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ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS
PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)
DIREITO E PRAXIS: A PROTEÇÃO SÓCIO-JURÍDICA ÀS VÍTIMAS DE
AGRESSÃO SEXUAL E/OU VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AUTORES:
Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua (FDRP USP)
Bruna Dantas Serra (FDRP USP)
Breno Fraga Miranda e Silva (FDRP USP)
Lilian Tamy Hirata (FDRP USP)
INSTITUIÇÃO: Faculdade de Direito de Ribeeirão Preto da Universidade de São
Paulo
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DIREITO E PRAXIS: A PROTEÇÃO SÓCIO-JURÍDICA ÀS VÍTIMAS DE
AGRESSÃO SEXUAL E/OU VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua
Bruna Dantas Serra
Breno Fraga Miranda e Silva
Lilian Tamy Hirata
1. Introdução
A abordagem visa a apresentar - sob a perspectiva sociológica, práxica e
institucional- um projeto de extensão universitária baseado na consideração crítica
do direito e que se dedica à orientação e ao encaminhamento para assistência
jurídica de vítimas de violência doméstica e agressão sexual. Visa, dessa forma, a
elucidar a relação entre ciência do Direito, violência doméstica e agressão sexual, e
os desafios para a implantação das medidas protetivas às vítimas ou aos indivíduos
e grupos vulneráveis.
O projeto fundamentador comporta, entre os vários procedimentos
metodológicos, a investigação doutrinal e teórica sobre a aplicação da legislação
atinente, a preparação e realização de oficinas nas regiões de maior incidência, a
produção de material de divulgação, e a assistência direta ao público vulnerável, em
associação a uma rede de entidades protetivas. Os resultados obtidos demonstram
inserçãoe intervenção gradual, mas positiva, em especial no que tange à
emancipação sócio-jurídica dos destinatários, isto é, as vítimas de violência
doméstica e agressão sexual e/ou indivíduos e grupos vulneráveis.
Ressalte-se aqui o caráter pragmático do artigo: tem notável conexão com a
situação concreta (dimensão fática) e instiga o aperfeiçoamento da legislação e a
discussão doutrinária acerca dos direitos dos grupos vulneráveis – tais como
mulheres, crianças e adolescentes, e idosos; faz emergir, portanto, a dimensão mais
nobre da ciência do Direito, que é a praxis.
A práxis, do grego πράξις, espelha o ponto de intersecção entre o
pensamento e a realidade, mas tem acento no ser, na ação, na execução, no
resultado. Originariamente, na língua grega, tinha caráter polissêmico, significando:
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ação, ato, atividade, exercício, execução, realização, empresa, reivindicação,
manejo, intriga, maneira de obrar, conduta, maneira de ser, situação, sorte, fortuna,
destino, resultado e consequência (PEREIRA, 1957: 477); e entendemos que,
mesmo em nosso vernáculo, a palavra comporta esses múltiplos sentidos, múltiplas
facetas de uma mesma urdidura, que não são absolutamente antagônicas, mas
convergentes.
No mínimo, o termo precisa ser considerado como eminentemente dialético,
porquanto traduz igualmente os sentidos de ação, de ser, de maneira de obrar, e
também significa a realização, a empresa, como também o resultado, a
consequência, o destino e até as intrigas e as tramas sociais. E é esse, justamente,
o sentido que queremos preservar neste artigo, visando à articulação entre o
factível, o desejável, os resultados, as consequências, os destinos, as intrigas (no
sentido da conflituosidade inerente) e os demais elementos relativos ao aspecto
práxico do Direito enfrentando a violência.
Para efeito de consecução das metas expostas, que pretende manifestar o lugar
reflexivo em que situamos e do qual partimos, passaremos à exposição do
desenvolvimento do projeto. Este esculpe os direitos humanos em atividade (caráter
práxico) e, além disso, é formulado em bases interdisciplinares e críticas (destinadas
a consecução do ser do direito); assim, seus elementos axiais concernem à
extensão universitária, à assessoria jurídica universitária voltada à orientação e à
proteção das vítimas, e à atuação junto aos movimentos sociais.
2. O direito ante a violência simbólica
Miguel Reale concebe o direito como dimensão humana que reflete a um só
tempo as “perplexidades conaturais do homem” e as elaborações conjeturais
individuais e coletivas, mais ligadas aos “valores existenciais” que às “pretensas
certezas do racionalismo rigoroso e estrito” (2001, p. 144). Pode-se, assim, entrever
na expressão do autor a relação entre direito e justiça, como também que a
consecução desta mediante as expressões culturais do direito são perpassadas por
interpretações e hierarquias axiológicas, de fundamento existencial mais do que
base instrumental, técnica e racional.
Subsiste na esfera microcósmica de poder os elementos essenciais da esfera
macrocósmica, quais são reflexos e concatenações. O conjunto da obra de Michel
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Foucault manifesta essa relação com perspicácia e profundidade, enquanto também
desvenda os mecanismos de dominação no âmbito discursivo e da linguagem, de
controle da ação e de repressão/intimidação corpórea, que repercutem intensamente
nas formas de vigilância e punição existentes, desembocando no sistema
penitenciário (FOUCAULT, 2008; 2010; 2011). Há, portanto, vínculos íntimos entre
as dominações exercidas nos diversos âmbitos sociais – macro ou
microssistemáticos – e as formas de controle das ideias, das expressões e da
dimensão corpórea.
As instituições, desde a linguagem, passando pela família, a escola, as igrejas
e a instituição monumental, que é o Estado, comparecem como elementos axiais de
interpretação tanto da produção como da reprodução e manutenção das formas de
violência. Os momentos da instituição, que são imbuídos da dialética, sustentam a
ordem social e ao mesmo tempo são ameaçados pelas próprias sombras que
projetam e alimentam (LOURAU, 1970a; 1970b).
