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EM BUSCA DA POTÊNCIA DE AÇÃO: Educação Ambiental e Participação na
agricultura caiçara no interior da Área de Proteção Ambiental de Ilha Comprida, SP.
ALESSANDRA BUONAVOGLIA COSTA-PINTO
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIA AMBIENTAL (PROCAM) DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)
COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM
CIÊNCIA AMBIENTAL
ORIENTADOR: PROF. DR. MARCOS SORRENTINO
SÃO PAULO
- 2003 -
MEU CARO SPINOZA,
VOCÊ É MESMO SINGULAR. ATRAVÉS DOS
SÉCULOS CONTINUA DESPERTANDO
ADMIRAÇÕES FERVOROSAS, OPOSIÇÕES,
LEITURAS DIFERENTES DE SEUS LIVROS, NÃO
SÓ NO MUNDO DOS FILÓSOFOS, MAS
CURIOSAMENTE, ATRAINDO PENSADORES DAS
MAIS DIVERSAS ÁREAS DO SABER, ATÉ
DESPRETENCIOSOS LEITORES QUE INSISTEM,
EMBORA SEM FORMAÇÃO FILOSÓFICA (E ESTE
É O MEU CASO), NO DIFÍCIL E FASCINANTE
ESTUDO DA FILOSOFIA.
NI S E D A SI L V E I R A
E M S E U L I V R O C A R T A S A SP I N O S A E D I T O R A FR A N C I S C O AL V E S , RJ , 1999
AGRADECIMENTOS .
Ao PROCAM por ter acolhido esta pesquisa e possibilitado seu desenvolvimento; aos seus funcionários, em especial Luciano e Maria José, pela atenção;
À FAPESP por ter apoiado financeiramente este estudo;
Ao parecerista-FAPESP pelas contribuições que trouxe para o desenvolvimento e aprofundamento da pesquisa;
Ao Marcos Sorrentino, querido orientador, pela amizade, dedicação e compromisso que ajudaram a iluminar minhas buscas, trazendo um colorido próprio paras as linhas e entrelinhas desta dissertação;
À Maria Rita Avanzi (Rio), companheira de olhos agudos e ouvidos atentos, que de forma sempre criativa se fez presente nos últimos anos, permitindo assim que nossas trocas transformassem sonhos em realidade;
Às integrantes do Grupo de Educação Ambiental: Érica Speglich, Vivian Gladys de Oliveira, Alik Wunder, Maria Rita Avanzi, Caroline Ladeira e Rita Nonato pelas saborosas trocas intelectuais e afetivas que contribuíram para nosso amadurecimento pessoal e profissional, brindando sempre a diversidade de olhares e formas;
À Alik, Érica e Rio mais uma vez obrigada pela leitura e contribuições que vocês trouxeram para versão final deste texto;
À Isabel Carvalho, Pedro Jacobi, Bader Sawaia e Fábio de Castro pelas valiosas contribuições advindas da atenta leitura do texto de Qualificação que muito contribuíram para amadurecimento desta pesquisa;
Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da UNICAMP na forma de seus pesquisadores e funcionários, em especial, Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni, Fábio de Castro, Paulo Inácio Prado, Celso Lopes, Pedro Silveira, Allan Monteiro e Rossano pelas diferentes trocas que tivemos e que possibilitaram a visualização de diversas facetas da complexa realidade do Vale do Ribeira, além de Neusa e Robson pelo apoio logístico.
À Fabiana Victor pelo carinho e cuidado com que fez a revisão deste texto.
À Helena Heloísa Ribeiro pelo abstract e também pela alegria, sempre inspiradora, do seu jeito de ser;
Ao meu pai, Guilherme, pelo apoio, principalmente na fase final dessa dissertação, e pelo amor que sinto por você;
Aos tios Cristina e Marcelo pelo aconchego e carinho de seu apoio sempre generoso;
À Cidinha por sua espontaneidade; a Sá pelas degustações e Bu pelas texturas e cores. E às três pela cumplicidade e simplicidade de nossa amizade sincera que nos permite compartilhar vivências recheadas de muito carinho;
Ao Chico (Francisco Corrales), colega de mestrado e amigo, por tudo que compartilhamos, construindo e/ou desobstruindo, durante essa nossa caminhada;
À Kellen Junqueira, pelo aprendizado advindo de nossa convivência e pela delicadeza das imagens produzidas tanto pela sua câmera fotográfica como pela filmadora que gerou o vídeo “Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada”;
À Carol pelo belíssimo livro de Nise da Silveira e pelas cantorias;
À Sandra Benedetti pelas maravilhosas indicações bibliográficas e pela amizade que vem sendo construída;
Aos queridos amigos Lica, Leila, Alci, Karla, Cristiano, Érica, Perci, Silvia Fonseca, Paulo Mandato, Silvia Avanzi e Seu Zézinho pelo carinho e brilho de nossa convivência;
À Claudinha Lammoglia, Macu e Cris Bonfiglioli por conta dos deliciosos reencontros que a vida nos proporciona;
À Susana Dias, Shaula, Caio, Teca, Élio e Marli Wunder, Ana Paula Coati, Japi, Gi, Lúcia e Monge pela amizade e bons momentos compartilhados;
À Fátima Mota pela alegre suavidade de nossa convivência;
À Saeko, à Júlia Isvara e à Cristina Buthi pelo aprendizado e apoio nos momentos difíceis;
Ao Sushi, à Alana e à Fulô...
E finalmente a todos os moradores de Pedrinhas que sempre me receberam e acolheram com grande carinho, alegria e disposição por tudo que trocamos e aprendemos juntos – obrigada!
As imagens presentes nesta dissertação foram impressas em papel 100% reciclado e o texto em papel livre de cloro.
SUMÁRIO .
ABREVIATURAS E SIGLAS............................................................................................... i
LISTA DE QUADROS........................................................................................................... ii
RESUMO................................................................................................................................. iii
ABSTRACT............................................................................................................................. iv
APRESENTAÇÃO.............................................................................................................................. v
1. CENÁRIO DA PESQUISA......................................................................................................... 1
1.1 O Grupo de Educação Ambiental..................................................................... 3
1.1.1 Um pouco mais sobre o Grupo de Educação Ambiental......................... 8
1.2 Sobre o Vale do Ribeira.................................................................................... 12
1.3 Município de Ilha Comprida.............................................................................. 14
1.4 Unidades de Conservação, legislação ambiental e população local................ 17
1.4.1 Garantias formais de direitos à participação e a fragilidade de sua........ prática
23
1.5 A escolha de Pedrinhas.................................................................................... 26
2. REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE ............................................ EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PENSAMENTO ESPINOSANO
29
2.1 Concepção teórico-metodológica de Educação Ambiental que orienta........... esta pesquisa-intervenção
30
2.1.1 Buscando uma relação horizontal entre saberes.................................... 34
2.1.2 Tecendo caminhos entre a teoria e a prática.......................................... 38
2.2 Sobre o conceito de participação..................................................................... 41
2.3 Breve contextualização do pensamento espinosano....................................... 48
2.4 Sobre potência de ação.................................................................................... 53
2.4.1 Noção comum: transforma-ações........................................................... 59
2.5 Existo, logo penso: a epistemologia espinosana.............................................. 63
2.5.1 Liberdade: autonomia no sentir, pensar e agir........................................ 67
2.5.2 Pensamento político: alguns fragmentos................................................ 70
3. PEDRINHAS: SUA GENTE, SUAS HISTÓRIAS, FESTAS E MODOS DE VIDA 74
3.1 A peculiar ocupação de Pedrinhas: entre o padrão urbano e o território......... caiçara
78
3.2 Andanças pelo bairro........................................................................................ 80
3.2.1 A igreja católica, o padre e a organização comunitária........................... 84
3.2.1.1 Andores, flores e reflexão............................................................... 85
3.3 O trabalho de hoje e dantes............................................................................. 90
3.3.1 Mutirões, ajutórios e pujuvas: o trabalho coletivo na dinâmica cultural... do caiçara
94
4. A TRAJETÓRIA DA PESQUISA................................................................................... 99
4.1 Aprofundamento teórico-metodológico............................................................. 100
4.1.1 As fases da pesquisa-intervenção........................................................... 103
4.1.2 Outros elementos desta pesquisa-intervenção....................................... 114
4.2 Caracterização das atividades do grupo do plantio e de seus integrantes...... 121
4.2.1 Um pouco da dinâmica do Grupo do Plantio........................................... 122
4.2.2 Os participantes....................................................................................... 127
5. APRENDIZADO DA PARTICIPAÇÃO COMO PROCESSO..................................... 135
5.1 Relação entre trabalhos coletivos de ajuda mútua e participação................... 136
5.1.1 Caleidoscópio: fragmentos que compõem e decompõem encontros...... 138
5.2 Participação: o olhar dos moradores de Pedrinhas.......................................... 139
5.3 Fluxos e refluxos na apropriação das causas.................................................. 142
5.4 Noções comuns: um processo em movimento................................................. 149
5.5 A compreensão das causas e a construção da autonomia.............................. 151
5.5.1 Práticas culturais, modos de vida e critérios para decisão...................... 152
5.6 Tristes encontros.............................................................................................. 155
5.7 Participação como potência de ação................................................................ 160
5.8 Diálogo de saberes?......................................................................................... 162
6. UMA TESSITURA............................................................................................................ 166
6.1 A procura de avaliadores.................................................................................. 167
6.2 Potência de ação e a construção de uma prática educativa............................ 174
6.3 Considerações finais........................................................................................ 180
ANEXOS.................................................................................................................................. 187
A. Quadro 5: resumos dos campos realizados....................................................... 188
B. Estatuto de funcionamento do Grupo do Plantio................................................ 194
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 195
APÊNDICES........................................................................................................................... 204
I. Participação do Grupo de educação Ambiental em congressos, ....................... seminários e encontros
205
II. Mini-cursos ministrados pelo Grupo de Educação Ambiental............................ 206
III. Publicações do Grupo de Educação Ambiental................................................ 207
i
ABREVIATURAS E SIGLAS . APA/CIP - Área de Proteção Ambiental de Cananéia-Iguape-Peruíbe
APA/IC - Área de Proteção Ambiental de Ilha Comprida
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
EA – Educação Ambiental
EEJI – Estação Ecológica Juréia-Itatins
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FE – Faculdade de Educação
GP – Grupo do Plantio
Grupo EA – Grupo de Educação Ambiental
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IC – Ilha Comprida
IG – Instituto de Geociências
PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira
PMIC – Prefeitura Municipal de Ilha Comprida
PROCAM – Programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da USP
RN – Recurso Natural
RP – Reunião do Plantio
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UC – Unidade de Conservação
UNESP – Universidade Estadual Paulista
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
USP – Universidade de São Paulo
ZOC – Zona de Ocupação Controlada
ZU – Zona Urbana
ii
LISTA DE QUADROS .
QUADRO 1: APA ESTADUAL DE ILHA COMPRIDA - MACROZONEAMENTO 20
QUADRO 2: ATIVIDADES DO GP QUE POSSUEM REGISTRO FORMAL 111
QUADRO 3: REUNIÕES DO PLANTIO- OBJETIVOS E RESULTADOS 121
QUADRO 4: CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA 1ª FASE DO GP 129
QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS 188
QUADRO 6: CONGRESSOS, SEMINÁRIOS E ENCONTROS 205
QUADRO 7: MINI-CURSOS MINISTRADOS PELO GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL 206
iii
RESUMO . A presente dissertação procura incorporar o pensamento do filósofo holandês do século XVII Baruch de Espinosa a práticas de educação ambiental, visando o fortalecimento do sujeito, individual ou coletivo, para que ele possa contribuir com a realização de transformações na realidade. Transformações essas concebidas a partir da expressão dos desejos, da compreensão das causas desses desejos e dos encontros, e do diálogo a respeito de quais transformações se deseja realizar e dos caminhos para efetivá-las. A pesquisa desenvolveu-se no bairro caiçara de Pedrinhas, localizado no interior de uma Unidade de Conservação, a Área de Proteção Ambiental de Ilha Comprida – Vale do Ribeira/SP. O objetivo maior desta pesquisa é contribuir para a decodificação de elementos que possam propiciar uma cultura participativa, oferecendo, desta forma, subsídios para o enfrentamento de algumas das lacunas de conhecimento existentes no campo da Educação Ambiental a respeito de seus elementos fundantes. Portanto, referimo-nos a uma educação ambiental que tenha na participação fundamento e perspectiva. Os trabalhos partiram de uma intervenção educacional voltada à ressignificação de práticas culturais de ajuda mútua ligadas à agricultura. Com base nas leituras, reflexões e experiências vividas e compartilhadas com os moradores de Pedrinhas, trazemos alguns apontamentos e sugestões de alguns procedimentos, para o desenvolvimento de práticas educativas preocupadas em construir alternativas de desenvolvimento local e envolvimento das populações residentes, em consonância com a conservação ambiental. Trazemos também propostas de avaliadores de potência de ação, compreendida aqui como um indicador possível da participação, seja no âmbito individual/subjetivo, seja na esfera coletiva/política.
iv
ABSTRACT . This text is an attempt to incorporate Baruch de Espinosa’s thoughts, the Dutch philosopher of the 17th century, to environment educational practices, which aim at the strengthening of the subjects, individual or collective, enabling them to contribute to transform their own reality. These transformations are based on: the expression of the wishes, the understanding of wishes and meetings’ causes, and the dialogue about the kind of transformations wanted and about the ways to carry them out. This research has been developed in the neighbourhood of Pedrinhas, which lies within a Protected Area, in the Area of Environmental Protection of Ilha Comprida – Vale do Ribeira/São Paulo, Brazil, focusing on the seaside native population (the so called caiçara). Our main purpose is to shed some light onto some elements that might open the way to a participative culture, thusly offering support to fill the lack of knowledge about the foundations of environmental education. Participation, thus, is the foundation as well as the likely prospects of what we mean by environmental education. The work has been carried out by educational intervention, by finding a new significance of the cultural practices of mutual helping linked with agriculture. Based on readings, reflexions and experiences shared with Pedrinhas’ native people, we point out some suggestions of proceedings to develop the educational practices that may build up alternatives for the involvement of the dwellers and the consequent local development, according to the precepts of environmental conservation. Furthermore, we bring about some propositions to gauge the action potency as a possible indicator of participation, whether in the individual/subjective area or in the collective/political sphere.
v
APRESENTAÇÃO .
COMO TUDO COMEÇOU
Tudo começou depois da minha formatura no curso de Biologia na
UNESP de Botucatu, quando me pus a procurar uma área de atuação
profissional que unisse dois campos distintos do conhecimento, as áreas de
humanas e biológicas. Naquela ocasião, sentia uma angústia profunda pois
gostava da biologia, mas percebia que apenas o conhecimento deste campo
científico não era capaz de suprir meus anseios. Iniciei-me na docência dando
aulas de ciências em uma escola municipal para o antigo ginásio, hoje
chamado de ensino fundamental, buscando ali a interface com as ciências
humanas. Sentia-me mais reconfortada então.
Algum tempo depois, morando no nordeste do país realizei estágios
junto a projetos de preservação de espécies em extinção, como o Tamar,
Centro de Mamíferos Aquáticos, na época nominado Projeto Peixe-Boi
Marinho, e IBAMA. Eu procurava não apenas os animais em extinção, mas
buscava compreender sua relação com os seres humanos e entender como
esta relação afetava a qualidade de vida de grupos sociais. Foi dessa forma
que tive meu primeiro contato com trabalhos em comunidades. Para mim havia
ficado muito claro a necessidade da realização de trabalhos educacionais com
vi
vistas à conservação da biodiversidade e da qualidade de vida de populações
humanas. A partir deste ponto a pergunta era ‘...mas como fazer?’.
Após essas experiências retornei ao estado de São Paulo com a
sensação de que havia encontrado um caminho que gostaria de seguir. Alguns
anos se passaram e atuei profissionalmente em diversas atividades: fui
monitora de estudo do meio junto a escolas, em sua maioria particulares;
lecionei a disciplina de ciências para a antigo primário em uma escola católica
marista; atuei como auxiliar de campaigner na ONG Greenpeace em uma
campanha internacional que visava a eliminação da descarga de resíduos
tóxicos poluentes por empresas, principalmente multinacionais; também
ministrei aulas particulares de ‘ciências e matemática’ e ‘biologia’ para os
antigos primeiro e segundo graus respectivamente.
Em cada uma dessas atividades, conseguia ver por diferentes ângulos,
em parte das vezes sem muita clareza, a importância da realização de
trabalhos educacionais que buscassem não apenas a transmissão de
conteúdos, mas a construção de uma relação cotidiana entre o bem estar das
pessoas e a qualidade ambiental. E a pergunta ‘como fazer?’ continuava
presente.
Foi então que em 1999 recebi um convite para integrar o corpo de
pesquisadores que estava se formando na UNICAMP em torno de um projeto
temático recém aprovado pela FAPESP, o “Floresta e Mar”. O temático era
subdividido em três componentes, sendo um deles “Intervenções e Educação
Ambiental”. Achei a idéia interessante, principalmente pela existência da
possibilidade de desenvolver trabalhos na área de Educação Ambiental, sonho
há algum tempo perseguido.
vii
No início dos trabalhos do projeto temático, as coisas eram meio
nebulosas e ao mesmo tempo instigantes dada a infinita possibilidade de
criação. Bebendo da pesquisa-ação e tendo em vista a perspectiva incremental
da pesquisa fomos, pouco a pouco e a muitas mãos, construindo os objetivos e
caminhos do componente “Intervenções e Educação Ambiental”, procurando
sempre a coerência entre a teoria e a nossa prática. Com o passar do tempo a
equipe responsável pelo componente de Educação Ambiental (EA) se
consolidou e passamos a formar um Grupo, o que segundo Michel Maffesoli,
em Elogio da Razão sensível, traz o componente afetual. Algumas pessoas,
por contingências diversas, passaram pelo Grupo de EA não se integrando a
ele, mas deixando suas marcas e fazendo parte de seus fluxos e refluxos. Foi
neste ambiente de trabalho coletivo do Grupo de EA em busca de uma prática
democrática e participativa que foi gestado e desenvolvido o projeto desta
pesquisa.
Nos últimos três anos a companhia de Espinosa me foi muito cara, pois
fez com que me revisse tão profundamente que, para minha surpresa, revisitei
salões do meu eu que julgava “resolvidos” ou ao menos “sobre controle”. Ao
examiná-los, à luz de fragmentos de sua filosofia que me impregnaram, pude
reencontrar e reelaborar pequeninas porções de mim mesma que me fazem
olhar para mim, para os outros com quem convivo nas diferentes esferas de
relacionamentos, para o mundo e conseqüentemente para as relações nele
existentes de uma outra maneira.
viii
“E assim, através dos tempos e dos lugares você [Espinosa] foi fascinando grandes, pequenos, pequeníssimos. E, correndo o mundo, seu livro maior – A Ética – chegou as minhas mãos (...). Parece incrível. Eu estava vivendo um período de muito sofrimento e contradições. Logo às primeiras páginas fui atingida. As dez mil coisas que me inquietavam dissiparam-se quase, enfraquecendo-se a importância que eu lhes atribuía. Outros valores impunham-se agora. Continuei sofrendo, mas de uma maneira diferente”.1
Apesar do recolhimento de informações e das reflexões apresentadas
nesta dissertação terem sido por mim protagonizadas, este estudo
provavelmente seria muito diferente do que aqui se apresenta se não fossem
as contribuições recebidas de outras mãos, mentes e corações ao longo do
processo. Dessa forma, entendo que esta pesquisa, muito embora tenha um
viés bastante particular, o meu olhar, é fruto de um trabalho realizado em e por
um coletivo e, em virtude disto, usarei ao longo do texto que se segue a
primeira pessoa do plural.
Gostaria ainda de fazer uma última colocação antes de apresentar os
capítulos desta dissertação. Todos os nomes aqui referenciados são fictícios
com o intuito de resguardar a privacidade e identidade daqueles que fizeram
parte deste estudo, as únicas exceções são: o consultor de Cananéia, as
integrantes do grupo de Educação Ambiental e a pesquisadora (Cf. Quadro 4),
além dos protagonistas do vídeo “Madeira tombada, canoa forte, rabeca
afinada”.
* * *
Passemos agora à apresentação dos capítulos deste texto que se
configura como uma tentativa de trazer, através de práticas educativas,
fragmentos do pensamento espinosano para o mundo material em que
1 Nise da Silveira em seu livro “Cartas a Spinoza”, editora Francisco Alves, RJ, 1999.
ix
vivemos. Incorporar o pensamento de Espinosa a práticas de educação
ambiental tem como objetivo a emancipação, o fortalecimento do sujeito para
que ele possa efetivar transformações de maneira consciente na realidade.
“Conhecer as limitações para então tentar superá-las, eis o belo itinerário que você nos aponta [Espinosa]”2.
No primeiro capítulo apresentamos: a problemática em que se insere
este estudo; a dinâmica, a constituição e a proposta de trabalho do Grupo de
EA; os objetivos da pesquisa; bem como procuramos propiciar ao leitor uma
aproximação com a região do Vale do Ribeira, com o município de Ilha
Comprida, com o bairro de Pedrinhas e com a relação estabelecida entre a
população local e a legislação ambiental.
O segundo capítulo destina-se a apresentação do pensamento do
filósofo do século XVII Baruch de Espinosa, da concepção de EA balizadora
desta pesquisa, além de algumas reflexões a respeito da metodologia, métodos
e técnicas utilizadas buscando criar instrumentos adequados que garantam a
coerência entre teoria e prática.
No terceiro capítulo procuramos apresentar o bairro de Pedrinhas e o
modo de vida de sua população residente, tanto no “tempo dos antigos” como
nos dias atuais, com o intuito de arrecadar subsídios para a implementação de
uma prática educativa que dialogue com histórias, valores, angústias e alegrias
manifestas pelos moradores, uma expressão de sua inserção histórico-cultural.
O quarto capítulo traz um aprofundamento teórico-metodológico operado
por este estudo, a dinâmica das atividades realizadas com os moradores de
Pedrinhas, bem como a composição do grupo local de trabalho procurando
2 Idem ibidem.
x
fornecer ao leitor(a) uma visão processual dos acontecimentos.
No quinto capítulo apresentamos algumas reflexões que buscam
entrelaçar o referencial teórico-metodológico adotado com as informações
coletadas durante esta pesquisa, trazendo, portanto, uma análise de elementos
do processo educativo vivenciado com os moradores de Pedrinhas.
No sexto e último capítulo procuramos tecer propostas ao apontarmos
possibilidades para práticas de Educação Ambiental pautadas pela busca do
incremento da potência de ação de grupos e indivíduos. Além disso, trazemos
também sugestões de avaliadores de potência de ação, compreendida aqui
como um indicador possível da participação em processos de educação
ambiental.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 1
CAPÍTULO 1 .
CENÁRIO DA PESQUISA
Este capítulo destina-se a ambientar o(a) leitor(a) ao cenário em que
se realizou este estudo. O tema da presente pesquisa gira em torno da
participação popular, de práticas culturais locais de ajuda mútua e das
contribuições que práticas de Educação Ambiental (EA) podem trazer para
construção de propostas que unam conservação ambiental e bem estar social.
A escolha do tema participação deve-se ao fato de que garantir
formalmente direitos é algo muito importante, mas isto não basta para que na
prática sua consolidação aconteça (Benevides, 1994), havendo portanto a
necessidade da implementação de processos educacionais que busquem a
consolidação do aprendizado da participação, ou para usar as palavras de
Maria Victória Benevides, de uma educação política.
Visto que o trabalho tem como foco a população residente em uma Área
de Proteção Ambiental no Litoral Sul de São Paulo, uma abrangente pergunta
que nos norteia é: como a EA poderia contribuir com este processo de
‘aprendizado da participação’ para que a população possa vir a atuar nas
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 2
tomadas de decisão que vão influenciar os rumos de sua vida, ou seja, no que
se refere à definição e implantação dos critérios de sustentabilidade da
Unidade de Conservação em que reside e atua?
Sem a intenção de esgotar a questão, o presente trabalho pretende
contribuir com reflexões a esse respeito, tendo essa visão mais abrangente
como norteadora. No entanto, seu foco centra-se especificamente sobre a
busca de elementos que possam fornecer subsídios para pensarmos numa EA
que tanto seja capaz de fomentar a participação, como tenha a participação
como um elemento constituinte. Para tanto, optamos por partir da
ressignificação de uma prática cultural local, os trabalhos
coletivos/comunitários originariamente relacionados à agricultura.
Desde o início da História Colonial brasileira até o início do século XX, a
população, seja do litoral sul paulista, seja da região mais ampla do litoral
sudeste brasileiro, tinha uma economia de baixo impacto ambiental, sendo
essa baseada no trabalho da família, com pequena participação no mercado,
combinando agricultura (a principal atividade) com a pesca artesanal e o
extrativismo (Carvalho,1999). A isto Diegues & Nogara (1994) acrescentam a
baixa densidade demográfica e a propriedade comum, ou formas comunais ou
comunitárias de utilização do espaço por parte destas comunidades. Sendo
esse tipo de apropriação do espaço detentor dos recursos naturais permeado
"por uma extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda mútua, de
normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intra-grupal" (Diegues
& Nogara, 1994:158).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 3
Tendo isto em vista, e sem desconsiderar as alterações que vêm
ocorrendo no modo de vida das populações caiçaras1, a escolha de trabalhar
com agricultura deve-se a sua intrínseca relação com trabalhos coletivos -
como mutirões, ajutórios e pujuvas - além do conteúdo de depoimentos de
moradores da Ilha Comprida, coletado por diferentes pesquisadores, que
expressavam o desejo desses moradores de voltar a plantar. A união destes
dois ingredientes nos pareceu perfeita, demanda local e trabalhos coletivos.
Um bom caldo para se trabalhar a questão da participação.
Uma vez que o Grupo de Educação Ambiental do projeto temático
“Floresta e Mar” foi muito importante durante toda a gestação e
desenvolvimento desta pesquisa, reservamos a primeira seção deste capítulo a
apresentá-lo. Na segunda e terceira seções são apresentados,
respectivamente, a região do Vale do Ribeira e o município de Ilha Comprida.
Na quarta seção trazemos a caracterização da área de estudo no
tocante à legislação ambiental e à forma como os moradores locais têm se
relacionado com ela, sendo apresentados os objetivos da pesquisa. A quinta e
última parte deste capítulo destina-se a explicitar as razões da escolha de
Pedrinhas como local de trabalho.
1.1 O GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
O Grupo de Educação Ambiental (Grupo EA) foi responsável pelo
componente de “Intervenções e Educação Ambiental” do projeto temático
“Floresta & Mar: usos e conflitos no Vale do Ribeira e litoral sul, SP” (FAPESP
1 São chamadas caiçaras as comunidades formadas pela mistura étnica de Índios, Portugueses e Negros, cujo o modo de vida é originalmente baseado na agricultura itinerante, na pesca, no extrativismo e no artesanato. Para maior aprofundamento consultar capítulo 3 deste texto.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 4
97/14514-1)2, desenvolvido de 1999 a 2002, por pesquisadoras(es) ligadas(os)
ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da UNICAMP. O projeto
temático conta com outros dois componentes: “Uso, estratégias de uso e dieta”,
“Conflitos sociais em Unidades de Conservação”. O projeto como um todo
visou analisar a relação entre uso de recursos naturais, conflitos locais e
regionais e formas de intervenção relacionadas à conservação e manejo no
Vale do Ribeira - SP - uma das maiores áreas de remanescentes de Mata
Atlântica do Brasil - a fim de compreender os aspectos fundamentais da
implantação de Unidades de Conservação no território brasileiro. As áreas de
abrangência são três diferentes Unidades de Conservação (UCs), bem como
seu entorno: a Área de Proteção Ambiental de Cananéia/Iguape/Peruíbe (APA-
CIP), a Estação Ecológica de Juréia-Itatins (EEJI) e o Parque Estadual
Turístico do Alto Ribeira (PETAR).
O Grupo EA é formado por universitárias de diferentes níveis
acadêmicos, de diferentes instituições de ensino e pesquisa e tem como
propósito construir ações educativas com e para os moradores do interior e
entorno de algumas UCs no Vale do Ribeira, procurando aprofundar uma
proposta de trabalho que se pauta na construção de conhecimento a partir de
um exercício de diálogo entre a universidade e grupos de moradores locais.
Durante o primeiro ano de vigência do projeto temático, o Grupo EA
realizou visitas a distintas localidades no interior e entorno das UCs onde se
desenvolveu o temático com o intuito de fazer um levantamento dos atores
presentes. Pretendia-se construir uma “visão panorâmica” da região, o que
possibilitaria a escolha dos locais e temas a serem trabalhados. Iniciamos
2 Projeto coordenado por Alpina Begossi e Lúcia da Costa Ferreira.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 5
nossa incursão lançando um olhar atentamente distraído às localidades
visitadas. Foi nesse período que os diferentes projetos de mestrado foram
sendo coletivamente construídos e discutidos. As pesquisas de iniciação
científica e de doutorado foram também discutidas coletivamente, mas em
momento posterior.
Cada uma das integrantes do grupo desenvolveu seu projeto de
pesquisa ou pesquisa-intervenção educacional - iniciação científica, mestrado
ou doutorado - com um grupo no Vale do Ribeira: monitores ambientais,
escolas, agricultores, extratores de plantas nativas. Esses projetos individuais,
com seu questionamento próprio e com as reflexões e aprofundamento teóricos
que lhes dão sustento, alimentavam os questionamentos do grupo de pesquisa
e embasavam as reflexões teóricas do mesmo nos encontros chamados de
"orientação coletiva", que aconteceram quinzenalmente desde março de 1999.
“São encontros repletos de sentidos, partilham-se vivências, idéias, histórias
de vida, olhares, alimento. As leituras e discussões teóricas que acontecem
nestes encontros são animadas pela prática cotidiana dos projetos que estão
em andamento com as comunidades e escolas do Vale do Ribeira. O coletivo
passa a dar suporte à construção de um conhecimento que vai além do que a
reflexão individual possibilitaria naquele momento. Há uma dinâmica
própria que ora aproxima ora distancia os encontros. No seu dinamismo, no
entanto, há algo que permanece e que une, permitindo que estas pessoas se
reconheçam como um grupo que, de alguma forma, dá suporte para o seu
fazer cotidiano. Talvez possamos pensá-lo a partir das reflexões de
Maffesoli, quando nos diz sobre a "força de um agrupamento que se torna
'outra coisa' que possui uma qualidade que lhe é própria" (Maffesoli, 1998:
90)” (AVANZI et alli, 2001:9).3
3 As referências de autoria de trechos extraídos das publicações do Grupo de Educação Ambiental são apresentadas em caixa alta a fim de ajudar o(a) leitor(a) a diferenciá-las das citações bibliográficas presentes no interior dos textos do Grupo.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 6
Essas discussões alimentaram também uma reflexão a respeito de duas
perguntas centrais deste componente:
Qual Educação Ambiental se aplica ao Vale do Ribeira?
Para que e para quem estamos fazendo ciência?
Além da presente pesquisa, integram o componente de “Intervenções e
Educação Ambiental” as pesquisas e pesquisadoras abaixo citadas, estando
alguns dos trabalhos em andamento e outros já concluídos:
Alik Wunder, mestre pela Faculdade de Educação da UNICAMP, onde
desenvolveu o projeto "Encontro das águas na Barra do Ribeira: imagens entre
experiências e identidades na escola” com apoio da FAPESP, sob orientação
de Antônio Carlos Amorim.
Caroline Ladeira de Oliveira desenvolveu o projeto “Sobre política em
prática de Educação Ambiental: aprendendo e ensinando uma nova lição”
como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Pedagogia na
Faculdade de Educação da UNICAMP, sob a orientação de Antonio Carlos
Amorim e Maria Rita Avanzi.
Érica Speglich, mestre pela Faculdade de Educação da UNICAMP, onde
desenvolveu o projeto: “Entre as ASAs da Serra”, sob a orientação de Antonio
Carlos Amorim.
Maria Rita Avanzi, coordenadora do componente "Intervenções e
Educação Ambiental", é doutoranda pela Faculdade de Educação da USP onde
desenvolve o projeto "A Trama da Rede: uma proposta de construção coletiva
de conhecimento a respeito da realidade sócio-ambiental do Vale do Ribeira -
SP", sob orientação de Moacir Gadotti.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 7
Rita de Cássia Nonato foi bolsista do PIBC/CNPq ao desenvolver o
projeto "Concepção da Educação Ambiental nos órgãos públicos responsáveis
pelos programas nas Unidades de Conservação: PETAR e EEJI", sob a
orientação de Arleude Bortolozzi e Maria Rita Avanzi.
Vivian Gladys de Oliveira, mestre pelo Departamento de Ciências
Florestais da ESALQ/USP, onde defendeu a dissertação “Educação Ambiental
e Manejo de Recursos Naturais em Área de Proteção Ambiental: o caso dos
extratores de samambaia de Ilha Comprida – São Paulo”, sob a orientação de
Dálcio Caron e Marcos Sorrentino.
O Grupo EA tem como colaboradoras:
Kellen Junqueira, que desenvolveu no Departamento de Multimeios do
Instituto de Artes da UNICAMP com apoio da FAPESP a dissertação “Meio
ambiente: uma interação em construção pelo som e imagem” e o vídeo
“Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada”, sob a orientação de Fernando
Passos.
Susana de Oliveira Dias, que desenvolve no Laboratório de Divulgação
Científica (Labjor) – UNICAMP com apoio da FAPESP o projeto “Puxando os
fios da rede tecida pelo grupo de Educação Ambiental Projeto Temático
‘Floresta e Mar’ e introduzindo outros espaços-tempos por meio da divulgação
científica” sob a orientação de Carlos Vogt.
É importante ressaltar a dinâmica e a composição do Grupo de EA uma
vez que ele foi o ambiente de formulação, reformulação, amparo e acolhimento
das propostas, reflexões e angústias no desenvolvimento desta dissertação. O
que vem a se somar com as valiosas contribuições e trocas com o orientador
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 8
deste estudo, Marcos Sorrentino, que de maneira afirmativa, otimista e
afetuosa se fez sempre presente no desenvolvimento desta dissertação.
1.1.1 UM POUCO MAIS SOBRE O GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
“Cada grupo está no eterno movimento de ir e vir no caminho da
mistura, do igualar-se até a diferenciação, a busca de criar uma
identidade onde cada um possa sentir-se reconhecido. Este
caminho pulsa temporalmente, embora no âmbito lógico, fazendo
infinitas combinações entre o eu e o outro” (Juliana Davini)4
Nesta sessão usarei a primeira pessoa do singular por se tratar de uma
reflexão individual sobre o Grupo de Educação Ambiental.
Durante os quatro anos de trabalho conjunto, o Grupo de Educação
Ambiental teve papel fundamental, tanto em minha formação acadêmica, como
no aprofundamento e embasamento de minha formação de educadora
ambiental. Creio inclusive que o Grupo desempenhou este mesmo papel para
todas as suas integrantes, mas uma vez que esta sessão foi destinada a expor
minha visão pessoal tomo o cuidado de fazer este esclarecimento.
No primeiro ano de trabalho tudo era incerto, inclusive a composição do
grupo que aos poucos foi se definindo. Iniciamos nossos trabalhos pensando
em que tipo de ações gostaríamos de desenvolver, tendo como pano de fundo
as primeiras diretrizes e um início de fundamentação teórica contida no projeto
do componente “Intervenções e Educação Ambiental” do projeto temático
“Floresta & Mar”, na época, recém aprovado pela FAPESP. Nesse ano
realizamos algumas idas conjuntas a campo, dando início ao processo coletivo
de construção de conhecimento.
4 “Movimentos da Grupalidade”. In: FREIRE, Madalena et alli. Grupo: indivíduo, saber e parceria: malhas do conhecimento. Espaço Pedagógico,São Paulo, 1997.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 9
No segundo ano, com a aprovação de quatro projetos de mestrado, que
foram gestados conjuntamente, e tendo como principal espaço de interlocução
os encontros de ´orientação coletiva´, o aprofundamento do referencial teórico-
metodológico recebeu forte impulso. Durante esse ano foram também gerados
um projeto de doutoramento, um de iniciação científica e outro de Conclusão
de Curso (TCC). Desta forma foi dado início ao delineamento das relações
pesquisadoras-comunidades do Vale.
Cabe ressaltar que, desde o início, a postura da coordenação do
componente visava a integração e a construção conjunta de conhecimento,
pois para traçar as primeiras diretrizes sobre EA consultou algumas das
pessoas que futuramente vieram a compor o Grupo, prevendo que o
aprofundamento teórico-metodológico aconteceria coletivamente. Em nossos
encontros de discussão sempre houve um estímulo à participação de todas e
as coisas ditas sempre eram ouvidas e levadas em consideração no momento
das tomadas de decisão.
As muitas idas coletivas a campo foram de suma importância, pois esse
era mais um momento em que podíamos refletir conjuntamente, lançando no
momento em que as coisas aconteciam olhares diferenciados e, portanto,
capazes de captar diferentes facetas do ocorrido, exercitando o que Denzin &
Lincoln (1994) e Janesick (1994) chamam de triangulação, não só de dados
mas também de pesquisadoras. Esse procedimento possibilitou o
amadurecimento conjunto de nossas práticas, pois era possível uma aprender
com o trabalho da outra e assim ir dissipando as inseguranças e aflições que
sentíamos. Com o desenrolar dos trabalhos fomos nos convencendo cada vez
mais de que estávamos no caminho que gostaríamos de percorrer. Que a
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 10
horizontalização de relações é de fato disparadora de um diálogo inovador
capaz de estimular a emancipação dos sujeitos tornando-os mais
autoconfiantes e conscientes a respeito do que está a sua volta.
Com o passar do tempo houve mudanças na composição do grupo que
por sua vez alteraram sua dinâmica interna, mas não de funcionamento
propriamente dito, pois os encontros continuavam a ser em média quinzenais.
Nesses encontros eram discutidos textos com o intuito de realizar um
aprofundamento do referencial teórico-metodológico, buscar respostas às
situações de campo, realizar reflexões conjuntas sobre ambos etc.. Mas algo
mais profundo era fomentado: a internalização e a consolidação dos valores
que vínhamos delineando no plano teórico como balizadores da EA que
acreditávamos se aplicar à realidade do Vale do Ribeira e, desta forma,
buscando exercitar a coerência entre teoria e prática.
A partir do terceiro ano, esse processo se intensificou e o Grupo
apresentou e publicou dois trabalhos coletivos. Individualmente suas
integrantes também participaram de seminários e congressos que resultaram
em outras publicações. Esses momentos foram muito ricos e gratificantes, pois
estávamos colocando as idéias comuns em diálogo com outros olhares.
Nossas idéias foram bem aceitas e calorosamente discutidas nos coletivos dos
quais participamos na ocasião (apêndice I).
Isso contribuiu para o estreitamento de laços afetivos e de confiança
mútua (integrantes entre si e Grupo-integrantes, ou seja, relações pessoais
entre integrantes e a relação individual dos integrantes com o coletivo e vice-
versa), elevando nossa auto-estima e trazendo-nos confiança no trabalho que
realizávamos. A partir desse ponto, o coletivo, que já tinha um papel
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 11
importante, passou a ter importância política de maior calibre. Naquele
momento a composição do Grupo era estável, as relações de confiança entre
suas componentes estavam estabelecidas e os talentos e capacidades
individuais eram conhecidos e sempre estimulados a serem superados. Em
muitos momentos foi o coletivo que deu suporte às ações individuais e
coletivas, servindo muitas vezes de espelho, apontando contradições entre
falas e ações.
Uma situação que ilustra bem as idéias expostas acima refere-se à
preparação de um dos mini-cursos que ministramos sobre ´Metodologias
Participativas e Educação Ambiental´ (apêndice II). Naquela ocasião duas de
nós expunham idéias para a realização do mini-curso, acreditando estar em
pleno acordo, que suas idéias estavam em consonância e eram
complementares. Em dado momento, o coletivo chamou a atenção para o fato
de que as idéias expostas eram bastante diferentes e até contraditórias.
Questionadas se haviam percebido a situação, ficou claro que o equívoco não
tinha sido notado pelas interlocutoras até então.
Outro momento importante foi quando o Grupo, pressionado no sentido
de forçar sua desarticulação, vivenciou este momento de forte instabilidade
como oportunidade de reflexão sobre sua trajetória. Como o Grupo já havia se
consolidado como tal, essa situação serviu para que os mecanismos de
pressão e manipulação fossem desvendados pelo coletivo, propiciando uma
aproximação ainda maior de suas componentes na busca das causas
concretas de tal pressão. Buscava-se para esse conflito uma solução
fundamentada nos princípios que vinham sendo coletivamente traçados e
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 12
internalizados (horizontalização das relações, transparência, coerência entre
teoria e prática, fazer coletivo etc.).
Ao longo dos quatro anos de “constituição coletiva de nossa equipe temos
procurado uma coerência entre os princípios teóricos e metodológicos adotados nos
projetos e os princípios de gestão do grupo de trabalho: metodologias participativas,
não-hierarquia dos saberes e o entendimento do grupo como um espaço de reflexão e
produção coletiva do conhecimento. (...) Uma das dimensões deste processo consiste
em estimular “a capacidade de atuação, individual e coletiva, de forma a contribuir para
que o mesmo ocorra com as pessoas e grupos com os quais atuam” (Sorerntino,
2000:35). O processo de desenvolvimento das próprias capacidades compõe-se da
descoberta dos recursos internos de cada um e sua manifestação como potenciais
catalisadores de uma transformação sócio-ambiental” (COSTA-PINTO et alli,
2001:7).
1.2 SOBRE O VALE DO RIBEIRA
O Vale do Ribeira abrange uma área total de 24 980 km2 com 61% de
sua área a sudoeste do estado de São Paulo e 49% no estado do Paraná
(Instituto Sócioambiental, 1998:13). Neste trabalho estaremos nos referindo à
sua porção paulista.
A região foi economicamente ativa nos séculos XVIII e XIX, entrando em
decadência no início do século XX devido à mudança no eixo de exportação
para o porto de Santos. Atualmente apresenta complexos problemas fundiários
advindos da especulação imobiliária e da grilagem de terras, o que a configura
como zona de conflitos permanentes com conseqüente expulsão da população
local.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 13
O Vale do Ribeira apresenta características bastante singulares, tendo
os mais baixos índices de desenvolvimento do Estado de São Paulo e
aprestando sua economia baseada principalmente na agricultura (banana e
chá), mineração e extrativismo vegetal (palmito). Os parâmetros sócio-
econômicos e demográficos, tais como mortalidade infantil, abastecimento de
água, cólera e tratamento de esgotos, condições de habitação e níveis de
renda e de escolaridade, apresentam todos uma imagem contrastante com o
restante do estado. Outra característica peculiar da região é o fato de ser a
menos urbanizada do estado, com grande parcela da população vivendo em
áreas rurais e desenvolvendo atividades de subsistência (Hogan et alli, 1999).
Devido a questões históricas, dificuldade de acesso, atividades
econômicas e condições naturais adversas que garantiram a preservação de
seu patrimônio natural5, o Vale do Ribeira apresenta-se hoje como um
aglomerado de diferentes Unidades de Conservação (UCs), que muitas vezes
se sobrepõem. Essa região concentra a maior área contínua de Mata Atlântica
preservada do país.
Nas últimas décadas, projetos de desenvolvimento para a região
(turismo, agropecuária, mineração, especulação imobiliária, madeireiras, usinas
hidroelétricas, entre outros) entraram em conflito com a política ambiental e as
restrições às atividades econômicas nas áreas naturais protegidas, o que
tornou muito evidente o conflito entre desenvolvimento e preservação. Em
contraste com o desenvolvimento apresentado por outras regiões do estado, a
população do Vale do Ribeira exige agora suas próprias oportunidades de
5 O patrimônio natural do Vale do Ribeira, segundo Hogan et alli (1999), compreende mais de um milhão de hectares de vegetação nativa, que correspondia a cerca de 64% da região até 1988.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 14
crescimento econômico, padrões de consumo e qualidade de vida (Hogan et
alli, 1999).
A vocação econômica do Vale do Ribeira é bastante diversificada, porém
pode-se constatar a falta de investimento público na região que possibilite a
exploração dessa diversidade de possibilidades por parte das chamadas
“populações tradicionais”, diferentemente do que vem acontecendo desde a
década de 1940 com empresários de vários setores que vem enriquecendo
com sua exploração (Instituto Sócioambiental, 1998).
Depoimentos de vários atores locais, dentre eles lideranças
comunitárias, coletados durante a realização de um estudo na região pelo
Instituto Sócioambiental (1998), apontam para o desejo e necessidade,
vislumbrada por comunidades locais, da inversão desta situação, uma vez que
de acordo com este mesmo trabalho “a história comprova que não é viável a
aplicação de planos de desenvolvimento pré-estabelecidos para o Vale.
