posição de potência, os
autonomistas defenderam o revisionismo da ordem internacional e, assim
"mostraram preocupações político-estratégicas no que se refere ao embate
Norte/Sul e sugeriram uma aproximação com países emergentes que teriam
características comuns com o Brasil" (Saraiva, 2014, p. 404)37
.
Curiosamente, pela primeira vez, em comparação com o CSP anterior, o
CSP (2007 - 2013) ressaltou que as visões do Brasil e da UE convergiam em
muitas das grandes questões mundiais, como a crença de que o desenvolvimento
37
Há extenso debate quanto à novidade das mudanças realizadas pelo presidente Lula no âmbito
da política externa brasileira em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso e mandatos
anteriores, em que alguns estudiosos enfatizam mais e outros enfatizam menos essa inovação. Para
mais informações sobre a inserção internacional do Brasil, ver:
LIMA, Maria Regina Soares de. “Aspiração Internacional e Política Externa”. Revista Brasileira
de Comércio Exterior, n.82, ano XIX – janeiro/março de 2005.
PINHEIRO, Leticia. "Traídos pelo Desejo: um ensaio sobre a teoria e a prática da política externa
brasileira contemporânea", Contexto Internacional, vol.22, n.2, Julho/Dezembro 2000, pp.305-335
CERVO, Amado Luiz. “Política Exterior e Relações Internacionais do Brasil: enfoque
paradigmático” Revista Brasileira de Política Internacional, v. 46 (2), 2003, pp.5-25.
86
sustentável pode ser melhor alcançado em um mundo multipolar e de que a
integração regional é a melhor forma de alcançar a paz e prosperidade, além de
questões voltadas para a luta contra a pobreza, a paz e a segurança, e mudanças
climáticas. Adicionalmente, também houve referência ao papel do Brasil como
"doador de ajuda ao desenvolvimento" para os países africanos de língua
portuguesa, para o Timor Leste e o Haiti.
Sendo assim, o CSP (2007 - 2013) identificou duas grandes áreas de
cooperação entre a UE e o Brasil: 1) o reforço das relações bilaterais, que
envolveu o desenvolvimento de diálogos setoriais em áreas que contribuíssem
para o alcance da inclusão social e igualdade, o incentivo de intercâmbios
acadêmicos e o estabelecimento do European Studies Institute, com orçamento de
€ 42,7 milhões (70% da verba), e; 2) a promoção da dimensão ambiental do
desenvolvimento sustentável, com apoio a iniciativas para o controle do
desmatamento na região amazônica e em outras, assim como o gerenciamento de
recursos de forma sustentável, com orçamento de € 18,3 milhões (30% da verba).
A UE ainda publicou, em 2010, um relatório acerca do andamento da
cooperação iniciada com o CSP (2007 - 2013), o Mid Term Review. O documento
reforça o contexto brasileiro apresentado no CSP (2007 - 2013) de um país cuja
democracia é estável, e que possui uma política externa assertiva - atuando
ativamente em fóruns multilaterais e se posicionando como representante dos
países emergentes, tanto como defensor dos países mais pobres, quanto como
líder regional. O Mid Term Review ainda destacou o desempenho econômico do
Brasil, que se recuperava rapidamente dos efeitos da crise econômica
internacional, iniciada em 2008, e cujos indicadores sociais assinalavam redução
da pobreza e melhor distribuição de renda.
No que se refere à coordenação entre doadores e à agenda da eficácia da
ajuda, o CSP (2001 - 2006) não mencionou o assunto (a agenda recebeu ímpeto
com a Declaração de Paris, em 2005). O CSP (2007 - 2013) apenas se referiu ao
o fato de que não havia mecanismos formais de coordenação dos doadores (sob a
hipótese de que a AOD possuía baixo impacto no PIB brasileiro) e que,
essencialmente, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Ministério das
Relações Exteriores (MRE) coordenavam a cooperação técnica e os ministérios
das Finanças e de Planejamento, Orçamento e Gestão coordenavam a cooperação
financeira.
87
O Mid Term Review, por outro lado, reservou uma seção para o tópico da
eficácia da ajuda. O documento distingue que a coordenação de doadores não era
uma prioridade do governo brasileiro e aponta que o estabelecimento e
implementação de uma agenda de eficácia da ajuda no Brasil, baseada nos
princípios da Declaração de Paris e da Agenda de Acra, são dificultados por
diversos motivos. O primeiro se baseia no fato do Brasil não ter endossado a
Declaração de Paris,
as the Government considers that it essentially reflects the positions of traditional
donors and does neither incorporate the particularities of South-South cooperation
nor the specific positioning of the new emerging donors. In consequence, Brazil
only endorsed the Accra Agenda for Action after ensuring the inclusion of a
specific point on South-South cooperation (19.a) that merely binds its actors "to
use the Paris Declaration principles as a point of reference in providing
development cooperation’. Besides, the country’s delegation to Accra clearly
stated in its final declaration that ‘the existence of different models of providing
cooperation does not mean that one set of practices is better or superior to the
other one". (European Commission, 2010, p. 10, grifos do autor).
Dessa forma, o documento destacou claramente o posicionamento
negativo do Brasil em relação à Declaração de Paris (adotada pela UE) e a
relutância do país em aderir à Agenda de Acra, ressaltando os diferentes modelos
de cooperação, motivo de grandes divergências entre o Brasil e a UE. Esse ponto
remete à discussão sobre o Brasil e o seu parecer em relação à agenda da eficácia
da ajuda abordado no primeiro capítulo do presente trabalho.
O segundo ponto inibidor da agenda da Eficácia da Ajuda apresentado
consiste na pouca importância da AOD para o Brasil, principalmente em relação
aos requisitos financeiros para os programas nacionais de desenvolvimento. Ou
seja, os recursos oferecidos são insuficientes em relação à dimensão do país. Esse
é um argumento também reiterado pelos entrevistados da Delegação da União
Europeia, como será exposto mais à frente no capítulo. Nesse sentido, os
programas de cooperação tendem a ser baseados em projetos individuais
financiados por um doador. Por último, procedimentos legais e administrativos
brasileiros requerem que os recursos de doadores externos sejam ‘internalizados’
em orçamentos nacionais, o que torna o processo complexo e lento.
Assim, a Comissão conclui que a agenda da eficácia da ajuda com o Brasil
deveria ajustar os princípios e diretrizes da Declaração de Paris e da Agenda de
Acra de acordo com as características específicas do país, e não segui-los de
88
forma estrita. O relatório, enfim, deduz que a agenda proposta no CSP (2007 -
2013) - referente a intervenções mais "leves", mas que poderiam ter um efeito
multiplicador - estava adequada para o Brasil e não enfrentaria as dificuldades
regulatórias e administrativas enfrentadas pelas iniciativas propostas pelo CSP
(2001 - 2006).
5.3 A parceria estratégica Brasil - UE e os seus resultados na cooperação internacional para o desenvolvimento
Em Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho, datada de 30 de
maio de 2007, a Comissão Europeia declarou que a relação entre a UE e o Brasil,
processada no âmbito do diálogo UE-Mercosul, não estava sendo adequadamente
explorada. Assim, a instituição comunicou que havia chegado "o momento de
olhar para o Brasil como um parceiro estratégico, um actor económico de primeiro
plano na América Latina e um líder regional" (Comunicação, 2007, p. 2), estando,
assim, em consonância com a necessidade de tratar o Brasil de forma diferenciada
apresentada pelo CSP (2007 - 2013). Como destacado pela Comunicação, a
parceria estratégica representaria uma transformação nas relações entre o Brasil e
a UE.
