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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
DO LEDOR AO LEITOR:
Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental
Tese apresentada ao Curso de Estudos da Linguagem/ Aquisição de Língua Materna, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a obtenção do título de doutor.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Coimbra Guedes
LIDIA MARIA GONÇALVES
PORTO ALEGRE, SETEMBRO de 2004
LÍDIA MARIA GONÇALVES
DO LEDOR AO LEITOR:
Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental
Tese apresentada ao Curso de Estudos da Linguagem/ Aquisição de Língua Materna, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a obtenção do título de doutor.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Coimbra Guedes
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
PORTO ALEGRE
2004
DEDICATÓRIA
Dedico esta tese:
à comunidade que tornou esse estudo etnográfico
possível,
especialmente ao corpo discente, docente e
administrativo da escola investigada,
por suas contribuições para o meu desenvolvimento
pessoal e profissional.
Dedico essa tese, também, aos meus alunos:
àqueles que já tive,
aos que tenho
e aos que terei,
por eles embrenhei-me nessa jornada intelectual.
AGRADECIMENTOS
Aos professores, colegas e funcionários do Curso de
Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, pelo incentivo constante e
destaco as importantes contribuições ofertadas na
qualificação, como também a paciência e firmeza do
meu orientador.
Aos colegas e alunos do Departamento de Letras
Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de
Londrina, pelo apoio diário.
Aos meus pais, por todo amor que me dedicam e
pelas orações que fazem por mim. E, à Santíssima
Trindade, por todos os excelentes companheiros de
jornada que a providência divina colocou em meu
caminho.
Os anos não passam apenas porque os relógios não
param, porque o sol não se cansa ou porque as estrelas
adormecem. Não é uma simples sucessão de minutos,
nem serve apenas para formar lembranças, ou trazer
saudades. Eles passam para que se possa compreender
cada vez mais a nós mesmos e, principalmente, para que
se aprenda a ouvir e entender nossos semelhantes.
(Mensagem de autoria desconhecida e impressa em
um cartão recebido em 08-09-2000, no meu 1o.
aniversário gaúcho, e que elegi como epígrafe desse
trabalho de características autobiográficas.)
Título: DO LEDOR AO LEITOR: Um estudo de caso sobre as insuficiências na utilização do jornal em sala de aula no ensino de Língua Portuguesa em turmas do último ano do ensino fundamental Autor: GONÇALVES, Lidia Maria
RESUMO
Esta pesquisa destina-se a descobrir as razões mais profundas do malogro do Projeto Cidadania com relação à finalidade para a qual foi criado: proporcionar ao ambiente escolar a leitura regular do jornal em sala de aula. O projeto também cumpriria outra finalidade importante, a de pôr em prática o que preconizam os PCNs quanto à adoção de temas transversais no ensino. O ambiente de pesquisa instala-se numa situação de insuficiência que somente se explica pelo modo como os agentes envolvidos vêm seu papel e representam, para si próprios, os resultados de que poderiam desfrutar. A abordagem, passa, então a ganhar contornos de natureza institucional além do aspecto lingüístico de que se reveste. O trabalho mostrou que embora de utilização tímida, o jornal é um recurso que tudo tem para consolidar-se na finalidade descrita. Sobretudo porque há uma predisposição discursiva favorável. Essa predisposição somente será aproveitada se associada à idéia de alteração de um perfil de aluno ledor para um perfil de aluno leitor. O grupo de alunos pesquisados tenderia, pelo que os dados demonstram, a ajudar nesse processo em seu próprio benefício. È indispensável, no entanto, uma percepção acerca dos fatores que funcionam como obstáculo e que são de natureza vincular. Palavras-chave: Estudo etnográfico, formação do leitor; jornal na sala de aula.
ABSTRACT
This research is aimed at discovering the deepest causes of the failure of the Citizenship Project relative to the purpose for which it was established: provide the school environment with regular classroom reading of newspaper issues. The project was also to accomplish another important goal, the one of putting into practice the PCN provisions as to the adoption of transversal themes in teaching. The research environment is found amid insufficiencies which are explained only by the way the involved agents see their own role in the process and represent to themselves the results they could enjoy. The approach starts to become one of an institutional nature beyond the linguistic aspects it implies. The study showed that in spite of reduced utilization, the newspaper is a resource that could be firmly consolidated for the described purposes. This is also true because of a favorable discourse predisposition. Such predisposition will only be of benefit if associated to the idea of change in the student profile from a reader of words to a reader of concepts. The student group researched, as data collect suggest, will tend to work on their own help in the process. It is indispensable, however, that a perception of the obstacle factors, which are of a linking nature, be developed.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................1
1.PROJETO ‘CIDADANIA’ – JORNAL NA ESCOLA ........... .....................................7
2. O JORNAL NA SALA DE AULA: OUTROS PROJETOS E PUBL ICAÇÕES......34
2.1. JORNAL COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO ..........................40
2.2 EXEMPLOS DE PROJETOS QUE LEVAM O JORNAL À SALA DE AULA ........44
3. DO LEDOR AO LEITOR: UMA FORMAÇÃO TORTUOSA....... ...........................56
3.1 ANALFABETISMO E ILETRISMO.......................................................................58
3.2 UM BREVE HISTÓRICO DA DIDATIZAÇÃO PARA A LEITURA NO BRASIL....60
3.3 A FORMAÇÃO DO LEITOR: CONTRIBUIÇÃO DOS PCNS ...............................63
3.4 O PAPEL DO JORNAL NO PROCESSO DE LETRAMENTO.............................73
3.5 ADAPTAÇÕES DE PROCEDIMENTO................................................................85
4 ANÁLISE INSTITUCIONAL ............................ .......................................................88
4.1 ELEMENTOS PARA INTERPRETAR A INSTITUIÇÃO ......................................88
4.1.1 VISUALIZAÇÃO DA IDENTIDADE...................................................................96
4.1.2 ESTIGMAS.......................................................................................................99
4.1.3 TEMPO MORTO ............................................................................................101
4.1.4 CONTRADIÇÕES ..........................................................................................102
4.1.5 COBRANÇAS EXTERNAS ............................................................................104
4.1.6 INTERPRETAÇÃO OFICIAL ..........................................................................107
4.1.7 DOMÍNIO INSTITUCIONAL ...........................................................................110
4.2 ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO.........................................112
4.3 O PROBLEMA ENVOLVE MOTIVAÇÃO E DISCIPLINA ..................................133
5 ANÁLISE ETNOGRÁFICA .............................. ....................................................142
5.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO ETNOGRÁFICO .......................................143
5.2 A IDENTIDADE DA ESCOLA MARCO..............................................................148
5.2.1 DOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................148
5.2.2 DOS RECURSOS INVESTIGATIVOS............................................................149
5.2.3 DOS OBJETIVOS DAS ENTREVISTAS ........................................................151
5.2.4 DOS OBJETIVOS DOS DEMAIS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO ..............152
5.2.5 DA METODOLOGIA DE PESQUISA DO TIPO ETNOGRÁFICO E INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS ........................................................153
6 DOS RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO.............. ...................................156
6.1 CONDICIONANTES LOCAIS............................................................................156
6.1.1 BREVE PERFIL DA CIDADE .........................................................................156
6.1.2 PERFIL DO DISTRITO...................................................................................158
6.1.2.1 RENDA PER CAPITA..................................................................................158
6.1.2.2 ÊXODO RURAL ..........................................................................................158
6.1.2.3 TRANSPORTE ............................................................................................159
6.1.2.4 CORREIO....................................................................................................159
6.1.2.5 TELEFONIA ................................................................................................160
6.1.2.6 LUZ E A COPEL..........................................................................................160
6.1.2.7 ÁGUA ..........................................................................................................161
6.1.2.8 SEGURANÇA..............................................................................................161
6.1.2.9 SAÚDE ........................................................................................................161
6.1.2.10 HABITAÇÃO..............................................................................................162
6.1.2.11 ECONOMIA ...............................................................................................162
6.2 PERFIL DA ESCOLA MARCO ..........................................................................163
6.2.1 PERFIL DA ESTRUTURA FÍSICA .................................................................163
6.2.1.1 DO QUADRO FUNCIONAL.........................................................................163
6.2.1.2 DA SECRETARIA ESCOLAR .....................................................................164
6.2.1.3 DA LIMPEZA DO ESPAÇO FÍSICO ............................................................164
6.2.1.4 DA BIBLIOTECA .........................................................................................165
6.2.1.5 DA CANTINA ESCOLAR.............................................................................166
6.2.1.6 O AMBIENTE ..............................................................................................167
6.2.2 PERFIL DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVO-PEDAGÓGICA .....................170
6.2.2.1 PROCESSO PARTICIPATIVO NA GESTÃO ESCOLAR ............................170
6.2.2.2 RIGOR NO PLANEJAMENTO ....................................................................171
6.2.2.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO ........................................................173
6.2.2.4 DA APM E CONSELHO ESCOLAR ............................................................174
6.2.2.5 DO USO DA TV E DO VÍDEO .....................................................................175
6.2.2.6 PAPEL DO CONHECIMENTO DO PROCESSO HISTÓRICO....................177
6.3 PERFIL DOS GESTORES ESCOLARES .........................................................181
6.3.1 DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DE LEVANTAMENTO HISTÓRICO E OBSERVAÇÃO ...............................................................................181
6.3.2 INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DOS SUJEITOS ...............................191
6.3.2.1 RELAÇÃO COM A COMUNIDADE .............................................................191
6.3.2.2 RELAÇÃO COM A ESCOLA .......................................................................193
6.3.2.3 CAUSAS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM...............................193
6.3.2.4 MOTIVAÇÃO PROFISSIONAL ...................................................................195
6.4 PERFIL DOS PROFESSORES.........................................................................196
6.4.1 OS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM .....................................196
6.4.2 DO PLANEJAMENTO QUINZENAL...............................................................202
6.4.3 DA AVALIAÇÃO DO ALUNO .........................................................................202
6.4.4 INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DOS SUJEITOS ...............................203
6.4.4.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DAS DOCENTES ......................................203
6.4.4.2 RELAÇÃO DOS PROFESSORES COM A COMUNIDADE ........................205
6.4.4.3 RELAÇÃO DO PROFESSOR COM A ESCOLA .........................................207
6.5 PERFIL DOS ALUNOS E DE SUAS FAMÍLIAS ................................................211
6.5.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS MORADORES DO DISTRITO .............211
6.5.2 RELAÇÃO DOS ALUNOS E FAMILIARES COM A COMUNIDADE ..............216
6.5.3 RELAÇÃO DOS ALUNOS E SEUS FAMILIARES COM A ESCOLA .............218
6.5.4 RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO .................................................................218
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ....................................................228
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ..............................................248
ANEXOS .................................................................................................................256
1
INTRODUÇÃO
Sendo as práticas de leitura e de escrita construtoras de
competências que se utilizam para além dos limites da escola, sua abordagem,
como objeto de pesquisa e de aperfeiçoamento de metodologias, importa como
investigação de alta prioridade. Por envolver aspectos ligados às noções de
motivação, seu estudo ultrapassa as abordagens de natureza lingüística e clama por
uma interdisciplinaridade que requer outra ordem de cuidados. Ou seja, as
abordagens lingüísticas dão conta apenas de uma parte da questão, uma vez que
para alcançar os fatores de motivação, não se devem deixar escapar vínculos de
natureza individual e institucional. Uma fundamentação para coleta e análise de
dados, nessa condição, deve conter elementos que funcionem de modo
complementar e mutuamente cooperante.