Desenvolver a região significa desenvolver as várias comunidades existentes.
O que equivale dizer que é necessário, antes de mais nada, aprender com elas
mesmas quais são essas fórmulas desenvolvimentistas” (Instituto
Sócioambiental, 1998:176).
1.3 MUNICÍPIO DE ILHA COMPRIDA
Dentre os muitos municípios que compõem o ‘Vale’ está o município de
Ilha Comprida, que se localiza ao sul do litoral paulista, fazendo parte do
complexo estuarino-lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, formado por um
conjunto de baías, ilhas (Comprida, de Cananéia, do Cardoso, Superagui e das
Peças), planícies, colinas, morros, serras e desembocaduras de rios.
Formando junto ao continente um sistema de lagunas, verdadeiros mares de
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 15
águas salobras, densamente ocupadas por manguezais (Soares et
alli,1999:15).
A Ilha Comprida estende-se desde a barra de Icapara, até a barra de
Cananéia com 74km de extensão e uma largura de aproximadamente 4 km
(Carvalho, 1999:29).
A população da Ilha foi estimada pelo IBGE em 3.434 habitantes, porém
a Prefeitura Municipal contesta este número estimando, através do censo
escolar, do número de prontuários no Serviço Municipal de Saúde e no
Registro de Cartório Eleitoral, que essa população ultrapasse 8 000 habitantes
(Soares et alli, 1999:16), dos quais cerca de 23,9% são ilha compridenses
natos (Carvalho, 1999:29).
Ilha Comprida pertenceu aos municípios de Iguape (2/3 norte) e de
Cananéia (1/3 sul) até 1992, quando se emancipou e tornou-se um município
(Soares et alli,1999). Dentre os bairros que compõem o município de Ilha
Comprida sete são caiçaras: Vila Nova, Pedrinhas, Sítio Arthur, Ubatuba,
Juruvaúva, Morretinho, e Trincheira (Carvalho, 1999). O bairro de Pedrinhas
pertenceu ao município de Cananéia até a emancipação da Ilha.
Quanto à questão fundiária, de acordo com Carvalho (1999), nos
primeiros anos da década de 1950 um corretor (Claudio Manoel Trindade)
começou a propor a compra de terra dos moradores da Ilha, intermediando
negócios para terceiros, como por exemplo para a Companhia Melhoramentos
de Cananéia, mancomunado com um funcionário do cartório de Cananéia
(João Veríssimo). O corretor negociava com o morador a compra de parte das
terras, sendo que na escritura constava a compra de toda a propriedade,
prática que ficou conhecida como escritura do abraço.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 16
Na década de 1970, com a chegada de novos empresários interessados
na compra de terras na Ilha, iniciou-se um sério conflito pela propriedade das
terras e a grilagem descontrolada das mesmas. A “mina de ouro” era a venda
de lotes, praticamente toda a Ilha foi loteada e vendida, sendo que muitos lotes
foram vendidos cerca de três vezes.
Em Pedrinhas, a Companhia Melhoramentos de Cananéia comprou
terras dos moradores sob a intermediação de Claudio Manoel Trindade, que
dizia aos moradores que seus impostos estavam atrasados. Segundo o acordo,
após terem pago os impostos, a companhia daria aos moradores uma escritura
das terras como se estes tivessem comprado da mesma a parte onde
moravam. A companhia não cumpriu o acordo e realizou uma escritura do
abraço, tentando, anos mais tarde, tomar posse das terras dos moradores.
Neste caso o confronto se deu diretamente entre os moradores e a Companhia
Melhoramentos de Cananéia pelas vias judiciais, sem ter até hoje uma solução
legal (Carvalho, 1999). Com isso os moradores locais perderam grande parte
ou em alguns casos todas as suas terras.
Retomar essa trajetória histórica a respeito da questão fundiária na Ilha
é de grande importância para contextualizar o presente trabalho, uma vez que
em depoimentos de caiçaras, coletados por Carvalho (1999:71), há o
estabelecimento de uma relação direta entre a questão fundiária e o abandono
das práticas agrícolas, quando dizem que deixaram de plantar “depois que
apareceu esse negócio de balneário6.
6 Os loteamentos são os chamados balneários.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 17
1.4 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E POPULAÇÃO
LOCAL
No contexto internacional, 1872 foi um marco para a conservação da
natureza, pois nesse ano foi criado o primeiro parque nacional do mundo, o de
Yellowstone nos EUA (Brito, 1995; Silveira, 2001). A criação desse parque foi
fruto de idéias preservacionistas, que se tornavam importantes nos EUA desde
o início do século XIX, e que estavam em consonância com os ideais de
apreciação do mundo selvagem presentes na Europa naquele período,
influenciada pelo avanço da História Natural e pelo romantismo na literatura
(Diegues, 1996).
“O pressuposto inicial que fundamentou a existência de áreas naturais protegidas em muitos países, foi a socialização do usufruto, por toda a população, das belezas cênicas existentes nestes territórios” (Brito, 1995:5).
Com a criação de Yellowstone foi determinado que sua área não poderia
ser vendida, ocupada ou colonizada, originando a “idéia de parque como área
selvagem e desabitada” (Diegues, 1996:27).
A partir da década de 1950 esse modelo de conservação foi exportado
para outros lugares no mundo, com apogeu nos anos de 1970 (Brito, 1995).
Borrini-Feyerabend (1997) identifica dois modelos estratégicos de
Unidades de Conservação (UCs): as de manejo ‘excludente’ e as de manejo
‘inclusivo’. No primeiro modelo, amplamente adotado nos EUA, os planos de
manejo desenvolveram-se com a intenção de isolar os interesses dos
habitantes locais das unidades de conservação; no segundo modelo, mais
freqüentemente adotado na Europa Ocidental, os interesses das sociedades
locais foram fundamentais nas UCs (“o bem-estar daqueles que vivem e
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 18
trabalham nos Parques Nacionais deve sempre ter uma primeira consideração”
- Borrini-Feyerabend, 1997:5), a propriedade privada da terra era comum e os
administradores locais estavam sumamente envolvidos na planificação do
manejo.
No Brasil as áreas naturais protegidas já eram propostas desde 1876
pelo engenheiro André Rebouças que se baseava no modelo de Yellowstone.
Entretanto, o primeiro parque criado foi o de Itatiaia, em 1937, no governo de
Getúlio Vargas, acompanhando o início da industrialização do país (Silveira,
2001).
A partir da criação dessa primeira área natural protegida, foram criadas
no Brasil uma série de outras categorias de UCs: Florestas Nacionais,
Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Biológicas etc.
“O que se encontra hoje é um complexo de dezenas de diferentes categorias de UCs, algumas que se sobrepõem às outras, criadas isoladamente em períodos diferentes por lobbies de diferentes grupos ambientalistas” (Silveira, 2001:16)
Conforme anunciado anteriormente esse cenário está também presente
no Vale do Ribeira, que concentra a maior área contínua de Mata Atlântica
preservada do país, inserida em diferentes Unidades de Conservação (UCs),
tais como Parque Estadual, Estação Ecológica, Área de Proteção Ambiental
(APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Área sob Proteção
Especial (ASPE), entre outras. O que as diferencia são os diferentes graus de
restrições impostas às atividades humanas pela legislação que as regulamenta.
O modelo ‘excludente’ foi o adotado quando da implantação da maioria das
UCs do Vale do Ribeira.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 19
A situação fundiária descrita para o município de Ilha Comprida segue o
padrão do restante do Vale do Ribeira, tendo parte das terras vendida e
revendida sem qualquer planejamento ou ordenamento legal. Essa confusão
fundiária dificulta a implantação de uma proposta de desenvolvimento sócio-
econômico compatível com a conservação ambiental. Como vimos, Ilha
Comprida (IC) é um exemplo desta desordem, tendo sido retalhada em cerca
de 230 mil lotes (Alves, 1999; Soares et alii, 2000).
Em 1984 foi decretada a APA federal de Cananéia-Iguape-Peruíbe
(APA-CIP) que encampava também a Ilha; em 1987 foi decretada a APA
Estadual de Ilha Comprida (APA-IC). Deste modo Ilha Comprida ficou inserida
em duas APAs sobrepostas.
De acordo com o SNUC - Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, regulamentado em agosto de 2002, em seu artigo sétimo, as
UCs são divididas em dois grupos distintos: I. Unidades de proteção integral e
II: Unidades de uso sustentável.
A APA insere-se no segundo grupo sendo uma das unidades de
conservação menos restritivas, que visa conciliar o desenvolvimento das
atividades humanas com a conservação de recursos naturais, onde é permitida
a propriedade privada da terra.
“A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais” (SNUC art. 15).
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 20
Segue abaixo o detalhamento do Macrozoneamento proposto pela APA
Estadual de Ilha Comprida, segundo Alves (1999) (Figura 1, Quadro 1):
A APA Federal, por sua vez, prevê sete unidades de gestão. Nesta
proposta Ilha Comprida ficou inserida em duas delas: Zona I. Alta proteção
através do controle e manejo sustentável e Zona IV. Conservação através do
gerenciamento e controle, com medidas de recuperação (Secretaria do Estado
do Meio Ambiente, 1996) (Figura 2, p. 22 deste texto).
O bairro de Pedrinhas está inserido na Zona Urbana 3 do
macrozoneamento da APA Estadual de Ilha Comprida, circundado pela Zona
de Vida Silvestre, e na Zona I do macrozoneamento da APA Federal de
Cananéia-Iguape-Peruíbe, inserido no interior da Zona de Vida Silvestre.
QUADRO 1: APA ESTADUAL DE ILHA COMPRIDA - MACROZONEAMENTO
a) Zonas Urbanas • ZU 1, 3 e 4: Lotes mínimos de 500 m2 desde que existente rede de abastecimento de água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento. • ZU 2: lotes mínimos de 1000 m2 desde que existente rede de abastecimento de água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento.
b) Zona de Ocupação Controlada (1 e 2) • a. lotes mínimos de 1500 m2, quando adotado sistema coletivo de tratamento completo de esgoto ou solução equivalente. • b. lotes mínimos de 3500 m2, quando adotado sistema individual de tratamento e disposição de esgotos compatível com o inciso V do artigo 2o do Decreto 30.817/89.
c) Zona de Proteção Especial • não serão permitidos parcelamento de solo, qualquer que seja a sua modalidade
d) Zona de Vida Silvestre • regulamentada pela resolução CONAMA 10/88. Estabelece condições ou proíbe urbanização, atividades agrícolas ou pecuárias, mineração, terraplenagem, escavação, drenagem e outros. Pode proibir o uso da biota de tal forma a restringir o exercício da propriedade privada - indenização (equivalente a reservas ecológicas públicas ou privadas) ou permitir o uso moderado e auto-sustentado da biota, regulado de modo a assegurar a manutenção dos ecossistemas.
OBS: Zonas urbanizadas até agora: ZU 1, ZU 2, ZU 3 e ZOC2.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 21
Figura 1 Mapa Macrozoeneamento IC
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 22
Figura 2 Mapa Ucs Vale do Ribeira
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 23
A APA de Ilha Comprida foi criada sem a consulta dos residentes locais,
cujas famílias muitas vezes habitavam o lugar há muitas gerações, como é
caso dos quilombolas, caiçaras e ribeirinhos do Vale do Ribeira como um todo
(Carvalho,1999:6). Apesar de ser uma UC que prevê atividade humana em seu
interior e tem a participação de grupos sociais em sua gestão garantida do
ponto de vista formal, a maneira como foi implantada e tem sido gerida a APA-
IC coloca-a mais próxima de uma UC de modelo ´excludente´ do que
´inclusivo´.
1.4.1 GARANTIAS FORMAIS DE DIREITOS À PARTICIPAÇÃO E A FRAGILIDADE DE
SUA PRÁTICA
Nas diretrizes estabelecidas para a Regulamentação da APA-CIP
(Secretaria do Estado do Meio Ambiente, 1996) são previstas, em vários
momentos, tanto a participação da população na gestão da unidade de
conservação como a busca de estabilidade ou melhoria da qualidade de vida
desta população, como pode ser observado nos trechos transcritos abaixo:
• “O seu [da APA] processo de planejamento e gestão deve,
necessariamente, envolver as demais instâncias governamentais e a
população trata-se, na verdade, do estabelecimento de um acordo de
regras de manejo dos RN e de sua utilização adequada de forma a não
comprometer o meio ambiente, permitindo o exercício de atividades
econômicas sob determinadas condições técnicas” (p. 13).
• Diretrizes de âmbito nacional: “... para a eficácia do processo, as
diretrizes de descentralização administrativa e a participação dos
segmentos da sociedade colocam-se como fundamentais” (p. 37).
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 24
• Diretrizes regionais: “... a gestão ambiental deve ser participativa,
descentralizada e integrada com os municípios, as ONGs e as
associações de base capazes de continuar a gestão ambiental sem a
necessidade constante da interferência dos poderes mais centrais" (p.
38).
• Plano de Gestão: “... uma estrutura de gestão integrada, participativa e
descentralizada” (p. 39).
• A instituição da APA Federal, de acordo com o Decreto Federal
90.347/84, em seu artigo 2o, objetiva "possibilitar às comunidades
caiçaras o exercício de suas atividades dentro dos padrões
estabelecidos historicamente".
Recentemente, Soares et alli (1999), coletaram depoimentos de
moradores de comunidades caiçaras da Ilha (dentre elas, a de Pedrinhas), que
demonstram o desconhecimento por parte desta população do conteúdo da
legislação que regulamenta a Área de Proteção Ambiental. Sabem que a APA
e a lei existem, mas desconhecem as restrições que impõem e o que
contemplam, portanto desconhecem também os direitos que possuem,
associando-as a uma total restrição ao uso dos recursos naturais e,
conseqüentemente, ao exercício de suas práticas culturais, além de associá-las
a severas punições àqueles que transgridem a lei:
“Eu achava bom plantá, né. Mas agora eles não quer. A plantação é uma coisa que ajuda, né. Eu pago a mandioca, eu pago a farinha, tem o milho pras galinhas, pra fazer uma mistura, né. Tem a batata, tem tudo pra mistura, né. Mas não plantamo, né. Então tem que comprar. Tudo comprado. (...) Por que o IBAMA não deixa mais, porque se fosse prá plantá
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 25
teria que derrubar um pedaço de mata e roçar.” (caiçara da Ilha Comprida)
“Cada um pesca onde quer, só não pode na beira do rio que é onde ele cria e depois sai da toca (entrevistador: vocês pescam neste local?) Não porque é proibido a gente recebe uma multa, vai pra prisão. Eles tão sempre aí...” (caiçara da Ilha Comprida)
É notória a contradição entre o texto dos documentos oficiais e o
depoimento dos moradores, o que nos leva a questionar o significado do
conceito de participação, tão freqüentemente veiculado nos dias atuais.
A participação nesses textos aparece como algo essencial e legalmente
garantido, porém participar muitas vezes acaba sendo uma imposição vinda de
cima para baixo, ao invés de ser construída processualmente com a população.
Advindo daí a necessidade da implementação de processos educativos que
visem essa construção, pois “a declaração meramente retórica de direitos não
garante sua efetiva fruição, a inclusão de mecanismos de participação popular
(...) não garante, por si só, que sua implementação se dará democraticamente,
no contexto da cidadania ativa” (Benevides, 1994:10). Sendo aqui entendida a
cidadania ativa como aquela que reconhece o cidadão como portador de
direitos e deveres, mas que sobretudo o institui como criador de direitos que
possibilitam assim a abertura de novos espaços de participação política.
A necessidade da busca de processos educativos que visem a
ampliação de direitos políticos baseados na participação popular leva-nos a
refletir a respeito das contribuições que as práticas de Educação Ambiental
podem trazer para se pensar a constituição destes sujeitos participativos no
processo de implementação e gestão destas UCs que, em última instância, se
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 26
refere à gestão de seu próprio local de vivência e, portanto, gestão de seu
destino.
A partir dessas reflexões apresentamos o objetivo maior desta pesquisa:
contribuir para a decodificação de elementos que possam propiciar uma cultura
participativa, oferecendo subsídios para o enfrentamento das lacunas de
conhecimento existentes no campo da Educação Ambiental a respeito de seus
elementos fundantes, a partir de uma intervenção educacional voltada à
ressignificação de práticas culturais de ajuda mútua.
Tendo ainda como objetivos específicos:
Promover uma intervenção educacional que propicie o estabelecimento
da relação entre a importância dos trabalhos coletivos e a ampliação da
noção de direitos por parte dos moradores de Pedrinhas;
Compreender quais são os valores atribuídos pela população caiçara
aos trabalhos coletivos;
Propiciar a recuperação da memória oral dos trabalhos coletivos junto à
população caiçara;
Estimular na comunidade caiçara a reflexão sobre suas práticas
coletivas;
Trabalhar com a comunidade o conteúdo da legislação que regulamenta
a APA em relação aos seus direitos (o que eles podem fazer, onde eles
podem fazer e como eles podem fazer), no que diz respeito às práticas
agrícolas.
1.5 A ESCOLHA DE PEDRINHAS
Além do fato de o bairro de Pedrinhas congregar cerca de 60% da
população caiçara da Ilha Comprida7, a escolha desse bairro como foco de
7 Em 1997 a Prefeitura Municipal de Ilha Comprida estimava que a população do bairro fosse composta por cerca de 40 famílias (Hanazaki, 1998). De acordo com dados obtidos em 30 de julho de 2002, a partir da atualização do cadastro realizado pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Município, o bairro de Pedrinhas conta atualmente com 96 famílias. Este aumento no número de famílias do bairro se deve, segundo uma das agentes comunitárias de saúde, ao grande número de casamentos recentes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 27
estudo deve-se também às suas peculiaridades dentre os locais visitados no
Vale do Ribeira e Litoral Sul do Estado de São Paulo em decorrência do
envolvimento com o projeto temático “Floresta & Mar”. Trata-se da organização
social e política encontrada no bairro de Pedrinhas, o que é reforçado pelo
estudo de Carvalho (1999), quando cita a participação da população na
conquista de infra-estrutura, como água, luz, transporte coletivo, entre outras.
Da análise de fontes secundárias a respeito do bairro e da Ilha
Comprida, advém a escolha de trabalhar com agricultura. As informações
contidas nos depoimentos de moradores caiçaras de diversas localidades da
Ilha Comprida, coletados por Soares et alli (1999), assim como os depoimentos
coletados por Carvalho (1999) no bairro de Pedrinhas, expressam o desejo de
moradores caiçaras de voltar a plantar. O que é reforçado pelo conteúdo de
entrevistas realizadas por Hanazaki e Peroni8 (1999 - informação pessoal) em
que os residentes caiçaras dizem que se os filhos ajudassem e outros
agricultores se animassem eles voltariam a plantar.
Daí mais um motivo para a escolha do bairro, pois esse levantamento
permitiu identificar a retomada dessas práticas como uma demanda local por
um lado, e como um ponto de conflito com a legislação ambiental por outro.
A esse conjunto de fatores somou-se o encantamento do local que, em
sua peculiar localização entre o mar, as montanhas e o canal lagunar, acolhe
moradores e moradoras que nos levam a experimentar muito da cultura
caiçara, com seu jeito a princípio desconfiado, mas que vai aos poucos
desvelando o bom humor e os conhecimentos construídos e partilhados por
muitas gerações.
8 Pesquisadores do componente “Uso, estratégias de uso e dieta”, do projeto temático.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 28
Assim sendo, este trabalho parte de uma intervenção educacional que
tem na ressignificação de uma prática cultural local, a tentativa de garantir e/ou
fortalecer o sentido de pertença do grupo, de identidade coletiva, em que os
indivíduos se percebem como sujeitos que têm direito a ter direitos (Jelin,
1994). Busca-se, durante este processo, propiciar o aprendizado de novos
repertórios que possam contribuir para a melhor compreensão e intervenção da
população caiçara de Pedrinhas na sua própria realidade.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 29
CAPÍTULO 2 .
REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E PENSAMENTO ESPINOSANO
Neste capítulo procuraremos compreender como as reflexões teórico-
metodológicas sobre Educação Ambiental do já citado Grupo de Educação
Ambiental aplicam-se e reformulam-se no diálogo com a pesquisa e as práticas
realizadas na APA de Ilha Comprida, bem como apresentar o pensamento
espinosano que compõe o referencial teórico deste estudo.
O texto está dividido em cinco sessões. A primeira destina-se a
apresentar a concepção teórico-metodológica de Educação Ambiental que
orienta esta pesquisa-intevenção. A segunda seção traz a concepção de
participação utilizada nesta pesquisa. Na terceira está contida uma breve
contextualização do pensamento espinosano, pois pareceu-nos conveniente
buscar tecer uma relação entre o pensamento de Espinosa e o pensamento
contemporâneo, com vistas a facilitar a compreensão das leitoras e leitores. A
quarta destina-se a apresentar o conceito de potência de ação trazendo
também as “noções comuns” e na quinta e última seção é apresentada a
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 30
concepção espinosana de produção de conhecimento, trazendo, em linhas
gerais, a maneira como o filósofo concebia a política e a liberdade.
2.1 CONCEPÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL QUE
ORIENTA ESTA PESQUISA-INTERVENÇÃO
As reflexões sobre Educação Ambiental apresentadas neste capítulo
baseiam-se nas construções coletivas realizadas a partir de discussões e
vivências do Grupo de Educação Ambiental do projeto temático “Floresta e
Mar”, estando estas últimas expressas em duas publicações1.
Uma vez que esta pesquisa integra as atividades do Grupo de Educação
Ambiental, havendo, portanto, uma co-autoria nas reflexões contidas em suas
publicações, foi reservado o direito de, neste texto, fazer citações mais longas
que o usual de trechos das publicações do Grupo.
O grupo parte do pressuposto de que a educação ambiental está
imbuída de um conteúdo político e de que a ação educativa situa-se numa
ampla e complexa relação de conflitos histórica, social e culturalmente
condicionados. Estas idéias estão em sintonia com autores como Gadotti
(2000) e Santos (1996) que compreendem que o processo educativo que se
propõe a transformar a realidade é conflitivo, pois estará necessariamente
lidando com a ruptura com algo (Avanzi et alli, 2001).
1 1. "Partilhando Saberes: reflexões sobre Educação Ambiental no Vale do Ribeira, SP". Trabalho apresentado no EPEA - "Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental: tendências e perspectivas". UNESP, USP, UFSCar, Rio Claro, jul. 2001 e publicado na revista Educação : teoria e prática. Rio Claro: UNESP – IB, volume 09, no 16, 2001. autoras: COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik; OLIVEIRA, Caroline Ladeira de; SPEGLICH, Érica; JUNQUEIRA, Kellen; AVANZI, Maria Rita; NONATO, Rita de Cássia; SAMPAIO, Shaula Maíra V. de; OLIVEIRA, Vivian Gladys de. 2. “Reflexões Metodológicas sobre Construção Coletiva de Conhecimento e Educação Ambiental”. Trabalho apresentado no X Seminário de Educação Ambiental. UFRJ, IME, UFG, entre outros, Rio de Janeiro, nov. 2001. Publicado no livro: Mata, Speranza et alli (org.) Educação Ambiental: Projetivas do século. Rio de janeiro, MZ Editora, 2001. autoras: AVANZI, Maria Rita; COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik; OLIVEIRA, Caroline Ladeira de; SPEGLICH, Érica; NONATO, Rita de Cássia; OLIVEIRA, Vivian Gladys de.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 31
Alguns dos princípios balizadores desta concepção de Educação
Ambiental aqui apresentada são: a) o reconhecimento do papel ativo do sujeito
no processo do conhecimento; b) a preocupação com a democratização de
saberes (científico e popular); c) a relação entre teoria e prática no processo do
conhecimento (Costa-Pinto et alli, 2001).
Compreendemos que para o pressuposto do ‘reconhecimento do papel
ativo do sujeito no processo do conhecimento’ ser internalizado à prática é
necessário trabalhar sob a perspectiva da "pedagogia da demanda", que visa
desencadear um processo gestor de iniciativas, propostas e soluções. Segundo
esses autores, o sentido do processo nasce do acontecer dinâmico, dos
problemas percebidos na cotidianidade e da busca de solução, pois “a
educação própria do processo da demanda deve buscar sempre a construção
de um presente capaz de projetar um futuro melhor” (Gutiérrez & Prado, 1999:
50-51).
Assim sendo, os autores acima citados nos apresentam quatro
dimensões distintas que devem estar presentes na constituição da pedagogia
da demanda: sociopolítica, técnico-científica, pedagógica e espaço-temporal.
Na dimensão sociopolítica está contida a necessidade da participação
popular na formulação das demandas (democracia participativa), uma vez que
tem por base que o sujeito, seja ele individual ou coletivo, adquire poder
político e participa da construção da sociedade, partindo de ações relacionadas
ao seu cotidiano. A segunda dimensão, a técnico-científica, nos diz que não é
possível elaborar uma demanda compatível com o desenvolvimento
sustentável sem uma base técnica e científica, e para que isto se processe é
necessário que haja a participação da população na busca de soluções e de
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 32
satisfações viáveis e possíveis, pois não se trata apenas de saber, mas sim de
‘saber fazer’, não basta ‘querer’, é preciso ‘conhecer na prática’ os
instrumentos adequados que possibilitem atingir as metas traçadas.
A dimensão pedagógica nasce do fazer cotidiano, podendo ser dividida
em quatro momentos: sentir a necessidade e perceber o problema; objetivar a
realidade para conhecê-la e atribuir-lhe significado; analisar as causas e
conseqüências; propor os elementos de satisfação. A dimensão espaço-
temporal refere-se ao fato de que não há processo sem tempo e a educação é
um processo consumidor de tempo: “saber esperar”, pois o processo educativo
implica no respeito aos diferentes ritmos; “não forçar ninguém”, uma vez que é
preciso ter clareza da diferença entre os propósitos institucionais e o fazer a
partir da cotidianidade; “não há pressa”, pois o mais importante aqui não é a
acumulação de informações ou de produtos, mas sim os processos
propiciadores de reflexão, inerentes ao imprevisível.
Essas colocações sobre a dimensão espaço-temporal reforçam a idéia
de que não se pode prever a priori os caminhos a serem seguidos, pois
somente durante o caminhar do próprio processo irão sendo delineadas as
trilhas a serem percorridas. Dessa reflexão advém a opção pelo planejamento
incremental articulado que estaremos tratando mais à frente.
Outro ponto importante a ser considerado é o ´modo de fazer´, pois não
basta partir de uma demanda da população e desconsiderar o seu ´modo de
fazer´. Cada cultura possui seus procedimentos para realizar determinadas
atividades, pois possui uma lógica própria que deve ser considerada na hora de
se efetivar ações, inclusive aquelas que foram conjuntamente delineadas, pois
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 33
só assim é possível respeitar e valorizar o conhecimento local e ter a
população como parceira autônoma.
“Com esta opção metodológica - partir das demandas locais - partilhamos
das idéias de alguns autores que consideram que não basta criar um novo
conhecimento, mas é fundamental que alguém se reconheça nele (Tassara,
1996:53) Ainda segundo esta autora, para criar alternativas de realização
pessoal e coletiva, estas devem ser apropriáveis por aqueles a quem se
destinam” (AVANZI et alli, 2001:10)2..
Não se trata, portanto, de assumir uma postura relativista em que todas
as propostas são válidas a priori porque estão inseridas em um universo
cultural. A própria prática educativa, se o que se objetiva é a transformação
social, vem desacomodar buscando provocar mudanças. No entanto, trata-se
de ir em busca de uma mudança que se construa a partir do diálogo e que os
conhecimentos produzidos venham fazer sentido para os que se envolvem com
o trabalho.
Pesquisas realizadas por Orlandi (1996) e Nonato & Avanzi (2001),
sendo esta última realizada no Vale do Ribeira, apontam que dentro do campo
da educação ambiental tem sido presente também uma visão que se contrapõe
a esta e que se baseia em proposições teóricas ecologistas e práticas
coercitivas, verticais e normativas “tomando o discurso ecologista como
doutrina a ser defendida, e conseqüentemente, aceita, sem a mediação dos
indispensáveis processos de apropriação e interiorização da mesma” (Gutiérrez
& Prado, 1999: 50).
2 Os trechos retirados das publicações do Grupo de Educação Ambiental estão em fonte de outro tipo. As referências de autoria destes trechos são apresentadas em caixa alta a fim de ajudar o(a) leitor(a) a diferenciá-las das citações bibliográficas presentes no interior dos textos do Grupo.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 34
“Esta associação da educação ambiental a práticas de coerção - em que a
noção de estabelecimento de direitos por parte das coletividades, tão cara à
cidadania (Benevides, 1991; Jelin, 1994), é substituída pela noção de
cumprimento de deveres - tende a polarizar a discussão entre conservação
ambiental e bem estar social. As ações de educação ambiental pautadas nesta
visão buscam enquadrar as práticas sócio-culturais locais nos princípios da
conservação ambiental, colocando-os muitas vezes como algo imposto de cima
para baixo, desconsiderando configurações específicas de cada localidade”
(COSTA-PINTO et alli, 2001:3).
Nessas práticas nota-se um esvaziamento do social e do político, pois
são fundamentadas por uma visão preservacionista que não inclui o morador
local no processo de tomada de decisão sobre conservação e fala-se em
preservação da natureza sem análise social e histórica da relação dos atores
sociais com seu meio. Os programas de Educação Ambiental das UCs
analisadas no Vale do Ribeira (Nonato & Avanzi, 2001), orientados por esta
concepção esvaziada de seu conteúdo político e social, em sua maioria,
relacionam-se a ações pontuais, como por exemplo coleta seletiva (ou não) de
lixo, plantio de árvores, trilhas interpretativas etc. Com isso desconsideram uma
abordagem da educação ambiental como potencializadora de políticas que
viabilizem a conservação ambiental. “Permanecendo assim, a cisão entre áreas
e conteúdos do conhecimento, de um lado ações de Educação Ambiental, às
vezes relacionadas ao ecoturismo, de outro ações de manejo sustentável”
(AVANZI et alli, 2001).
2.1.1 BUSCANDO UMA RELAÇÃO HORIZONTAL ENTRE SABERES
“Os critérios de conservação ambiental foram elaborados em espaços
sócio-culturais próprios e por isso estão imbuídos de valores culturais
específicos, que se diferenciam daqueles provindos de outros espaços, como por
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 35
exemplo das comunidades de moradores de UCs. A imposição cultural, que se
configura nestas práticas de educação ambiental coercitivas, é também uma
imposição epistemológica por estar legitimada pelo conhecimento empírico-
racional, visto como a única forma válida de conhecimento. Consideramos que
tal postura resulta em um empobrecimento do horizonte e das possibilidades do
conhecimento.
Em contrapartida a esta, que invalida os conhecimentos não científicos,
existem outras concepções que aceitam como verdadeira a tese de que há muitas
formas válidas de conhecimento, de onde seguem como decorrência, atitudes
que venham valorizar os conhecimentos e práticas não hegemônicas. Isto
implica a escuta de práticas marginais, desvelando-se rastros de utopias
silenciadas, para fundamentar a busca de soluções aos problemas da sociedade
contemporânea (Santos, 1989:16).
Do ponto de vista da educação para a cidadania ativa (Benevides, 1991) e
formação de sujeitos sociais (Touraine, 1997), entendemos que a postura
coercitiva pode vir a reforçar um conceito passivo e tutelar de cidadania, na
medida em que desconsidera o sujeito individual, ator de sua vida pessoal, para
referir-se a um cumpridor de papéis que lhes são atribuídos. "Por que o ator não
é aquele que age em conformidade com o lugar que ocupa na organização social,
mas aquele que modifica o ambiente material e sobretudo social no qual está
colocado, modificando as relações de trabalho, as formas de decisão, as relações
de dominação ou as orientações culturais" (Touraine, 1997: 220-21).
Com base nestas reflexões, procuramos direcionar nossas diferentes
atuações educativas neste trabalho com objetivo de “contribuir para a
conservação da biodiversidade, para a auto-realização individual e comunitária
e para a auto-gestão política e econômica, através de processos educativos que
promovam a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida” (Sorrentino,
1998: 193)” (COSTA-PINTO et alli, 2001:3).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 36
Ao discutir o conceito de qualidade de vida para além das expressões
materiais, que embora indispensáveis "não representam a qualidade", Demo
(1995) introduz o conceito de qualidade política. Essa qualidade política
representa a arte da comunidade ou grupo de se autogerir, a capacidade de
inventar seu espaço próprio, forjando sua autodefinição, sua autodeterminação.
Como um ponto importante desta dimensão qualitativa é destacada a
identidade cultural comunitária, reconhecida como "a razão histórica e concreta
da coesão de grupo". Para o autor é neste ponto que reside "o baú da onde se
retira a fé em suas potencialidades" (Demo, 1995: 18).
Desta forma, entendemos que as colocações feitas acima “se
aproximam da educação popular comunitária, fundamentada no
reconhecimento da diversidade cultural, no desenvolvimento da autonomia das
pessoas, grupos e instituições e na promoção da cidadania. Seu motor é a
melhoria da qualidade de vida, partindo do princípio que nos educamos na
medida em que participamos ativamente dos processos sociais e sobre eles
refletimos coletivamente. A educação popular compreende o momento de
reflexão comunitária sobre a própria prática como culminante e desencadeador
do processo educativo (Gadotti & Gutiérrez, 1993; Gutiérrez Perrez, 1994).
Buscando uma aproximação entre o princípio da autonomia política da
educação popular e aqueles princípios da educação ambiental apontados por
Sorrentino (1998), começamos a visualizar alguns fios norteadores, pois a
educação ambiental que acreditamos se aplicar à realidade do Vale do Ribeira
deve problematizar a relação entre conservação ambiental e bem estar social,
partindo do desenvolvimento de capacidades e competências locais para o
enfrentamento dos problemas” (COSTA-PINTO et alli, 2001:4).
Nessa busca por construir relações horizontais entre saberes, podemos
identificar duas características que marcaram as práticas educativas e de
pesquisas desenvolvidas pelo grupo de Educação Ambiental do projeto
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 37
temático “Floresta e Mar”: a) de que diferentes espaços sociais são
potencialmente educativos e produtores de conhecimento, b) de que a relação
horizontal entre os saberes em processos educativos constitui-se,
potencialmente, em exercício de participação política (Costa-Pinto et alli, 2001).
O primeiro pressuposto parte das reflexões de Dayrell (1996:142), para
quem a educação ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais, num
complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão fixados
pela estrutura material e simbólica da sociedade, em determinado momento
histórico. Neste campo educativo amplo, estão incluídas também as instituições
(família, escola, igreja etc), assim como o cotidiano difuso de trabalho, do
bairro, do lazer etc. A presente pesquisa de mestrado constrói-se com base
neste pressuposto e desenha-se a partir da aprendizagem relacionada à
prática social, investigando-a mais especificamente junto a um grupo formado
para o desenvolvimento deste estudo, com vistas à resignificação de práticas
culturais ligadas à agricultura.
Um caminho para que a ´relação horizontal entre os saberes´ se efetue
constitui-se em “compreender a comunidade local como parceira das
instituições de pesquisa na busca por modelos de desenvolvimento que
congreguem os objetivos da conservação e a melhoria das condições de vida
destas populações. Neste contexto delineiam-se propostas em consonância com
o que Santos (1999) chama de "comunidades interpretativas", em que
universitários (professores, estudantes e funcionários) e comunidade
estabelecem um confronto comunicativo de diferentes formas de saber”
(COSTA-PINTO et alli, 2001).
Ainda sobre a construção dessa relação horizontal entre saberes, cabe
dizer que esta pesquisa procura refletir sobre o aprendizado do processo de
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 38
participação, buscando-o a partir da construção de um conhecimento híbrido,
nascido do diálogo entre o saber popular/“tradicional” e o saber
técnico/científico, ou seja, entre “as diferentes formas de interpretação da
realidade” (AVANZI et alii, 2001).
De acordo com Santos (1999) “as comunidades interpretativas visam
revalorizar saberes não científicos e mesmo revalorizar os saberes científicos,
na medida em que o know-how técnico passa a estar subordinado ao know-
how ético e a aplicação se dá em uma situação concreta em que a comunidade
científica esteja existencial, ética e socialmente comprometida com a
aplicação”.
2.1.2 TECENDO CAMINHOS ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
“Poderíamos então destacar mais um ponto desta nossa reflexão
metodológica: o princípio da ação-reflexão-ação, ou seja, partindo da ação
desenvolvida junto a estes grupos busca-se desencadear uma reflexão que
ressignifica a própria ação. Este princípio, uma vez que vise a transformação da
realidade vivida, é conhecido como práxis. Consideramos a noção de práxis
especialmente importante para um trabalho educativo na área ambiental por
trazer implícita a capacidade do sujeito refletir sobre si mesmo e sobre sua
própria atividade.
Esta opção metodológica permite que a própria comunidade exerça "o
poder de pesquisar-se" (Viezzer & Ovalles, 1995:54). Se a educação ambiental
que aqui se constrói procura caminhos em um contexto de conflitos sócio-
ambientais, conforme explicitado acima, entendemos que a reflexão destes
grupos sobre o que se delineia em sua cotidianidade é central para iniciar o
processo de transformação de sua condição de excluídos do processo de decisão.
Sendo assim, parece-nos bastante coerente optar por uma forma de fazer
pesquisa que incorpore a ação voltada para as necessidades básicas do indivíduo
e da comunidade, que leve em conta suas aspirações e potencialidades de
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 39
conhecer e de agir, e tenha como objetivo incentivar o desenvolvimento
autônomo, autoconfiante (Borda, 1981:43).
Podemos perceber pelo que foi trazido até o momento que os propósitos
deste trabalho encontram-se em consonância com aqueles da pesquisa
participante e da pesquisa-ação. Há, inclusive, autores que se utilizam da
expressão Pesquisa Ação Participante (Thiollent, 1986, Sawaia, 1987). Bader
Sawaia (1987) traz importantes contribuições ao debate sobre a pesquisa ação
participante, situando suas dimensões epistemológica, social e política.
A intervenção, uma de suas características principais, tem movido tanto
ações integradoras que levam à auto-regulação do objeto de estudo e a
mudanças não radicais, como à contestação das estruturas e à luta por
transformações revolucionárias (Haguette, 1987). Vale ressaltar que ela é aqui
compreendida como uma opção metodológica comprometida com uma
perspectiva de transformação sócio-ambiental, tendo a noção de práxis como
eixo norteador.
Gostaríamos de trazer mais alguns elementos sobre o desenrolar dos
trabalhos [desenvolvidos pelo Grupo de Educação Ambiental] com as
comunidades e escolas do Vale do Ribeira. A partir da identificação dos
problemas, os passos seguintes são traçados conjuntamente com a comunidade.
Há, evidentemente, um planejamento inicial pensado pelas pesquisadoras em
seus encontros de "orientação coletiva". Este planejamento, no entanto, é
redesenhado com os grupos do Vale do Ribeira, conforme se dá o andamento do
trabalho. Procuramos estimular as iniciativas que partem destes grupos,
visando construir uma autonomia para pensarem e decidirem suas ações.
À medida que se redesenham os passos junto aos grupos do Vale do
Ribeira, os passos das pesquisas individuais são repensados e, remetendo-nos
novamente à imagem da rede, isto se reflete no trabalho do grupo como um
todo. Num olhar mais apressado isto pode parecer uma nau sem rumo, no
entanto, entendemos que um processo educativo em que a participação dos
sujeitos ocorre de fato, não se limitando a uma participação que vem referendar
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 40
algo que já está pronto [ou se limitar a ser mera fonte de informação para
pesquisas ou ações de terceiros], requer uma flexibilidade de seus facilitadores
e do programa. Uma vez que a ênfase deste trabalho é o processo de
envolvimento da comunidade, partindo de algo que lhes é familiar e
incorporando novos repertórios, e que procura desconstruir uma lógica que
impõe as verdades científicas ou ambientalistas ao seu público alvo, entendemos
que este processo fluido é central para o sucesso da proposta.
Esta fluidez pode causar mal-estar já que estamos impregnados de um
modelo de pensamento repleto de certezas e verdades (Morin, 2000). Mas há
sempre autores e agentes com quem podemos nos reconfortar. Sawaia (1987)
nos lembra que a pesquisa ação participante não define um plano de ação a
priori, o que não significa dizer que desconsidera os princípios da cientificidade.
Pretende-se com isso superar os esquemas rígidos que podem vir a sufocar a
pesquisa, abrindo-se para os múltiplos elementos intervenientes no processo, o
que permite captar a dinâmica do fenômeno analisado.
A leitura de Costa (1986), que nos apresenta o planejamento incremental
articulado, também reconforta as inseguranças que podem despontar durante
este processo. Trata-se de um modo de planejar que considera a maneira
gradual pela qual se dão as mudanças. Para o autor, nenhum sistema social
pode ser transformado de uma vez, partindo de um estado inicial e chegando ao
estado desejado, assim cada mudança que ocorre no sistema pode modificar a
definição do estado desejado. As características do estado desejado devem ser
estabelecidas de modo a se constituírem em critérios que permitam a avaliação
de cada mudança incremental. Estas características fornecem uma direção geral
que articula as ações tomadas.
Isto não significa assumir uma postura de que basta chegar na
comunidade e participar para fazer pesquisa participante. Tereza Haguette
destaca algumas exigências que esta proposta requer do pesquisador: ''uma
postura de analisador, moderador, intérprete, animador" (Haguette, 1987).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 41
A dificuldade expressa em suas palavras pode nos paralisar numa
tentativa de não iniciarmos o trabalho enquanto não estivermos prontas para
atender a todas estas exigências. Mas não há como prescrever receitas a priori,
o próprio desenrolar do projeto e a resposta que damos às circunstâncias e
surpresas cotidianas vão nos preparando para estas exigências. Estar presente
junto às comunidades em outros momentos que não sejam aqueles em que
acontecem as atividades do projeto, com um olhar atentamente distraído e um
respeito às manifestações locais, ajudam a desenvolver esta postura.
Também a presença deste coletivo de pesquisadoras tem nos ajudado a
lidar com a complexidade imanente nesta postura de pesquisador-animador-
intértrepe-moderador, por ser mais de um olhar que se lança sobre dada
situação, ainda por partilharmos em nossos encontros não apenas as certezas da
metodologia e da teoria, mas também nossas inseguranças, medos, ansiedades
e, ainda, a possibilidade dos talentos aflorarem de modo diferente na construção
destes caminhos para uma prática educativa emancipatória” (AVANZI et alli,
2001).
2.2 SOBRE O CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO
As reflexões sobre participação aqui apresentadas partem de algumas
questões que nos mobilizaram durante esta pesquisa: ‘o que leva o indivíduo a
participar?’, ‘como se dá a relação entre esta dimensão individual/subjetiva da
participação e a dimensão coletiva, inserida numa prática social e política?’.
Bader Sawaia, Marilena Chauí e o próprio Espinosa foram nos ajudando a
tecer caminhos para aprofundar as reflexões sobre estas questões.
De acordo com Sawaia (2001:119) "as formas de participação variam de
intensidade, desde simples adesão até a absorção do indivíduo; de
espacialidade, participação 'face a face', anônima, virtual, local, global; de
motivo, por obrigação, por interesse, por imposição, por afeto; de
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 42
temporalidade, longa duração, imediata". A autora traz também a função social
da participação: excludente (voltada ao 'status quo') ou integrativa (visando a
revolução).
Neste mesmo trabalho, Sawaia discute o conceito de participação e os
vários significados que lhe são atribuídos. Faz uma distinção do significado
dado à participação até a década de 1980 e depois desta década3.
De acordo com essa autora, até os anos 80, participar significava ter alto
nível de conscientização política e social, realização de mobilização coletiva
(de grupos ou indivíduos) para a realização de ações cuja meta era atingir a
estrutura social tanto na busca de transformação social como de reforma
modernizadora. Essa concepção de participação era caracterizada pela ênfase
no coletivo, na objetividade e na racionalidade, independente das variações
teóricas e ideológicas. Do ponto de vista metodológico predominavam os
indicadores quantitativos. Olhando sob essa perspetiva: "participar é
arrebanhar o maior número de pessoas para diferentes objetivos coletivos
como, reivindicar direitos e benefícios, desenvolver projetos
desenvolvimentistas ou revolucionários, exercer o direito de voto, fazer greves"
(Sawaia, 2001:117).