Apontando a partilha de valores e interesses, fundamentados no respeito ao
Estado de Direito e aos direitos humanos, além de preocupações voltadas para o
meio ambiente, a Comissão reconheceu o Brasil como líder natural na América do
Sul e ator-chave no Mercosul, sendo decisivo para o sucesso das negociações
entre a União Europeia e a organização sul-americana. A Comissão identificou,
então, dez áreas para uma cooperação mais estreita com o Brasil e, assim, a busca
de uma agenda comum: 1) Reforçar o multilateralismo; 2) Melhorar as normas em
matéria de direitos humanos, democracia e governança; 3) Alcançar os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio e promover o desenvolvimento regional e social;
4) Proteger o ambiente; 5) Reforçar a cooperação em matéria de energia; 6)
Reforçar a estabilidade e a prosperidade da América Latina; 7) Fazer avançar a
agenda do Mercosul; 8) Reforçar as relações comerciais e econômicas; 9) Justiça,
liberdade e segurança, e; 10) Aproximar os povos (Comissão Europeia, 2007).
No âmbito do presente trabalho, que trata da cooperação para o
desenvolvimento, faz-se relevante focar na área referente ao alcance dos ODM e
89
na promoção do desenvolvimento. Nesse quesito, a Comissão ressalta o papel
cada vez maior do Brasil na Cooperação Sul-Sul, especialmente na sua vizinhança
e na África lusófona. É importante lembrar que, tal qual o apresentado no capítulo
anterior, o European Development Fund – o EDF – é o mais antigo instrumento
da UE de financiamento da ajuda ao desenvolvimento, além de possuir maior
orçamento, sendo direcionado aos países ACP (África, Caribe e Pacífico) - grande
parte deles ex-colônias de países europeus.
O programa de cooperação do Brasil é assinalado pela Comissão como
de longo prazo, voltado para o desenvolvimento sustentável, e ainda é ressaltado
que o Brasil é conhecido pela ação no plano multilateral e pelo desenvolvimento
de modelos inovadores de cooperação, como a ‘Ação contra a Fome e a Pobreza’,
lançada em 2004, na ONU, por iniciativa do presidente Lula em conjunto com o
Chile, a França e a própria ONU. Nesse sentido, a Comissão se declara "pronta
para intensificar a cooperação com o Brasil no âmbito da ajuda ao
desenvolvimento, nomeadamente em relação à cooperação triangular com a
CPLP" (Comissão Europeia, 2007, p. 6).
Adicionalmente, a seção também menciona a importância do Brasil para a
própria região ao sugerir que o mesmo partilhe as suas experiências com outros
países da América Latina no que se refere às políticas de redução das
desigualdades regionais, da pobreza e do desemprego. A Comissão recomenda
que
Com base em diálogos UE-Brasil em questões sociais e de emprego e sobre
política regional, o Brasil poderia partilhar a sua experiência de apresentar
soluções inovadoras para os problemas da pobreza, da desigualdade e da exclusão
social a outros países da América Latina (Comissão Europeia, 2007, p. 7).
Dessa forma, a Comunicação da Comissão indica a participação da UE em
diálogos do Brasil com a sua região, evidenciando o interesse da UE em estreitar
relações com o gigante sul-americano no intuito de também alcançar a América
Latina em geral, e o Mercosul, em particular. O fato fica mais evidente ao se notar
outras duas áreas para cooperação, identificadas pela instituição europeia,
vinculadas à região: a "Reforçar a estabilidade e a prosperidade da América
Latina", em que o documento evidencia o papel essencial do Brasil na cooperação
UE-América Latina-Caribe, e a "Fazer avançar a agenda do Mercosul", em que a
90
Comissão destaca o grande peso do Brasil no bloco sul-americano e o quanto o
diálogo mais estreito com a UE pode ajudar na conclusão de um Acordo de
Associação UE-Mercosul.
Assim, a Comunicação claramente reconhece a atividade brasileira no
âmbito da Cooperação Sul-Sul, enfatizando o então crescente papel do Brasil na
África (especialmente a lusófona) e na vizinhança sul-americana. Desse modo,
também é notória a intenção da UE em estabelecer parcerias com o Brasil,
notadamente no âmbito da cooperação triangular.
A parceria estratégica foi então estabelecida na ocasião da primeira Cúpula
Brasil-UE, ocorrida em Bruxelas, em 4 de julho de 2007. Desde então, as Cúpulas
tem resultado em Declarações Conjuntas que expressam o acordado entre as
partes no encontro. É comum a todas as Declarações, dentre outros, a exaltação de
que ambas as partes compartilham valores e princípios fundamentais, como a
democracia, o Estado de Direito e a promoção dos direitos humanos. Ambos
concordam que a erradicação da pobreza é um dos maiores desafios do século e
que é importante trabalhar para a promoção e implementação dos ODM. Ainda,
concordam que a melhor forma de lidar com os problemas globais é através do
multilateralismo efetivo, centrado no sistema ONU.
No que se refere ao progresso na agenda da parceria estratégica, o quadro
2 resume as iniciativas do Brasil e da UE no campo da cooperação para o
desenvolvimento contidos nas Declarações Conjuntas das cúpulas já ocorridas:
Quadro 2
As Declarações Conjuntas e as iniciativas em matéria de cooperação internacional
para o desenvolvimento38
Cúpula
Principais iniciativas em cooperação internacional para o desenvolvimento
1ª Cúpula
(4 de julho
de 2007)
- saúdam iniciativas do Brasil e de Estados Membros de implementar fontes
inovadoras de financiamento;
- realçam o interesse em intensificar a cooperação no campo da assistência ao
desenvolvimento;
- exaltam a importância de construir uma parceria global para o desenvolvimento.
2ª Cúpula
(22 de
dezembro de
2008)
- decidem cooperar para levar o desenvolvimento sustentável, em setores como
saúde, energia, agricultura e educação, a países em desenvolvimento.
38
Não houve Reunião de Cúpula no ano de 2012.
91
3ª Cúpula
(06 de
outubro de
2009)
- reiteraram o compromisso com a cooperação triangular com países interessados
nos setores de saúde, energia, agricultura, educação, e outros;
- saudaram progressos na identificação de princípios comuns, incluindo aqueles
da Agenda de Acra;
- salientaram o compromisso de trabalhar juntos no desenvolvimento sustentável
de bioenergia na África (com foco nos biocombustíveis e na bioeletricidade) e a
elaboração de estudos para analisar o potencial de produção de bioenergia, assim
como o seu impacto na redução da pobreza.
4ª Cúpula
(14 de julho
de 2010)
- saudaram a adoção de um Joint Work Programme, que estabeleceu as bases
sobre as quais a UE e o Brasil cooperariam com terceiros;
- saudaram os resultados do Primeiro Encontro Trilateral, ocorrido em fevereiro
de 2010;
- saudaram o anúncio do lançamento da cooperação focada no desenvolvimento
sustentável com países africanos interessados;
- saudaram a Parceria para o Desenvolvimento Sustentável de Bioenergia
acordada com Moçambique.
5ª Cúpula
(4 de
outubro de
2011)
- expressaram intenção de fortalecer a coordenação em cooperação internacional e
na eficácia da ajuda e enfatizaram a importância do Development Cooperation
Fórum (da ECOSOC) e do Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda (que
ocorreria em dezembro, em Busan, na Coréia do Sul);
- decidiram procurar possibilidades de cooperação no processo de reconstrução e
estabilização da Líbia;
- expressaram a disposição em fornecer assistência técnica e capacitação a
terceiros no suporte à implementação do mecanismo Universal Periodic Review.
6ª Cúpula
(24 de
janeiro de
2013)
- expressaram intenção de fortalecer a coordenação em cooperação internacional e
a eficácia da ajuda;
- enfatizaram a importância do Development Cooperation Fórum (da ECOSOC) e
do Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda ocorrido em Busan, em 2011;
- saudaram a assinatura da Carta de Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) e a Comissão Europeia, que estabeleceu ações futuras de cooperação
trilateral voltadas para o apoio em processos eleitorais nos países PALOP e no
Timor Leste.
