entrevista 5 e. eu vou-lhe perguntar primeiro a sua idade ... · ensinamentos, mas cuidados a ter e...
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ENTREVISTA 5
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ENTREVISTA 5
E. Eu vou-lhe perguntar primeiro a sua idade.
e. 68.
E. E o seu estado civil?
e. Casada.
E. E em termos de escolaridade? Qual é a sua escolaridade?
e. Tenho o curso do antigo Magistério primário – professora do 1º ciclo.
E. Neste momento encontra-se reformada.
e. Sim, sim, sim, já há muitos anos.
E. Ia-lhe começar por perguntar, que já referimos, agora há quanto tempo é que é
voluntária no hospital?
e. Pois, pois, pois. É desde a primeira fase, mas não sei se é 2, se é 3, se é 4! Olhe, o
tempo passa num instante!
E. Não tem certeza de quantos anos é que já passaram?
e. Quatro ou 5, não sei!
E. A Dr.ª Ana Paula depois também deve com certeza indicar.
e. Pois, pois.
E. Como é que começou a ser voluntária?
e. Olhe, eu comecei…eu, eu sempre gostei, mas fui assediada bastantes vezes por uma
senhora que já fazia voluntariado em Coimbra, e sendo aí onde eu trabalhava, que foi a
dona Ermelinda, que andava sempre “Ei, tu tens que ir, tu tens que ir, tu tens que ir!”.
Eu enquanto trabalhei, nunca fui, mas depois lá me decidi. Fui fazer a preparação, fui
fazer aquela semana de formação, não é nenhum curso, há gente que diz que foi fazer
um curso, mas foi uma formação e… a Coimbra, fui… já, já com o hospital, fomos com
a Dr.ª Paula, uma outra senhora também levava o carro e fomos umas quantas, mas
dessas só duas ou três é que ficaram, mas isso não interessa! E fui motivada por ela e
depois e, e ,e…gostei! Aliás, eu já gostava, já, já pertencia à Conferência de S. Vicente
de Paulo, também já fazia voluntariado, nesse aspecto pronto! Estou muito satisfeita,
gosto muito.
E. Na Conferência qual era o tipo de voluntariado que a dona Idalina fazia?
e. Era as visitas aos carenciados.
E. A famílias mais carenciadas…
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e. Mais carenciadas, mais sozinhas, levava-lhes algumas coisas, quando tínhamos, que
vinha de Aveiro, levávamos, quando não tínhamos, comprávamos. Ou até nós, se íamos
fazer uma visita, e para não ir sem nada levávamos sempre qualquer coisa, e ainda faço
isso, hoje, enquanto puder, que também já estou a ficar velhota! (risos)
E. É alimentos o que costumava levar?
e. Sim, sim, sim.
E. Ás famílias grandes.
e. Foi.
E. E teve, assim, algum motivo especial que a quis… que fez com que quisesse
fazer o voluntariado hospitalar?
e. Olhe, talvez por ter a minha mãe muitos anos acamada, lá em casa, e eu achava que,
realmente, portanto, precisava de assistência, e de companhia, e nem sempre, nessa
altura eu ainda estava a trabalhar e nem sempre lhe podia dar aquilo que ela precisava. E
foi também uma das razões que eu disse: “se eu puder vou fazer aos outros aquilo que
eu não pude fazer à minha mãe!”.
E. Foi também uma das coisas que a levou a pensar…
e. Sim, sim. Foi, foi!
E. Se calhar depois o outro motivo, que também já me referiu, foi ficar disponível,
neste caso, ficar reformada.
e. Ah! Sim, sim, sim, sim, sim!
E. Que tinha referido que só após de ficar reformada é que começou.
e. Sim, é que vinha, pois…
E. Mais algum motivo que se lembre?
e. Não, assim de especial, não! Mas foi essa uma das razões e foi, realmente, estar muito
próxima dessa senhora, que era muito minha amiga e falava-me nisto e naquilo e que,
que era muito enriquecedor, como eu agora verifiquei. Por vezes chegávamos a casa
muito aborrecidas e muitas coisas, mas que pensássemos naquele dia, que até isso tudo
nos passava e eu comecei a interiorizar isso e…
E. E resolveu avançar!
e. Sim.
E. E a dona Idalina como é que se caracteriza enquanto voluntária? Como é que
acha que é enquanto voluntária?
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e. Eu isso não sei avaliar, sei que dou o meu melhor e penso que, dentro dos possíveis,
faço aquilo que se espera de mim, não sei! Não sei se é assim, isso agora é que eu não
posso também avaliar, não é?
E. Humm, humm.
e. Mas penso que sim. Pelo menos faço os possíveis por dar… por me dar! É mais
importante até dar-me a mim, do que dar coisas e, mas também se recebe. Não sei se há
aí alguma alínea dessa…
E. Pode falar quando quiser.
e. Pois.
E. Se quiser falar agora. Mas também se recebe…
e. Mas também se recebe muito, se aprende muito, aprende-se muito e damos… eu
costumo dizer:” Recebemos mais do que o que damos!”; e é uma experiência óptima, eu
gosto muito! As pessoas, às vezes, ficam tão satisfeitas, tão aliviadas, que uma pessoa
sente-se bem! Isso realmente… acha que veio fazer alguma coisa e tenho, tenho… por
exemplo, tenho lá um vizinho que está doente e eu agora, esta semana, até faço
voluntariado desde as sete e meia da manhã, até às nove, que ele, os familiares… a
mulher está em Coimbra, também mal no hospital, a nora e o filho a trabalhar, ele fica
sozinho, amputaram-lhe uma perna, há pouco tempo, há um mês ou dois e eu fico lá a
fazer-lhe companhia até virem os bombeiros buscá-lo para o levar ao lar e…
E. Ele anda no centro de dia?
e. Está no centro de dia, está, está, está.
E. E ….
e. E, pronto, e tudo isso, eu acho que, pronto, que é enriquecedor, eu gosto muito disso,
e fico…fica-se com uma sensação, não sei, de felicidade, até, de alívio, de fazer alguma
coisa pelos outros, porque eu…pronto!
E. E a dona Idalina, então, também considera que, aquilo que me está a referir, de
ir esse bocadinho fazer companhia ao seu vizinho, que também é voluntariado.
e. Eu acho que é.
E. Acho que sim, acho que sim. Mas para si o significado do que eu quero
perguntar é se para si o significado que dá ao conceito do que é para si
voluntariado, mesmo quando se refere que vai a casa do seu vizinho ou quando se
refere que também faz aqui no hospital. Para si, dentro de si significa a mesma
coisa?
e. Eu acho que sim, não acha? Eu acho que sim. Eu estou a fazer alguma coisa pelos
outros, a dar-me, portanto, acho que….eu considero, não sei se será!
