documento protegido pela lei de direito autoral · 2015. 2. 28. · cador de gelo e um martelo...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
Os Universos Multiculturais na Neurociência
Por: Nívia Xavier Correia Nóbrega
Orientador
Prof. Marta Relvas Pires
Rio de Janeiro
2015
DOCU
MENT
O PR
OTEG
IDO
PELA
LEI D
E DI
REITO
AUT
ORAL
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
Os Universos Multiculturais na Neurociência
Apresentação de monografia à AVM Faculdade In-
tegrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Neurociência Pedagógica
Por: Nívia Xavier Correia Nóbrega.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por incutir em mim o desejo
pelo conhecimento e constituir-me o
ser que sou.
Aos meus pais e que por seu infinito
amor abdicaram de suas vidas em prol
de minha Educação.
Ao meu Amor que com sua imensa sa-
bedoria moveu-me ao encontro de
meus desejos e da realização de meus
sonhos.
Ao Núcleo Excelência de Ensino e E-
ducação pela oportunidade de traba-
lho, por acreditar em meu potencial e
incentivar meu crescimento profissio-
nal.
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DEDICATÓRIA
A Deus, por conceder-me o dom da vida.
Aos meus pais, por toda sabedoria, amor,
incentivo e apoio.
Ao meu Amor eterno amor, por ser requi-
sito de sobrevivência em minha vida.
Aos que se foram e que, de algum lugar,
veem a minha vitória.
A todos, o meu muito obrigada.
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RESUMO
O século XX foi o século do cérebro. Os estudos avançaram tanto que,
hoje, já se sabe que o cérebro é dividido em dois hemisférios, cada um deles
possui as suas respectivas especificidades. A reorganização cerebral para efe-
tivar o conhecimento é conhecida como neuroplasticidade e é fator fundamen-
tal para o processo de ensino – aprendizagem do ser humano, colocando por
terra a ideia de que o ser humano aprende até certa idade e depois não apren-
de mais nada.
Sendo a aprendizagem o resultado da apreensão de novos conheci-
mentos, modificando de forma biológica o cérebro, pode-se dizer, pois, que a
aprendizagem acontece pela criação de memórias. Tanto a aprendizagem
quanto a memória caminham juntas para efetivarem o conhecimento, já que é
a memória a base de todo o saber do ser humano.
E nesse processo de aprendizagem está a linguagem. A linguagem
tem lugar importante, pois é utilizada pelo indivíduo em seu dia-a-dia e está
diretamente ligada à vivência de mundo dele. Além disso, a linguagem está
ligada à maturação cerebral, ao meio ambiente e à cultura. Talvez, fosse esse
o motivo de tanta evasão e fracasso escolar. Afinal, a linguagem é uma mer-
cadoria, um produto que pode privilegiar uns e não outros em contexto escolar.
Compreende-se, dessa forma, que a ideia de cultura está intimamente
ligada à construção do cérebro social, de sua sociabilidade e que com o pas-
sar do tempo transformou-se diante das mudanças sociais ocorridas, princi-
palmente, a partir do Iluminismo, em que se clarifica a ideia de não apenas
uma cultura, mas culturas compartilhadas por distintos grupos sociais, ganhan-
do, assim, a concepção de múltiplas culturas convivendo entre si, evidenciando
as diferenças e discutindo-as.
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METODOLOGIA
Os procedimentos metodológicos utilizados para este trabalho foram re-
flexões acerca de leituras sobre neurociência envolvendo autores como Mário
Sérgio Cortella, a respeito das definições e explicações sobre escola, educa-
ção e linguagem; Marta Relvas, sobre os fundamentos biológicos do ser hu-
mano, voltados à Neurociência, como a efetivação da memória, as emoções, o
ser social e as bases fundamentais do aprendizado, além da necessidade de
entender o cérebro que chega à escola; Michael Gazzaniga, com relação à
construção do cérebro social e Daniel Goleman também relacionado a assun-
tos sobre motivação, emoção e o cérebro social, além da necessidade da me-
mória para o desenvolvimento cognitivo e social do ser humano.
Os embasamentos teóricos utilizados para os capítulos pautados na
linguagem e no multiculturalismo pautaram-se em Canen e Moreira, acerca da
necessidade de se entender o que é multiculturalismo e para que serve; ainda
Canen com a representatividade do multiculturalismo em espaços escolares, a
definição e evolução do termo cultura, assim como Bocock; Willians e Silva,
para a discussão sobre a importância do currículo vigente; Kincheloe e Stein-
berg sobre o multiculturalismo, bem como Candau e Canen; Paulo Freire, com
a educação bancária e a questão da linguagem utilizada em âmbito escolar;
Magda Soares, com relação ao fracasso escolar derivado da linguagem utiliza-
da em sala de aula; Eduardo Firmino, em relação às dificuldades no processo
de ensino – aprendizagem sobre leitura e escrita, além de textos que remetam
às dinâmicas de relações sociais utilizadas no cotidiano, a fim de entender o
cérebro social e as relações individuais e coletivas.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - A Construção do Cérebro Social 11
CAPÍTULO II - Aprendizagem, Linguagem e Contexto Social:
Os Mecanismos da Aquisição da Linguagem 23
CAPÍTULO III – A Concepção do Multiculturalismo 37
CONCLUSÃO 52
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 54
ÍNDICE 58
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8
INTRODUÇÃO
Segundo Williams (1984, apud Canen; Moreira, 2001:19), o currículo é
uma seleção de cultura; conjunto de práticas que reproduzem significados. En-
tretanto, pode-se entender ainda a cultura como uma prática de significação
produtiva, uma relação social ou, até mesmo, uma relação de poder produtora
de identidades sociais. Para Canen (2001) a cultura não é apenas um conjunto
de práticas significantes, a cultura é uma prática social, não como coisa (artes)
ou estado de ser (civilização). Por isso, a escola, através de seu currículo (que
possui uma polissemia de significados convergentes para a reprodução social),
atua de forma fortemente ideológica. Contudo, é sabido que dentro do ambien-
te escolar não figura apenas um tipo de cultura. Deve-se pensar no vasto es-
paço ocupado por todos os seus participantes, sejam alunos, professores, ad-
ministração, entre outros. Logo, não há como falar em monocultura, mas em
um multiculturalismo cada vez mais evidente servindo como base da diversida-
de, uma vez que cada cidadão deixa ali a contribuição do seu universo cultural
e, assim, todos saem modificados nesse processo de ensino – aprendizado.
Exatamente por pensar em multiculturas dentro da sala de aula que
Paulo Freire (1987) propõe uma educação libertadora, em que os alunos não
devem ser bancos (educação bancária) onde o professor deposita todo o con-
teúdo. Pelo contrário, devem ser pensados como sujeitos agentes no processo
de aprendizagem aliados ao fator diversidade. Por essa diversidade, vê-se a
criação de estereótipos no ambiente escolar, gerando enfrentamentos e confli-
tos. Por ser agente, como fora citado anteriormente, o aluno é peça fundamen-
tal para a construção do multiculturalismo.
Não obstante, faz-se necessário atentar para o fato de que para ser a-
gente, o aluno precisa entender a linguagem utilizada no espaço escolar. Por
muitas vezes, por causa da linguagem utilizada em sala de aula, esse indivíduo
não obtém êxito, pois não entende aquele saber ao qual está se submetendo.
Logo, é necessário estudar as questões relativas à linguagem escolar, refletin-
do se as mesmas são ideais para os alunos aprenderem, já que a escola é
responsável pelo processo de aprendizagem e se o aluno fracassar a culpa é
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da estrutura escolar por não atingi-lo. Com efeito, é importante refletir se a lin-
guagem utilizada é a mais adequada.
Ao passo em que se constroem as multiculturas e se reflete sobre a lin-
guagem utilizada na sala de aula, temos o crescimento de um cérebro social.
Tal cérebro é moldado com base nas relações sociais estabelecidas e está em
constante modificação através das construções das memórias que geram a-
prendizados, modificações no comportamento e neuroplasticidade (Relvas,
2009). Doravante, é interessante salientar que por meio das vivências advindas
da escola e do meio em que vive, esse cérebro amadurecerá e procurará ou-
tros cérebros parecidos consigo, gerando os círculos sociais e grupos multicul-
turais que formam a imensa tradição cultural e social que é o Brasil.
O presente estudo consiste em três capítulos que objetivam o entendi-
mento entre a construção do cérebro social, apresentando as bases biológicas,
a anatomia da aprendizagem bem como a construção propriamente dita do
cérebro social no processo de ensino – aprendizagem; perpassando pela ques-
tão da linguagem em ambiente escolar, apresentando a inter-relação entre a-
prendizagem, linguagem e o contexto social, enfocando os mecanismos de
aquisição da linguagem; por último, a concepção do multiculturalismo e as re-
lações com a escola e o currículo escolar.
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CAPÍTULO I
A CONSTRUÇÃO DO CÉREBRO SOCIAL
... O que somos é o que fizemos do que fizeram de nós.
Jean-Paul Sartre
Para a construção do cérebro social, é necessário entender como fun-
ciona biologicamente a aprendizagem no ser humano, como e de que forma o
ser humano se comporta, seus hábitos e suas atitudes. Logo, se torna impor-
tante entender a parte biológica do cérebro.
1.1 – Fundamentos biológicos para a aprendizagem
Durante muitos anos, se acreditou ser o coração o ponto central da e-
xistência humana, órgão responsável pelo bombeamento sanguíneo dos seres
vivos. Entretanto, o homem é o único animal capaz de ter consciência de seus
atos, situação que os demais animais não são capazes de fazê-lo. Por isso,
pensou-se sobre o fato de realmente ser o coração o órgão central do ser hu-
mano, pois todos os animais o têm, contudo os comportamentos são diferen-
tes. Logo, o coração não seria o responsável por toda essa diferença compor-
tamental.