Num sentido complementar, Pierre Bourdieu aborda a questão da relação de
gêneros no âmbito da dominação. Ainda que se lhe impute certo fatalismo ao tratar
das situações como pouco modificáveis, há de se reconhecer o esforço do autor em
conceber o sujeito do sexo masculino como tradicionalmente dominador e cujas
ações estão alicerçadas nas construções de habitus, bem como nas reproduções
das estruturas sociais e dos mecanismos de controle e poder – a mulher seria,
assim, o sujeito dominado (BOURDIEU, 1998, p. 22-23; 2003).
O habitus consiste num “sistema de disposições interiores ligados à posição e
à trajetória no âmbito de um espaço multidimensional” e é associado à força das
estruturas simbólicas, cujas variantes, induzidas pelas diferentes relações com os
capitais simbólicos ou econômicos, mantêm significativa coerência estrutural e
objetiva (LEBARON, 2012, p. 160). O habitus produz disposições comuns aos
indivíduos pertencentes ao mesmo grupo social; produz mediante processos de
interiorização de princípios coletivos estimulados pelos dominadores, através da
ação pedagógica (GEAY, 2012, p. 108; ORTIZ, 1983, p. 15-18).
A violência doméstica e a agressão sexual transitam no campo dos conflitos e
das tensões de poder e sujeição. Qualquer trabalho que aborde o tema precisa
atentar-se para os sutis mecanismos que condicionam e, não raras vezes,
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aprisionam as pessoas envolvidas, mantendo círculos viciosos. As soluções
emergem das rupturas e transformações simbólicas.
3. O projeto de proteção e encaminhamentos sócio- jurídicos às vítimas
Com base nesses múltiplos apontamentos e reflexões sociológicos sobre o
Direito e o campo da violência doméstica e da agressão sexual, procuramos imprimir
concretude ao que era ministrado na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
USP, notadamente na disciplina de Sociologia do Direito. Os próprios alunos
trouxeram demandas e alguma delas, as mais urgentes e de maior abrangência,
transmutaram-se em escopos de projetos de intervenção social, com caráter de
cultura e extensão universitária.
O projeto pioneiro foi justamente o de combate à violência doméstica e agressão
sexual, primeiramente com foco na violência impetrada contra a mulher, depois
ampliado para atingir outros grupos de vulneráveis – como crianças, adolescentes e
idosos – devido à constatação no próprio desenvolvimento do trabalho de que as
diversas ocorrências de violência doméstica estão intimamente conectadas, seja
pelas causas, pelas formas de manifestação, pelas consequências ou pelos desafios
de enfrentamento, demonstrando a conveniência do combate conjunto.
O projeto está na quarta edição de patrocínio da Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão Universitária da USP, tendo recebido apoio também do Ministério da
Educação e Cultura (MEC) pelo Programa de Fomento à Extensão Universitária
(PROEXT). Além disso, obteve a primeira colocação na apresentação de pôsteres
do II Simpósio de Cultura e Extensão Universitária da USP na área de Direito,
Administração e Economia e afins, o que reputamos ao seu caráter eminentemente
profilático, à sua relevância social, sua interdisciplinaridade e ao estabelecimento em
meio a políticas públicas de redes de parceiros significativos.
3.1 A relevância da formação teórica
O projeto é rotativo quanto aos bolsistas, ou seja, a cada gestão de um ano
há a possibilidade de os bolsistas serem trocados, com o objetivo de difundirem-se
oportunidades de acesso e trabalho relativos ao tema à máxima gama possível de
alunos.
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Cada aluno pode trabalhar com o projeto na qualidade de bolsista por um
período máximo de dois anos; neste caso, quando o trabalho do bolsista se estende
ao segundo ano, o escopo é imprimir continuidade à linha de atividades elaborada
anteriormente.
Na gestão dos alunos que comparecem como co-autores deste, optou-se por
inicialmente solidificar a formação teórica, uma vez que a extensão, além de
demandar estratégias de abordagem, ações planejadas, transformação de uma
realidade emergente, percepções atentas e sensibilizadas, dentre outros fatores,
pressupõe a construção de um alicerce teórico que permita analisar e compreender
os dados da realidade a partir de uma perspectiva que não a do senso-comum.
Dessa forma, montamos um banco de dados com as mais variadas leituras
sobre o recorte violência doméstica, perpetrando áreas da saúde, da educação, da
sociologia, da filosofia, dentre outras. Essa compilação está armazenada
digitalmente, podendo ser cedida a quem, porventura, se interessar em obter
conhecimentos gerais ou até mesmo mais aprofundados sobre o tema.
Realizadas as leituras que alavancariam a extensão de fato, ou seja, o
contato com o público-alvo e a proteção sócio-jurídica propriamente dita, a diretriz
posterior foi a investigação do funcionamento das instituições do município de
Ribeirão Preto que trabalham, de alguma maneira, com a questão da violência
contra a mulher – sendo que simultaneamente foram sendo feitas outras leituras:
artigos de convenções internacionais; pareceres técnicos de Secretarias Especiais;
artigos científicos em geral; textos sobre políticas públicas; propostas de redes de
serviços; programas de prevenção, assistência e combate à violência; orientações
jurídicas a respeito de atendimento às vítimas de violência sexual; histórias do
feminismo; normas técnicas de prevenção e tratamento de violência; dados sobre a
condição do aborto no âmbito da justiça e da saúde; dados estatísticos provenientes
de pesquisas acadêmicas e de órgãos governamentais sobre a situação da
violência; detalhamentos dos diversos tipos de violência; relatórios de saúde mental;
dentre outras.