7ª Cúpula
(24 de
fevereiro de
2014)
- expressaram a intenção de trabalharem em conjunto para o aumento da eficácia
da cooperação internacional para o desenvolvimento;
- concordam que o quadro pós-2015 deve ter como cerne a erradicação da pobreza
e o desenvolvimento sustentável, assim como deve ser fundamentado em uma
abordagem de direitos humanos;
- expressaram suporte ao modelo de Cooperação Sul-Sul do Brasil;
- reconheceram as realizações das iniciativas de cooperação trilateral entre as
partes.
Fonte: Declarações Conjuntas das Cúpulas Brasil - UE. Elaboração própria.
As Declarações de 2008 e de 2011 foram acompanhadas, respectivamente,
pelo Plano de Ação Conjunta 2009 - 2011 e pelo Plano de Ação Conjunta 2012 -
2014, que contaram com ações concretas a serem realizadas no âmbito da parceria
estratégica. No primeiro, ao enfatizarem a importância do alcance dos ODM na
redução de disparidades sociais e econômicas e na garantia da paz internacional e
do bem-estar econômico, "[..] the EU and Brazil attach high importance to the role
of triangular cooperation that should be one of the major areas for the Strategic
Partnership" (Council of the European Union, 2008, p. 8). Nesse sentido, destaca-
se o desenvolvimento da cooperação triangular como forma de ajudar no alcance
92
dos ODM. Assim, o documento envolve iniciativas de cooperação triangular com
países emergentes, especialmente os países da CPLP, no setor da agricultura; da
saúde (voltada para a produção de medicamentos genéricos); dos direitos
humanos; da construção da paz e de assistência pós-conflito; da capacitação na
área da prevenção e do controle das drogas ilícitas e do crime à elas relacionado.
Ainda, ambos concordam em intensificar intercâmbios na Cooperação Sul-Sul
baseados no modelo brasileiro de estratégia para saúde, em renovações de favelas
e no acesso a sistemas equitativos de proteção social básica.
O segundo Plano, que cobriu os anos de 2012, 2013 e 2014, além de
reforçar a importância da cooperação triangular como uma das maiores áreas para
a Parceria Estratégica, também salientou iniciativas nas esferas de agricultura,
saúde, direitos humanos e estabilização pós-conflito. Entretanto, o documento
inovou ao incluir campos como processos eleitorais, desenvolvimento sustentável,
educação e bioenergia, além de expressar o intento de fortalecer da coordenação
da cooperação internacional para o desenvolvimento e da eficácia da ajuda,
destacando a importância do Development Cooperation Forum do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) e do IV Fórum de Alto Nível
sobre a Eficácia da Ajuda, realizado em Busan, na Coréia do Sul.
Diante do exposto até o momento, a União Europeia tem reconhecido a
importância do Brasil como ator econômico, além do seu papel como líder
regional e de ator importante na Cooperação Sul-Sul, tomando, assim, a iniciativa
de promover uma plataforma política diferenciada para o diálogo com o país, a da
parceria estratégica. Além disso, a UE também demonstrou disposição em
estreitar laços de cooperação com o Brasil, por meio, por exemplo, de iniciativas
de cooperação triangular, como é possível notar nas declarações conjuntas das
cúpulas, no Quadro 2. Essas iniciativas remetem aos interesses do Norte em
encontrar pontos de engajamento com potências emergentes com o intuito de
influenciar a formulação de normas e práticas da CSS e manter ou aumentar a
influência no campo da cooperação para o desenvolvimento. Abdenur e Fonseca
(2013) distinguiram três formas do Norte buscar esse objetivo: o apoio à CSS no
âmbito multilateral, as iniciativas de cooperação triangular e a construção de
conhecimento sobre a CSS. O apoio da UE ao Building Block de Cooperação Sul-
Sul e Triangular no Fórum de Busan é um exemplo disso. Ademais, o
estabelecimento da parceria estratégica com o Brasil e as iniciativas de
93
cooperação triangular também são indícios da tentativa de influenciar práticas e
normas da CSS.
5.3.1 Resultados na cooperação triangular
Nota-se, entretanto, que, apesar do âmbito prático dos Planos de Ação, é
possível afirmar que as suas iniciativas têm tido poucos efeitos, como mostra o
progresso contido nas Declarações Conjuntas. Em geral, constata-se que as
reuniões de Cúpula têm se convertido em poucos resultados concretos na área de
cooperação para o desenvolvimento. O âmbito da cooperação trilateral, apontado
como uma das áreas mais importantes da parceria estratégica, vinha trazendo
alguns resultados, como a constituição da Parceria para o Desenvolvimento
Sustentável de Bioenergia acordada com Moçambique e a assinatura da Carta de
Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Comissão Europeia. Porém, a
Declaração de Cúpula ocorrida em 2014 demonstra redução drástica dessa agenda,
sem nenhuma nova iniciativa nesse sentido.
Quando questionado sobre o assunto, em entrevista, o representante da
Seção "Política, Economia e Imprensa" da delegação da União Europeia no Brasil
(também referido nesse trabalho como “entrevistado A” da Delegação), afirmou
que
Regarding the triangular cooperation that you mentioned, that indeed has been
really one of these things that we would like to do together. I think, some years
ago, both Brazil and the EU were quite keen on doing something together, either
in one of the PALOP countries, you know, the Portuguese speaking countries in
Africa or, for example, to do something in Haiti, where both have quite a big
presence, of course Brazil has a big peacekeeping mission there and everything
else. So, I think the intention and the will is still there, I think it's, though,
diminishing a bit from the Brazilian side the, kind of, will to do something
together. I don't really understand or have the fully understanding of why that is
the case, and I what I can say is that, from the EU side, I think the political will is
still to do... this is very much there, but the biggest problem from our side is [...]
the how to do it, because we have always very funny and strict rules when it
comes to using our cooperation funds, and that I think, so far, has been the
biggest obstacle for us to actually do it together with Brazil. Because the
problem...let's take an example there: we do something together with Brazil
in Angola, and Brazil doesn't have the funds to actually put in place in
Angola, we would then have to assume Brazil's part of that somehow, and
then that cooperation money would actually have to come from Brazil's,
basically, portfolio, and not Angola's. […] So you know, Brazil has not been
actually... not been very keen on spending the cooperation money we have
94
available for Brazil in another country doing the triangular cooperation. [...]
That's now been the kind of biggest obstacle, by this hasn't really happened
before because Brazil doesn't have the funds to actually put in place. They
would very much like to use their expertise, for example, on human rights
or, you know, agriculture or something like that, but then, we use experts
from Brazil but then to be paid for by the EU funding, basically (informação
verbal)39
.
Nesse sentido, o entrevistado ressalta a existência de questões tanto
operacionais como políticas. Do ponto de vista operacional, destacam-se a falta de
recursos brasileiros e as regras estritas da UE ligadas ao orçamento, que podem
estar ligadas às limitações dos gastos impostas pelas regras da AOD. Do ponto de
vista político, ressalta-se a redução do interesse na cooperação, principalmente
vinda do Brasil, visto que o país não se encontra disposto a redirecionar os
recursos recebidos da UE para a cooperação triangular. Essa diminuição no
interesse brasileiro pode estar voltada para a falta de entusiasmo do país em
relação à agenda da eficácia da ajuda, vista como dominada pelos interesses do
Norte. O discurso do representante apresenta um tom crítico em relação ao
comportamento brasileiro, responsabilizando mais o Brasil, ao fim do trecho
citado, pela redução da agenda da cooperação trilateral.
Sobre o mesmo assunto, outro representante da Delegação da União
Europeia no Brasil, da Seção de "Desenvolvimento e Cooperação" (também
referido nesse trabalho como “entrevistado B” da Delegação), abordado em
entrevista, apresenta-se mais ponderado. Quando questionado sobre a redução da
agenda da cooperação triangular na Declaração Conjunta da VII Cúpula Brasil-
UE (ocorrida em fevereiro de 2014), o entrevistado afirmou:
A redução, não, não estou bem de acordo, eu acho que ela não conseguiu se
concretizar, acho que tem a intenção política, que daí transparece nas
declarações e a realidade no terreno que, no fundo, não conseguiu passar da
ideia, da intenção, aos atos (informação verbal)40
.