Já na idade média, época em que a doutrina religiosa era responsável
pela conduta do comportamento humano, começou-se a pensar no cérebro
como ponto chave para as diferentes ações humanas. Sendo o cérebro até
mesmo visto como porta de entrada para os espíritos malignos pregados pela
doutrina cristã. A partir desse momento, o cérebro assume papel importantís-
simo para os estudiosos, muito embora ainda não soubessem bem o que estu-
dar. Um dos primeiros estudos para entender funcionamento do cérebro foi o
ritual da trepanação. A trepanação foi utilizada na Idade da Pedra, no Egito
Antigo e na Grécia por motivos diferentes, mas foi na Idade Média que teve
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maior incidência. Era o fato de acreditarem que ao abrir um buraco (entre 2.5
cm a 5 cm) no crânio de um individua afetado por espíritos malignos, estes sai-
riam e deixariam o indivíduo em paz. Todavia, o que acontecia não era bem
assim. Por não haver anestesia, assepsia ou qualquer tipo de cuidado e higie-
ne, relacionados ao corte ou buracos feitos ou como seriam fechados os orifí-
cios, a maioria das pessoas trepanadas vinham a óbito; por outro lado, os que
conseguiam sobreviver apresentavam muitas sequelas e, após um tempo, fa-
leciam. O ritual da trepanação foi deixado de lado com o tempo.
Fig. 1: Cérebro trepanado. Notase o orifício
feito à mão durante o ritual de trepanação. Não
havia esterilização, assepsia ou qualquer tipo
de anestesia ou higiene. Geralmente, as inci-
sões duravam entre 30 minutos a 60 minutos.
(HTTP://jralonso.es)
Fig. 2: Instrumentos mais antigos uti-
lizados durante os rituais de trepana-
ção. http://dayanebrant-
almanaquecultural.blogspot.com.br/
Fig. 3: Instrumentos menos antigos
utilizados durante os rituais de trepana-
ção. http://dayanebrant-
almanaquecultural.blogspot.com.
Decerto, quanto mais o tempo avançava, mais os estudos sobre o cé-
rebro avançavam também. Para as doenças como a epilepsia ou casos seve-
ros de esquizofrenia a saída sugerida por alguns estudiosos foi a lobotomia,
técnica na qual os hemisférios cerebrais são seccionados, assim, não haveria
comunicação entre as vias que comunicam os lobos frontais ao tálamo e ou-
tras vias frontais associadas. Ressalta-se, porém a importância de entender
que nos Estados Unidos, a técnica da lobotomia foi popularizada e alterada.
Não havia mais um objeto específico para fazer a incisão, mas apenas um pi-
cador de gelo e um martelo direto no crânio do indivíduo.
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Fig. 4: A imagem ilustra como era feita a incisão para o tratamento feito a partir da lobotomia. Esta técnica
foi popularizada e difundida nos Estados Unidos. Lá também foi modificada. A imagem elucida a técnica da
lobotomia utilizada nos Estados Unidos: incisão feita com um picador de gelo e o auxílio de um martelo em
um ponto acima do canal lacrimal, girando o picador e destruindo as fibras nervosas existentes.
(http://www.infoescola.com)
É interessante perceber que os estudos evoluíram tanto que o cérebro
ficou dividido em partes chamadas lobos. Além disso, soube-se que os hemis-
férios cerebrais dividiam-se em dois e eram interligados. Por isso, chegaram à
lobotomia, observada acima. Vale frisar que ao realizar a lobotomia havia a
perda da ligação entre os hemisférios e os pacientes não sofreriam mais com
crises epiléticas e nem com depressões ou quadros de esquizofrenia. Porém,
sofreriam outras consequências como a perda da capacidade de falar.
O século XX, então, foi o século do cérebro. Os estudos avançaram
tanto que, hoje, já se sabe que o cérebro é dividido em dois hemisférios, cada
um deles possui as suas respectivas especificidades; há também os lobos (pa-
rietal, frontal, occipital, temporal e a ínsula); há ainda os neurônios (elementos
responsáveis pelas sinapses - reação eletroquímica que transmite mensagem
entre si); há o sistema límbico (responsável pelas sensações de prazer) e há
os sulcos e giros responsáveis por outros processos cerebrais.
Como já exposto, o cérebro humano divide-se em dois hemisférios: o
direito e o esquerdo. Cada um possui suas funções específicas. É interessante
entender que o hemisfério esquerdo assume responsabilidade pelo controle do
lado direito do corpo, assim como o hemisfério direito controla o lado esquerdo
do corpo.
Segundo Relvas (2009), os estudos a partir de 1950 verificaram que
ainda que os hemisférios fossem separados, eles continuariam a funcionar.
Ambos possuem características distintas, o hemisfério direito é mudo, enquan-
to o hemisfério esquerdo é verbal e analítico. O direito é rápido, espacial, con-
figurativo e complexo.
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Quanto à divisão dos lobos, têm-se: o lobo frontal, cuja responsabilida-
de consiste na elaboração do pensamento, planejamento, programação das
necessidades individuas e emoção; o lobo parietal tem por responsabilidade a
sensação de dor, tato, gustação, temperatura, pressão e também está relacio-
nado à lógica matemática; o lobo temporal relaciona-se com o sentido da audi-
ção, possibilita o reconhecimento de tons específicos e intensidade do som.
Também exibe papel na área da memória e da emoção; o lobo occipital possui
a responsabilidade do processamento da informação visual. (Relvas, 2009, p.
42 e 43).
Fig. 5: A imagem ilustra as divisões cerebrais em lobos e os sulcos. (http://clinicasaudemental.com)
Outra descoberta importante foi relacionada aos neurônios. Os neurô-
nios são células com funcionamentos específicos, executam funções apropria-
das e passam informações a outros neurônios relacionados a tais informações.
Essa particularidade do neurônio inclui uma membrana celular especializada
em transportar sinais nervosos, a saber: os dendritos. São estes quem rece-
bem e liberam os sinais nervosos presentes no axônio (cabos) que conduzem
os sinais aos pontos sinápticos, onde a informação é passada de uma célula
para outra. Cabe lembrar que os neurônios são diferentes das outras células,
porque processam informação, já as demais células não. As informações são
processadas através de um impulso nervoso, o qual é a transmissão de um
sinal decodificado de um determinado estímulo ao longo da membrana do neu-
rônio, a partir do ponto em que sofreu a estimulação. Esses impulsos podem
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ser elétrico e químico. Os processos elétricos propagam sinal dentro do neurô-
nio e os processos químicos transmitem informações de um neurônio para o
outro.
Todos esses componentes da estrutura cerebral são fundamentais pa-
ra que o indivíduo chegue ao conhecimento por meio dos processos de apren-
dizagem. Biologicamente falando, os constituintes cerebrais assumem papéis
específicos no desenvolvimento do ser humano, dotando-o de potencial para a
evolução da espécie por meio da formação do cérebro social.
1.2 – Anatomia da aprendizagem
Consoante as informações em Relvas (2010), para todo processo de
formação há algum tipo de aprendizagem, apresentando algo que alguém não
sabia anteriormente, podendo ser uma informação, um conceito, uma habilida-
de ou até mesmo uma capacidade. Entretanto, não significa dizer que a pes-
soa mudou e tornou-se uma nova pessoa. Por isso:
“... a aprendizagem só é formativa na medida em que o-
pera transformações na constituição daquele que apren-
de. É como se o conceito de formação indicasse a forma
pela qual nossas aprendizagens e experiências nos cons-
tituem como um ser singular no mundo.” (RELVAS, 2010,
p. 26).
A ideia de singularidade vem da ideia de aprendizagem. Ou seja, a a-
prendizagem, em si, é o resultado de uma ação que alguém aprendeu, logo, a
forma como cada ser humano aprende é única. Portanto, o resultado do pro-
cesso de ensino – aprendizagem é a própria aprendizagem, é o resultado sin-
gular de um processo sofrido por um indivíduo.
Ao levar essa concepção para o campo neurobiológico entende-se que
cada processo de aprendizagem pode gerar um estímulo e do estímulo ocorre
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a ativação de uma área no córtex, provocando alteração em outras áreas, haja
vista que o cérebro não funciona de forma isolada. Pelo contrário, no cérebro,
por possuir inúmeras vias associativas, há muita ligação entre as áreas vizi-
nhas. Logo, as informações demandadas pelos estímulos são capazes de mo-
dificar todo o cérebro, gerando o que se chama de plasticidade neural ou neu-
roplasticidade.
A neuroplasticidade é definida por Relvas (2010) como:
“... denominação de capacidades adaptativas do Sistema
Nervoso Central (SNC) e sua habilidade para modificar
sua organização estrutural própria e funcionamento. Ela é
a propriedade do sistema nervoso que permite o desen-
volvimento de alterações estruturais em resposta à expe-
riência, e como adaptação a condições mutantes e a es-
tímulos repetidos.” (RELVAS, 2010, p. 32 e 33).
Observa-se, então, a neuroplasticidade como algo vitalício, uma vez
que é a partir da neuroplasticidade que o cérebro se reorganiza e efetiva o co-
nhecimento, além de ser fator fundamental para o processo de ensino – a-
prendizagem do ser humano, colocando por terra a ideia de que o ser humano
aprende até certa idade e depois não aprende mais nada.
Se não houvesse a plasticidade, dificilmente haveria aprendizagem, a-
final o fato de o cérebro humano possuir cerca de 100 (cem) bilhões de neurô-
nios que estabelecem milhares de sinapses é o que amplia a capacidade de
aprender (Relvas, 2010).
Exatamente por esse motivo que a neuroplasticidade é muito importan-
te para a aprendizagem, já que cada área cerebral, por mais destinada que
seja a tipos específicos de função, pode assumir outras funções caso seja ne-
cessário. Ainda por isso, no âmbito escolar, o conceito de interdisciplinaridade
é muito bem visto e defendido, pois seria uma forma de o cérebro colocar em
prática essa capacidade de assumir novas funções como, por exemplo:
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“... o ritmo que é desenvolvido por uma música é aprovei-
tado pela literatura, na escrita e nos conceitos matemáti-
cos.” (RELVAS, 2010, p. 35).