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E. Sim, sim, sim.
e. Pois…
E. E aqui no hospital em que tipo de serviços é que a dona Idalina faz
voluntariado?
e. Nós fazemos nas duas partes: na cirurgia e nos trabalhos…nos serviços…
E. Cuidados continuados!
e. Continuados, sim, sim, sim.
E. E já me referiu que teve formação específica antes de iniciar o seu voluntariado.
e. Sim, sim, sim, sim.
E. Foi quanto tempo?
e. Foi uma semana.
E. E foi aonde?
e. Á noite e foi em Coimbra, penso que era nas “Zitas”, seria nas “Zitas”? Lá em cima,
ao pé do Continente? Penso que era lá….
E. Foi pela Cáritas?
e. Sim, sim, sim, parece que foi.
E. E tiveram, então, uma preparação.
e. Sim, sim, sim. Várias palestras, vários, vários ensinamentos, não sei se são
ensinamentos, mas cuidados a ter e a lidar, a lidar com as pessoas, o que podíamos
eventualmente fazer, o que não devíamos fazer, como é que devamos proceder com os
doentes, um bocadinho disso, pois; porque ao tirar uma almofada, às vezes, estamos a
prejudicar, ao levantar-lhe a cama ou descer-lhe estamos a prejudicar e, portanto, era um
bocadinho isso que eles lá nos, nos diziam, não é? Que nunca devíamos fazer nada, que
podia prejudicar os doentes, não é? Pouco, o que podia fazer e tinha sempre que se
perguntar ao enfermeiro.
E. E acha que foi importante essa formação que teve?
e. Eu acho, eu acho…Sim, ah pois foi. Até… até, no aspecto de incitar nas pessoas, de
nos dar, assim, mais força, mais alento, eu acho que sim, que foi.
E. Também, no fundo, esclarece, não é, sobre determinados assuntos…
e. Exacto! Determinadas coisas nós não tínhamos conhecimento disso. Abriu-nos um
bocado mais para, para fazer o que estamos a fazer.
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E. E agora há pouco tempo, também sei que houve aqui uma formação no hospital.
E. Sim, houve, houve.
E. Que houve também para funcionários e para voluntários. Também esteve
nessa?
e. Sim, sim, sim. Estive, estive, estive.Pois. Estive, enfermeiras, médicos, até gostei,
gostei bastante.
E. Foi um dia inteiro, não foi?
e. Foi, foi, foi, foi um dia inteiro.
E. Foi recentemente, então? Foi agora em Maio.
e. Foi agora em Maio.
E. E, assim, que tipo de apoio é que é prestado pelo, pelo hospital ou outras
entidades? Não sei se, depois, tem contacto com mais alguma. Aqui no hospital
vocês recebem que tipo de apoio?
e. Apoio…quando precisamos de alguma coisa, vimos à assistente social.
E. Que é a pessoa que coordena, no fundo.
e. Coordena, é, pois é, ela é que está dentro do… se houver alguma dificuldade ela está
sempre pronta para nos…para resolver e quando precisarem de alguma coisa, vimos ter
com ela, pois, com certeza e faz, e faz-nos de vez em quando, já, já tem feito algumas
formações, vá lá, até só a nós, ela e nós, para ver como correm as coisas, para os outros
grupos também, se gostaram.
E. É, então, um pólo central do hospital, é aqui o gabinete de acção social?
e. Sim, sim, é o gabinete de acção social, é!
E. E há, assim, alguma regra específica, por parte do hospital, que todas as
voluntárias têm que seguir? Alguma norma ou alguma regra?
e. Acho que não, não me estou…quer dizer, é assim, a regra, como eu já falei à
bocadinho, já é, nada de fazer aos doentes, nada que os possa prejudicar, não é? E fazer
um bocado, como é que hei-de dizer? Conhecer, estudar, não é estudar, que não dá
tempo para estudar, mas nós de início vemos logo, se o doente se quer falar, se não
quer, se gosta, se não gosta e se ele não gosta, nós imediatamente deixamos. Também
não temos que insistir, eu penso que isso é uma regra, não sei, se… depende de cada
um!
E. É, no fundo, respeitar a vontade do doente, é isso?
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e. Exacto, sim, é isso! Respeitar a vontade do doente, porque há muitos que gostam de
falar, falar, falar, mas há muitos que não. E, portanto, nós, vemos logo pela, pelo
primeiro impacto, e se o doente não quiser, respeita-se, não é? Como é que se
diz…respeitar o doente, pois. (tosse)
E. A vontade dele na altura, não é?
e. Exacto, exacto.
E. Perguntava-lhe a seguir o que é que uma voluntária nunca pode fazer no
hospital? Mas já me referiu que, no fundo, se calhar, é ter alguma intromissão em
alguma coisa que possa…
e. Exacto, sem… Por exemplo, ele quer água, ele pede água e eu dou-lhe água, de boa
vontade, só que vou perguntar se ele pode beber água, não é; quer a cama para cima, e
eu perguntar se ele quer a cama para cima, se pode levantar a cama, mas eles por vezes
insistem…
E. Pedem, não é?
e. Pois pedem, pedem, pedem…
E. Então, nessa perspectiva, que me está a dizer, até ter que ir questionar e
perguntar, qual é que acha que é o papel de uma voluntária no hospital? Qual é o
vosso papel, assim, essencial? Na sua opinião, claro!
e. Pois, o papel nem é, nem é, nem trabalhar, nem levantar, nem deitar, nem nada. É, é
mais a nossa presença, a nossa palavra, o nosso carinho, eu acho que é, eu penso que é,
que , que ..o meu, o papel principal que é esse, e apoiar o doente naquilo que ele…se
pudermos, realmente, fazer alguma coisa, devemos fazer; mas o resto é: conversar com
ele, apoiá-lo, dar-lhe um bocadinho de apoio, de carinho, é mais isso, de conversar com
ele, se ele gostar de conversar, é isso e incentivá-lo um bocado para, p‟á vida, não é?
Pois!