Quanto à investigação do funcionamento das instituições que lidam com
violência contra a mulher, realizou-se visita pessoal dos membros do grupo a cada
instituição, seguida de indagações aos profissionais coordenadores das mesmas. A
partir do atendimento às vítimas de violência doméstica e do acompanhamento
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estatístico dos casos ocorridos na cidade de Ribeirão Preto, através da análise de
Boletins de Ocorrência e das estatísticas publicadas no banco de dados do Sistema
Único de Saúde (DATASUS), foram aventados questionamentos sobre os históricos
dos locais de desenvolvimento das instituições, os modos de funcionamento, as
maneiras de abordagem e acompanhamento das vítimas, os gargalos, as práticas
que deram certo e as que falharam, a interdependência dos órgãos governamentais
e não-governamentais, a existência efetiva de rede de ação no município que
verifique se o fluxo de atendimento à situação de violência é eficaz, além de
questionamentos sobre processos burocráticos e suas influências no andamento das
funções. Nesse sentido, verificou-se a extrapolação de funções de uma instituição
por déficit de outra e foram pensadas possíveis soluções a curto e longo prazo para
diversas questões.
Como exemplos de locais que visitamos na esfera do município estão:
Conselhos Municipais, Delegacia da Mulher, Serviço de Atendimento à Violência
Doméstica e Agressão Sexual (SEAVIDAS), Coordenadorias, Defensoria Pública do
Estado e hospitais públicos (portas de entrada das denúncias).
As leituras e investigações práticas acima dispostas constituíram bagagem
informacional para a formulação do “Guia Violência Doméstica e de Gênero –
Ribeirão Preto”, o qual tem como objetivo principal a reunião e a apresentação das
instituições averiguadas, além da exposição de conceitos dos tipos de violência, de
instruções, de auxílios, dentre outras informações. Priorizou-se o direcionamento
dos agentes iniciantes no tema, principalmente no que diz respeito ao papel das
instituições, isto é: estruturação e administração, tempo para uma assessoria
completa das vítimas, instrumentos a serem utilizados, instituições de apoio,
recursos a serem utilizados para garantir os direitos das vítimas, desempenho, bem
como dados estatísticos (esses nos dizem, por exemplo, qual é a demanda de casos
dentro do município, em qual faixa etária e em que distritos principalmente). Tais
dados são essenciais tanto para a orientação inicial daquele que se interessa pelas
questões de atendimento/atividade direta com as vítimas, quanto para a orientação
daquele que possui interesse predominantemente teórico.
Em resumo, o guia se baseou na realização de diagnósticos acadêmicos e
populares visando, sobretudo, manter as vítimas conscientes das violações de seus
direitos e dos recursos a que têm direito, mediante uma linguagem acessível e
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desburocratizada, para irem de encontro a essas violações, ou seja: oferecer
conscientização, ampliar a cidadania, democratizar a cultura e o saber jurídico e,
dessa maneira, alcançar excelência na articulação de ensino, pesquisa acadêmica e
extensão universitária (PONZILACQUA, 2010: 161-170).
As fontes apresentadas foram trabalhadas tanto em perspectiva quantitativa
como em perspectiva qualitativa, demonstrando quais as entidades, pessoas, sites,
parceiros recorrentes, entre outros, que trabalham com o tema (campo quantitativo),
como também de que maneira as questões estariam sendo resolvidas, o
desempenho dos grupos e instituições, e os gargalos dessas instituições, já que
aspiramos sempre à melhoria no tratamento das vítimas (campo qualitativo).
Após a construção do guia anterior, caminhou-se para a construção do Guia
dos Direitos da Mulher no Brasil – Pesquisa, Cultura e Extensão. Tal Guia teve como
escopo servir de base jurídico-procedimental na orientação e no encaminhamento
para assistência jurídica de vítimas de violência doméstica e agressão sexual.
Melhor dizendo, seu conteúdo trata dos direitos básicos das mulheres nas áreas dos
direitos humanos, constitucional, civil, penal, trabalhista, previdenciário e da saúde,
além de orientar sobre os procedimentos que devem ser adotados para que esses
direitos possam ser garantidos no dia-a-dia. Sua importância se demonstra no fato
de que os alunos da extensão muitas vezes se deparam com demandas de
assessoria jurídica em seus trabalhos de campo.
Ou seja, o guia possui respostas às possíveis demandas realizadas pela
população-foco do tema. Foi construído totalmente com base no site CFEMEA
(Centro Feminista de Estudos e Assessoria), cujos textos foram atualizados e
corrigidos. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA - é uma
organização não governamental, sem fins lucrativos, cujos marcos teóricos e
políticos são o feminismo, os direitos humanos, a democracia e a igualdade racial,
isto é: ele tem como propósito contribuir para o fortalecimento do feminismo e da
democracia, incidindo nos Poderes Públicos para a garantia de direitos das
mulheres.
Interessante aos próximos integrantes do projeto ter como primeira atitude a
leitura desses guias e das obras compiladas no banco de dados, já que os mesmos,
além de permitirem a iniciação em vários campos do direito (direito civil, direito
processual civil, direito penal), instruem o aluno a agir em diversas demandas
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advindas das vítimas de violência doméstica e agressão sexual. Em muitos casos,
as vítimas, após os episódios de violência de gênero, se separam de seus
companheiros e querem informações sobre pensão alimentícia, guarda dos filhos e
divisão de bens; para tais casos a leitura mencionada certamente auxiliará o aluno a
orientar as vítimas de maneira eficaz.
Atualmente o grupo tem se empenhado para a construção de um espaço
bibliográfico e documental referencial que permita a investigação teórica ainda mais
aprofundada sobre os assuntos pertinentes ao projeto.
Todos os esforços acima citados têm possibilitado a construção de uma base
coerente aos integrantes do projeto, resultando em trabalhos diligentes,
comprometidos e eficazes na busca da robustez e da qualidade formativa.
3.2 Da conquista de espaços de educação e da orientação às famílias e
comunidades
O projeto é um pioneiro na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto no
concernente à vinculação de técnica e inserção social. No momento atual, os
projetos que abordam essas duas características estão aumentando em número e
qualidade, mas o projeto de proteção sócio-jurídica às vítimas de violência
doméstica e/ ou agressão sexual certamente pode servir de inspiração à criação de
outros projetos que agora enriquecem um dos componentes do tripé da
universidade: a extensão.