Sendo a aprendizagem o resultado da apreensão de novos conheci-
mentos, modificando de forma biológica o cérebro, pode-se dizer, pois, que a
aprendizagem acontece pela criação de memórias. Estas podem ser evocadas
ou retomadas, envolvendo todas as áreas cerebrais e gerando:
“... modificação do comportamento, como resultado da
experiência ou aquisição de novos conhecimentos acerca
dos meios, e a memória é a retenção deste conhecimento
por um tempo determinado.” (RELVAS, 2010, p. 36).
Todavia, deixa-se claro que para as informações ficarem armazenadas
na memória de forma permanente, é necessário ocorrer também mudanças
nas sinapses de memória. Além disso, é necessária, ainda, a reativação des-
sas memórias para evocação da memória armazenada.
Entende-se, por isso, que tanto a aprendizagem quanto a memória
caminham juntas para efetivarem o conhecimento, já que é a memória a base
de todo o saber do ser humano.
Relvas (2010) define memória como:
“... faculdade de reter e/ou readquirir ideias, imagens, ex-
pressões e conhecimento. É o registro de experiência e
fatos vividos e observados, podendo ser resgatados
quando preciso.” (RELVAS, 2010, p. 39).
Dessa forma, reafirma-se ser a memória a base da aprendizagem,
porque com as experiências adquiridas pelo ser humano durante sua vida as
quais estão armazenadas na memória é que se tem a oportunidade e a habili-
dade de mudar o comportamento humano.
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Destartes, a memória não está alojada em um canto específico do cé-
rebro, ela é o resultado de fenômenos biológicos e psicológicos envolvendo
outros sistemas para funcionarem juntos. A memória pode ser dividida em du-
as: a emocional (sentimentos, emoções, comoções) e a racional (compreen-
são, análise e observação). Estas fazem parte da dicotomia Razão x Emoção.
Para muitos, Razão e Emoção são dissociadas, porém, na verdade, são com-
plementares entre si. É um mecanismo dinâmico que impulsiona uma informa-
ção a outra com rapidez para que as decisões sejam tomadas.
Relvas (2010) ainda destaca que:
“Nesta interação, um elemento importante para o cérebro
é o Sistema Límbico, pois é o responsável pelo prazer e
aprendizado. A falta de libidinação gera problemas confli-
tantes, inibindo o processo de aprendizagem.” (RELVAS,
2010, p. 40).
Ou seja, o processo de memorização é mais complexo do que se pen-
sa, afinal envolve não só o sistema límbico, mas também o hipocampo (locali-
za-se no lobo temporal do cérebro humano, componente do sistema límbico e
principal área onde fica a memória), cuja função é selecionar os fatos impor-
tantes e os eventos os quais serão armazenados, isto é, ele é o seletor, aquele
que usa e descarta as informações. Já o lobo frontal é quem vai coordenar to-
das as memórias, além de guardá-las e classificá-las de acordo com o tipo e
as sofisticadas reações químicas e seus circuitos de neurônios interligados.
Não obstante, Relvas (2010) faz uma importante observação sobre a
memória:
“A memorização varia de acordo com as variações do es-
tado emocional ou problemas de ordem física de uma
pessoa.” (RELVAS, 2010, p. 41).
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Contata-se, dessa forma, que para a aprendizagem são necessárias a
plasticidade, a memória e a emoção.
1.3 – A construção do cérebro social
Para a construção do cérebro social são necessários todos os proces-
sos neurobiológicos vistos, a fim de que se tenha o efetivo aprendizado conver-
tido em mudança de comportamento. Porém, não só os aspectos biológicos
são necessários a essa construção. Fatores externos como o ambiente cultural
e o ambiente escolar são de extrema importância para a realização final dessa
construção, já que são os locais onde o indivíduo mais se socializa.
O amadurecimento emocional é proveniente de fatores internos como
a hereditariedade da comunidade e da família, por exemplo, e de fatores ex-
ternos, por exemplo, a aprendizagem, visto que é a partir desse processo de
aprender que o ser humano lida com a emoção e com a motivação.
Relvas (2010) afirma que:
“Emoções básicas, como prazer, tristeza, raiva e medo,
têm uma enorme escala de variação, onde o prazer pode
variar da satisfação ao êxtase, sendo que, nesta escala,
estão incluídos: o amor, a alegria etc. A tristeza pode va-
riar do desapontamento ao desespero; o medo, da timidez
ao temor; a raiva, do descontentamento ao ódio.”
(RELVAS, 2010, p. 148).
Sendo assim, a construção e a interpretação das emoções são consti-
tuição individual do sistema nervoso autônomo, uma vez que as reações emo-
cionais e seus significados revelam a maneira pela qual o ser humano expres-
sa o resultado da aprendizagem (Relvas, 2010).
Por esse motivo, é necessário ter o que Goleman (2012) chama de au-
todomínio, cujas bases são:
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“... consciência de nossos estados interiores e gestão
desses estados. Estes domínios de habilidade são os e-
lementos que fazem de algum um executante individual
extraordinário em qualquer área de desempenho...”
(GOLEMAN, 2012, p. 37).
Ter competências para gerenciar emoção, motivação em foco, adapta-
ção e iniciativas são fatores importantes para que o ser humano a autogestão
emocional.
Nessa lógica, o ser humano pode ser gerenciado por dois patrões: um
bom e um mau, a saber: i) o córtex pré-frontal é o que Goleman chama de bom
patrão, pois é a parte do cérebro que orienta o ser para o seu melhor; além de
estabelecer controle cognitivo, raciocínio e flexibilidade na resposta; ii) o mau
patrão fica por conta da amígdala, por ser ponto de disparo da angústia, da
raiva, do impulso, do medo, da dor, fazendo o ser humano ter arrependimentos
futuros.
Fig. 6: A imagem ilustra o autodomínio de Goleman, onde encontram-
se o bom patrão (córtex pré-frontal e o mau patrão (amígdala).
Durante a interação social vivenciada pelo ser em seu meio social, de-
ve haver o equilíbrio entre os dois pontos colocados por Goleman e ilustrados
pela figura 6. O fato de o ser humano ser orientado pelo córtex pré-frontal, o
bom patrão, utilizando o conceito de fazer o que é melhor para si, dependerá
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do universo cultural ao qual o indivíduo está atrelado. Como diz Ehrenberg
(2012):
“Falamos de ‘cérebro social’ para evocar a ideia de que
os ‘comportamentos’ sociais se explicam essencialmente
pelo funcionamento cerebral. O cérebro aparece então
como o substrato biológico que condiciona a sociabilidade
e a psicologia humanas.” (EHRENBERG, 2012, p. 114).
Cada comunidade cultural toma para si hábitos e costumes identifica-
dos e perpetuados, então, o sujeito em construção terá a visão daquela comu-
nidade como a melhor para si, por isso é importante observar como o funcio-
namento cerebral, defendido por Ehrenberg, é fator crucial para os comporta-
mentos sociais, destacando ser o cérebro o ator condicionante para todo o tipo
de relacionamento social que o ser humano desencadeará ao longo da vida.
Decerto, a adequação cerebral do indivíduo ocorre quando o próprio passa a
frequentar os bancos escolares.
Ao adentrar o espaço escolar, o cérebro social passa pelo processo de
ensino-aprendizagem que o despirá de uma carga emocional já presente em
sua cultura, em seu ser. Por isso, muitas vezes, o ser humano tem uma visão
equivocada do ambiente escolar. Outrossim, em virtude disso, poderá desen-
cadear emoções ruins e não obter sucesso em seu processo de ensino-
aprendizagem, deixando a cargo da amígdala a evocação de toda uma carga
emocional gerenciada pelo mau patrão.
Para Goleman (2012) alguns fracassos podem estar relacionados ao
famoso sequestro de amígdala:
“A amígdala é o radar do nosso cérebro para ameaças
(...). Se ela detecta uma ameaça, num instante consegue
dominar o resto do cérebro – particularmente o córtex pré-
frontal – e temos o que é chamado de sequestro da a-
mígdala. O sequestro captura a nossa atenção, projetan-
-
21
do-a sobre a ameaça em curso (...) só vai conseguir pen-
sar sobre o que o está perturbando. Nossa memória tam-
bém se esquiva, de maneira que nos lembramos mais
prontamente do que é relevante em relação à ameaça...”
(GOLEMAN, 2012, p. 39 e 40).
O sequestro faz com que muitos seres humanos apenas reproduzam
velhos hábitos. No campo educacional, o sequestro de amígdala gera, para o
aluno, sensações ruins. Logo, compreender o que um professor fala pode se
tornar difícil ou, até mesmo, doloroso.
Gazzaniga (1985) já ressaltava a importância do cérebro para uma efe-
tiva compreensão acerca do comportamento humano. Premissa, hoje, extre-
mamente difundida. Porém, além da importância dada ao estudo de apenas
um cérebro, dá-se importância maior ao estudo de dois cérebros distintos em
duas pessoas distintas. Ou seja, a construção do cérebro social está pautada
não apenas na neurobiologia da aprendizagem, está para além disso, está
pautada nas relações sociais geradoras de relações emocionais e motivacio-
nais presentes entre e nas pessoas.
“O cérebro social inclui um grande número de circuitos,
todos projetados para nos harmonizarmos e interagirmos
com o cérebro de outra pessoa.” (GOLEMAN, 2012, p.
76).
As motivações humanas são permeadas pelo prazer. Entretanto,
quando o amadurecimento e o relacionamento apresentarem situações difí-
ceis, a motivação é ponto fundamental, pois diante das dificuldades, reviravol-
tas, infortúnios e reveses, a zona do córtex pré-frontal esquerdo tem por fun-
ção lembrar o ser humano das boas sensações que terá assim que o objetivo
for alcançado. Em contrapartida, quando o ser apresenta baixa motivação, está
mais propenso a ser ansioso e temeroso, os quais geram desistência nas situ-
ações mais difíceis, influência da zona direito do córtex pré-frontal.