E. Para ele ter esperança para as coisas…
e. Esperança, exactamente p‟á vida, pois, que amanhã será melhor, é uma frase feita,
mas… (risos)
E. E, assim, quando conversam com ele, qual é, assim, os temas que conversam
mais? É sobre o trabalho, sobre a família, não há, assim, nada que eles gostem
mais de…?
e. Ai, há, uns que gostam mais! Sobretudo, das vidas deles antigas e, então, quando eles
começam a falar nisso são muito engraçados! Eles contam tudo! Nós não conhecemos
nada, mas eles contam tudo e mais alguma coisa! Dos filhos e das filhas e assim…e não
sei quantos filhos e põem isto e põem aquilo…eles contam tudo! E nós ouvimos,
tentamos ouvir, também não sabem…também não temos resposta a dar porque não
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conhecemos, não é? Mas, de uma maneira geral, eles gostam de conversar, assim, as
vidas deles.
E. As vidas passadas, as memórias, não é?
e. Sim, é, as memórias mais antigas, porque d‟agora são capazes de já não se lembrar de
muitas coisas.
E. Mas o passado fica lá sempre…
e. É, é, é - o passado fica lá sempre mais retido.
E.…marcado.
e. É, é, é. (risos)
E. Olhe…
e. E alguns dizem, alguns elogiam muito a casa - o hospital, muitos dizem que estão
muito bem e que isto é um hotel de 5 estrelas, que…um no outro dia até disse que
“melhor do que aqui, só no céu!”. Acham que têm uma equipa extraordinária de
enfermagem, de médicos, de auxiliares, tudo! As instalações, a comida, falam muito
nisso também! Eu, às vezes, digo que até gostava de ter um gravador para gravar certas
coisas, conversas, que eles têm connosco a esse respeito, pois porque indiciam que eles,
realmente, estão satisfeitos, não é?
E. Não sei se teve conhecimento ou não, mas saiu agora um estudo a nível nacional
que classificou este hospital em nível de internamento.
e. Sim, sim, sim. Li, li, li, li. É, é.
E. e calhar estamos em sintonia: o que eles dizem à dona Idalina e aquilo que
depois foi verificado.
e. Pois, Exacto, exacto! Pois, pois. Mas é pena que eles também não saibam destes
pequeninos pormenores que eles me dizem a mim, que não sou ninguém, não é? Mas
que…que lá em cima um dos superiores também soubessem destas coisas!
E. Olhe, por acaso, e agora não tem exactamente, mas estamos aqui no meio desta
nossa entrevista, não sei se já viu ou se teve acesso ao “Região Bairradina” desta
semana, que é este jornal local, aqui de Anadia…
e. Sim, sim, sim.
E. E tem um agradecimento de uma família, que vem aqui atrás na última folha.
e. Vi, vi, vi, sim senhora. Vi, vi, vi.
E. Vem um pouco ao encontro um pouco daquilo que estamos a conversar, agora.
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e. Vi e fico toda contente!
E. É uma forma de, também tornar público, no fundo era o que „tava a dizer, é o
de expressar.
e. Exacto, exacto. É, é, é.
E. Por acaso foi a primeira vez que vi…
e. Mas, às vezes, também vem, a agradecer.
E. …mas também, mas também vi. Ia-lhe perguntar quanto tempo é que dedica?
Já me disse que o seu vizinho, neste momento, também ajuda, é…
e. Ah, mas isso é uma coisa…isso nem tem a ver com o trabalho da senhora, com
certeza. Mas é das 3 às 5. É das 3 às 5, às vezes, outras vezes… às vezes é até às 5:50 ou
6, é conforme as necessidades!
E. É uma vez por semana, não é?
e. Eu agora tenho vindo à quarta-feira também, de manhã.
E. Então são … duas vezes?
e. Sim, sim, mas agora „tou em não vir, agora no verão, às vezes quero, queremos…eu
também tenho os dias muito ocupados e, e parecendo que não, eu não tenho trabalho
mas tenho os dias quase todos muito ocupados e, às vezes, à 4ª feira para ir aqui, ou
para sair…com certeza não venho, agora no verão sou capaz de não vir às 4ª feiras. Fora
disso venho, às 4ª e 6ªs.
E. Uma manhã e uma tarde, por semana.
e. Sim, sim, sim.
E. E é fácil organizar a sua vida? „Tava a dizer que, que também „tá um
bocadinho…
e. É, é, é. Enquanto eu tiver a saúde e a genica que tenho agora organizo, organizo tudo.
E. Consegue organizar tudo!
e. Consigo, consigo.
E. Ah, ó dona Idalina, ia-lhe perguntar como é aqui no hospital? Ou seja, para me
descrever, quando chega cá o que é que faz, a seguir, a seguir, a seguir, desde as 3
até às 5, até quando se vai embora. Quando entra na porta dirige-se aonde?
e. Às enfermarias, onde estão os doentes, não é?
E. Sim, sim.
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e. E se eles estão doentes, vamos às camas, se estão sentados, vamos conversar com eles
aonde eles estiverem, lá em cima na parte de… como é que se diz…cuidados
continuados, normalmente eles estão lá na salinha, outras vezes vamos dar uma volta
com eles na cadeira, gostam muito e, e, e, pronto, é assim que se passa o tempo. E
passa-se num instante!
E. E não, não tem nenhuma regra específica, não é? Vão passando de acordo com o
local que eles estão, é donde conversam é donde estão? Não há, assim…
e. Sim, sim.
E. Não há que dizer que primeiro vão à enfermaria ou…
e. Não, não, não, não. Às vezes passamos, outra vez não…se estivermos… “mas olhe,
eu já volto”; e vou lá outra vez, quando achamos que a pessoa que está a gostar, que
assim voltamos lá… também já tem acontecido, volta-se lá para darmos mais uma
palavrinha e pronto, ficam satisfeitos.
E. No fundo, sentem que têm ali alguém que os ouviu, é isso?
e. É, é, é.
E. Acha que essa satisfação deles é porquê?
e. É mais isso. É, é, é. Coitados porque alguns…claro, pessoal de cá é muito bom, mas
não tem essa oportunidade para os ouvir, não é? Os familiares, agora ainda pior, porque
são de longe e mesmo os de perto também não têm vida para estar aqui de uma maneira
geral, não têm, não é? E, então, ficam muito satisfeitos quando nós aparecemos, porque
ouvimo-los! E sabe tão bem como eu, que as pessoas idosas gostam imenso de falar,
falar, falar! É uma mágoa que ainda hoje tenho da minha mãe, de não a poder ouvir, não
a poder, ter podido ouvir! Porque eu ainda estava a trabalhar, embora tivesse lá uma
empregada, pois, que não a deixava sozinha, mas, mas não tinha tempo. E ainda hoje
tenho essa mágoa que não ouvi a minha mãe, coitadinha, que ela tantas vezes queria
falar e, “Ò mãe, depois logo conversamos, depois logo conversamos”. E eu noto, que é
isso que eu hoje posso dar a, a estes doentes, que querem falar e não têm com quem e
nós… e quando nós chegamos eles aliviam um bocado.