A crise da leitura (e com ela também a da escrita) é preocupação
permanente dos envolvidos em educação, tanto daqueles que participam da
formulação de políticas como os que se dedicam às atividades em sala de aula, aos
estudos e às pesquisas. Aqueles mais diretamente envolvidos com o cotidiano do
ensino proclamam incessantemente a “crise na escola”, por sua completa
incapacidade de formar leitores. Sai-se das etapas dos ensinos fundamental e
médio, em grande número de situações, sem a menor capacidade de ler para além
das palavras e um quadro muito mais grave se insinua: sem o menor interesse de
resgatar, via desenvolvimento do gosto pela leitura, essa competência nas etapas
subseqüentes.
2
O problema em que proponho focar minha investigação situa-se
numa rede de questões encadeadas: a transformação de um aluno que lê somente
palavras e frases num aluno que enxerga conceitos veiculados pelos textos
depende, dentre outros fatores, de trabalhar-lhe o interesse. Para lograr tal objetivo,
são indispensáveis uma ação de acompanhamento com domínio de metodologias e
a capacidade de monitoramento dos resultados e das ações educativas envolvidas.
Para executar esses procedimentos, são necessários recursos, sobretudo a
disponibilidade de materiais que oneram a atividade. Facilmente enunciável, esse
encadeamento pode dar a impressão de extrema simplicidade. Trata-se do inverso,
no entanto: o processo é de alta complexidade, tamanha é a implicação dos fatores
nele presentes.
Proponho-me a compreender essas questões a partir de uma
tradução: trabalhar interesse significa dotar a sala de aula de uma capacidade de
atrair e motivar o aluno a nela permanecer trabalhando em favor de seu próprio
desenvolvimento futuro. Por domínio de metodologias, indico a exploração de temas
transversais para o ensino de língua portuguesa conforme enunciadas nos PCNs.
Por obtenção de recursos, vejo o resultado a esperar pelo uso do jornal na sala de
aula conforme contido na proposta do Projeto ‘Cidadania’ promovido pelo Jornal
Folha de Londrina junto às escolas de abrangência do município.
Destinado a constituir-se em oportunidade de estimular a leitura num
sentido mais amplo e consolidá-la na sala de aula como atividade específica, o
Projeto ‘Cidadania’ do Jornal Folha de Londrina visa suprir a escola participante com
exemplares de jornal, assim resolvendo a uma importante lacuna no que se refere
ao acesso a recursos e materiais. Evidencia-se nesse fato, uma primeira modalidade
de vínculo institucional. Ao longo de sua implantação, o projeto não ganhou o vigor
3
que merecia, estando atualmente em vias de dissolver-se. O sentimento de
frustração diante desse malogro fez surgir esta pesquisa, no sentido de buscar-lhes
as causas. Algumas ressalvas são necessárias, no entanto.
Uma primeira formulação poderia configurar-se: se o recurso é
tornado disponível e deixa de ser uma barreira a transpor, resta saber o que ocorre
do ponto de vista do domínio de metodologias. Ou seja, o professor possui o jornal
em mãos, e o que indica que efetivamente sabe com ele trabalhar? Se deixa de
utilizar por não saber trabalhar, o fato de não procurar instrumentalizar-se tem
implicação em sua própria motivação. Se substitui o uso do jornal (que como se
verifica está na escola em condição especial: foi doado) por outra atividade, é
louvável que não se deixe a lacuna. Todavia, são os resultados à altura de substituir
o uso do jornal em sala de aula? Que opinião se pode desenvolver sobre o fato de
um recurso devidamente disponibilizado ser deixado de lado? Outra pergunta, e
essa mais direta e grave: o professor de fato realiza alguma atividade formadora de
leitores no lugar do jornal?
Ora, se um material é tornado disponível e não é utilizado, há
causas que devem ser identificadas na motivação dos agentes envolvidos. Sem
compreender os vínculos que desenvolvem com este material, com sua finalidade,
com os benefícios que dele podem auferir, e sem, por outro lado, confrontar essa
percepção com aquela do sistema fomentador (a escola mais diretamente e a
legislação de modo mais amplo), qualquer revelação será superficial.
Levantar o discurso professado pelas partes envolvidas configura
uma abordagem institucional. Que é preciso aprimorar o manejo do jornal por parte
de alunos e professores, para que haja a utilização do mesmo nas atividades
realizadas na sala de aula, e isso se dê como prática costumeira (não
4
eventualmente), não se costuma negar. Efetuá-la, no entanto, e fazer do acesso aos
jornais um efetivo recurso a tirar proveito para um trabalho pedagógico, torna
indispensável aprender com o esvaziamento de um projeto que tudo tinha para
funcionar.
A pergunta de problema nesta pesquisa deve ser vista em seus
desdobramentos. Se o ponto de partida for a questão “Por que malogra o Projeto
‘Cidadania’ destinado a suprir as salas de aula com exemplares de jornais?”, a
resposta pode ser apontada de imediato: “ - Porque não se utiliza efetivamente e
não são programadas atividades com o jornal em sala de aula.” Ou seja, o recurso é
tornado disponível, porém não é levado a seu verdadeiro destino. Essa razão cabal,
facilmente insere, no processo, uma simplicidade enganosa. A armadilha começa a
se desfazer quando se acrescenta uma questão que deve se subordinar à primeira:
“De que modo, no ambiente pesquisado, é possível buscar a transformação do perfil
de leitura dos atores nele envolvidos e, neste sentido, que direção imprimir aos
fatores predisponentes encontrados?”
As hipóteses podem ser formadas a partir da idéia de que conhecer
o mencionado perfil de leitura ajuda a descobrir as causas procuradas, e de que a
ampliação dos dados desse perfil com a inclusão dos vínculos motivacionais e
institucionais fornece um quadro capaz de apontar caminhos para solução.
Assim sendo, esta tese tem, como objetivo geral , o propósito de
contribuir para “identificar as correlações entre os perfis de leitor e ledor com a
formação de hábitos de leitura”. Para tratar do Projeto ‘Cidadania’, adota, como
específicos :
5
- Levantar as causas determinantes, no ambiente estudado, do
insucesso de um projeto voltado a supri-lo com recursos para
leitura de jornal em sala de aula.
- Conhecer, no interior do discurso expresso pelos envolvidos, e
em seus respectivos perfis de vinculação social e institucional,
os fatores não adequadamente trabalhados no sentido de
construir o perfil de leitor necessário ao sucesso do Projeto
‘Cidadania’.
- Criar um instrumento que sirva de parâmetro para averiguação
da realidade em outras escolas atendidas pelo Jornal (promotor
do Projeto) na Educação.
Ao longo de minha experiência, passei a atribuir as insuficiências na
utilização do jornal em sala de aula (que deveriam funcionar como recurso para
empregar os temas transversais, no ensino de Língua Portuguesa), como ligadas
tanto a questões lingüísticas quanto a questões institucionais. Nenhuma utilidade
teria o suporte institucional (material de leitura suprido) se não há conhecimentos
lingüísticos para tirar proveito desse suporte (transformar ledor em leitor). Da mesma
forma, não é suficiente ter o conhecimento lingüístico para a formação de leitores
sem que a base institucional dê conta do relacionamento entre docentes e discentes
e de ambos com o material que lhes é oferecido.
Perde-se, com a possível supressão do Projeto ‘Cidadania’, uma
importante fonte para o contato com os temas transversais e mantém-se ainda
6
extensa a distância que separa o aluno de um estímulo mais potente em direção a
formar um hábito mais sólido de leitura e dela fazer uma prática regular. A conexão
entre a idéia de ledor e leitor tem o objetivo de verificar se a teoria veiculada pelos
PCNs (sobre leitura, leitura de jornal e trabalho com os Temas Transversais) estaria
sendo viabilizada na sala de aula e se, na prática, o jornal estará contribuindo para a
formação de leitores críticos e conscientes dos seus direitos e deveres de
‘Cidadania’.
Este trabalho é apresentado em seis capítulos, sendo no primeiro
apresentado o Projeto ‘Cidadania’ com histórico, objetivos e situação atual. O
segundo capítulo apresenta e discute os estudos e pesquisas encontrados a
respeito da utilização do jornal em sala de aula. O terceiro capítulo discute a
formação do perfil de leitor tendo como fundamentação a literatura sobre lingüística
aplicada e proposições teóricas existentes no interior do conceito de letramento. O
quarto capítulo introduz, em sua primeira parte, estudos de base institucional tendo
como núcleo, as abordagens de ajustamento e motivação desenvolvidas por Erving
Goffman e outros autores. No quinto capítulo são discutidos os procedimentos de
pesquisa etnográfica com os quais foram elaborados os instrumentos e levantados
os dados cuja análise se realiza no capítulo seguinte. O ambiente da pesquisa é
uma escola distrital no Norte do Paraná que aqui será designada pelo codinome
MARCO.
7
1. PROJETO ‘CIDADANIA’ – JORNAL NA ESCOLA
O Projeto ‘Cidadania’ é desenvolvido pela Folha de Londrina,
empresa jornalística sediada no município de Londrina (norte do Paraná), jornal que
circula em outros municípios e estados sob a identificação de Folha do Paraná. O
projeto consiste em distribuir jornais "quentes", ou seja, o exemplar do dia para as
escolas municipais conveniadas. Essas escolas recebem gratuitamente exemplares
do jornal num dia determinado da semana: atualmente é toda quarta-feira; já foi nas
quintas, terças, nas segundas-feiras e agora retornou para as quartas-feiras. Os
custos são subsidiados pela empresa jornalística (que vende o jornal com desconto
próximo aos 50%), pelas prefeituras municipais que se ligarem ao projeto e por
empresas da região que se interessarem em patrocinar as escolas participantes a
fim de que, para elas o jornal chegue gratuitamente. Como contrapartida, esses
patrocinadores obtêm o direito de divulgação desse patrocínio pelo jornal e/ou
através de menções em cartazes ou placas anexadas nas escolas beneficiadas, o
que os beneficia em termos de imagem pública junto à comunidade.
Utilizar o jornal para o desenvolvimento de atividades pedagógicas
pode funcionar como recurso para promover o resgate da ‘Cidadania’, o que é
objetivo destacado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs, documento
oficial do MEC, publicado em outubro de 1997 e que estabelece os rumos desejados
para o ensino fundamental no Brasil. Afinal, a leitura dos assuntos de interesse
público que são veiculados por um jornal diário de bom padrão editorial pode
incentivar os alunos a participarem dos assuntos da comunidade e se
conscientizarem sobre problemas atuais e relevantes que, por sua natureza, se
8
encaixam no que os PCNs definem como temas transversais. São aqueles temas
que devem ser enfocados em todas as áreas de ensino e, por esse motivo,
requerem que haja, nas escolas, dentre outros, materiais de leitura dos assuntos do
cotidiano.
Ao ser iniciado em 1994, o Projeto ‘Cidadania’, da Folha de
Londrina, projetava, como público-alvo, 2.875 alunos da rede municipal de ensino
matriculados em turmas de 4ª a 8ª séries. Este total de alunos seria formado pelos
956 alunos da zona rural, matriculados na 8ª série, o que correspondia a 100% dos
alunos matriculados nesta série em escolas dos distritos, e por 1.919 alunos de 4ª
série que freqüentavam escolas urbanas atendidas pelo Projeto ‘Cidadania’ (o que
na época correspondia a 55 % do total de alunos matriculados nesta série), segundo
relatório da Secretaria Municipal de Educação, da Prefeitura Municipal de Londrina,
assinado pela Professora Olinda Rosa Ribas, então assessora técnico-pedagógica
de Língua Portuguesa.