Iniciamos a conquista de espaços através da parceria com a Delegacia da
Mulher de Ribeirão Preto. Com a ajuda específica da assistente social que atua junto
à delegacia, começamos analisando: boletins de ocorrência, localizações,
legislação, infrações ou crimes contidos nos boletins e medidas a serem tomadas
nos casos apresentados; ou seja, começamos a partir da análise de alguns casos
reais, para que, posteriormente, pudéssemos pensar em possíveis políticas públicas
e, além disso, sugerir orientações para as vítimas.
Contando também com a parceria do SEAVIDAS (Serviço de Atenção às
Vítimas de Violência Doméstica e Agressão Sexual) do Hospital das Clínicas além
da ajuda da Delegacia da Mulher de Ribeirão Preto, pensamos em realizar
encontros quinzenais para reunir mulheres vítimas de violência doméstica que
necessitassem de orientação e proteção sócio-jurídica – houve até uma proposta de
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estruturação da acessoria jurídica e do grupo de mulheres, articulada pelos bolsistas
do projeto. As reuniões, porém, não chegaram a acontecer devido à escassez de
demanda. Fizemos o atendimento e a orientação jurídica de apenas algumas
vítimas, as quais procuraram o SEAVIDAS em busca de proteção e esclarecimentos
na esfera jurídica. Tais orientações nos mostraram o quão complexo é sanar todas
as dúvidas de uma vítima, ainda que os alunos estejam embasados em sólidos
aprendizados teóricos – disto pudemos concluir que o contato entre o aluno de
graduação em Direito e a prática / realidade é essencial para a formação de um
jurista consciente, humanizado e comprometido socialmente.
Tentamos uma parceria com o Conselho da Mulher de Ribeirão Preto. A
coordenadora nos propôs, inicialmente, uma parceria que seria efetivada com a
prestação de serviços em esfera jurídica (estágios) às vítimas que recorrem ao
Conselho. A carga horária de oito horas semanais por estudante, contudo, foi
inviável devido ao período integral da faculdade; além disso, um ponto nos chamou
a atenção de forma negativa: se o foco principal de nossa parceria com o Conselho
da Mulher seria o acesso a políticas públicas e a ideias que Secretarias e Ministérios
articulam atualmente para solucionar ou minimizar questões de violência doméstica,
a condição de uma contraprestação para se ter acesso a essas políticas e ideias não
parecia condizente com o apropriado. As reuniões deliberativas/consultivas do
Conselho, por lei, são abertas ao público. O contexto nos confirmou que a estrutura
permeada por políticas “favoritistas” infelizmente ainda existe no país.
Também visitamos os seguintes órgãos: Secretaria da Assistência Social;
CMAS - Conselho Municipal de Assistência Social; CREAS e Ministério Público
(inclusive em palestras, para colheita de dados).
3.3 Das oficinas como momento propício de formação de agentes
multiplicadores
Atualmente conseguimos realizar periodicamente oficinas de capacitação.
Merecem destaque aquelas que foram realizadas em zonas de maior incidência de
ocorrências de violência doméstica e de agressão sexual, segundo levantamentos
prévios.
Uma importante oficina ocorreu num espaço cedido por uma comunidade
paroquial da Vila Recreio, que compõe a região do Ipiranga, na periferia da cidade
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de Ribeirão Preto, que ostenta os maiores indíces de violência e está sob forte
ascensão dos comandos de tráfico. Havia um grupo grande de lideranças
comunitárias e famílias, entendidas como agentes multiplicadores.
Também realizamos oficinas em escolas e espaços formativos, com públicos
variados inclusive quanto à faixa etária, dando preferência aos espaços de periferia
ou aos em que há maior possibilidade de repercussão e eficácia.
Uma das mais significativas foi a oficina na Escola Paiva II, em Ribeirão
Preto, realizada em outubro de 2012 – a escola está situada num dos bairros de
maior incidência de violência e de menor pontuação no IDEB (Índice de
desenvolvimento de Educação Básica).
Compareceram alunos pré-selecionados pela diretora de ensino, homens e
mulheres que retornaram ao mundo acadêmico após, por motivos variados, terem
desistido de completar o ensino médio ou mesmo o básico quando mais jovens. Em
sua maioria eram pessoas detentoras de conhecimento notadamente experiencial,
haurido em embates contínuos e não pouco sofrimento; principalmente pela idade,
possuíam algum discernimento pessoal consolidado quanto aos assuntos ali
expostos – de um público de adolescentes, ainda que com as mesmas experiências,
costuma se deparar com mentalidades relativamente mais abertas, ainda em
formação.
Em geral, as oficinas compõem-se de dois blocos – o primeiro, em que se
recorre a elementos audiovisuais que possam produzir questionamentos e impacto
ao apresentar a realidade da violência; e um segundo momento, em forma dialógica
e participativa, em que os participantes trazem suas próprias constatações, relatos,
dúvidas e outras contribuições. Dentro de nossa proposta, entendemos essencial o
momento de ausculta, com abertura de espaço para que a comunidade possa
intervir e compartilhar, promovendo, assim, momentos especiais de debates e
interação entre os diversos profissionais que trabalham na proteção às vítimas de
violência doméstica e de agressão sexual, os alunos comprometidos com o projeto e
a população. Os envolvidos mostraram-se sempre muito interessados e
participativos, ainda quando manifestavam objeções; contaram casos de violência e
fizeram perguntas técnicas sobre a Lei Maria da Penha, sobre os procedimentos de
denúncia e representação, dentre outras.