E. Já se sentem mais leves no final do dia, se calhar.
e. É, é, é! Sem dúvida, sem dúvida!
E. Ó dona Idalina e o que é que gosta mais, assim, no seu trabalho como
voluntária? Qual é a parte que mais gosta? Do que é que mais gosta?
e. Ah, eu gosto, gosto muito lá dos serviços continuados, goste de passear com eles,
gosto de conversar, alguns lá na cirurgia, nem podem conversar, não é? E lá em cima
são outro tipo de doenças, é outro tipo de doenças e eles se, se, se…não é geral, não é
regra geral, que há muitos até que nem; muitos dos que lá estão, nos continuados nem
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sempre gostam muito de conversar, mas gosto, gosto dessa parte. De lhes ajudar a dar o
lanche, dou-lhes o lanche, arranjo-lhe o pão e assim, e eles ficam todos contentes. Gosto
muito essa parte, também.
E. Ter ali alguém a dar um apoio, pois.
e. Pois. É, é, é.
E. E tem alguma coisa que menos goste?
e. Não… desde que eles nos aceitem, me aceitem, não tenho nada que goste, assim,
menos. Gosto de tudo!
E. Humm, humm. E aqueles quando não querem falar muito ou não aceitar, nesse
caso, como está a dizer, já está habituada? Como é que lida com isso?
e. Não, estou lá um bocadinho e, se for preciso, faço-lhe umas festinhas e “Pronto, então
até logo!” e assim “as melhoras!”…assim, e venho-me embora.
E. Também já está habituada, não é?
e. Pois, pois, pois, pois.
E. E olhe, e em relação à relação que existe entre as voluntárias e o pessoal do
hospital, os enfermeiros, os médicos, os auxiliares – como é que é essa relação,
assim? Como é que se dão? Como é que gerem tudo?
e. Eu dou-me bem com todos, mas acho que há uns que nos aceitam melhor que outros.
Não especifico, nem sei quem, mas noto isso.
E. E os que não aceitam, depois de uma forma geral…
e. Ai, não é não aceitam! Não é, digo, não aceitam…
E. Os que são menos receptivos era o que eu queria dizer.
e. Os que são menos receptivos, é verdade. Não estão tão receptivos à nossa presença é,
é, é.
E. E o que é que acha, o que é que eles pensam, porque é que se deve essa não
receptividade menor?
e. Não sei, não sei… se, se eles não, alguns até podem pensar, não, não é esse o caso;
toda a gente sabe, não é, que lhe poderíamos andar a tirar o emprego, não é? Mas não é
esse o caso!
E. Claro.
e. Não é esse o caso. É o querermos mandar ou, mas eu, nem nenhuma das minhas
colegas, não queremos mandar nada, Deus me livre! Nós queremos é fazer tudo de
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acordo com os doentes e com o pessoal, os enfermeiros e os auxiliares. Mas , não sei, às
vezes noto assim um bocadinho mais de…menos receptividade, talvez. De alguns!
E. De alguns. Ou acha que eles não sabem muito bem qual é a vossa função cá e
por isso que reagem assim…
e. Ah isso…, já havia muito controle…isso não sei, isso também não sei.
E. Alguma vez teve algum tipo de conflito com alguém?
e. Não, não!
E. Nem com doentes, nem…
e. Não, com ninguém!
E. E, em relação com os doentes, como é que é a vossa relação com os doentes? É
uma relação… como é que caracteriza essa relação? Ou não se consegue ter uma
relação, porque é uma passagem? Como é que é?
e. Não, é uma passagem, eles…há muitas de nós que os acompanhamos muitas semanas
seguidas, já tem havido caos de eu vir cá até fora daquele dia, por eu achar que aquele
doente, pronto, que gostou da minha presença, que está a precisar e, e, isto é um ou
outro, outros nem dão conta, não é? Quando é assim eu até gosto de vir, assim, fora
da…do meu dia, fazer uma visitinha e assim e eles ficam, ficam contentes. Acho que é
uma relação, pronto, de amizade, de colaboração com eles, de apoio e eles ficam
contentes!
E. Esses que vê, assim, fora do dia, são doentes que tem alguma empatia ou o que é
que acha que eles têm que a leva a sair de casa. Têm menos visitas ou … como é
que a dona Idalina faz essa escolha, no fundo?
e. Sim, é, é. São as visitas e foi a maneira como ele falou para mim, a necessidade que
eu achei que ele tinha de, de, de se manifestar, de se abrir, é, é isso. Também sinto
empatia, claro! E quando, quando não tem mais ninguém, há uns que são de perto, têm
visitas, mas há uns que não e manifestam o desejo de falar e de ver as pessoas…
E. Assim pessoas de mais longe, lembra-se de algum sítio, assim, mais longe, longe?
Para o norte? Para o sul? Lembra-se assim…Podem haver pessoas de todos os
sítios de Portugal…?
e. Pois, pois, pois.
E. …Neste momento, é isso?
e. É, pois, pois, pois.
E. E isso será mais difícil de vir a fazer…
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e. Aí é, as visitas, pois, pois. E esses então! Teve cá uma senhora que era de Lamego,
teve cá na Páscoa, acho que foi na 2ªfeira de Páscoa, deu entrada e ela passou cá a
Páscoa sozinha e pronto, eu achei que ela…que ela ficava contente, pois, se viesse cá.
E. Por ser uma altura, também, festiva…
e. Exacto!
E. …em que todos estão com a família, é isso?
e. Exacto, exacto.
E. E que, de alguma maneira, a senhora podia ser a família dela aqui…
e. Substituir um bocadinho, de resto também não substitui, mas de qualquer modo,
assim uma palavrinha diferente, que ela queria…
E. Então veio cá visitá-la a seguir ao Domingo de Páscoa, foi isso?
e. Humm, humm.
E. E ela ficou contente….
e. Ficou, ficou!
E. …por a ver. Eu não sei se a dona Idalina fazia voluntariado nas urgências, fez
em alguma altura?
e. Não, nunca fiz, não.
E. Eu ia-lhe perguntar se há alguma diferença, agora, entre esta forma de fazer
voluntariado no sítio dos cuidados continuados e antigamente, antes de…
e. Há um grupo que fez, que faz agora e fez as urgências…
E. Então o seu voluntariado é como? Já está habituada, é isso? Não há nenhuma
diferença entre…uma vez que não integrou…. (risos)
e. Não, não, não estive.