Durante a década de 1980 o termo participação adquire um sentido mais
subjetivo e menos estrutural e a ênfase dada à objetividade e ao coletivo é
3 "Nos anos 50, os indicadores da participação são associados à teoria do desenvolvimentismo, central nos trabalhos de modernização de comunidade na América Latina. A preocupação é com a participação do cidadão em projetos de modernização das comunidades pobres. Aparece como conceito central na teoria dos grupos e de liderança. Nos anos 60 aparece com dois sentidos: 1) ênfase no utilitarismo da eficiência organizacional e social. A meta é a participação nos lucros das empresas e o aperfeiçoamento do processo democrático e 2) como conceito chave na ciências sociais comprometida com a transformação social, sinônimo de resistência e ação revolucionária. Seu destinatário é o trabalhador, sua condição, a conscientização e suas formas, a mobilização em torno de reivindicações locais, trabalhistas e sociais" (Sawaia, 2001:117).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 43
substituída pela preocupação com a individualidade e a afetividade. Valores
éticos como autonomia, emancipação e diversidade ganham destaque em
relação à liberdade e à igualdade. A autora coloca ainda que dentro dessa
concepção a temporalidade da participação social se alterou, pois deixou de
ser o tempo das ações políticas pontuais e passou a ser o tempo do cotidiano.
Contudo, Bader Sawaia (2001) faz-nos um alerta para o caráter fashion4
que a participação adquiriu na contemporaneidade, passando a integrar os
discursos dos mais diferentes setores da sociedade, como empresarial,
científico, político, senso comum, entre outros, nos quais a participação é
apresentada como elemento fundamental para aspectos vistos como positivos
na sociedade: inclusão social, cidadania, democracia, saúde mental, sucesso
profissional etc. Aponta também a existência de políticas de participação
excludentes, ou seja, aquelas que não visam a emancipação do sujeito, mas
sim a manutenção de sua situação de explorado.
Não é incomum vermos esta postura “fashion” em programas e políticas
ambientais. Para Pedro Silveira (2001), o discurso da participação tornou-se
oficial a partir da idéia de um esforço global para o desenvolvimento
sustentável.
“As experiências [de conservação] em áreas protegidas mostravam que era muito difícil administrá-las quando havia conflito com os moradores locais. A participação passou a ser, então, parte do vocabulário para programas na área ambiental (Mc Nely, 1995). (...) A visibilidade alcançada pelas populações locais é útil para endossar a legitimidade dos projetos. Segundo Escobar (1996), há uma diferença entre ter visibilidade e ser ouvido” (Silveira, 2001:9).
4 Fashion ou “tirania da moda”, conceito este “usado por Jacques Bouveresse para referir-se à pressão que faz com que os intelectuais franceses escrevam cada vez mais [sobre um determinado assunto] tendo em vista a recepção midiática [em detrimento da precisão conceitual]” (Sawaia, 2001:116 nota 1).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 44
Quando falamos em participação, estamos falando sobre concepções de
sociedade, de cidadania, de ética, de justiça, de educação popular,
movimentos sociais, desigualdade e exclusão social, sendo portanto o cerne
desse debate de cunho ético-político.
Sawaia (2001:123) coloca que a participação é definida na sociedade e
na subjetividade, dentro e fora do indivíduo, tendo como pressuposto o
encontro, pois é na relação que a participação acontece. Além disso, afirma
que enfatizar a análise da participação pela subjetividade "é uma opção
epistemológica e ontológica, é aceitar (...) o pressuposto de que a participação
é imanente à condição humana". Essa análise subjetiva tem por objetivo
garantir que as necessidades humanas sejam priorizadas em lugar das
econômicas e políticas. No entanto, isto não significa desconsiderar as
estruturas econômicas e políticas que marcam a inserção do indivíduo como
sujeito histórico.
Neste ponto se faz importante trazer um alerta feito pela autora
supracitada referente aos perigos do uso da análise da subjetividade: “o elogio
da subjetividade corre o risco de exaltar forças antagônicas de si como o livre-
arbítrio e o individualismo, que obrigam a regressão da subjetividade ao
subjetivismo, isto é, à subjetividade despolitizada, e dessubjetivada cujo maior
perigo é o pensamento que quer tudo relativizar para tudo poder justificar”,
fazendo da participação “uma ação de foro íntimo, contrapondo-se ao coletivo,
como se o interior de cada um fosse o reduto exclusivo do exercício da
liberdade, justiça e felicidade” (p. 123).
As colocações de Sawaia ajudam-nos a compreender a afirmação de
que a ética participativa é ontológica, como nos mostra Espinosa, pois o
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 45
filósofo "desloca o político para o campo da ética e esta para o das emoções.
Para Espinosa, o ético é imanente, não é do âmbito da realidade do mundo
(onde se tem os fatos), nem do âmbito da linguagem (onde se tem idéias que
descrevem os fatos), nem do sujeito mônada, ele está no esforço de se
conservar que é o único fundamento da virtude” (Sawaia, 2001:124). “O livro IV
[da Ética]5 demonstra-nos que a capacidade de sermos afetados e o modo
como o somos, são determinantes para a constituição dos valores éticos, pois
o que faz a coisa boa ou má é o afeto de que deriva" (Ferreira,1997:474). E a
idéia de bom é comandada pelo desejo de ser feliz e o que alegra o homem é
sua disposição de ser livre, de pensar e agir por si próprio (Espinosa, 1983).
Marilena Chauí (2000:51) recoloca estas questões de uma forma
bastante esclarecedora, para a autora só se pode dizer que existe ética se
algumas condições forem realizadas: a) é necessária a existência de um
agente que se reconheça como sujeito de sua ação; b) esse agente só pode se
reconhecer como sujeito da ação se ele for livre para realizá-la; c) ele só se
sentirá livre para realizá-la se tiver consciência da ação que realiza e d) se for
capaz de responder por sua ação. Ou seja, “a ética pressupõe a existência de
um sujeito racional, consciente, livre, responsável, que é capaz de se
autodeterminar para a ação”. Mas não se pode esquecer que este sujeito é
histórico e social, e que, portanto vive em determinadas condições materiais
que não podem ser ignoradas.
As colocações de Chauí ao lado das reflexões trazidas acima
contribuem para nossa reflexão sobre o encontro das dimensões subjetiva e
político-social da participação. A concepção espinosana faz com que a
5 Uma das obras de Espinosa é denominada Ética e está dividida em cinco partes ou livros.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 46
participação deixe de ser um dever do cidadão consciente, uma obrigação,
tornando-se livre da moralidade (participar por tratar-se de atitude virtuosa) e
da renúncia, do altruísmo. Participar passa a ser necessidade, participa-se pelo
desejo de ser feliz e livre. "Participar para não ser governado, para viver em
alegria de não ser comandado e para evitar que o desejo de não ser governado
de uns, transforme-se em desejo de governar, e o poder se personalize"
(Sawaia, 2001:125).
Segundo Sawaia (2001:125) a ética participativa, na prática: "1) altera a
hierarquia capitalista classificatória das necessidades, que privilegia as de
sobrevivência e o critério biológico. Primeiro, manter o organismo funcionando,
depois vem o resto; 2) inverte a concepção de que deve se escolher uma ética
a ser imposta à participação; 3) para ser ético não é necessário superar ou
temer os próprios desejos e necessidades, dobrando-se a imperativos mais
fortes, vindos de fora. Ao contrário é ouvindo-os e sentido-os adequadamente.
Considerar isto é importante para desfazer o mito de que o pobre não tem
sutilezas psicológicas e age como um rebanho tangido por determinações
sociais e pela fome, como se os segredos da subjetividade fossem próprios das
pessoas mais abastadas e intelectualizadas".
Esta abordagem nos leva à compreensão da participação como potência
de ação e caberia aqui fazer uma breve apresentação desse último conceito,
proposto por Espinosa: "potência de ação é a capacidade de ser afetado pelo
outro, num processo de possibilidades infinitas de criação e de entrelaçamento
nos bons e maus encontros. É quando me torno causa de meus afetos e
senhor de minha percepção. A potência de padecer, ao contrário, é viver ao
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 47
acaso dos encontros, joguete dos acontecimentos, pondo nos outros o sentido
de minha potência de ação" (Sawaia, 2001:125).
Ao definirmos a participação como potência de ação, podemos afirmar
que o que move a participação é a vontade de ser feliz, cuja ação reflete, no
limite, na ação política transformadora, mas o motor dessa ação não é apenas
a consciência política, mas também a descoberta de potencialidades, talentos e
capacidades individuais, pois estas descobertas trazem o estímulo à ação e à
participação.
"Eleger a potência de ação como alvo da práxis participativa, eqüivale a
adotar como objetivo o fortalecimento do sujeito em perseverar na luta contra a
escravidão e não, apenas, o aprimoramento de sua eficácia de negociador,
defensor de seus direitos e de militância como alvo da participação, mesmo
porque estes últimos dependem do primeiro" (Sawaia, 2001:126).
Trata-se de fortalecer o sujeito através da ampliação e do
aprofundamento da consciência das capacidades, talentos e potencialidades
que possui e constrói para modificar a realidade, bem como consciência de sua
situação social. O intuito é que a partir desta clareza o sujeito passe a se
envolver com as regras sociais de maneira ativa e crítica e não apenas como
um cumpridor de papéis, mas buscando caminhos para exercer sua potência
de modo a transformar a realidade visando sua felicidade.
Retomamos aqui as reflexões de Demo (1995) sobre qualidade política,
expressas anteriormente6 e consideramos que sejam complementares, pois o
motor para a participação está na relação dinâmica entre o indivíduo e a
6 Cf. página 36 do presente texto.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 48
sociedade, entre o individual e o coletivo, entre o subjetivo e o objetivo, entre a
emoção e a razão. Se para Demo (1995:18) a coesão do grupo seria "a parteira
da participação, porque dá luz à força aglutinadora de um grupo humano que
decide se autodeterminar", como é possível pensar este grupo como sujeito
sem considerar a potência de ação de cada um de seus integrantes? Ou seja,
não se trata de identificar o que vem primeiro, mas compreender a busca das
capacidades e potencialidades individuais e coletivas como ações
complementares.
2.3 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO ESPINOSANO
“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Espinosa... Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai e maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele” (fragmento do texto de excomunhão de Espinosa – Espinosa, 1983:VII).
Por conta de sua produção intelectual, Espinosa foi excomungado pela
comunidade judaica em 1656, tendo sido considerado ateu pela Sinagoga de
Amsterdam.
O filósofo Baruch7 de Espinosa nasceu em Amsterdam em 1632, tendo o
português como língua materna, em uma abastada família de comerciantes.
Originária da cidade castelhana de Espinoza de los Monteros, sua família
emigrou para Portugal por volta de 1492 onde seus integrantes se converteram
7 Baruch, ou Bento em português, ou Benedictus em latim (Espinosa, 1983 e Chaui, 1995).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 49
ao cristianismo, tornando-se, portanto, cristãos novos, embora sem abandonar
de fato a fé judaica. A família passou ainda pela França antes de chegar à
Holanda.
Com a excomunhão, Espinosa foi deserdado e afastado dos negócios da
família que não iam bem, passando a se dedicar ao polimento de lentes para
lunetas e microscópios, o que lhe garantia o sustento.
Embora o texto que o expulsara da comunidade judaica determinasse
que ninguém mantivesse qualquer tipo de contato com ele, Espinosa, segundo
indicam suas correspondências, mantinha bom relacionamento nos círculos de
cultura holandesa, assim como com representantes das altas esferas
administrativas e científicas da época, tendo após sua excomunhão ocupado o
cargo de embaixador. Em 1674 teve a publicação do seu Tratado Teológico-
Político proibido e condenado pelas autoridades cristãs holandesas que
classificaram os escritos de “veneno pernicioso”. Faleceu vítima de tuberculose
em 1677 em Haia - Holanda (Espinosa, 1983 e Chauí, 1995).
Espinosa deixou onze obras, são elas: Breve tratado sobre Deus, o
homem e sua felicidade; Tratado da correção do intelecto; Princípios da
filosofia cartesiana; Pensamentos metafísicos; Tratado teológico-político; Ética,
demonstrada à maneira dos geômetras (em cinco partes ou livros); Tratado
político; Compêndio de gramática hebraica; Tratado do cálculo algébrico do
arco-íris; Cálculo de probabilidades; Cartas (Chauí, 1995).
Para compreender o pensamento espinosano faz-se necessário um
esforço hermenêutico, pois “o vínculo entre língua e idéia é interior, de tal modo
que para exprimir a mesma idéia em outra língua não é possível recorrer à
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 50
tradução literal, mas é necessário (...) habitar a outra língua como um todo e
como maneira geral de falar e existir” (Chauí, 1999:13)8.
De acordo com Espinosa há dois tipos de texto: os inteligíveis e os
hieroglíficos. “O texto inteligível é aquele que mostra ao leitor seu próprio
sentido porque lhe mostra o modo como seus conceitos estão sendo
produzidos na e pela exposição discursiva, de sorte que o sentido das palavras
e das idéias surja no movimento expositivo. O texto hieroglífico, pelo contrário,
é aquele que encontra fora de si as condições para inteligibilidade”
(Chauí:1999:17-18). Vale ainda esclarecer que o texto inteligível é aquele que
pode ser lido e compreendido em qualquer época (um Clássico), pois, “no
modo como enfrenta as questões de seu tempo e a elas oferece respostas, [tal
obra] ensina-nos a interrogar nosso próprio tempo, (...) nos fazendo pensar
para além dela, e graças a ela” (Chauí, 1995:81) sendo, desta maneira, a
história interna ao próprio texto. Ao passo que nos textos hieroglíficos a história
lhes é externa de forma que o conhecimento histórico é pré-requisito à sua
compreensão (Chauí, 1999).
Os escritos que se seguem sobre a obra de Espinosa procuraram seguir
um princípio da hermenêutica ao estilo espinosano9, para parafrasear Chauí
(1999), uma vez que ele próprio considerava sua produção inteligível, fazendo
uma breve imersão em alguns de seus escritos, mas sobretudo buscando
compreender uma pequena parte de sua filosofia com o auxílio de autores que
8 Grifos de Chauí (1999). As obras de Espinosa foram escritas em latim e holandês. 9 De acordo com Chauí (1999:18) um princípio da hermenêutica espinosana consiste em “resolver uma dificuldade de interpretação recorrendo a outros textos do mesmo autor ou do mesmo livro sobre o mesmo assunto”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 51
realizaram leituras bastante mais acuradas e aprofundadas do que foi possível
nesta pesquisa de mestrado.
De acordo com Chauí (1994:11) a obra espinosana mostra que “o
projeto filosófico, científico e tecnológico hegemônico no século XVII é uma
operação ideológica para dissimular a crise constitutiva do capitalismo,
operação apoiada nas idéias de transcendência (de Deus e do Estado), de
hierarquia ontológica dos seres (e, portanto das classes sociais), de finalismo
ético-metafísico (as virtudes são modelos prévios que comandam de fora a
ação humana, segundo a vontade de Deus e do monarca absoluto que
representa a divindade na terra) e de dominação técnica da Natureza”.
Espinosa rompe com a perspectiva teológico-metafísica do século XVII
baseada na essência infinita e perfeita de Deus e na criação do mundo ou das
essências finitas (dentre elas os seres humanos) pelo intelecto e vontade
divinos afirmando que a potência infinita (Deus ou Natureza) é resultado da
potência dos seres finitos, em outras palavras, que Deus/Natureza é produto da
ação dos seres finitos e é conhecido pela ação (experiência e práxis) dos
humanos.
Desta forma, ele inaugura o “materialismo moderno” ao afirmar que a
ontologia é fundada pelo histórico-social, pela práxis; que a ação humana funda
o ser e o absoluto e não o contrário. “Deus-Natureza (...) é constituído pela
potência de existir e de agir dos seres finitos singulares imanentes à potência
infinita do ser absoluto: Natureza e/ou Deus é a ação das coisas singulares
finitas e práxis humana. (...) Ao fazê-lo Espinosa retira o solo onde se movem o
cartesianismo, o mecanicismo, a Reforma e a Contra-Reforma” (Chauí,
1994:11).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 52
“O realismo estará em toda parte em Espinosa, onde as idéias
verdadeiras serão concebidas como o produto, no intelecto” (Chauí, 1970:44).
O objeto é conhecido pela definição e pela ordem, isto é, pela demonstração da
causa que o produz (Chauí, 1970:07 apêndice).
Para Espinosa há uma apropriação cognitiva do objeto real pelo objeto
do conhecimento que opera a liberação ideológica da necessidade da
verificação empírica do conhecimento, trazida por Descartes (Chauí, 1970 –
nota II), uma vez que para este a verdade é algo extrínseco a idéia e se
encontra no juízo, no momento de vontade, enquanto que para Espinosa a
verdade se encontra no interior da idéia - ou modo de pensar, ato de
compreender (Chauí, 1970:53-54).
“A prática teórica contém nela mesma seus próprios critérios, seus protocolos definidos de validação, não há nenhuma necessidade de verificação, por intermédio de outras práticas exteriores a ela. Nenhum matemático espera que a física ´verifique´ um teorema – sua verdade vem-lhe do ´interior´, isto é, de sua demonstração” (Chauí, 1970:07 apêndice).
De acordo com Chauí (1994) “tudo o que é hegemônico no século XVII
vê-se demolido pelo materialismo prático (ético, político, ontológico) de
Espinosa”. Abaixo é apresentada uma tabela, em que são transcritas as
colocações de Marilena Chauí no texto supracitado com seus grifos originais,
contrapondo o pensamento de Espinosa ao pensamento hegemônico no século
XVII:
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 53
Pensamento hegemônico no sec. XVII Pensamento de Espinosa
Idolatria do mercado como organização sócio-política das relações de produção.
Pluralidade infinita das forças produtivas singulares indomáveis porque são forças de apropriação ou desejo.
Burguesia holandesa submissa à crise e às idéias da transcendência e da hierarquia.
Potência infinita do ser que se irradia em expressões singulares, necessárias e livres e cujo poder se realiza plenamente na democracia.
Teoria hobbesiana do contrato e da autoridade política formada pela passagem do fato ao direito como obrigação.
Constituição do político pela multitudo cujo poder é direito e cujo o direito é poder, ambos como desejo de liberdade (governar e não ser governado).
Dualismo cartesiano do corpo e da alma. Movimento contínuo de passagem da singularidade corporal à subjetividade psíquica, ambas aspectos da mesma realidade individual complexa.
Experimentações científico-tecnológicas de domínio da natureza.
Movimento ético-político de apropriação da natureza para a realização da segurança, da paz e da liberdade.
Elaborado por Costa-Pinto, 2003
2.4 SOBRE POTÊNCIA DE AÇÃO
“Toda a Ética se apresenta como uma teoria da potência em oposição à moral como teoria de deveres” (Deleuze, 2002:110).
Para compreendermos melhor o conceito espinosano de potência de
ação, partiremos aqui da maneira como esse filósofo concebe os encontros
éticos. Ele descreve primeiramente dois tipos de encontros: bons - aqueles que
aumentam nossa potência de ação e que, portanto, compõem conosco, são
encontros ativos; e maus - aqueles que diminuem nossa potência de ação e
que, portanto, nos decompõem, degeneram, são passivos. “Nenhuma ação,
considerada só em si mesma, é boa ou má” (Ética IV, proposição 59, outra
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 54
demonstração), “o que faz a coisa boa ou má é o afeto de que deriva” (Ferreira,
1997:474).
Os encontros passivos podem ser alegres ou tristes, compatíveis ou
incompatíveis, ou seja, podem gerar afecções10 de alegria ou de tristeza,
enquanto os encontros ativos geram afetos (sentimentos ou “um tipo particular
de idéia”) sendo sempre alegres (Deleuze,2002: 56).
Cabe aqui ressaltar que os encontros possuem infinitas possibilidades e
que estes aqui citados servem bem para efeito de explicação teórica, sendo
exemplos limites. No mundo real os encontros podem ser muito mais
complexos, havendo diferentes graus de compatibilidade e de conflito parciais,
podendo as afecções se combinarem de muitas maneiras, como por exemplo,
‘eu me alegro com a tristeza daquele que odeio’.
“Se imaginamos que uma coisa, que habitualmente nos faz experimentar uma afecção de tristeza, tem qualquer semelhança com outra que habitualmente nos faz experimentar uma afecção de alegria igualmente grande, odiá-la-emos e amá-la-emos ao mesmo tempo” (Ética III, proposição XVII)
Faz-se importante esclarecer que ao falarmos de encontros passivos
não estamos nos referindo à ausência de ação, mas à pouca ou nenhuma
compreensão da causa dos encontros, o que se relaciona com a heteronomia,
com as paixões tristes. Estas últimas, muitas vezes, promovem ações muito
intensas, mas não na direção da autonomia, mas na direção do padecimento,
da servidão. Ao falarmos em potência de ação nos referimos à capacidade de
10 “‘Affeccitiones’, termo latino que significa, grosso modo, ‘os modos pelos quais as substâncias são afetadas’, como um pedaço de madeira é afetado ao ser pintado de vermelho ou como uma cadeira é afetada ao ser quebrada” (Scruton, 2000:12). Ou para usar as palavras de Chauí (1995:105) a afecção espinosana refere-se a “toda mudança, alteração ou modificação de alguma coisa, seja produzida por ela mesma, seja causada por outra coisa”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 55
empreender uma ação ética, libertadora, emancipatória e não simplesmente ao
ato de realizar algo.
Espinosa nos diz que o único modo de alcançar a liberdade é
conhecendo. Para ele a única maneira de conhecer algo verdadeiramente é
“conhecer pela causa” e, portanto, se faz fundamental que tenhamos
consciência da causa primeira de nossos desejos, pois, segundo ele, são estes
que impulsionam nossas ações, tendo a alegria e a tristeza o papel de
direcionar o movimento iniciado, podendo ser em direção ao incremento ou
diminuição de nossa potência de ação.
Considerando os encontros passivos e ativos, a alegria desses dois tipos
de encontro é a mesma, diferindo apenas pela sua causa. A alegria do
encontro passivo é fruto de uma causa externa ao próprio encontro (“idéia
inadequada”) sendo, portanto, contingente, circunstancial, enquanto a alegria
do encontro ativo deriva de uma causa interna (”idéia adequada”), sendo assim
permanente, necessária.
Uma idéia adequada é aquela que expressa sua causa, ao passo que
uma idéia inadequada não o faz, sendo, portanto, fonte de erros e ilusões. Por
exemplo, define-se “um círculo quando se diz que ele é produto de rotação de
um segmento em torno de um eixo ou de um ponto extremo central. Fazer isto
é conhecer o círculo (...) através da causa que o produz” (Espinosa, 1983:XIII),
“sendo a gênese do objeto definido sua definição real” (Chauí, 1999:80). Ao
passo que quando se diz que um círculo “é uma figura geométrica cujos pontos
são eqüidistantes do centro” (Chauí, 1999:80), estamos descrevendo-o.
Podemos, para citar um outro exemplo, dizer que juntamos recursos
financeiros para garantir a casa própria, mas o que move este poupar não é a
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 56
casa em si, mas a segurança e o conforto que ela representa, sendo esta a
causa primeira (interna e adequada) de nosso desejo pela casa e do ato de
poupar. Segundo Hardt (1996: 146) “o adequado é aquilo que desvela a
dinâmica produtiva do ser”.
“Por idéia adequada entendo uma idéia que, enquanto é considerada em si mesma, sem relação com o objeto, tem todas as propriedades ou demonstrações intrínsecas de uma idéia verdadeira” (Ética II; definição IV).
De acordo com Chauí (1970:52) para o filósofo ´idéia´ significa “um
modo de pensar, isto é, o próprio ato de compreender”. E ter uma idéia
adequada equivale a ter uma idéia verdadeira e “ter uma idéia verdadeira
significa conhecer uma coisa perfeitamente, ou o melhor possível”. O conceito
de adequação em Espinosa está associado a uma potência lógica e não a uma
consciência psicológica, “a idéia adequada se explica por nossa potência de
compreender”, a idéia adequada “representa a ordem e a conexão das coisas”
(Deleuze, 2002:84). Chauí (1970:07 apêndice) salienta que “contra o critério
pragmático ou contra o transcendental ergue-se a adequação espinosana”.
Por sua vez, uma idéia inadequada “não se explica formalmente pela
nossa potência de compreender, não exprime materialmente sua própria
causa, e atém-se a uma ordem de encontros fortuitos em vez de alcançar a
concatenação das idéias”, valendo colocar que “a matéria da idéia não é
buscada em um conteúdo representativo mas num conteúdo expressivo”
(Deleuze, 2002:84).
O aumento da potência de agir denomina-se afeto ou sentimento de
alegria e a diminuição dessa potência, tristeza. A alegria é gerada pelo
encontro de corpos que estão em conformidade em sua natureza, ou seja, que
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 57
somam suas potências. Uma vez que os seres humanos possuem a mesma
natureza, teoricamente, seus encontros deveriam ser ´pura alegria´, mas como
são sujeitos às paixões concordam muito pouco entre si. Assim sendo, a
existência humana é repleta de encontros tristes e passivos, pois os humanos
se encontram, em sua maioria, no nível mais baixo de sua potência.
Já nossos afetos ou sentimentos advêm do encontro com outros corpos,
explicam-se pela natureza do corpo afetante, são paixões, visto que suas
causas não nos são internas e sim externas. Tanto alegrias como tristezas
podem ser paixões, pois estas são “sentimentos causados em nós por coisas
ou causas exteriores a nós e das quais somos receptores passivos” (Chauí,
1995: 108). “A alegria é uma paixão ´enquanto a potência de agir do homem
não cresceu a ponto de que ele se conceba adequadamente, a si mesmo e as
suas próprias ações´ ” (Deleuze, 2002:57).
Sawaia (1998:132) faz um alerta para a necessidade de distinguirmos as
qualidades das emoções e sentimentos, dada a existência de alegrias e medos
bons e ruins. O medo ruim é aquele que causa paralisia, degeneração,
padecimento, ao passo que o medo bom é aquele que leva à revisão, à
reflexão sobre as causas do encontro, incrementando nossa potência de ação.
De maneira análoga, a alegria momentânea, corpórea, explosiva, eufórica é
degradadora, bem diferente da alegria experimentada em um bom encontro da
ordem da potência de ação.
“a alegria é má só na medida em que impede que o homem seja apto para agir” (Ética IV, proposição LIX).
Deleuze (2002) mostra que, segundo Espinosa, não basta que nossa
potência cresça materialmente para que se transforme de passiva em ativa,
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 58
pois se não a dominamos formalmente, continuamos separados de nossa
potência. O autor aponta como fundamental a separação entre dois tipos de
paixão: paixão alegre e paixão triste. Caso a paixão exprima diretamente a
essência ou grau de potência do corpo afetante, se for a idéia de uma afecção
interna ou de uma auto-afecção será esta uma paixão alegre, caso contrário
uma paixão triste. Cabe colocar que “toda essência11 é pois essência de
alguma coisa com a qual se está em relação recíproca” (Deleuze, 2002: 78).
Espinosa nos diz que os seres humanos são parte da natureza e, que
assim sendo, somos uma parte desmesuradamente mais fraca frente ao
conjunto de todas as outras que nos cercam e afetam.
A nossa potência de ação ou força de existir está diretamente
relacionada com a nossa capacidade de ser afetado pelo outro, podendo esta
capacidade ou habilidade ser preenchida por afecções passivas e ativas,
quando preenchida pelas ativas relaciona-se diretamente com nossa potência
de ação e quando por passivas com nossa potência de sofrer ou de padecer,
para usar as palavras de Sawaia (2001).
Neste ponto perguntamos: como podemos aumentar nossa potência de
ação? Como podemos produzir bons encontros, alegres e ativos?
As respostas a essas perguntas estão intrinsecamente ligadas ao nosso
poder de ser afetado, pois ao sermos afetados por esta ou aquela afecção
temos nossa potência de agir aumentada ou diminuída, alterando assim nosso
grau de potência. Deleuze (2002:107) nos coloca que “um mesmo indivíduo
não tem o mesmo poder de ser afetado, criança, adulto [ou] velho, com saúde
11 De acordo com Deleuze (2002:89) essência em Espinosa significa “grau de potência”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 59
ou doente”. Outro ponto importante para pensarmos o aumento de nossa
capacidade de agir está intimamente relacionada com a vida social, como
veremos mais a frente.
2.4.1 NOÇÃO COMUM: TRANSFORMA-AÇÕES
Voltando agora nossa atenção às afecções, Espinosa diz ainda que a
alegria passiva pode ser transformada em alegria ativa, que um encontro
passivo pode ser transformado em um bom encontro através da realização de
um trabalho interpretativo de nossos afetos para descobrirmo-nos como causa
interna deles, ou seja pela produção das noções comuns.
Elaborado por Costa-Pinto, 2002
De acordo com Deleuze (Hardt, 1996:153) o mandato de Espinosa é
“tornar-se alegre” e para colocar isto em prática é preciso iniciar o combate à
tristeza, a desvalorização das paixões tristes e denunciar aqueles que as
cultivam e delas dependem. Segundo Ferreira (1997) uma paixão só pode ser
combatida por uma outra paixão mais forte.
O ato de conhecer nos afeta positivamente, quanto mais conhecemos
verdadeiramente mais incrementamos nossa potência. Vale aqui recolocar que
de acordo com o pensamento espinosano a razão é fundada pelos afetos,
“pensamos e agimos não contra os afetos, mas graças a eles” (Chauí,
1995:71). A razão é conselheira de nossos atos na medida que nos indica
encontro ativo encontro passivo
alegria ativa alegria passiva tristeza
(aumenta nossa (aumenta nossa (diminui nossa
potência de ação) potência de ação) potência de ação)
noção comum
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 60
estarmos ou não no caminho da liberdade, pois “a razão não anula o estado
servil, não combate as paixões nem organiza a vida política” (...) “a descoberta
dos valores éticos é feita por via racional” (Ferreira, 1997:469 e 475), porém a
condução do processo é feita pelos afetos. Não é pensando que chegamos às
noções de bem ou de mal, mas sim sentido (sendo afetados), tendo
consciência do que se sente.
De acordo com Hardt (1996) este é o primeiro passo em direção de uma
prática ética. “Somos capazes de favorecer encontros compatíveis (paixões
alegres) e de evitar encontros incompatíveis (paixões tristes). Quando fazemos
esta seleção estamos produzindo noções comuns”12. Podemos dizer que a
busca por elas é a busca do reconhecimento das relações comuns que existem
entre os corpos.
Cabe esclarecer que buscar o que é comum não significa buscar
unicidade, uma vez que compreendemos que a busca do que é comum não
significa descartar ou desconsiderar a diversidade, valendo relembrar as
colocações de Espinosa sobre as infinitas possibilidades de combinações de
afecções nos encontros.
A noção comum “‘é sempre uma idéia de similaridade13 de modos
existentes’” (Hardt,1996:154), é sempre uma idéia adequada, pois ela nos
12 É importante ressaltar que noção comum NÃO é o mesmo que senso comum. Este último, de acordo com Abbagnano (1982:841) significa maneira comum de falar ou viver, é um julgamento sem reflexão, comumente sentido por todo um povo, toda uma nação. Refere-se a um sistema de símbolos de um grupo social, sistema este antes prático que intelectual composto pelas “tradições, ocupações, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõe são efeito da linguagem quotidiana comum, pela qual os membros do grupo se comunicam” (...), senso comum são juízos “que não se encontram demasiado contaminados pelas teorias” (Blackburn, 1997:355). 13 Valem aqui as colocações feitas no parágrafo anterior, uma vez que compreendemos que a similaridade não exclui a pluralidade.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 61
apresenta sua lógica interna, envolvendo e explicando sua causa. Hardt
(1996:154) traz ainda outra contribuição para compreendermos esse conceito,
dizendo que as noções comuns “são idéias que são formalmente explicadas
por nossa potência de pensar”.
Quando encontramos um corpo que está de acordo com o nosso,
experimentamos uma afecção passiva alegre, somos induzidos a formar uma
idéia do que é comum entre o nosso corpo e este outro. Essa experiência da
alegria inicia o processo de construção da noção comum e a formação desta
transforma a afecção passiva alegre em afecção ativa. Noção comum é o
processo de conhecimento da causa da afecção da alegria passiva,
propiciando sua incorporação no encontro e transformando-o, portanto, em
ativo. A noção comum é um agente constitutivo, é o mecanismo pelo qual a
mente passa de uma paixão para uma ação, da imaginação para razão14. A
formação da noção comum é a própria constituição prática da razão.
Deleuze (2002:100) apresenta a ordem de formação das noções
comuns. “As primeiras noções comuns são pois as menos gerais, as que
representam algo em comum entre o meu corpo e outro que me afeta de
alegria-paixão; 2º) dessas noções comuns decorrem por sua vez afetos de
alegria, já que não são paixões, porém alegrias ativas que vêm, por um lado
superar as primeiras paixões, e por outro, substituí-las; 3º) essas noções
comuns e os afetos ativos que delas dependem dão-nos força para formar
noções comuns mais gerais, exprimindo o que há de comum, mesmo entre o
nosso corpo e corpos que não lhe convém, que lhe são contrários ou o afetam
14 Os conceitos espinosanos de razão e imaginação serão mais desenvolvidos posteriormente neste mesmo capítulo.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 62
de tristeza; 4º) e dessas novas noções comuns decorrem novos afetos de
alegria ativa que vêm ultrapassar as tristezas e substituir as paixões nascidas
da tristeza”.
Elaborado por Costa-Pinto, 2003
Retomemos a pergunta de como produzir bons encontros. Espinosa nos
diz que para produzir estes encontros alegres e ativos é necessário que a
causa da afecção passiva seja envolvida e incorporada pelo encontro,
passando então a ser causa interna (“idéia adequada”) deste encontro.
A força motriz de todo este processo é o conatus, é a tendência
espontânea e natural de autoconservação do ser, o esforço que o ser realiza
para preservar-se na existência.
O conatus está sempre em ato e podemos conceber duas maneiras
distintas de realização do ato, do esforço de autoconservação: a) ao acaso dos
encontros, ao sabor das afecções e afetos externos que nos afetam ou b)
organizando e selecionando os encontros desejados. Tanto no primeiro como
Encontro ético ativo Encontro ético passivo
alegria ativa A alegria passiva tristeza
(aumenta nossa (aumenta nossa (diminui nossa
potência de ação) potência de ação) potência de ação)
noção comum A
alegria ativa B noção comum B (aumenta nossa potência de ação)
2º MOMENTO
(noção comum
mais geral - B)
1º MOMENTO (noção comum menos geral - A)
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 63
no segundo caso a busca é pelo aumento da potência de ação, por
experimentar paixões alegres.
No primeiro caso esse ato de autopreservação acontece mesmo que
seja às custas da destruição do que nos ameaça, experimentando assim uma
alegria derivada do ódio e da tristeza. No tocante aos encontros, expõe-nos ao
risco permanente de encontrarmos outros modos existentes, hostis e mais
fortes, que nos destruirão, relacionando-nos reativamente com as coisas, desta
forma, nos aprisionamos ao medo e a outras afecções derivadas da tristeza,
tais como vingança, inveja, crueldade, cólera etc. com a falsa sensação de
liberdade.
No segundo caso, ao selecionarmos e organizarmos os encontros
desejáveis, ou seja, aqueles que compõem conosco, tornamo-nos mais
fortes/potentes e menos vulneráveis, podendo empreender ações éticas e
tornarmo-nos livres de fato. Espinosa aponta ser a sociedade o espaço
privilegiado para que isto se dê, como veremos adiante.
2.5 EXISTO, LOGO PENSO: A EPISTEMOLOGIA ESPINOSANA
O amor não é senão a alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior, e o ódio não é senão a tristeza acompanhada da idéia de uma causa exterior. Vemos, além disso, que aquele que ama se esforça por ter presente e conservar a coisa que ama; e, ao contrário, aquele que odeia esforça-se por afastar e destruir a coisa que odeia. (Ética III, proposição XIII, escólio).
Seguindo a mesma linha de raciocínio das noções comuns, o filósofo
traça o caminho da produção do conhecimento, fazendo-se importante aqui
colocar que Espinosa argumenta contra o “empirismo dogmático latente no
idealismo cartesiano” (Chauí,1970:06 apêndice) invertendo a ordem “duvido,
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 64
penso, portanto sou” de Descartes, para quem a existência emana dos atos de
afirmar ou negar. Já para Espinosa a existência funda os atos de afirmar ou
negar, o que exclui a dúvida, pois esta requer existência para se manifestar.
Desta forma deixa-se de ir do conhecimento ao ser, do sujeito ao objeto,
movimentando–se em direção oposta do ser ao conhecimento, do objeto ao
sujeito (Chauí, 1970).
“Espinosa parte de um saber objetivo não refletido e eleva-se dele a um saber refletido, (...) o percurso reflexivo é a passagem da idéia à idéia da idéia e desta para a idéia verdadeira (...), adequada.” (Chauí, 1970:42).
De acordo com ele há três formas de conhecimento:
♦ 1o gênero de conhecimento: imaginação, opinião e revelação;
♦ 2o gênero de conhecimento: razão;
♦ 3o gênero de conhecimento: intuição.
O primeiro gênero de conhecimento é o mais baixo dos três e a grande
maioria das nossas idéias opera neste nível. O processo prático de Espinosa
de produção do conhecimento consiste em passar do primeiro gênero para o
segundo e deste para o terceiro de maneira progressiva.
Imaginação, opinião e revelação dependem de uma causa externa,
sendo estas formas de conhecimento compostas pelo encadeamento de idéias
inadequadas e dos “afetos-paixão”15 que delas derivam . A imaginação difere
das outras duas formas de conhecimento do primeiro gênero por se manifestar
no plano material e nos apresentar indicativos de sua causa, podendo assim
ser transformada em idéia verdadeira, adequada. Esta mesma transformação
não se faz possível em relação à opinião e à revelação, pelo fato das causas
15 Deleuze, 2002.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 65
de ambas permanecerem obscuras e por elas não se manifestarem
materialmente.
“das coisas singulares que os sentidos representam mutiladas, confusas e sem ordem à inteligência (...) tomei o hábito de chamar a essas percepções: conhecimento pela experiência vaga; (...) do fato de termos ouvido ou lido certas palavras, nos recordamos das coisas e delas formamos idéias semelhantes àquelas pelas quais imaginamos as coisas (...), chamarei essas duas maneiras de considerar as coisas: conhecimento do primeiro gênero” (Ética II, proposição XL, escólio II - grifos do autor).
Assim como uma afecção passiva transforma-se em afecção ativa
através da formação de uma noção comum, a imaginação (primeiro gênero de
conhecimento) alcança a razão (segundo gênero de conhecimento) também
por meio da noção comum. “As noções comuns são os pilares que se erguem
no terreno da imaginação para construir a razão”, explicitando assim o que
Deleuze chama de “curiosa harmonia” entre a imaginação e a razão, pois desta
forma elas estão articuladas em um “continuum como diferentes estágios e
planos no processo de constituição intelectual” (Hardt, 1996: 161). Ainda
segundo Hardt (1996: 159) “a mente forja a noção comum a partir de idéias
inadequadas, tal como o corpo forja um martelo a partir do ferro. A noção
comum serve de ferramenta prática em nosso esforço para alcançar o pináculo
da sabedoria”.
De acordo com Deleuze (2002) a razão se esforça por organizar
encontros, por vezes através dos desdobramentos, outras vezes através da
substituição de afetos passivos por afetos ativos.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 66
“do fato de termos noções comuns e idéias adequadas das propriedades das coisas (...). A este gênero darei o nome de Razão e conhecimento do segundo gênero” (Ética II, proposição XL, escólio II - grifos do autor).
Para Espinosa o terceiro gênero de conhecimento ou beatitude é a
plenitude, a própria felicidade suprema, quando nos apropriamos plena e
formalmente de nossa potência, quando os “afetos-sentimentos” ativos gerados
são alegrias e amores muito especiais, quando passamos a nos relacionar de
forma ativa e não reativa com todas as coisas.
“Além destes dois gêneros de conhecimento, há ainda um terceiro, como o mostrarei a seguir, a que chamaremos ciência intuitiva. Este gênero de conhecimento procede da idéia adequada da essência formal de certos atributos de Deus para o conhecimento adequado da essência das coisas.” (Ética II, proposição XL, escólio II – grifos do autor).
Segundo o filósofo, esse gênero de conhecimento só é atingido pelo
sábio, mas é justamente a busca pela beatitude (felicidade suprema) que move
os seres humanos e “as paixões alegres são elementos catalisadores na
marcha progressiva de auto-realização” (Ferreira,1997:475).
Embora de forma contingente e flutuante, a imaginação nos fornece uma
indicação real do estado dos corpos e das relações presentes. Enquanto a
imaginação apresenta as coisas como contingentes, a razão e a intuição as
apresentam como necessárias.
Extraído de Hardt, 1996:162
imaginação noção comum razão
OU
2o gênero de conhecimento 1o gênero de conhecimento
imaginação opinião
revelação
noção comum
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 67
Assim sendo, entendemos que a noção comum é o elo de ligação entre
a imaginação e a razão, o que desmistifica a forma de produção da razão e
constitui um diferencial da epistemologia espinosana. Não se atinge o próximo
gênero de conhecimento negando o estágio presente, mas sim realizando uma
composição a partir dele.
Esta concepção apresentada por Espinosa, em nosso entender,
populariza a produção de conhecimento, pois considera que qualquer pessoa
pode produzir conhecimento a partir do estágio em que está, considerando que
o primeiro é aquele em que a maioria se encontra. Isto tira das mãos dos
iluminados e intelectualizados o poder de pensar o mundo e,
conseqüentemente, de elaborar suas regras.
Desta forma, contingência e necessidade, razão e imaginação não são
opostos excludentes, mas sim “platôs articulados num continuum produtivo
pelo próprio processo de constituição” (Hardt, 1996: 163).
Para compreendermos a relação entre a dimensão subjetiva do conceito
de potência de ação e a dimensão política, passaremos a examinar um pouco
mais de perto a concepção espinosana de liberdade.
2.5.1 LIBERDADE: AUTONOMIA NO SENTIR, PENSAR E AGIR
Espinosa repudia a noção corrente de livre arbítrio16 apontando-a como
superstição, pois segundo ele o ser humano livre não é aquele que faz o que
quer na hora que quer, mas aquele que tem consciência de suas
necessidades, que conhece as leis imutáveis da natureza, que conhece as
16 A noção corrente de livre arbítrio a que nos referimos neste texto é um conceito criado pelo cristianismo para explicar o pecado original e aqueles que os homem cometem. “É a liberdade da vontade para escolher entre várias opções, (...) pressupõe que os acontecimentos do mundo são contingentes e dependem da vontade humana para se realizarem ou não”. (Chauí, 1995:107)
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 68
regras que regem as coisas que o cercam, que conhece as causas de seus
desejos. Vale ressaltar que, para Espinosa, a única forma de conhecer
verdadeiramente é conhecendo pela causa.
“ ...os homens enganam-se quando se julgam livres, e esta opinião consiste apenas em que eles têm consciência das suas ações e são ignorantes das causas pelas quais são determinados. O que constitui, portanto, a idéia de sua liberdade é que eles não conhecem nenhuma causa de suas ações. Com efeito, quando dizem que as ações humanas dependem da vontade, dizem meras palavras das quais não têm nenhuma idéia. Efetivamente todos ignoram o que seja a vontade e como é que ela move o corpo...” (Ética II, proposição XXXV, escólio).
A liberdade não é estar livre da necessidade, mas sim ter consciência
dela. De acordo com Scruton (2000: 41) o ser humano livre de Espinosa “é um
tipo altaneiro e alegre”. Segundo o próprio Espinosa em sua proposição LXVII
da Ética IV “o homem livre em nada pensa menos que na morte, e sua
sabedoria não é uma meditação sobre a morte mas da vida”, não sendo levado
pelo medo da morte uma vez que vive sobre o ditame da razão. Ser livre não
significa estar libertado da realidade física, mas significa entendermos a
realidade e a nós mesmos como parte dela.
E complementa, “um homem que é guiado pela razão é mais livre num
Estado, onde vive segundo as decisões comuns, do que na solidão, em que ele
somente obedece a si mesmo, (...) a verdadeira meta do governo é a liberdade”
(Scruton, 2000:42). Nesse ponto Espinosa fala de uma liberdade que está
relacionada com a habilidade das pessoas em cuidarem de seus projetos.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 69
“De acordo com Espinosa, a liberdade não é um ato de escolha voluntária, mas a capacidade de sermos os agentes ou sujeitos autônomos de nossas idéias, sentimentos e ações, de acordo com a causalidade interna de nosso conatus" (Chauí, 1995:107).
Desta forma, a arte do bom governo é garantir um regime onde os seres
humanos possam viver em liberdade, ou seja, que garanta a expressão da
potência de ação dos indivíduos.