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Para incrementar a oficina apresentamos slides preparados pelos alunos do
grupo, cuja finalidade é informar a comunidade sobre aspectos técnicos de
legislações protetivas como a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340), o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069) e o Estatuto do Idoso (Lei n.10.741),
abordando questões como: quais são os tipos de violência, o que fazer, funções da
polícia e da justiça, situações que a lei abarca, procedimentos legais e recentes
decisões do STF com relação ao tema. Enfim, tentamos empoderar os ali presentes
dos recursos a que têm direito para que se tornem agentes multiplicadores e
eficazes no combate à violência doméstica e de gênero e para que sejam
pensadores, formadores e componentes essenciais e efetivos de políticas públicas
que tratem do tema.
Almejamos a conscientização da comunidade como sociedade civil e
detentora de poderes para realizar modificações efetivas quanto às situações de
violência; dessa maneira, ampliamos os espaços de difusão da legislação e do
encaminhamento de vítimas à assistência sócio-jurídica, especialmente nas regiões
de maior incidência de casos e nas zonas de vulnerabilidade, tais como as cercanias
da comunidade religiosa.
Incrementa-se, simultaneamente, a formação dos alunos constituintes do
projeto. Eles têm oportunidade de aprimorar sua visão técnica, empírica e social,
associando-as e integrando-as numa formação global e realista.
Neste sentido, há de se destacar a atuação dos profissionais do SEAVIDAS
(Serviço de Atendimento às Vitimas de Violência Doméstica e Agressão Sexual do
Hospital das Clínicas), parceiros desde a primeira hora e que têm por mérito a
realização de trabalhos diversos na área de violência doméstica e de gênero. Sua
participação é indispensável na comunidade, seja na esfera privada, seja na esfera
pública. Muito importante fazer ver a existência dos recursos ao combate da
violência doméstica e da agressão sexual no município de Ribeirão Preto.
A presença de professor coordenador é outro elemento estratégico, por
imprimir segurança às atividades do projeto e propiciar a técnica eficaz para
formação dos agentes multiplicadores. A trajetória de vida e o preparo do orientador
também foram elementos substanciais no caso para o desvendamento dos
problemas, mapeamento, discussão e análise, dentre outras estratégias, exercendo
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ele papel específico e insubstituível, e ao mesmo tempo capacitando os alunos para
criarem autonomia de aprendizado.
A oficina foi finalizada com a entrega de um folheto informativo contendo as
etapas de denúncia dos casos de violência doméstica e de gênero, além dos
principais endereços e telefones dos órgãos competentes a auxiliar no município de
Ribeirão Preto, atingindo, assim, outra das finalidades almejadas: ampliar a
elaboração e/ou multiplicação de material de esclarecimento acerca da legislação e
dos direitos de proteção às vítimas de violência doméstica e agressão sexual.
Para os alunos bolsistas uma meta característica das oficinas é o de criar e
manter um vínculo com os participantes, com eles, então, debatendo,
acompanhando as discussões, além de propondo novos encontros, tendo-se em
vista o aprimoramento dos conhecimentos relacionados ao tema escolhido.
A variedade de opiniões defendidas contribui imensamente para um debate
amplo e produtivo, não limitando a experiência da oficina a uma simples exposição
das informações que constituem o mundo teórico – obstáculo potencial a ser
enfrentado e superado pelos neófitos das disciplinas jurídicas.
No concernente à educação de crianças e adolescentes, muitas vezes,
mesmo havendo a compreensão das teses trazidas pelos bolsistas, muitos pais ou
responsáveis alegavam que a prática traz mais contrapesos do que os previstos pela
teoria, levando- os a optar pelas medidas que, se não perfeitas, consideram menos
prejudiciais.
De modo geral, as oficinas e o contato com as populações atingidas pelos
assuntos abordados imprimem consciência social e ao mesmo tempo favorecem a
análise critica do Direito; ou seja, propiciam interação e trocas relevantes de
saberes, permitindo não só a evolução cognitiva ampla, como também enfatizando o
caráter contínuo do trabalho, que deve ser realizado para a conscientização da
sociedade como um todo, em prol de diversos princípios e liberdades comumente
esmagados pela violência em suas várias vertentes.
A partir das experiências anteriores, pode-se agora passar a pensar em
aprimoramentos, para que as próximas se tornem ainda mais úteis no processo de
empoderamento de direitos da sociedade civil.
Como já demonstrado, no entanto, o sucesso da ação centrada nas oficinas e
no trabalho de campo decorre da elaboração e da atuação conjunta dos envolvidos:
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discentes, docentes, técnicos e parceiros – todos em prol de uma causa comum,
com reavaliação permanente dos objetivos, linguagens e procedimentos
metodológicos.
3.4 O aprendizado interativo: a participação em eventos e a troca de
informações e experiências.
Os bolsistas participaram de importantes eventos científicos relacionados à
proteção jurídica das vítimas de violência ou à inserção do Direito na sociedade. Um
dos mais frutuosos seguramente corresponde ao II ENADIR (Encontro Nacional de
Direito), realizado na cidade de São Paulo, em Setembro de 2011. Foram colhidas
várias informações referentes à violência doméstica e de gênero (Expectativas da
vítima quanto à justiça; Mudança do quadro atual através de micropolíticas; Juizado
que cuida de violência doméstica possui equipe multidisciplinar, além de assessoria
da Defensoria Pública, a qual possui um papel chave na ocasião; Medidas protetivas
em prática; Foi constatado que as mulheres obtinham as respostas almejadas
quando rompiam com a fronteira da delegacia (desqualificação da situação) – o mais
difícil é fazer o processo seguir adiante; Mulheres esperavam por proteção e
segurança mais do que pela sanção ao parceiro; Negociações obsoletas nas
audiências preliminares; Desistências na continuidade do processo estão
aumentando (32%); Mulheres são olhadas como fundamento jurídico pelo operador
do direito; Juizado criminal: completo desamparo), à violência doméstica contra a
mulher e as economias jurídicas (Dificuldade de acesso a promotores e juízes;
Análise de manifestações escritas de promotores e juízes; Emprego de valores
subjetivos no desenrolar dos processos por parte dos operadores do Direito;
Conceito de “religião civil”: quem detém a linguagem, detém o poder e a verdade;
Receio por parte dos juízes em mexer na posição social masculina nos processos
(Assim, o ditado “em briga de marido e mulher não se mete colher” ainda vale);
Apego excessivo aos rituais e fatos; Invocação da legitimidade masculina de
controle sobre a mulher); à Lei “Maria da Penha” / Lesbofobia (Art. 2°, inciso 7°:
conceito de violências psicológicas; O campo jurídico não aborda completamente a
compreensão sobre “violências”; Judicialização de violências psicológicas; Costume
com a realidade de dor está mudando; Delegacias alegam que a lei “Maria da
Penha” nada tem a ver com lesbofobia; “Estupro corretivo”: homem estupra lésbica
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para “corrigir” sua orientação sexual; A lei “Maria da Penha” prevê punição para
violência doméstica entre casal de lésbicas), ao uso do Direito em um Contexto não-
jurídico (ONG’s), como também referentes a Cultura, Política e Democratização;
Análise dos discursos dos Operadores do Direito no Campo da Violência Doméstica;
Violência e Lei Maria da Penha entre Indígenas.