Para ele, para que a cooperação triangular ocorra, é necessária a intenção
política (que o entrevistado afirmou existir); vontade e interesse da parte
beneficiária, ou seja, da terceira parte e, por fim; igualdade de condições entre os
39 Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues. 40
Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues.
95
cooperantes - nesse âmbito, faltam recursos à ABC para isso. Dessa forma, o
entrevistado também destaca o fato do Brasil não direcionar recursos para a
cooperação triangular como um grande empecilho para que ela aconteça. Por
outro lado, o entrevistado B, assim como o entrevistado A, menciona as
dificuldades advindas das regras restritas da União Europeia ao alegar que "eles [a
UE] não têm muito interesse em acolher um esquema que necessariamente vai
requerer mais recursos, mais trabalho, vai dificultar a implementação da
cooperação" (informação verbal)41
.
Do lado brasileiro, o entrevistado do Ministério das Relações Exteriores
responsabilizou essencialmente a falta de recursos e de mecanismos operacionais
da UE para a concretização da cooperação trilateral:
No momento, com a União Europeia mesmo, com o organismo União Europeia, a
gente tem dificuldades...os europeus têm dificuldades do ponto de vista
organizacional para desenvolver essa parceria, essa cooperação trilateral.
Eles não têm mecanismos para fazer isso, mas o Brasil faz sim com países
membros da União Europeia, faz muita cooperação trilateral com os países
membros da União Europeia. [...] faltam os elementos do lado europeu, o lado
brasileiro dispõe dos elementos, sabe fazer cooperação trilateral, mas o lado
europeu tem limitações contábeis para fazer essa cooperação. Nós estamos
insistindo com o lado europeu, nós, o governo brasileiro, para que a gente possa
superar as dificuldades e possa estabelecer projetos trilaterais. Nós temos com
países específicos da União Europeia...temos projetos trilaterais com a França,
com a Alemanha, com a Itália... e gostaríamos de ter com a União Europeia como
um todo, e eles também gostariam de ter, a questão é conseguir superar essas
dificuldades de organização, essas dificuldades contábeis, que, na verdade, para
te explicar muito rapidamente o que acontece, de acordo com as regras vigentes
para a cooperação europeia nesse momento, qualquer dinheiro que eles
destinassem para o pagamento de cooperação com o Brasil e um terceiro
país seria considerado um dinheiro enviado para a cooperação com o Brasil,
e isso não é o caso. A gente não compreende que seja cooperação com o
Brasil, na verdade estamos cooperando com um terceiro país, o Brasil com o
expertise e, no caso, se fosse a União Europeia, com os recursos, mas a gente
ainda não conseguiu superar essa dificuldade (informação verbal)42
.
Às limitações à evolução da cooperação trilateral mencionadas nas
entrevistas, adicionam-se aquelas apontadas por Cabral (2014), que discute a falta
de progresso na agenda da cooperação trilateral como resultado de
41 Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues. 42 Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de
Gois Vieira Nunes Rodrigues.
96
"constrangimentos operacionais", no nível prático, e de um "compromisso
ambíguo", no nível diplomático.
Em referência ao nível operacional da cooperação, Cabral (2014) distingue
a capacidade operacional limitada da ABC, particularmente por não possuir
representação fora do país. No lado da UE, a autora assinala que as Delegações
(em Brasília ou em terceiros países) não receberam orientação concreta de como
interagir com o Brasil em relação à cooperação trilateral. Ainda, a autora cita a
rigidez do sistema da UE, que torna difícil conciliar com a política brasileira de
cooperação guiada por demandas e a não interferência. De acordo com o exemplo
apresentado, quando do início da discussão sobre as áreas para a cooperação,
representantes brasileiros reportaram a necessidade delas corresponderem àquelas
estabelecidas no Country Strategy Paper elaborado pela Comissão Europeia, além
do terceiro país ter envolvimento limitado.
Quanto ao nível diplomático, Cabral (2014) aponta que, por parte da UE,
há ceticismo em relação ao Brasil como ator no desenvolvimento internacional,
assim como se o seu modelo de cooperação - a alternativa do Sul - realmente
oferece uma opção às práticas de cooperação tradicionais. Esse argumento
contrasta diretamente com aquele contido nas Declarações de Cúpula
apresentadas, em que ambos expressam apoio ao modelo de Cooperação Sul-Sul
do Brasil. No lado brasileiro, a autora aponta o ceticismo do Brasil em relação ao
interesse da UE com a cooperação trilateral, além de que "this modality does not
easily fit with the importance of bilateral cooperation as an instrument of Brazil’s
foreign policy or its emphasis on South-South discourse and affinities" (Cabral,
2014, p. 6). Adicionalmente, em relação a esse tipo de cooperação, o governo
Dilma tem dado primazia àquela realizada em conjunto com os parceiros BRICS,
cuja cúpula ocorrida em 2013 enfatizou o desenvolvimento de cooperação e de
infraestrutura na África (Saraiva, 2014).
Dessa forma, a coordenação entre o Brasil e a UE enfrenta o desafio de
articular as distintas abordagens para a cooperação para o desenvolvimento,
sintetizadas com clareza por Saraiva (2014, p. 416) ao afirmar que
[...] a cooperação triangular é uma área aonde existe convergência de princípios e
diferenças nas estratégias. A cooperação ao desenvolvimento implementada pela
UE e seus países membros inscreve-se nos marcos da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, enquanto a política brasileira de
97
cooperação apresenta-se como alternativa, e atendendo ao que a diplomacia
brasileira denomina de cooperação sul-sul, isenta formalmente de
condicionalidades. O governo brasileiro vem mantendo distância do modelo de
cooperação norte-sul, e parte dos formuladores de política externa suspeita da
eficácia deste tipo de iniciativa triangular. Como agravante, a crise europeia vem
limitando a disponibilidade de recursos para esta área.
Assim, como esclarecido por Ayllón Pino (2013a), a maior parte dos
países latino-americanos vê a cooperação triangular como instrumento de apoio à
CSS, sendo a CTR originada a partir da interação entre países em
desenvolvimento à qual o terceiro elemento - país doador ou organização
internacional - se junta em momento posterior. Assim, predomina na CTR a lógica
horizontal, de respeito à soberania, de não condicionalidade, enfim, das
características vinculadas à CSS. Para países emergentes, a CTR se torna um
instrumento para multiplicar a CSS, mas com o apoio financeiro e técnico de
países doadores e organizações internacionais.
Nesse sentido, o Brasil, apesar de aberto para o estabelecimento de
cooperação trilateral, o faz de forma cautelosa, de modo a não se situar (nem
situar países ‘receptores’) como subordinado ao "doador tradicional" e, assim,
restabelecer relações hierárquicas (McEwan; Mawdsley, 2012). Desse modo,
líderes brasileiros possuem uma abordagem seletiva para a CTR, tendo cuidado
para que ela não modifique as prioridades do governo brasileiro e, assim, replique
a tradicional relação Norte-Sul (ibidem).
De fato, segundo a ABC (2014), a CTR deve se alinhar aos princípios da
CSS, o que significa: a) a ausência de condicionalidades; b) a atuação a partir de
demandas; c) ter como finalidade o fortalecimento das capacidades institucionais
e humanas dos países parceiros; d) a promoção da participação efetiva dos países
parceiros em todo o ciclo de vida dos programas e dos projetos; e, e) a
implementação técnica que parte do envolvimento das instituições e de
especialistas brasileiros em todas as fases dos programas ou projetos, sendo a
contratação de consultores locais ou internacionais complementar e feita de
acordo com a necessidade. Fortalece-se assim o argumento de que a cooperação
trilateral, do ponto de vista do governo brasileiro, não é tida como uma variação
da modalidade Norte-Sul. Pelo contrário, a CTR é tida como um instrumento da
cooperação horizontal, em que "a contribuição da agência bilateral de cooperação
98
e/ou do organismo internacional envolvido em uma ação trilateral dá-se por meio
de recursos técnicos, físicos ou financeiros" (ABC, 2014, p. 17).