E. …não tem noção. Ia-lhe perguntar se quando os pacientes têm alta hospitalar se
as voluntárias têm depois algum contacto com eles? Algum ou não…
e. Sim, já tenho ido visitar alguns, que, que vão do hospital, mas agora, de uma maneira
geral, são de longe. Alguns são de muito longe, mas já tenho ido visitar alguns.
E. Foi depois que tiveram alta que a dona Idalina foi visitá-los a casa?
e. Sim, sim, sim, sim.
E. Pessoas do concelho, é isso?
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e. Pois, pois. Do concelho ou daqui próximo. Se fica longe também não vou, fico-me
mais por aqui, Anadia e arredores; assim ir para longe, também não vou.
E. Humm, humm.
e. Sendo assim para longe…
E. E essa continuidade tem a ver com aquela relação de amizade que acha que se
cria, é isso?
e. Sim, sim, a relação de amizade e de necessidade que a pessoa tem, mais uma visita,
mais a companhia, porque por vezes vão para casa e estão um bocado solidados,
solitários, também…
E. E também não é, se calhar, num porte tão grande, não é? De estar habituada a
ver, para depois deixar de ver totalmente, não é?
e. Pois, pois.
E. Se calhar também acaba por fazer uma ponte, não é?
e. É, uma ponte, é, é. Até com os familiares e depois alguns até morrem, pois, e depois
até com a família, com familiares…cá de Anadia temos alguns casos desses. Eles
morreram e eu continuo com uma certa relação de amizade com os familiares.
E. Humm, humm.
e. Com as esposas, normalmente, as mães, muitas, fiquei com uma certa relação de
amizade com essas…quando os doentes morreram.
E. E acha que essa relação de amizade é assim, porque, no fundo, também foi a
pessoa que ali esteve e que acompanhou…
e. Sim.
E....que deve… O que é que acha que, no fundo, também contribui para consolidar
essa continuidade?
e. Pois, lá está! É sempre a mesma coisa! É, é a necessidade que eu acho que a pessoa
tem de um certo acompanhamento, de um certa ajuda, ajuda…como é que eu hei-de
dizer? Ajuda humana, vá lá, que eu acho que a pessoa precisa! É, propriamente,
algumas nem têm necessidades monetárias, mas é, é, assim, essa, essa relação que se
continua por amizade, por uma palavrinha que elas gostam sempre, muito até!
E. Uma palavra amiga.
e. É.
E. Conhece outros voluntários? Conhece as voluntarias daqui…
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e. Sim, todas as minhas colegas.
E. Aqui do hospital?
e. Sim.
E. E fora do hospital?
e. Conheço, conheço a…havia um grupo que trabalhava em Sangalhos e (…). Uma está
aqui, a outra saiu. Conheci outro, qual era? As que trabalhavam no Laranjal vieram
todas para aqui, os voluntários vieram todos para aqui. Trabalhavam num lar, lá em
Sangalhos, trabalhavam…ainda era outro ponto, mas as de Sangalhos estão quase todas
aqui. Conheço algumas de Coimbra…
E. Nunca fez voluntariado em Coimbra?
e. Não, não cheguei a fazer, não.
E. Foi sempre aqui?
e. Foi, foi.
E. E têm uma boa relação todas daqui, as voluntárias? Têm?
e. Sim, sim, sim, sim.
E. Olhe, eu ia-lhe perguntar de algum episódio, de algum acontecimento que se
recorde, enquanto voluntária, que a tenha marcado mais pela positiva e pela
negativa. Se tiver algum, se não tiver…(risos) Alguma passagem, alguma coisa que
se recorde que tenha sido mais positivo e mais negativo. Tem algum que se lembre,
em especial?
e. Mas que eu tenha colaborado para isso?
E. Sim, enquanto voluntária, na situação de se estar a dar às pessoas, de ser
voluntária…
e. Pois, pois.
E. …que tenha ocorrido e que se recorde, já faz alguns anos não é? Que se recorde
mais. Um de uma forma mais positiva e outro, se calhar, de uma mais negativa.
e. Pois, a forma positiva, pois…não sei, não sei como é que hei-de explicar! (risos)
E. Tem, assim, alguma pessoa de que se lembre melhor ou que se recorde de
alguma situação melhor? Se não tiver, também não faz mal! (risos)
e. Não, em que, que gostasse mais da minha presença…
E. Que a tenha marcado mais! Que a senhora ainda se recorde, apesar de já ter
passado algum tempo…
ENTREVISTA 5
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e. Um rapazinho que esteve aí, canceroso, marcou-me muito, isso é, isso foi, bastante!
(…) pela negativa (risos) tivemos uma vez aí, éramos eu e a minha colega, um senhor
que disse que não queira nada connosco: “Caiam p´ra fora! Não quero nada com elas!”.
Eu queria dar o lanche, nós queríamos dar o lanche: “Não quero nada com elas! Não
quero nada com elas!”. E a enfermeira até nos veio perguntar se nós o conhecíamos,
quer dizer se teríamos, se haveria alguma coisa por trás, que o senhor nos conhecesse e
não nos quisesse! Não, o senhor não era de cá, nem o conhecia de lado nenhum! E o
senhor muito mau: ” Não quero nada com elas! Não quero nada com elas! Nem quero
que elas me dêem de comer, nem nada. Não quero nada com elas!” Rejeitou
completamente, completamente!
E. Foi só isso, então? Vocês sentiram-se um pouco…
e. É, é, é, é. Não interferiu em nada (risos) no nosso comportamento!
E. E acabaram por não lhe dar o lanche.
e. Não, não, não, que ele não quis!
E. Ele, ele, se calhar o que me está a referir, é que ele fez, se calhar um bocado
mais de barulho, entre aspas, do que os outros, quando normalmente não querem
ter este contacto…
e. Sim, sim, sim. Nunca tínhamos tido, assim, esta reacção, porque as pessoas quando,
não, não, não é, penso que não é com intenção nenhuma, quando não lhes apetece…
E. Podem estar cansadas ou podem ter alguma coisa da doença que…
e. Exacto, exacto, pois, pois. E pode não lhes apetecer falar! Nós temos que entender
isso. Mas este não, este estava assim, mesmo muito revoltado a falar! Foi…
E. Lá, lá aconteceu neste dia, não é? Eu, se calhar ia-lhe perguntar se teve alguma
dificuldade como voluntária, mas se calhar esta já foi uma, uma das dificuldades,
não foi?
e. Foi, foi e se eu viesse sozinha seria pior, porque eu podia pensar que o senhor tinha
alguma coisa contra mim, mas eu nem sequer o conhecia e lado nenhum! Não tinha
razão nenhuma para ter aquela atitude comigo, mas e ele falou assim para as duas, que
não queria nada com elas, (risos) e a enfermeira depois até nos perguntou se nós o
conhecíamos. Podíamos conhecer e sei lá, pensar que havia alguma coisa por trás disso,
mas não.