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Decerto, o ser humano é permeado em sua existência pelas emoções
e motivações. Durante o processo de ensino-aprendizagem, o indivíduo deve
ser estimulado a partir das motivações. Quando o indivíduo é motivado, o lado
esquerdo o encherá de sensações boas, causando um bom impacto no meio
social em que vive. Assim sendo, o indivíduo não encara o processo de ensino-
aprendizagem como torturante e, tão pouco, passará à comunidade social a
vontade de não frequentar a escola. Pelo contrário, enxergará emoções positi-
vas que o conduzirá a novos caminhos na busca pelo conhecimento e pela
sociabilidade. Por outro lado, ao não haver estímulo, atrelado ao fato de o indi-
víduo não possuir emoções boas sobre seu ambiente de ensino, o processo de
ensino-aprendizagem e sociabilização pode ser visto como doloroso, uma vez
que não há nada de bom e motivador para ele.
Por fim, o caminho trilhado para a construção do cérebro social per-
passa a análise biológica e reflete-se nas relações sociais, nas emoções vi-
venciadas com os outros. Para que haja cérebro social, é necessário que haja
relação emocional em todas e de todas as partes envolvidas no caminho rumo
à efetivação da aprendizagem e da sociabilidade. Só assim o cérebro social
estará pronto para o mundo social.
-
23
CAPÍTULO II
APRENDIZAGEM, LINGUAGEM E CONTEXTO SOCIAL:
OS MECANISMOS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
... Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem
ela a sociedade muda.
Paulo Freire
Durante a vida humana, todas as informações sensoriais são recebidas
e interpretadas pelo cérebro, permitindo ao indivíduo a comunicação com as
pessoas e o mundo através da linguagem (VALLE, 2008).
Para que toda essa concatenação possa acontecer é preciso que haja
processo dentro do cérebro. Esses processos que utilizam cognição, sensitivi-
dade, afetividade e motricidade são passíveis através das sinapses (atividades
elétricas que percorrem os neurônios e transmitem informações de uma célula
para a outra) realizadas entre os neurônios (substâncias cinzentas presentes
na construção do córtex e em alguns núcleos, formam o tálamo e os núcleos
cinzentos) resultando, assim, um processo cognitivo (VALLE, 2008).
A linguagem utilizada pelo indivíduo em seu dia-a-dia está diretamente
ligada à vivência de mundo dele, pois está configurado dentro do grupo social
ao qual o indivíduo pertence. Além disso, a linguagem está ligada à maturação
cerebral e ao meio ambiente, como já dito acima. Isso dá base para entender
os motivos pelos quais os alunos não apreendem o conhecimento transposto
pelo professor em virtude da linguagem utilizada em sala de aula, já que esta é
o ponto de partida para a comunicação entre as pessoas, pela fala e pela mo-
tricidade.
-
24
2.1 – A Aquisição da Linguagem
Segundo William Corsaro (1997), os processos de socialização para as
crianças são importantes, são como mecanismos motores de desenvolvimento
social, já que podem ser um mecanismo produtivo ou reprodutivo do ambiente
cultural de referência da criança. Por isso, todas as interações entre os grupos
ou até mesmo entre os iguais apresentam-se como peças fundamentais na
engrenagem, permitindo a manutenção e progressão da cultura. Dessa forma,
os pequenos crescem e se desenvolvem de acordo com o processo externo,
onde (re)produzem e (re)criam padrões do mundo adulto. Logo, é importante
que se atente para a recriação, em âmbito escolar, do universo cultural já exis-
tente do aluno.
“... estas interações entre iguais aparecem de modo con-
sistente e pela primeira vez no âmbito escolar, donde a
criança vai ter que fazer frente a um tipo de intercâmbio
com demanda muito diferente daquelas que lhe exigiu o
âmbito familiar...” (SÁNCHEZ e MARTÍNEZ, apud VALLE
e JR., 2008, p. 91).
Diante do exposto, a linguagem é considerada como a primeira forma
de contato entre a criança e o mundo cultural no qual está inserida, seja atra-
vés de instruções verbais cotidianas ou até mesmo através das histórias con-
tadas que expressam os valores culturais daquele grupo social, como afirmado
em:
“Dessa forma, através da linguagem a criança tem aces-
so, antes mesmo de aprender a falar, a valores, crenças e
regras, adquirindo os conhecimentos de sua cultura.”
(BORGES e SALOMÃO, 2003, p.327).
-
25
Ao passo que a criança desenvolve seu sistema sensorial e cognitivo
(visão e audição), seus instintos tornam-se mais refinados e seus níveis lin-
guísticos se elevam, enquanto sua socialização começa a se estender mais,
atingindo o ápice quando adentra os muros escolares. Para Garton (1992),
quanto mais a criança se desenvolve nas relações sociais, mais obterá benefí-
cios, visto que as aprendizagens e experiências resultam dessas interações.
Sabe-se que é a linguagem uma das habilidades mais importantes e
significativas do ser humano, por isso, constitui-se como um sistema binário
entre o significante e o significado. A esse sistema binário confere-se o nome
de significação. Por sua vez, o significante nada mais é do que os elementos
constituintes da palavra (fonemas, palavras, frases, orações e períodos), ou
seja, é a forma, o aspecto formal; já o significado é o aspecto funcional, é o
constitutivo responsável pela comunicação no meio sensorial. Em outras pala-
vras, o significado é a semântica da palavra, o ser significativo, aquilo que se
entende; e o significante é a imagem que o sujeito faz da palavra, por exemplo,
a palavra “árvore” possui, entre seus significados, o de “vegetal de tronco le-
nhoso cujos ramos só saem a certa altura do solo”, (Dicionário Priberam on
line, acesso em 21/01/2015, às 13h14min), mas seu significante poderá ser
individual, já que há vários imagens/tipos de árvore como macieira, mangueira,
bananeira etc. Isto se dá porque para a aquisição da linguagem é necessário
que se uma semântica e sintaxe.
Compreende-se, então, ser a interação social algo importante e neces-
sária para a aquisição da linguagem. Portanto, Austin (1952/1990) afirma que:
“... a linguagem deve ser analisada no ato da fala, no con-
texto social e cultural no qual é usada, com uma determi-
nada interação e de acordo com certas normas e conven-
ções...” (AUSTIN, apud BORGES e SALOMÃO, 2003,
p.328).
-
26
Isto é, como já exposto, fica claro que a representação de mundo do
indivíduo determinará ou convencionará o desenvolvimento desta linguagem
diretamente ligada ao contexto social e cultural inerentes a ele.
Em contrapartida, pesquisas como a de Chomsky (1973) argumentam
que as falas que os adultos apresentam às crianças é limitada e mal formula-
das, não constituindo ajuda durante o processo de aquisição da linguagem, já
que aqueles tentam adaptar a fala ao nível linguístico da criança, sendo assim,
a criança não aprende a linguagem a partir da participação de fontes externas,
o que leva a crer na teoria inatista, em que Chomsky acredita ter a linguagem
mecanismos inatos. Ou seja, segundo o inatismo Chomskiano, a linguagem é
parte da natureza, é característica de uma herança genética humana, como já
afirmava Sócrates em
”O conhecimento preexiste no espírito do homem e a a-
prendizagem consiste no despertar esses conhecimentos
inatos e adormecidos”. (SÓCRATES, apud SILVA, 2008,
p. 10).
Chomksy traz como argumento o fato de que não é simplesmente por
ter ouvido um adulto falar que a criança internaliza e consegue reproduzir de
forma satisfatória sem estar preparada para fazê-lo. Diante desse ponto de
vista, percebe-se que o inatismo consiste no fato de a criança possuir um me-
canismo interno preparado para se desenvolver, ao passo que a convivência
com os adultos faz com que a fala seja aprimorada.
“[...] dizemos que a criança “aprende uma língua”, e não
que a linguagem se desenvolve ou amadurece. Mas nun-
ca dizemos que o embrião ou a criança aprende a ter bra-
ços em vez de asas, ou um aparelho visual determinado,
ou órgãos sexuais maduros – este último exemplo repre-
senta um desenvolvimento que consideramos ser geneti-
camente determinado no que tem de essencial, muito
-
27
embora só ocorra bem depois do nascimento”.
(CHOMSKY. 1981, apud SILVA, 2008, p. 10).
Para os estudiosos da referida corrente, o contato da criança com a fa-
la dos adultos faz com que regras sejam acionadas dentro de uma gramática
internalizada na mente da criança, acionando o funcionamento da língua, que
por sua vez é característica genética humana, como já citado.
Em vista disso, a aquisição da linguagem é decorrente de todo um pro-
cesso pré-ordenado, não relacionado apenas como a imitação da fala do mun-
do adulto, mas relacionado ao fato de o ser humano já possuir pré-requisitos
fundamentais desde o nascimento para desenvolver esta habilidade.
Por outro lado, Jean Piaget traz a abordagem interacionista, cujo prin-
cípio é o de que o meio é uma condição para o desenvolvimento do ser huma-
no, todavia não pode ser o mais importante. Assim, Piaget coloca como ponto
central os mecanismos de coordenação entre as ações das crianças sobre o
mundo. Ou seja, para os interacionistas, a inteligência é a maior das manifes-
tações da vida, levando o homem a sua adaptação ao meio em que vive. Isto,
para o desenvolvimento, é uma conduta cognitiva, já que é a adaptação do
sujeito ao meio, através das interações de cunho social. Dentro dessa perspec-
tiva, vê-se que o desenvolvimento torna-se contínuo, uma vez que os proces-
sos de assimilação e acomodação fazem com que o indivíduo coordene aos
poucos suas ações em níveis cada vez mais complexos. (SOARES, 2009).