5.3.2 Resultados na cooperação multilateral
No plano multilateral das relações entre o Brasil e a UE em cooperação
para o desenvolvimento, a situação é semelhante àquela do âmbito trilateral. O
Plano de Ação Conjunta 2012 - 2014, como já mencionado, indicou diversas áreas
de convergência entre o Brasil e UE, dentre eles, o compromisso mútuo de
reforma do sistema multilateral, o fortalecimento da cooperação voltada para a
sustentabilidade ambiental e às mudanças climáticas e a coordenação da parceria
para a eficácia da ajuda pós-Busan. Entretanto, apesar da consonância, mais uma
vez, a coordenação enfrentou problemas: em relação à cooperação voltada para a
parceria global para a eficácia da ajuda, Cabral (2014) enfatiza o fato do Brasil se
manter um membro relutante do clube pós-Busan, além de exaltar a distinção, e
não a convergência, da relação Sul-Sul em consideração à Norte-Sul.
Ou seja, na realidade, essa convergência destacada no Plano de Ação
Conjunta (2012 - 2014), assim como a implementação da cooperação, passa pelos
empecilhos colocados pelas diferentes abordagens de cooperação. Por outro lado,
a parceria estratégica trouxe a oportunidade do Brasil e da União Europeia se
engajarem em âmbito internacional, como destacado por Cabral (2014, p. 1),
The new framing has expanded relations beyond the bilateral dimension of the
European Commission's Country Strategy Papers, highlighting the potential for
collaboration in multilateral and global fora. It opened the door for jointly
addressing international development issues, such as global poverty, social
inclusion and development cooperation. [...] multilaterally the scope for
engagement is limited given that much of the debate is infused by a discourse
that, by juxtaposing ‘North’ versus ‘South’ and ‘traditional’ versus ‘emerging’
players, places Brazil and the EU on opposing sides (Cabral, 2014, p. 1).
Assim, em referência aos objetivos da cooperação, o Brasil e a UE
convergem, já que ambos defendem valores vinculados à democracia, aos direitos
humanos e à promoção dos ODM. No entanto, em relação aos princípios, ambos
diferem, pois por defender a não interferência, o Brasil exalta a não
condicionalidade. Segundo Sarah-Lea de Sousa (2010, p. 2), "This position is also
reflected in its criticism of the Paris Declaration and the Accra Agenda. Brazil has
99
signed the Paris Declaration – but claims to have signed as a recipient country
only". Em relação à Accra, o Brasil foi relutante, pois considerou a agenda voltada
para os doadores do ‘Norte’, que, ao final, incluiu parágrafos relativos à
cooperação Sul-Sul (Sousa, 2010). Já a delegação brasileira em Busan foi mais
receptiva em relação aos esforços conciliatórios dos países tradicionais (Cabral;
Russo; Weinstock, 2014).
Em referência a essa dificuldade do Brasil e da UE de entrarem em acordo
no plano multilateral, o entrevistado do MRE (da Divisão da Europa) alegou que
no plano multilateral, nas discussões multilaterais sobre a cooperação para o
desenvolvimento, sim, nós temos pontos de vista diferentes e nós temos que ir
aproximando ao longo do tempo, particularmente eu acho que, pouco a pouco, a
tendência é que os países desenvolvidos se aproximem da nossa percepção de
cooperação e acho que a cooperação, no futuro, será mais parecida com a
Cooperação Sul-Sul do que com a cooperação prestada pelos países
desenvolvidos hoje em dia, mas isso é uma opinião (informação verbal)43
.
Desse modo, ele demonstra a firmeza do posicionamento brasileiro e,
apesar das discordâncias, o seu argumento reflete que os países do Norte cederão
cada vez mais à forma de cooperação para o desenvolvimento desempenhada por
países emergentes.
No que tange à Agenda Pós-2015, que visa substituir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, vigentes até 2015, o Brasil se encontra no centro de
uma polêmica que coloca boa parte dos países em desenvolvimento de um lado e
da Europa Ocidental, Estados Unidos, Japão e Austrália de outro: o 16º objetivo
do desenvolvimento sustentável, proposto pelo grupo de trabalho que havia sido
estabelecido na Conferência Rio +20, é referente à governança, justiça e paz. Tal
objetivo, o de "Promote peaceful and inclusive societies for sustainable
development, provide access to justice for all and build effective, accountable and
inclusive institutions at all levels" (Open Working Group..., p. 5, 2014) possui
metas como a redução da violência, da corrupção, o desenvolvimento de
instituições responsivas e transparentes, o fortalecimento da participação dos
países em desenvolvimento em estruturas de governança globais, a proteção das
liberdades fundamentais e acesso público à informação, elaboração de leis e
43 Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de
Gois Vieira Nunes Rodrigues.
100
políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável, entre outras (Schreiber,
2014).
Em nota à BBC Brasil sobre a questão, o Itamaraty afirmou que "objetivos
independentes sobre governança poderiam tirar o foco dos esforços centrais que
os ODS devem promover - em particular, a erradicação da pobreza" (Schreiber,
2014). Outro argumento utilizado é o de que o acordo feito considerava que a base
para os objetivos do desenvolvimento sustentável seria o documento final da
Rio+20, cujo aspecto de governança não é previsto como um objetivo. Em
concordância com o exposto, em publicação intitulada ‘Negociações da Agenda
de Desenvolvimento Pós-2015: Elementos Orientadores da Posição Brasileira’, o
governo brasileiro afirma que
O Brasil considera que os temas contemplados nos ODS e na Agenda Pós-2015
devem estar alinhados às prioridades identificadas no documento final da Rio+20,
com vistas à erradicação da pobreza e à promoção da abordagem equilibrada e
integrada entre as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento
sustentável. Em termos práticos, o Brasil não considera apropriada a inclusão, no
contexto dos ODS, de temas que não tenham sido objeto de devida discussão e
consenso na Rio+20, que representa o mais recente acordo político de alto nível
sobre desenvolvimento sustentável. A inclusão de temas alheios ao arcabouço da
Rio+20, como questões relativas à segurança doméstica e internacional,
implicaria a diluição dos esforços internacionais e do mandato efetivamente
acordado para os ODS e a Agenda Pós-2015, no sentido de erradicar a pobreza e
promover o desenvolvimento sustentável (Brasil, 2014, p. 7)
Sobre essa questão, Eduarda Hamann, do Instituto Igarapé, analisa que o
Brasil procura: a) fortalecer o documento da Rio+20, um "filho" do Brasil; b)
edificar os temas em que tem maior probabilidade de poder de influência, e, na
segurança, o Brasil não é referência; c) evitar que o objetivo máximo de redução
da pobreza se condicione a questões de segurança, e; d) impossibilitar que
questões delicadas do âmbito interno, como os índices altos de violência do
Brasil, sejam alvo de intervenções externas (Schreiber, 2014).
Mais um tópico de divergência entre o Brasil e a União Europeia é o
relacionado à mudança climática e ao suporte e à crença do Brasil de que "o
Princípio 7 da Declaração do Rio (1992), relativo às 'responsabilidades comuns,
mas diferenciadas', situa-se na base do acordo para elaborar ODS de natureza
universal" (Brasil, 2014, p. 8). Entretanto, Cabral (2014), destacou que um
101
representante da UE, em discurso no encontro do Open Working Group on
Sustainable Development Goals, afirmou que:
‘[t]he EU recognises the principle of common but differentiated responsibilities
and respective capabilities. However, it stresses that responsibilities and
capabilities are differentiated but evolve over time and that the agreement should
reflect those evolving realities by including a spectrum of commitments in a
dynamic way’.