Da exposição acima, podemos aquilatar a abrangência das temáticas
relativas ao tema da violência doméstica e agressão sexual e o incremento formativo
dos alunos - o que lhes confere maior habilidade no manejo com os grupos que
recebem assessoria e com as instituições que lidam com tais grupos.
3.5. Estatísticas e análise dos dados de violência doméstica e de gênero no
município de Ribeirão Preto e as instituições da rede de combate
A partir da exposição de como a extensão universitária permeia o tema, faz-se
possível um panorama estatístico do Município de Ribeirão Preto no que se refere à
violência doméstica e de gênero, além de breve apresentação das instituições locais
que trabalham com a temática.
Para isso, iremos considerar, sobretudo, os dados levantados pela Secretaria
Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, do período de 2006 a 2011, sendo que os
dados de 2011 somente correspondem ao primeiro semestre do ano.
Com relação ao coeficiente de incidência, por 100.000 habitantes entre o
período considerado e por distrito (região) de residência da vítima, percebemos um
crescimento geral dos casos de violência na cidade. Os distritos Norte e Oeste
apresentam maior incidência de casos e os distritos Central e Sul apresentam menor
incidência. A análise que se faz é que o número baixo de incidências na zona rural
não reflete, necessariamente, a realidade de casos de violência em tal região, mas,
eventualmente, a baixa procura das vítimas aos órgãos e instituições de denúncia. A
menor incidência nos distritos Central e Sul pode ser, entre outros fatores, pela
proximidade da rede de combate á violência em geral, como delegacias, fóruns,
hospitais, defensorias, além de ser a região de maior alcance das movimentações
sociais e políticas públicas para conscientização de não violência.
Com relação aos tipos de violência, percebe-se que as mais recorrentes nas
queixas são físicas e psicológicas. Destaca-se o fato da ocorrência de violência
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financeira patrimonial estar aumentando ao longo dos anos, o que pode estar
relacionado, em um primeiro momento, à maior percepção das vítimas sobre os tipos
de relação que envolvem o tema como um tipo de violência.
Quando consideramos o tipo de relação do agressor com a vítima, percebemos
a predominância dos vínculos conjugais. Na grande maioria das vezes, são os
cônjuges, ex-cônjuge e namorados os principais agressores.
Os dados sobre violência em Ribeirão Preto, quando consideramos o sexo da
vitima, apontam para o predomínio da mulher em relação ao homem, já que são
apenas 1/5 dos casos, em media, que envolvem o homem como vítima.
Quanto à frequência dos casos de violência no município de Ribeirão Preto, no
período de 2003 a 2011, em cada 100.000 habitantes, percebe-se um aumento
brusco dos anos de 2003 para 2004 e 2005 para 2006, o que pode ensejar,
principalmente no último período citado, uma atenção maior do município frente aos
casos de violência e, por conseqüência, uma política pública de notificação
compulsória de casos, além do incentivo a políticas e campanhas que façam atentar
para a importância da denúncia.
Com relação à cor ou etnia, a branca é a que revela a maior incidência de
violência, seguida pelas cores parda e preta, sendo que os números relacionados a
amarelos e indígenas são irrelevantes. Com relação às cores que mais sofrem
violência (branca, parda e preta), todas apresentam um aumento digno de atenção
no período que vai de 2006 a 2011 (com raras exceções).
Já no que se refere à idade, a violência aumenta progressivamente do zero até
os dezenove anos, atingindo seu ápice no intervalo que vai dos vinte aos 29 anos de
idade, sendo que após isso se reduz progressivamente até se tornar mínima em
idades maiores que 70 anos, descrição que se cumpre em todos os anos
analisados, de 2006 a 2011(SEVERI, PONZILACQUA, 2012).
Ribeirão Preto, como município que tenta manter uma rede de proteção e
combate à violência doméstica, conta com o apoio de instituições criadas para
pensar políticas públicas, fiscalizar medidas, articular a sociedade no combate à
violência, proteger e defender direitos violados das vítimas, entre outras inúmeras
17
atividades. Os trabalhos de extensão possibilitaram o contato com várias dessas
instituições e análise das mesmas, assim, segue abaixo breve exposição sobre
algumas das mais importantes.
De início, temos o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, do qual listaremos
algumas incumbências, a saber: deliberar, normatizar, fiscalizar e executar políticas
relativas aos direitos da mulher; ser um centro permanente de debates entre os
vários setores da sociedade; fiscalizar o cumprimento de leis que atendam aos
interesses das mulheres; sugerir ao Poder Executivo e à Câmara Municipal a
elaboração de projetos de lei que visem assegurar ou ampliar os direitos da mulher;
deliberar, estabelecer diretrizes de funcionamento e critérios gerais relativos à
organização e funcionamento do Abrigo de Mulheres e sua relação com a
comunidade; entre outras ações.