Parece caber aqui uma breve definição de ação. A ação é um efeito
resultante de uma idéia que é claramente concebida, ação é o desejo que é
definido pela potência do homem, ou seja, pela razão. Assim sendo, a ação
ética é sempre uma coisa boa, pois de acordo com Chauí (1995:105) são
“afetos ou sentimentos, idéias ou pensamentos, atitudes ou comportamentos
dos quais somos a causa ou os agentes”.
Espinosa aconselha-nos a estarmos constantemente aperfeiçoando
nosso intelecto, nossa razão, pois aí reside a felicidade suprema, uma vez que
a razão nos garante o entendimento adequado do mundo, permite assim que
formemos idéias adequadas das coisas. Isto nos alegra e incrementa nossa
capacidade de agir, ou por outras palavras, aumenta nossa potência de ação.
Chegamos aqui a um ponto importante da filosofia de Espinosa, pois,
para ele, falar sobre potência de ação é a conexão crucial da passagem da
teoria para a prática, pois é “o momento em que suspendemos o esforço de
pensar o mundo para começar a criá-lo” (Hardt, 1996:105). Estar potente é ter
capacidade de colocar coletivamente idéias em prática e, para tanto, é preciso
que nossa capacidade de agir, que nossa potência de ação seja aumentada, o
que se dá na sociedade. Da mesma forma que a alegria nos potencializa para
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 70
ação, o ato de agir nos alegra e desta forma nos potencializa, num processo de
alimentação recursiva.
Com base nas reflexões expostas anteriormente, podemos dizer que
somente a alegria proveniente das idéias adequadas caminha na direção da
liberdade, da autonomia do sujeito. Assim sendo, reafirmamos aqui a
colocação de Espinosa de que a adequação é contagiosa, podendo ainda dizer
que a alegria é contagiosa.
2.5.2 PENSAMENTO POLÍTICO: ALGUNS FRAGMENTOS
Tanto no terreno dos encontros como no da construção de
conhecimento iniciamos nossa investigação pelo ponto mais baixo de nossa
potência, iniciaremos então nossa apresentação do pensamento político
espinosano pelo nível mais baixo da organização social, atendendo mais uma
vez o convite do filósofo que vê o processo político construído de baixo para
cima: assim como “ninguém nasce racional, ninguém nasce cidadão” (Hardt,
1996). Não há uma ordem pré-determinada, cada elemento da sociedade é
construído de acordo com os elementos disponíveis (sujeitos constituintes -
cultos ou ignorantes; afecções existentes - sejam elas paixões ou ações). O
que, segundo Hardt (1996:168), “significa dizer que nenhuma ordem social
pode ser imposta por quaisquer elementos transcendentes, por nada de fora do
campo imanente de forças e assim qualquer concepção de dever ou moral
deve ser secundária e ser dependente da afirmação de nossa potência”.
“Se duas pessoas concordam entre si e unem suas forças, terão mais poder conjuntamente e, conseqüentemente, um direito superior sobre a natureza que cada uma delas possui sozinha e, quanto mais numerosos forem os homens que tenham posto suas forças em comum, mais direito terão todos eles” (Tratado Político, capítulo II, parágrafo 13).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 71
O núcleo da política espinosana é orientado para a organização de
encontros sociais de modo a propiciar e a estimular encontros compatíveis,
relações úteis. Cabe aqui lembrar que é útil tudo aquilo que aumenta a
potência de ação dos seres humanos.
Para o filósofo, a teoria da potência e dos corpos (encontros) é
aproximada da prática política na forma de uma teoria do direito: “tudo o que
um corpo pode fazer (sua potência) é também seu direito natural” (Hardt,
1996:167). Aqui a lei da natureza refere-se ao desejo inicial, ao mais forte
‘apetite’, o desejo de ser feliz, que é expresso pelo próprio conatus, o esforço
que o ser realiza para se preservar. Na política o conatus é o direito natural
(Chauí, 1995).
De acordo com esta concepção, nosso direito natural é “coextensivo” ao
nosso poder de ser afetado, havendo aqui uma dinâmica entre o que eu posso
fazer e a minha potência. Sempre estendemos ao máximo aquilo que podemos
fazer, sendo esta uma atitude ética pois empreender algo nos alegra por ser útil
a nossa própria preservação. Portanto, apenas somos capazes de empreender
ações éticas a partir do incremento de nossa potência de ação.
Segundo Espinosa, o Estado e a vida civil surgem para permitir a
realização concreta do direito natural. No estado de natureza, em que cada um
exerce seu direito natural contra o outro, cada um representa uma ameaça ao
outro, havendo assim um grande desgaste e um enfraquecimento das
potências individuais, instaurando-se um temor constante do outro uma vez
que as potências individuais são menores que a potência de um coletivo.
Como já foi dito anteriormente, são os bons encontros (aqueles que
geram agregação das potências) que aumentam a potência de ação dos
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 72
sujeitos. A partir desta agregação potencializadora, Espinosa nos aponta a
formação do multitudo, ou multidão ou massa ou ainda povo, com um conatus
coletivo detentor de uma potência incomensuravelmente maior do que as
potências individuais, sendo ela o poder soberano no Estado Civil.
Segundo Chauí (1995:78) “a liberdade política só se realiza quando o
direito civil (as leis) e o Estado (as instituições do governo) fortalecem o
conatus coletivo, em lugar de enfraquecê-lo, subjugá-lo no medo, na ilusão
supersticiosa e nas promessas de recompensas numa vida celeste futura para
os ofendidos e humilhados nesta vida”.
Para Espinosa a finalidade do governo não é garantir uma vida justa aos
cidadãos, mas sim garantir a livre expressão de agir e pensar, sendo a justiça
social uma conseqüência de uma “política adequada aos interesses e
costumes dos cidadãos que a instituíram”. (Chauí, 1995:75). E o melhor regime
político para que estas condições se realizem é a democracia, pois nela as
regras (leis) são fruto de uma construção coletiva (direta ou indiretamente via
representantes).
Porém, diante do exposto acima, o filósofo faz um alerta quando nos diz
que a forma política depende em todas as circunstâncias do próprio povo e que
impor um regime político, em que o povo não veja como exercer seu direito
natural através do direito civil, é realizar uma falsificação política, pois
teoricamente há um determinado regime implantado, mas age-se como se
fosse outro (Chauí, 1995).
Assim sendo, pode-se vislumbrar uma íntima relação entre liberdade,
felicidade, potência de ação e vida social: ser livre relaciona-se com ter
consciência das regras que regem o que cerca o sujeito, das próprias
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 73
necessidades e afetos, de modo a relacionar-se ativamente e não de forma
reativa com as coisas. Relacionar-se ativamente com as coisas pressupõe o
aumento de nossa potência de ação, o que por sua vez, está em relação direta
como nossa capacidade de ser afetado pelo outro e de selecionar bons
encontros. Esse aumento de potência só é possível na vida em sociedade, pois
nela a descoberta pelos seres humanos das vantagens de unir forças para a
vida em comum potencializa os sujeitos. Isto nos remete novamente à
liberdade, pois quanto mais potentes mais livres somos e essa liberdade é a
própria felicidade, felicidade de ser, de agir e pensar por conta própria sendo
causa dos próprios afetos.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 74
CAPÍTULO 3 .
PEDRINHAS: SUA GENTE, SUAS HISTÓRIAS, FESTAS E MODOS
DE VIDA
Neste capítulo apresentamos a história do bairro de Pedrinhas
e o modo de vida da população, combinando os dados coletados durante as
idas a campo com as informações obtidas a partir de fontes secundárias.
Segundo Carvalho (1999), o Bairro de Pedrinhas teve sua fundação
datada de 1906, com a chegada de três famílias no início do século. De acordo
com os depoimentos de moradores coletados pela autora, eram três homens
com sobrenome Lisboa, sendo dois deles provenientes da Ilha de Marca
(próxima à Cananéia). Ainda baseada nesses depoimentos, Carvalho
considera que já havia famílias morando no local antes desta data.
A mesma autora apresenta Eduardo Lisboa o ‘fundador mítico’1 do
bairro, sendo considerado fundador, por ter sido “criativo”, pois ao chegar no
local onde hoje é o bairro de Pedrinhas abriu seu comércio - uma venda, cedeu
1 Denominação utilizada por Carvalho (1999). Eduardo Lisboa é fundador mítico de Pedrinhas, assim como Pedro Álvares Cabral é o fundador mítico do Brasil. Ver também Diegues (1997) e Furlan (2000, vol 2) sobre a relação entre mitos fundadores e identidade cultural de ilhéus.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 75
um aposento de sua casa para sala de aula, e outro, segundo depoimentos de
moradores coletados por esta pesquisa, para salão de baile, tornando-se assim
este sítio um importante núcleo de sociabilidade.
Após percorrer um trajeto de aproximadamente 30 Km de distância do
Boqueirão Norte da Ilha Comprida em direção sul, chega-se à entrada de
acesso a Pedrinhas, de onde é possível chegar ao bairro depois de vencer os
cerca de 4 Km que o separam da praia, pois o bairro está assentado às
margens do canal lagunar, também conhecido como “mar pequeno” ou “mar de
dentro”. Cabe ressaltar que todo o trajeto é percorrido sobre areia, não
havendo qualquer tipo de pavimentação.
O visitante acostumado ao padrão urbano é capaz de chegar ao local e
perguntar: o que tem para fazer aqui? Isso de fato aconteceu, em meu primeiro
campo, fui abordada com essa pergunta por dois turistas jovens que acabavam
de chegar ao local. O bairro aparenta ser menor do que de fato é. A estrada
que faz ligação com a praia transforma-se em rua principal ao chegar em
Pedrinhas. Como a maioria das ruas tem um traçado irregular e esta rua
principal é a mais larga, num primeiro momento ela parece ser a única rua do
bairro. Contribui para essa impressão a existência de muitos lotes sem
construção, as cerca de 220 (Hanazaki, 1998)2 casas ali existentes se
escondem em meio à vegetação e meandros das vias de acesso.
O levantamento da Situação Sócio-Econômica dos Pescadores de Ilha
Comprida, realizado pela Prefeitura do município junto ao programa de Agentes
Comunitários de Saúde de Ilha Comprida, entre julho e agosto de 1998, revela
2 De acordo com Hanazaki (1998) 1/3 das casas existentes em Pedrinhas são de moradores caiçaras, sendo os 2/3 restantes pertencentes a turistas.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 76
que o bairro de Pedrinhas conta com uma população total de 252 moradores
(caiçaras ou residentes no local há mais de dois anos), sendo 52% destes
mulheres e 48% homens, e a maior parte dos habitantes, de acordo com
Hanazaki (2001), se concentra abaixo da faixa de 25 anos.
Confrontando os depoimentos que temos coletado desde o início desta
pesquisa com informações obtidas junto à prefeitura municipal foi possível
constatar que, para fins administrativos, o que hoje denomina-se Pedrinhas vai
além dos limites identificados pela população local. Ou seja, o que oficialmente
se chama de Pedrinhas - área localizada entre os bairros caiçaras de
Juruvaúva e Ubatuba e que, de acordo com Carvalho (1999), engloba o bairro
vizinho do Capão - para os moradores era subdividida em diferentes
agrupamentos com ocupação familiar (pai, mãe e os filhos, que depois de
casados se estabeleciam nos arredores) distribuídos ao longo do canal
lagunar, onde cada um tinha seu próprio porto e sua trilha de acesso à praia.
Partindo do adensamento de Pedrinhas em direção à Juruvaúva, as
localidades de Vamiranga, Barranco Branco etc., hoje sem moradores, ainda
são uma forte referência para os mais velhos, que têm parte de sua história
vivida nestes sítios.
Segundo Carvalho (1999) a chegada dos primeiros turistas deu-se por
volta do final da década de 1940. Chegavam de barco e seu maior interesse
era a pesca, mas aos poucos começaram a comprar lotes e a construir casas.
A expulsão das famílias ali residentes deu-se por volta das décadas de 1960 e
1970 devido à intensa grilagem de terras ocorrida nesse período, o que de
acordo com depoimento de morador local coincidiu com a época em que foi
aberta a estrada que liga o bairro à praia, permitindo dessa forma o acesso por
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 77
terra, já que anteriormente só se chegava de barco. A partir disso o núcleo de
Pedrinhas começou a viver um adensamento populacional, fruto tanto do
reassentamento dessa população que foi expulsa daqueles agrupamentos
familiares, como da venda de terrenos para turistas. Esse reassentamento deu-
se pela compra de lotes de parentes e amigos.
Atualmente, ao longo do “mar pequeno”, pode-se perceber a presença
quase que exclusiva de casas de turistas com suas marinas particulares, sendo
poucos os moradores que ainda possuem terras nessa área. Existem apenas
dois portos públicos, que coincidem com as duas únicas ruas que chegam até
o “mar de dentro”. Um deles localiza-se próximo ao cemitério e o outro próximo
à biblioteca pública e ao posto dos correios, nominado porto Eduardo José
Lisboa (“o fundador mítico”).
Com exceção do bairro do Boqueirão Norte (centro comercial e
administrativo da Ilha), Pedrinhas é o único bairro a contar com agência do
correio, central telefônica, uma pequena biblioteca, antena parabólica com
central para redistribuição de imagem de tv para todas as casas, água tratada
pela SABESP, energia elétrica, linha de ônibus diária, em vários horários
fazendo ligação com o “centro” da Ilha e com o município vizinho de Cananéia
(Carvalho, 1999; Soares et alli, 1999). Os bairros de Pedrinhas, Boqueirão Sul
e Viarégio contam com posto de saúde (PS). Já no Balneário Adriana, vizinho
ao Boqueirão Norte, está instalada a UBS - Unidade Básica de Saúde,
constituindo o principal centro de atendimento médico do município.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 78
3.1 A PECULIAR OCUPAÇÃO DE PEDRINHAS: ENTRE O PADRÃO URBANO E O
TERRITÓRIO CAIÇARA
Hoje o bairro está em processo de urbanização, algumas ruas foram
traçadas de acordo com o padrão urbano de ocupação (quarteirões simétricos
e ruas em linhas retas e paralelas). No entanto, caminhando pelo bairro,
notamos, nas proximidades do porto Eduardo José Lisboa, a presença de um
núcleo com padrão “desordenado” de ocupação onde as casas não têm muros,
os quintais não são divididos e aparentemente se misturaram, as casas
parecem estar todas dispostas de modo aleatório dentro de um grande terreno.
Esta forma de ocupação do espaço pode ser decorrência da introdução da
propriedade privada na vida dessa população caiçara, o que se deu em
meados do século XX, quando da venda de terras pelos moradores à
Companhia Melhoramentos de Cananéia. A partir daquele momento os
caiçaras passaram a se relacionar com esse outro modo de ocupação do solo,
dando então início à compra e venda de lotes ou posses3, como já mencionado
anteriormente neste texto.
As faixas de terras, agora de propriedade privada das famílias residentes
em Pedrinhas, foram dispostas no sentido mar a mar para que todas tivessem
acesso às margens do canal (Carvalho, 1999; informações coletadas no
Departamento de Engenharia - PMIC, 2000). A população foi aumentando, as
faixas de terra subdivididas e as casas sendo construídas cada vez mais
próximas umas das outras. Cabe aqui lembrar que tradicionalmente as casas
caiçaras não têm muros ou portões, "os caiçaras não costumam marcar suas
3 Pelo fato de estar indefinida até hoje a situação legal das terras de Pedrinhas, em virtude do processo que corre na justiça contra a Companhia Melhoramentos de Cananéia, a negociação de terras se dá por compra e venda de posses, não havendo escrituras.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 79
posses com cercas ou 'linhas de divisa' " (Diegues & Nogara,1994:157), sendo
distribuídas de tal forma no espaço que cada uma tem seu quintal e não tem
vizinho de parede.
No padrão historicamente estabelecido de ocupação do solo por parte
de populações caiçaras, o terreno tido como posse individual ou familiar é
aquele contíguo ao mar, onde estão a casa e o terreiro; os espaços de trabalho
e produção agrícola, localizados mais distantes do local de moradia, são
apropriados coletivamente, ainda que trabalhados em nível familiar (Winter,
Rodrigues e Maricondi, 1990 apud Diegues, 2001 e Diegues, 1994). Este
padrão contrasta com o modelo privado de ocupação urbana.
O território é definido não somente pelo espaço físico ocupado por
determinada sociedade, mas também pelo tipo de relações sociais ali
existentes. O das comunidades caiçaras é espacialmente descontínuo e de
posse coletiva, ou seja, as áreas utilizadas por seus membros são de posse da
comunidade (Diegues, 2001 e Diegues & Nogara, 1994).
No caso da agricultura, essa característica se manifesta na medida em
que as terras cultivadas por um membro de uma família da comunidade podem
ser utilizadas por outra família desde que a permissão seja pedida. A posse
dos territórios é "conservada pela lei do respeito que comanda a ética reinante
nestas comunidades" (Cordell, 1982 apud Diegues, 2001:13).
Sueli Furlan coloca que a descontinuidade do território caiçara pode ser
explicada de várias maneiras e que o uso de recursos naturais é apenas uma
delas. O território "é produto de relações materiais e simbólicas" criando assim
uma outra referência de espaço. O território como lugar vem sendo reduzido a
disputa pela propriedade privada da terra, sobretudo com a implantação e
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 80
gestão de Unidades de Conservação. "Não há como abarcar os espaços
vivenciais num perímetro único, um lote ou mesmo em glebas. Pois o território
caiçara é descontínuo" (Furlan, 2000:288).
Ao longo da história, os caiçaras foram tidos como preguiçosos,
indolentes e degradadores do meio ambiente, sendo desta forma
"desconsiderados como parceiros da conservação (...), justamente um conflito
que parte de concepções distintas tanto de natureza como de território e lugar.
Isso contribui para um progressivo rompimento dos elos simbólicos com a
natureza. Passando-se também a valorizar a propriedade privada como forma
de reconquista do lugar em detrimento ao uso coletivo do território" (Furlan,
2000:288).
3.2 ANDANÇAS PELO BAIRRO
Estivemos realizando mergulhos esporádicos no cotidiano do bairro, com
o intuito de levantar dados sobre a maneira como vive a população caiçara de
Pedrinhas atualmente. Sobrepondo esses dados com as informações
levantadas a partir da pesquisa em fontes secundárias (literatura a respeito de
modo de vida caiçara e demais pesquisas realizadas no local), buscamos dar
maiores subsídios para a implementação das intervenções educativas
objetivadas por este projeto.
Foi considerado de suma importância compreender um pouco mais de
perto como se dá a organização social do bairro, quais lideranças se destacam
e como elas são vistas pelos moradores, qual é a ocupação atual destes
moradores e como se dá sua rotina diária de trabalho, como se estabelecem os
laços de parentesco e qual contorno eles dão para as relações sociais.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 81
Em relação à organização social do bairro, podem ser apontados quatro
subgrupos distintos, tendo apenas um deles uma representação formal, a
Associação Amigos do Bairro de Pedrinhas (AABP). Os outros três subgrupos
identificados não possuem qualquer tipo de estruturação formal, estando
organizados pelas relações de parentesco, vizinhança e compadrio.
A Associação reúne a maioria dos católicos do bairro, embora não haja
nenhuma ligação direta entre ela e a religião de acordo com a fala de seus
membros, mas certamente há uma forte ligação entre a fundação da AABP e a
atuação do padre Cristiano no bairro, como veremos mais adiante.
Vale ressaltar que, ao menos nos últimos dois ou três anos, católicos e
adeptos da Igreja Batista têm realizado ceia de natal conjunta na sede da
Associação para celebrar a data. Segundo alguns membros da AABP o convite
é aberto a todos mas só católicos e batistas comparecem.
Um dos membros-fundadores da AABP apresenta uma explicação
bastante interessante para o fato: diz que esses moradores que não
comparecem às reuniões e atividades da Associação comportam-se como se
fizessem parte de uma outra comunidade só porque tem uma religião diferente.
Algumas das lideranças formais4 puderam ser identificadas, sendo elas:
um líder comunitário que é o atual diretor do Departamento de Ecologia e
Pesca da PMIC5 e atual presidente da AABP, a atual conselheira deliberativa
da AABP e a ex-presidente da AABP. Identificamos também três lideranças
4 São aqui chamadas de lideranças formais aquelas ligadas a cargos institucionais. 5 Prefeitura Municipal de Ilha Comprida
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 82
não formais6 e três lideranças potenciais.
Cabe aqui fazer uma colocação que se refere à fluidez das relações
entre as pessoas dentro do bairro, pois uma vez que, via de regra, a população
caiçara desenvolve mais de um tipo de atividade para se manter (Diegues &
Nogara, 1994; Adams, 2000), as pessoas de referência ou lideranças também
são múltiplas. Essas lideranças variam de acordo com a situação enfrentada e
tarefa a ser desenvolvida, operando assim uma descentralização pautada pela
diferença do potencial humano no cumprimento de tarefas, uma vez que as
lideranças relacionadas às atividades sazonais são definidas pela aptidão
individual de realizá-las. Por exemplo, as lideranças ou pessoas de referência
para extração de plantas nativas (musgo e samambaia) assim se configuraram
tanto pelo conhecimento dos ciclos biológicos das espécies e pelo domínio da
técnica de extração, como por sua capacidade de comunicação e negociação
com os intermediários que compram estes produtos. Desta forma, pode haver
outras lideranças no bairro além das aqui identificadas.
Tendo ainda em vista as colocações anteriores é importante destacar
que apesar da fluidez e sazonalidade das relações, e portanto das lideranças,
os subgrupos não institucionalizados recorrem ou referem-se ao líder
comunitário e diretor do Departamento de Ecologia e Pesca da PMIC e a AABP
como aqueles capazes, ou que ao menos deveriam ser, de resolver
determinados tipos de problemas.
6 Estão sendo chamados de lideranças não formais aqueles que não necessariamente pertencem a alguma organização e/ou instituição, mas são referências para indivíduos ou grupos no momento de tomadas de decisões e pelo fato de atuarem como mobilizadores/aglutinadores de outras pessoas em torno de determinados assuntos ou ações e de lideranças potencias aquelas pessoas que começam a despontar como representantes ou referência para a comunidade ou para grupos dentro dela. (Avanzi et alli, 1999).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 83
Dentre as lideranças formais o líder acima referenciado, que exerce seu
segundo mandato não consecutivo na presidência da AABP, foi vice prefeito do
município na gestão anterior, sendo que desde 1989 vem desenvolvendo sua
carreira política institucional, que se iniciou como vereador do município de
Cananéia, quando Ilha Comprida pertencia aos municípios de Iguape e
Cananéia (Pedrinhas integrava este segundo município), além de ser um dos
fundadores da AABP em 1991.
Resgatando depoimentos coletados por Hanazaki em 1998 em
Pedrinhas, pudemos recompor a história da organização dos moradores para a
realização de trabalhos comunitários:
"mutirões de limpeza das picadas de se comunicar com o bairro do Juruvaúva, com o bairro do Artur, tinha mato, começou a criar mato, as crianças vinham para escola que a escola era aqui, então a gente marcava o ajutório que a gente chamava 15, 20 homens pra limpar, todo mundo era meio dia de serviço limpava lá, outro dia era pra cá, então era um serviço comunitário a gente fazia e depois além das lavouras que a gente contou, a gente se organizava sempre em pró de discutir os problemas que nós tinha na comunidade e isso a gente vem vindo." (Ezequiel)
A partir do depoimento transcrito acima é possível notar que além dos
trabalhos de ajuda mútua ligados à agricultura, a população de Pedrinhas
também se organizava para solucionar problemas comuns. Esse morador
identifica os trabalhos comunitários acima citados como sendo os primeiros de
uma série que veio depois, como por exemplo a construção e a ampliação do
postinho de saúde do bairro; a construção da escola; a chegada da água
proveniente de uma cachoeira localizada no continente (do outro lado do
canal); a chegada do telefone; a compra da antena repetidora de imagem de tv
e, mais recentemente, a construção da sede da AABP. Vale ressaltar que
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 84
esses trabalhos comunitários foram realizados antes da fundação da
Associação, com exceção dos dois últimos.
3.2.1 A IGREJA CATÓLICA, O PADRE E A ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA
Essa organização em torno de trabalhos comunitários parece ter estreita
relação com a tradição católica do bairro.
Atualmente outras religiões também se fazem presentes em Pedrinhas,
tais como as evangélicas e presbiterianas. Alguns moradores inclusive citam a
entrada de novas religiões no bairro como um dos fatores desagregadores dos
laços comunitários.
A paróquia de Pedrinhas, ligada à diocese de Cananéia, é comandada
há aproximadamente 27 anos, pelo mesmo padre. De origem holandesa, padre
Cristiano se estabeleceu no Vale do Ribeira há cerca de 32 anos. Ao chegar,
dirigiu-se ao município de Iguape, fixando-se posteriormente em Cananéia.
Adepto da teologia da libertação e membro da Comissão Pastoral da Pesca de
Cananéia, busca constantemente estimular a reflexão de seus fiéis com vistas
a despertar-lhes o senso crítico e estimular-lhes a participação nos processos
cotidianos de tomada de decisão.
Um líder comunitário relata ter tido a igreja católica grande influência na
organização da comunidade, por ter estimulado os moradores a discutirem os
problemas da comunidade e a prestarem auxílio uns aos outros. Dizendo ele
mesmo ter aprendido muito sobre organização comunitária a partir de sua
participação “em tudo o que é canto” nos eventos da igreja católica. Durante as
celebrações de São Pedro e de N. S. dos Navegantes foi possível
compreender melhor esta afirmação.
São Pedro é padroeiro da antiga vila e atual bairro de Pedrinhas:
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 85
“(...) então chegou pelo ano de 1937 mais ou menos, foi eles [os ‘antigos’] correram atrás, que... sentiram a necessidade de os filhos estudarem, de alfabetizarem, porque já cresceu a vila, bastante criança já com condições de ter uma escola (...). E aí veio a professora, começou a dar aula, né, e com o andar do tempo foi passando uma das professora descobriu que o núcleo ninguém tinha.... Tinha religião de católico, mas não se tinha um padroeiro, não se tinha um lugar realmente certo pra rezar a não ser na escola ou na casa de alguém, que se rezava só o terço. Então uma vez por mês, depois de muitos anos, eles conseguiram trazer, uma vez ou outra, uma vez por ano, o padre pra celebrar missa e... uma das professoras católicas observaram que o pessoal tava crescendo praticamente sem uma religião, todo domingo ter a onde ir. Então ela vendo que era um núcleo de pescador, resolveu trazer um padroeiro que era São Pedro, porque São Pedro é o padroeiro dos pescadores, então aí que começou a ter os culto, as rezas diante do São Pedro e depois, uma vez ou outra, vinha o padre celebrar missa (...)” (Ezequiel, depoimento coletado por Hanazaki, 1998).
Até hoje em Pedrinhas há rezas aos domingos na igreja católica, que
são realizadas pelos ‘católicos praticantes em Pedrinhas’. Em algumas
ocasiões o padre Cristiano reza missas e realiza celebrações religiosas no
bairro.
Acompanhemos agora as comemorações do dia de São Pedro que
contou com a presença de cerca de 32 moradores.
3.2.1.1 ANDORES, FLORES E REFLEXÃO
O bairro amanheceu ao som de rojões (código local que anuncia o
acontecimento de algum evento). A igreja foi enfeitada com muitas flores do
lado de dentro e bandeirinhas coloridas do lado de fora. A procissão que de lá
partiu ganhou alguns adeptos durante o percurso retornando à igreja para a
celebração da missa. A caminhada teve início com um canto religioso. Depois
de entoado o canto o padre trazia uma reflexão, em seguida uma oração e
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 86
mais uma reflexão. O canto então era repetido e o ciclo se reiniciava. Durante o
trajeto, a imagem do padroeiro de bairro, São Pedro em um barco, estava toda
enfeitada com flores e era carregada em um andor por quatro homens. Vale
comentar que o som de rojões acompanhou toda a procissão, não por gosto do
padre, mas por iniciativa de um dos líderes comunitários católicos que fazia
questão que todos soubessem do evento.
A reflexão trazida pelo padre Cristiano durante a caminhada era:
“Qual é o meu papel na comunidade? De que forma eu participo da minha comunidade?” (padre Cristiano, 29/jun/01 – anotação de caderno de campo)
Durante toda a missa o padre buscava e trazia essa reflexão sobre o
“meu papel na comunidade e como eu estou participando da minha
comunidade”. Transcrevo a seguir alguns trechos de meu caderno de campo,
em que registrei algumas partes do sermão deste frio 29 de junho de 2001.
“(...) a participação por conveniência é um jogo e que, portanto, não é uma participação sincera, por inteiro e que por isso não visa de fato o bem estar da comunidade, pois não é uma participação por amor (...)”
“(...) a época mais democrática do Brasil foi no final da década de 1960 antes da ditadura militar, mas veio a ditadura militar e acabou com tudo (...)”
“(...) a democracia no nosso país está falida e por isso a organização da comunidade é muito importante porque esta é a expressão da democracia que ainda funciona e se pode fazer valer, por isso os pequenos projetos são tão importantes (...) as pequenas ações da comunidade são instrumentos de participação e o mais importante é participar (...)”
“O jovem de hoje não é preparado para participar, ele é preparado para estudar e folgar (...) o jovem e a criança
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 87
precisam trabalhar sim, o que o jovem e a criança não podem ter é um patrão que os explore e que pague os seus salários, mas o trabalho junto à família deve ser realizado, pois isto é uma preparação para a participação. Pois é desde pequeno participando do trabalho da/na família que o jovem e a criança aprendem a participar. E esta participação tem um reflexo político na organização da comunidade”.
“(...) é preciso se organizar para poder ser agente da mudança. As coisas mudam e só está participando aquele que está engajado, sendo agente da mudança, estar a mercê da mudança não é participar”.
Em determinado momento o padre fez uma relação entre a falta de fé, a
não-democracia e a não-organização da comunidade. Falou do
desencantamento do mundo realizado pela ciência, a partir de uma crítica ao
ex-governador do Estado de São Paulo Mário Covas e sua “postura laica”, “tudo
tinha que ser laico”, sendo assim o único conhecimento válido passa a ser o
conhecimento científico. Mas nas pequenas comunidades não há cientistas, o
que, portanto desautorizaria a tomada de decisão por parte das comunidades,
pois só o conhecimento científico legitimaria a tomada de decisão. Desta forma
as pessoas passam a não mais acreditar em si mesmas e a esperar que outros
(os cientistas) tomem as decisões, abolindo desta forma a democracia.
O sermão se encerrou com um pedido do padre para que todos orassem
por aqueles que estão enfermos na comunidade, citando a todos nominalmente
independente de seu credo religioso.
Após a missa, acompanhamos padre Cristiano pelo bairro, conversando
a respeito de diversos assuntos. O padre fez duras críticas às atuais
lideranças, que hoje estão na faixa dos 50 anos e ainda estão à frente das
atividades da comunidade. A centralização do poder de decisão por parte
dessas lideranças, segundo ele, matou, sufocou, asfixiou a possibilidade de
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 88
participação dos jovens, que hoje estão entre os 25 e 35 anos de idade. Esses
últimos deveriam estar assumindo as tomadas de decisão, mas no seu
entendimento, se as atuais lideranças abrirem espaço, os jovens que têm hoje
entre 20 e 25 anos ainda podem estar assumido tais atribuições.
Isso se anunciou quando a ex-presidente da AABP assumiu seu
mandato, pois tem cerca de 21 anos e é filha da principal liderança do bairro.
Durante sua gestão, foi legitimada como uma liderança pelos moradores dos
quais coletamos depoimentos, sendo reconhecida como possível representante
política do bairro junto ao poder público municipal, mas cabe aqui questionar se
pela legitimidade de sua liderança ou se pela influência política de seu pai.
“Que os mares lá têm seus encantos ninguém duvida. Já a costa brasileira
centímetro por centímetro faz mais do que isso. Afinal, aqui Yara, Iemanjá, Nossa
Senhora dos Navegantes, todos os Santos e as Sereias fazem casa.”
(Roberto Bürgeo – em “Vida Caiçara”)7
A celebração do dia de N. S. dos Navegantes acontece em Cananéia e
coincide com o aniversário da cidade, que em 15 de agosto de 2001 completou
470 anos.
As comemorações tiveram início com uma barqueata de cerca de duas
dezenas de barcos enfeitados que desfilaram pelo mar pequeno ao longo das
margens da cidade. Um dos barcos levava a fanfarra, a imagem da Santa e o
padre Cristiano, os outros o acompanhavam.
7 “Vida Caiçara” é um CD que o músico e compositor caiçara Carrigo, nascido em Antonina- porção panaense do Vale do Ribeira, gravou com diversos parceiros ao longo de anos, em que canta a poesia, a música e a vida caiçara. Roberto Bürgeo é diretor artístico do Estúdio Alma Sintética, onde o CD foi gravado.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 89
Ao término da barqueata, que era assistida de terra por centenas de
expectadores, a Santa foi desembarcada e levada em um andor em procissão
por Cananéia. Os fiéis enchiam as ruas atrás da Santa enquanto o padre
puxava orações e reflexões.
Iniciou o sermão falando do mar, da imensidão do mar, do mar que dá o
peixe e que leva e traz o pescador de volta para o seu lar. Um mar que está
carecendo de cuidados, pois a poluição e a pesca desmedida estão acabando
com o peixe que sustenta tantas famílias de Cananéia. “Todos nós temos que ser
ambientalistas, pessoas responsáveis e preocupadas com o meio ambiente”, pois
esse mesmo mar que dá o peixe está se transformando em um imenso lixão e
é preciso ter consciência de que “tudo que eu jogo na rua vai para o mar” (padre
Cristiano, 15/ago/01 – caderno de campo).
“O homem peca pela ganância, pela corrida pelo lucro” e isto destrói o meio
ambiente que Deus nos deu. É preciso ter em mente que “nada está acima da
(...) dignidade humana e da participação de todos”. Neste momento, o padre pediu
a todos que orassem para que o coração de cada um dos ali presentes os
convertesse em pessoas responsáveis e preocupadas com o meio ambiente.
Inicia-se uma seqüência de orações que terminam já na porta da Igreja.
Muitos moradores de Pedrinhas, católicos ou não, inclusive muitos dos
jovens, foram à Cananéia prestigiar a festa, pois além das celebrações
religiosas, todos os anos uma grande feira é montada, com muitas barracas
que vendem de bugigangas em geral à bebida e comida, passando por
sapatos, roupas, CDs, ferramentas e utensílios domésticos. À noite uma
queima de fogos de aproximadamente 30 minutos e vários shows de música,
incluindo aí a ‘Caiçara Jazz Band’ animaram a festa.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 90
3.3 O TRABALHO DE HOJE E DANTES
No tocante à ocupação dos moradores faz-se evidente a presença
marcante do turismo, praticamente todas as famílias residentes em Pedrinhas
têm uma parcela de sua renda mensal ligada a atividades turísticas8, com
poucas exceções.
No entanto, acompanhando o cotidiano do bairro foi possível notar que o
turismo não veio substituir as demais atividades como pesca, roça, fabricação
da farinha de mandioca, caça e extrativismo, ao menos no que se refere à
população acima de trinta anos de idade que pudemos acompanhar. Alguns
autores ressaltam que a população caiçara sempre viveu da combinação de
várias atividades, sendo que recentemente mais uma atividade se incorpora a
estas outras, o turismo (Diegues & Nogara, 1994; Carvalho, 1999; Adams,
2000 e Diegues, 2001). O mesmo já não pode ser dito em relação à população
abaixo dos trinta anos, pois para essa faixa etária as atividades ligadas ao
turismo constituem sua ocupação principal.
A partir do Quadro 4 (p. 129 do presente texto), que mostra, entre outras
coisas, a relação das atividades que compõem a renda mensal dos moradores
que participaram de ao menos uma das Reuniões do Plantio9 (RP), pode-se ter
uma idéia da diversificação das atividades a que estamos nos referindo. As
mulheres, especialmente, têm uma rotina de trabalho bastante diversificada e
intensa. Tivemos a oportunidade de acompanhar mais de perto suas
atividades. Muitas delas ocupam seu dia com idas para "o mato" para coletas
8 Tais como caseiros(as), jardineiros(as), lavadeiras, piloteiros, pedreiros, comerciários(as), comerciantes, faxineiros(as) entre outras. 9 Durante a presente pesquisa se organizou um grupo de moradores interessados em plantio no bairro de Pedrinhas, os encontros deste grupo para pensar a retomada de atividades agrícolas denominou-se Reuniões do Plantio. Para mais detalhes ver capítulos 4, 5 e 6 deste texto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 91
de musgo10 e samambaia11, 'limpeza' e acondicionamento nos caixotes de
madeira, no caso do musgo (fofão), e em 'malas', no caso da samambaia12,
para serem encaminhados à Prefeitura Municipal de Ilha Comprida (PMIC) para
posterior comercialização13.
A maioria das mulheres trabalha como caseira e em alta temporada
dedica mais tempo às atividades ligadas ao turismo, como faxinas, lavagem de
roupas, arrumação das casas, sendo que algumas também são cozinheiras.
Em suas residências, elas são responsáveis pela manutenção da casa, o que
implica fazer faxina, lavar e passar roupa, cozinhar, costurar e também cuidar
dos filhos. Cabe aqui ressaltar que mesmo algumas das que possuem
empregos públicos (e uma comerciante) também se dedicam à extração
vegetal.
Na realização de práticas agrícolas como, por exemplo, as roças de
mandioca, a mulher possui um papel importante, pois os tratos culturais das
roças e o fabrico da farinha ficam a seu encargo.
"(...) de mutirão mesmo eu não participava porque tinha todos meus filhos pequenos, tinha que tratar dos filhos, depois que meus filhos ficaram mais grande aí eu (...) fui homem-mulher pra fazer essas coisas, aí nóis ia lá coisa, roçava nóis mesmo. Eu, [cita o nome de outras 3 mulheres da comunidade] nóis ia (...) de manhã cedo a gente se levantava vamo, vamo, se arrumava e ia pra roça, só vinha hora do almoço, pra fazer almoço, pra almoçar. E a gente deixava a rocinha tudo já roçado, depois quando... aquele sol quente, né, aí convidava novamente (...) nóis ia queimar, depois chovia a gente ia
10 Várias espécies de briófitas são coletadas incluindo Schlotheimia rugifolia, Campylopus lamellinervis, C. trachyblepharon, Syrrhopodon leprieuirii, Sphagnum recurvum e S. capillifolium (Hanazaki, 2001). Sendo estes classificados pelos extratores em diversas categorias, entre elas veludo e fofão. 11 Rumohra adiantiformis (Oliveira, 2002). 12 Uma mala corresponde a um maço contendo 60 folhas, organizadas em 6 macinhos de 10 folhas cada, esses macinhos são nominados malinhas. 13 A prefeitura municipal da Ilha era uma parceira da Associação de Manejadores de Plantas Nativas de Ilha Comprida – AMPIC. Esta parceria foi rompida em outubro de 2001. Para saber mais cf. Oliveira, 2002.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 92
covariar tudo, com tempo, tudo alegre depois cantava música (...) enxada, né, pro trabalho e cantar a gente mesmo ia cortando as rama e já ia semeando e já ia plantando, nós mesmo... não tinha, não era homem. Quando era o dia de fazer farinha, nós passava o dia inteiro pra ralar e outro dia pra fornear, era o dia inteiro. Pegava um saco de farinha e levava pra casa." (Mariinha, 2ª reunião do plantio)
Em nossas caminhanças nos arredores do bairro de Pedrinhas na
companhia de moradores locais, visitamos algumas de suas roças. O intuito
dessas visitas era identificar moradores que ainda estavam envolvidos com
práticas agrícolas, saber se os trabalhos coletivos de ajuda mútua ainda
aconteciam, conhecer suas roças e averiguar seu interesse em participar das
Reuniões de Plantio.
Cabe aqui ressaltar que as atividades ligadas à agricultura itinerante ou
de coivara, tradicionalmente praticadas por populações caiçaras (Schmidt,
1958; Adams, 2000) são hoje residuais, não só no bairro de Pedrinhas como na
Ilha Comprida como um todo (Hanazaki, 2001). Aqueles que ainda cultivam a
mandioca e/ou o aipim14 o fazem com muita insegurança devido às proibições
advindas da legislação ambiental, vivendo "fora da lei" em seu lugar15.
A dinâmica da atividade agrícola caiçara historicamente estabelecida é
de derrubada e queima, plantio e colheita, sendo que o principal item da roça é
a mandioca, que geralmente é consorciada com outras culturas, tais como
feijão, cana, abóbora, batata doce, café, entre outros. A unidade de produção é
familiar e o trabalho é executado sem qualquer tipo de mecanização, sendo a
foice, o machado e a enxada os instrumentos utilizados para a execução do
14 Chamam de “mandioca” a mandioca brava, que se destina à produção da farinha e seus derivados, e de “aipim” a mandioca de mesa. 15 Da mesma forma como descreve Furlan (2000) para os caiçaras residentes no interior e entorno do Parque Estadual de Ilhabela, SP.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 93
plantio; os cestos e balaios, destinados ao transporte da colheita. A fabricação
de farinha realizava-se na casa de farinha, onde também podem ser
encontrados a moenda de madeira para a cana da qual se obtinha o caldo
adoçante, e o pilão utilizado para beneficiar e moer o café e o arroz (Adams,
2000).
Embora desativadas, em sua maioria, são ainda encontradas no bairro
casas de farinha ou "tráficos", conforme denominação local. Mas vale lembrar
que a farinha disponível no comércio local é, vez por outra, proveniente da Ilha,
mas não do Bairro de Pedrinhas.
Foram visitadas cinco áreas de roça, três em atividade e duas em
pousio. As duas áreas em pousio e uma das áreas em atividade localizam-se
sobre sambaquis, ou "casqueiras" como são localmente chamados. Pudemos
perceber que as "casqueiras" são áreas preferenciais para o desenvolvimento
de atividades agrícolas devido à fertilidade do solo ali presente. Além dos
produtos típicos de roça como mandioca, cará, batata, abóbora, cana, etc. as
"casqueiras" também eram utilizadas para o plantio de algumas hortaliças
como alface, cebolinha e cenoura.
Gaspar (2000:28) aponta o freqüente uso de sambaquis no litoral
brasileiro ao longo do tempo como local de cultivos agrícolas, entre outras
atividades. "Após o abandono pelos sambaquieiros, os sítios passaram por
inúmeras intervenções de outros grupos culturais: horticultores fizeram ali suas
roças aproveitando a concentração de matéria orgânica; os colonizadores
portugueses erigiram algumas de suas igrejas e de seus faróis sobre tais
locais, pontos estratégicos para o domínio da paisagem natural e social."
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 94
3.3.1 MUTIRÕES, AJUTÓRIOS E PUJUVAS: O TRABALHO COLETIVO NA
DINÂMICA CULTURAL DO CAIÇARA
Apenas três famílias têm se dedicado ao trabalho nas roças e os
trabalhos coletivos não vinham acontecendo, no entanto, várias pessoas se
mostraram receptivas à proposta de retomada de atividades agrícolas.
A Associação de Amigos do Bairro de Pedrinhas (AABP) está
construindo sua sede social no bairro em terreno próprio. A intenção era de que
a sede fosse construída com a realização de ajutórios, mas devido à baixa
participação dos moradores nessas atividades, optou-se pela contratação de
mão de obra.
Essa pouca participação dos moradores na construção da AABP parece
estar intimamente relacionada com uma crítica do padre Cristiano à
associação, dizendo que esta “se preocupa mais com o turista do que com o
turismo”, apontando que a ação da mesma está mais voltada ao atendimento
das demandas dos turistas em relação ao bairro do que das demandas da
população do bairro em relação ao turismo na sua vida cotidiana.