E. Pois já era um aborrecimento, não é?
e. Exacto, exacto, exacto. Se eu o conhecesse, se houvesse alguma coisa, mas não!
Nem sequer era nosso…
E. E mais alguma dificuldade que sentiu enquanto voluntária, fora esta que, que
acabou de contar?
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16
e. Ai, já! Dificuldades em, em, em conversar com as pessoas, em deixarmos, também e
às vezes, eles estão de tal maneira mal que querem falar, também nos marca bastante,
quando eles querem falar, o que quereriam dizer.
E.…Pois, pois.
e. E depois nós sentimos que isso, nisso há um grande sofrimento da parte deles e,
depois nem adiantamos muito, nem dizemos aquilo que nós achamos, porque isso ainda
está a ser mais, mais violento para ele, não é? Ainda o faz sofrer mais.
E. Então uma…
e. E, e…
E. Diga, diga!
e. Já se me varreu!
E. Eu ia dizer… fui eu que cortei a palavra, peço desculpa! Eu ia-lhe dizer, então,
que uma das estratégias que utilizam para lidar com essa dificuldade é não
conversar. Ter outra atitude que não o conversar, não é?
e. Exacto! É, é! Porque nós vemos que há um grande sacrifício da parte deles e que os
faz…ou outras pessoas, por exemplo, começam…vêem-nos e começam logo a chorar!
Depois aí também nós, pois, damos-lhes umas palavrinhas, um bocadinho de carinho e
assim, mas: “Pronto, pronto! Então, não diga mais nada! Não diga mais nada!”, porque
nós estamos a ver que isso as faz sofrer, não é?
E. Sim, sim, sim. Então de algum modo também é preciso ter muita sensibilidade,
não é, para poder se adaptar, pelo que me está a dizer, para se poder adaptar, no
fundo, a cada doente…
e. A cada doente, exactamente! Temos que ir…
E. … e a cada situação.
e. Pois, vendo, estudando e avaliando o que cada um precisa e aquilo que nós devemos
fazer a cada um, não é?
E. Pois.
e. Mas isto é o que a senhora queria?
E. Não! O que eu queria é que vocês digam a vossa opinião sincera…
(risos)
e. Pois, pois.
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E. Sim, com certeza! Há bocadinho referiu que os doentes, muitas vezes, lhe
referem que está…que estão no hospital, conversávamos há pouco….
e. Sim, sim, sim.
E. Qual é a sua opinião sobre o hospital José Feliciano de Castro?
e. É óptima, é óptima, em todos os aspectos! Limpeza, alimentação, as pessoas são
todas…todas! Ainda não encontrei, assim, cá ninguém que fosse brusco, sempre
muito…acho, acho que realmente está muito bem. Eu dava-lhe 100, 10, 20, 50, 100, o
máximo!
E. A pontuação máxima!
(risos)
e. A pontuação máxima, pois!
(risos)
E. E para a D. Idalina, qual é o significado de ser uma voluntária? Qual é o
significado que dá, dentro de si?
e. É o poder ajudar os outros, poder dar alguma coisa aos outros, sensibilizar-me com os
outros, portanto, quando os outros estão mal nós sentimos e estamos a…, a…, a dar
alguma coisa, que achamos que nos faz feliz também a nós, não é? Nós vamos, vamos
embora quando é esses casos assim, quando não falam, nem reagem, nem nada eu
vou…vou embora e vou triste. Então a gente passa-lhe assim a mãozinha e tal e se for
possível o Senhor faz alguma coisa por eles, porque nós não, não podemos fazer nada!
E vamos tristes porque não ouvimos, não, não conversámos com ele, mas sabemos que
ele está a sofrer e vamos, assim, angustiados, é! Mas…quando, quando é ao contrário
também vamos felizes!
E. Algumas das suas colegas, que eu já falei na 4ªfeira, referiam que, por vezes, até
sentem necessidade de ir fazer outra coisa, outra actividade, por exemplo, sei lá: ou
ir a um cinema, ou ir fazer qualquer coisa a seguir no sentido também de se
libertarem dessas histórias, não é, das histórias que a senhora está a referir. No
fundo, são vidas de pessoas que estão doentes …
e. Exacto, exacto!
E. …e que acabam por ter alguma circunstância. Também sente isso? Sente que
depois, quando sai daqui leva dentro de si…
e. Não, não… quer dizer, não vou ao cinema, nem nada, mas vou angustiada. Vou
angustiada muitas vezes por isto e, por vezes volto cá, por essas coisas todas! Por ver
que as pessoas estão a sofrer e assim… mas a gente tem que, pronto! Chega a casa e tem
que ir passando, senão, também, não valia a pena andar cá, não é? Se fosse só para nos
angustiar e apara levar para casa os problemas todos e não nos… e que não nos
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passasse, também não podíamos andar aqui, não é? Também tem que ser uma
libertaçãozinha, também tem que haver uma libertaçãozinha!
E. Não podiam cumprir o vosso papel, não é?
e. Exacto, exacto! Depois temos outros afazeres e tem de se conciliar de tudo um pouco,
não é? Mas que se sente, sente! Sente-se muito! Nós por vezes nós dizemos “Ai, que
diabo, tanto nós nos queixamos, que temos isto, temos aquilo!”. Então, perante aquilo
que nós lá vemos não temos nada, não temos nada!”
E. Acha que temos uma consciência mais profunda da nossa vida e daquilo…
e. Sim, sim, sim! Pois, aprofundamos mais, pensamos mais, aprofundamos mais a vida,
a nossa situação e a situação dos outros e…, pronto! Acho que sim!
E. Também damos valor, de uma forma diferente, não é?
e. Ah! Sem dúvida, sem dúvida! Damos mais valor às coisas boas e menos valor às
coisas menos boas, não é? Por vezes não vale nada e nós pensamos que é uma coisa tão
má! Não é má, é menos boa e também acabamos por não lhe dar aquele valor que, até
aqui, dávamos; porque há outras coisas muito mais graves, portanto, aquilo não
representa nada, não é?
E. Acaba por ser muito pequenino, não é?
e. Muito pequenina, é, é, é!