Salienta-se o fato de que para Piaget a linguagem é acessório no de-
senvolvimento humano e na construção do conhecimento. A linguagem é vista
como necessário, mas não condicionante para as ações lógicas que o sujeito
terá de realizar ao longo de seu desenvolvimento. O que dirá que a criança se
desenvolveu ou não, não é o nível de aquisição de linguagem, mas sim as abs-
trações empíricas realizadas pelas crianças sobre os objetos e suas coordena-
ções. Logo, a linguagem é vista apenas como uma representação dos progres-
sos realizados pelo grau de abstração da criança.
-
28
“...a linguagem transmite ao indivíduo um sistema todo
preparado de noções, de classificações, de relações, en-
fim, um potencial inesgotável de conceitos que se recons-
troem em cada indivíduo, apoiados no modelo multissecu-
lar já elaborado pelas gerações anteriores”. (PIAGET,
1967, apud SOARES, 2009, p. 2).
Entretanto, os estudiosos da interação social como Vigotsky, por e-
xemplo, investigaram e chegaram à conclusão de que o fato de a mãe e o pai
falarem de forma especial com o filho, forma diferente da utilizada em contexto
social dos adultos, são ajustadas para a criança; ajustando, então, seu enten-
dimento e a inserindo no comportamento social do grupo, além de ir, aos pou-
cos, ampliando a capacidade linguística da criança. Ao período em que os pais
e as crianças mantêm interação comunicativa através de expressões faciais,
olhares e gestos chama-se de protoconversão ou protolinguagem, ou seja,
uma linguagem em fase inicial. Logo, para os seguidores de Vigotsky, a intera-
ção da criança com o meio é fator fundamental para o desenvolvimento de sua
linguagem.
De acordo com a tese de Vigotsky (1978/1984) sobre a “zona de de-
senvolvimento proximal”, em que a criança pode funcionar em dois níveis lin-
guísticos, a saber: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimen-
to potencial (onde pode ocorrer a colaboração de fatores externos como, por
exemplo, um companheiro mais experiente) a interação social com alguém cu-
jo nível linguístico seja mais avançado ao ponde de ser excedente ao nível de
desenvolvimento real da criança a ajuda, pois a coloca próxima ao seu nível
potencial, fazendo com que avance de um nível ao outro. Por exemplo, em
uma relação mãe – filho, a mãe é o companheiro linguístico que excede o nível
real e aproxima a criança do nível potencial, fazendo-a avançar no nível lin-
guístico.
“A zona de desenvolvimento proximal é assim uma medi-
da de aprendizagem potencial da criança e implica a co-
-
29
laboração entre os participantes em interação social, cada
um exercendo uma contribuição no processo de aprendi-
zagem. Constitui, ainda, um processo dinâmico através
do qual a contribuição do adulto é alterada em função do
professo na competência e no entendimento da criança.”
(VIGOSTKY, apud BORGES e SALOMÃO, 2003, p.329 -
30).
Ou seja, a fala materna apresentada à criança tem relação com o nível
de habilidade tanto linguística quanto cognitiva de acordo com a própria crian-
ça, visando contribuir com seu desenvolvimento linguístico. Todavia, não são
todas as crianças assim, apenas aqueles cujos cuidadores possuem maior en-
volvimento com as próprias, auxiliando-as nesse processo de aquisição de lin-
guagem e interação social, além dos pais que são intelectualmente mais en-
volvidos possuírem a maior possibilidade de ter filhos mais evoluídos linguisti-
camente. Decerto, se a criança tem mais oportunidades de interação social e
se é participante ativa dessa interação, de forma provável, alcançará maior
eficácia e domínio da linguagem do que as outras crianças que não tiveram
oportunidades e não são ativas nas relações sociais.
Em virtude disso, Borges e Salomão afirmam que:
“É importante mencionar ainda que existem variações no
contexto sociocultural em que os indivíduos vivem. A vari-
ação entre contextos é marcada pelos diferentes modelos
de uso da linguagem que o meio social oferece. Estes
modelos são apresentados segundo os modos de vida e
os tipos de interações típicas do meio social dos indiví-
duos, ou seja, correspondem a seus hábitos e necessida-
des adaptativas..” (BORGES e SALOMÃO, 2003, p.334).
Para Lacan (1986), a linguagem pré – existe ao sujeito, isto é, o ho-
mem já nasce num mundo simbólico, sendo o conceito linguagem o termo que
-
30
remete à ordem da cultura, de um lugar e de uma época. Ou seja, para ser
alguém, o sujeito precisa de linguagem, pois ela é condição única para emer-
gência do sujeito, isto é, para que o sujeito seja humanizado, porque se não
houver a aquisição da linguagem, o indivíduo não se reconhece como sujeito e
fica no lugar fora do comum, à margem de toda uma interação social, até por-
que é a linguagem quem distingue o ser humanos dos animais.
Diante desse ponto, De Lemos, C. (1997, 2000, 2002) afirma que a
aquisição da linguagem vai ocorrendo de acordo com o processo de mudança
da criança em relação à linguagem e essa operação só pode ser efetiva atra-
vés de uma presença real que conduza a criança no processo de aquisição da
linguagem, e esse outro normalmente é a mãe. Refuta-se, portanto, a teoria
inatista de Chomksy.
2.2 – A Linguagem e O Espaço Escolar
Desde os primórdios até os dias atuais, a escola não foi construída pa-
ra as classes menos favorecidas. O fato de elas a ter é apenas para mostrar
que todos podem ter acesso à educação e nada a mais. A escola de verdade é
voltada para os filhos das classes mais favorecidas. Sendo assim, possuem
todo o aparato necessário para que o seu “futuro” cresça em intelecto. Seu
ensino não será mecanizado e voltado para o mercado de trabalho, mas, sim,
para a sua formação intelectual. (DUBET, 2003). Logo, a perpetuação das de-
sigualdades e do não aproveitamento dos universos culturais dos alunos é de
responsabilidade da escola (CANEN e MOREIRA, 2001).
Em verdade, esperava-se da escola que fosse transformadora, consci-
ente de seu papel político visando a garantir uma transformação social verda-
deira, além de promover a igualdade social. Contudo, observa-se, atualmente,
a omissão da escola quando o assunto é fracasso escolar. Hoje, o que se vê é
a escola isentando-se da responsabilidade real a ela atribuída, papel transfor-
mador, e perpetuando o fracasso dos alunos oriundos de grupos sociais distin-
tos e menos favorecidos.
-
31
Além disso, ainda em âmbito escolar, toda a aprendizagem do aluno du-
rante os anos de interação social familiar anterior a sua chegada ao ambiente
de ensino não é, de forma alguma, contemplado.
“O principal problema incide na dificuldade do processo
de leitura e escrita entre os indivíduos das classes desfa-
vorecidas econômica e socialmente. Nesse contexto de
ensino-aprendizagem, é fundamental se trabalhar as se-
melhanças e as diferenças entre a linguagem falada e a
linguagem escrita, pois, acreditamos que, agindo desta
forma, contribuímos para o desenvolvimento das práticas
de linguagem – leitura e escrita - usadas em quaisquer
séries/anos de escolarização” (FIRMINO, 2011, p. 10).
E
“Um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as
variedades sociolinguísticas, para que o espaço de sala
de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das
variedades de maior prestigio social e se transforme num
laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplici-
dade de formas e usos”. (BAGNO, 2002, p. 8, apud
FIRMINO, 2011, p. 17).
Assim, então, pode-se considerar também que todos os seus valores e
suas crenças (LACAN, 1986.) não são considerados no momento em que a
aprendizagem escolar entre na jogada. Apenas os valores culturais das clas-
ses mais favorecidas e mais vistosas da sociedade lhes são passados sem
levar em consideração suas experiências, sua cultura, sua pluralidade e, ao
mesmo tempo, singularidade (NÓBREGA, 2013).
Em virtude dos fatos arrolados, no ponto de vista de Soares (2008), a
função da escola é a de manter e perpetuar a estrutura social, suas desigual-
dades e os privilégios que confere a uns em prejuízos de outros, e não, como
se apregoa, promover igualdade social e a superação das discriminações e
-
32
marginalização. Pode-se dizer, até mesmo, já que a escola perpetua as con-
tradições sociais, que a própria utiliza-se de uma linguagem mais privilegiada
para desprestigiar os menos privilegiados. Talvez, fosse esse o motivo de tanta
evasão e fracasso escolar. Afinal, a linguagem é uma mercadoria, um produto
que pode privilegiar uns e não outros em contexto escolar.
“Na sala de aula, como em qualquer outro domínio social,
encontramos grande variação no uso da língua, isto por-
que a variação é inerente à própria comunidade linguísti-
ca. As experiências sociocognitivas que o aluno traz ao
entrar na escola, bem como seu desenvolvimento linguís-
tico são fatores importantes na determinação de seu su-
cesso ou insucesso escolar” (FIRMINO, 2011, p. 11).
Ainda que no mesmo país, as regiões possuem diferentes dialetos, is-
so ajuda, e muito, a discriminação e a veiculação da linguagem de prestigio
sobre a desprestigiada. Seria a linguagem dos dominantes sobre a dos domi-
nados. Dessa forma, surge uma pergunta: De quem é a culpa do fracasso es-
colar? Do aluno que não é. A gramática de norma – padrão vigente é o manual
do bem falar e do bem escrever, seu fim primordial é nortear os cidadãos du-
rante seu processo de alfabetização e letramento. Todavia, quando o aluno
parte para o ambiente escolar, não é levada em consideração a variação lin-
guística também presente e pregada pela gramática normativa. Logo, o aluno
não tem uma linguagem próxima a sua vivência fora dos muros escolares. O
que se tem é uma linguagem normatizada pela gramática, sem aproximação
com a realidade do aluno. Entende-se, que a escola deve fazer uso da lingua-
gem prescrita pela gramática normativa, porém há que adaptá-la para que con-
temple esse aluno oriundo de grupos sociais minoritários, cuja vivência não
permitiu um contato maior e mais amplo com os manuais de gramática. Por
isso, Firmino (2011) afirma que
-
33
“... quanto à diversidade linguística (...) a escola não deve
fazer restrições às diferenças sociolinguísticas dos alu-
nos. Mas essa não é uma tarefa muito fácil, pois, como a-
firma Bortoni–Ricardo (2005, p. 14), “a escola é norteada
para ensinar a língua da cultura dominante; tudo o que se
afasta desse código é defeituoso e deve ser eliminado”.