Faz-se aqui relevante lembrar as colocações de um dos membros-
fundadores da AABP citadas anteriormente neste mesmo capítulo (p. 81),
quando analisa a falta de participação dos moradores que não são nem
católicos e nem batistas nas atividades da Associação, pois indica um outro
fator importante a ser levado em consideração ao se pensar o assunto. Diz
parecer que essas pessoas não se sentem parte da comunidade, como se o
bairro de Pedrinhas em que eles moram fosse diferente do bairro de Pedrinhas
em que moram os membros da AABP, como se “... o pessoal não fizesse parte da
comunidade, como se o mundo deles fosse outro ...”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 95
Durante a pesquisa foi possível identificar três tipos trabalhos coletivos
de ajuda mútua: mutirões, ajutórios e pujuvas:
"(...) mutirão é trabalhar durante o dia, almoço e depois de noite baile" (Sirílo – 2a reunião do plantio)
"(...) mas quando tinha mutirão a gente vinha junto, vinha cavar roça de escorrer água assim pra testa assim, pinga em cima ainda junto. É, bebia pinga e enxada na areia, enxada na areia (...) e a tarde vinha que era só cinza da roça, só cinza da roça, cheio de... nariz entupido de cinza tudo. Aí tomava um banho e vinha pra cá pegava uma janta e baile de mutirão a noite inteira. É, mas comia, naquele tempo tinha panela de carne seca que sobrava até (...)" (Dagoberto – 2a reunião do plantio)
"(...) além de mutirão tem a palavra pujuva, também é o mesmo sentido (...) só que mutirão era o dia todo,(...) pujuva quando era do meio dia pra tarde só, era meio do dia só, então chamava pujuva (...) tinha festa do mesmo jeito." (Ezequiel – 2ª reunião do plantio)
O ajutório, diferente do mutirão e da pujuva, não tem baile ao final do
dia. Outro depoimento coletado por Hanazaki (1998) aponta que muitas
pessoas faziam ajutório por não possuírem poder aquisitivo para oferecer uma
festa aos que trabalharam. Ainda nesse depoimento, notamos que o dono da
casa que estava promovendo o mutirão oferecia café da manhã; carne seca
com feijão e cachaça no almoço; um lanche à tarde com biju e cuscuz de arroz,
"o arroz com café que o caiçara usa muito, é mistura pra ele" (Ezequiel); e, à noite, o
jantar.
O baile era animado pelo fandango, sendo que uma das ‘marcas’ ou
‘modas’ citada pelos moradores de Pedrinhas foi o "batido" ou "bate pé":
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 96
"vinha viola caipira pra sala da casa da família e agora vamos dançar. Aí juntava-se 30/40 homens e 20/30/40 mulheres, começava 8/9h e ia até 7 horas do dia dançando, trabalhava o dia todo pra servir o amigo e o amigo em gratidão, a recompensa dava aquilo" (Ezequiel - Hanazaki, 1998).
Os trabalhos coletivos estão vinculados a uma necessidade de ajuda
mútua imposta pela própria técnica agrícola adotada na agricultura de
subsistência, estando imbuídos de um caráter de solidariedade que determina
a formação de uma rede ampla de relações, que liga os moradores de um
grupo de vizinhança e contribui para sua unidade estrutural e funcional
(Candido, 1964). Representando, portanto, um ponto de união da comunidade,
podendo assim ser utilizado para a identificação coletiva de problemas comuns
e para o encaminhamento de demandas coletivas, atuando, desta forma, na
direção da consolidação de seus direitos (Avanzi, 1998).
Um exemplo disso são os mutirões e ajutórios comunitários, como o
caso da construção do posto de saúde do bairro:
"(...) então nóis sempre costumava fazer ajutório, (...) que nem ali na parte que é o postinho hoje. Ali era uma bola de mato, era um... fala a verdade, era um brejão (...) e ai nóis fizemos nosso ajutório, nós roçamos, derrubamos, limpamos o pátio todo, tudo em ajutório. Pessoal aqui mesmo da comunidade, prá depois nóis aterrá e construir o prédio do postinho de saúde. Tudo nóis reunido, cada um trabalhava um pouco, cada dia ia um pouco e até que enfim nós conseguimos chegar onde nóis queria (...) então postinho servindo pra todo mundo (...)" (Sirílo – 2ª reunião do plantio)
O significado do termo mutirão vem se alterando, passando a substituir o
antigo ajutório. Com isso o valor simbólico dessa prática vem se perdendo,
principalmente pelo seu desconhecimento por parte das gerações mais novas
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 97
(abaixo dos trinta anos de idade), como nos mostra o depoimento de um
morador de 55 anos de idade, que viveu os ‘tempos de mutirão’:
“(...) nossa boa vontade nóis trabalharia em ajutório, como fala, né, ajutório, mutirão com povo mesmo daqui do lugar, do bairro (...) e que eu sempre também eu participo de vários que nem nas festas, festa de junho, que faz o ajutório, sei lá, mutirão (...) eu sempre, sempre tô nessas desde o começo eu tô participando até agora e tô pra participar a qualquer hora (...)” (Sirílo – 2a reunião do plantio).
Mas para os mais velhos falar em mutirão significa falar da festa, do
baile, do prazer de tocar e/ou dançar a noite toda, do momento do encontro, da
fartura de comida sempre presente nesta ocasião. Sendo assim um momento
de contraste com a vida de antigamente, quando a comida era escassa e não
havia luz elétrica ou aparelhos de som. Para que houvesse música alguém
obrigatoriamente teria que tocar. O mutirão era um momento de celebração e
de encontro que acontecia ao som do fandango16. Configurava-se como
importante espaço de sociabilidade das comunidades.
Para além da possibilidade de transformação material da realidade,
nesse caso o trabalho está associado ao lazer, ao prazer de um encontro
festivo.
“Esse negócio de mutirão comecei a trabalhar com 10 anos de idade cavação de roça, plantio nosso mesmo, nossa...nosso alimento. Cavando, plantando rama pra tirar mandioca da terra, feijão, tudo mais, né (...).Se tivesse mutirão hoje em dia eu ia comer mais carne seca ainda cozida (...)” (Dagoberto – 2ª reunião do plantio).
16 Nesta região utiliza-se a expressão fandango para denominar tanto o baile ou a festa como o tipo de música que anima diferentes tipos de bailado. De acordo com Cascudo (1972) fandango é conhecido no Norte e Nordeste do país como marujada ou barca.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 98
“Ezequiel: Nós fomos fazer um mutirão pra terminar um postinho de saúde, que nem nós temos aqui, tava difícil as coisas, a prefeitura parada né, (...) tinham material, ai a comunidade precisava desta ajuda ai, e ai todas as comunidades... foi dois/três de cada comunidade né, do município de Cananéia, ai nóis cada um que pode deu uma ajuda e fizeram a carne seca com feijão como foi contado e trabalhamos durante o dia todo, né.
Ofélia: Então, enquanto os homens trabalhavam pra lá nós mulher ficava na cozinha, nossa mas foi um dia gostoso.
Ezequiel: E de noite (...) [vozes falando: forró] fandango, (...)
Ofélia: E não acabava mais o que de comida (...) peixe, carne(...)
Dagoberto: (...) Tempos de mutirão!
Ofélia: Esse mutirão (...) pela aventura, pela distância né, o caminho era uma trilha cheio de barro, andava um pouquinho se suracava todo levantava e ia, foi muita dificuldade pra chegar até lá. (...)
Matilde: (...) olha eu nunca vi olha, gente sofria mas ói...”.
(2ª reunião do plantio)
O sentido de pertença de que se fala neste trabalho refere-se a ter como
ponto de partida alguma coisa que faz sentido para as pessoas, mas trata-se
de algo que vai além do significado material. É algo simbólico que se soma ao
material e que mobiliza ou deixa de mobilizar as pessoas para participar.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 99
CAPÍTULO 4 .
A TRAJETÓRIA DA PESQUISA
Definir o recorte teórico-metodológico a ser utilizado para a realização
dos trabalhos de campo significa traçar os primeiros rumos a serem seguidos,
dando os contornos iniciais da pesquisa. Momento difícil que nos obriga a fazer
escolhas, pois passar da teoria à prática não é algo corriqueiro. As incertezas
são muitas: Como chegar na comunidade? Como e quando apresentar a
proposta do trabalho? A quais pessoas contatar primeiro? As escolhas feitas
estão sendo coerentes com o referencial teórico adotado? Porém, esse
questionamento não significa que tudo será traçado a priori tendo em vista o
caráter incremental do processo educativo que alimenta esta pesquisa-
intervenção.
Este capítulo destina-se a apresentar a trajetória da pesquisa, trazendo
os encaminhamentos que foram sendo dados a essas e a outras questões.
Partimos do referencial que vem sendo construído pelo Grupo de Educação
Ambiental, buscando aprofundá-lo à medida que o colocamos em diálogo com
as práticas educativas desenvolvidas junto aos moradores de Pedrinhas,
reconstruindo e recompondo assim o próprio referencial.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 100
O capítulo apresenta esse aprofundamento teórico-metodológico da
pesquisa, visando expor as etapas do trabalho de campo realizado, sua
dinâmica e finalmente caracterizar os sujeitos desta pesquisa–intervenção-
educacional.
4.1 APROFUNDAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO
A partir do exposto no capítulo anterior, cabe ressaltar que entendemos
ser mais coerente com a proposta deste trabalho a escolha, dentre as
metodologias qualitativas de pesquisa, daquelas que possuem como eixo
central a participação popular e vislumbram a ampliação da consciência por
parte da comunidade a respeito da sua própria realidade.
Thiollent (1986:7) diz que a pesquisa-ação é uma "linha de pesquisa
associada a diversas formas de ação social coletiva que é orientada em função
da resolução de problemas ou de objetivos de transformação". Ele discute
ainda diferenças sobre as expressões pesquisa-ação e pesquisa participante,
que freqüentemente são dadas como sinônimos, dizendo: "Pesquisa-ação,
além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social,
educacional, técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de
Pesquisa Participante".
Em contrapartida, Borda (1990) apresenta a Pesquisa Participante como
sendo uma pesquisa que busca auxiliar grupos populares na resolução de
problemas enfrentados procurando sempre contribuir com a ampliação da
consciência das bases sociais a respeito de sua realidade, bem como valorizar
o conhecimento popular, tendo na reflexão das ações realizadas um importante
instrumento. Viezzer & Ovalles (1995:52) descrevem a Pesquisa Ambiental
Participante (PAP) como sendo capaz de "gerar na comunidade afetada um
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 101
processo de autodiagnóstico ou autoconhecimento, afim de que seus membros
não só fiquem conscientes do problema, mas que conheçam as causas
responsáveis e procurem soluções".
Este trabalho desenvolve-se como uma pesquisa-intervenção1 junto à
comunidade de Pedrinhas, sendo que o que estamos chamando de
intervenções são ações planejadas com vistas a desencadear uma reflexão.
Tassara (1996) nos fala que estudos de intervenções caracterizam-se pela
descrição, análise e avaliação do desempenho da intervenção sobre o sistema
social de modo a dar suporte crítico às ações realizadas. Tais ações visam
solucionar um determinado problema social identificado, o que por sua vez,
permite esquadrinhar um futuro diferente.
“Suas expectativas, como estudos científicos, são a de vir a contribuir para uma maior compreensão dos processos subjacentes às ações de planejar, ações essas inseridas ou não no bojo da pesquisa-ação, desenvolvidas no contexto social e pensadas como um meio de perscrutar o futuro” (Tassara, 1996:57-58).
Outro ponto importante a ser comentado refere-se ao fato de que uma
pesquisa-intervenção busca gerar conhecimento sobre o processo deflagrado e
que tanto este como o pesquisador que o estuda estão inscritos em um
processo histórico-social que não pode ser desconsiderado.
A intencionalidade e planejamento das ações empreendidas na direção
da modificação de uma determinada situação social são elementos
fundamentais de uma intervenção, porém é importante destacar que a
subjetividade humana influencia fortemente todo o processo.
1 O termo pesquisa-intervenção que aqui utilizamos baseia-se nas colocações de Tassara (1996) quando apresenta problematização sobre projetos de “pesquisa de e em intervenção social”.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 102
“as configurações assumidas pelos programas de intervenção são condicionadas também por outros fatores da esfera subjetiva que, através de mecanismos difusos, influenciam as elaborações desenvolvidas sobre os problemas de desempenho a se enfrentar, a impostação das questões, a ênfase crítica e outras” (Tassara, 1996: 59).
O trabalho foi realizado a partir da combinação de diversos métodos
qualitativos de pesquisa que apresentam como características: o fato de ter o
ambiente como sua fonte direta de dados e o(a) pesquisador(a) como principal
instrumento; os dados serem predominantemente descritivos; o “significado”
que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos de atenção especiais
para o(a) pesquisador(a), o que não implica a inexistência de um quadro
teórico que oriente a coleta e análise dos dados e nem a exclusão de análises
quantitativas, quando estas forem pertinentes (André & Lüdke, 1986).
Outra característica da pesquisa qualitativa é sua ênfase no processo,
de acordo com André & Lüdke (1986), o interesse do pesquisador ao estudar
determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos
procedimentos e nas interações cotidianas. Em virtude disso, esta pesquisa
realizou-se sob a perspectiva do planejamento incremental articulado, uma vez
que este considera que as alterações acontecem passo a passo e que os
objetivos só são atingidos através de um processo de aprendizado
participativo, em que as ações das partes envolvidas sofram mudanças no
sentido da colaboração e se organizem em torno de objetivos comuns (Costa,
1986).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 103
4.1.1 AS FASES DA PESQUISA-INTERVENÇÃO
Ao todo foram realizadas 13 (treze) idas a campo, com uma duração de
aproximadamente seis dias cada, 19 (dezenove) contatos telefônicos2, exibição
pública de dois filmes no bairro e um seminário de apresentação das pesquisas
realizadas por pesquisadores e pesquisadoras dos componentes “Intervenções
e Educação Ambiental” e “Usos” do projeto “Floresta e Mar”, totalizando 22
(vinte e dois) meses3 de trabalho de campo. Nesse período foi feito o
aprofundamento do pré-diagnóstico realizado para a elaboração da proposta
inicial deste projeto, a formação do grupo local de trabalho e o início das
intervenções com as exibições públicas de filmes, realização de "Reuniões de
Plantio", ajutórios com e sem a presença da pesquisadora, telefonemas feitos e
recebidos pela pesquisadora, além do seminário supracitado.
O aprofundamento do pré-diagnóstico durou cerca de cinco meses e
contou com observação de costumes, problemas ambientais existentes,
organização social do bairro, levantamento dos moradores caiçaras que
atualmente desenvolvem práticas agrícolas, identificação dos moradores
caiçaras que deixaram de praticar agricultura e verificação de como e onde
estão ocorrendo trabalhos coletivos no bairro. Essa etapa teve início com um
mergulho etnográfico que possuía o objetivo de conhecer a comunidade de
Pedrinhas captando seus signos, sorvendo suas regras, desejos e desavenças,
procurando conhecer melhor sua cultura e sua realidade, lançando sobre ela
2 Destes 19 telefonemas 4 foram recebidos pela pesquisadora e os 14 restantes realizados por ela. 3 É importante destacar que ao longo destes 22 meses o trabalho da pesquisadora junto ao GP não foi contínuo. O mergulho etnográfico deu-se nos 5 primeiros meses, seguidos de 7 meses de intervenções. Houve 4 meses de interrupção das idas a campo. Na retomada foram realizadas entrevistas de avaliação, seguidas de mais 6 meses de intervalo. Como atividades finais do trabalho de campo houve a realização do “seminário de Pedrinhas” e da sétima reunião do Plantio - verificar Quadro 2 (p.111 deste texto) e Quadro 5 (nos Anexos).
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 104
um olhar atentamente distraído, estando em sintonia com Geertz (1989) para
quem fazer etnografia significa enfrentar:
"uma multiplicidade de estruturas conceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas uma às outras, que são simplesmente estranhas, irregulares e inexplícitas e que (...) [quem a pratica] tem de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. (...) É como tentar ler (no sentido de 'construir uma leitura de') um manuscrito estranho e desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado". (Geertz, 1989:20).
Com base nas colocações expostas acima, iniciamos uma imersão nas
atividades cotidianas de vários moradores do bairro. Esse acompanhamento se
deu em andanças pelo "mato", para usar a expressão local; em refeições
compartilhadas nas casas dos moradores ou no "alojamento da pesquisadora";
no acompanhamento de atividades de extração vegetal; em encontros casuais
pelas ruas, na padaria, no bar, na praia, no posto de saúde; em visitas as
casas de moradores ou recebidas pela pesquisadora; convites para cafés, na
reunião de moradores e turistas durante a exibição pública de dois filmes, entre
outros.
A fim de realizar o mergulho de cunho etnográfico proposto foi utilizada a
´observação participante´. O uso dessa técnica requer alguns cuidados,
enunciados por Lüdke & André (1986) e Haguette (1987).
Lüdke & André (1986:30) colocam que "(...) o observador coleta dados
buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar
demasiado de seu foco de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele
oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 105
termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter
certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema". As
autoras citam ainda Bogdan & Biklen (1982)4 ao colocar que as anotações de
campo devem conter uma parte descritiva e outra reflexiva.
Tomando como base a definição de Schwartz & Schwartz (1955)5,
considerada por Haguette (1987:73) a mais completa das que analisou, a
autora destaca que a) “(...) a observação participante tem por finalidade a
coleta de dados; b) o papel do observador (...) pode ser revelado ou encoberto,
formal ou informal, parte integral ou periférica quanto a estrutura social; c) (...) o
tempo necessário para que a observação se realize [é variável, podendo] (..)
acontecer tanto em um espaço de tempo curto como longo; d) chamam a
atenção para o papel ativo do observador enquanto modificador do contexto e,
ao mesmo tempo, como receptáculo de influências do mesmo contexto
observado".
A observação participante que realizamos procurou desde o início dos
trabalhos esclarecer o papel da pesquisadora junto aos moradores, como
sendo de facilitadora/animadora do processo relacionado ao Grupo do Plantio.
Outra técnica que auxiliou o desenvolvimento do mergulho etnográfico
foi a de ´histórias de vida´. Utilizada com a finalidade de incrementar a coleta
de dados, esta técnica facilitou a compreensão do histórico de ocupação e
transformação do bairro, dos valores atribuídos pelos moradores de Pedrinhas
aos trabalhos coletivos, da dinâmica do bairro etc. As histórias de vida podem
ser enfocadas de pelo menos duas diferentes maneiras, segundo Haguette
4 Bogdan, R. & Biklen, S. K.. Qalitative Research of Education. Boston, Allyn and Bacon, 1982. 5 Schwartz, M. & Schwartz, C. G.. Problens in Participant Observation. In: McCall, G. J. & Simmons, J. C. (orgs). Issue in Participant Observation, a text and Reader. Massashusetts, Addilson-Wesley Publishing Company, 1969.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 106
(1987:79-82), como documento ou técnica de captação de dados. Essa técnica,
de acordo com a mesma autora, é muito eficiente para fornecer sentido à
noção de processo, sendo capaz de captar o "processo em movimento",
estando “preocupada com a fidelidade das experiências e interpretações do
ator [social] sobre seu mundo”.
Cabe aqui ressaltar a importância da chegada ao campo ter sido
acompanhada de outros dois pesquisadores, que também desenvolviam
trabalhos no local, pois, uma vez que esses pesquisadores já haviam
construído relações de confiança com os moradores, nossa chegada foi
imensamente facilitada.
O próximo passo foi a formação de um "grupo de trabalho dos
interessados em plantio". Foi possível constatar que a roça era uma demanda
de muitos no local, dessa forma o que se tratava de uma informação coletada
em fontes secundárias (pesquisas realizadas no local), passou a ser a
possibilidade concreta de um trabalho a ser realizado. Essa etapa durou cerca
de sete meses e teve início na fase de aprofundamento do pré-diagnóstico,
mais precisamente logo no primeiro campo, quando duas mulheres abraçaram
a idéia de estarmos pensando conjuntamente em uma forma de realizar
atividades de plantio.
O primeiro contato com essas mulheres, como já mencionado
anteriormente, foi realizado por meio de pesquisadores que já desenvolviam
estudos no bairro. A reação primeira de uma delas foi de desconfiança frente a
presença da pesquisadora. Durante as conversas naquele encontro perguntou
várias vezes, no meio da prosa, se os pesquisadores ali presentes eram do
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 107
IBAMA ou se eram “florestal”6, tendo sempre como resposta bem humorada
que não tinham vínculo com nenhum desses dois órgãos, mas sim com a
universidade. Nos dias que se seguiram, aquelas perguntas voltaram a ser
pronunciadas, entremeio às atividades que desenvolvíamos no bairro, embora
com uma freqüência muito menor. A confiança foi sendo tecida aos poucos.
Desde o início das idas a campo, a proposta foi estarmos reunindo
pessoas que estivessem interessadas na realização de atividades agrícolas
para formarmos um grupo e a partir disso, plantar. Iniciamos assim
(pesquisadora e moradores) um levantamento no bairro de quem gostaria de
integrar este "Grupo de Plantio" (GP). A mesma mulher, que inicialmente
demonstrou desconfiança, assumiu um papel de articuladora do ´grupo´, dando
início a uma enquete com os moradores que encontrávamos:
"Você plantava né? Não planta mais? E se fosse pra nóis voltá a plantá, você achava bom?" (Matilde, caderno de campo, out/2000).
A partir disso, a notícia de que havia alguém de fora, procurando reunir
pessoas que tivessem interesse em plantar para iniciar um trabalho de
retomada de atividades agrícolas, foi sendo divulgada por essas mulheres às
pessoas mais próximas, causando um misto de curiosidade movida por um
interesse na proposta e, ao mesmo tempo, desconfiança. Com o convívio, a
desconfiança de alguns foi sendo diluída e a idéia ganhando novos adeptos.
Nessa fase de formação do grupo foi fundamental a aprovação da
proposta por parte do poder público municipal, representado pelo prefeito do
município, e o apoio do líder comunitário do bairro e diretor do Departamento
6 Fazendo alusão à polícia ambiental, na época nominada polícia florestal.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 108
de Ecologia e Pesca da PMIC. Relações de confiança mútua foram sendo
tecidas ao longo de todo o processo, tendo especial importância na fase de
formação do GP. Aos poucos fomos sendo apresentadas às roças de alguns
moradores, eram duas roças ativas e duas áreas em pousio.
Durante a etapa de aprofundamento do pré-diagnóstico, sempre que
possível, apresentávamos a proposta do trabalho e fazíamos aos moradores
um convite para que participassem de um grupo que planejaria a retomada de
atividades agrícolas de acordo com o interesse de cada um e com as
possibilidades conjuntamente vislumbradas. Vale ressaltar que os moradores
passaram a se entender como um grupo, o ‘Grupo do Plantio’, depois do
primeiro ajutório de limpeza do terreno, ou seja, após o início das atividades
concretamente ligadas à agricultura. Esse primeiro ajutório aconteceu após a
realização da terceira reunião, portanto, estamos considerando que as duas
primeiras reuniões do plantio fazem parte desse período de formação do grupo
de trabalho.
Durante esse período de formação foram também realizadas duas
exibições públicas de filmes no bairro, uma em janeiro e outra em fevereiro de
2001, ambas aconteceram com o envolvimento de uma colaboradora do Grupo
de EA7. Os filmes traziam a temática histórico-sócio-cultural-ambiental de duas
regiões distintas do país, Vale do Ribeira8 e Vale do Jequitinhonha9,
respectivamente. Após as exibições promovemos debates a respeito dos
filmes, buscando despertar uma discussão a respeito das condições de vida
local e provocar uma reflexão a respeito dos desejos dos moradores de
7 Junqueira, 2002. 8 O Rio Ribeira de Iguape (vídeo). Direção de Mario Kuperman. 2000. 30 min.. 9 Eva-Vicente (filme). 16 mm. Direção de Fernando Passos. 1988. 10 min..
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 109
Pedrinhas sobre o futuro do bairro e das condições de vida futura de cada um.
A segunda exibição de filme ocorreu alguns dias antes da primeira
Reunião do Plantio. Antes que a exibição se iniciasse foi feita uma
apresentação pública dos objetivos deste projeto e um convite também público
a todos os moradores do bairro, que de alguma forma se interessassem ‘em
plantio’, a participar da reunião que iria acontecer dali a três dias.
As intervenções tiveram início com a exibição do filme “O Rio Ribeira
de Iguape”. Como dito anteriormente, o que chamamos aqui de intervenções
são ações planejadas com vistas a desencadear a reflexão, tendo como
premissa a práxis (ação-refelexão-ação).
A práxis é compreendida por Gadotti & Gutiérrrez (1993) como a
combinação do trabalho manual com o trabalho intelectual, de instrumentos
produtivos com a comunicação e a organização políticas, visando despertar
nas comunidades sua capacidade de enfrentamento de problemas comuns.
Essas colocações somam-se às de Gutiérrez Perez (1994:125) quando diz que
“a reflexão comunitária da própria prática se constitui no momento clímax e
desencadeador do processo educativo”, o que vem a reforçar as colocações de
Vázquez (1968:198) quando este diz que a práxis se dá quando a ação
humana transformadora está associada ao aprendizado: "(...) na práxis
produtiva o homem se produz, forma ou transforma a si mesmo".
Os trabalhos do GP foram compostos por três atividades básicas:
reuniões (com e sem a presença da pesquisadora), ajutórios semanais e dia de
trabalho das duplas, não havendo nenhum tipo de registro dessa última
atividade. Foi acordado em reunião que as duplas se revezariam para realizar
os tratos culturais necessários à manutenção da horta.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 110
Podemos dividir o processo vivido pelo GP em duas fases: a 1ª fase foi
aquela acompanhada pela pesquisadora ao longo deste estudo, tendo sido por
ela animada nesse período. Nessa fase os registros foram feitos pela
pesquisadora em caderno de campo, em cartazes elaborados durante as
reuniões, em entrevistas de avaliação do processo vivido e através de
gravações em fita cassete das reuniões do plantio. A 2ª fase foi aquela
acontecida após o término dos trabalhos de campo, compreendida portanto
como um desdobramento das atividades realizadas nesta pesquisa.
No total foram realizadas 7 (sete) reuniões do Grupo do Plantio e 17
(dezessete) ajutórios, sendo dois deles com a presença da pesquisadora (um
primeiro ‘de limpeza do terreno’ – capinação e um segundo com a participação
de um consultor/agricultor de Cananéia, que possui experiência de cinco anos
de cultivo orgânico de hortaliças e sistemas agroflorestais). Dos 19 (dezenove)
contatos telefônicos ocorridos no período, quatro foram recebidos pela
pesquisadora de um dos membros da ´comissão do plantio´. Houve também
um evento de apresentação de pesquisas ligadas ao projeto temático ”Floresta
e Mar” nominado Seminário de Pedrinhas. As reuniões aconteceram na escola
do bairro em data e horário determinados pelo grupo, com exceção da primeira,
cuja data e horário foram definidos pela pesquisadora a partir de consultas
realizadas a alguns dos já declarados interessados em plantio.
O Quadro 2 abaixo apresenta resumidamente todas as atividades
realizadas pelo GP, desde o início desta pesquisa, que foram formalmente
registradas: descrição de atividades, lista de presença, cartazes elaborados
durantes as ‘reuniões do plantio’ - desenhos ou anotações, transcrição de fitas
ou registro fotográfico. Existiram outras atividades realizadas pelo GP que, no
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 111
entanto, não têm registro formal. De acordo com depoimentos de seus
integrantes, desde o início das atividades foram realizados ajutórios semanais
regulares, salvo os dias de muita chuva.
QUADRO 2: ATIVIDADES DO GP QUE TÊM REGISTRO FORMAL
Data Atividade Presença (P) ou ausência (A) da pesquisadora durante a
atividade
Nº de moradores
participantes*
Nº de famílias participantes*
Fev/01 1a reunião do plantio P 5 5
Abr/01 2a reunião do plantio P 14 11
Mai/01
3a reunião do plantio P 11 8
I ajutório de limpeza do terreno P 13 10
II ajutório A ? ?
Jun/01
Reunião realizada pelos integrantes do GP para realizar divisão de tarefas referentes ao
cercamento da área da horta
A ? ?
III ajutório – confecção de leiras e corte de madeira para a cerca
A ? ?
Primeira semeadura A 2 2
IV ajutório – colocação da cerca A ? ?
V ajutório – nova capina A ? ?
Jul/01 4a reunião do plantio P 9 8
Ago/01 5a reunião do plantio P 7 6
Set/01
6a reunião do plantio – consultoria do agricultor de
Cananéia P 15 13
VI ajutório – consultoria do agricultor de Cananéia (algumas plantas foram
semeadas)
P 7 7
VII e VIII ajutórios A 8 e 8 7 e 7
Out/01 IX, X, XI, XII, XIII ajutórios A 3, 7, 5, 8, 4 3, 7, 5, 7, 4
Segunda semeadura A 5 5
Nov/01 XIV, XV, XVI, XVII ajutórios A 4, 3, 5, 5 4, 3, 5, 5
Jan/02 Entrevistas individuais de
avaliação P 4 4
Jul/02 Seminário de Pedrinhas P 150** ?
7a reunião do plantio P 10 10 * os pontos de interrogação (?) indicam informações incompletas. ** estimativa feita a partir de contagem dos presentes realizada durante o evento.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 112
Para a realização dessas atividades, foi de suma importância o
envolvimento direto (no campo) de outras pesquisadoras do Grupo de
Educação Ambiental - Alik Wunder, Maria Rita Avanzi, Vivian Gladys de
Oliveira e Rita de Cássia Nonato - e o envolvimento indireto (reflexões teóricas
e metodológicas) de Érica Speglich e Caroline Ladeira de Oliveira e das
pesquisadoras supracitadas que integram o componente "Intervenções e
Educação Ambiental" do Projeto Temático "Floresta e Mar".
As muitas idas coletivas a campo foram de grande relevância, pois
nesses momentos exercitávamos o que Denzin & Lincoln (1994) e Janesick
(1994) chamam de triangulação, não só de dados mas também de
pesquisadoras, uma vez que era possível refletir coletivamente sobre os
acontecimentos, compartilhando diferentes olhares capazes de captar outros
ângulos do ocorrido.
Denzin10 (1970 apud André & Lüdke, 1986: 52 e Diniz,1999: 72-74)
propõe esta técnica da triangulação para a validação de dados qualitativos e
descreve várias formas de triangulação, tais como: a triangulação de métodos,
a triangulação de teorias, a triangulação de dados, a triangulação de
pesquisadores e a triangulação múltipla. Denzin & Lincoln (1994:2) retomam o
tema para esclarecer que o uso da triangulação ou de múltiplos métodos
constitui-se em um caminho para assegurar em profundidade o entendimento
do fenômeno em questão, embora a realidade objetiva nunca possa ser
capturada.
Janesick (1994) cita as formas de triangulação propostas por Denzin e
propõe mais uma outra, a triangulação multidisciplinar.
10 Sociological methods: a sourcebook. Chicago: Aldine, 1970.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 113
Patton11 (1990 apud Diniz, 1999) define a triangulação como a
combinação de metodologias no estudo do mesmo fenômeno; podendo ser
usados vários tipos de métodos ou dados, incluindo abordagens qualitativas e
quantitativas quando estas forem pertinentes aos objetivos da pesquisa.
Durante as ´reuniões do plantio´, bem como nas entrevistas semi-
estruturadas de avaliação, foi usada a técnica denominada “debates
organizados”. Segundo Demo (1995:26) o objetivo da organização do diálogo é
a auto-avaliação, pois “a avaliação que não é em essência auto-avaliação não
atingiu densidade qualitativa, no sentido de expressar a qualidade da
participação”. Considerando três procedimentos possíveis ao pensar sobre
avaliação qualitativa de processos participativos: a) conversar, bater papo,
estar junto (conivência); b) participar da vida comunitária (vivência) e c) assumir
o projeto político da comunidade (identificação ideológica), Demo aponta para a
possibilidade de aprofundamento de cada um desses procedimentos através
dos diferentes níveis de diálogo, provindo do aprofundamento de discussões
críticas e autocríticas, em nível individual ou coletivo. Ainda segundo o autor,
“momentos de auto-avaliação podem ser muito aprofundados através de
debates comunitários, nos quais todos se expressam sob a validade da
associação” (p.26).
Vale ressaltar que as entrevistas de avaliação realizadas com
integrantes do GP ocorreram depois de transcorridos 12 (doze) meses do início
das intervenções, e objetivavam avaliar o processo vivido individual e
coletivamente, bem como compreender o olhar que lançavam sobre o
processo. As ´reuniões do plantio´ aconteceram com um intervalo de tempo de
11 Qualitative evaluation and research methods. London:SAGE, 1990.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 114
cerca de 40 (quarenta) dias uma da outra, sendo a única exceção a sétima, e
última, que teve um intervalo de aproximadamente 10 (dez) meses.
4.1.2 OUTROS ELEMENTOS DESTA PESQUISA-INTERVENÇÃO
Ao discorrer sobre a Pesquisa Participante, Borda (1990) aponta seis de
seus princípios metodológicos. Aqui gostaríamos de destacar o que o autor
chama de “restituição sistemática” que entendemos estar presente, em parte,
nas reuniões do plantio e nos ajutórios realizados com a pesquisadora e com o
consultor/agricultor orgânico. Nas reuniões, vimos a restituição sistemática pois
elas sempre se iniciavam com uma recapitulação do ocorrido na reunião
anterior e também pelo uso de diferentes técnicas que visavam construir o
processo com base nas experiências dos moradores do bairro12, buscando sua
reflexão sobre esse processo. Cabe colocar que a cada nova ida a campo
cenas da comunidade eram fotografadas, bem como as reuniões e ajutórios, e
que na ida seguinte as fotos eram exibidas àqueles que eram visitados e/ou
encontrados pela pesquisadora com o intuito de gerar uma reflexão sobre os
momentos ali registrados imageticamente.
Podemos dizer que no Seminário de Pedrinhas houve também uma
restituição de elementos históricos e culturais à população, embora não de
forma sistemática, a partir da decoração realizada exclusivamente com
artefatos da cultura local, como canoa à vela, pilão, arapuca, covo, fogão a
lenha, rede de pesca tecida com fibra vegetal, maquete de mundéu etc. Os
convidados circularam entre objetos que um dia foram utilitários para todas as
12 Um exemplo disso foi a elaboração do ´Estatuto do Plantio´, cujas regras foram pensadas pelos moradores com base em suas próprias experiências. Contudo, cabe colocar a existência de lacunas neste mesmo estatuto, que mereceria ter sido revisitado e aprofundado/detalhado.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 115
famílias do bairro. Os mais velhos mostravam e explicavam aos mais novos
(filhos e/ou netos) como e para que eram usados.
Os “comes” compuseram-se de duas iguarias da cultura caiçara: bolo de
roda e cuscuz de arroz. Uma exposição de fotos trouxe elementos culturais do
bairro e do processo vivido junto ao GP e, finalmente, a exibição de um filme13
protagonizado por moradores mais velhos contando e mostrando partes da
´vida no tempo dos antigos´.Durante a exibição do vídeo netos reconheciam os
avós na tela e estes contavam a todos como era a ‘vida de antigamente’, antes
da luz elétrica, da estrada, do telefone, do turismo. Falavam sobre a vida que
se desenrolava em sintonia com os ciclos naturais, pois deles dependiam
quase que exclusivamente. Apresentavam parte das técnicas e tecnologias
disponíveis na época, que foram construídas ao longo dos tempos e que eram
transmitidas de geração para geração, contavam como se relacionavam com o
ambiente e mostravam seu grande conhecimento a este respeito. Os temas
eram variados, pois cada um dos protagonistas era um especialista: Sr. Artur
falava da pesca, Sr. Juvenal da construção de canoas, Sr. Sebastião das festas
e músicas populares da região com o som de sua rabeca, e a Sra. Josefina dos
inúmeros partos que realizou e como cuidava das mulheres depois do
nascimento dos bebês.
Após a exibição do filme, o evento passou a ser animado pela rabeca do
Sr. Sebastião que tocava diferentes modas de fandango (músicas e danças
típicas da região) acompanhado por dois filhos e outros dois músicos do bairro.
13 Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada (vídeo). Direção e roteiro de Kellen Junqueira. Campinas, Instituto de Artes da UNICAMP, 2002. 20 min..
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 116
Alguns dançavam e relembravam os tempos dos grandes bailes na
comunidade e na região, outros se revezavam para tocar pandeiro e triângulo.
Naquele momento, estavam reunidas quatro gerações da comunidade
caiçara de Pedrinhas, que têm vivências de momentos históricos distintos.
Dialogavam deixando claro, ao menos para os olhos mais atentos, quais eram
seus valores constituintes e de que maneira eles se expressam. É inegável a
presença de valores urbanos, sobretudo nos mais jovens, mas também se faz
bastante evidente que outras formas de ler o mundo estão vivas, configurando
uma hibridização das relações entre passado e futuro no presente.
Com esses procedimentos, buscávamos dialogar com algumas das
propostas trazidas por Borda (1990) quando aponta para a importância de uma
restituição enriquecida do conhecimento da população local (especialmente da
história local e dos acontecimentos históricos) para própria população, uma vez
que isto pode possibilitar-lhes “novos níveis de consciência política” porém
“esse retorno da cultura não pode ser feito de qualquer modo: deve ser
sistemático e organizado, e sem arrogância intelectual” (p. 51). Para tanto o
autor destaca quatro regras específicas: 1. Comunicação diferencial; 2.
Simplicidade de comunicação; 3. Auto-investigação e controle e 4.
Popularização da técnica.
A primeira regra dessa técnica consiste em devolver/restituir os materiais
históricos e outros “de forma adequada e adaptados de acordo com o nível de
desenvolvimento político e educacional dos grupos de base que forneceram a
informação, ou com quem o estudo foi realizado”, mas sem que essa
adequação seja feita exclusivamente ao nível das lideranças que geralmente
possuem um nível mais avançado. Assim sendo, Borda sugere que o material
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 117
seja primeiramente publicado em “nível 1 de comunicação”, ou seja, histórias
em quadrinhos bem ilustrados, fotos, slides, gravações ou tapes, música,
teatro, curtas-metragens com atores autóctones etc. O próximo passo seria a
publicação de materiais em ”nível 2“ (com acréscimo de pequenos textos) e
finalmente em “nível 3”, em que os mesmos temas seriam abordados de forma
teórica mais geral levando em conta os contextos nacional e regional, o que
possibilitaria um envolvimento da população de forma geral na discussão da
problemática em questão.
A segunda regra, Simplicidade de comunicação, refere-se à divulgação
dos resultados da pesquisa em linguagem simples, acessível a um público
mais amplo que o acadêmico, o que pode levar a algum tipo de
experimentação uma vez que pede um novo formato de apresentação.
Auto-investigação e controle, a terceira regra, diz respeito ao estímulo ao
“autopesquisar-se” da população e a divisão do controle da investigação com
os grupos de base, pois deve-se levar em conta os anseios e necessidades
dos grupos sociais no desenrolar da pesquisa e não apenas os do(a)
pesquisador(a), rompendo assim a assimetria existente entre objeto e sujeito
da pesquisa.
O quatro item, Popularização da técnica, refere-se ao reconhecimento
das técnicas mais simples de pesquisa e torná-las acessíveis aos grupos de
base, procurando romper sua dependência dos intelectuais e possibilitar que
realizem suas próprias pesquisas.
O aparelho telefônico configurou-se como importante instrumento para
realização da pesquisa. Vale lembrar que foram realizados 19 contatos por
esse meio e que quatro desses telefonemas foram recebidos pela
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 118
pesquisadora. O telefone é algo relativamente novo em Pedrinhas, sendo
inclusive apontado por alguns moradores como elemento ‘distanciador de
relações’ uma vez que as pessoas passaram a se telefonar ao invés de irem as
casas umas das outras, o que, conseqüentemente, diminuiu a possibilidades
de encontros casuais pelas ruas e caminhos do bairro.
Por outro lado, o contato telefônico nos permite estar distantemente
presentes. No caso desta pesquisa, o telefonema foi utilizado como técnica que
permite monitorar acontecimentos à distância. Pensando nas transições
apontadas por Espinosa, acreditamos que este tipo de contato ‘virtual’, pode se
constituir de importante técnica de auxílio destas transições (imaginação
razão; encontros passivos encontros ativos), uma vez que permite um
distanciamento do agente externo e ao mesmo tempo uma possibilidade rápida
e pontual de contato entre este agente e o grupo envolvido, visando facilitar a
transição da causalidade externa para causalidade interna.
Outro ponto que merece ser aqui comentado refere-se às dificuldades
enfrentadas por aqueles que optam por realizar avaliações qualitativas são
várias, sobretudo quando se trata da avaliação qualitativa de processos
participativos em uma dissertação de mestrado. Demo (1995:34) aponta três
destas dificuldades: 1) "o fenômeno participativo não é de curto prazo, já que
sua profundidade exige um conveniente processo de formação”, 2) "a vivência
participativa do avaliador, também não cai do céu por descuido, mas exige para
além de conhecimento teórico exaustivo, prática persistente, paciente, crítica e
cuidadosa" e 3) não transformar o avaliando em objeto, mas torná-lo
consorciado desta mesma tarefa política.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 119
Contudo o autor admite que "cuidados qualitativos", para usar sua
própria expressão, são obtidos com maior facilidade quando o pesquisador se
esforça por tratar a comunidade com respeito, devolvendo-lhe os dados
colhidos, convivendo certo tempo com ela, facilitando o processo de formação
política, entre outros. Vale lembrar que fomentar o processo de formação
política não significa que o pesquisador precise adotar o projeto político da
comunidade. E é importante que o posicionamento do pesquisador a este
respeito fique claro desde o princípio.
Cabe ressaltar que as dificuldades acima apontadas, de acordo com o
mesmo autor, não podem ser enfrentadas apenas com boas intenções, com
pressa, com vôos rasantes, pois não é difícil criar um arremedo de
participação, onde o próprio pesquisador assume a condução da comunidade,
"decidindo de cima para baixo, recriando mais do que nunca a condição de
objeto (...). Participação não se produz por atacado ou se multiplica como
grama. Existe nisso tanto um raio importante de sua postura alternativa, quanto
também uma limitação metodológica. Assim, quem deseja uma avaliação
qualitativa não busca um fenômeno de grande porte em termos extensivos,
mas prefere a aplicação a grupos menores, a comunidades pequenas, a
instituições com tamanho facilmente contornável" (Demo, 1995:35-36).
Em consonância com estas colocações, Silveira (2001:9) faz uma
importante ressalva ao uso de metodologias participativas em projetos da área
ambiental, pois “implicam geralmente um jogo de cartas marcadas, as decisões
a serem tomadas participativamente restritas a um pequeno leque de
possibilidades, em geral relacionadas à inclusão dos moradores na economia
de mercado de modo sustentável, sob a égide da geração da renda”.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 120
Uma vez que as reuniões do plantio tinham o intuito de se constituir
como um espaço de locução tendo em vista o aprendizado da participação e
não o uso do discurso participativo como estratégia de cooptação dos
moradores, a realização desses encontros do GP contou sempre com cuidados
metodológicos, tendo em vista justamente evitar a armadilha apontada acima
por Silveira (2001) e Demo (1995). Foram eles:
a) Iniciar todas as reuniões com uma recapitulação dos
encaminhamentos e dúvidas surgidas na reunião anterior;
b) fechar a pauta de cada reunião no início de cada encontro para
acolher os assuntos considerados importantes pelos participantes e
pela pesquisadora;
c) garantir que todos tivessem acesso ao uso da palavra;
d) estimular que todos se colocassem durante as reuniões;
e) anotar em cartaz todas as colocações feitas durante as discussões
sem fazer uma seleção;
f) procurar estimular sempre a capacidade argumentativa dos
membros do GP, animando o processo de maneira a trazer, sempre
que possível, os prós e os contras para as discussões;
g) deixar que os participantes do GP tomassem as decisões, embora a
pesquisadora não omitisse sua opinião;
h) respeitar o ritmo do grupo.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 121
4.2 CARACTERIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO GRUPO DO PLANTIO E DE SEUS
INTEGRANTES
A tabela abaixo traz os objetivos de cada uma das reuniões e uma
síntese dos resultados obtidos em cada uma delas:
QUADRO 3: REUNIÕES - OBJETIVOS E RESULTADOS*.
Reunião Objetivos Resultados
1ª
Realizar um primeiro levantamento dos desejos/expectativas e problemas vislumbrados relacionados ao plantio, bem como soluções apontadas para os mesmos.
Realizou-se um primeiro levantamento dos desejos/expectativas e dos problemas vislumbrados relacionados ao plantio, bem como soluções apontadas para os mesmos pelos moradores presentes.
2ª Levantamento da história oral dos trabalhos coletivos e início do planejamento da atividade agrícola a ser desenvolvida.
Início do planejamento do plantio. Avaliação das possibilidades de realização das propostas apresentadas na reunião anterior, acolhimento de novas propostas. Resgate da história oral dos trabalhos coletivos executados no bairro. GP ganha terreno para plantar.
3ª Construir a ´folinha do agricultor´, construir tabela de rotinas diárias (em grupos) com vistas a realizar divisão de tarefas de maneira realista, formar comissão do Plantio, dar início ao Estatuto do Plantio.
Planejamento das ações necessárias ao início das atividades agrícolas conjuntamente delineadas pelo grupo. Formulação do Estatuto base do GP. GP perde o terreno cedido mas consegue outro (AABP). Formação da ´Comissão do Plantio’.
4ª Estimular os presentes a realizar uma auto-avaliação de sua participação nos trabalhos (processo) do GP até agora e ajudar nos encaminhamentos necessários à continuidade das atividades de plantio. Estimular o uso de técnicas de agricultura orgânica na horta e apresentar brevemente os sistemas agroflorestais.