Cada aluno recebia um exemplar semanal, portanto a empresa
jornalística entregava 2.875 exemplares semanalmente nas escolas participantes do
projeto. Além disso, no primeiro ano do ‘Cidadania’, também os professores
participantes do projeto receberiam uma assinatura anual da Folha de Londrina,
sendo a entrega do jornal feita diretamente em seu próprio domicílio. O benefício
seria concedido a 80 professores, sendo 60 das escolas da área urbana e 21 da
área rural, apenas durante o primeiro ano do projeto.
Algumas empresas se comprometeram em patrocinar o Projeto e de
fato o fizeram. Apesar da otimista previsão inicial de atender 2.866 alunos e 80
professores de 80 escolas no ano de 1994, o Projeto Folha ‘Cidadania’: Jornal na
9
Escola atendeu nove escolas da rede, 24 professores e 1.068 alunos, conforme o
documento supra-mencionado (PML,1995).
Quando a Folha de Londrina, no início de 1994, através de seu
Departamento de Marketing, procurou a Secretaria de Educação de Londrina para
propor o Projeto ‘Cidadania’, projetos similares eram desenvolvidos por vários jornais
brasileiros como a Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Zero Hora,
entre outros. O diferencial é que os programas desenvolvidos no Brasil até então
trabalhavam com o "jornal frio", jargão do meio jornalístico para designar o encalhe,
a sobra de periódicos anteriores, enquanto que a proposta local era a de seguir os
moldes de um projeto já desenvolvido na Argentina pelo periódico "El Clarim" e
utilizar "jornal quente" do dia e não de edições passadas, pois notícias velhas
despertam menor interesse de leitura.
O programa de parceria entre a empresa jornalística e a rede
municipal de ensino previa que a Folha de Londrina periodicamente faria matérias
divulgando o Projeto e o nome dos patrocinadores; essas matérias são divulgadas
até hoje - cada vez com uma freqüência um pouco maior - e acabam funcionando
mais como marketing do jornal do que como canal de divulgação das atividades
desenvolvidas a partir da utilização do jornal na escola. Exemplificando, o jornal vai
às escolas conveniadas, fotografa alunos e professores, publica o texto dizendo que
aquela escola X é beneficiada com o Projeto e alguns depoimentos que confirmam
que a proposta é enriquecedora. Algum tempo depois repete a matéria, agora na
escola Y. Essas reportagens contribuem para a divulgação do Projeto entre os
membros da sociedade leitora da Folha de Londrina, mas não contribuem para que
de fato professores e alunos utilizem o jornal na escola (superem as dificuldades
10
metodológicas e de motivação), já que apenas os aspectos positivos/idealizados são
divulgados.
Até 2001, o Projeto ‘Cidadania’ não dispunha de páginas reservadas
dentro do jornal; os mesmos eram distribuídos sem que linhas pontilhadas
definissem o que deveria ser lido e trabalhado em sala de aula. O jornal distribuído
nas escolas possuía o mesmo formato com o qual circulava nos outros dias da
semana.
A partir de 2002, a Folha ‘Cidadania’ passou a ocupar um espaço
editorial definido: um quarto de página em cada uma das editorias do jornal
apresentando um pequeno texto que resume o principal assunto que movimentou a
última semana em cada uma das editorias. Acompanham sempre fotos e links que
trazem um comentário adicional sobre a linguagem utilizada ou alguma curiosidade
que se deseja destacar sobre o tema delimitado. Além disso, o Projeto Folha
‘Cidadania’ divulga no caderno Folha2/página 4, experiências vividas com o jornal
nas escolas (somente as bem sucedidas) ao lado de uma coluna intitulada "Não
tropece na língua", assinada por Maria Tereza de Queirós Piacentini, autora dos
livros "Só Vírgula" e "Só Palavras Compostas", apresentando orientações
gramaticais.
O formato utilizado no projeto - esse espaço determinado em cada
editoria - visou buscar um visual atraente e um espaço no qual é utilizada uma
linguagem mais acessível ao jovem leitor, segundo o que declara o jornal. E
apresenta o depoimento da coordenadora pedagógica de uma escola londrinense de
ensino fundamental, parabenizando pela mudança:
Muitas vezes tentamos trabalhar com o jornal dentro da sala de aula, mas a forma como as matérias são escritas dificulta o entendimento dos alunos. Funcionava com um ou outro tema mais leve, mas quando o assunto era política ou economia, por exemplo, as crianças tinham muita dificuldade em acompanhar o tema. Isso não acontece
11
com a nova edição da Folha ‘Cidadania’, que se preocupa em localizar a criança dentro do contexto, de uma forma fácil e agradável.
O jornal não publicou pareceres contrários à nova formatação.
Pessoalmente acredito que esse novo formato apresenta aspectos positivos e
negativos. Inibe alunos e professores a percorrerem todo o jornal, pois já estão
previamente delimitados os textos a serem lidos na escola.
O desenho da tesoura que contorna as linhas pontilhadas que
circulam os textos restringe a liberdade do docente selecionar outras matérias para
recuso pedagógico adicional em suas aulas. No entanto, a página 4 da Folha 2,
dedicada aos relatos de experiências com o uso de jornal na sala de aula é
oportuna, pois motiva para a adoção do recurso e assim valida o investimento
financeiro realizado para que o jornal adentre as classes; trazer semanalmente
matérias sobre educação e sugestões para os professores de livros e sites considero
muito oportuno. Por sua vez, a coluna com questões gramaticais de pequena monta
considero desnecessária para um espaço especialmente dirigido à alunos do ensino
fundamental. E ao publicar essa coluna no dia em que o jornal é distribuído nas
escolas e na página principal da ‘Cidadania’ (a única inteiramente dedicada ao
programa) veicula a idéia que o moderno ensino busca rever, de que conhecer
esses detalhes gramaticais é estudar a Língua Portuguesa.
O Projeto ‘Cidadania’ apresentava, em seu documento inicial, um
único objetivo:
O Projeto Jornal na Escola tem como objetivo levar o jornal aos estudantes da rede municipal de ensino, principalmente aos mais carentes, incentivando sua participação nos assuntos da comunidade e promover o resgate da ‘Cidadania’.
12
Para a renovação da parceria entre a Folha de Londrina e a
Secretaria Municipal de Educação para o ano de 1995, quatro objetivos foram
estipulados:
• Valorizar o jornal como um importante veículo de comunicação,
utilizando-o sempre que necessário;
• Participar de discussões de assuntos diversos da atualidade, de
interesse comunitário, desenvolvendo-se, assim, no exercício da
‘Cidadania’;
• Conhecer, através de nossas visitas às empresas locais, a
interdependência entre os diversos tipos de trabalho, assim
como sua própria divisão técnica e espacial;
• Conhecer diversas matérias-primas, processos de
transformação industrial, e diversas tecnologias de produção.
Desses quatro objetivos pretendidos para o ano de 1995, os dois
últimos eram mais facilmente atingíveis, bastando agendar as visitas que cada
escola faria uma vez no ano. Sendo uma escola grande, como era o caso da escola
do atual município de Tamarana, que possuía 390 alunos envolvidos no projeto, era
preciso organizar várias visitas, dividindo os grupos em turmas de no máximo 40
pessoas. Evidentemente, isso envolvia recursos financeiros para transporte e
alimentação de alunos e professores; esses recursos estavam a cargo da Secretaria
de Educação que, em acordo com a escola, oferecia o transporte e cada escola
providenciava o lanche coletivo ou cada visitante levava o seu. Um outro documento
elaborado em 1995 pelo Grupo de Apoio Pedagógico da Secretaria de Educação
para justificar a renovação da parceria com o jornal menciona:
13
As refeições dos alunos e professores foram, na maioria das vezes, oferecidas pela Secretaria de Educação, porém, algumas escolas foram beneficiadas com refeições oferecidas por empresas patrocinadoras do projeto.
O documento não informa quais e quantas escolas receberam
refeições, qual a alimentação oferecida e quantas e quais empresas assim
procederam. No entanto, os dois primeiros objetivos apresentados envolvem muito
mais recursos e não apenas financeiros (para custos das assinaturas do jornal)
como, principalmente, recursos humanos. Não basta o empenho do(s) funcionário(s)
da Folha de Londrina responsável(is) pelo Projeto e das duas assessoras da
Secretaria de Educação (a de alfabetização e Língua Portuguesa) para tomarem as
providências burocráticas necessárias ao andamento das atividades. Os professores
e alunos das escolas envolvidas precisam de motivação e competência para
aproveitar o material jornalístico oferecido da melhor maneira possível, ou seja, para
inserir-se resgate da ‘Cidadania’ (como previa explicitamente o único objetivo do
projeto, em seu primeiro ano de execução).
Estes objetivos de visitas aos patrocinadores (que não estavam
previstos no ano anterior e foram realizados, e tornaram-se previstos e realizados
em 1995) foram descartados em 1996, não constando mais dentre os objetivos a
partir de então, apesar de continuarem sendo realizadas.
O programa firmado para a continuidade do Projeto ‘Cidadania’ no
ano de 1995, equivalente ao segundo ano de desenvolvimento do mesmo, previa
como estratégias para atingir os objetivos propostos, a realização de práticas
pedagógicas com todas as escolas envolvidas no projeto; exposições periódicas,
nas escolas, de trabalhos elaborados a partir das leituras de jornais; elaboração de
álbuns de classe, com trabalhos, notícias, redações; explorações dos jornais em sala
de aula, visando:
14
• Conhecimento da organização deste veículo de comunicação;
• Conhecimento dos vários tipos de textos e linguagens
apresentados num jornal;
• Aquisição de informações diversas;
• Análise crítica do material lido;
• Extrapolações para outras atividades decorrentes.
A par das quatro estratégias acima mencionadas, estavam previstas
duas outras: reuniões com empresários para ampliação de patrocínio e organização
de visitas às empresas da cidade. Essas "estratégias de marketing" foram previstas
e implementadas; por sua vez, as "estratégias didático-pedagógicas" foram previstas
e não suficientemente implementadas, contribuindo para o malogro no alcance
integral dos objetivos do Projeto ‘Cidadania’.
"O presente projeto será avaliado pelos alunos, professores e
demais envolvidos, através de reuniões e elaboração de relatórios" – previa o
planejamento do ‘Cidadania’ (PML, 1994). Solicitei à Secretaria de Educação uma
cópia desses relatórios e eles me entregaram pouquíssimo material para fotocopiar;
afirmaram que costumam solicitar às escolas cópia do trabalho desenvolvido com o
jornal para anexar na fundamentação do pedido de continuidade do programa, mas
que elas não enviam. Perguntei se não enviam porque não têm o que enviar, e
disseram que outra possibilidade é baixa estima com relação ao que produzem; não
considerarem o trabalho suficientemente expressivo para ser encaminhado à
Secretaria de Educação. Postulo que, como são mais de 70 escolas municipais, é
possível a existência de mais de uma causa para a mesma conduta.
Em 1996, as Assessorias de Alfabetização e Língua Portuguesa da
Secretaria de Educação de Londrina propõem uma mudança na distribuição dos
15
jornais. Nos anos de 1994 e 1995, a Folha de Londrina desenvolveu o Projeto
‘Cidadania’ junto à algumas escolas da rede municipal. Nesta fase, cada aluno das
4ª e 5ª séries das escolas ligadas ao Projeto recebia um exemplar do jornal, uma vez
por semana, podendo levá-lo para sua família. Na nova proposta de distribuição os
exemplares deixam de ser fornecidos a todos os alunos das classes envolvidas no
Projeto; os alunos passam a ter necessidade de ler o jornal em equipe, pois poucos
exemplares são fornecidos por turma, para que mais escolas passem a receber o
jornal.