Outra instituição de papel importantíssimo é a Delegacia da Mulher, a qual
realiza atendimento e apuração de crimes praticados contra as pessoas do sexo
feminino, bem assim atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência.
Além disso, quando necessário, encaminhamento desses aos órgãos competentes.
Qualquer delegacia pode efetuar qualquer registro, ou seja, a delegacia da
mulher pode registrar ocorrência de alguém que foi furtado e foi fazer o Boletim de
Ocorrência lá. Entretanto, a especialização da Delegacia da Mulher são casos em
que a vítima de violência é mulher, adolescente ou criança.
Com relação às políticas públicas, é uma área muito deficiente na cidade, pois
não há interesse político em desenvolvê-la. O acompanhamento psicológico
insuficiente da vítima atrapalha demasiadamente a devida aplicação da legislação
de proteção à mulher. Há a intenção de montar um projeto responsável pela devida
assistência às vítimas, com a participação de psicólogos, assistentes sociais,
profissionais da saúde, entre outros. Já há, inclusive, um espaço físico pronto, mas
nunca se conseguiu desenvolvê-lo por falta de interesse do Poder Público em
fornecer recursos.
De acordo com a delegada, em um mês, correm cerca de 600 inquéritos na
Delegacia. Das vítimas que registram boletim de ocorrência, apenas cerca de 30%
decide prosseguir com a representação. Dentro desses 30%, aproximadamente 50%
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se retratam na delegacia, ou seja, “desistem”, por assim dizer, de dar
prosseguimento ao inquérito. Fora isso, das que seguem até o final, ainda há as que
desistem da causa em juízo. Por fim, na prática, poucos agressores realmente são
penalizados. As mulheres justificam que vão à DDM apenas com o intuito de “dar um
susto” no agressor, mas não querem que o mesmo seja intensamente penalizado ou
preso, fato que deixa a DDM de “mãos atadas” e contribui com a impunidade dos
agressores.
Na opinião da delegada, isso se deve à falta de eficaz acompanhamento
psicológico da vítima, a qual tem, em muitos casos, uma dependência emocional em
relação ao agressor. Por isso, conforme citado antes, a devida aplicação da lei é tão
difícil de ser obtida.
Na análise estrutural da DM, diagnosticamos que há profissionais competentes
no trabalho com as vítimas de violência doméstica, no entanto, os fomentos às
políticas públicas e iniciativas de projetos ligados ao melhoramento nos processos
de atendimento aos que têm seus direitos violados deixam a desejar, o que acaba
interferindo na eficiência da lei, a qual é criada almejando à excelência, mas
encontra diversas dificuldades devido a determinadas incúrias.
Em termos de difusão e implementação de políticas de inclusão e defesa das
mulheres, também temos como instituição a Coordenadoria da Mulher. A iniciativa
de criação tem base nas estatísticas municipais analisadas, que mostram que a
Delegacia da Mulher atende de 20 a 30 mulheres por dia, vítimas de violência
doméstica, onde o agressor é geralmente o marido, o companheiro, o namorado. No
ano de 2009, por exemplo, foram registrados cerca de quatro mil boletins de
ocorrência, sem contar as agressões que não são levadas ao conhecimento da
autoridade policial.
A CM atende mulheres vitimas de violência doméstica. Possibilita proteção a
integridade física, sexual e psicológica, moral e patrimonial a mulheres vitimas de
violência doméstica, além de promover sua auto-estima, sua reintegração social e
defesa de seus direitos como cidadã. A instituição, mesmo tendo sido criada
acessoriamente, tem atuação primordial, já que a Delegacia da Mulher fica, muitas
vezes, acuada pelo grande número de denúncias de agressão contra a mulher.
19
Por fim, temos como instituição extremamente relevante no combate à
violência doméstica contra a mulher, o Serviço de Atendimento à Violência
Doméstica e Agressão Sexual (SEAVIDAS).
O SEAVIDAS é um trabalho do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto- USP, que tem se dedicado a estudar as estratégias para a
implantação de uma assistência humanizada a vítimas de violência. Tem como
objetivo, promover a interlocução dos serviços e equipamentos públicos do
município para prevenção da violência e para efetivação de uma Rede de Apoio
subsidiando os profissionais da saúde em suas ações e procedimentos. Com vários
parceiros no município, o SEAVIDAS vem desenvolvendo recursos para informação
e capacitação de profissionais, através de reuniões, supervisões, treinamentos e
sensibilizações, para intervenções eficazes.
Por fim, considerando toda a evolução teórica e empírica obtida nos processos
de combate à violência contra a mulher, após a análise da grande maioria das
instituições que lidam com tal processo, concluímos que ainda assim é preciso
atentar para a contínua necessidade de desenvolvimento, afinal, diante de casos tão
atrozes quanto os de violência doméstica, os quais desrespeitam e reduzem a
dignidade feminina devido a padrões machistas de sociedades retardatárias, faz-se
prioritário o processo de criação de respostas compatíveis com a extensão das
atrocidades cometidas pelo agressor e também resolutivas, já que devem por fim a
situações que, sabemos, são dignas de reprovação moral, legal e cultural.
3.6. Em busca de aprimoramentos
A ideia que ora nos assiste é manter o encaminhamento das vítimas para as
medidas protetoras, aprimorando as técnicas de abordagem e solução, enquanto
envolvemos o máximo possível de agentes multiplicadores em momentos fortes de
formação e profilaxia.
Esperamos também consolidar o processo de elaboração de subsídios para
políticas públicas de proteção à mulher. Trata-se de um escopo ambicioso, mas
viável e possível. Os primeiros passos já foram dados no sentido da aquisição da
base teórica necessária e do confronto com a realidade das vítimas e vulneráveis, os
verdadeiros protagonistas do processo de transformação da violência. Por isso,
concebemos como essencial o processo de construção dialógica das identidades e
20
alteridades, fomentando a ausculta, a começar pelos próprios operadores e
desenvolvedores do projeto.