(FIRMINO, 2011, p. 13).
Ao tomarmos o contexto escolar recente, percebemos disparidades (e
disparates) por conta dos profissionais da Educação. Há uma grande diversi-
dade de alunos chegando à escola. Mas, a escola não consegue acompanhar
o ritmo acelerado das mudanças sofridas pelos jovens. Portanto, ao não con-
seguir trazer para si essas mudanças sofridas, a escola tenta, de uma forma
ineficiente, “apaziguar” essa ebulição moderna. O que consegue é separá-los
em grupos maiores ou menores, fazendo com que os próprios reproduzam
dentro do ambiente escolar tudo aquilo que já é pré-estabelecido em sua reali-
dade fora da escola.
“A escola, muitas vezes, ao não reconhecer as peculiari-
dades dos educandos oriundos dos meios sociais, trans-
forma-se em um meio sócio-excludente, e, agindo assim,
está corroborando para o fracasso escolar que é refletido
na evasão de sala de aula, repetência e, às vezes, leva
os discentes ao constrangimento em sala de aula”
(FIRMINO, 2011, p. 14).
Não obstante, não há que se culpar apenas a escola. Em verdade, ela
é o reflexo de todo um contexto histórico ainda intrínseco à sociedade. Ao pas-
so que se quer mudar, também não se aceita de forma honesta as mudanças.
O aluno que chega hoje ao colégio traz todo um universo cultural próprio que
não aproveitamos em sala de aula. Essa omissão não é percebida pelos pro-
fissionais da educação e nem pelo corpo espaço físico escola, ou se é, não é
-
34
preocupante até o momento. Para isso, Geraldi (2002) faz uma reflexão acerca
do papel do professor em sala de aula quando diz que
“Cabe ao professor, ao impor a norma, que está relacio-
nada aos dialetos marcadores das classes dominantes,
silenciar os detentores dos dialetos marcados pela classe
ou origem de classes dos dominados”.(GERALDI, 2002,
p. 26, apud FIRMINO, 2011, p. 15).
O fato é que não se enxerga a reprodução do mundo dos favorecidos
dentro dos muros escolares. Utiliza-se, às vezes, linguagens que não são pró-
prias dos alunos. Privilegiam-se uns e outros não. A escola é responsável pela
aprendizagem escolar dos alunos, ou seja, é a base de conhecimento que o
indivíduo levará em sua vida. Por esses e outros motivos, Bagno (2002) afirma
que entre docentes e discentes há um autoritarismo linguístico, consistente no
fato de que professores sempre ditam a linguagem utilizada em sala de aula,
não procurando entender a individualidade do ser, mas procurando promovê-
los de forma vertical e homogênea, à vista disso, o professor contribui, tam-
bém, para o insucesso de grande parte do corpo discente escolar.
Fica claro, então, que é conhecido o fato de haver variação linguística
em território brasileiro, assim como em outros países. Destarte, é fundamental
entender que o papel da escola é, também, o de fazer o aluno aprender a
norma culta e usá-la em determinados contextos sociais como afirma Bagno
(2002), afinal a língua é uma forma de poder, de autoridade, assim, a escola e
o professor devem fazer o aluno entender a norma culta e as variantes provin-
das desta, pois cada grupo social possui suas realidades socioeconômicas
marcadas e distintas. Por isso
”A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísti-
cas. Os professores e, por meio deles, os alunos têm que
estar bem e conscientes de que existem duas ou mais
maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas for-
-
35
mas alternativas servem a propósitos comunicativos dis-
tintos e são recebidas de maneira diferenciada pela soci-
edade. Algumas conferem prestigio ao falante, aumen-
tando-lhe a credibilidade e o poder de persuasão: outras
contribuem para formar-lhe uma imagem negativa, dimi-
nuindo-lhe as oportunidades. Há que se ter em conta ain-
da que essas reações dependem das circunstâncias que
cercam a interação”. (BORTONI – RICARDO, 2005, p. 15,
apud FIRMINO, 2011, p. 18).
Ou seja, o que se quer é romper com esse modelo de autoritarismo
linguístico estipulado pela escolar e mostrar que os grandes problemas encon-
trados em sala de aula estão relacionados diretamente à linguagem utilizada e,
por isso, é necessário a escolar deixar de lado o fato de ignorar a prática de
linguagem trazida pelo aluno (que muitas vezes vem de comunidades linguísti-
cas cuja norma culta não é realidade presente) e aprimorar essa competência
linguística adquirida pelo ser em sua comunidade de convívio. Destarte, a es-
cola deixaria de promover o preconceito linguístico e a discriminação social.
Embora a escola seja o foco desse preconceito linguístico amplamente
discutido, o educador também precisa conhecer as variantes linguísticas e as
dinâmicas sociais relacionadas a elas, além da correlação com o ambiente e-
ducacional, para uma tentativa de amenizar o preconceito e a discriminação
social presentes em sala de aula.
“Essa conscientização é necessária para que as crianças
deixem de ser unicamente falantes de uma língua, a fim
de tornarem-se sujeitos inseridos em quaisquer contextos
de produção de falas”. (FIRMINO, 2011, p. 20).
Ainda que a escola não estimule tal atitude, é importante que os profis-
sionais de educação reconheçam os usos das variantes linguísticas, ensinem a
norma padrão visando o que já fora dito sobre o aluno entender que há mais
-
36
de uma forma de se falar sobre algo, respeite as diferenças linguísticas pre-
sentes no contexto escolar e sejam sujeitos agentes, junto com os alunos, no
aprimoramento do processo de aquisição da linguagem. Dessarte, o fracasso
escolar, assim como a evasão, poderiam ser números cada vez menores na
realidade escolar brasileira.
-
37
CAPÍTULO III
A CONCEPÇÃO DO MULTICULTURALISMO
... Toda cultura é um diálogo com seu tempo.
Vergílio Ferreira
Ao analisar-se a palavra cultura pode-se perceber que seu sentido va-
ria de acordo com o tempo e, sobre tudo, de acordo com as transições das
formações sociais.
Com o apoio de Bocock (1995), apresentam-se alguns significados de
cultura, a saber: a) o primeiro, data do século XV, onde o significado está liga-
do ao cultivo das terras, por exemplo, agricultura (do latim: agro (terra), cultura
(cultivo) = cultivo da terra); b) o segundo emerge no início do século XVI, em
que já há a ideia de cultura não só como cultivo de terras, mas também como
cultivo da mente humana.
“... fala-se em mente humana cultivada, chegando-se a
concluir que somente alguns indivíduos, grupos ou clas-
ses sociais apresentam mentes e maneiras cultivadas e
que somente algumas nações apresentam elevado pa-
drão de cultura ou civilização...” (BOCOCK, apud
CANEM; MORREIRA 2001, p.17-18).
Por isso, o significado utilizado, hoje, para cultura está tão relacionado
às artes e ao processo de separação de classes, pois só as classes mais altas
seriam capazes de apreciar boa música, literatura, teatro, filosofia, pintura etc;
c) o terceiro significado data do Iluminismo, Renascimento Cultural europeu,
movimento social em que a base é o antropocentrismo, ou seja, o homem co-
mo o centro do mundo, logo, está associado ao desenvolvimento social; d) em
quarto, destaca-se a palavra Culturas, indicando os diversos modos de vida,
-
38
valores, crenças e significados compartilhados por grupos sociais em diferen-
tes períodos históricos. Nota-se, assim, a inclinação para o termo utilizado na
atualidade como Multiculturalismo, uma vez que a quarta concepção já discute
as culturas dos diferentes grupos sociais. Para a última acepção já existe um
estudo mais apropriado, gerando impacto nas Ciências Sociais e no desenvol-
vimento da humanidade, pois deriva da Antropologia Social e faz referência a
significados compartilhados.
“...enfatiza a dimensão simbólica, o que a cultura faz, em
vez de acentuar o que a cultura é. Nessa mudança, efe-
tua-se o movimento do quê para o como. Concebe-se,
assim, a cultura como prática social, não como coisa (ar-
tes) ou estado de ser (civilização)...” (BOCOCK, apud
CANEM; MORREIRA 2001, p.19).
Consoante Bocock, apud Canem; Moreira (2001), entende-se que coi-
sas e eventos no mundo natural existem, contudo não apresentam sentidos
intrínsecos, ou apenas um sentido, pelo contrário, os significados são atribuí-
dos a partir da linguagem utilizada. Dessa forma, quando um grupo compartilha
uma cultura, compartilha um conjunto de significados construídos, ensinados e
aprendidos nas práticas de utilização da linguagem (Canem; Moreira, 2001).
Diante disso, observas-se que cultura e linguagem estão associadas à cons-
trução do ser social a quem chamamos de cérebro social, moldado de acordo
com o universo cultural vivenciado pelo indivíduo em construção.
Além disso, Canen e Moreira (2001) afirmam que:
“O multiculturalismo encontra terreno propício para se de-
senvolver no momento em que a cultura deixa de ser vista
como pertencendo a uma superestrutura ideológica, como
considerava o pensamento marxista, e passa a assumir
uma posição nuclear na própria infra-estrutura das socie-
-
39
dades contemporâneas.” (CANEM; MORREIRA 2001,
p.22).