Dessa forma, o representante da UE expressou que o organismo não apoia
o proposto pelo Brasil. O resultado apresentado no âmbito da parceria estratégica
do Brasil com a UE parece não se restringir apenas ao campo da cooperação
internacional para o desenvolvimento, mas se expande à parceria estratégica como
um todo. Em entrevista, o entrevistado A da Delegação da UE no Brasil
proclamou que
[..] specially with the last 4 years, when it comes to Brazil and the EU
relationship, I think, formally, there's not really any problems, I would say, but
also if you look at concretely what has happened the last 4 years in
particular, there has also not been any real movement forward, it's kind of
been stagnating, or even going backwards to a certain extent. I think we have
still maintained the annual summits, and the presidents have always been meeting
regularly every year, and the kind of dialogues are working as they should, but if
you look at the bigger picture, really, you know, have we been moving forward,
really, to work as partners, I think, we have not (informação verbal)44
.
Sobre os motivos para a estagnação da parceria estratégica, o entrevistado
A respondeu:
I think there are many reasons for that. [...] from the EU side we have been
mostly focused now, and concerned with, internal [...] in the EU in the last
five-six years because of the economic financial crisis, that, of course has
taken a bit of the attention away from also the foreign policy issues, clearly. And also now, in the last three-four years, we have also been quite preoccupied in
the foreign policy side with neighbors [ ], basically Middle East, Northern
Africa, the Arab spring developments, and of course now recently with the
Russia-Ukraine, clearly our main focus is on it as well, and also it will be in the
years to come. Of course on the Brazilian side it's a bit different, because, ok, you
also have the global situation affecting your economy, but here I think that
Dilma's focus in particular be much on working with BRICS and having the
South-South Cooperation and particularly also focusing in the South
American region as a whole, that being her, or her advisors', main foreign
44 Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues.
102
policy goal to really consolidate the Brazilian position in the region. So, you
know, I think those are all the issues that has been affecting the overall
relationship and why they have not really been able to move forward with
concrete issues (informação verbal)45
.
Nota-se que o entrevistado se referiu, especificamente, ao arrefecimento
das relações Brasil-UE desde o governo Dilma Rousseff, que tem sido criticado
pela retração da política externa brasileira nos quesitos da reforma do Conselho de
Segurança da ONU e do FMI e até no âmbito do IBAS e do BRICS (Edler;
Lazarou, 2014). De acordo com Saraiva (2014), o governo Dilma promoveu uma
política externa menos assertiva, mas manteve as estratégias de Lula de
revisionismo em relação às instituições internacionais, de liderança regional e de
atuação como representante dos países do Sul Global. Apesar das críticas, a
cooperação no âmbito do BRICS tomou um crescente impulso na ocasião da VI
Cúpula BRICS, ocorrida no Brasil, em junho de 2014, que resultou na criação do
Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Arranjo Contingente de Reservas
(CRA), que pode trazer impactos significativos no desenvolvimento internacional,
principalmente quando se leva em consideração a redução dos recursos europeus
resultante da crise financeira.
5.4 Perspectivas futuras
A cooperação triangular, apesar de ter alcançado poucos resultados até o
momento e a despeito das dificuldades na sua realizaçãoapresentadas pelos
entrevistados, deve continuar na agenda da cooperação Brasil-UE. Como afirmado
pelo entrevistado do MRE,
[...] continua a ser uma prioridade, no novo Plano de Ação Conjunta vai
estar lá de novo, a cooperação trilateral, o Plano de Ação Conjunta que vai ser
lançado na próxima Cúpula, mas estamos aqui, quebrando a cabeça, brasileiros e
europeus, para encontrar a forma de operacionalizar melhor a cooperação. [...] A
gente tem muito o que construir no campo da cooperação trilateral, temos áreas
de atuação comuns [...] (informação verbal)46
.
45
Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues. 46 Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de
Gois Vieira Nunes Rodrigues.
103
Do lado europeu, o entrevistado B da Delegação também destaca a
continuação das discussões com o Brasil acerca da cooperação triangular. Para
ele, sobre esse aspecto,
não é porque não temos conseguido, até agora, numa escala importante, que
devemos renunciar. Eu acho que os nossos chefes políticos continuam com essa
ideia bastante forte...é a nossa obrigação, e temos um mandato de conseguir
superar esses obstáculos que mencionei para realmente chegar a algo concreto
(informação verbal)47
.
Nesse sentido, talvez o novo instrumento de financiamento da UE, o já
discutido Partnership Instrument (PI), represente uma solução para o problema,
pois
The EU's interaction with many countries around the world focuses on
development cooperation. The PI will offer a different approach to established
models of development cooperation by promoting policy cooperation with
countries of strategic interest to the EU. In particular, it will allow the EU to
establish a wider political dialogue with emerging partners. It will also support
the EU's relations with countries that are no longer eligible for bilateral
development aid (European Commission, 2015, s/n).
Nesse sentido, o Brasil, que foi recipiente do DCI tanto no âmbito regional
como bilateral, agora está desqualificado como receptor bilateral desse mesmo
instrumento. De 2014 a 2017, a cooperação com o Brasil será feita a partir do
Partnership Instrument, do DCI (apenas no âmbito regional) e de programas
temáticos48
. Como resultado do seu desempenho econômico, o Brasil passou a ser
considerado um país graduado e não se encontra mais elegível para a cooperação
bilateral, deixando de ser alvo bilateral direto da cooperação para o
desenvolvimento financiada pela União Europeia.
Sobre esse assunto, o entrevistado B justifica que
o Brasil é um país de renda média alta, o Brasil é um parceiro estratégico na
União Europeia, então, do ponto de vista político, não faz muito sentido uma
cooperação bilateral, no sentido da cooperação para o desenvolvimento. E um
aspecto mais operacional... se o objetivo da cooperação para o desenvolvimento é
a redução da pobreza, das desigualdades nos próprios beneficiários, então com
mais de 200 milhões de habitantes, imaginar que chegar com alguns milhões por
47
Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues. 48
Informações obtidas na página do SEAE sobre as relações da UE com o Brasil. Disponível em:
< http://www.eeas.europa.eu/brazil/index_en.htm >
104
ano, mesmo dezenas de milhões por ano, possa ter um impacto nesse objetivo, eu
acho que é um pouco ilusório. Eu acho que pela escala do país, pelo tamanho e
pelos montantes limitados da cooperação que tínhamos, é um pouco ilusório
(informação verbal)49
.
O entrevistado também pondera o caráter da parceria com o Brasil, já que
o estabelecimento da parceria estratégica implica considerar que as duas partes se
encontram no mesmo patamar e dialogam de igual para igual, o que não justifica
manter uma relação nos modos da cooperação para o desenvolvimento. Assim, o
advento do PI possibilitará operacionalizar a parceria com o Brasil de forma
diferenciada. O entrevistado A adiciona que o PI "is basically money used for the
EU working together with the whole world [...] but the focus is now, in the first
place, on the strategic partners. Of course Brazil is one of those" (informação
verbal)50
.
De forma similar e positiva, o entrevistado do MRE pondera que
em termos de cooperação para o desenvolvimento da União Europeia com o
Brasil, agora o Brasil está mudando, está se graduando, mudando de fase, o que é
muito natural e muito justo. [...] nós estamos deixando de ser receptores de ajuda
europeia para o desenvolvimento e estamos ingressando em uma nova fase da
nossa parceria nessa área que supõe a cooperação por projetos... é uma mudança
importante que está acontecendo exatamente agora. Nós deixamos de receber
ajuda da União Europeia para o desenvolvimento (informação verbal)51
.
O PI, como já discutido, é um novo instrumento, e as suas diretrizes
voltadas para o Brasil ainda não se encontram disponíveis. Oficialmente, os
resultados dessa mudança, assim como o progresso da parceria estratégica Brasil-
União Europeia só serão conhecidos na ocasião do lançamento do Plano de Ação
Conjunta (2014 - 2017) e da Declaração Conjunta da VIII Cúpula, que será
realizada no ano em vigor, além do diálogo entre as duas partes sobre as questões
multilaterais previamente discutidas.