Avaliação do processo do GP como um todo (aparecimento dos conflitos). Continuação/aprofundamento do planejamento e encaminhamentos relativos à continuidade das atividades do plantio. Breve apresentação de material didático sobre agricultura orgânica e agrofloresta.
5ª Mediação de conflitos via facilitação/animação de encaminhamento de tarefas a serem executadas e discussão de pontos polêmicos relativos a continuidade do desenvolvimento das atividades agrícolas.
Reflexão sobre o real cumprimento das regras elaboradas no ´Estatuto do Plantio´. Mudança da ´Comissão do Plantio´, encaminhamentos de ordem prática. Votada e marcada palestra e dia de campo com agricultor orgânico e agroflorestal de Cananéia.
6ª I. Palestra com agricultor orgânico e agroflorestal da região com vistas a introdução de técnicas e conceitos da agricultura orgânica e breve apresentação dos sistemas agroflorestais. II. Mediação de conflitos via facilitação/animação de encaminhamento de tarefas a serem executadas e discussão de pontos polêmicos relativos a continuidade do desenvolvimento das atividades agrícolas.
Dividida em dois momentos: I. Palestra com agricultor orgânico e agroflorestal da região e II. Discussão de pendências do GP e encaminhamentos necessários à continuidade das atividades agrícolas.
7ª Realizar avaliação do processo, levantamento das expectativas/desejos dos integrantes do GP quanto à continuidade ou não das atividades do plantio, mediação de conflitos e animação/facilitação de discussão sobre os encaminhamentos apontados.
Foi feita uma avaliação do processo, houve negociação de uso do terreno e formação de um Novo-GP (venda de verduras), foi estabelecido prazo de 30 dias para início das atividades. Divisão do dinheiro do caixinha do GP por todos os seus integrantes.
* Este quadro é complementar ao Quadro 2 apresentado neste texto.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 122
4.2.1 UM POUCO DA DINÂNICA DO GRUPO DO PLANTIO
A definição do tipo de atividade agrícola a ser desenvolvida pelo GP foi
fruto de uma discussão que durou duas reuniões. Logo na primeira reunião do
plantio foram apontadas duas formas distintas de práticas agrícolas: horta e
roça. A horta foi eleita pela maioria dos presentes. Apontaram a roça de
mandioca para fazer farinha como muito trabalhosa para obtenção de pouco
resultado:
"mandioca para farinha nem pensar (...), coisas de comer: aipi, batata sim. Verdura, maxixe, abóbora, cheiro verde" (Cleide, 1ª reunião do plantio, 08/02/2001).
Ao se pensar em uma horta, dois modelos distintos foram cogitados:
uma grande horta comunitária ou várias pequenas hortas em um mesmo
terreno. Contudo, um participante dessa mesma reunião apontou, a roça como
atividade agrícola desejada, tendo esse mesmo morador sugerido a volta do
"ajutório para roçar e cavar", além da construção de "uma casinha perto da roça para
ficar olhando as plantas", e assim tomar conta da plantação, como se fazia no
tempo ´dos antigos´ e, desta forma, garantir que apenas aqueles que
trabalharam pudessem usufruir da colheita.
Uma vez que a intenção desse primeiro encontro era levantar os desejos
e expectativas dos moradores em relação ao desenvolvimento de práticas
agrícolas, como já explicitado anteriormente, e não houvera acordo a respeito
de que modelo adotar, na segunda reunião a discussão sobre horta ou roça foi
retomada, a partir de trabalhos de planejamento desenvolvidos em sub-grupos,
agora utilizando o desenho como forma de expressão dos desejos dos
participantes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 123
Tendo em vista o objetivo de estimular que os moradores ali reunidos se
apossassem do processo de planejamento e tomada de decisão, as propostas
elaboradas por cada sub-grupo foram apresentadas por um morador
representante a todos os presentes.
Ao fim desse encontro optou-se por iniciar o trabalho do plantio por uma
horta, sendo uma espécie de “piloto”, procurando avaliar o envolvimento e
desempenho do grupo em trabalhar coletivamente no terreno.
Cabe ressaltar que apenas um dos participantes manifestou o desejo de
realizar um plantio comercial, os outros manifestaram-se a favor do plantio para
consumo próprio, mais ou menos como nos tempos 'dantes', plantar para
subsistência.
Algo que chamou atenção foi o fato de muitos dos vegetais apontados
nesse planejamento para cultivo não serem usuais na ´agricultura caiçara´14. O
“Programa Médico de Família”, desenvolvido pela PMIC, incentivava o
consumo de uma variedade de hortaliças e de ervas medicinais no tratamento
médico do bairro15. Até que ponto isto não se reflete na variedade apontada
pelo grupo? Outro ponto que pode ter influência sobre esta variedade é o fato
de alguns integrantes do grupo terem morado em outras localidades, como São
Paulo e São Roque, onde eram caseiros e cuidavam de hortas.
Uma das dificuldades apontadas pelos membros do GP ao se pensar na
retomadas de atividades agrícolas foi a falta de terreno em que se pudesse
plantar, pois com a mudança da forma de ocupação do solo, que passou de
14 Cf. Capítulo 3 desta dissertação. 15 Cerca de quatro meses após a realização das ´entrevistas de avaliação´ houve alteração no grupo médico que realiza atendimento no bairro de Pedrinhas, tendo sido substituída a médica que incentivava o consumo de hortaliças nos tratamentos de saúde.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 124
uso comunitário para propriedade privada, ninguém possuía uma área de terra
capaz de comportar qualquer tipo de produção agrícola.
A Associação de Amigos do Bairro de Pedrinhas possuía um terreno que
estava precisando ser capinado e mantido limpo e o Grupo do Plantio
precisava de um terreno para plantar. Ao saber disto, Omar, um dos sócios-
fundadores da associação, lançou a idéia do grupo plantar naquele terreno. A
diretoria da AABP se reuniu e votou favoravelmente a esta proposta que foi
muito bem aceita pelo GP.
Esse fato, a nosso ver, possibilitou uma aproximação entre o Grupo de
Plantio e a diretoria da associação. A presidente da associação naquele
momento, presente nessa reunião, passou a integrar o GP.
O empréstimo do terreno e parte do modo de funcionamento do "Grupo
do Plantio" foram devidamente "regulamentados" por um estatuto elaborado
coletivamente. O estatuto surgiu de uma sistematização feita a partir de regras
que foram sendo apontadas durante as discussões, partindo da vivência dos
participantes em outras situações de trabalhos coletivos, tendo sido ratificado
pelo grupo16.
Após a terceira reunião foi marcado o primeiro ajutório do GP com o
objetivo de limpar o terreno cedido pela associação do bairro e dar o primeiro
passo para a concretização da horta.
O terreno não possuía árvores, apenas capim. Um dia inteiro de trabalho
foi preciso para uma primeira limpeza da área que media aproximadamente
400 m2. Fizemos um acero em volta da área, pois o grupo optou pela queima
16 Cf. Estatuto em anexo.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 125
do capim roçado, opção que talvez se relacione com o padrão historicamente
estabelecido de queima da agricultura de coivara praticada pelas populações
caiçaras, como já citado anteriormente. Esses momentos de trabalho foram
intensos, não só de troca de experiência, mas de aproximação entre as
pessoas ali presentes.
Outro ponto que foi alvo de muita discussão diz respeito à normatização
de quais critérios seriam adotados para admissão de outros moradores ao GP
após o primeiro ajutório. Surgiram, na quarta reunião, as propostas: a) quem
quiser entrar tem que doar uma parte de seu trabalho para que os demais não
se sintam prejudicados, então há a necessidade de limpar uma área ao lado da
horta, para que depois esta área venha a integrar a horta já existente, sendo
cercada conjuntamente; b) o ingresso de novos integrantes será feito no
momento em que o GP for limpar a área ao lado para ampliar a horta. Sobre
este ponto também não houve um acordo possível. Uma vez que o grupo não
conseguiu tomar uma decisão a respeito, não foi regulamentada no estatuto a
entrada de novos integrantes, o que foi foco de alguns atritos durante toda a
primeira fase do GP. Foi decidido em reunião que aqueles que tinham deixado
o grupo receberiam a sua parte da colheita.
Ao retornar a Pedrinhas, depois de um intervalo de quatro meses e da
segunda semeadura realizada pelo GP, notamos que na horta havia uma
variedade maior de vegetais em relação à última ida a campo, no geral pouca
quantidade de cada. Algumas das espécies ali presentes não tinham se
desenvolvido bem, estando a horta carecendo de cuidados.
Fato interessante foi a constatação da presença de espécies como
abóbora e melancia, dando a impressão de que a roça estava sendo
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 126
incorporada à horta, configurando o que poderíamos chamar de “horta-roça”,
pois estes vegetais, que precisam de poucos tratos culturais, compõem parte
do cultivo das tradicionais roças caiçaras.
Após cerca de sete meses de paralisação dos trabalhos do GP foi
realizada a sétima reunião do plantio, na qual se efetuou a divisão do dinheiro
da ´caixinha´ do GP – dinheiro arrecadado com a venda das verduras
produzidas na horta. Foram feitos os cálculos de quanto cada um tinha direito a
receber e quando e onde retirar o dinheiro. Nesse mesmo encontro decidiu-se
que as atividades do GP teriam continuidade, porém com maiores alterações
em sua composição após negociação com representantes da AABP, que
determinou um prazo máximo de 30 dias para que as atividades
recomeçassem.
Cabe aqui comentar as alterações ocorridas na composição do Grupo do
Plantio desde sua formação. Na 1ª fase dois integrantes da composição
original saíram e três novos integrantes se juntaram ao GP.
Na 2ª fase, o GP foi composto por três integrantes que já participavam
da primeira etapa e outros três novos membros. O intuito era dar continuidade
às atividades agrícolas. Esse segundo momento do Grupo do Plantio tinha por
objetivo, desde o início, produzir verduras para serem comercializadas no
bairro. Essa nova formação articulou-se por iniciativa dos remanescentes do 1º
GP. Neste momento reaparecera a alegria do encontro que fora ofuscada pelos
vários desentendimentos ocorridos anteriormente. Este novo GP estava se
estruturando, começou a plantar, comprou esterco bovino para adubar o solo e
impulsionar a produção, porém cerca de três meses após o início dos trabalhos
o grupo se desarticulou. O adubo recém comprado sumira sem nenhum tipo de
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 127
explicação. Os integrantes deste novo grupo, com quem conversamos,
suspeitavam de um dos membros do primeiro GP que viera a integrar também
esta segunda versão e que fora alvo de muita reclamação. Cabe colocar que
as reclamações eram feitas à pesquisadora e não eram colocadas em reunião,
mesmo nas oportunidades em que a pesquisadora procurou abrir espaço nos
encontros do GP para que o assunto fosse colocado em pauta.
Vale aqui mencionar que na cultura caiçara, assim como entre os
caboclos da Amazônia ou mesmo entre os caipiras, há uma postura de não se
indispor com vizinhos e parentes, pois são eles importantes elos das relações
de compadrio e vizinhança que dão suporte ao fazer cotidiano de cada um. O
que pôde ser observado em Pedrinhas, nos dois momentos do GP, foi uma
atitude de deixar a situação esvaziar para não gerar um conflito explícito. Essa
postura mostrou-se recorrente tanto no trato de assuntos pontuais, corriqueiros,
como por exemplo um desentendimento com um vizinho, como também no
trato de questões mais centrais para o grupo, como a própria horta.
Após este período de tensão e quebra de confiança, alguns moradores
ainda pensavam em se rearticular para reativar a horta, mas sem que a
pessoa, sobre a qual recaem muitas desconfianças, faça parte.
4.2.2 OS PARTICIPANTES
Foi possível identificar três diferentes categorias de participantes na 1ª
fase dos trabalhos do Grupo do Plantio:
a) Membros ou integrantes do GP: são aqueles que estão efetivamente
plantando;
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 128
b) Colaboradores: são aquelas pessoas que participam das reuniões
trazendo idéias e ajudando a discutir questões importantes do grupo, mas não
participam diretamente das atividades de plantio;
c) Eventuais: são aquelas pessoas que eventualmente participam de
qualquer uma das atividades do GP;
No Quadro 4 podemos acompanhar o perfil dos participantes do GP em
sua 1ª fase. O quadro apresenta a ocupação geradora de renda para estes
participantes, sua idade, sua categoria de acordo com os critérios acima
estabelecidos, bem como o registro de sua participação nas atividades
propostas. Uma observação importante a ser refeita é que os nomes dos
moradores presentes neste texto são todos fictícios para evitar que os conflitos
aqui descritos possam vir a prejudicar qualquer um deles.
No total 16 (dezesseis) famílias, representadas por 23 (vinte e três)
pessoas, participaram de pelo menos uma das atividades de plantio realizadas.
Destas, nove famílias, representadas por 12 (doze) pessoas, declararam a
intenção de efetuar o plantio e outras duas famílias, representadas por duas
pessoas, mostraram-se indecisas. A faixa etária do grupo chegou a variar de
09 a 74 anos de idade.
Até a realização da sétima reunião do plantio, oito famílias,
representadas por oito pessoas, estavam diretamente envolvidas com o
manejo da horta, sendo que a faixa etária do grupo variava de 18 a 62 anos.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 129
QUADRO 4: CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA 1ª FASE DO GP- atividades que compõem a renda dos moradores que participaram de pelo menos uma das
‘atividades do plantio’, sua relação com o GP e atividades de que participaram. (os nomes dos
moradores de Pedrinhas aqui apresentados são todos fictícios, os únicos nomes verdadeiros
são o do agricultor/consultor de Cananéia, o da pesquisadora e os das outras integrantes do
Grupo EA).
PARTICI-PANTE
OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO ATIVIDA-DES PARTICI-POU *
Luciano
Filho de comerciantes locais, terminou recentemente colegial, trabalha meio período em negócio da família
Membro desde a 2a reunião (16/abr/01)
Nascido em Pedrinhas. Tem 18 anos. Foi eleito tesoureiro do GP.
5 R + 11A + 1E
Sirílo Pescador, caseiro e ex-funcionário PMIC – trabalha no viveiro de essências nativas; de vez em quando presta serviços relacionados à pesca para turistas
Membro desde a 2a reunião (16/abr/01).
Nascido em Pedrinhas. Tem 55 anos e é quem encabeça a Comissão de GP. A partir de setembro de 2001 começou a passar lista de presença nos ajutórios semanais.
6 R + 12A + 1E
Antônio Pedreiro, ex-agricultor
Membro desde a 2a reunião (16/abr/01)
Foi decidido em reunião realizada em ajutório que ele passaria a trabalhar na horta aos sábados e domingos, devido a seu problema de horário (não pode recusar dia de serviço remunerado – é pedreiro autônomo)
Nascido em Registro. Está em Pedrinhas há 09 anos. Mora na IC há 32 anos, primeiro morava na Ponta da Praia, onde plantava arroz com o pai. Tem filhos que moram em Iguape. Mora em um barraco sem luz elétrica e água encanada que construiu numa sobra de terreno de +/- 180 m2 que comprou. Tem 51 anos.
5 R + 5A + 1E
Fernanda Costureira Membro desde a 2a reunião (16/abr/01)
Nascida no NE. Mudou-se para Pedrinhas no início de 2001, proveniente de SP. Mora na casa de veraneio que possui (turista residente). Chegou ao GP por freqüentar a mesma igreja que um dos participantes da 1a reunião. Membro da comissão do Plantio
5 R + 11A
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 130
PARTICI-PANTE
OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO ATIVIDA-DES PARTICI-POU *
Matilde Extratora de plantas nativas, caseira
Membro desde a 1a reunião
Nascida em Cananéia – Estero do Morro. Veio para Pedrinhas para casar, onde mora há mais de 30 anos. Tem 62 anos.
Foi uma das pilastras da formação do GP.
5 R + 10A+1E
Adriana Recém formada no colegial técnico da escola agrícola de Iguape, ex-presidente da AABP e comerciante local.
Membro desde a 3a reunião (07/mai/01)
Depois de 16/ago/01 passou a integrar a Comissão do Plantio. Tem +/- 21 anos. Filha de liderança local.
3 R + 10A
Anastácia Caseira Membro desde 12/set/01 (ajutório com consultor de Cananéia)
Uma de suas filhas é agente comunitária de saúde.
Recebeu um convite para 6a reunião e compareceu. Nesta reunião todos os presentes foram convidados a participar do ajutório com o consultor de Cananéia. Ela foi, trabalhou bastante e neste mesmo dia passou a ser considerada membro do GP.
2 R + 9A
Mariinha Extratora de plantas nativas, artesã, caseira, grande conhecedora de ervas medicinais
Ex-membro.
Participou das duas primeiras reuniões (08/02/01 e 16/04/01) e quebrou o pé. Voltou a participar das reuniões em 02/jul/01 e iniciou seu trabalho na horta 18/ago/01. Deixou o grupo após dia 10/out/01.
Nascida em Paranaguá-PR, ainda bebê foi para Iguape, onde morou até +/- 10 anos, quando então foi morar Pedrinhas com o pai e irmãos (foi criada por uma parenta. Casou-se com 14 anos). Tem hoje +/- 65 anos.
Foi uma das pilastras da formação do GP. Trabalhou na horta cerca de 2 meses.
6 R + 4A
Augusto Estudante – 2o ciclo do ensino fundamental - escola no Boqueirão Norte, pedreiro.
Ex-membro.
Início da participação: 07/mai/01; término: depois de 02/jul/01
Integrou o GP por cerca de 2 meses.
Foi membro da Comissão do Plantio de 07/mai/01 a 02/jul/01, quando mandou recado por um dos membros que não queria mais participar da comissão, desde então não participou de mais nenhuma atividade do GP. Estuda no período da noite (8a série). Tem +/- 18 anos. (Não há muitos registros dos trabalhos do GP neste período. Todos os integrantes do GP dizem que ele estava sempre presente, que trabalhou muito, todos eram a favor de sua permanência no Grupo, gostavam de trabalhar com ele)
2R + 1A
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 131
PARTICI-PANTE
OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO ATIVIDA-DES PARTICI-POU *
Carlota Comerciante local, extratora de plantas nativas e costureira
Ex-membro.
Ingressou no GP na 2a reunião (16/abr/01) e saiu do GP em +/- 14/jun/01 (permaneceu no GP +/- 2 meses).
Nascida em Antonina-PR. Está em Pedrinhas há +/- 18 anos. Tem cerca de 50 anos. Fala de Pedrinhas como “Lá nas Pedrinhas...”
2R + A (no período em que trabalhou não há registro de presença nos ajutórios)
Doralice Comerciante local e conselheira deliberativa da AABP
Colaboradora desde a 2a reunião (16/abr/01).
Nascida em Pedrinhas, criada em SP a partir de 10 anos, voltou para Pedrinhas há +/- 15 anos. Atual conselheira deliberativa da AABP. Tem 57 anos.
5 R
Ezequiel Comerciante local, funcionário da PMIC – Diretor do Departamento de Ecologia e Pesca e atual presidente da AABP
Colaborador desde o início dos trabalhos de campo (desde antes da 1a reunião-08/fev//01)
Nascido em Pedrinhas. Neto do “fundador mítico” da comunidade e líder comunitário. Tem cerca de 50 anos.
6 R
Margarida Extratora de plantas nativas
Participante eventual.
Participou da 3a, da 4a e da 5a reunião do GP (07/mai/01, 02/jul/01 e 16/ago/01).
No dia do ajutório de limpeza do terreno (09/mai/01) - levou lanche da manhã e da tarde para aqueles que trabalhavam.
Nascida no município de Cananéia, foi criada pelos padrinhos que são de Pedrinhas e têm hoje cerca de 70 anos. Seu padrinho foi líder comunitário e foi sucedido por um primo de 1o grau.
3 R + 1A (lanche)
Ofélia Agente comunitária de saúde há 19 anos.
Participante eventual. Nascida em Pedrinhas. Apóia a realização das reuniões e das atividades do GP – incentiva o consumo e plantação de verduras durante as visitas de saúde do “Programa Médico da Família”, além de emitir opiniões e fornecer idéias aos moradores de Pedrinhas e para a pesquisadora e integrantes do Grupo EA. Tem +/- 50 anos.
2 R
(16/abr/01 e 11/set/01).
Cleide Extratora de plantas nativas e caseira
Participante eventual.
Participou da 1a reunião (08/fev/01)
Não quis mais participar de nenhuma outra atividade do plantio.
Tem cerca de 40 anos.
1R
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 132
PARTICI-PANTE
OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO ATIVIDA-DES PARTICI-POU *
Tatiana Extratora de plantas nativas, caseira e funcionária PMIC – responsável pela biblioteca pública local
Participante eventual das reuniões do GP (de vez em quando cogita a possibilidade de entrar no GP).
Nascida na Ilha de Cananéia (na direção de Juruvaúva). Está em Pedrinhas há +/- 30 anos.
2 R
(16/abr/01 e 11/set/01)
Omar Caseiro; Membro AABP, já foi candidato a vereador.
Participante eventual.
Participou como membro da AABP durante ½ manhã da capina no 1o ajutório de limpeza do terreno.
Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 50 anos.
Foi dele a idéia de fazer a horta no terreno da Associação
¼ A
(09/mai/01)
Dagoberto Pescador, artesão, ex-construtor de canoas e violeiro
Participante eventual.
Participou da 2a reunião GP (16/abr/01)
Nascido no Ariri. Veio para IC ainda bebê, morava com o(s) pai(s) no Vamiranga, próximo ao Barranco Branco. Tem 74 anos.
1 R
(16/abr/01)
Moisés “doador do 1o terreno do GP” – veranista.
Participante eventual.
O terreno “doado” foi vendido antes da próxima reunião (07/05/01) impossibilitando o GP de utilizá-lo
Nascido na região de Barretos, mora no interior paulista, sua esposa é nascida em Pedrinhas.
1 R (16/abr/01)
Renata “doadora do 1o terreno do GP”
Participante eventual.
O terreno “doado” foi vendido antes da próxima reunião (07/05/01)
Nascida em Pedrinhas (prima de um dos membros do GP), mora no interior paulista, com seu marido que é nascido na região de Barretos. Disse na reunião não saber se suas lembranças sobre mutirão eram reais ou um sonho.
1 R (16/abr/01)
Pedro Estudante – 1o ciclo do ensino fundamental – escola de Pedrinhas
Participante eventual.
Participou da 3a reunião do Plantio (07/mai/01) e do ajutório de limpeza do terreno (09/mai/01)
Tem +/- 9 anos. Sua mãe i um irmão fizeram parte do GP.
1R + 1A
Josoé Membro da AABP; pedreiro (?) e caseiro (?)***
Participante eventual.
Participou da 3a reunião (07/mai/01) como membro da AABP (para discutir empréstimo do terreno).
Nascido em Juruvaúva (?) *** 1R
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 133
PARTICI-PANTE
OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO ATIVIDA-DES PARTICI-POU *
Izadora Caseira Participante eventual.
Começou a participar das atividades do GP em 11/set/01 (6a reunião). Participou de 3 ajutórios e não tem ido mais trabalhar na horta.
Tem vinte e poucos anos. Sua mãe é membro do GP. Mora com o irmão, a cunhada e dois sobrinhos pequenos.
Parece que parou de participar dos ajutórios por conta de desentendimentos pessoais.
1R + 3A
Marilú Caseira Participante eventual.
Participou da 6a reunião do plantio (11/set/01)
Sua sogra é membro do GP, tem dois filhos pequenos.
1R
Silvia Estudante Participante eventual.
Participou da 1a reunião do plantio (08/fev/01)
Ela foi representando a avó na reunião. Tem cerca de 12 anos.
1R
Jorge Administrador do bairro de Pedrinhas junto à PMIC
Participante eventual.
Fez a regulagem da roçadeira que foi usada na segunda metade da manhã do 1o ajutório de limpeza do terreno.
Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 50 anos.
¼ A (09/mai/01)
Gilberto Filho de comerciante e político local
Participante eventual.
Participou durante ½ manhã da capina no 1o ajutório de limpeza do terreno.
Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 18 anos. Sua irmã é membro do GP.
¼ A
(09/mai/01)
Cristiane Estudante – 4a série da escola de Pedrinhas. Tem problemas de desenvolvimento físico e mental.
Participante eventual.
Participou da 5a e da 6a reunião do plantio (16/ago/01 e 11/set/01)
Tem 15 anos e mora com um tio (irmão de sua mãe – que é vereador) e uma tia (esposa deste tio), que é filha do líder comunitário do bairro vizinho denominado Sítio Artur. O casal recentemente adotou uma neném, o que deixou-a bastante enciumada.
2R
Clodoaldo Estevan Bernardo
Consultor – agricultura orgânica e agrofloresta
Consultor
Reunião 11/set/01 e ajutório 12/set/01
É agricultor residente no bairro do Rio Branco de Cananéia. Possui experiência de 5 anos com cultivo de agricultura orgânica e agrofloresta.
1R + 1A
Rita de Cássia Nonato
Facilitadora Facilitadora
(02/07/01)
Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R
Alik Wunder Facilitadora Facilitadora
(16/04/01)
Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R
Maria Rita Avanzi
Facilitadora Facilitadora
(08/jan; 16/abr; 07/mai e 02/jul de 2001)
Coordenadora do Grupo de Educação Ambiental
4R
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 134
PARTICI-PANTE
OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO ATIVIDA-DES PARTICI-POU *
Vivian G. de Oliveira
Facilitadora Facilitadora
(07 e 09/mai/01)
Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R + 1A
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Pesquisadora/ Facilitadora
Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 7 R + 2A + 4E
Total de atividades realizadas: 7R + 14A + 1E + 1r**+ 3a **
* atividades que possuem registro formal: R= reuniões do Grupo do Plantio, A= ajutórios e E= entrevista de avaliação ** reuniões (r) e ajutórios (a) realizadas pelo GP sem a presença da pesquisadora e não possuem lista de presença; *** (?) indica informação incompleta.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 135
CAPÍTULO 5 .
APRENDIZADO DA PARTICIPAÇÃO COMO PROCESSO
O momento de analisar os dados à luz de um determinado
pensamento é sempre angustiante, pois estamos realizando um recorte na
realidade ao olhá-la e um outro recorte no pensamento orientador da análise ao
escolhermos conceitos, que recortam, mais uma vez, o observado.
O que aqui apresentamos é o resultado de uma análise bordada sobre
estes diferentes recortes, ou seja, uma combinação dos registros escritos,
gravados e fotografados com o pensamento dos autores que compõem o
referencial teórico desta pesquisa.
Este capítulo está dividido em oito seções, iniciando-se com a
apresentação de algumas das relações encontradas por este estudo entre
trabalhos coletivos e participação. Dando continuidade às reflexões sobre
participação, a segunda seção traz diferentes significados que a mesma parece
assumir para os moradores de Pedrinhas.
As próximas três seções focam a apropriação das causas dos encontros.
Na terceira discutimos a coexistência de pequenos avanços e retrocessos
nesta apropriação durante o processo educativo vivido junto ao Grupo do
Plantio (GP). A quarta seção destina-se a apresentar a gradual transformação
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .136
dos encontros, promovida pela formação de noções comuns. E a quinta busca
traçar relações entre a apropriação das causas dos encontros e a construção
da autonomia pelo Grupo do Plantio.
A sexta parte deste texto destina-se a apresentar tanto conflitos internos
ao GP, quanto alguns conflitos familiares existentes no bairro de Pedrinhas. Na
sétima sessão são tecidas considerações sobre o entendimento deste estudo a
respeito da participação como potência de ação. Finalmente, a oitava e última
seção traz considerações e questionamentos a respeito do diálogo entre
saberes.
5.1 RELAÇÃO ENTRE TRABALHOS COLETIVOS DE AJUDA MÚTUA E PARTICIPAÇÃO
As reuniões do plantio foram planejadas com o intuito de deflagrar um
processo participativo atendendo aos objetivos delineados por esta pesquisa.
Para executar a proposta aqui apresentada não partimos do pressuposto
de que a comunidade de Pedrinhas, ao menos os interessados em atividades
agrícolas que se reuniram no Grupo do Plantio, estava pronta para participar de
projetos coletivos. Considerava-se que havia na comunidade algo como um
embrião de uma cultura participativa que se evidenciava na realização de
trabalhos de ajuda mútua, como mutirões, ajutórios e pujuvas já mencionados.
No modo ´tradicional´ de vida das populações caiçaras fazem-se muito
presentes os trabalhos coletivos, porém cabe destacar que tais trabalhos são
geralmente realizados em prol de um único beneficiário e não de uma
coletividade.
Como descrito anteriormente, há em Pedrinhas registros de trabalhos de
ajuda mútua realizados em favor do coletivo do bairro, porém cabe salientar
que tanto nesse caso como naquele realizado em prol de um único beneficiário
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 137
o tipo de trabalho de ajuda mútua executado possui uma característica pontual.
Todos reúnem-se e executam um determinado trabalho, não havendo
continuidade da atividade conjunta, cada qual retorna a sua rotina cotidiana
que em geral independe da manutenção daquele coletivo, como por exemplo
construir o posto de saúde que passa a ser gerido pelo poder público municipal
ou fazer uma roça que passa a ser gerida pelo beneficiário do ajutório ou
mutirão.
O intuito da pesquisa-intervenção aqui apresentada foi de desencadear
um processo de reflexão - conjunta e individualizada - sobre as práticas
coletivas desenvolvidas no bairro, visando sua ressignificação e incremento.
Pretendia-se assim trazer uma maior consciência deste fazer conjunto e
ampliar o tempo coletivo destes trabalhos, construir juntamente com os
moradores valores mais solidários e o desenvolvimento de práticas agrícolas
ecologicamente mais amigáveis e capazes de gerar emprego e renda para a
população de forma autônoma, sem que ela dependa de um patrão.
Com o funcionamento da horta foi constatado, pelas agentes
comunitárias de saúde do bairro, uma melhora qualitativa na alimentação da
população com um aumento do consumo de vegetais:
“A horta tem sido um exemplo pra comunidade, tem estimulado outras hortas [nos quintais] e nas visitas de saúde a gente tem orientado pessoal a plantar” (agente comunitária de saúde, 11/09/2001 – 6ª reunião do plantio).
Vale destacar que o aparecimento dessas hortas e o consumo de
vegetais pela população do bairro foram temas de um levantamento realizado,
por iniciativa própria, por uma das agentes comunitárias de saúde de
Pedrinhas. Todas as casas foram visitadas. Foi constatado o aparecimento de
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .138
14 (catorze) novas hortas nos quintais do bairro simultaneamente à do GP, não
tendo sido ainda tabuladas, pela agente de saúde, as informações referentes
ao consumo de vegetais.
5.1.1 CALEIDOSCÓPIO: FRAGMENTOS QUE COMPÔEM E DECOMPÕEM
ENCONTROS
“Mesmo parado ainda deu lucro. Esse é o fruto da cooperativa” (Ezequiel, 7ª reunião do plantio, comentário feito quando da divisão do dinheiro arrecadado pelo caixinha do GP).
Os trabalhos desenvolvidos na horta do GP foram conjuntamente
planejados, executados e geridos de modo que os tropeços e sucessos do
processo foram compartilhados. Seguem abaixo falas de integrantes do GP
durante a primeira fase das atividades do Grupo do Plantio, evidenciando o
exposto acima:
“Mesmo com toda essa encrenca, com as fofoca, se o pessoal continuasse eu continuava, porque é gostoso, a gente sempre aprende coisas. Pra mim foi uma lição que pra trabalhar em grupo é preciso muita paciência, relevar umas coisas porque olha...” (Anastácia, caderno de campo, 23/11/2002).
“Trabalhar junto [no GP] ajudou a pegar experiência de plantar e de trocar conhecimentos [com os mais velhos] que sabem bastante” (Adriana, caderno de campo, 06/07/2002).
“Trabalhar com o grupo foi bom até os desentendimento começarem, valeu muito ter aprendido coisas com o Clodoaldo [consultor de Cananéia], principalmente fazer o adubo” (Sirílo, caderno de campo, 06/07/2002).
“Desentendimento no grupo sempre teve, mas o grupo era encaixado, até que desencaixou” (Sirílo, caderno de campo, 06/07/2002).
“Ninguém pode recramá, todo mundo provou do que jogou na terra” (Sirílo, telefonema 07/03/2002).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 139
“Prantemo, tivemo... assim só dano risada numa parte. (...) nós trabalhando ali, dando risada, tirando sarro de outro. É assim que tem que sê” (Matilde – entrevista de avaliação)
“... tudo o que você aprende é bom. Eu fico feliz por aprendê mais alguma coisa assim” (Luciano – entrevista de avaliação).
“... saiu umas par de verdura, essas coisa, mas tinha de saí memo, porque a gente fez as coisa todo, quer dizer que é alegria da gente, lógico” (Antônio - entrevista de avaliação).
Cabe aqui problematizar a causa que move esta alegria dos integrantes
do Grupo do Plantio. Seria sua causa interna ou externa, promotora de
encontros ativos ou passivos? Este é um dos focos de análise dos dados
apresentados: buscar a causalidade dos encontros, refletir sobre esta alegria,
sobre a relação desta causalidade e a autonomia do grupo.
Vimos também, a partir do referencial teórico, que a consciência da
causa dos desejos, das regras que regem as coisas que cercam o sujeito
(individual ou coletivo) e sua capacidade de relacionar-se com o outro
constituem-se em elementos centrais para se consolidar a potência de ação.
Cabe pensar como se dá a manifestação desses elementos no processo
deflagrado junto ao GP.
5.2 PARTICIPAÇÃO: O OLHAR DOS MORADORES DE PEDRINHAS
De acordo com depoimentos de moradores do bairro, coletados durante
a realização desta pesquisa, participação é sinônimo de cooperação, pois
participar significa “fazer junto”, “colaborar”, “ajudar”. Para esses moradores
participação e trabalhos coletivos de ajuda mútua (mutirão, ajutório e pujuva)
estão estreitamente relacionados, sendo freqüentemente associados para
explicar os significados de um ou de outro termo.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .140
É possível apreender em suas falas que participar dos mutirões de
antigamente, ou mesmo dos ajutórios de hoje, relaciona-se com um fazer
coletivo, com um trabalhar junto, pois nessas ocasiões o objetivo é a
transformação material do mundo executada coletivamente (fazer roça, fazer
horta, fazer colheita, construir postinho de saúde para comunidade, etc.). Já
participar de reuniões em que o objetivo não é algo palpável e, de imediato,
concreto parece ter um outro significado.
No início do processo do GP, as reuniões objetivavam primeiro planejar
e depois executar. Isto incomodou uma das participantes que se queixou logo
na segunda reunião “dessa coisa de querer fazer tudo na ponta da caneta”, o
que foi imediatamente rebatido pelo colaborador que é atualmente presidente
da AABP, quando colocou que achava importante primeiro fazer um
planejamento com os interessados para depois executar, “porque assim fica
mais organizado”. Outra fala que denuncia essa diferença e talvez até
estranhamento para com o planejamento conjunto, que é um exercício de
abstração, provém de uma integrante do GP em uma conversa informal com
um membro do Grupo de EA:
“Menina, não é que aquela conversarada toda virou uma horta mesmo!” (Mariinha, caderno de campo set/01)
Desta forma, fica evidente que para esses moradores de Pedrinhas
participação tem uma face bastante concreta, não sendo todos que
compreendem o participar de reuniões de planejamento como algo importante.
Mesmo a participação nos bailes dos antigos mutirões está relacionada com
um fazer concreto, pois só ia para o baile a família daqueles que tivessem
trabalhado durante o dia.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 141
“Depois [de ter trabalhado o dia todo na roça em mutirão, eles] iam embora, todo mundo se arrumava, tomava banho (...) e a família deles todos iam participar de um grande baile daí no salão, né. Também só ia famílias de quem estava durante o dia, na festa, quem não fosse nem adiantava ir porque não entrava, né, (...) então era assim, e era muito bonito” (Carlota, segunda reunião do plantio)
Outros dois momentos em que a participação está associada a
transformação material do mundo são apresentados a seguir. Um deles refere-
se a um fato explicitado no capítulo 4, o de os integrantes do GP passarem a
se entender como um grupo após o primeiro ajutório, reforçando a necessidade
do fazer concreto – participam, fazem parte do Grupo do Plantio aqueles que
trabalharam durante o primeiro mutirão de limpeza do terreno.
Um outro momento refere-se a visita realizada por alguns membros do
Grupo do Plantio, em companhia da pesquisadora e de um membro do Grupo
EA, a um primeiro terreno cedido ao GP, que não chegou a ser cultivado, pois
era uma área particular que foi rapidamente vendida. Ao visitar este terreno a
proposta de retomada de atividades agrícolas ganhou uma face mais palpável
para o grupo, pois ao realizar esta visita os participantes do GP davam a
impressão de estar vislumbrando a plantação feita. O que parece ter de alguma
forma contribuído para que o planejar, o ´fazer abstrato´, começasse a ser
encarado como um tipo de trabalho e não como ócio, por alguns dos membros
do GP. Mais adiante veremos que com o tempo o grupo foi se apropriando
deste ´fazer abstrato´ para realizar reuniões de planejamento e decidir rumos a
serem seguidos.
Outra forma de participação identificada no bairro diz respeito aos
eventos promovidos pela AABP, os quais ultimamente visam levantar fundos
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .142
para terminar a construção da sede. Neste sentido, o participar significa
trabalhar durante os eventos em prol da Associação.
Transcrevemos abaixo uma fala anotada em caderno de campo que
evidencia a relação da participação com uma ação prática.
“Por exemplo, se tá todo mundo fazendo um ajutório para você, tá todo mundo participando, se eu tô cobrindo minha casa e você vem trabalhá junto, você tá participando disso” (Anastácia, 26/07/02)
5.3 FLUXOS E REFLUXOS NA APROPRIAÇÃO DAS CAUSAS
Apesar de termos constatado um desejo latente da população residente
em Pedrinhas de retomar o desenvolvimento de práticas agrícolas, como já
mencionado anteriormente, identificamos nossa proposta como causa, a
princípio, externa da formação do GP, tendo isso sido reforçado por
depoimentos de participantes das ‘atividades do plantio’:
“(...) nós não ia mexê com aquilo sem a expricação de uma pessoa que vem de fora dá expricação pra nós (...)” (Matilde, entrevista de avaliação).
Poderíamos então pensar que, sendo uma causa externa, ela é
promotora de um encontro passivo, mas não, existem indícios de um processo
de internalização dessas causas. Cabe aqui ressaltar que a mudança é
processual, existindo portanto um gradiente de internalização ou não das
causas dos encontros. Assim, se olharmos para um momento isoladamente,
corremos o risco de não flagrar a complexidade dessa dinâmica e realizar uma
análise equivocada, uma vez que a internalização e a externalidade da causa
coexistem durante o processo.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 143
Cabe também comentar que apesar da causa da formação do GP ser
identificada como externa, podemos dizer que já havia primórdios de
internalidade desta causa antes do início do processo deflagrado pela presente
pesquisa, uma vez que o que mobilizou a pesquisadora a empreender suas
ações foi justamente a declaração dos moradores de seu desejo de retomar
atividades agrícolas, tanto em leituras realizadas e conversas com outros
pesquisadores, como nos 5 meses que antecederam o início das intervenções.
Vale aqui reforçar a importância que a igreja católica assumiu em Pedrinhas no
sentido de estimular uma reflexão crítica da realidade vivida por parte dos
moradores, contribuindo para a consciência da causa dos encontros, atuando
na direção da internalização das mesmas e, desta forma, fomentando a
ocorrência de bons encontros, potencializando assim, ao menos uma parte da
comunidade. De acordo com o depoimento de um dos sócios-fundadores da
AABP e atual membro de sua diretoria, a associação existe hoje graças ao
constante incentivo do Padre.
“A gente aprendeu a fazer trabalho comunitário na igreja católica, porque sempre tinha espaço para os problemas da comunidade, de tanto fazer isso a gente hoje tem a associação, padre Cristiano sempre estimulou” (Omar – caderno de campo 29/07/2002).
Durante os meses em que foram realizadas atividades de plantio, o GP
contou com a presença do que estamos chamando de participantes eventuais
(Cf. Quadro 4, p. 129), moradores que estiveram presentes em alguns
momentos pontuais junto ao GP sem dar continuidade a sua participação,
demonstrando assim que, em alguns casos, o fato das pessoas terem se
mobilizado e comparecido a mais de uma reunião e/ou ajutório é indício de um
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .144
encontro, a princípio alegre, porém passivo, pois a alegria mobilizadora deste
encontro foi fugaz.
Nesse ponto, faz-se importante dizer que nem todos os moradores que
não deram continuidade à sua atuação junto ao GP o fizeram por desconhecer
sua real motivação para integrar ou não o grupo. Alguns deles o fizeram
conscientes de que não desejavam desenvolver práticas agrícolas, pois sua
rotina diária já se encontrava repleta de atividades, não havendo tempo e/ou
interesse em plantar. Esta participação deu-se algumas vezes por curiosidade,
em outras por solidariedade, para ajudar/estimular o GP.
Um bom exemplo disso foi o dia do primeiro ajutório realizado pelo grupo
para limpeza do terreno cedido pela associação de bairro em que Omar, um
participante eventual e sócio-fundador da AABP, esteve presente, trabalhando
cerca de duas horas e meia na limpeza do terreno, segundo ele “para animar o
pessoal”. A administração do bairro cedeu uma roçadeira com combustível
para facilitar e agilizar a carpição. Outro exemplo foi a participação da agente
comunitária de saúde, que quando presente nas reuniões dava sua
contribuição para as questões em discussão, chegando a elogiar o trabalho do
grupo e a produção da horta publicamente durante uma reunião.
Outra demonstração de apoio ao GP por moradores do bairro refere-se a
distribuição de convites, para uma das reuniões, pelas agentes comunitárias de
saúde do bairro, tanto no posto de saúde como nas visitas domiciliares.
Cabendo aqui dizer que nos apropriamos de uma regra local para o convite de
moradores a eventos, os ‘bilhetinhos’.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 145
Vale ressaltar que, em outros casos, uma falta de clareza sobre quais as
implicações e vantagens de integrar o GP, bem como desafetos pessoais
motivaram a descontinuidade da presença de alguns.
“O pessoal daqui é assim mesmo ´fogo de palha´. No começo todo mundo quer, aí um desanima, esse desanima outro e até que todo mundo para” (Anastácia, caderno de campo 26/07/2002)
A fala de Anastácia denuncia a fragilidade de alguns dos encontros que
acontecem em Pedrinhas, apontando que a não internalização de suas causas
é algo recorrente, o que contribui para a desmobilização de parte da
comunidade em algumas ocasiões. Um bom exemplo disso é a necessidade de
contratação de mão de obra para construir a sede da associação, pois a
adesão aos ajutórios para sua construção foi baixa.
“o pessoal tem um orgulho bobo, não participa, não se mistura, não quer trabalhar de graça, mas depois usufrui do benefício do trabalho daqueles que se uniram e trabalharam – posto de saúde, escola, água que veio da cachoeira [do continente], telefone” (Omar, caderno de campo 29/07/2002).
Da fala de um outro morador podemos apreender a não identificação, o
sentimento de não-pertencimento de parte da população com a associação de
bairro:
“A gente até que trabalha a troco de nada, mas porque é pra gente mesmo, pros outros aí complica” (morador de Pedrinhas, caderno de campo set/2001)
Nos encontros vividos ao longo de 22 meses, os integrantes do GP
demonstraram momentos de apropriação da causa destes encontros, quando
realizaram reunião por iniciativa própria sem a presença da pesquisadora para
decidir sobre a divisão de tarefas em relação às atividades do plantio - no
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .146
momento de cercar o terreno, fazer a divisão das duplas para a realização dos
tratos culturais da horta e a escala de trabalho de cada dupla.
Outros momentos de apropriação foram identificados quando a
Comissão do Plantio assume-se como articuladora do GP; quando mantiveram
a freqüência semanal dos ajutórios; tomaram decisões que viabilizavam a
continuidade das atividades na horta, tais como a escolha do que semear e a
alteração dos dias de trabalho de um dos integrantes, quando este estava
impossibilitado de realizar as atividades nos dias pré-estabelecidos.
O investimento, na própria horta, de parte do dinheiro arrecadado com a
venda das verduras, como por exemplo a compra de esterco bovino para
adubação e de mangueira para rega, também são entendidos como
apropriação, assim como a eleição de um tesoureiro para administrar o dinheiro
arrecadado. Identificamos ainda, no momento da segunda semeadura, a opção
por experimentar uma variedade maior de vegetais a serem cultivados e
também a iniciativa, de um dos membros da comissão, de iniciar o registro das
atividades realizadas partindo de uma lista que, além dos nomes dos
presentes, conta com observações de algumas ações empreendidas.