Somos conscientes de que ninguém melhor do que quem vive a situação de
violência para opinar e construir maneiras de evitá-la, mas é necessária a ajuda dos
profissionais da área, por óbvio. Por consequência, a constituição de parcerias é
essencial. Assim, a proposta é consolidar, de forma permanente, as parcerias com
instituições que promovam o acesso às vítimas ou contribuir para o aperfeiçoamento
das modalidades de acesso daquelas com as quais trabalhamos. Por outro lado, é
forço fomentar a prática frequente e continuada da assessoria para obtenção de
resultados abrangentes e eficientes. Um dos elementos estratégicos é o
estreitamento de relações com a Defensoria Pública e órgãos congêneres através
do NAJURP (Núcleo de Assistência Jurídica Popular de Ribeirão Preto), da FDRP.
Os resultados neste setor ainda exigem maior empenho no prosseguimento do
trabalho, possivelmente com alunos que integrem estágio profissional com as
atividades de cultura e extensão.
Encaminhar as vítimas de violência doméstica e/ou agressão sexual
atendidas para as instâncias de proteção jurídica é um objetivo que não foi
completamente alcançado devido à demanda restrita ao órgão com o qual firmamos
parceria (SEAVIDAS), o que pode ser melhorado através do empenho em novas
parcerias e através de melhor conscientização e divulgação da acessória disponível,
o que deve causar maior interesse nas vítimas em nos procurar.
Almejamos ainda o estabelecimento de reuniões periódicas, ao menos
mensais, com um grupo de apoio formado por líderes comunitárias e vítimas a fim de
se discutirem e proporem mecanismos de redução da violência parece ser um dos
passos mais complexos, já que envolve aspecto volitivo, ou seja, conta com a
colaboração das vítimas e dos profissionais, se empenhando em participar de
reuniões, debates, elaboração de políticas públicas e métodos de mitigar a violência.
Os resultados obtidos até o presente demonstram o desafio dessa interação entre
público-alvo, operadores do Direito e demais profissionais envolvidos. Várias
tentativas foram realizadas, mas ainda não atingimos a situação ideal, sequer
confortável. Por isso, reconhecemos que a persistência e perseverança no método
logrará resultados a médio e longo prazo.
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Colaborar para reduzir os índices de violência e agressão relativos às vítimas
de violência doméstica e agressão sexual atendidas pelo SEAVIDAS e nos espaços
mais afetados na região de Ribeirão Preto é uma das maiores conquistas do projeto,
ainda que parcial, sendo que há pela frente inúmeras possibilidades de locais para
apresentação de oficinas e proposição de debates. Precisamos, contudo,
reestruturar e incrementar os métodos de avaliação dos procedimentos e resultados
– processo já iniciado.
Uma grande e inegável conquista que vem sendo obtida é a de propiciar
campo de formação teórica e técnica aos alunos envolvidos no âmbito dos direitos
de cidadania e igualdade, já que significativo é o aprendizado através da imensa
gama de leituras, conhecimento de leis e interações com profissionais e vítimas,
imbuída de inserção no cotidiano e formação interativa sobre o tema.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensamos que é finalidade do projeto imprimir espírito de solidariedade e
comprometimento social nos alunos do curso de Direito, bem como ampliar a sua
perspectiva sobre os desafios sociais e a situação de exposição das vítimas de
violência doméstica e agressão sexual. Tal finalidade vem logrando êxito. Os alunos
reconhecem que acabam por se “viciar” na solidariedade e no engajamento social,
despertando-se para o imponderável na “redoma” pasteurizante do espaço
acadêmico. Em verdade, disciplinam-se na alteridade, conscientizando-se da
necessidade de condutas diferenciadas, alicerçadas em práticas cotidianas, éticas e
responsáveis, cujo mecanismo é acionado pela mudança de mentalidade operada
após o contato com a realidade fora dos muros da universidade. Uma vez iniciada,
essa conscientização é automaticamente adotada em todos os pensamentos e
ações e, portanto, assume um caráter de certo modo irreversível, porque os rumos
existenciais mudaram de trajetória e até de órbita. Isso faz com que o processo de
formação do aluno caminhe para a excelência.
Por outro lado, o projeto ainda incrementa o conhecimento teórico e técnico
especializado no âmbito da proteção das vítimas de violência e/agressão sexual. Em
síntese, como escopo e relevância, busca-se obter uma formação jurídica ao mesmo
22
tempo consistente e de responsabilidade social, o que é alcançado com agudez a
cada edição do projeto.
Do ponto de vista acadêmico, ganhamos experiência com relação ao método
expositivo de informações, além de aprofundamento no tema proposto; ou seja,
como as ações se desenrolam fora das páginas das doutrinas, o que é de extremo
valor para nós que futuramente teremos de aplicar estas na prática, influenciando a
proposta de vida de cada indivíduo com a qual teremos de lidar dentro da esfera do
Direito. O Direito exige o discernimento de que papeis não são apenas papeis, mas
escolhas comprometedoras que atingem futuros, liberdades, estruturas individuais e
a própria concepção de direitos; desse modo, fica bem mais fácil conceber os
direitos fundamentais como inalienáveis e invioláveis. E esse tipo de aprendizado, já
o contato e a interação com a comunidade podem proporcionar.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que permite a aquisição de cultura
acadêmica e erudição jurídica, a realização da extensão também permite o
estabelecimento de processos comunicativos genuínos, num passo significativo em
direção à configuração de outro universo de conhecimento e incremento cultural,
eminentemente práxico, e, se não mais importante, mais abrangente, envolvente e
existencial, num patamar de conhecimento transdisciplinar.
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de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; dá outras providências.
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