Assim, dentro da cooperação internacional para o desenvolvimento, a
partir das entrevistas, a relação do Brasil com a UE precisa passar por muito
diálogo para progredir. O entrevistado do MRE acredita que
49 Entrevista concedida pelo Entrevistado B. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues. 50
Entrevista concedida pelo Entrevistado A. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de Gois
Vieira Nunes Rodrigues. 51
Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de
Gois Vieira Nunes Rodrigues.
105
dentro da cooperação para o desenvolvimento de uma forma mais ampla, a
gente parte de uma base muito sólida que é essa identidade de valores, essa
identidade histórico-cultural que o Brasil e os países da Europa, e a União
Europeia, compartilham. Eu acho que, saindo de uma base comum tão
importante, é mais fácil nós, pouco a pouco, construirmos uma visão também
comum, compartilhada, da cooperação para o desenvolvimento. Eu acho que o
futuro é promissor, e esse entendimento no nível mais abstrato vai redundar
também em um bom entendimento, em um entendimento cada vez melhor,
no nível da atuação em terceiros países. Acho que sim, que esse é o... são as
perspectivas do futuro, e um futuro não muito distante (informação verbal)52
.
De forma genérica, esse é o argumento que vem sendo utilizado há sete
anos, desde a criação da parceria estratégica. Entretanto, essa identidade histórico-
cultural e de valores não têm se transformado em convergência entre as partes no
âmbito multilateral.
5.5 Conclusões do capítulo
A relação entre o Brasil e a UE partiu, na última década, do inter-
regionalismo para a parceria estratégica a partir da constatação da União Europeia
- com o ESS - de que precisava fazer parcerias com potências emergentes, em
geral, e, em particular, da falência das negociações no âmbito do Mercosul e do
reconhecimento do Brasil como líder regional. Assim, o Brasil foi o 6º país
abordado pela UE com o objetivo de firmar uma parceria estratégica.
Apesar de uma importante mudança institucional da UE, a parceria
estratégica com o Brasil, de modo geral e no campo da cooperação internacional
para o desenvolvimento, têm trazido resultados inferiores aos esperados,
exemplificando a discussão realizada no capítulo anterior. Duas dimensões foram
ressaltadas como resultados da parceria estratégica entre a UE e o Brasil no campo
cooperação internacional para o desenvolvimento: a cooperação triangular e a
multilateral.
Enquanto as primeiras Declarações Conjuntas das Cúpulas Brasil-UE
afirmam a importância de iniciativas de cooperação triangular entre as partes, no
plano prático, estas iniciativas não lograram êxito, de acordo com os
entrevistados. Do ponto de vista da UE, há limites contábeis e legais para a
52
Entrevista concedida pelo Entrevistado do MRE. [nov. 2014]. Entrevistador: Eth Ludmilla de
Gois Vieira Nunes Rodrigues.
106
operacionalização da CTR nos moldes do Brasil. Além disso, a UE busca maior
divisão dos custos da cooperação, inclusive orçamentários. Do lado brasileiro,
também se enfatizam os limites orçamentários da UE, além do fato de que o papel
do Brasil na CTR seria o de fornecer o conhecimento técnico, e não arcar com
custos orçamentários.
Como resultado do seu desempenho econômico, o Brasil passou a ser
considerado um país graduado da ajuda bilateral da UE e está atualmente
enquadrado no novo mecanismo de financiamento da UE, o Partnership
Instrument. Esse instrumento, voltado para os países emergentes ‘de interesse
estratégico’, e desvinculado das regras da AOD, traz a possibilidade de solucionar
os problemas descritos na cooperação triangular. Como revelado em entrevista
com o representante do MRE, essa modalidade de cooperação estará presente no
próximo Plano de Ação Conjunta, então há a possibilidade de progresso nessa
área.
Quanto à cooperação no âmbito multilateral, há dúvidas quanto à
possibilidade de convergência, que se encontra emperrada pelas diferenças no
discurso Norte/Sul. As abordagens do Brasil e da União Europeia diferem e o fato
do Brasil estar investindo mais no BRICS - que seguem progredindo na criação do
Novo Banco de Desenvolvimento - não traz perspectivas de mudança nessa
esfera. Ao afirmar que, futuramente, a cooperação "será mais parecida com a
Cooperação Sul-Sul do que com a cooperação prestada pelos países desenvolvidos
hoje em dia" e, assim, fortalecer o ponto de vista brasileiro, o representante do
MRE confirma essa constatação.
Como demonstrado no debate, as parcerias estratégicas, inclusive aquela
com o Brasil, não alcançaram os resultados esperados. Por conseguinte, estas não
colaboraram para a consecução do multilateralismo efetivo, o que enfraquece o
conceito de Normative Power Europe e o seu caráter unidirecional. Essa
constatação enaltece, assim, o fato de que, ao mesmo tempo em que são
socializadas, as potências emergentes também promovem a socialização, ou seja,
também possuem agência, não são apenas passivas à socialização.
107
6. Considerações finais
O presente trabalho buscou compreender como a União Europeia tem
respondido discursivamente e institucionalmente à crescente atuação das
potências emergentes no campo da cooperação internacional para o
desenvolvimento, especialmente o Brasil. Assim, duas questões guiaram a
pesquisa, a saber, 1) Como a atuação das potências emergentes tem influenciado
as mudanças institucionais e discursivas da União Europeia no campo do
desenvolvimento internacional? e, 2) Como a União Europeia enquadra o Brasil
dentro das mudanças institucionais e discursivas?
A ajuda ao desenvolvimento do Norte, assim como seus procedimentos e
normas, tem sido questionada pelas potências emergentes e, assim, a União
Europeia vê o sistema de governança que ajudou a construir ser contestado.
Mesmo com o recente reconhecimento da CSS no fórum de Busan sobre a
eficácia da ajuda – do CAD-OCDE -, potências emergentes, dentre elas o Brasil,
continuam a ver a predominância dos interesses do Norte nela e, assim, não se
mostram interessadas da agenda proposta. Na realidade, o Brasil tem dado
preferência aos fóruns do Sul, como o BRICS. Diante do cenário global em
transformação, a UE tem enfrentado o desafio de se reposicionar como ator
internacional e, ao identificar que as ameaças enfrentadas pela UE e pelo mundo
necessitavam de soluções globais, manifestou a necessidade de cooperar com
potências emergentes no ESS, em 2003. Desde então, a UE tem realizado
diversas mudanças institucionais e discursivas, a saber, o discurso do
multilateralismo efetivo, a criação de parcerias estratégicas, o Consensus on
Development, o Tratado de Lisboa, a Agenda for Change e os discutidos
mecanismos de financiamento da cooperação para o desenvolvimento. Com a
pesquisa, constatou-se dois aspectos comuns a todas, em maior ou menor grau: a
busca da UE por mais consenso interno para melhor representatividade externa e a
procura por formas de abordar os países emergentes.
O estabelecimento de parcerias estratégicas com atores-chave, a
responsabilidade do Alto Representante e do SEAE sobre a relação com os
parceiros estratégicos, a constituição de uma política específica para países
108
emergentes com a Agenda for Change e o estabelecimento do Partnership
Instrument denotam políticas e mecanismos institucionais da UE que abordam
potências emergentes. Esses mecanismos podem ser compreendidos como
instrumentos do poder normativo da UE. As parcerias estratégicas, por exemplo,
demonstram, além do reconhecimento da UE da relevância desses países, uma
plataforma de diálogo para a criação de entendimentos compartilhados e atuação
conjunta no âmbito multilateral. Mais que isso, sendo as parcerias estratégicas um
meio para alcançar o multilateralismo efetivo, elas representam um modo da UE
aproximar seus parceiros estratégicos dos círculos onde as normas da organização
predominam, exercendo, assim, o seu poder normativo.