Em observância ao exposto, compreende-se que a definição de cultura
transformou-se com o passar do tempo e também diante das mudanças soci-
ais ocorridas, principalmente, a partir do Iluminismo, em que se clarifica a ideia
de não apenas uma cultura, mas culturas compartilhadas por distintos grupos
sociais, ganhando, então, a concepção de múltiplas culturas convivendo entre
si, evidenciando as diferenças e discutindo-as.
3.1 – O que tem o multiculturalismo a ver com a escola?
Para Kincheloe e Steinberg (1997) o multiculturalismo não é algo que
se acredite ou com o qual se concorde: é um fenômeno, constituindo a inevitá-
vel condição de vida ocidental contemporânea, ou seja, definições conflitantes
de mundo social decorrentes dos distintos interesses econômicos, políticos e
sociais. Já em Educação, trata-se da contextualizar e compreender a produção
das diferenças.
A partir disso, temos em Canen (2001) que o multiculturalismo é pen-
sado como as datas especiais comemoradas pela sociedade como, por exem-
plo, o dia do Índio, a festa junina, o dia do soldado, o folclore, entre outros. Na
verdade, todas as datas mencionadas deveriam ser comemoradas todos os
dias. Não deveria haver dia específico para determinadas comemorações. A-
tualmente, isto é o princípio de multiculturalismo determinado pelo currículo
escolar vigente. Por outro lado, admitir o multiculturalismo significa contemplar
a cultura do outro; do outro que muitas vezes é desfavorecido. Como diz Silva
(1997), a cultura do outro pode significar dar voz à minoria cultural, por este
motivo, cala-se o outro com festas comemorativas em dias específicos. Não
obstante, é impossível atestar que um país com as proporções do Brasil é mo-
nocultural.
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O currículo educacional nada mais é do que um conjunto de experiên-
cias desenvolvidas em âmbito escolar, os saberes aprendidos e ensinados,
que se desdobram em torno de um conhecimento, depende da realidade sócio-
econômica do indivíduo e contribui para a construção do universo cultural do
aluno, ou seja, contribui com a construção da identidade cultural do estudante.
Compreende-se, por sua vez, currículo como um esforço pedagógico no intuito
de estabelecer, então, o desenvolvimento do conhecimento com intenções e-
ducativas em qualquer espaço que possa ser utilizado para educar pessoas,
ou seja, o ambiente familiar e o ambiente escolar.
Com o avanço no campo educacional, houve um progresso em relação
ao entendimento do que é um país multicultural. Quando há a reformulação do
currículo, há novas entradas acerca de outras culturas. Tal fato já mostra o
longo caminho que precisa ser seguido. Contudo, o multiculturalismo pensado
na atualidade, leva em consideração o universo cultural do aluno. Como pen-
sar em aprendizagem sem pensar na cultura, na vida, em toda a vivência que o
aluno traz consigo? Esta é um dos grandes questionamentos levantados pelos
estudiosos em multiculturalismo. Como apresentar para um aluno do nordeste
brasileiro, por exemplo, a cultura dominante em livros escolares que pregam as
famílias como brancas, olhos claros e cabelos loiros (Silva, 1997)? Será que
há, então, distinção cultural? Sim. Esta é a resposta retumbante dada pelos
estudiosos. Em detrimento das culturas menores, levanta-se uma cultura mai-
or, em que são apregoados os padrões determinados pela região Sudeste bra-
sileira.
A partir desses questionamentos e com o avanço no campo educacio-
nal por causa do currículo, hoje, as escolas começam a se preocupar com a
cultura que o aluno traz de sua casa, de sua comunidade, de seu círculo soci-
al, pois já o entendem como um ser social com um cérebro social formado an-
teriormente ao ingresso em ambiente escolar. Decerto, há outro agravante,
tratado mais à frente, que tange aos questionamentos sobre a linguagem esco-
lar, por haver a necessidade de entender se esse cérebro social multicultural
compreende a linguagem utilizada em sala de aula ou se é necessário que ou-
tras adaptações sejam realizadas.
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De posse dessas informações, a concepção do aluno passa a ser de
também de sujeito agente do processo de ensino – aprendizado, em que já
afirmava Freire (1997) que o aluno não pode ser um banco onde o professor
deposita seus conhecimentos. Pelo contrário, o professor precisa entender
que:
“O papel do educador no processo curricular é, assim,
fundamental. Ele é um dos grandes artífices, queira ou
não, da construção dos currículos que se materializam
nas escolas e nas salas de aula.” (MORREIRA;CANDAU
2007, p.19).
Exatamente por ser sujeito fundamental desse processo de cons-
trução dos currículos que os professores não podem ser como Paulo Freire
descreve quando menciona a educação bancária. (FREIRE, 1997). Ao saber
das inquietações acerca do multiculturalismo, esses profissionais precisam co-
locar essa prática no âmbito escolar. Não adianta ensinar aos alunos sobre o
dia do índio, se o índio faz parte da História e já é conhecido por todos, é pre-
ciso que o índio seja naturalizado em sala de aula e seja possível ao estudante
uma aproximação e/ou identificação com essa parte da cultura e realidade bra-
sileira. É necessário que se busque artifícios em outros meios que regem, aju-
dam e orientam a prática do currículo diversificado como, por exemplo, a LDB
(Lei de Diretrizes e Bases), as Diretrizes Curriculares Nacionais, além das pro-
postas curriculares estadual e municipal.
Cabe ressaltar que há uma relutância por parte dos educadores em
seguir o currículo atual, já que é considerado engessado e não contempla de
forma plena as necessidades multiculturais da sociedade brasileira. Essa e
outras razões já levantadas convergem para o cerne da questão entre multicul-
turas e espaço escolar. Saber lidar com algo que tenta naturalizar uma cultura
dominante sobre as outras, que visa a homogeneização dos alunos em espa-
ços escolares, que não contempla de forma ampla todos os saberes, mas ape-
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nas aqueles considerados mais necessários ao desenvolvimento da criança, é
motivo de inquietações e discussões.
Em suma, o multiculturalismo tem mais a ver com a escola do que se
imagina, uma vez que é um dos espaços responsáveis pela socialização do
aluno. Este mesmo aluno que traz consigo seu universo cultural, sua constru-
ção social, suas crenças, sua vida e deve aprender a conviver com cada uni-
verso cultural dos diferentes grupos sociais existentes, que por sua vez, tam-
bém trazem consigo outros saberes, outras influências e outras vivências que
serão compartilhadas com todos os outros grupos distintos, aprendendo, as-
sim, a conviver em sociedade.
3.2 – Origem e papel da escola: do currículo ao multicultura-
lismo
Pensar na constituição do currículo escolar no Brasil requer uma volta
ao passado para que se possa entender o panorama da época. Quando colo-
nizados pelos portugueses, o Brasil era uma vasta área, um imenso colosso a
ser desbravado. Os tempos passaram e os portugueses aqui se estabelece-
ram, porém, a formação da sociedade se deu de forma muito excludente. Os
filhos das classes abastadas estudavam em Lisboa ou Coimbra. Os filhos dos
pobres apenas conseguiam, quando conseguiam, serem alfabetizados. Dessa
forma, podemos perceber que a sociedade já era separada, nitidamente, por
classes sociais.
A sociedade foi evoluindo e escolas foram construídas em território
brasileiro, não sendo mais necessário que os filhos dos barões do café preci-
sassem estudar fora.
Resumindo, na política educacional o que está em jogo é a hegemonia
determinado por um Estado que prevê claramente a dominação. Essa hege-
monia leva em conta que os grupos dominantes considerem os interesses dos
grupos sociais sobre os quais a hegemonia será exercida (Gramsci, 1979).
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Sendo assim, a política educacional pretende suprir uma carência efe-
tiva. Esta carência nada mais é do que a exclusão escolar de uma grande par-
te do contingente das classes populares, ou seja, a classe popular não tem
acesso à cultura letrada. Tal quadro de inacessibilidade reflete na vida social,
no exercício da cidadania e até mesmo no mundo em que o indivíduo trabalha.
Entretanto, ao olhar-se pela ótica do Estado há uma enorme contradição, pois
o Brasil era chamado de “Brasil – Potência”, logo não havia como ser potência
se grande parte da população não possuía acesso à escola.
No período da Ditadura Militar, o Brasil experimentou um rumo na Edu-
cação muito curioso, pois ao observar os números divulgados pelo ex-Ministro
Jarbas Passarinho (1985), percebe-se que em 1971, 30% das crianças das
crianças de 7 a 14 anos não tinham acesso à escola; a esse quadro absurdo,
soma-se a dimensão assustadora da evasão escolar e da repetência. Em
1961, por exemplo, a cada mil crianças que entravam na 1ª série, menos da
metade (446) chegavam à 2ª série (Germano, 1993).
Diante dessa afirmação, fica claro quem são os excluídos do sistema
educacional: os pobres (negros, pardos, mulatos, índios, mamelucos e cafu-
zos), (Germano, 1993). Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística) de 1987, 59% da população analfabeta era constituída de
negros e pardos (cf. Folha de São Paulo, 1990: C – 3).
As informações, portanto, transparecem que o acesso à escola acom-
panha a distribuição de renda e da desigualdade social. Veja-se o quadro do
relatório do Banco Mundial, 1989:
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Nota-se que a tendência é inversa, 58,6% fazem parte da população
com até 2 salários mínimos e tem participação decrescente conforme o ensino
vai crescendo, enquanto que uma parcela mínima da população, 5,8%, possui
uma maior concentração de renda (mais de 10 salários mínimos) e o rendi-
mento escolar crescente nos anos de escolarização. De um lado, 4,5% da par-
cela mais pobre chegam ao ensino superior. Vale ressaltar o fato de 11,6%
ingressantes do 2º grau (hoje, ensino médio) assumir um importante dado para
a educação. Por outro lado, 46,8% da população com maior concentração de
renda chegam ao ensino superior.