Com essa mudança, as famílias também deixam de receber
semanalmente um exemplar do jornal, passando a ocorrer rodízio ou sorteio entre os
alunos para saber quem leva o jornal para casa. Também os professores de quarta
séries e os de língua portuguesa de 5ª a 8ª séries deixaram de receber o jornal em
sua residência, e esses exemplares passaram a ser enviados para as escolas: dois
exemplares para cada escola, sendo um destinado a direção e outro a todos os
professores. Assim, 925 exemplares passaram a ser enviados semanalmente para
atender a todas as turmas de 4ª e 5ª séries das áreas urbana e rural. Aumentou a
quantidade do público atendido, sem que isso representasse melhoria na qualidade
do trabalho desenvolvido, pois esta reformulação afetou apenas a quantidade de
jornais que foi redistribuída e cada turma passou a receber cinco jornais ao invés de
um exemplar para cada aluno.
Observem-se os números fornecidos pela Secretaria de Educação
de Londrina:
Quadro 1. Quantidade de público atendido pelo projeto ‘Cidadania’. Número de escolas e turmas contempladas; de alunos e professores atendidos; de exemplares distribuídos e de patrocinadores envolvidos.
T
16
ANO Nº ESCOLA
S
N° Turmas Contempladas
Nº ALUNOS
Nº PROF. Nº PATROC.
N° Exemplares/semana
1994 14 4
4ª e 5ª séries 1.068 33 5 1.068
1995 20 4
4ª e 5ª séries 2.070 45 5 2.070
1996 65 4
4ª e 5ª séries 4.350 309 7 925
1997 70 3
3ª, 4ª, 5ª, 6ª, e Ed. Jovens e
Adultos
5.605 321 3 2.412
1998 70 1
1ª a 8ª séries, Ensino
Supletivo e Ed. Jovens e Adultos
27.284 900 2 6.615
Como se vê, a empresa jornalística vem ano a ano ampliando o
número de escolas, de alunos, de professores e turmas contempladas, portanto em
termos empresariais não há o que se falar em malogro. Veja-se o total de
exemplares por ano, distribuídos municipais de Londrina:
17
Quadro 2. Ampliação do projeto ‘Cidadania’ de 1994 a 1998, nas escolas municipais de Londrina.
Ano 1994 1995 1996 1997 1998
Total de jornais distribuídos
41.652
42.912
23.909
225.888
257.985
Como podemos observar, no período de 1994 a 1998 o Projeto
expandiu-se; chegou a atender a todas as escolas municipais de 1ª a 4ª séries, além
das de 5ª a 8ª dos distritos e as escolas municipais que oferecem a Educação de
Jovens e Adultos. Foram 70 escolas e 27.284 alunos de toda a rede. E, o principal
patrocinador sempre foi a SERCOMTEL - Serviço de Comunicação Telefônica de
Londrina - órgão da autarquia municipal responsável pelo sistema telefônico de
Londrina.
No início de 1996, o Projeto foi interrompido por vários meses por
falta de patrocínio, pois a SERCOMTEL retirou o patrocínio dado até aquele ano, o
que levou o Departamento de Marketing da Folha de Londrina a buscar outras
parcerias. Em 1996, o Projeto ‘Cidadania’ voltou a funcionar já no início do último
bimestre, o que explica a causa do menor número de exemplares distribuídos
naquele ano.
Em 1997 o Projeto começou a contar com o patrocínio da NET
Londrina, uma empresa de TV por assinatura, que passou a assinar o mesmo,
juntamente com a Folha de Londrina e o apoio das empresas SELMI - MACARRÃO
RENATA e VASP. O Projeto ‘Cidadania’ Folha de Londrina - NET em 1997 ampliou
seu atendimento para a Educação de Jovens e Adultos - EJA.
Nessa época, o jornal encaminhou um relatório para a Secretaria de
Educação de Londrina informando que realizou entrevista com alguns participantes
18
do projeto (Quando? Com Quem? Onde? - não informaram) e foram as seguintes as
conclusões:
• A maioria dos alunos não tinha acesso a jornais e os que tinham não gostavam de ler, nem tinham curiosidade sobre os mesmos. Com a seqüência dos trabalhos, aprenderam a gostar e buscar assuntos de seu interesse e por conseqüência passaram a entrar em contato com assuntos adjacentes. A família toda acabou se envolvendo com o jornal, refletindo em mudanças comportamentais e melhoria de qualidade de vida.
• A maioria gostaria que o Projeto fosse extensivo às séries seguintes.
• Houve melhoria no rendimento escolar dentro da disciplina de língua portuguesa, em todas as suas formas de avaliação.
As conclusões a que o jornal chegou a partir da entrevista realizada
por sua própria iniciativa divergem parcialmente das conclusões a que cheguei a
partir da entrevista que realizei com alunos de uma escola participante do Projeto
(codinome Marco).
A terceira conclusão considero válida: a maioria gostaria que o
Projeto fosse extensivo às séries seguintes; ninguém apresentou resistência ao
Projeto, desejam a ampliação e implementação do mesmo. Porém, dos 40 alunos
entrevistados, apenas 28 estabelecem relação entre a leitura do jornal e o
desempenho em Língua Portuguesa, 12 alunos afirmaram que o seu desempenho
em Língua Portuguesa não tem relação com a leitura do jornal. Destes 12 alunos, 5
dizem não conseguir identificar a relação entre leitura de jornal e ensino de Língua
Portuguesa, outros 5 afirmam que o desempenho não é melhorado devido à baixa
freqüência da leitura de jornal em sala de aula e 2 reconhecem que o fato de não
gostarem de ler interfere no desempenho de Língua Portuguesa.
19
Quanto à segunda conclusão, considero-a improcedente. Não
constatei que houve melhoria no rendimento na disciplina de Língua Portuguesa a
partir dos textos produzidos pelos alunos das 8ª séries da escola MARCO, atendidos
há 10 anos pelo Projeto ‘Cidadania’, se comparados a produção de textos de outras
turmas de 8ª série de escolas da zona rural de Londrina nas quais lecionei. Pelo
contrário, os problemas com o plano de expressão (adequação às normas
gramaticais) foram além do esperado em turmas desse nível de escolaridade.
Com relação à primeira conclusão, a mesma é verdadeira apenas
em parte. É verdade que a maioria dos alunos não tinha acesso a jornais, também
pode ser verdade que dentre os que tinham acesso nem todos tinham gosto de ler
ou curiosidade por jornais. No entanto, minha pesquisa não permite a generalização
de que aprenderam a gostar.
Dentre 40 alunos, pouco mais da metade (22) assinala a opção SIM
para a questão "Você gosta de ler?". Catorze entrevistados assinalaram não gostar
de ler, três não responderam a questão e uma aluna criou uma terceira possibilidade
alternativa mais ou menos. Um terço do total dos entrevistados demonstraram não
terem tido o gosto pela leitura desenvolvido nem pela família, nem pela escola ou
por outra fonte.
Dizer que "a família toda acabou se envolvendo com o jornal,
refletindo em mudanças comportamentais e melhoria da qualidade de vida" é
apresentar uma conclusão idealizada. Na entrevista que realizei com 40 alunos da
última série do ensino fundamental da escola MARCO, 12 negam haver relação
entre leitura do jornal e formação cidadã. Ao serem solicitados para assinalarem
uma lista de Temas Transversais quais os assuntos já trabalhados desde o início do
ano letivo até o final do primeiro semestre, 4 nada assinalaram, 3 alunos criaram a
20
opção nenhum deles e uma aluna escreveu: "nenhum dos temas, apenas resumir
qualquer notícia".
Os dados colhidos revelam que o trabalho desenvolvido com o jornal
nesta escola investigada não é suficiente para ”refletir em mudanças
comportamentais e melhoria da qualidade de vida dos próprios alunos”, muito menos
atingir "a família toda", o que seria ideal. Havendo apenas um exemplar semanal par
cada 4 alunos ou mais e estes levando o jornal para as suas famílias por meio de
revezamento, sendo no máximo um jornal por mês, não há como provocar
mudanças comportamentais e melhoria da qualidade de vida da família.
Em uma matéria intitulada "Professores comemoram bons
resultados", em 13/11/1998, a supervisora de uma escola urbana de Londrina diz:
"Até os pais dos alunos se envolvem no projeto e pedem para os filhos procurarem
assuntos específicos no jornal. Atendemos a uma clientela muito carente, que não
teria acesso ao jornal sem esse Projeto". Como se vê, a realidade pode ser distinta
de uma escola para outra, dependendo da motivação e competência para
desenvolver o trabalho. Por outro lado, o jornal sempre fala bem do seu Projeto,
também as prefeituras acreditam no investimento financeiro que fazem, portanto em
nível discursivo, é difícil conhecer a realidade. Ao mergulharmos no dia a dia da
escola e da comunidade por ela atendida, nosso conhecimento da realidade se
amplia.
Em sua primeira década de existência o Projeto ‘Cidadania’
distribuiu mais de 600 mil exemplares de jornais e atendeu a mais de 240 escolas
paranaenses. O jornal divulgou o depoimento de César, um estudante de 11 anos de
uma escola urbana de Londrina, nesses termos: "Antes da Folha ‘Cidadania’ eu só
conseguia ler e entender as matérias do Caderno de Esporte. As outras matérias
21
pareciam muito difíceis, mas agora é diferente, dá para entender tudo, todos os
assuntos e ainda arriscar ler uma ou outra coisa que volta a sair no jornal sobre o
tema. Mas o mais legal mesmo é que, depois que eu comecei a ler a Folha
‘Cidadania’, posso conversar sobre outros assuntos com meu pai".
O trabalho realizado com a leitura de jornal na sala de aula do aluno
César está contribuindo para formá-lo enquanto leitor e envolvendo a família do
aluno. Interesso-me por investigar a(s) causa(s) do malogro desse projeto na escola
MARCO.
A capacidade do jornal está em fornecer as informações cotidianas
com a linguagem direta que caracteriza a imprensa, mas compete à escola trabalhar
os conteúdos exigidos pelo currículo oficial através dos textos da atualidade, como
propõem os PCNs.
A empresa jornalística declara em tablóide destinado aos
patrocinadores do Projeto que confia no potencial do Projeto ‘Cidadania’, sente-se
estimulada pelos resultados já alcançados e tem como meta conferir maior
abrangência a esta iniciativa, levando-a a todos os municípios paranaenses onde o
jornal circula. E declara:
Ao colaborar para a viabilização do Projeto ‘Cidadania’, a empresa
patrocinadora estará colhendo os seguintes resultados:
• Divulgação de sua marca; • Benefícios a imagem institucional através de sua vinculação ao
um projeto de caráter educacional e comunitário; • Formação de consumidores em potencial; • Veiculação de sua logomarca em todos os anúncios de cunho
institucional do Projeto publicados na Folha do Paraná/Folha de Londrina;
• Menção do nome da empresa nas peças jornalísticas destinadas à cobertura e divulgação do Projeto.
22
E ainda observa que a empresa está aberta a avaliar outras formas
de divulgação como distribuição de camisetas, bonés, cadernos e outros materiais,
de acordo com o interesse do patrocinador.
De fato, para a empresa jornalística, o Projeto ‘Cidadania’ não
malogrou; ao contrário, é um sucesso, pois o mesmo vem sendo ampliado ano a
ano. Já no segundo semestre de 1997, nos mesmos moldes de Londrina, também
atendia às escolas municipais de Foz do Iguaçu e Ivaiporã (duas outras grandes
cidades paranaenses). Nessa fase atendendo cerca de 12.600 alunos da rede
pública, sendo 6.388 alunos de Londrina que recebiam em média 34.000
exemplares por mês; 5.476 de Foz do Iguaçu, cerca de 4.000 exemplares por mês e
750 alunos de Ivaiporã com 480 exemplares mensais.