O Brasil foi o 6º país com o qual a UE se aproximou no intuito de firmar
uma parceria estratégica. No entanto, em geral e no campo do desenvolvimento, a
parceria estratégica não tem alcançado o objetivo do multilateralismo efetivo,
tendo a cooperação enfrentado problemas tanto no âmbito trilateral quanto
multilateral. A despeito da importância política dada à cooperação triangular, no
plano prático, do ponto de vista da UE, ela enfrenta limites orçamentários e de
restrições legais para que ocorra e, nesse sentido, a organização espera
comprometimento orçamentário também do Brasil, compartilhando os custos da
cooperação. Do lado do Brasil, também se destacam as restrições orçamentárias
da UE, mas ressalta-se que a contribuição brasileira ocorre através do
fornecimento do seu conhecimento técnico, não o financeiro.
Como consta na Agenda for Change, vários países ‘graduaram’ da ajuda
da UE, não podendo mais ser receptor da AOD bilateral da UE a partir de 2014,
uma lista que teve como referência aquela disponibilizada pelo CAD-OCDE com
a classificação dos países beneficiários por renda. O Brasil, país graduado, deixou
de receber AOD através do Development Cooperation Instrument da UE, um
movimento que pode ser entendido como forma de redução de custos,
compartilhamento de responsabilidades e, ao ver o país como ‘doador’ e não mais
‘beneficiário’, de impulsionar a adoção das práticas empregadas pelo Norte. O
Brasil passou então a ser enquadrado no novo mecanismo de financiamento, o
Partnership Instrument, que é, desvinculado das regras da AOD e, assim, possui
uma flexibilidade que pode solucionar os problemas encontrados na cooperação
triangular. As diretrizes da UE para a utilização desse instrumento com o Brasil
109
ainda não se encontram disponíveis, mas, de acordo com as entrevistas realizadas,
há interesse de ambas as partes em progredir com a cooperação triangular.
Em referência à cooperação multilateral, há dúvidas quanto à possibilidade
de concordância entre a UE e o Brasil no campo da cooperação para o
desenvolvimento. Enquanto a UE integra a esfera das normas do CAD-OCDE
nessa área, o Brasil procura se afastar dela, identificando-se com o Sul global e
buscando cooperação com outros atores do Sul, especialmente o BRICS. Nesse
sentido, o banco dos BRICS, programado para entrar em funcionamento em 2016,
poderá representar uma inovação e uma alternativa na esfera da cooperação para o
desenvolvimento. Enquanto a política de desenvolvimento da UE foca na
erradicação da pobreza no contexto do desenvolvimento sustentável, na boa
governança, nos direitos humanos, políticos, sociais e ambientais, o Banco do
BRICS se prepara para financiar, primordialmente, investimentos em
infraestrutura, trazendo competitividade ao campo e mais receio do Norte53
.
A governança internacional da ajuda tem sua credibilidade afetada pela
persistência da pobreza mundial, mesmo após várias décadas de recursos voltados
para o desenvolvimento. Assim, para a área da cooperação internacional para o
desenvolvimento, os resultados da presente pesquisa indicam que, apesar das
estatísticas evidenciarem que a CSS representa uma parcela pequena da AOD
global, o Norte se preocupa com a sua expansão e com a possibilidade de que se
torne uma alternativa. Desse modo, criam-se mecanismos institucionais de
inserção na CSS, seja por meio do reconhecimento multilateral da sua importância
ou do estabelecimento de relações especiais com seus atores. Países emergentes,
por outro lado, veem algumas dessas iniciativas com desconfiança e preferem dar
prioridade aos seus empreendimentos próprios.
Em resposta às questões norteadoras do presente trabalho, os resultados da
pesquisa mostram que, a despeito da autopercepção da UE como potência
normativa, essa não é uma percepção compartilhada pelas potências emergentes.
Ainda, as diversas mudanças institucionais e discursivas identificadas evidenciam
o impacto da atuação das potências emergentes na UE. Isso demonstra que esses
atores não são passivos à absorção de valores e projetos da UE, mas que possuem
agência e que procuram trazer à mesa os seus próprios princípios e práticas.
53
Para mais informações, ver endereço eletrônico da VI Cúpula BRICS, disponível em:
<http://brics6.itamaraty.gov.br/pt_br/>
110
Assim, há um contexto de socialization as a two-way process, em que, além de
influenciar, a UE também sofre influência da agência das potências emergentes.
Desse modo, confirma-se a primeira hipótese levantada, a de que “supõe-se que a
crescente atuação das potências emergentes tem influenciado a União Europeia, o
que provocou mudanças institucionais e discursivas na organização”.
No contexto de mudanças institucionais e discursivas da UE, o Brasil
passa a ser enquadrado como um parceiro estratégico e, posteriormente, deixa de
ser beneficiário da sua AOD bilateral para ser abordado através do Partnership
Instrument. Esses mecanismos são tidos como instrumentos para a
operacionalização do Normative Power Europe, que objetiva alcançar o
multilateralismo efetivo. Dessa forma, demonstra-se a segunda hipótese levantada
para o presente trabalho, em que “presume-se que, a União Europeia enquadra o
Brasil dentro de modalidades específicas de cooperação, no quadro das mudanças
institucionais e discursivas realizadas, de forma a assegurar o seu poder normativo
e alcançar multilateralismo efetivo.
O ano de 2015 vai trazer respostas fundamentais para o campo da
cooperação internacional para o desenvolvimento. Nesse ano, prevê-se a
divulgação dos valores, normas e procedimentos que permearão o funcionamento
do citado Banco dos BRICS, o que permitirá uma melhor compreensão da futura
atuação do grupo. Além disso, chegará ao fim a agenda dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, e o quadro que os substituirá, o da agenda pós-
2015, encontra-se em processo de negociação, em que nela se fazem presentes as
divergências Norte/Sul da área. Por outro lado, a União Europeia declarou o ano
de 2015 como o Ano Europeu do Desenvolvimento, demonstrando, assim, a
importância do desenvolvimento internacional na sua atuação externa, e o seu
interesse em alcançar apoio interno, da opinião pública, para a sua ajuda ao
desenvolvimento54
. No que se refere à relação Brasil – UE, o último Country
Strategy Paper – Brazil disponível é o do período 2007 – 2013, então ainda não se
conhecem as prioridades da UE no Brasil para o período financeiro de 2014 –
2020. Além disso, novas propostas e perspectivas para a cooperação entre o Brasil
e a União Europeia poderão ser esperadas na ocasião da próxima Cúpula anual.
54
Para mais informações, ver o endereço eletrônico do Ano Europeu do Desenvolvimento,
disponível em: <https://europa.eu/eyd2015/pt-pt/content/eu-development-aid>
111
O presente trabalho representou um esforço no sentido de preencher
lacunas em relação ao impacto da atuação das potências emergentes na esfera do
desenvolvimento internacional – ou da Cooperação Sul-Sul - na tradicional ajuda
oficial ao desenvolvimento do Norte, especificamente da União Europeia. A
pesquisa resultante dele evidenciou que o desempenho dessas potências
emergentes influencia políticas da ajuda ao desenvolvimento da União Europeia.
Assim, como se comparam as estratégias de cooperação para o
desenvolvimento dos principais Estados-membros da UE com aquelas da
organização comunitária? Quais estratégias os principais Estados-membros da UE
utilizam para abordar a Cooperação Sul-Sul? Como o Brasil se relaciona com os
principais Estados-membros da UE na cooperação internacional para o
desenvolvimento? Como a UE aborda os demais membros do BRICS na esfera da
cooperação internacional para o desenvolvimento? Em decorrência das reflexões
levantadas nesse estudo, essas são algumas questões que podem ser abordadas
para uma futura agenda de pesquisa sobre a relação dos países emergentes na
agenda da União Europeia.
112
7. Referências bibliográficas
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