E. E já falámos, também, há bocadinho dos profissionais e dos voluntários. Na sua
opinião acha que, no fundo, estes dois âmbitos, estas duas categorias, que uma
coisa é os profissionais, outra são os voluntários, se chocam ou se complementam?
Ou as duas coisas? Em termos das suas relações, depois, dentro do hospital…
e. Sim, sim.
E. …qual é a sua opinião: chocam-se ou complementam-se dentro do todo que é o
hospital?
e. Não, que dizer, os médicos com outro pessoal ou comigo?
E. Com outros voluntários.
e. Ah!
E. Os profissionais e os voluntários.
e. Não, eu acho que, para já não…nem falam connosco, bom dia ou boa tarde, às vezes
nem dizem nada, portanto, não há, assim, aquele choque nem de palavras, nem de
atitudes, não! Há alguns médicos e algumas enfermeiras também, mas de uma maneira
geral, não nos passam cartão, assim… Mas eu não ligo nada!
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E. Acabam por não ter muita ligação, não é?
e. Sim, sim, sim! É, é, é!
E. Mas no sentido do que cada tem para fazer acha que, no fundo, se
complementam. Vocês têm… disse-me que têm bem estabelecido, não é, que não
podem fazer isto e aquilo, sem estar a perguntar.
e. Exacto, exacto!
E. No fundo, têm papéis diferentes…
e. Exacto! Pois, pois. São papéis diferentes, portanto não tem que haver choque
nenhum. Eu penso que não tinha que haver, não tem que haver choque nenhum. Cada
um tem a sua missão. Nós andamos aqui não para trabalhar, não para ganhar dinheiro,
para dar um bocadinho do nosso tempo livre, do nosso…do nosso interior e receber,
também. Nós também aprendemos muito, com, com outras, com as atitudes das pessoas,
com os doentes, com a maneira de reagir delas, que há pessoas que são uns doces, são
doentes malzinhos, mas sempre muito carinhosos, sempre muito pacientes…eu acho
que nós aprendemos também, aprende-se muito.
E. Tem algumas lições de vida, então, também!
e. Sim, sim, sim! Ai, muitas! Dão-nos muitas lições de vida. Ai, e de que maneira! Nem
quer… até me tinha esquecido disso! Dão-nos cada lição de vida! É, é! Que nós, às
vezes ficamos,” mas que grande lição de vida estas pessoas nos dão!”. E sempre bem-
dispostas, sempre com bom ar…mas, às vezes, encontramos também, assim, revoltadas,
assim… há um caso, há senhor cortou uma perna, nem quis receber ninguém uns
poucos de dias, que me contaram, tem 60…60 anos. Cortaram-lhe um dedo, isto a D.
Ermelinda veio cá numa 4ª e depois saiu comigo na 6ª à tarde, depois de eu ir daqui:
“Olha, estava lá aquele senhor, estava tão, tão esquisito!” e eu disse-lhe, “Olha, já lhe
cortaram a perna!”; “Não me digas! Ainda lá estive na 4ª!”. Portanto, na 4ª ele ainda
nem sequer sabia que ia cortar a perna, na 6ª já a tinham cortado e não aceitou, estava
muito revoltado, não queria ver ninguém, nem, nem nada! Estava completamente
isolado, estava com a porta fechada e há de tudo! Enquanto que andavam lá dois,
também com as pernas cortadas e eram uns amores! Queriam era ir passear, a gente ia
passear com eles na cadeira, vinha até cá, à porta, porque eles gostavam muito de ir até
à porta, fumavam o seu cigarrito, voltavam para dentro e, e a doença era a mesma, só
que a aceitação foi diferente…
E. O tipo de aceitação por parte de cada um, não é?
e. É diferente, é muito diferente!
E. Pretende continuar a ser voluntária neste hospital, futuramente?
e. Sim, enquanto eu puder!
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E. Ia-lhe perguntar, por quanto tempo?
e. Por quanto tempo, não sei… a idade também vai avançando, não é?
E. O que…o que é que a leva a querer continuar?
e. É o gosto que tenho por isto! Gosto! Gosto e acho que estou a fazer alguma coisa de
útil!
E. Humm, humm.
e. Pois, porque se também não fosse por isso, não valia a pena, não é?!
E. Claro!
e. Se entendesse que não vinha fazer nada, não vinha, não valia a pena vir!
E. Pois. E o que é que a levaria a desistir? O que é que levaria a D. Ermelinda a
deixar de vir?
e. Para já só um motivo de saúde, não haveria mais nada que me fizesse desistir, neste
momento! Ou saúde minha ou de algum familiar meu, não é, que eu não pudesse vir!
De resto, não tenho razão nenhuma para desistir! Se eu gosto de vir e acho que me faz
bem, até a mim! Até a mim me faz bem. Porque é que havia de desistir?
E. E na sua opinião como é que acha que a sociedade vê os voluntários? Qual é a
sua opinião? Como é que as pessoas no geral, a sociedade, vê as pessoas que fazem
voluntariado?
e. Acho que há várias…algumas acham muito bem, mas outras que…a maior parte da
sociedade vê os voluntários como …deixe-me cá ver se eu si aplicar o termo, é assim
um bocado, a se “armarem”! Desculpe lá o termo, mas, mas é assim um bocado, que eu
já tenho ouvido assim umas palavras, assim umas frases, é assim um bocadinho…não
sei, não sei aplicar o termo certo, mas “que andam aqui para se armar!”, já ouvi assim
uma expressão mais ou menos, não era bem, assim, este género, esta coisa, mas depois
arranje lá… se tiver tempo arranje lá uma palavra que eu agora não sei! (risos) Ainda no
outro dia, no outro dia não, foi logo no princípio! Eu fiz o depósito, eu ia à cabeleireira
às 6ª- feiras de tarde. Agora, para vir, eu podia ir amanhã, podia ir outro dia, mas não,
faço o depósito que é um sacrifício para compensar. E levanto-me cedo e para aí às 9hs
estou na Lisete para arranjar o cabelo. Portanto, é um sacrifício que vou ter de fazer. E
no outro dia estava a arranjar o cabelo e apareceu lá uma senhora e diz assim: ”Ai, está-
se a pôr bonita para ir logo ao hospital, não é?”. Eu fiquei assim, se a senhora…aquilo
era pejorativo, não acha? “Está-se a pôr bonita para ir logo ao hospital!” – então eu, eu
venho…tanto venho… às 4ª-feiras não venho, não fui à cabeleireira, não é? Por norma,
vou uma vez por semana e, então, venho à 6ª-feira e, por acaso, venho ao hospital
depois, mas é assim… mas não gostei de ouvir a frase, porque essa senhora já tem uma
ideia das voluntárias um bocadinho pejorativa, não acha?