Ano a ano vão aumentando o número de escolas "beneficiadas" e
diminuindo o número de exemplares por turma: era um jornal para cada aluno,
passaram a ler em grupo de três em 1996, estabelecem um exemplar um exemplar
para cada quatro alunos em 1997 e a estratégia para 1998 previa um jornal para
cada cinco alunos.
Desde sua criação, o Projeto ‘Cidadania’ previa como competência
da Secretaria Municipal de Educação a realização de práticas pedagógicas com
todas as escolas envolvidas no Projeto, realização de oficinas, encontros
pedagógicos, fornecimento de materiais didáticos com orientações para um trabalho
coletivo, acompanhamento e avaliação do Projeto ‘Cidadania’. Apenas em 2003, dez
anos após a implantação do Projeto, ocorre o "I Seminário: a importância do jornal
na escola", realizado em 28 de abril de 2003, evento ocorrido nas dependências da
Câmara Municipal de Londrina.
23
A Folha de Londrina custeou o deslocamento e estadia da jornalista
Dinorá Couto Cançado, trazida de Brasília para conduzir o Seminário sobre o tema
proposto, e a Prefeitura Municipal de Londrina responsabilizou-se pelo pró-labore
equivalente a um mil e quinhentos reais. O evento foi destinado a professores de 4ª
a 8ª séries, auxiliares pedagógicos e supervisores educacionais, público distribuído
em dois horários (manhã e tarde).
A Folha de Londrina já subsidiou 50%dos custos de distribuição do
jornal diário em sala de aula nos primeiros anos de implantação do programa. Com o
passar dos anos, veio a subsidiar "quase 50 %" ou "cerca de 50 %" dos custos. A
partir de 2003 a Folha subsidia "cerca de 40 %", os patrocinadores respondem pelo
restante com a aquisição de cotas que vão cobrir o custo dos exemplares
distribuídos. "As Empresas que patrocinam as escolas, além de terem seu nome
vinculado a um projeto social de caráter educacional, terão como contrapartida,
espaço publicitário para divulgação de sua marca em sete cadernos de jornal" -
propaga a Folha em busca de parceiros, garantindo o espaço para a divulgação da
logomarca dos patrocinadores do Projeto dentro do box do ‘Cidadania’ (espaço
reservado ao programa nos cadernos Política, Mundo, Geral, Paraná, Esporte,
Economia e Folha 2), precisamente nos rodapés das colunas. São sete rodapés de
uma coluna, cada um com 3 cm de altura por 13,5 cm de largura e uma página do
Caderno Folha 2, o espaço reservado semanalmente a divulgação do Projeto
‘Cidadania’.
A cada ano o objetivo do jornal é ampliar significativamente o
número de escolas participantes do ‘‘Cidadania’’, o que depende do apoio comercial
de mais empresas patrocinadoras. O número de alunos a ser atingido pelo projeto
depende da disponibilidade de empresas locais e regionais em financiar os jornais
24
para as escolas. No caso do município de Londrina, em 2001, cada exemplar
custava para o patrocinador R$ 0,51 (cinqüenta e um centavos). Como eram seis mil
jornais por semana, o custo semanal era de R$ 3.060,00 (três mil e sessenta reais).
A Folha ‘Cidadania’ está circulando sempre às terças-feiras,
ocupando um quarto de página em cada uma das editoriais do Jornal Folha de
Londrina e uma página inteira do ‘Caderno Folha 2’. Atualmente, como já
mencionado, a Folha subsidia cerca de 40% do custo de distribuição do jornal diário
e empresas privadas adquirem cotas que cobrem o restante do custo.
No ano de 1998, por exemplo, 138 escolas públicas participaram do
Projeto ‘Cidadania’ nas cidades paranaenses de Londrina, Ivaiporã, Ubiratã,
Ariranha do Ivaí e Arapuã; semanalmente, foram distribuídos mais de 7 mil
exemplares da Folha de Londrina entre as escolas que participaram do projeto, o
que não garante a quase 36 mil estudantes acesso à leitura do jornal - ao contrário
do que a campanha de marketing de 13 de novembro de 1998 alegava. Pois, por ser
um projeto educacional, o ‘Cidadania’ requer parcerias com Secretarias Municipais
de Educação para que seja dado o suporte pedagógico aos professores para a
aplicação do jornal como material didático em sala de aula.
Nesta reportagem da data acima citada, a diretora de uma escala de
Ivaiporã afirma que, através desse programa, a escola é beneficiada sem precisar
desembolsar recursos próprios ou fazer campanhas junto à comunidade. Saliento
que as escolas não desembolsam recursos financeiros, mas sem adequadamente
envolverem recursos humanos, o potencial dessa iniciativa envolvendo empresas,
prefeituras e escolas não se viabiliza.
25
A escola MARCO (codinome adotado para designar o
estabelecimento investigado nesta tese) participou de um desfile cívico realizado na
zona urbana do município em 7 de setembro de 1997, no qual cerca de 30 alunos
que representavam esta escola desfilaram com painéis divulgando que eram
atendidos pelo Projeto ‘Cidadania’, usavam camisetas e bonés da Folha de
Londrina. A diretora da escola fez referência ao valor de o projeto dar acesso ao
jornal em áreas rurais.
A integração do jornal ao meio familiar é mesmo algo relevante, pois
em um grande número de lares desse distrito, o jornal distribuído pela escola é o
único produto cultural escrito existente. Dispor desse material de leitura pode
transformar outros membros da família em leitores do mesmo, o que contribui para
aumentarem a compreensão do mundo, pois o indivíduo informado (diferente do
apenas alfabetizado) é capaz de ver horizontes mais abertos, até mesmo na
descoberta dos caminhos a serem trilhados no campo profissional. A distribuição dos
jornais às famílias dos alunos favorece o acesso à leitura, mas não garante
motivação para realizá-la.
Como bibliotecário, eu acrescentaria que no Brasil, como em muitos países, os esforços oficiais tendem a enfatizar a oferta de instrução e dar muito pouca atenção à falta de motivação para ler, e até mesmo de oportunidade para fazê-lo, na maioria das zonas rurais. (HALLEWELL, 1985, p. 607).
Sem dúvida é positivo ofertar material a pessoas que não teriam
acesso a esse bem, mas estas só se tornarão leitoras dependendo do trabalho feito
dentro de sala de aula.
26
O baixo consumo de jornais poderia refletir os fatores culturais que venho discutindo. Poderia ser apenas pobreza. O Banco Interamericano de Desenvolvimento disse que mais de 2/3 da população encontram-se efetivamente marginalizados da vida econômica do país: são agricultores de subsistência, subempregados, favelados desempregados ou coisa semelhante (HALLEWELL, 1985, p. 608).
Em 11 de maio de 1999, a Folha de Londrina publica reportagem
comunicando que cerca de 300 alunos da 4ª série das sete escolas municipais de
Ubiratã - PR recebiam havia um ano o jornal na escola, através de uma parceria
entre a Folha e a Cooperativa Agropecuária de Ubiratã (COAGRO), cujo "diretor
executivo já foi prefeito daquela cidade". E, com relação ao trabalho docente divulga:
"... a professora disse que, em geral, pede aos próprios alunos para que escolham
um assunto entre as matérias publicadas pela Folha e, a partir daí eles fazem um
resumo da notícia".
Ubiratã é uma cidade localizada a 305 Km de Londrina e 96 Km a
sudoeste de Campo Mourão (uma cidade paranaense a 213Km de Londrina e por
ser de porte médio serve como referência na região); a escola MARCO, escola
distrital alvo de minha pesquisa, é situada no norte do Paraná; pertence ao
município de Londrina, trata-se de regiões distantes no Estado e que se limitam a
desenvolver rotineiramente o mesmo trabalho com o jornal; "escolher uma notícia
para resumir". Apesar de a reportagem de 11/05/1999 trazer depoimentos de alunos
afirmando que agora gostam de ler jornais, antes nunca haviam lido, postulo que o
estímulo à leitura tende ir diminuindo se a atividade proposta for sempre a mesma.
Atrair e perpetuar o interesse pela leitura é um processo complexo que não se
resolve com esforço de curta duração.
27
Se o aluno não lesse apenas para produzir um resumo, mas
também para comentar, discutir, criticar, refletir sobre o que está sendo veiculado,
aprimoraria mais da sua capacidade de expressão e desenvolveria o espírito crítico
através da tomada de posição a cerca dos fatos, condições essenciais para a
‘Cidadania’. Somente na condição de o Projeto ‘Cidadania’ ser utilizado em sala de
aula como material de suporte para estimular a leitura, no sentido de interpretação
de notícias e reportagens, justifica-se o seu nome. O mero resumo de notícias lidas
tem valor limitado: pode estimular o poder de síntese e reprodução de informações,
pode até mesmo enriquecer o vocabulário, mas não é suficiente para efeitos mais
profundos como o de desenvolver o espírito crítico do cidadão.
Por duas vezes nos últimos quatro anos, ou seja, a partir do ano
2000, a escola MARCO foi destaque em matéria jornalística: em 27/05/2003 e em
08/09/2000. Na reportagem de 27/05/2003, havia chamada de capa, acompanhada
por grande foto colorida e texto, destacando que uma aluna dessa escola percorre
todos os dias 48 quilômetros para chegar à sala de aula, e esse trecho é feito de
ônibus, perua, trator e barco. Eis um parágrafo do texto:
Na volta para casa, a maior parte da estrada é de chão, o que causa certo desconforto, mas não falta animação dentro do ônibus que vai deixando os alunos nas propriedades rurais onde moram. Eles vão cantando e o repertório vai de Sandy e Júnior à KLB, os preferidos dos adolescentes. A música ajuda a passar o tempo, assim como a paisagem do caminho, que é simplesmente exuberante. O excesso de poeira também passa despercebido. (Grifos meus).
Percorrer esta estrada de chão, na qual em tempos de sol, engole-
se poeira e em tempos de chuva, atola-se na lama, não causa apenas certo
desconforto, exige sacrifício mesmo; cantar com os colegas ajuda a suportar a
dificuldade, mas não há como o excesso de poeira passar despercebido,
28
principalmente quando esta é uma via crucis rotineira e não um programa
esporádico. A reportagem não destaca a falta de conservação das estradas rurais e
sim a personalidade dessa boa aluna, como se a responsabilidade pelo nosso
sucesso ou fracasso dependesse exclusivamente de nosso desempenho individual.
A proposta apresentada pela empresa jornalística à Prefeitura de
Londrina, por ocasião das negociações para o início do Projeto ‘Cidadania’, previa
um programa de visita à Folha de Londrina. Nestes termos, afirmava o documento
firmado com o poder público municipal:
Para ampliar o conhecimento de um jornal e seu funcionamento e, como incentivo à participação no projeto, uma vez por semana haverá visita à Folha de Londrina. As visitas serão de caráter didático com explicações das diversas atividades desenvolvidas no jornal, mencionando-se o nome da escola, o objetivo, o programa de visitas, bem como os patrocinadores.
Essas visitas deveriam ser programadas e financiadas pela
Secretaria de Educação, no que se refere ao transporte e alimentação dos alunos e
professores. As escolas em que trabalhei, no tempo em que fui professora da rede
municipal, não realizaram essa visita didática à redação e ao parque gráfico. No
entanto, a rede municipal possuía um ônibus destinado a levar alunos desta rede
para conhecer os pontos turísticos de Londrina, pois na terceira série estuda-se o
município.