Esses momentos de apropriação apontam para um incremento da
potência de ação do grupo uma vez que a caminhada deu-se na direção de sua
autonomia.
“Matilde: ...E nós imo levá o barco pra frente até ... porque aquilo ali serve pra nós, né?! Pra nós, quarqué um. Ói que foi tirado um bom dinhero ali, vendero, compremo negócio pra mulhá as pranta, né?! Regador de pranta, tudo dinhero nosso.
Pesquisadora: Pô, que bacana, né?!
Matilde: É, aquilo lá tudo que tem ali foi tudo nosso dinhero. E nós ainda temo mais coisa pra comprá, temo, mas nosso dinhero
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 147
Tudo quanto era de turista vinha precurá arface. Mas aquele arface fico bão! Meu Deus!” (entrevista de avaliação, jan/2002).
“Matilde: Não. Não, nós imo se virando aqui. Vocês não estão aqui, mas nosso grupo, a gente...
Fernanda: É, agora que a gente já tem umas dicas aqui, dá pra gente seguir em frente, até vocês chegá.” (4ª reunião do plantio, 02/07/2002).
No entanto, uma vez ocorrido o processo de internalização não significa
o desaparecimento da causalidade externa, tendo havido momentos de refluxo,
em que a causa externa voltava a comandar as ações. A externalidade
reaparece quando, em algumas reuniões, o GP delegava para o agente
externo1 a resolução de conflitos e a própria decisão de como seriam
encaminhados os trabalhos na horta.
A própria formação da Comissão do GP retrata esse movimento
dinâmico, pois ainda que ela tenha sido sugerida em reunião por um
colaborador do grupo, foi o agente externo, no caso a pesquisadora, quem
tomou a iniciativa perguntando quem gostaria de fazer parte da Comissão,
já que percebia que a chance da reunião terminar sem sua formação era
grande. Cabe aqui ressaltar que o que está sendo identificado como
casualidade externa é o momento de formação da Comissão, pois os
momentos em que ela funciona como aglutinadora do grupo são exemplos de
causalidade interna, indicando um aumento de potência de ação do grupo.
Outros momentos em que identificamos a coexistência da internalidade
e da externalidade da causa presentes são, por exemplo, o fato de a divisão
dos recursos arrecadados com a venda de verduras precisar da presença da
1 Representado pela pesquisadora.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .148
pesquisadora para acontecer, assim como a decisão da continuidade das
atividades da horta com a formação de um “novo GP”. Essas eram coisas
desejadas pelos moradores, porém esperaram pela volta da pesquisadora
estando incapazes de resolver tais pendências, embora já tivessem realizado
uma série de ações por conta própria como mencionado anteriormente.
Os colaboradores do Grupo do Plantio podem também ser entendidos
como agentes externos, uma vez que eles não faziam parte da dinâmica de
trabalho do grupo e somente participavam das tomadas de decisão, realizadas
durante as reuniões organizadas pela pesquisadora. Cabe ressaltar que os
colaboradores trouxeram importantes contribuições para a organização do GP.
Em dado momento do processo, um dos colaboradores cobrou do grupo
a normatização do número de faltas que cada um poderia dar, com o intuito de
aumentar assiduidade dos integrantes do GP aos dias de trabalho acordados
em reunião. Esse ponto havia ficado em aberto quando da elaboração do
estatuto pois, uma vez que não houve entendimento sobre o assunto, passou a
se configurar como um ponto de atrito interno do grupo.
Outra dificuldade encontrada refere-se a retirada de verdura da horta.
Foi acordado, em reunião não organizada pela pesquisadora, que o dia de
retirada de verdura para consumo próprio seria o dia do ajutório, pois estariam
todos presentes. Regra essa que não foi cumprida por todos, o que trouxe mais
um dissabor para os encontros do GP. Alguns membros do grupo, em reunião-
ajutório puseram o assunto em pauta e segundo eles o infrator foi justamente a
primeira pessoa a concordar e ratificar perante o grupo essa posição, o que
deixou os demais sem ação.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 149
5.4 NOÇÕES COMUNS: UM PROCESSO EM MOVIMENTO
“O sorriso, a alegria é a coisa mais importante da vida. Um desanimado desanima uns três ou quatro, mas o sorriso não, o sorriso anima todo mundo” (Dagoberto, caderno de campo, 30/06/2001).
Durante as reuniões, ao estimularmos a reflexão sobre os prós e
contras, causas e efeitos de determinada situação, podemos dizer que
estimulamos a formação de noções comuns. É possível entendê-las como um
processo de transformação dos encontros através do ato de conhecer,
conhecer a causa dos encontros, tornarmo-nos conscientes de nossos desejos
e motivações e vislumbrarmos possibilidades de atuação.
Esse processo é responsável pela produção de um conhecimento
refletido, pois é a partir da reflexão da situação presente que podemos elaborar
soluções e alternativas capazes de promover a transformação da realidade na
direção da construção de um futuro desejado, o que nos potencializa e está em
consonância com a “pedagogia da demanda”.
Sendo assim, podemos dizer que o processo de transformação dos
encontros é o mesmo processo de produção de conhecimento.
Durante os trabalhos com o GP pudemos identificar a formação de
noções comuns. Se em alguns momentos o estímulo à reflexão do que se
desejava fazer e o que deveria ser feito para realizá-lo gerava longas
discussões sem chegar a uma definição em uma única reunião, em outros
momentos, o resultado era uma definição auto-confiante do grupo do que fazer
e quais os responsáveis, evidenciando assim, tanto a transformação do
encontro como o incremento da potência de ação do grupo e de seus
integrantes.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .150
Esse exercício argumentativo, em determinados momentos, fortalecia
individualmente os componentes do GP sem que instantaneamente o grupo
fosse fortalecido. Já em outros casos, o grupo imediatamente se beneficiava
desse incremento. Espinosa demonstra-nos que o incremento (ou diminuição)
da potência de ação dos sujeitos dá-se em um continuum e não aos saltos, o
que explica que em determinados momentos não possamos detectar a
mudança, pois ela está em curso, não avançou ainda a ponto de poder ser
identificada.
São transcritas abaixo algumas falas de integrantes do GP, durante a
sétima e última reunião do plantio, que denunciam um aumento da potência de
ação de alguns moradores, beneficiando todos os interessados em dar
continuidade às atividades agrícolas na horta, iniciadas há cerca de 14 meses
da data dessa reunião. Trata-se de uma negociação pelo uso do terreno em
que a horta está assentada com a presidência da AABP e seu conselho
deliberativo. A sugestão era que área da horta fosse dividida e cada um tivesse
o seu pedaço para trabalhar individualmente, como as roças do ´tempo dos
antigos´:
“Se tem 3 ou 4 que queiram, divide a horta (...) faz uma divisão e cada um cuida da sua horta (...) cada um tem um compromisso e um jeito de proceder. Faz mutirão para ajudar mas cada um cuida do seu” (Ezequiel, 7ª reunião do plantio, 29/07/2002).
(...)
”A prioridade é para nós que começamos naquele terreno fechado ali, agora se vier alguém e ficar um pedacinho de nada que a gente não vai plantar nada então fica com tudo (...) pq se vier e vai me apertando, me apertando que não der pra plantar o que eu quero, o que eu gosto então fique com tudo (...)” (Fernanda, 7ª reunião do plantio, 29/07/2002).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 151
“Nada disso! Não pode ser assim (...) é a irmandade, tem que ter irmandade, uma a outro vamos trabalhar? Vamos. Vamos fazer uma equipe? Vamos. Esse negócio de um pra lá outro pra cá (...) ai sim, ai pra mim acaba” (Matilde, 7ª reunião do plantio, 29/07/2002).
Ao final da reunião ficou decidido que todos os interessados
trabalhariam juntos em uma horta comunitária como na primeira fase, ao
contrario do que colocava Ezequiel, o atual presidente da associação.
5.5 A COMPREENSÃO DAS CAUSAS E A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA
Podemos entender que a formação da comissão local para organizar o
andamento das atividades aponta na direção de uma conquista de autonomia
do grupo em relação à presença da pesquisadora. Neste ponto, a discussão
sobre a causalidade interna ou externa nos encontros pode nos ajudar a refletir
sobre o conceito de qualidade política trazido por Demo (1995), que, conforme
explicitado anteriormente, representa a arte da comunidade ou grupo se
autogerir, a capacidade de inventar seu espaço próprio, forjando sua
autodefinição, sua autodeterminação.
No entanto, a construção dessa autonomia não se dá de maneira
homogênea, o gradiente de internalização da causa e seus refluxos repetem-se
ao olharmos para o movimento no interior do próprio GP, quando é possível
notar episódios em que o grupo exercita a autogestão e outros em que se
ausenta da tomada de decisão, esperando que a comissão o faça. Um dos
representantes dessa comissão, após algum período de ausência da
pesquisadora no bairro, realizou, em dois momentos distintos, telefonemas
dando notícias do encaminhamento das ações que haviam sido programadas,
solicitando sua presença para realização de uma reunião. Entendemos que
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .152
estes episódios estão na interface entre a internalização e a externalidade da
causa. Por ocasião do primeiro telefonema, o GP não havia se paralisado
devido à ausência da pesquisadora, empreendia a sua ação, adaptando a
proposta aos seus códigos próprios de relações interpessoais, de
desenvolvimento de trabalhos na terra, de tomada de decisão. No entanto, ao
se deparar com um obstáculo de difícil resolução, segundo explicitado pela voz
ao telefone, precisavam de seu agente externo.
Algo semelhante ocorrera com o segundo telefonema recebido. Quando
o mesmo membro da comissão solicitava a presença da pesquisadora por
declarar que havia tentado algumas vezes fazer uma reunião com o GP e não
tinha conseguido, alegou que a presença da pesquisadora conferiria
legitimidade ao encontro. Aqui se faz importante comentar que as tentativas
ocorreram já em alta temporada turística, estando a grande maioria dos
moradores com muitos afazeres, e que este membro, apesar de também
realizar trabalhos voltados para o turismo, na época possuía estabilidade no
emprego, pois era funcionário público e, portanto, possuía salário fixo ao longo
do ano, bem como décimo terceiro e férias remuneradas, coisa rara no bairro.
5.5.1 PRÁTICAS CULTURAIS, MODOS DE VIDA E CRITÉRIOS PARA DECISÃO
Sem perder de vista os fluxos e refluxos da internalidade (ou
externalidade) da causa dos encontros, caberia procurar dentro do GP as
compreensões diferenciadas a respeito não só das práticas agrícolas, mas
também dos ‘ciclos da vida’.
Antigamente, a vida dos moradores de Pedrinhas era regida pelos ciclos
da natureza - época de caça, época de plantio, época de extração vegetal,
época da pesca, período de chuvas, período de muito sol, período de mutuca e
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 153
assim por diante. Atualmente, muitos moradores se distanciaram desses ciclos
naturais e passaram a ter suas vidas regidas pelo ciclo do turismo, o que
significa ter uma proximidade maior em relação aos dias da semana e do mês
expressos no calendário, assim como com a regência de suas atividades pelas
horas do relógio.
Essa aproximação com o estilo de vida urbano promovido pela presença
dos próprios turistas, tanto os visitantes como aqueles que possuem casas de
veraneio no bairro, oriundos de cidades como São Paulo, trouxeram para
Pedrinhas outros hábitos, valores e desejos. Esses novos hábitos e valores
acarretaram mudanças nas relações sociais do bairro, as quais podem ser
notadas com clareza na fala de alguns moradores com menos de trinta anos
com quem pudemos conversar:
“Dessa parte [agricultura, artesanato] eu não entendo e nem quero entender, quero é saber de andar de lancha, de sair pra pescar de lancha com meu patrão” (jovem morador de Pedrinhas, caderno de campo, 30/06/2001).
Dentro do GP foi possível identificar uma maior ou menor proximidade
do calendário e do relógio de acordo com o tipo de atividade desenvolvida pelo
morador para adquirir seu sustento. Dois diferentes pontos de vista afloraram:
aqueles que achavam que as atividades do GP deveriam continuar durante o
pico da temporada turística e aqueles que achavam que as atividades não
deveriam ter continuidade durante este período. Há diferentes motivos que
explicam as duas posturas. Vale aqui apontar as colocações de Chauí (2000),
que nos lembra que o sujeito é histórico e social, vivendo portanto em
condições materiais determinadas.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .154
Para aqueles que são funcionários públicos assalariados, as atividades
não deveriam parar, pois mesmo que prestassem algum tipo de serviço aos
turistas, a ocupação do seu tempo não era integral, possibilitando assim a
continuidade dos trabalhos na horta. Aqueles que são trabalhadores
autônomos da construção civil compartilham da opinião de que as atividades
deveriam prosseguir, tendo também tempo disponível para realizá-las. Nos dois
últimos casos a produção da horta representa também fonte de alimento e,
com a interrupção das atividades agrícolas, a falta desses itens alimentares
seria sentida.
Para aqueles que trabalham diretamente com o comércio, as atividades
deveriam ser interrompidas, pois eles não teriam tempo disponível para
dedicar-se ao trabalho na horta, já que é nesta época do ano que se ganha
mais dinheiro, graças ao fluxo turístico que é bastante intenso. Além do fato de
a produção da horta não significar um incremento que faria falta à mesa.
Já para aqueles que continuam a ter suas vidas em íntimo contato com
os ciclos naturais, como é o caso dos que extraem plantas nativas, como
samambaias e musgos, as atividades agrícolas deveriam parar, pois essa
época do ano, que coincide com a alta temporada turística, é a época de muito
sol e não é boa para plantação.
“M: (...) Só não tamo trabalhano porque ocê vê que o sor acabô com as pranta, mas a gente vai levá em frente. Tem que levá, né?! Levá em frente ... esse mês de ... (pausa longa) março, nós imo começá de novo, porque aí chove (...). E nós imo prantá, tudo que tivé nos imo levar pra lá e prantá. Tudo com pé de semente.
Pesquisadora: Por que aí o calor já diminuiu?
M: Ah é, o calor já foi embora. Aí já vai pá abril, maio, junho, julho, agosto. Aí esse mês tudo nós imo trabalhá, que aí é mês fria, aí dá pra prantá as coisa (...)”. (Matilde – entrevista de avaliação jan/02)
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 155
Para esse último grupo a prestação de serviços para os turistas também
é um argumento que conta. Para esses integrantes, as verduras fazem falta na
hora das refeições e por isso, em alguns casos, já foram semeados nos
quintais ou na própria horta outros itens alimentares que se desenvolvem bem
nesta época do ano e que não requerem muitos tratos culturais, como o aipim
(mandioca de mesa), a abóbora e a melancia. Daí termos encontrado estas
espécies na “horta-roça” nesta ocasião de alta temporada turística.
5.6 TRISTES ENCONTROS
Ao analisarmos as causas dos encontros deparamo-nos novamente com
o referencial espinosano - encontros alegres (passivos ou ativos) e tristes
(necessariamente passivos). Encontros passivos e tristes são gerados por
idéias inadequadas e são mobilizadores de paixões negativas, de tristezas de
forma geral.
Com esta análise não pretendemos ignorar conflitos familiares e/ou
pessoais históricos e relações de poder entre os moradores de Pedrinhas, pois
alguns deles foram identificados. Verificamos que não foram esses conflitos os
únicos responsáveis pela saída de integrantes do GP e/ou da não entrada de
outros moradores, mas foram eles mais uma tristeza, mais um elemento
constituinte dos conflitos vivenciados nesse processo.
Um exemplo do acima colocado refere-se a Carlota. Logo no início de
sua participação nas reuniões do GP, um integrante do grupo comentou que
era difícil trabalhar com ela, pois sempre ocorriam atritos. No 1o ajutório de
limpeza do terreno da horta, ao ser questionada pela pesquisadora do porquê
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .156
estava empreendendo determinada ação que se chocava com uma decisão
que o grupo tomara minutos antes, mostrou-se contrariada e disse que sairia
do GP por causa disso. No entanto, continuou participando por cerca de mais
dois meses das atividades. Sua saída se deu por mais de um motivo. Um deles
foi a dificuldade de relacionamento com outros membros, chegando a ter “uma
briga feia” (depoimento de integrante do GP) com um outro membro do grupo.
Outro motivo foi um problema de saúde que a impossibilitou de trabalhar por
mais de um mês, depois disso não mais retornou às atividades do plantio.
Além desses episódios no GP, há um conflito de anos entre a família de
Carlota e algumas outras famílias de Pedrinhas aparentadas entre si, por causa
da disputa judicial de um terreno com casa no ‘centro do bairro’, a qual Carlota
perdeu. Esse atrito é incrementado pelo fato de se tratar de uma migrante.
Em depoimento de outro migrante ficou clara a existência de segregação
dos pedrinhenses para com os ‘de fora’, que vão morar no bairro. O que reforça
as colocações de Diegues (1996) quando ressalta a existência de regras que
acabam por excluir aqueles não nascidos na comunidade ou bairro.
“Existem [nas comunidades ditas tradicionais] normas de exclusão de acesso aos recursos naturais pelos não comunitários. Estes por sua vez, podem ganhar acesso a espaços e recursos de uso comum, desde que, de alguma forma, passem a fazer parte da comunidade (mediante casamento, compadrio etc.)” (Diegues, 1996:66).
Este outro migrante comentava sua necessidade de realizar tratamento
dentário, e das dificuldades para efetivá-lo, foi-lhe então perguntado sobre o
tratamento dentário que há pouco fora oferecido gratuitamente aos moradores
do bairro no Posto de Saúde com o envio de um dentista do Rotary Club.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 157
“Ah, a gente que é de fora é o último a saber das coisas por aqui” (morador de Pedrinhas-migrante, caderno de campo, jan/2002).
Outro depoimento colhido em entrevista individual de avaliação reforça
as colocações acima. O trecho abaixo transcrito refere-se a um momento da
entrevista em que se falava de uma situação de conflito que envolvia um
migrante. “A gente não conhece as pessoa, não são daqui do lugar. (...) ela chegô onte aqui no lugar e nós já samo de antonte. Compreende como que é?!” (entrevista de avaliação, jan/2002)
Outro exemplo de conflito envolveu a mudança na composição da
comissão, que era formada por três integrantes do GP – um homem, um jovem
também do sexo masculino e uma mulher. Após aproximadamente um mês de
trabalho na horta, despontou a necessidade de alteração. Durante a 4a reunião,
o membro que desejava deixar a comissão, Augusto, saiu mais cedo deixando
um recado, com outro integrante, expressando seu desejo. Questionou-se
tomar esta decisão na ausência do interessado, e sobretudo sem quorum
suficiente na reunião. Vale explicitar que a adesão de Augusto à comissão não
havia sido espontânea, mas sim induzida, o que sugere a não internalização da
causa do encontro, a formação da comissão.
Um outro ponto discutido nessa reunião foi a entrada de duas mulheres
no GP, pois elas já tinham um histórico de relacionamento com o grupo.
Mariinha foi uma das pessoas que desde o início abraçou a idéia de retomada
de atividades agrícolas ajudando, dessa forma, na formação do GP. Ela deixou
de participar das atividades do plantio devido a uma fratura no pé e, uma vez
que seu marido e filhos não se interessaram em participar, ficou sem ter quem
a representasse nos dias de trabalho. Margarida, no início das atividades
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .158
concretas ligadas à horta, trabalhava como acompanhante noturna de uma
senhora idosa, participando portanto apenas do início das reuniões, pois havia
choque de horários entre as reuniões e seu trabalho. Além disso, ela se
envolveu espontaneamente com o preparo de lanche da manhã e da tarde para
os que trabalhavam no primeiro ajutório, tendo inclusive um de seus filhos
trabalhando na horta.
No entender dos presentes à 4a reunião, ambas deveriam compor o GP.
Assim que os presentes votaram ‘sim’ à participação das duas, faltando apenas
a confirmação dos ausentes, Margarida declarou que uma vez que seu filho
Augusto deixaria a comissão, ela sairia também. Imediatamente o grupo todo
se mobilizou para explicar-lhe que ele havia manifestado seu desejo de sair da
comissão, mas que continuaria fazendo parte do GP. Ela, no entanto, disse que
de qualquer forma não participaria mais. Alguns moradores do bairro fizeram
relação dessa atitude assumida por Margarida com outros episódios em que
ela se posicionou de forma dúbia frente a um acordo estabelecido, não dando
continuidade às tarefas acordadas. Podemos interpretar o acontecido no GP
como um desejo dela de participar das reuniões, destes momentos de encontro
do grupo, e um não-desejo de trabalhar efetivamente na horta, uma vez que
Margarida declarou, em mais de uma oportunidade, gostar de participar das
reuniões, das conversas sobre o plantio. Ela compareceu a mais uma reunião,
mas seu filho não. Posteriormente, um outro membro do grupo declarou que a
ausência dele se devia a um impedimento imposto por Margarida, alegando
que o GP havia dito que ele “não fazia nada”, em contraposição às colocações
do grupo que dizia que ele “trabalha bem”. Vale colocar que, em momento
anterior a esta 4a reunião, o jovem dizia estar gostando de fazer parte do GP.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 159
Nesta mesma 4a reunião, Margarida questionou se um outro integrante
tem de fato participado das atividades da horta. Era justamente o integrante
que estava sendo apontado para substituir seu filho na comissão. Vale
esclarecer a existência aí também de um conflito familiar: Margarida foi criada
pelo líder comunitário que antecedeu e se opõe ao atual, este último parte da
família do novo integrante da comissão. Desta forma faz-se aqui evidente que o
conflito preexistente não foi a única causa da saída de Augusto do GP, mas
como enunciado anteriormente configura-se como mais uma tristeza, mais um
elemento que somado à externalidade da causa de sua adesão à comissão,
culminou na sua desistência da participação no grupo como um todo e não
apenas na comissão.
Ainda no tocante à comissão descrevemos aqui mais um conflito. Um
terceiro membro da comissão, que é migrante, parece ter compreendido que
seu papel legitimava um ´poder de mando´ sobre os outros membros do GP.
Vários episódios de desentendimentos foram descritos por vários membros do
grupo e invariavelmente a reclamação era: ‘ela é muito mandona, quer fazer
tudo do jeito dela’. Aqui se evidencia a passividade desse encontro, pois o
papel da comissão era de articular e ajudar na coordenação das atividades do
GP e não determinar o que e como seria feito. A situação de conflito aqui
demonstra a não compreensão da natureza do encontro e a conseqüente não
internalização de sua causa.
Seriam esses aqueles encontros tristes apontados por Sawaia (2001)
como relacionados à potência de padecer em que o indivíduo se torna joguete
dos acontecimentos?
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .160
Como poderiam ser transformados esses encontros tristes em encontros
alegres e, desta forma, incrementar a potência de ação destes moradores? De
que maneira podemos ser mais facilmente afetados de forma positiva pelo
outro?
5.7 PARTICIPAÇÃO COMO POTÊNCIA DE AÇÃO
“Vocês [pesquisadora e grupo EA] conquistaram espaço na comunidade. O trabalho de vocês ajuda o nosso [da associação], porque vai cutucando o pessoal pra participar. (...) devagarinho a gente vai envolvendo o pessoal pra participar” (Omar, caderno de campo, 29/07/2002).
De acordo com as colocações feitas no capítulo 2 podemos dizer que
participação e ação coletiva estão diretamente relacionadas, e que nossa
potência de ação está intimamente ligada com nossa capacidade de ser
afetado pelo outro. Logo podemos dizer que estamos potentes para agir
quando estamos capazes de empreender uma ação coletiva.
Dessas colocações podemos compreender que nossa capacidade de
ser afetado pelo outro relaciona-se com nossa capacidade de nos comunicar
com o outro das mais diversas formas e não apenas verbalmente. Referimo-
nos aqui a um sentido mais amplo de comunicação, de modo a compreender o
que outro deseja dizer seja por gestos, atitudes, expressões, palavras, meias-
palavras, textos, sorrisos, poemas etc. E de maneira análoga fazer com que o
outro compreenda a mensagem que desejamos transmitir.
Nesse sentido, podemos dizer que as reuniões do plantio visaram o
incremento da potência de ação do GP e dos indivíduos que o compõem, na
medida que sempre procurou estimular o diálogo entre os participantes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 161
Entendemos como primordial este estímulo à capacidade de comunicação dos
membros do grupo, pois dessa maneira criava-se a possibilidade de que
futuramente os planejamentos pudessem acontecer sem a presença de
agentes externos, para que o GP fosse autônomo, capaz de traçar seus
próprios objetivos e articular ações para alcançá-los.
As reuniões foram planejadas para constituírem-se como espaço de
locução em que a capacidade argumentativa dos integrantes do GP fosse
exercitada, buscando fomentar o processo reflexivo necessário à produção de
conhecimento, como nos disse Espinosa2. O que não significa desqualificar os
códigos locais e suas formas de produção de conhecimento, pois sempre foi
estimulado que os participantes expusessem sua lógica, sua visão de mundo e,
portanto, essa era a base das reflexões realizadas com vistas a encontrar
soluções aos obstáculos conforme eles iam se apresentando.
Procurou-se respeitar também, além da forma argumentativa, outras
linguagens presentes na cultura caiçara: as piadas e histórias contadas nos
encontros, a conversa informal pelas ruas do bairro, etc.
Tanto a recomposição da trajetória pessoal, como a de cenas em que os
participantes haviam se envolvido com mutirões foram momentos muito
importantes de uma das reuniões do plantio que, no nosso entender,
contribuíram para fomentar e/ou fortalecer a coesão no grupo, rememorando
uma cumplicidade vivida em outros tempos e possibilitando aos mais jovens e
aos migrantes tanto partilhar das histórias que aconteceram no local como
trazer também histórias de outros lugares. Este momento de contar a história
2 Cf. Capítulo 2, pp. 63-67 do presente texto, sobre a produção de conhecimento em Espinosa.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .162
de vida pode representar uma releitura do passado no presente, possibilitando
uma reflexão crítica a respeito da própria realidade.
Na reunião em que promovemos a recomposição dessas experiências
todos os participantes envolveram-se bastante, criando uma atmosfera de
descontração e boas lembranças. Junto da evidente organização da
comunidade para resolver seus problemas de maneira coletiva, foram revividos
os momentos dos bailes, das trilhas difíceis para se chegar a outras localidades
que chamavam o pessoal de Pedrinhas para participar de mutirões. Tudo
repleto do bom humor que caracterizou as reuniões do plantio, mas sem deixar
de estar presente um clima de nostalgia, o que levou um participante a
comentar, quase num suspiro: "Tempos de mutirão!"
5.8 DIÁLOGO DE SABERES?
As dificuldades surgidas foram enfrentadas com base nos
conhecimentos disponíveis na comunidade e naqueles trazidos pela
pesquisadora e pelo Grupo de EA, o que possibilitou, em alguns momentos, um
diálogo entre os diferentes saberes. Cabe aqui ressaltar que entendemos o
diálogo como fruto da práxis, sendo, portanto, a reflexão geradora de
consciência sobre a situação atual vista como fundamental para sua alteração
na direção desejada, ou, como dito anteriormente por Gutierrez & Prado (1999)
neste texto, deve-se “buscar (...) a construção de um presente capaz de
projetar um futuro melhor”.
Trazemos abaixo algumas situações vividas no GP em que podemos
sugerir e questionar a ocorrência de um diálogo entre diferentes modos de
conhecimento.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 163
Após o GP ter realizado a primeira limpeza do terreno, iniciando assim
os trabalhos da horta, o grupo optou pela queima o capim dali retirado. Ao final
da reunião seguinte, iniciou-se uma conversa sobre técnicas de controle de
“pragas” sem o uso de insumos químicos industriais e sobre consorciamento de
hortaliças, a partir da apresentação de um material levado pela pesquisadora e
disponibilizado para estudos posteriores.
Os presentes receberam com bastante interesse a proposta. Aqueles
que sabiam ler, duas pessoas naquele momento da reunião, comprometeram-
se a estar “passando para os outros”, para usar a linguagem local, o que foi
apreendido da leitura realizada, tendo um dos membros da comissão ficado
responsável pelo material.
No encontro seguinte, a pesquisadora sugeriu que se convidasse um
agricultor da região, com conhecimentos sobre agricultura orgânica e
agrofloresta para uma conversa e um dia de trabalho em ajutório para que o
GP pudesse conhecer a experiência de cinco anos por ele acumulada, tendo
em vista impulsionar a produção da horta. A proposta foi votada e aprovada
pelo grupo.
Em momento nenhum a pesquisadora reprimiu ou se opôs à queima do
capim, embora tenha negociado com o grupo a confeccção de um acero para
evitar que o fogo se espalhasse e tenha argumentado que a incorporação
daquele capim ao solo aumentaria sua fertilidade, pois estaria servindo com
adubo para a futura plantação.
Tendo em vista um dos princípios balizadores da concepção de
Educação Ambiental que rege esta pesquisa, o da “horizontalização entre os
diferentes saberes em processos educativos constituir-se, potencialmente, em
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .164
exercício de participação política”, no lugar de simplesmente desaprovar a
decisão do grupo a opção foi a de oferecer-lhe elementos concretos que
servissem de estímulo à adoção de prática agrícola com maior consonância
com a conservação ambiental, que necessitasse de menos investimento
financeiro para se viabilizar e que ainda contribuísse com uma melhora
qualitativa da alimentação dos moradores. Buscando assim a implementação
de uma prática educativa não impositiva e que “reconhecesse o papel ativo do
sujeito no processo de conhecimento”, respeitando assim outro pressuposto
balizador deste trabalho (Costa-Pinto et alli, 2001:4).
Essa estratégia mostrou-se bastante eficaz na medida em que foram
sendo gradativamente adotadas pelo grupo elementos da agricultura orgânica
para produção de alimentos, inclusive na sua segunda fase do Grupo do
Plantio.
Uma liderança dessa segunda fase do GP declarou estar fazendo uso
do material sobre agricultura orgânica, deixado pela pesquisadora na biblioteca
pública do bairro, e explicita uma relação dialógica entre o conteúdo deste
material e as técnicas utilizadas na agricultura ´tradicional´ caiçara, trazidas
pelos mais velhos para o cotidiano de trabalho na horta.
“Às vezes o pessoal mais velho não aceita muito, mas a gente vai conversando. Às vezes a gente cede um pouco pra depois eles cederem pra gente. Isso dá pra levar” (Gustavo, caderno de campo, 25/11/2002).
A consciência dos desejos e das regras, por parte do GP, despontou aos
nossos olhos nos momentos em que houve a sistematização dos mesmos e
apresentação para o GP por parte do agente externo. Nesses momentos
percebíamos que os integrantes do grupo reconheciam-se na síntese
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 165
apresentada. No entanto, podemos questionar a ocorrência desta identificação,
pois uma vez que o conhecimento está vinculado às práticas sociais e às
culturas, corremos o risco de não reconhecer a expressão da consciência dos
seus desejos e regras por diferir da nossa maneira de construir conhecimento.
Como nos lembra Boaventura de Souza Santos é fundamental atentarmos para
esta imposição de uma epistemologia científica como a única forma legítima de
se construir conhecimento, o que o autor chama de “epistemicídio” (Santos,
1999: 328-30).
Corremos sempre o risco, portanto, de nos contradizer na proposta de
estabelecer um diálogo de saberes, pois a nossa linguagem, a maneira como
organizamos nossas idéias estão imbuídas de uma cultura própria, diversa da
daqueles sujeitos com os quais trabalhamos nesta pesquisa. Estar muito atento
é essencial, pois sabemos da enorme legitimidade do conhecimento científico e
da relação de poder intrínseca que há na sua troca com outros saberes.
Como se manifesta esta consciência de desejos e de regras entre os
moradores envolvidos com o ‘plantio’ em sua prática cotidiana? Nos
depoimentos de alguns deles é possível identificar um descontentamento em
relação àqueles que não cumprem as regras por eles estabelecidas. Até que
ponto são consideradas legítimas as regras traçadas nas `reuniões do plantio’,
que trazem em si embutida uma estrutura diferenciada da forma que lhes é
usual? Percebemos que o próprio ajutório é um momento de estabelecimento e
revisão de regras e tomada de decisão. Ali, entre uma leira e outra.
Capítulo 6: Uma tessitura 166
CAPÍTULO 6 .
UMA TESSITURA
Tece o tecido a tecelã, talvez tosco, tímido, talvez teso, tenso, intenso. Tinindo o tear, trançando nos fios tesos a ternura de seu cantar, assim a tecedeira tece1.
Este capítulo apresenta a tessitura final deste estudo que, com base no
referencial teórico-metodológico e nas experiências vivenciadas junto aos
moradores do bairro de Pedrinhas no interior da APA-IC, procura tecer propostas
ao apontar possibilidades para práticas de Educação Ambiental pautadas pela
busca do incremento da potência de ação de grupos e indivíduos. Este texto traz
também sugestões de avaliadores de potência de ação, compreendida aqui como
um indicador possível da participação em processos de educação ambiental.
1 Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 167
6.1 A PROCURA DE AVALIADORES
Avaliar é uma tentativa de objetivar a realidade, sistematizando dados e
informações que produzam conhecimentos na perspectiva de melhor compreendê-
la. Esta tarefa não é trivial uma vez que não é possível um espelhamento
completo da realidade, é preciso fragmentá-la, recortá-la para que se possa emitir
juízos a respeito de terem sido ou não alcançados os propósitos de uma
determinada ação (Tassara, 2002). Assim sendo, podemos dizer que ao
realizarmos avaliações obtemos “retratos instantâneos” da situação em questão.
“Objetivar, articular uma idéia sobre um projeto que está inscrito no tempo e, portanto, em uma continuidade, com uma medida qualquer, que é algo recortado, picado, circunscrito, é extremamente complexo. Trata-se de buscar uma representatividade dos fatos em seus recortes mensurativos. Para encontrar essa representatividade, é preciso saber muito bem o que se quer produzir” (Tassara, 2002:12).
Segundo Tassara (2002), ao pensarmos em avaliação, o primeiro ponto a
ser averiguado é saber se o projeto conseguiu produzir as transformações
pretendidas. Para tanto, há algumas perguntas orientadoras a serem feitas para o
projeto que se pretende avaliar, tais como: O que se pretende? Quem defende a
proposta? Para que público se destina? Qual é a desejabilidade pretendida?
Quando falamos em desejabilidade, de acordo com esta autora, estamos
nos referimos aos desejos de quem o projeto almeja garantir a expressão (Do
financiador? Do proponente? Do público alvo?).
A proposta da pesquisa apresentada neste texto possui como objetivo
maior “contribuir para a decodificação de elementos que possam propiciar uma
Capítulo 6: Uma tessitura 168
cultura participativa, oferecendo subsídios para o enfrentamento das lacunas de
conhecimento existentes no campo da Educação Ambiental a respeito de seus
elementos fundantes, a partir de uma intervenção educacional voltada à
ressignificação de práticas culturais de ajuda mútua”, conforme expresso
anteriormente (p. 26 deste texto).
Esta pesquisa-intervenção esteve preocupada, desde o início da concepção
da proposta, com a desejabilidade dos moradores de Pedrinhas e as ações
realizadas buscaram sempre trazer esses desejos à tona, propiciar e estimular
que os moradores refletissem sobre eles para que a partir deles tomassem
decisões. Estando em consonância com as colocações de Espinosa, para quem a
consciência da causa dos desejos é fundamental para a promoção de um
incremento de potência de ação dos indivíduos e grupos para que, desta forma,
possam ser desenvolvidas atitudes éticas.
Assim sendo, durante todo o processo vivido junto ao Grupo do Plantio a
desejabilidade de seus integrantes foi tratada como uma estratégia política de
planejamento, tendo na participação fundamento e perspectiva, visando o
despertar e/ou incrementar a potência de ação dos sujeitos.
Podemos depreender deste estudo que potência de ação é algo que está
dentro do indivíduo (e/ou de um coletivo) e relaciona-se com o que está fora dele
(no mundo) uma vez que pressupõe o encontro; tem estreita relação com alegria;
com o aprendizado de novos repertórios; com o conhecimento das regras e
normas que circundam o sujeito; com a realização de ações desejadas e com a
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 169
realização coletiva de trabalhos. Faz também parte de seu cerne a união do grupo
que trabalha junto e a autonomia – liberdade de pensar e agir por conta própria.
Vale aqui ressaltar que, para Espinosa, tanto a produção de conhecimento
como a transformação dos encontros se dá via conhecimento da causa, via
reflexão, portanto em consonância com a proposta teórico-metodológica
balizadora desta pesquisa baseada na práxis.
Segundo Tassara (2002), a junção de abordagens trazidas pela pedagogia
e pela psicologia social para o estudo de comunidades com as estratégias
participativas de planejamento, permitiu que estas últimas passassem a ser
incorporadas aos projetos no sentido de desvelar os desejos do público alvo em
questão além de agregar-lhes o valor da ética democrática da decisão.
Dentro dessa perspectiva, a autora aponta duas dimensões do
planejamento: a técnica e a política. A dimensão técnica refere-se a como
alcançar os objetivos traçados, como ter eficiência nos procedimentos escolhidos.
E a dimensão política refere-se ao respeito ao outro, através do respeito aos seus
desejos. Estas duas dimensões articulam-se, de modo a colocar o envolvimento
do público alvo das ações pretendidas como algo necessário ao longo de todo o
projeto, inclusive durante seu delineamento.
“Colocado desta forma, o respeito ao outro extrapola as fronteiras do problema ético para se transformar em um problema político e, em muitas circunstâncias, a participação passa a ser vista como a possibilidade de aumento do impacto do projeto social, intensificando o controle democrático do Estado pela sociedade civil. E aí, a participação torna-se estratégia política” (Tassara, 2002:10).
Capítulo 6: Uma tessitura 170
Esta mesma autora nos diz ainda que para pensarmos a avaliação de
projetos que procuram interferir na realidade social, modificando-a de alguma
forma, é preciso tocar o cerne da questão, olhar para o desenvolvimento histórico
como uma construção e não como algo dado que acontece espontaneamente
independente do desejo e ação das pessoas (Tassara, 2002:2). Se o objetivo do
projeto é a transformação da realidade faz-se necessário saber “qual é a cultura
daquelas pessoas, como elas se expressam tecnicamente, como elas encaram ou
se aplicam no trabalho, como elas se integram na organização do ambiente”
(Tassara, 2002:8).
Além destes dois níveis que se busca avaliar, o técnico e o político, há
ainda um terceiro a ser considerado: “a busca do protagonismo existencial e
político do indivíduo” que de acordo com Tassara (2002:13) é a eficácia máxima, o
que, nas palavras da autora, significa que um projeto será auto-sustentável
quando:
“os sujeitos nele envolvidos passarem a ter a possibilidade de auto-regerem a sua subsistência, buscando elementos para sobreviver em condições outras que não aquelas oferecidas pelo projeto, e se incluindo no esquema de poder que relaciona o Estado com a sociedade” (Tassara, 2002:13).
Podemos entender a busca pelo incremento da potência de ação do sujeito
como a busca do protagonismo existencial e político enunciado por Tassara
(2002).
Tendo em mente o exposto acima podemos apontar duas dimensões da
participação: uma interior/subjetiva/individual e outra coletiva/política. Cabe dizer
que essas duas dimensões não são estanques, nem seu desenvolvimento é
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 171
linear, não se pode esperar que primeiro se desenvolva a individual/subjetiva e
depois a coletiva/política, elas se permeiam e alternam continuamente de maneira
complexa em uma relação de recursividade. Assim sendo, acreditamos poder
delimitar avaliadores que nos possibilitem avaliar a presença e/ou incremento da
potência de ação dos sujeitos (individuais e/ou coletivos) ao longo do processo.
A avaliação quantitativa das ações realizadas pode constituir-se em
indicador objetivo de participação, porém acreditamos que não seja suficiente,
pois as tarefas cumpridas podem ser resultados de encontros passivos e no limite
tristes, ou seja, de motivação externa, tais como ganhos monetários ou políticos,
não relacionados ao aprendizado da participação. Temos indicações de que, no
balanço, o processo vivido pelo GP pode ser caracterizado como alegre, porém
buscamos apontar outros indícios que possam permitir-nos uma análise sobre a
transição do passivo para ativo, que também acreditamos presente. No entanto,
conforme já apontado no referencial teórico e no capítulo 5 desta dissertação, a
transição é concebida como um continuum que necessita ser compreendida no
seu gradiente de incremento ou diminuição.
Vale aqui relembrar que Espinosa nos diz que uma coletividade possui um
conatus próprio, coletivo e, portanto, uma potência de ação desmesuradamente
maior que as potências individuais (p. 71-72 deste texto).
Tendo em vista o acima exposto, passaremos agora à apresentação das
sugestões de avaliadores elaboradas a partir das vivências, leituras e reflexões
desta pesquisa.
Capítulo 6: Uma tessitura 172
A dimensão subjetiva/individual/interna da participação tem relação com a
existência do indivíduo no mundo e sua inserção no coletivo, quando o indivíduo
se percebe no grupo, se percebe no encontro. Podemos aqui elencar algumas
colocações que dialogam com as proposições de Sorrentino (2002) e que
poderiam configurar-se como avaliadores do indicador de potência de ação desta
dimensão:
a) Capacidade do indivíduo de refletir sobre seus desejos e aspirações e
ter clareza do que realmente o mobiliza;
b) Capacidade do indivíduo de enunciar seus desejos para um coletivo;
c) Capacidade do indivíduo de ouvir o outro e respeitá-lo, respeitando seus
desejos;
d) Capacidade do indivíduo perceber-se criticamente em um coletivo;
e) Capacidade do indivíduo de discutir/negociar seus desejos com os
desejos dos outros (grupos ou indivíduos);
f) Capacidade do indivíduo de realizar ações coletivamente, estando
comprometido com a coletividade em questão;
g) Capacidade do indivíduo de analisar criticamente o que o distancia da
realização de seus desejos;
h) Capacidade do indivíduo de avaliar as ações realizadas e os resultados
obtidos;
i) Capacidade do indivíduo de debater alternativas e planejar soluções
para os problemas que o distanciam de seus desejos;
j) Capacidade do indivíduo de se manifestar satisfeito ou insatisfeito com o
rumo das ações empreendidas.
A dimensão coletiva/política da participação nos remete à qualidade da
relação do grupo com outros grupos, com o Estado e/ou com o mercado. A
potência de agir do grupo também pode constituir-se em um indicador relevante
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 173
da participação. É importante lembrar que outros indicadores precisam a ele ser
agregados para podermos avaliar se a participação tem ou não um sentido
emancipatório, voltada ao bem comum.
Seguem abaixo algumas colocações que podem configurar-se como
avaliadores do indicador de potência de ação desta dimensão coletiva, que estão
em diálogo com as proposições de Tassara (2002) e Demo (1995):
a) Capacidade do grupo de ouvir outros grupos e/ou indivíduos e
respeitá-lo(s), respeitando seus desejos;
b) Capacidade do grupo de compreender os fundamentos estratégicos
dos processos participativos;
c) Possibilidade da autogestão coletiva da própria subsistência;
d) Clareza coletiva na relação com o Estado e com grupos
hegemônicos, buscando identificar formas de assistencialismo e
paternalismo;
e) Clareza do grupo sobre a construção de espaço próprio junto às
políticas públicas, o que leva a reivindicar direitos e não pedir
favores;
f) Legitimidade da liderança;
g) Capacidade do grupo se pensar criticamente;
h) Capacidade do grupo de oferecer soluções próprias;
i) Capacidade do grupo de negociar com outros grupos, com o Estado
e/ou com o mercado;
j) Capacidade de avaliar as ações realizadas e os resultados obtidos;
k) Capacidade de debater alternativas e planejar soluções para
resoluções de problemas que distancia o grupo de seus desejos;
Durante o processo vivido pelo GP a maior parte das ações destinava-se a
trabalhar a dimensão individual/subjetiva da participação, mas não é possível
separá-la da dimensão coletiva/política, que foi também fomentada na medida em
Capítulo 6: Uma tessitura 174
que se exercitou um diálogo entre o GP, associação de moradores e lideranças do
bairro.
Contudo cabe colocar não ter sido possível levar a cabo a decodificação da
legislação ambiental referente a APA-IC, como inicialmente previsto pelo projeto
de pesquisa (p. 26 deste texto) como forma de iniciar uma reflexão mais profunda
da relação do GP e dos moradores de Pedrinhas com o Estado, em virtude da
falta de tempo para evoluir-se na maturidade organizacional do próprio grupo,
conforme apontado no capítulo anterior. Questões ligadas à organização interna
do GP colocaram-se como prioritárias. O momento que se anunciou como
possibilidade de trabalhar a legislação teve como empecilho o tempo institucional
da pesquisa de mestrado.