ENTREVISTA 5
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E. Pois, se calhar…
e. Pois, pode ser ou não, mas eu fiquei com essa ideia!
E. E a sua família? O que é que acha da sua actividade enquanto voluntariado? Os
seus amigos, a sua família, as pessoas mais chegadas!
e. Sim, acham, acham! Uns dizem que não são capazes, que não eram capazes de vir, o
meu marido acha bem, mas acha que eu que também já estou a ficar velha, que não
posso…(risos) …A minha nora gosta muito, diz: “Ai quem me dera fazer isso!”; “então,
quando fores da minha idade, agora não podes pensar nisso; tens a tua vida, tens o teu
trabalho e não podes vir!”. Mas acham muito bem, acham… Tenho lá o meu filho que
me ajuda imenso, se for preciso…sim hoje foi preciso levar-me e o meu marido é que
me veio cá trazer e está sempre pronto para tudo – é formidável! Nesse aspecto, o que
for preciso para isso, ele vem e faz, que ele… e mesmo na conferência ir visitar as
pessoas, até levar as coisas, os produtos, que nós temos sempre que levar comida, vai
ver as pessoas e tudo, não, eles estão satisfeitos, gostam!
E. Já estamos quase a terminar! Ia-lhe só perguntar: e em relação ao Estado, ao
Governo, como é que acha que o Estado vê os voluntários? Que importância é que
lhe atribui ou não?
e. Sei lá, acha que eles que atribuem alguma importância?
E. O que é que a dona Idalina acha? (risos)
e. Eu acho que…pouca, pouca!
E. Como é que sente? Pouca?
e. Sim, eu também não tenho obrigação nenhuma com o Estado, nem pretendo, nem é
essa a minha ideia! Penso que não dão grande importância!
E. E conhece a lei? Tem algum benefício de que usufrua pelo facto ser voluntária?
e. Acho que não… Ah! Só se for estes dias ir a Coimbra visitar uma senhora e era fora
de horas e eu disse que era voluntária e deixaram-me entrar!
E. Humm, humm…
e. Só se for isso, de resto…Mas eu nem sabia que podíamos usufruir disso! De resto,
não há mais benefício nenhum. Penso que não, não sei! Eu pelo menos nunca beneficiei
de mais nada, nem quero mais nada, Deus me livre!
E. Humm, humm… esse também foi um dos únicos que, que as suas colegas
referiram, poder entrar poder entrar…
e.…para visitar. Em alguns hospitais, disseram que não eram em todos, que uns
deixam…
ENTREVISTA 5
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Pois, mas a dona, a dona… a Dr.ª Paula diz que agora estes cartões novos que davam
direito a todos, não sei, mas também fui só no de Coimbra, para ver essa senhora, que
acho quando o senhor cortou a perna, e eu fui mais cedo, ainda não eram 3hs, eram duas
e em ponto nesse dia, o meu filho foi lá pôr-me e depois trouxe-me. Portanto, eram…
ainda não eram 2hs, mas a visita era só às três e deixaram-me entrar.
E. Um bocadinho mais cedo!
e. Peguei no cartão (…) ainda não eram bem 3hs quando eu saí. De resto, não vejo mais
nada.
E. E tem orgulho em ser voluntária?
e. Perante a sociedade não, mas para mim, sinto-me orgulhosa de ser, ser voluntária.
Agora, perante a sociedade, não tenho orgulho nenhum! Nem quero!
E. E porque é que se sente orgulhosa para si, para si?
e. Porque acho… eu penso que estou a fazer alguma coisa em prol dos outros, é por isso
que eu sinto, me sinto satisfeita e orgulhosa e feliz, por poder fazer alguma coisa por
quem pode menos do que eu! De resto, perante a sociedade, não! Não sinto orgulho
nenhum!
E. E que valores, assim, é que associa ao voluntariado? Associa alguns valores?
e. Perante os doentes ou eu, eu?
E. Sim, de uma forma geral, à actividade de fazer voluntariado associa que
valores?
e. Ah, sim. Tem que se ser muito sensível, não é, tem de haver sensibilidade, carinho;
valores religiosos, não se pode medir por aí, nem todos têm a mesma religião, também
nunca entramos por aí! Mas…doação, dar-se aos outros, também é preciso, não é, temos
que ter esses sentimentos, senão não se pode ser voluntário! Espírito de sacrifício,
também…
E. Para poder dar de si sempre, não é,?
e. Pois, pois.
E. De vir sempre de forma regular…
e. Pois, pois.
E. E acha que o voluntário situa-se aonde? Na razão ou no coração?
e. Eu acho que é no coração, não é?
E. E porquê? (risos)
ENTREVISTA 5
23
e. Porque, porque se nós agíssemos só pela cabeça, não podíamos fazer aquilo que
fazemos, não era? Se fosse só a cabeça a comandar, tem que ser o coração! O coração é
que… É do coração que sai o carinho, o amor, a sensibilidade, isso tudo, não é?
E. Humm, humm.
e. Eu penso, não sei se será assim, mas…
E. Humm, humm. Eu, não… não tenho mais nada para lhe perguntar. Se quiser
acrescentar alguma coisa sobre o voluntariado que ache importante e que eu não
lhe tenha perguntado pode acrescentar à vontade!
e. Não, eu acho que me perguntou tudo…
(risos)
Eu não sei se disse tudo, se era o que queria, se era…
E. Esteve, esteve muito bem. Eu só quero agradecer o poder ter vindo um
bocadinho mais cedo…
e. Não, não…não me custou nada.
E. E de poder ter dado também…
e. Desculpe, mas é de ter esta maçada de telefonar e isso…
E. Não faz mal! Não tem importância nenhuma!
e.…mas, mas estava com medo de não vir a tempo, mas eles, por acaso, também
estavam com pressa, porque os meus filhos vão lá almoçar todos os dias, já estão
casados, estão na casa deles, mas trabalham, agora o meu filho?? já não trabalha cá, mas
os outros vão lá almoçar todos os dias e eu tenho de fazer o almoço e tenho muito gosto;
à 4ª-feira venho e adianto na véspera, tenho sempre tempo para tudo! É o que eu digo:
“Assim Nosso Senhor me dê saúde!” e esta genicazita que eu tenho ainda…
E. Muito obrigada dona Idalina, tá bem? Muito obrigada!
e. Nada, por amor de Deus! Qualquer coisa…
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