Cada escola interessada no passeio cultural reservava o ônibus por
um dia no ano. Havendo lugar disponível no ônibus, também os alunos de outras
séries realizavam o passeio. Nos meus 13 anos e meio como professora municipal,
realizei essa visita pelos pontos turísticos por aproximadamente dez vezes. Em
todos esses programas culturais passávamos em frente ao prédio sede do jornal,
29
graças à privilegiada localização do mesmo (ao lado do Bosque - quadra de mata
nativa preservada pelos pioneiros), mas nunca entramos.
O que de novidade aconteceu em relação as atividades extra-classe
desenvolvidas a partir da implementação do Projeto ‘Cidadania’ foi a inclusão da
visita em algumas empresas patrocinadoras do projeto, além dos pontos turísticos
da cidade que já eram visitados. Esclarecendo melhor, passamos a ter direito a dois
passeios por ano, realizados no ônibus da prefeitura e sem custos para a escola, um
aos pontos turísticos do município e outro aos patrocinadores do ‘Cidadania’; quanto
a essa visita, durante um dia, éramos levados a conhecer:
• A CONFEPAR: uma indústria de laticínios para conhecer o processo de produção e industrialização do leite POLLY; a previsão era de que cada aluno ganhasse um pacotinho de leite para levar para a família, mas só ganhamos um copo de leite puro e gelado para tomar lá mesmo.
• A SELMI e o processo de produção do macarrão; a previsão era de que cada aluno ganhasse um kit de produtos SELMI, mas só foram distribuídos réguas com o slogan do produto.
• A INFRAERO: conhecer o aeroporto de Londrina e o heliporto; a previsão era de que conheceríamos a cabine de comandos de um avião; na prática, vimos aviões apenas por fora e vimos como é um helicóptero por dentro.
• O CINEMA: não ganhamos almoço pago pela Secretaria de Educação como inicialmente previa a Folha de Londrina no programa de visita dos alunos aos patrocinadores; aluno e professor levaram seu lanche e o tomamos em uma praça pública que existe em frente ao aeroporto. Também não fomos levados a conhecer a Redação da Folha (no centro da cidade) nem seu Parque Gráfico (na avenida Dez de Dezembro). Após o lanche, tivemos uma sessão grátis de cinema, no já extinto Vila Rica, o que foi considerado excelente pelos alunos, pois a maioria não conhecia cinema.
Embora não houvessem sido cumpridas as previsões anunciadas,
houve saldos positivos com as visitas, sem quaisquer dúvidas: ir a um importante
cinema da cidade foi marcante para a grande maioria dos alunos que nunca o
30
haviam freqüentado. Também conhecer o aeroporto e o heliporto, assim como as
fábricas de macarrão e leite pasteurizado ampliaram nosso campo de referências.
Para o final do ano de implementação do ‘‘Cidadania’’ (1994) estava
prevista uma premiação: os 2.875 alunos atendidos pelo projeto participariam de um
concurso de redação e os autores dos 40 melhores textos seriam premiados com
uma viagem a Foz do Iguaçu - PR, acompanhados por duas professoras da
Secretaria da Educação. O jornal não divulgou este concurso porque, apesar do
mesmo ser previsto desde o início da implementação do projeto, até próximo ao final
do ano letivo de 1994 não sabíamos se o mesmo iria ou não se realizar. O tema da
redação só foi divulgado às vésperas da realização do concurso e tinha como tema
‘ecologia’.
A previsão inicial era de que todos os 2.875 alunos envolvidos no
projeto poderiam disputar o concurso de redação e além dos 40 melhores trabalhos
serem premiados com uma viagem a Foz do Iguaçu, com as despesas de
transporte, hospedagem e alimentação pagas por patrocinadores, também os outros
alunos que se destacassem na redação receberiam kits de material escolar, tênis,
agasalhos e material esportivo igualmente doado por patrocinadores.
O projeto de implementação da Folha ‘Cidadania’ previa a realização
do concurso de redação e as premiações que seriam ofertadas. Até o tema já estava
estipulado com dez meses de antecedência do concurso, mas o mesmo jamais foi
divulgado. Somente dez anos após esse concurso ser realizado, obtenho o
conhecimento de que o tema previsto era "A utilização do jornal na escola e os
benefícios sentidos pelos alunos", isso graças a autorização da Secretaria de
Educação para xerocar documentos da época firmados entre a prefeitura e a
empresa jornalística.
31
Consultei sobre os motivos pelos quais o ‘Cidadania’ teve os dias de
circulação alterados sem aviso prévio (era toda quarta-feira, foi para quinta, mudou
para segunda, depois para terça-feira e agora voltou para quarta-feira), e disseram
que o jornal de segunda-feira estava muito magrinho, pensando em como engordá-
lo, decidiram jogar o ‘Cidadania’ para as segundas. Não há atas das reuniões, as
equipes sofreram alterações e o histórico vai-se perdendo.
Sugeri tanto ao responsável ao Projeto ‘Cidadania’ na prefeitura
como também na empresa jornalística que, por ocasião do aniversário de onze anos
do projeto, realizassem, em 2004, o concurso de redação com o tema pensado em
1994: "A utilização do jornal na escola". Apenas isto, sem acrescentar "... e os
benefícios sentidos pelos alunos", para que a proposta textual não direcionasse os
alunos a apresentar somente aspectos positivos e colhessem um diagnóstico desse
projeto elaborado por seu próprio público-alvo. A dificuldade alegada é a de obter
patrocínio para premiações; suponho que outra razão seria a possibilidade de
desvelar o pouco uso do jornal na sala de aula e o patrocínio para o mesmo tornar-
se ainda mais difícil.
Realizar visitas às empresas locais foi um objetivo alcançado pelo
Projeto e que produziu frutos positivos, pois o passeio motiva alunos e professores a
sair da rotina de sala de aula e possibilita vivências inesquecíveis como conhecer
várias empresas e ter contado com os processos de produção (como se deu, na
minha escola, com a fábrica de macarrão e a indústria de leite). Como esses
patrocinadores não são sempre exatamente os mesmos, sendo que ano a ano
alguns continuam e outros se renovam, as visitas de um ano para o seguinte
também sofrem alterações; outras turmas foram levadas a conhecer o sistema de
comunicação telefônica de Londrina - SERCOMTEL e um moinho de trigo.
32
Durante o ano de 2002, em decorrência do processo de licitação
para manutenção da parceria, a Prefeitura do Município de Londrina não contou com
a Folha de Londrina e sim com o Jornal de Londrina (a outra empresa jornalística da
cidade). Conseqüentemente, durante o ano de 2002, o projeto de envio de jornais às
escolas para o desenvolvimento de atividades pedagógicas teve o nome alterado, de
“Projeto ‘Cidadania’” para “Leitura e ‘Cidadania’”, mas funcionou nos mesmos
moldes desenvolvidos pela empresa anterior, que distribuía os jornais toda a
segunda-feira e na proporção de um exemplar para cada quatro alunos das séries
envolvidas; totalizaram-se 82.758 exemplares naquele ano, conforme
correspondência interna da Secretaria de Educação (C.I. n. 009, de 15/02/02,
assinada pela Secretária de Educação da época, Profª Magda Tuma, e pela Diretora
de Ensino, Fátima Pereira).
Em 2003, o Projeto ‘Cidadania’, da empresa jornalística ‘Folha de
Londrina’ é retomado pela Prefeitura Municipal de Londrina, atendendo 74 escolas e
7.925 alunos da rede municipal, sendo estes os matriculados nas turmas de 4ª série
da zona urbana, os alunos de 5ª a 8ª séries da zona rural, os do EJA - Educação de
Jovens e Adultos - e, a partir de fevereiro de 2003, também a Educação Indígena.
Em anexo, apresento a relação nominal das escolas londrinenses que receberam o
Projeto ‘Cidadania’ em 2003, o endereço de todas, o número de alunos atendidos
pelo Projeto em cada estabelecimento e a quantidade de jornais recebidos por
semana em cada escola, totalizando 2.122 exemplares semanais distribuídos neste
município.
Os demais municípios paranaenses atendidos pelo Projeto
‘Cidadania’ continuaram nessa condição no ano de 2002, quando outra empresa
desenvolveu em nossa rede projeto similar. Dessa forma, o assinante da Folha de
33
Londrina e quem adquiria o jornal na banca continuaram a visualizar durante o ano
de 2002, as linhas pontilhadas e reservadas ao ‘Cidadania’. Por sua vez, o Jornal de
Londrina não reservava espaço delimitado para a Leitura e ‘Cidadania’, cabendo aos
professores decidirem se determinariam ou não os textos jornalísticos a serem lidos
em sala de aula. Com exceção do ano de 2002, o Jornal de Londrina não se filiou
mais ao Programa Jornal na Escola, incentivado pela Associação Nacional de
Jornais (ANJ), em razão não ter mais vencido a concorrência pública disputada com
um jornal de maior porte.
Este capítulo apresentou o histórico do Projeto ‘Cidadania’ em seus
onze anos de existência, dando destaque aos objetivos pelos quais foi criado e o
modo como esses objetivos foram expostos em documentos. Também foram feitas
correlações com fontes de informação provenientes do outro parceiro do projeto, a
Secretaria Municipal de Educação de Londrina com a finalidade de examinar como
tem sido o processo de monitoramento exercido por esse órgão. Foram mostradas
algumas contradições entre o que era prometido e o que de fato chegou a ser
executado, projetando-se para o funcionamento do Projeto ‘Cidadania’ nos dias de
hoje. Embora se verifiquem incongruências, a principal conclusão é a de que mesmo
reduzido em relação à proposta inicial, o Projeto contém uma riqueza muito grande
de contribuições a oferecer, tornando-se a cada dia mais urgente a resposta à
pergunta sobre os motivos pelos quais um aproveitamento mais pleno dessas
contribuições não ocorre. O capítulo a seguir discutirá pesquisas já existentes a
respeito da utilização do jornal em sala de aula.
34
2. O JORNAL NA SALA DE AULA: OUTROS PROJETOS E PUBL ICAÇÕES
O primeiro jornal a ser usado como instrumento didático foi o ‘The
New York Times’, nos Estados Unidos, que em 1932, montou um programa
educacional. Existem projetos de jornais na Educação em 52 paises, de acordo com
a Associação mundial de Jornais, que reúne 18 mil empresas de comunicação.
No Brasil, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, foi o primeiro a ser
utilizado como material didático-pedagógico em instituições de ensino. De acordo
com a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), circulam hoje 1.980 jornais no Brasil,
dos quais 491 são diários. Os programas que trabalham com o uso educativo de
jornais, registrados na mesma ANJ, somam 37 – apenas 7,5% entre os diários –,
com destaque para o interior do Estado de São Paulo, com 11 programas em
atividade. Os projetos de utilização de jornal em sala de aula são incentivados pela
ANJ e por seu Comitê de Leitura e Circulação. Atualmente, participam dessa
iniciativa, 8.500 escolas em 16 Estados e também no Distrito Federal. São cerca de
3,5 milhões de estudantes beneficiados.
Esses programas de incentivo à leitura são muitas vezes vinculados
aos departamentos de marketing dos veículos de comunicação, que, em alguns
casos, oferecem assinaturas durante as atividades ou enviam às escolas
exemplares encalhados. Além de assinantes comerciais, os jornais ganham novos
leitores críticos, dependendo do trabalho pedagógico desenvolvido.
“O Jornal na Sala de Aula” e “Como Usar o Jornal na Sala de Aula”
são títulos de livros produzidos por Maria Alice Faria professora da UNESP.