Consoante as informações apresentadas, fica evidente que a relação
capital – trabalho exibe a realidade da ficção chamada de igualdade de oportu-
nidades educacionais, porque os mecanismos gerados da desigualdade não
foram mexidos e contam com o respaldo do Estado (Germano, 1993).
Em virtude desse abismo educacional entre as classes, o governo pro-
põe a reforma do ensino de 1º e 2º graus e cria o ensino profissionalizante, era
a época do “Milagre Econômico”. A lei 4.024/61 era quem fixava as diretrizes e
bases (LDB) da educação, todavia a lei de reforma do ensino de 1º e 2º graus
(lei 5.692/71) contrapunha a anterior, pois estendia o ensino de 1º grau para
oito anos. Nesse ponto, inicia-se os questionamentos acerca do currículo, pois
a parti do dia 1º de dezembro de 1971, o C.F.E. (Conselho Federal de Educa-
ção) fixou através da resolução de número 8 o que seriam as matérias de nú-
cleo comum: comunicação e expressão, estudos sociais e ciências, incluindo
matemática; ou seja, o C.F.E. especifica os tipos de disciplinas a serem minis-
tradas no ensino de 1º grau, reconstituindo a ideia que se tinha na lei 4.024,
levando a crer uma falsa inovação. A lei 4.024 previa o ensino de 1º grau em
menor tempo, não dispunha de especificações. Decerto, as supostas inova-
ções também adentrariam o cerne da reforma do ensino de 2º grau, por con-
seguinte, tem-se na lei 5.692/71, em seu art. 20 o objetivo da “formação inte-
gral do adolescente”, entretanto a estrutura didático-pedagógica prevê que haja
uma predominância da parte da “formação especial” (art. 5, §1º, alínea b). A-
lém disso, ainda no art. 5, §20, alínea a, determina que “a parte especial do
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currículo terá o objetivo de habilitação profissional para o 2º grau” (Saviani,
1987).
Nesse contexto, para Gramsci:
“...a escola de tipo profissional, isto é, preocupada em sa-
tisfazer interesses práticos imediatos, toma à frente da
escola formativa, imediatamente desinteressada. O as-
pecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de es-
cola aparece e é louvada como democrática, quando, na
realidade, não só é destinada a perpetuar as diferenças
sociais como ainda cristalizá-las... (...) cada grupo social
tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nes-
tes grupos uma determinada função tradicional, diretiva e
instrumental.” (Gramsci, apud Germano, 1993 p.175).
Ou seja, a escola técnica (profissionalizante) é de cunho imediatista e
segregadora social, porque perpetua e acentua as diferenças sociais, vem a-
penas para suprir uma demanda de mão-de-obra, anteriormente, não qualifi-
cada e que agora tem a oportunidade de qualificação profissional. O que
Gramsci defende ao final do texto é um ensino voltado para a preparação pro-
fissional futura, a fim de que o indivíduo possa escolher a própria profissão,
isto é, uma escola que seja preparatória para o ensino superior. Estas ideias
contrapõem o que se pretendia na reforma do ensino básico, que defendia a
obrigatoriedade do ensino profissional, expresso em:
“...faria com que um grande contingente de alunos pudes-
se sair do sistema escola mais cedo e ingressar no mer-
cado de trabalho. Com isso, diminuiria a demanda para o
ensino superior. A reforma do 2º grau, portanto, está dire-
tamente relacionada com a contenção do fluxo de alunos
para as universidades. Desse ponto de vista, ela assumia
uma função discriminatória, apesar do discurso igualitaris-
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ta e de generalização da ‘profissionalização para todos’.”
(Germano, 1993 p.176).
O que Germano quer destacar é que a reforma do 2º grau reforça uma
prática discriminatória contribuindo para a reprodução das classes sociais den-
tro do âmbito da educação. Para Bourdieu & Passeron (2008) a organização
escolar manteve o caráter de aparelho reprodutor das relações sociais já exis-
tentes. O que torna mais expressiva a ideia de Bourdieu & Passeron são as
palavras do ex-Ministro da Educação e Cultura, coronel Jarbas Passarinho
(1985):
“...a escola comum, a escola para todos, nunca chegou
entre nós a se caracterizar ou a ser, de fato, para todos .
A escola era para a chamada elite.” (Germano, 1993
p.177).
Mais uma vez, o que está em jogo é a manutenção das classes sociais
e não a ideia de ascensão social através do estudo. Quanto mais afastada a
classe social pobre estiver do ensino superior, melhor.
Não obstante, a profissionalização do ensino de 2º grau fracassou e
vários foram os motivos contribuintes para o fato, por exemplo, o custo de uma
aluno da escola profissionalizante era 60% maior que o aluno do antigo secun-
dário (Unicamp, 1987). O Brasil, ao optar por este tipo de educação profissio-
nalizante, fez uma opção retrógrada e adversativa ao contexto político do su-
posto Milagre Econômico, na década de 70. Portanto, estes e outros fatores
aliados ao problema do mercado de trabalho não ter conseguido absorver a
mão-de-obra, levaram o MEC (Ministério da Educação e Cultura) a redefinir a
questão do ensino profissionalizante. De obrigatório (lei 5.692/71) foi posto
mais ameno pelo Parecer da C.F.E. 45/72 (em que se pretendiam apenas as
“habilidades básicas”) e, além disso, outro Parecer (76/75) defendia que as
empresas deveriam complementar a formação genérica do futuro profissional
de acordo com suas necessidades.
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Em suma, em 1982 a lei 7.044 revoga a obrigatoriedade do ensino pro-
fissionalizante e o controle da formação profissional, antes em poder do MEC,
agora era atribuído aos órgãos competentes como, por exemplo, o SENAI
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) entre os anos de 1974 – 1976.
(Germano, 1993).
A partir da década de 90, começa-se a pensar no abismo existente en-
tre o saber disciplinar e o saber escolar, uma vez que o aluno não encontra
aplicabilidade no currículo pautado em décadas anteriores (currículo visto ape-
nas como conjunto de matérias), já que o ensino não possui relação direta com
a realidade do aluno. Por essa ótica, a escola é vista apenas como um local
para transmissão de conteúdos. É por isso que Paulo Freire (1997) critica a
“educação bancária”.
Em 1996, surgem os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) em que
a ideia de “Temas Transversais” pretende aproximar a realidade do aluno à
escola. Os PCN propiciariam aos sistemas de ensino os subsídios necessários
à elaboração ou re-elaboração do currículo, visando à contenção de um projeto
político-pedagógico em função da cidadania do aluno, contudo, o grande furo
dos PCN foi estabelecer um padrão de ensino, já que padronizar é desconside-
rar a existência das diferenças regionais.
Com o passar dos anos, os documentos foram alterados, modificados,
todavia persistem os fantasmas da origem e papel da escola. Os PCN não de-
veriam ser vistos como coleção de regras das quais o professor deve se utilizar
ou não. Deveriam servir de referência para a transformação dos objetivos, con-
teúdos e didática do ensino, garantindo a adequação do currículo ao universo
cultural do aluno. Muito pelo contrário, como os PCN não fornecem essa ade-
quação, são os professores quem dançam em sala de aula para que, de forma
mínima, o aluno veja sentido e aplicabilidade no que está aprendendo.
Dentro dessa ótica, o espaço escolar ainda hoje é visto como um proje-
to que pretende a homogeneização cultural e política de um grupo social, para
que houvesse a ideia da formação de uma Nação, onde o currículo atuará de
forma forte, como dito em:
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“... as escolas contribuírem para que os seus alunos pos-
sam contatar e apropriar-se de uma parte significativa do
patrimônio cultural que é entendido como necessário para
se afirmarem como pessoas no mundo e nas sociedades
contemporâneas (...) um conjunto de informações, instru-
mentos, procedimentos, atitudes e valores, o qual é um
objeto não só de consensualização política mas também,
de um processo de validação cultural suficientemente exi-
gente e capaz. Será esse patrimônio que estará na ori-
gem da construção dos currículos escolares...”
(TRINDADE e COSME, 2010 p.21).
Por esse viés, o papel dominante da escola é como condensante de
pensamento porque:
“... Por outro lado ainda, aqueles que antes de entrar na
escola (as crianças) eram peritos em questionar os alunos
(frequentemente de forma embaraçante) passam a ser
desencorajados de o fazer e convidados a aprender
respostas, para questões que, também com
frequência, não lhes interessam” (CANÁRIO, apud
TRINDADE e COSME, 2010 p.21).
Atrela-se a isso o fato de haver um projeto político-pedagógico pautado
nos PCN que preveem a construção de um currículo rígido (como já mencio-
nado), que ajuda na criação de estereótipos (traços caracterizadores de deter-
minados grupos sociais), legitimando uma hegemonia cultural, uma vez que as
relações sociais e os valores culturais dominantes são também reproduzidos
nos espaços escolares (Paula, 2010).
A referida situação remonta aos pensamentos elencados linhas acima,
de que a escola:
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“... a escola é vista como a instituição que tem a missão
de promover a unidade nacional através da transmissão
de conteúdos unificados, de valores culturais e morais. O
poder público via na educação a força civilizadora funda-
mental para a construção do consenso na formação do
Estado.” (PAULA, 2010 p.17).
Esta não é de longe a função da escola defendida por Paulo Freire
(1997) quando apresenta um ideal de escola redentora capaz de formar cida-
dãos aptos a viver em sociedade; capaz de resolver dilemas sociais, igualar as
classes sociais e promover a formação intelectual do aluno, como corrobora
Oliveira (2003, p. 112):
“Entende-se que é papel da educação desnaturalizar os
lugares sociais ocupados pela população como herança e
educar para que se estabeleça uma relação horizontal en-
tre os homens em busca de igualdade.” (OLIVEIRA, apud
PAULA, 2010 p.17).
Ao trazer as ideias dos PCN mais uma vez, vê-se que diante da rigidez
do currículo é quase impossível alcançar o ideal de formação intelectual do
aluno, visto que a ele é transmit
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