O anúncio da possibilidade de trabalhar a legislação, mencionado acima,
refere-se ao momento em que o fazer abstrato, o planejar e as discussões mais
estruturais começavam a ser valorizadas e internalizadas pelos membros do GP.
Conforme já trazido no capítulo anterior, no início dos trabalhos as ações do
Grupo do Plantio estavam muito voltadas ao fazer concreto, mostrando-se difícil a
execução de atividades que exigissem muita abstração, sendo estas inclusive alvo
de críticas conforme já mencionado neste texto (p. 140).
6.2 POTÊNCIA DE AÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA
Com base nas reflexões expostas anteriormente compreendemos que o
processo educativo visa o despertar e/ou o fortalecer das potências de ação de
educandos e educadores, pois como nos lembra Demo (1995:20) "educação é
essencialmente auto-educação, ou seja, não é tanto obra do educador, mas do
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 175
educando. Por outro lado a obra e arte do educador não será jamais fabricar o
educando, o discípulo, o assecla, mas motivar magicamente as capacidades do
educando, para que ele também seja um educador".
Há alguns pontos que poderíamos destacar das reflexões espinosanas
pensando em uma Educação Ambiental que se paute pela potência de ação:
Primeiramente focalizando os encontros, poderíamos aqui fazer a pergunta
’como propiciar bons encontros através de práticas de Educação Ambiental?’.
Espinosa nos diz ser isto possível a partir da internalização das causas dos
encontros. Uma Educação Ambiental que busque estabelecer um diálogo entre
saberes parece indicar este caminho, pois uma prática dialógica nos remete a uma
situação em que as partes envolvidas estão em “confronto comunicativo” (Santos,
1999), o que implica a adoção de uma pedagogia não impositiva, buscando
fortalecer a possibilidade dos sujeitos se reconhecerem no que está em
construção.
No nosso entender, as reflexões sobre potência de ação sugerem que se
parta de repertórios próprios, pré-existentes, que os sujeitos envolvidos já
conhecem, conferindo assim sentido ao processo de construção de um novo
conhecimento, pois, como nos disse Espinosa, para que um novo conhecimento
seja produzido é essencial reconhecer as condições existentes e não negá-las,
pois é com base nessas condições que o processo se iniciará. A construção desse
conhecimento passa justamente pela formação de noções comuns. Sendo o
processo dialógico a própria formação das noções comuns.
Capítulo 6: Uma tessitura 176
Compreendemos que a noção comum é passível de ser detectada na vida
prática, no momento em que as pessoas tomam iniciativas próprias na direção da
continuidade das ações provenientes dos encontros, indicando assim a
apropriação da(s) causa(s).
Se pensarmos em uma Educação Ambiental que tem por objetivo a
formação de sujeitos sociais, fazedores de seus direitos, parece-nos bastante
pertinente pensar a construção da noção comum de Espinosa.
Podemos também enunciar este processo sob a óptica da aprendizagem,
isto é, o aprendizado de repertórios que propicia a construção de um
conhecimento capaz de criar soluções inovadoras e apropriadas para problemas
cotidianos, podendo dessa forma apontar para alternativas de desenvolvimento
local e envolvimento das populações residentes em consonância com a
conservação ambiental.
Em busca de delinear alguns contornos de uma prática educativa inspirada
no referencial teórico-metodológico desta pesquisa-intervenção em diálogo com as
experiências vividas e compartilhadas com os moradores de Pedrinhas, foi
possível pensar sugestões de procedimentos para seu desenvolvimento. Neste
ponto parece pertinente fazer duas ressalvas. A primeira delas refere-se ao fato de
o educador/facilitador não necessariamente precisar ser alguém externo a
comunidade a que se destina o projeto de educação ambiental.
A segunda diz respeito a não linearidade dos procedimentos apresentados.
Ainda que eles estejam organizados em tópicos, estes procedimentos permeiam-
se continuamente em uma relação recursiva, não sendo portanto apresentados
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 177
como uma seqüência a ser percorrida linearmente em que o tópico anunciado
primeiro é pré-requisito para que o outro possa ser desenvolvido. São aqui
expostos separadamente e na forma de itens com o intuito de facilitar a
compreensão do(a) leitor(a), exceção feita ao pré-diagnóstico, que, como a própria
denominação indica, deve ocorrer previamente. São eles:
Tópico 1. Pré-diagnóstico. Levantamento prévio da realidade local através
de fontes secundárias e de visitas a campo que o educador/facilitador deve
realizar. Sugerimos o levantamento preliminar de:
a) Interesses da comunidade em questão;
b) Situação sócio-ambiental da comunidade;
c) Estrutura política da comunidade: presença ou ausência de lideranças e
grupos organizados, institucionalizados ou não, e a relação entre eles;
d) Tamanho da comunidade (nº de indivíduos e /ou famílias);
e) Atividades econômicas desenvolvidas;
Tópico 2. Aprofundamento dos conhecimentos sobre a realidade local em
suas várias dimensões (política, econômica, social, cultural e ambiental), pois sem
o aprofundamento desse conhecimento torna-se difícil animar processos
educacionais participativos afinados com a conservação ambiental, com a cultura
e com a desejabilidade dos atores envolvidos.
Para tanto propomos que esse aprofundamento seja realizado
coletivamente (educador/facilitador e o coletivo da comunidade que se mobilizou).
Contudo vale ressaltar que, por vezes, não é possível levantar tudo conjuntamente
e neste caso sugerimos que os pontos levantados fora do coletivo sejam a ele
trazidos. Entendemos ser importante mencionar que esse tópico procura propiciar,
Capítulo 6: Uma tessitura 178
de forma organizada e intencional, a reflexão da comunidade sobre os itens
apontados no tópico anterior e neste, através da criação de espaços capazes de
gerar bons encontros.
a) Conhecer as atividades econômicas desenvolvidas na comunidade
(mulheres, homens, jovens e idosos);
b) Conhecer as atividades de lazer desenvolvidas/desfrutadas pela
comunidade;
c) Conhecer as atividades religiosas desenvolvidas na comunidade;
d) Conhecer o significado que as pessoas atribuem às coisas (religião,
trabalho, lazer, ambiente, natureza etc.);
e) Conhecer os valores que as pessoas atribuem às coisas que as cercam
(histórias da localidade, mitos, lendas, piadas, costumes, tradições,
alimentos, festas etc.);
f) Conhecer a organização social e política da comunidade;
g) Conhecer os desejos das pessoas para seu próprio futuro e para o
futuro da comunidade;
h) Conhecer os problemas sociais e ambientais existentes, sendo eles
reconhecidos ou não pela comunidade como relevantes.
Tópico 3. Busca da explicitação dos desejos dos atores envolvidos e da
negociação dos objetivos comuns e dos caminhos para conquistá-los, tendo em
vista a superação dos obstáculos detectados nesse processo. Para tanto
sugerimos:
a) Conhecimento das regras que regem o que circunda os atores
interessados, ou seja, seu espaço de vida;
b) Conhecimento do processo de estabelecimento dessas regras –
recomposição do caminho que faz que regras interfiram nas práticas
sociais;
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 179
c) Estabelecimento de metas, ações e seus respectivos responsáveis,
visando caminhar na direção da realização dos sonhos/desejos dos
atores em questão;
d) Reflexão continuada a respeito dos desejos que mobilizam os atores
sociais interessados e sobre as ações empreendidas (práxis) - ter na
transformação material do mundo um estímulo à reflexão e vice-versa.
Cabe ainda fazer duas colocações que servem para os três tópicos acima
descritos que estão em consonância com as colocações de Gutiérrez & Prado
(1999). A primeira refere-se ao tempo: não se deve subestimar o tempo
necessário ao desenrolar de processos educativos. Os processos educacionais
são consumidores de tempo uma vez que requerem o respeito aos diferentes
ritmos dos indivíduos e grupos.
A segunda refere-se ao conhecimento técnico-científico: deve-se levar em
conta também o conhecimento técnico-científico na hora de planejar as ações a
serem empreendidas na direção da realização dos desejos dos atores envolvidos,
pois este se faz importante no delineamento de ações que estejam em
consonância com a conservação ambiental, pois segundo Demo (1995:42) “o que
a comunidade coloca também é discutível” e desta forma evita-se a “cegueira
científica como se a comunidade tivesse sempre razão”.
Outro ponto relevante a ser comentado refere-se à necessidade e à
pertinência da valorização das pequenas conquistas marginais ao longo do
processo educativo para atingir seu objetivo central - o movimento de fluxo e
refluxo na apropriação das causas de que falávamos no capítulo 5. Com isso
valorizamos os pequenos incrementos de potência de ação, conquistados durante
Capítulo 6: Uma tessitura 180
o processo vivido, até que possamos detectar um gradiente significativo de
aumento da potência de agir dos sujeitos.
Ainda para a realização dos tópicos supracitados entendemos como
necessário que o animador do processo educativo acima enunciado tenha uma
formação adequada ao desenvolvimento desse processo. Neste ponto parece-nos
pertinente fazer um esclarecimento, chamamos de formação adequada de um
educador ambiental, entre outras coisas, sua vivência em processos participativos,
pois como nos coloca Demo (1995) a vivência participativa não “cai do céu” por
descuido e, para além de leitura minuciosa e boa vontade, requer prática
cuidadosa e persistente. À medida que vivenciamos processos participativos nos
capacitamos para conduzí-los e diminuímos o risco de fomentarmos processos
pseudamente participativos, que no lugar de estimular um incremento na potência
de ação dos sujeitos crie/recrie/reforce sua condição de objeto.
Pensar na atuação de educadores e educadoras ambientais requer,
portanto, trazer uma reflexão sobre as concepções que embasam sua prática
educativa. Acreditamos que todos podem ser educadores ambientais, desde que
se capacitem para tanto, o que não se dá necessariamente através de um curso
superior. O que frisamos aqui é a necessidade de sua formação para conduzir
processos participativos.
6.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conciliar populações humanas (“tradicionais”) e Unidades de Conservação
exige um salto qualitativo que vai além das respostas imediatas que têm sido
dadas para o manejo do palmito, manejo da samambaia etc. Exige uma leitura
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 181
sobre a pertinência e a essencialidade de se fazer esse diálogo entre o
conhecimento erudito e o conhecimento popular, para que desse conhecimento
híbrido emerja um novo sentimento de identificação com a área como Unidade de
Conservação. Não se questiona a importância desse ideal, que apresentamos
como nosso, o de conservar a biodiversidade, mas este só passará a ser um ideal
do morador de uma UC quando se levar em consideração questões como: o
diálogo entre os saberes, portanto, a não imposição do saber científico como único
válido; a mobilização das pessoas a partir dos seus desejos; propiciar às pessoas,
que se mobilizam através dos seus desejos, um mergulho na causa destes
desejos; possibilitar aos atores envolvidos (“populações tradicionais”) acessar e
compreender os códigos da cultura hegemônica em que se baseia o
estabelecimento das regras que regem o que os cercam; a inclusão da cultura e
da técnica dos moradores locais na planificação do manejo da UC; propiciar que o
sujeito se reconheça como produtor de conhecimento.
Desenvolver processos educativos que se preocupem com as questões
acima descritas mostram-se importantes na medida em que propiciam a geração
de uma identificação positiva das populações que moram no interior de UCs de
uso sustentável com as próprias Unidades de Conservação, assim como
propiciam uma apropriação crítica dessas UCs pelas populações residentes.
Atualmente, no Vale do Ribeira, as UCs (mesmo as de uso sustentável) são
vistas pelos moradores como algo ruim que chegou para cercear-lhes o direito de
reprodução social ao impedí-los de realizar suas práticas cotidianas, haja visto os
depoimentos coletados durante o desenvolvimento desta pesquisa que
Capítulo 6: Uma tessitura 182
colecionaram frases como “desde que o meio ambiente chegou não pode fazer
mais nada” expressando o sentimento gerado nos moradores pela implantação
impositiva das Unidades de Conservação na região, pois freqüentemente as
decisões são tomadas de cima para baixo e de forma unilateral, geralmente na
esfera governamental, que se embasa apenas em um certo saber científico que
desconsidera muitas vezes outras formas de conhecimento.
Cada vez mais se faz evidente, nos dias atuais, a ineficácia desse modo
impositivo de implantação de UCs para conservação da biodiversidade, o que
recoloca a necessidade do envolvimento direto de populações humanas na
conservação ambiental. O que estamos questionando não é a necessidade do
envolvimento dessas populações, mas sim como este se dá.
Da relação que esta pesquisa teve com a memória do que representam
práticas culturais de ajuda mútua para a população caiçara do bairro de Pedrinhas
pudemos apreender que esse sentimento de identificação com a APA-IC é algo
que vai além do material. É algo simbólico que se soma ao material, podendo
mobilizar ou não as pessoas para participar.
A opção de trabalhar com estas práticas culturais não se deveu a um
desejo de retornar ao passado, de necessariamente desenvolver a agricultura
como no “tempo de dantes”, mas ao desejo de buscar e de resgatar o significado
de tais práticas transpondo-o e adaptando-o ao momento presente, portanto, de
ressiginificar significados de coletivos que, em tempos passados, proporcionaram
encontros alegres aos caiçaras de Pedrinhas.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 183
Durante o Seminário de Pedrinhas, descrito no capítulo 4, tornou-se
evidente as marcas deixadas nos moradores pelos elementos culturais, sejam eles
materiais ou simbólicos, como por exemplo, o fogão à lenha, o mundéo, o pilão
onde se socava o arroz, a rede de pesca tecida com fibra vegetal, a moenda
manual para tirar a garapa da cana e adoçar o café, o “ralo” utilizado para ralar
mandioca para fazer farinha, a lembrança de ir “lenhar” e andar pelo mato
carregando feixe de lenha na cabeça, a lembrança dos trabalhos realizados em
conjunto na roça ou no fabrico da farinha, lembranças dos bailes, as piadas, as
histórias, mitos e lendas do lugar.
Nas primeiras reuniões do plantio falava-se em plantar nas “casqueiras”
(sambaquis), pois “no tempo dos antigos” plantava-se lá, o que tem um significado
material e simbólico muito forte, pois além da concentração de matéria orgânica ali
presente eram naqueles espaços que se davam encontros para realização de
pujuvas, mutirões e ajutórios. Para além da possibilidade da colheita, da provisão
de alimentos por um determinado período, as pujuvas e mutirões significavam
também festa, fartura de comida, música, diversão, baile até amanhecer o dia.
Esses momentos se desdobravam nos encontros e nas histórias por eles gerados,
histórias de acontecidos durante os bailes e trabalhos realizados, histórias do
trajeto de ida ou vinda a esses encontros, histórias de emoções vividas, de
cumplicidades criadas ou desfeitas. Todos esses elementos vêm no bojo de um
trabalho que busca a ressignificação de práticas culturais locais.
Esses elementos fizeram parte da construção da subjetividade da
população caiçara de Pedrinhas e têm reflexo nas opções por ela realizadas e nos
Capítulo 6: Uma tessitura 184
desejos por ela elaborados. Elementos estes que guardam em si uma riqueza
cultural imensurável e que ao ser valorizada fortalece a identidade da população
local e pode ser capaz de fornecer elementos de fundamental importância para se
pensar em um desenvolvimento local compatível com a permanência e até
incremento da biodiversidade.
O que está sendo proposto é que se ponha em diálogo o conhecimento
historicamente produzido por estas populações com o conhecimento
historicamente produzido pela ciência em igualdade de condições.
Outro ponto de fundamental importância é o fomento de políticas públicas,
que garantam legalmente o desenvolvimento desses processos educacionais com
vistas a fomentar a potência de ação dos sujeitos de forma a construir essa
identificação positiva das populações locais com as UCs. Tais políticas deveriam
garantir também a elaboração de uma proposta para a área em questão que conte
com a participação engajada dos moradores locais, para que eles não apenas
escolham participativamente entre algumas opções pré-selecionadas, mas que
sejam incluídos como pares no processo de formulação dos caminhos.
Mais um ponto importante a ser considerado quando da formulação das
políticas públicas refere-se ao modo de apropriação e uso do espaço pelas
populações ditas tradicionais. Conforme apontado anteriormente2, populações
caiçaras têm uma apropriação comunal do seu espaço de vida, muito embora o
uso seja individual ou familiar, tendo sido dentro deste contexto que se
desenvolveu historicamente grande parte de suas práticas culturais. Entendemos
2 Capítulos 3 e 5 deste texto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 185
que levar em consideração esta forma de utilização do espaço pode ser um
exemplo de respeito e valorização das culturas “tradicionais”, pois nos parece
contraditório que, por exemplo, a legislação da APA/CIP enuncie "possibilitar às
comunidades caiçaras o exercício de suas atividades dentro dos padrões
estabelecidos historicamente" (p. 24 deste texto) sendo que, no entanto, a forma
de apropriação do espaço imposto aos moradores de Pedrinhas, e a muitas outras
comunidades caiçaras e pescadoras do litoral brasileiro, seja o da propriedade
privada no lugar da propriedade comunal, como se fosse possível reduzir o
território dessas populações e seu modo de vida a um lote.
Levando em consideração essas colocações, e tendo em vista a busca por
uma educação ambiental preocupada com o fortalecimento da potência de ação
dos sujeitos, compreendemos que a planificação de tais áreas deva ser realizada
conjuntamente com as populações “tradicionais”. Desta forma não lhes seria
imposto um modo de apropriação e utilização do espaço, pelo contrário, permitir-
se-ia que sua maneira de fazer fosse manifestada e valorizada durante as
negociações. No nosso entender, tal procedimento aponta para a possibilidade de
fomento de uma identificação positiva destas populações com as áreas em
questão, seja na planificação do macrozoneamento de UCs de uso sustentável já
implementadas, seja na planificação de novas UCs a serem implantadas. Para
tanto é preciso ter em mente que este processo demanda tempo, sendo que este
tempo é o do diálogo entre as diferentes culturas, que são regidas por tempos
distintos.
Capítulo 6: Uma tessitura 186
Tais posturas confeririam às Unidades de Conservação maior eficiência na
conservação da biodiversidade e concomitantemente proporcionaria melhores
condições de vida para as populações residentes no interior e entorno de tais
áreas protegidas.
Portanto, parece-nos que, para a construção de estratégias eficazes que
viabilizem a permanência das populações no interior e no entorno das UCs, faz-se
necessário, além do conhecimento técnico, a garantia legal do desenvolvimento
de estratégias educacionais pautadas na participação, na mobilização pelos
desejos (de técnicos e moradores), na consciência do sujeito da causa de seus
desejos e encontros. Isto nos remete à necessidade do sujeito se reconhecer
como produtor de conhecimento e à necessidade do fomento de possibilidades de
acesso e compreensão dos códigos da cultura hegemônica, tendo em vista o
incremento da capacidade argumentativa do sujeito.
Também se mostra fundamental que estas práticas educativas levem em
consideração a cultura e técnica utilizadas pelas populações locais, bem como se
pautem na necessidade da capacitação (de técnicos e moradores locais) para o
diálogo intercultural, de modo a propiciar o despertar de capacidades e
potencialidades (individuais e coletivas), possibilitando assim a construção
conjunta de um conhecimento híbrido.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 187
ANEXOS
Anexos . 188
A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS:
No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções
1
Alessandra B. Costa-Pinto Maria Rita Avanzi Natália Hanazaki Nivaldo Peroni
out/00
- levantamento e reconhecimento dos atores locais;
- aprofundamento do pré-diagnóstico (observação de costumes, problemas ambientais existentes, organização social do bairro, levantamento dos moradores caiçaras que atualmente desenvolvem práticas agrícolas, identificação dos moradores caiçaras que deixaram de realizar trabalhos ligados à agricultura e verificação de como e onde estão ocorrendo trabalhos coletivos ligados à agricultura no bairro); - visita a algumas roças.
- contato com atores locais; - conversa com moradores caiçaras que desenvolvem práticas agrícolas;
- conversa com moradores caiçaras que deixaram de desenvolver práticas agrícolas;
- verificação de alterações de práticas culturais locais e sua possível relação com três fatores: a chegada do turismo, a implantação da APA e a questão fundiária.
- levantamento de moradores caiçaras que desejam voltar a desenvolver práticas agrícolas.
2 Alessandra B. Costa-Pinto Vivian Gladys de Oliveira
nov-dez/00
- aprofundamento do pré-diagnóstico; - conversa com poder público (Prefeitura de Ilha Comprida); - conversa com uma das lideranças do bairro de Pedrinhas (que é também vice-prefeito do município); - conversa com a presidente da associação dos moradores do bairro de Pedrinhas; - visita a alguns atores locais contatados no campo anterior; - contato com novos atores; - acompanhamento de atividades
rotineiras.
- verificação de apoio ao desenvolvimento do projeto por parte do poder público municipal;
- verificação de apoio ao desenvolvimento do projeto por parte de lideranças locais;
- aprofundamento de laços com atores locais.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 189
A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)
No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções
3
Alessandra B. Costa-Pinto Maria Rita Avanzi
Vivian Gladys de Oliveira
jan/01
- aprofundamento do pré-diagnóstico; - visita ao bairro de Sítio Artur; - visita ao bairro de Ubatuba; - acompanhamento de atividades rotineiras.
- conversa com a médica do Programa Médico de Família que atende o bairro de Pedrinhas
- aprofundamento do pré-diagnóstico com vistas a iniciar reuniões com os interessados em plantio;
-contato com moradores do bairro de Sítio Artur;
-contato com moradores do bairro de Ubatuba;
-busca de possível parceria com o Programa Médico de Família
Alessandra B. Costa-Pinto Kellen Maria Junqueira
Maria Rita Avanzi Vivian Gladys de Oliveira
- exibição pública do filme "O Rio Ribeira de Iguape" - convite a todos os presentes para a realização de uma discussão do filme com vistas a despertar uma reflexão a respeito da vida dos moradores no bairro.
- discussão do filme após sua exibição
4
Alessandra B. Costa-Pinto Maria Rita Avanzi
fev/01
- aprofundamento do pré-diagnóstico; - acompanhamento de atividades rotineiras
- realização da "1a Reunião do Plantio".
-aprofundamento do pré-diagnóstico; - verificação da disposição dos participantes para pensar/executar atividades agrícolas;
marcada a data da segunda reunião do plantio
Alessandra B. Costa-Pinto Fernandp Passos
Kellen Maria Junqueira Maria Rita Avanzi
Vivian Gladys de Oliveira
- exibição pública do filme "Eva & Vicente";
- - convite a todos os presentes para a realização de uma discussão do filme com vistas a despertar uma reflexão a respeito da vida dos moradores no bairro.
- discussão do filme após sua exibição.
5 Alessandra B. Costa-Pinto
Alik Wunder Maria Rita Avanzi
abr/01
- visita a algumas roças. - distribuição dos convites para a "2a Reunião do Plantio";
- realização da "2a Reunião do Plantio".
-acompanhamento de atividades rotineiras;
-marcada a data da terceira reunião do plantio
6 Alessandra B. Costa-Pinto
Maria Rita Avanzi Vivian Gladys de Oliveira
mai/01
- distribuição dos convites para a "3a Reunião do Plantio"; - realização da "3a Reunião do Plantio"; - realização do "1o mutirão do grupo do plantio"; - conversa com poder público (Prefeitura de Ilha Comprida).
- acompanhamento de atividades rotineiras;
- apresentação ao poder público municipal dos objetivos do trabalho;
marcada a data da quinta reunião do plantio e respectivos encaminhamentos
Anexos . 190
A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)
No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções
07 Alessandra B. Costa-Pinto jun/01
- telefonema recebido pela pesquisadora de um dos integrantes da Comissão do GP
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão deste integrante sobre o andamento das atividades;
- marcada a data para a próxima reunião do plantio (4a reunião) conforme solicitado pelo membro da comissão do plantio.
08 Alessandra B. Costa-Pinto
Maria Rita Avanzi Rita de Cássia Nonato
jun-jul/01
- comemoração do dia de São Pedro; - distribuição dos convites para a "4a Reunião do Plantio"; - realização da "4a Reunião do Plantio".
- acompanhamento das festividades relacionadas ao dia de São Pedro;
- estreitamento de laços com moradores locais e contato com outros moradores;
- acompanhamento de atividades rotineiras; - marcada a data da quinta reunião do plantio e respectivos encaminhamentos.
09 Alessandra B. Costa-Pinto ago/01
- comemoração do dia de Nossa Senhora dos Navegantes; - distribuição dos convites para a "5a Reunião do Plantio";
- realização da "5a Reunião do Plantio".
- acompanhamento das festividades relacionadas ao dia Nossa Senhora dos Navegantes; - estreitamento de laços com moradores locais e contato com outros moradores; - acompanhamento de atividades rotineiras; - marcada a data da sexta reunião do plantio e respectivos encaminhamentos.
10 Alessandra B. Costa-Pinto ago/01
- conversa telefônica com um dos integrantes do grupo do plantio.
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão deste integrante sobre o andamento das atividades.
11 Alessandra B. Costa-Pinto set/01
- conversa telefônica com dois dos integrantes do grupo do plantio.
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão destes integrantes sobre o andamento das atividades.
12 Alessandra B. Costa-Pinto set/01
- distribuição dos convites para a "6a Reunião do Plantio";
realização da “6a Reunião do Plantio” com participação/consultoria de agricultor de Cananéia; - mutirão com participação/ consultoria de agricultor de Cananéia.
- apresentação de princípios de agricultura orgânica e agrofloresta, bem como técnicas correlatas aos moradores do bairro de Pedrinhas.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 191
A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)
No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções
13 Alessandra B. Costa-Pinto nov/01
- conversa telefônica com um dos integrantes do grupo do plantio e um morador colaborador do grupo do plantio.
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão deste integrante sobre o andamento das atividades.
14 Alessandra B. Costa-Pinto nov/01
- conversa telefônica com um morador colaborador do grupo do plantio.
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária, conhecimento da visão deste colaborador sobre o andamento das atividades e conhecimentos de fatos ocorridos no bairro sob o ponto de vista deste colaborador.
15 Alessandra B. Costa-Pinto
dez/01 –
jan/02
- breve avaliação com integrantes do Grupo do Plantio das atividades relacionadas ao plantio e do processo deflagrado pela pesquisa intervenção educacional no bairro de Pedrinhas no que diz respeito a horta comunitária.
- entrevistas de avaliação dos trabalhos realizados até agora pelo Grupo do Plantio; - acompanhamento de festividades relacionadas com a passagem do ano; - observação de atividades desenvolvidas pelos moradores do bairro durante este período de altíssima temporada turística.
16 Alessandra B. Costa-Pinto fev/02
- conversa telefônica com um membro da comissão do grupo do plantio.
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão deste integrante sobre o andamento das atividades; - conversa sobre possível data para a 7a reunião do plantio solicitada em jan/02 por este mesmo membro da comissão e ratificada por outros integrantes do GP.
17 Alessandra B. Costa-Pinto mar/02
- telefonema recebido pela pesquisadora de um dos membros da Comissão do GP
- - acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão deste integrante sobre o andamento das atividades; - conversa sobre possível data para a 7a reunião do plantio solicitada em jan/02 por este mesmo membro da comissão e ratificada por outros integrantes do GP.
Anexos . 192
A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)
No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções
18 Alessandra B. Costa-Pinto mar/02
- conversa telefônica com um membro da comissão do grupo do plantio.
- - acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão deste integrante sobre o andamento das atividades; - conversa sobre possível data para a 7a reunião do plantio solicitada em jan/02 por este mesmo membro da comissão e ratificada por outros integrantes do GP.
19 Alessandra Buonavoglia
Costa-Pinto mai/02
- conversas telefônicas com um membro do grupo do plantio e outros 06 moradores do bairro.
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão destes integrantes e de outros moradores sobre o andamento das atividades e sobre o cotidiano do bairro
20 Alessandra Buonavoglia
Costa-Pinto jun-
jul/02
- conversas com membros do GP com o intuito de analisar as estratégias de organização do grupo em relação às atividades relacionadas à horta.
- Visitas informais a moradores do bairro.
- analise de estratégias de organização do grupo em relação às atividades relacionadas à horta;
- observação e acompanhamento de atividades desenvolvidas por moradores do bairro.
21
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Maria Rita Avanzi
Kellen Junqueira
Nivaldo Peroni (componente “usos”)
Natália Hanazaki (“usos”)
jul/02
- Seminário de Pedrinhas. - Evento de apresentação das pesquisas realizadas no bairro pelos pesquisadores dos componentes “Intervenções e Educação Ambiental” e de “usos”.
22 Alessandra Buonavoglia
Costa-Pinto jul/02
- 7a Reunião do Plantio - avaliação do interesse dos membros do GP de dar ou não continuidade às atividades da horta;
- breve avaliação dos membros do GP sobre o processo vivido junto a horta;
- divisão do dinheiro arrecadado pela venda de verduras proveniente da horta do GP;
- negociação de alguns integrantes do GP com a AABP para continuidade do uso do terreno com vistas a dar prosseguimento às atividades de plantio;
- planejamento inicial da continuidade das atividades na horta.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 193
A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)
No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções
23 Alessandra Buonavoglia
Costa-Pinto ago/02
- conversa telefônica com agente comunitária de saúde do bairro
- acompanhamento à distância das atividades relacionadas à horta comunitária e conhecimento da visão desta agente de saúde sobre o andamento das atividades;
- acompanhamento à distâncias das atividades desenvolvidas pela agente de saúde e conhecimento de sua visão sobre estas e sobre o cotidiano do bairro.
24
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Susana de Oliveira Dias
nov/02
- conversas com membros do GP com o intuito de analisar as estratégias de organização do grupo em relação às atividades relacionadas à horta.
- Visitas informais a moradores do bairro.
- analise de estratégias de organização do grupo em relação às atividades relacionadas à horta;
- breve avaliação dos membros do GP sobre o processo vivido junto a horta - observação e acompanhamento de atividades desenvolvidas por moradores do bairro.
Anexos . 194
B. ESTATUTO DE FUNCIONAMENTO DO GRUPO DO PLANTIO:
1) Sobre o terreno:
Associação de Amigos do Bairro de Pedrinhas (AABP) cede uma parte de seu
terreno para o uso do Grupo do Plantio (horta);
A produção da horta é de uso do Grupo de Plantio;
AABP precisando do terreno avisará três meses antes de utilizar.
2) Divisão do trabalho:
Para limpar o terreno, para cercar e semear todos juntos;
Para molhar, cuidar, tirar mato, controlar praga fazer calendário, rodízio com
quantidade igual de horas de trabalho para todos;
Imprevisto: Não posso ir trabalhar!
• No início, até a semeadura: manda alguém da família para fazer a
sua vez,
• No rodízio, depois da semeadura: troca de dia com alguém do
próprio Grupo do Plantio.
3) Quem chegar depois do primeiro "mutirão"?
Forma outro grupo e inicia o trabalho em uma outra área
4) Divisão da produção:
Sai a mesma quantidade para todos do grupo
Excedente vende e com o dinheiro da venda faz um caixinha para o próprio
grupo (este ponto ainda é polêmico e o Grupo resolveu esperar o momento de
colheita para pensar melhor a este respeito).
5) O que tiver que ser resolvido:
Chama uma reunião do Grupo.
Elaborado dia 07/05/01 pelo Grupo do Plantio.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 195
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SORRENTINO, Marcos. “Avaliação do Programa de Educação Ambiental da Rede Municipal de Ensino de Belterra”. In: Projeto de Apoio ao manejo Florestal Sustentável na Amazônia ProManejo / PPG7 – componente IV – Floresta Nacional do Tapajós, subcomponente Educação Ambiental, 2002 (no prelo).
SORRENTINO, Marcos. “Educação Ambiental e Universidade”. In: BARBOSA, R. S. R. (org). A temática Ambiental e a pluralidade no ciclo de seminários do nepam. Campinas, UNICAMP, 1998.
SORRENTINO, Marcos. “Vinte anos de Tbilisi, cinco anos da Rio-92. A Educação Ambiental no Brasil”. Debate Sócios Ambientais ano II, n. 7, 1997.
SORRENTINO, Marcos. Educação Ambiental e Universidade: um estudo de caso. Tese de Doutoramento, Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 1995.
SPEGLICH, Érica. Entre as ASAs da Serra. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas, 2003.
TASSARA, Eda Terezinha de Oliveira. “Avaliação de projetos sociais: uma alternativa política de inclusão?”. Texto baseado em palestra apresentada no curso “Avaliação de projetos sociais: construção de indicadores”, Lab-Social, São Paulo, 2002.
TASSARA, Eda Terezinha de Oliveira. “Intervenção social e conhecimento científico: questões de método na pesquisa social contemporânea”. In: VI Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da ANPEPP, maio 1996.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez, 1986.
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Petrópolis, Vozes, 1997 (4a ed.)
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968.
VIEZZER, Moema. & OVALLES, Omar (orgs.). Manual Latino-Americano de Educação Ambiental. São Paulo, Gaia, 1995.
WUNDER, Alik. Encontro das águas na Barra do Ribeira: imagens entre experiências e identidades na escola. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas, 2002.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 203
VÍDEO E FILMOGRAFIA Eva-Vicente (filme). 16 mm. Direção de Fernando Passos. 1988. 30 min..
Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada (vídeo). Direção e roteiro de Kellen Junqueira. Campinas, Instituto de Artes da UNICAMP, 2002. 20 min..
O Rio Ribeira de Iguape (vídeo). Direção de Mario Kuperman. 2000. 30 min..
Apêndices . 204
APÊNDICES
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 205
I. QUADRO 6: PARTICIPAÇÃO DO GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM CONGRESSOS, SEMINÁRIOS E ENCONTROS
Eventos Instituição promotora, local, data
“Pedagogia 2001: Encuentro por la Unidad de los educadores latioamericanos".
Havana, Cuba.
05 a 09 de fevereiro/2001.
"Paisagem e Cultura Caiçara: seminários interdisciplinares"
NUPAUB/USP, São Paulo 28/05 a 01/06 de 2001.
"I EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental: tendências e perspectivas".
UNESP – Rio Claro, UFSCar; USP. Rio Claro, SP, 29 a 31 de julho de 2001.
“II EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental: abordagens epistemológicas e metodológicas”.
UNESP – Rio Claro, UFSCar; USP. São Carlos, SP, 27 a 30 de julho de 2003.
"Encontro Intercultural Povos do Vale do Ribeira: Paisagem e Cultura".
PMIC; AAA; LASTROP/USP, NUPAUB/USP Ilha Comprida, 05 a 09 de setembro de 2001.
“IX Congresso interno de Iniciação Científica da UNICAMP”
Unicamp 27 e 28 de setembro de 2001.
"IV Jornada Científica da AUGM sobre Meio Ambiente"
AUGM – Assoc. Universidades Grupo Montevideo Campinas, 28 a 31/ out/2001.
“X Seminário de Educação Ambiental: projetivas do século”
IME, UFRJ, UGF, FRF, CREA-RJ, CEP, UNIRIO, GSI Rio de Janeiro; 21 a 23/ 11 de 2001.
“Seminário de Dissertações e Teses "Ciência e Soberania"
Associação de Pós-graduandos/ Faculdade de Educação - UNICAMP 19 a 21/11 de 2001.
“XXV Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)”
ANPED Caxambu, outubro, 2002.
“XXVI Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)”
ANPED Poços de Caldas, outubro, 2003.
“Reunião da ANPED - Região Sudeste” ANPED Sudeste, Água de Lindóia, 21 a 23 nov 2002.
“Seminário Internacional de Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais: Identidade, diferença, mediações”
UFSC, Florianópolis, 08 a 11 abril de 2003.
“II Seminário internacional as redes de conhecimentos e a tecnologia”
UERJ e ANPED, Rio de Janeiro, junho de 2003.
“Semana da Educação da Faculdade de Educação da USP”
FE/USP São Paulo, maio de 2003.
Apêndices . 206
II. QUADRO 7: MINI-CURSOS MINISTRADOS PELO GRUPO EA
Título Eventos Instituição promotora, local, data
“Metodologias Participativas em Educação Ambiental”
Semana de Estudos da Ecologia
UNESP - Rio Claro, setembro de 2000.
“Educação Ambiental e trabalhos coletivos”
Palestra para o curso de Pedagogia
Universidade São Marcos, Paulínia, junho de 2001.
“Vivenciando metodologias participativas em Educação Ambiental”
Encontro Educação Ambiental na Agricultura
Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Campinas, 20 e 21/set de 2001.
“Metodologias Participativas em Educação Ambiental”
II Simpósio do Programa Biota/Fapesp
Programa Biota/FAPESP, São Pedro, 06 e 07/dez de 2001.
“Metodologias Participativas em Educação Ambiental”
I Mostra de Projetos Ambientais da Diretoria de Ensino da Região de Jundiaí
Diretoria de ensino, Jundiaí, 13/dez de 2001.
“Metodologias Participativas e(m) Educação Ambiental”
Semana de Estudos da Biologia Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo 06/set de 2002.
“Profissão: biólogo e/ou educador ambiental ???”
Semana da Biologia Universidade São Francisco Bragança Paulista, a ser realizada em setembro de 2003.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 207
III. PUBLICAÇÕES DO GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
1. AVANZI, Maria Rita; WUNDER, Alik; COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia;
OLIVEIRA, Caroline Ladeira de; SPEGLICH, Érica; NONATO, Rita de Cássia;
OLIVEIRA, Vivian G. de. Reflexões Metodológicas sobre Construção Coletiva de Conhecimento e Educação Ambiental. In: Mata, Speranza et alli (org.).
Educação Ambiental: projetivas do século. Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.
2. AVANZI, Maria Rita. “A Trama da Rede: uma proposta teórico-metodológica em
educação ambiental a partir de pesquisa participante sobre processo vivenciado
por um grupo de pesquisadoras junto a comunidades do Vale do Ribeira – SP”
(CD ROM). In: V Encontro de Pesquisa e pós graduação em Educação da região
sudeste – ANPED sudeste, nov. 2002.
3. AVANZI, Maria Rita “Construindo a muitas mãos: reflexões sobre diálogo de
saberes a partir de uma pesquisa participativa em educação Ambiental”. Revista
Série Estudos e documentos. USP – Faculdade de Educação, 2003. (no prelo)
4. COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik; OLIVEIRA, Caroline
Ladeira de; SPEGLICH, Érica; JUNQUEIRA, Kellen; AVANZI, Maria Rita;
NONATO, Rita de Cássia; SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini; OLIVEIRA, Vivian
G. de. "Partilhando Saberes: reflexões sobre educação ambiental no Vale do
Ribeira, SP". Educação: teoria e prática. Rio Claro. UNESP – IB, vol 09, nos 16 e
17, 2001.
5. COSTA-PINTO, Alessandra B. & SORRENTINO, Marcos. Trabalhos Coletivos e
Educação Ambiental para a Participação: uma parceria com moradores de
Pedrinhas, Ilha Comprida/SP. Revista Eletrônica Mestrado em Educação
Ambiental – ISSN 1517-1256, vol 08, 2002. http://www.sf.dfis.furg.br/mea/remea
6. COSTA-PINTO, Alessandra B. & SORRENTINO, Marcos. Potência de Ação como
Força Motriz da Participação: uma proposta de Educação Ambiental no Vale do
Ribeira, SP. In: Mata, Speranza et alli (org.). Educação Ambiental: projetivas do
século. Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.
Apêndices . 208
7. COSTA-PINTO, Alessandra B. & SORRENTINO, Marcos. “Educação Ambiental e
Participação no bairro caiçara de Pedrinhas, Vale do Ribeira/SP-Brasil” (CD ROM).
In: V Encontro de Pesquisa e pós graduação em Educação da região sudeste –
ANPED sudeste, nov. 2002.
8. NONATO, Rita de Cássia & AVANZI, Maria Rita. Educação Ambiental no PETAR e
EEJI. In: Mata, Speranza et alli (org.). Educação Ambiental: projetivas do século.
Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.
9. SPEGLICH, Érica. Alquimia entre educação ambiental, tradições e identificações:
um projeto de “resgate histórico-cultural” do Bairro da Serra, Iporanga, SP. In:
XXVI Reunião da ANPED – Associação Nacional de pós-graduação e Pesquisa
em Educação, Poços de Caldas/MG, outubro, 2003. (no prelo)
10. WUNDER, Alik, OLIVEIRA, Caroline L. de & AMAI (Associação dos Monitores
Ambientais de Iguape). “Criança Natureza: um futuro promissor: escola,
associação de monitores ambientais e universidade: parcerias possíveis". Revista
Eletrônica Mestrado em Educação Ambiental - ISSN 1517-1256, vol 09, 2002.
http://www.sf.dfis.furg.br/mea/remea
11. WUNDER, Alik. "SOS caiçara": relações entre saberes da experiência e
identidades em encontros na Barra do Ribeira, Iguape, SP. (CD ROM). In: XXV
Reunião da ANPED – Associação Nacional de pós-graduação e Pesquisa em
Educação, Caxambu/MG, outubro, 2002.
12. WUNDER, Alik. “Saberes errantes, identidades errantes”: encontros entre
pesquisadora, associação local e escola na Barra do Ribeira. In: II Seminário
Internacional de Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais: identidade,
diferença, mediações. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, abril,
2003. http:// www.rizoma.ufsc.br
13. WUNDER, Alik. “Uma experiência de pesquisa participante na escola da Barra do
Ribeira: encontros de saberes, narrativas e imagens”. In: II Seminário internacional
as redes de conhecimentos e a tecnologia. Universidade Estadual do Rio de
Janeiro e ANPED, Rio de Janeiro, junho, 2003.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 209
14. WUNDER, Alik; SPEGLICH, Érica: CARVALHO, Fabiana Aparecida de; AMORIM,
Antonio Carlos R. de. “A educação Ambiental: entornos pós-modernos”. In: II
EPEA – Encontro de pesquisa em educação ambiental. (CD ROM). UFSCar,
UNESP-Rio Claro, USP-Ribeirão Preto, julho, 2003.
15. WUNDER, Alik. “Registros em narrativas: experiências e identidades flutuantes de
uma pesquisa”. In: XXVI Reunião da ANPED – Associação Nacional de pós-
graduação e Pesquisa em Educação, Poços de Caldas/MG, outubro, 2003. (no
prelo)
Defesas: Dissertações, Especialização, TCC, Iniciação Científica
1. DIAS, Susana de Oliveira. Puxando os fios da rede tecida pelo grupo de Educação
Ambiental Projeto Temático ‘Floresta e Mar’ e introduzindo outros espaços-tempos
por meio da divulgação científica. Especialização em jornalismo científico.
Campinas, UNICAMP, Laboratório de Divulgação Científica (Labjor), 2003.
2. JUNQUEIRA, Kellen Maria. Meio Ambiente: uma interação em construção pelo som e
imagem Dissertação de mestrado. Campinas, UNICAMP, Instituto de Artes, Depto de
Multimeios, 2002.
3. NONATO, Rita de Cássia. Concepção de Educação nos órgão públicos responsáveis
pelos programas nas Unidades de Conservação: Estação Ecológica de Juréia-Itatins
(EEJI) e Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR). Relatório de Iniciação
Científica PIBC-CNPQ, 2001.
4. OLIVEIRA, Caroline Ladeira de. Sobre política em prática de educação Ambiental:
aprendendo e ensinando uma nova lição. Trabalho de Conclusão do Curso de
Pedagogia. Campinas, UNICAMP, Faculdade de Educação, 2001.
5. OLIVEIRA, Vivian Gladys de. Educação Ambiental e manejo de recursos naturais em
Área de Proteção Ambiental: o caso dos extratores de samambaia de Ilha Comprida-
SP. Dissertação de mestrado. Piracicaba, ESALQ/USP, Depto Ciências Florestais,
2002.
6. SPEGLICH, Érica. Entre as ASAs da Serra. Dissertação de mestrado, Faculdade de
Educação, UNICAMP, Campinas, 2003.
7. WUNDER, Alik. Encontro de Águas na Barra do Ribeira: imagens entre experiências e
identidades na escola. Dissertação de mestrado, Campinas, UNICAMP, Faculdade de
Educação, 2002.
C E N A S D E
P E DR I NHAS
Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
CENAS DE
P E D R I N H A S
Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Foto: Vivian G. Oliveira
Foto: Alik Wunder
Foto: Kellen Junqueira
Foto: Alik Wunder
Foto: Alik Wunder
Foto: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
UM POUCO DA
DINÂMICA DO
GRUPO DE
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto
As diversas fases da horta
jun/01
jan/02
ago/01
set/01
jan/02
Fotos:Maria Rita Avanzi
PROCISSÃO DE SÃ O P E D R O
Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
PROCISSÃO & BARQUEATA DE NOSSA
SENHORA DO S NA V E GA N T ES
CENAS DO SEMINÁRIO
Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
Foto: Nivaldo Peroni
DE PEDRINHAS
Reuniões do Plantio
Foto: Alik Wunder
Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto
Foto: Maria Rita Avanzi
Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto
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