Publicado pela Editora Contexto, o primeiro é de 1997 e o segundo, de 1998, fazem
35
parte, respectivamente das Coleções Repensando a Língua Portuguesa e
Repensando o Ensino. Ambos os trabalhos prestam contribuição ao ensino-
aprendizagem de língua portuguesa ao mostrarem como incorporar textos
publicados nos jornais em atividades práticas do professor em sala de aula.
Faria (1997) responsabiliza o uso exclusivo do texto literário em sala
de aula como um dos fatores responsáveis pela crise do ensino de língua
portuguesa; segundo a autora, os clássicos escolares apresentam um conteúdo
ideológico e estético que convém à elite que seleciona essas antologias. Considera
que a “comunicativite” dos anos 70 abriu espaço nos livros didáticos para autores e
textos contemporâneos, inclusive de jornais e revistas; no entanto, conservou o
ensino tradicional da gramática (purista e alienado da realidade atual), mantendo o
ensino ineficaz e desmoralizador da língua portuguesa.
O livro “O JORNAL NA SALA DE AULA” é formado por cinco
capítulos. No primeiro, a autora sugere a adoção do texto jornalístico como padrão
de língua escrita escolar e propõe a utilização do jornal como um material didático
alternativo aos limitados e ruins livros didáticos, posto que a linguagem jornalística
adota o português-padrão. Ressalta que a partir da leitura crítica do jornal em sala
de aula pode-se chegar à redação de textos jornalísticos e jornais escolares.
O segundo capítulo denomina-se “Como é feito um jornal?” e traz
sugestões de atividades para serem aplicadas a alunos a partir da quinta série,
sobre a Primeira Página do jornal e os elementos que a compõem (cabeçalho,
manchetes, lide, diagramação...), bem como oferece sugestões para as páginas
interiores do jornal, destacando os aspectos gráficos do mesmo. O capítulo 3 intitula-
se “As formas da informação” e mostra os limites da objetividade dos jornais e os
recursos lingüísticos utilizados pelos jornalistas. A ênfase está nas funções de
36
linguagem utilizadas nos periódicos; propõe atividades de leitura e redação em que
os alunos façam uso desses recursos e salienta que sempre cabe ao professor
dosar as atividades propostas ao nível da turma específica.
No capítulo 4, nomeado “O conteúdo da informação”, apresenta
comparações entre as formas de informação noticiadas por dois jornais sobre a
doença, a morte e o sepultamento de Tancredo Neves, bem como o mesmo crime
passional foi divulgado por dois jornais; além de continuar propondo outras
atividades de leitura e redação, a serem dosadas pelo professor dependendo da
maturidade da turma. O último capítulo desse livro nomeia-se “Gêneros jornalísticos
na sala de aula” e apresenta as principais características de alguns gêneros
jornalísticos (notícia, reportagem, entrevistas, editorial) e sugere exercícios para o
trabalho com o jornal em sala de aula, a confecção de jornal mural e jornais
escolares.
Em todos os capítulos sugere atividades com o jornal como
alternativa ao livro didático, baseada em experiências feitas com o jornal na escola
entre 1982 à 1987; considera que:
[...] o conhecimento e domínio da linguagem jornalística (tanto escrita como televisiva e radiofônica), nos dá hoje um poderoso instrumento para exercer o direito de cidadania, ajudando-nos a compreender e portanto a influenciar o que se passa a nossa volta. Ela é assim o mais seguro instrumento de comunicação que possuímos. E isso, parece-me, é o fundamental a ser transmitido aos alunos. (FARIA, 1997, p. 126).
Em seu livro de 1998, “Como usar o jornal em sala de aula”, a autora
retoma algumas atividades sugeridas no livro anterior, agora com uma apresentação
pedagógica mais objetiva e com mais indicações no modo de utilizá-las; a maioria
das atividades apresentadas, no entanto, são novas em relação àquelas
37
apresentadas no livro anterior. “Como usar o jornal em sala de aula” é organizado
em quatro partes. A primeira apresenta argumentos a favor da utilização do jornal na
sala de aula, reavalia o papel do jornal na sala de aula e do próprio jornal nos dias
de hoje; vai da página 9 à página 26. As três partes seguintes são compostas por
quarenta fichas de atividades que cada professor deve selecionar de acordo com
suas turmas de 5ª a 8ª séries.
As fichas de 1 a 5 referem-se à parte denominada “Entrando em
contato com jornais e revistas” e as cinco atividades propostas atendem a esse
objetivo. As fichas 6 a 18 que dizem respeito ao tópico “Conhecendo o jornal”, vão
das páginas 45 a 84 e objetivam levar o aluno a situar-se em relação às informações
do periódico; também propõe jogos para motivar os alunos a localizarem as
informações solicitadas e explicitar seus indícios característicos. As fichas de 19 a
25 remetem às páginas 85 até 104 e apresentam atividades a serem realizadas
antes, durante e depois da visita a um jornal: Por que visitar um jornal; organização
da visita ao jornal; contatos com um jornalista; o que perguntar durante a visita;
depois da visita – impressões gerais; depois da visita – levantamento dos dados e
enquete sobre a circulação do jornal.
A quarta e última parte denomina-se “Aprofundando a análise e a
prática do jornal”, é composta pelas fichas 26 a 40, referentes às páginas 105 a 156
e aprofunda conhecimentos sobre os componentes da Primeira Página do jornal
(cabeçalho, chamada, lide, etc) e traz exercícios sobre a linguagem específica do
jornal. Este livro não contém conclusão ou considerações finais uma vez que não
trata da análise de experiências em andamento; ao final, apresenta quatro páginas
de glossário e duas de bibliografia. Seu objetivo é oferecer sugestões para o uso do
jornal na sala de aula.
38
Outra abordagem com relação à utilização do jornal em sala de aula
é oferecida pela tese de doutorado intitulada “O jornal e a educação – leitura crítica,
comunicação e criatividade no ensino fundamental de Bauru-SP”, de autoria de
Alexandra Bujokas de Siqueira. Defendida na UNESP – Campus de Maríla, a tese
teve a orientação de Maria Alice de Oliveira Faria e vínculo com a linha de pesquisa
“Ensino: abordagem técnico-pedagógica”. Seguindo os mesmos objetivos das
pesquisas e obras da orientadora, o trabalho se define como material pedagógico
destinado a auxiliar a ação do professor do Ensino Fundamental visando à formação
de leitores críticos a partir do contato com o jornal.
O estudo é organizado também na forma de fichas cuja finalidade é
abordar os mecanismos de produção de uma matéria noticiosa, transitando também
por um conjunto de orientações que culminam com sugestões para atividades
diversificadas que também incluem análise de notícias e reportagens. Há três
campos de abrangência no trabalho: o primeiro refere-se às contribuições dos
conhecimentos nas áreas de Pedagogia e Didática como suporte na preparação de
materiais de uso mais facilitado em sala de aula. A segunda efetua a revisão de
teorias críticas da comunicação para nelas situar as limitações da prática jornalística
e tornar os professores conscientes dos recursos empregados pelo jornalismo atual
para inserir diferentes vieses à realidade expressa no texto.
O terceiro dá cobertura às informações específicas de pesquisa, que
neste caso foram particularizadas no perfil intelectual dos professores da rede
estadual de Ensino de Bauru-SP, participantes da pesquisa qualitativa realizada.
Foram observadas quatro oficinas pedagógicas, cuja programação foi autorizada
pela Delegacia de Ensino de Bauru, envolvendo 25 professores de português da
rede estadual de Ensino da cidade de Bauru. Os participantes registraram suas
39
impressões sobre o material apresentado, em questionário elaborado para dados de
pesquisa qualitativa. A análise das respostas apontou para a boa acolhida da
proposta, sem, contudo, deixar de indicar alternativas para aperfeiçoamento das
fichas.
O jornal na sala de aula é também assunto de vários pesquisadores
atuais como constatou o Primeiro Seminário “O Professor e a Leitura do Jornal”,
realizado em Campinas/SP no período de 29 a 31 de julho de 2002, e que tem a
pretensão de tornar-se um simpósio bienal sobre o tema, o que demonstra a
importância do mesmo.
Segundo Trindade (2003), a utilização do jornal na escola não é algo
novo. Com os programas “Jornal na Educação”, porém, esta prática tem-se
transformado de informal e eventual em permanente e sistemática. Empresas
jornalísticas distribuem jornais nas escolas (assinatura ou encalhe) e orientam os
professores sobre como utilizar o material em sala de aula. De acordo com Trindade
(2003), no Brasil, há 28 jornais desenvolvendo programas desse tipo em 13 estados
e no Distrito Federal. Anualmente são atingidos 2,2 milhões de alunos, em 6.500
escolas, de ensino fundamental e ensino médio, da rede pública (municipal e
estadual) e privada.
O trabalho do mencionado pesquisador foi desenvolvido a partir da
análise do programa “Folha Educação”, do jornal Folha de São Paulo. Segundo ele,
a finalidade da educação escolar tem sido, cada vez mais, pensada para além dos
parâmetros representados pelo conjunto dos conhecimentos sistematizados que, na
escola, são apresentados aos educandos a partir de livros didáticos e paradidáticos.
As rápidas evoluções no campo da ciência e a intenção de “formar” cidadãos têm
introduzido no espaço escolar o debate sobre a necessidade de encontrar e/ou
40
desenvolver novos materiais pedagógicos e metodologias que ofereçam
possibilidades mais amplas de colocar o educando em contato com a realidade de
seu tempo; neste sentido, o jornal impresso começa a ganhar peso.
2.1. JORNAL COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
“O Jornal e a Formação da Cidadania no Ensino Fundamental e
Médio”, trabalho desenvolvido por Vieira (2003), em 14 escolas dos municípios de
Santos, São Vicente e Praia Grande (Baixada Santista), mostra os resultados
obtidos numa pesquisa de campo sobre a utilização do veículo jornal em sala de
aula, como ferramenta didática junto a estudantes do Ensino Fundamental e Médio.
A realização desta pesquisa teve como pressuposto a inter-relação entre
Comunicação e Educação e adotou como objetivo geral a proposta de demonstrar
que a utilização deste veículo no processo de ensino-aprendizagem contribui como
formador de cidadania no receptor-aluno.
Por meio de questionários aplicados a alunos e professores foi
possível detectar que o uso do jornal ampliou e atualizou o conhecimento dos
estudantes, contribuiu para a formação de visão crítica da realidade e estimulou o
interesse pela leitura e pesquisa como atividades extra-classe. Para os professores,
o jornal permite a atualização do conteúdo e um caminho aberto para a construção
da cidadania. Incentivar o aluno a ler e aprender, adquirir mais conhecimento sobre
a cidade, o país e o mundo; oferecer modelos de escrita para que o aluno escreva
mais e melhor; formar cidadãos críticos e participantes no processo social, político e
41
cultural são algumas das contribuições citadas por alunos e professores sobre a
utilização do jornal em sala de aula, dentro do programa Jornal na Educação.
Barbosa (2003), em “Trabalhando com o jornal na sala de aula”,
defende que a carência de uma educação eficaz, no sentido de formar cidadãos
capazes de compreender a realidade e interferir nela, é um dos principais entraves
para a transformação social. É impossível falar de liberdade, emancipação,
igualdade de condições (não só de oportunidades) sem questionar o nosso atual
sistema educacional, que por sua vez, está inserido num amplo contexto social,
econômico, político e cultural – defende Barbosa (2003) na monografia em questão.
Dessa maneira, o seu trabalho buscou compreender a importância do jornal na
escola, seus usos e possibilidades e sugerir atividades em que o jornal seja um
recuso didático novo.
A autora realizou algumas reflexões acerca das relações entre os
meios de comunicação e educação, a ausência dessas relações nos cursos de
formação de professores, as potencialidades do jornal na sala de aula, a mudança
que o jornal pode concretizar na relação professor-aluno, ou como a mudança na
relação professor-aluno pode fazer do jornal um recurso pedagógico novo e
revolucionário rumo a um ensino emancipatório e crítico. Alguns trabalhos com o
jornal foram registrados, mostrando assim, como ele é capaz de proporcionar uma
atividade mais dinâmica, interessante, desenvolvendo ainda o gosto pela leitura e a
busca de informações. Postulo que é a freqüência de realização desses trabalhos e
o modo como os mesmos se desenvolvem que irão proporcionar este gosto pela
leitura ou não.
Compartilho com a opinião de Flávia Aidar, gerente de Projetos
Educativos do Itaú Cultural: “O jornal não deve ser entendido como uma ‘matéria’ ou
42
‘disciplina’ na escola, mas como uma fonte de informação para qualquer disciplina.
Desde 1982, Aidar utiliza o jornal como recurso pedagógico, segundo informa a
Agência Educa Brasil, em matéria publicada em 08/02/2002, sob o título: “Muito além
da leitura de jornal”. Bacharel em História pela USP (Universidade de São Paulo),
Aidar foi responsável, em 1993, pela implantação e coordenação do Programa Folha
Educação, do jornal Folha de São Paulo. Atualmente, colabora na edição do Jornal
Folha Educação com quatro edições anuais, que auxilia o professor a utilizar o jornal
na sala de aula.
Em uma entrevista concedida à Folha de São Paulo, em 08/02/2002,
ela comenta sobre os benefícios de se trabalhar com o jornal e fornece alguns
exemplos aos educadores. Salientou que desde 1982, quando era professora de
história da 8ª série do Ensino Fundamental na Escola Vera Cruz (SP), considerava a
possibilidade de trabalhar com jornal pedagogicamente. Conversou então com um
jornalista (Pacheco Jordão, pai de aluna da escola) e começaram a desenvolver uma
metodologia própria de como trabalhar com jornal na sala de aula. Mais tarde, já em
1992, foi convidada pela Folha de São Paulo a conceber um projeto de incentivo de
leitura de jornal, que foi lançado em 1993 como o Programa Folha Educação, que
implantou e coordenou até 1997.
O jornal, segundo a entrevistada, não deve ser entendido como uma
atividade, “matéria” ou “disciplina” dentro da escola. Por ser uma fonte de
informações sobre vários e diferentes assuntos, pode e deve ser trabalhado em
qualquer disciplina e com qualquer faixa etária, ao lado de outras fontes de
informação e leitura. Da mesma forma, defendo que o jornal não deve ser a única
fonte de leitura a que os alunos têm acesso, mas havendo acesso ao mesmo é
43
preciso viabilizar sua utilização enquanto material propício para a formação de
leitores.
Lilian Lema Manela, professora no Rio De Janeiro, descreve sua
experiência com o jornal em sala de aula:
Eu já venho fazendo isso há algum tempo com meus alunos e garanto que o resultado é excelente. Os objetivos de que eles conheçam e usem a língua corretamente, recebam e compreendam informações de todas as áreas do conhecimento, façam uma leitura crítica de textos diversos, expressem opiniões sobre o que estão lendo, entre outros, estão sendo atingidos. Só para dar um exemplo, trabalhei recentemente com um texto de propaganda: De um lado há o jornal O GLOBO dentro de uma caixa para pizza, com o seguinte texto: “NOTÍCIAS EM TEMPO REAL, fatos, análises e comentários direcionados para a sua fatia de mercado”. Do outro lado há um texto menor explicando mais detalhadamente o objetivo do anúncio e muitas fotos pequenas. Essa propaganda trouxe muitas informações novas para eles. Por exemplo, a noção de “tempo real” na mídia que eles não tinham, o sentido conotativo das palavras como “fatia” de mercado, termos como internet, intranet, palavras estrangeiras como “clipping”, e muito mais. Depois as próprias fotos foram analisadas e falamos da velocidade, diversidade e qualidade da informação e finalmente eles mesmos fizeram na sala de aula um clipping, selecionando do jornal assuntos por área e montando vários murais. (MANELA, 2003)
Carmen Lozza, coordenadora pedagógica do Quem Lê Jornal
Sabe Mais – o mais antigo programa em operação no Brasil, criado em 1982 –,
mantido pelo jornal O Globo, destaca em suas oficinas os efeitos colaterais próprios
do jornalismo, como a contaminação ideológica, a estrutura fragmentada dos
veículos, as generalizações e a naturalização de fatos que são construídos
historicamente, entre outros. Para Nyeta Magalhães, uma das coordenadoras
pedagógicas do programa O Dia na Sala de Aula, do jornal também carioca O Dia,
os bons programas operam:
44
[...] para que o leitor saiba ‘ler’ as diferentes linguagens do jornal e ler por trás das entrelinhas e, sobretudo, para que este leitor aprenda a participar de todos os espaços a eles destinados nos jornais, para que ocupe este espaço, perceba que pode formar opinião e ganhar uma função social. (MAGALHÃES, 2003).
Considero ser esta uma das causas principais do insucesso do
Projeto Cidadania: a falta de preparo do professor para transformar ledores em
leitores.
Maria Luiza Kraemer em matéria sobre o jornal em sala de aula
postula que hoje, mais do que nunca, por fazerem parte da vida do estudante, os
meios de comunicação de massa têm influência direta em sua aprendizagem, e no
ambiente em que vive. Daí a importância de a escola resgatar formas de tirar
proveito pedagógico do fenômeno. Em sua opinião o educador deve buscar formas
de ensinar o aluno a selecionar tudo o que de positivo os meios de comunicação
oferecem. A informação e a motivação do docente deve ser objeto de estudo.
2.2 EXEMPLOS DE PROJETOS QUE LEVAM O JORNAL À SALA DE AULA
As maneiras como os jornais vêm sendo utilizados como recurso
pedagógico em sala são variadas. O Projeto Jornal na Sala de Aula, no Estado do
Ceará, já foi implementado em 36 municípios e atinge cerca de 9 mil alunos e 638
professores em 429 salas de aula, segundo “O Diário do Nordeste”. Este jornal
apresenta sugestões como: formulação de horóscopo para um ou mais colegas, de
acordo com o modelo do jornal; atividades de avaliação das imagens (fotografias)
45
presentes no jornal; análise gramatical dos classificados; elaboração de manchetes,
entre outras (DIÁRIO DO NORDESTE, 2004).
Em Santo André-SP, duas professoras de uma escola pública
localizada numa comunidade carente trabalharam uma proposta de integração da
família nos processos de ensino-aprendizagem. A atividade mais comum proposta
por uma das professoras era pedir que um aluno levasse o jornal para casa e
escolhesse, juntamente com os familiares, uma reportagem para ser, em seguida,
discutida na escola, com os demais colegas. Dessa maneira, segundo a professora,
observou-se evolução no senso crítico dos alunos (LORO, 2003).
O projeto ‘Correio Escola’, uma parceria do jornal "O Correio
Popular" com a Prefeitura Municipal, em Campinas no Estado de São Paulo, levou a
Escola Municipal de Educação Infantil Dr. "Manoel Affonso Ferreira", a desenvolver,
como resultado, a iniciativa de montar seu próprio jornal: “O interesse da sala foi
muito grande em relação ao trabalho com jornal, surgiu a idéia de montar o nosso
próprio jornal. Escolhemos o nome do jornal, de cada caderno e os repórteres, em
votação, divisão do trabalho e a coletânea de fotos.” (DINI, 2004)
Um programa de treinamento para os professores faz parte do
projeto “Jornal, Escola e Comunidade”, desenvolvido pelo jornal “A Tribuna”,
distribuído na Baixada Santista, Estado de São Paulo. Os professores participam de
um curso denominado ‘Leitura Solidária’, sendo que os seus coordenadores
registraram mudanças na relação professor-aluno que vão além do processo
didático-pedagógico, como resultados dos conceitos trabalhados no referido curso:
46
Quando um aluno faltava na prova eu ficava extremamente brava. Hoje eu primeiro tento descobrir os motivos que o levaram a não comparecer. E eles sabendo que eu procuro não julgar, mas sim compreender, se sentem mais à vontade comigo. São sinceros e desta forma eu posso conversar sobre as dificuldades deles, sobre prioridades e trocar experiências. (A TRIBUNA, 2004).
Pesquisa realizada na Baixada Santista referente ao Estudo de Caso
do Programa “Jornal, Escola e Comunidade”, desenvolvido pelo jornal A Tribuna
junto às escolas estaduais e municipais revelou alguns resultados. O trabalho é feito
com a participação das Secretarias Municipais de Educação (SEDUCs) e Diretorias
de Ensino. O interesse dos alunos pela pesquisa está em outros itens citados nos
questionários aplicados junto a 14 escolas dos municípios de Santos, São Vicente e
Praia Grande (Baixada Santista). Com base nos questionários, foi possível verificar
que o emprego do jornal como recurso didático serve para que o estudante seja
capaz de fazer inferências sobre o que lê e as atividades que desenvolve em sala de
aula ou extra-classe.
Dentre os assuntos apontados por uma grande maioria de
estudantes, estão o racionamento de energia, o terrorismo (o atentado no World
Trade Center e a guerra no Afeganistão), a violência no país, esportes (futebol, vôlei
e tênis), além dos avanços da Ciência (clonagem e transgênicos), novelas,
horóscopo e globalização. Esses temas são citados tanto por estudantes do Ensino
Fundamental como por alunos do Ensino Médio; também na escola MARCO (escola
pesquisada sobre a formação de leitores através do Projeto Cidadania) os alunos do
último ano do ensino fundamental responderam uma pesquisa de opinião citando
esportes, novelas e horóscopo como os assuntos que mais gostam de ler no jornal.
47
De acordo com as respostas dos professores ao questionário
aplicado pela pesquisadora Regina da Luz Vieira, da Universidade de Taubaté/SP,
pode-se verificar que o uso do jornal contribui para fornecer suporte metodológico
aos professores, fazendo com que o processo ensino-aprendizagem seja mais
produtivo. Isso porque desperta o interesse do aluno, tanto no que se refere ao
conteúdo da disciplina, quanto à valorização do patrimônio escolar e participação na
comunidade, em especial no que se refere às questões político-sociais. Para
desenvolver esse conteúdo nas diferentes disciplinas, os professores utilizam, entre
outros recursos didáticos, as aulas expositivas, estudos dirigidos, pesquisas, leituras
extra-classe, estudos em grupos, exercícios em grupo, vídeos, slides e música.
O uso desses recursos permite a participação dos estudantes e gera
uma visão crítica sobre a realidade em que estão inseridos, permitindo ainda a
integração de conhecimento entre professor, aluno e comunidade. No caso da
escola MARCO, situada na zona rural do município de Londrina - PR, o estudo de
caso realizado por mim demonstra uma realidade diferente. Os dados de pesquisa
revelaram uma freqüência baixa no uso do jornal em sala de aula e, quando essa
atividade ocorre, a metodologia utilizada é repetitiva: escolher uma notícia para
resumi-la.
Outro dado constatado na citada pesquisa de Vieira (2003) foi os
professores observarem a ampliação do vocabulário do estudante-leitor, fornecendo
o jornal uma “bagagem” cultural diversificada, o que permite ao aluno ter mais
assuntos para conversar com a família, os próprios professores e os colegas em
geral. Num cruzamento de dados realizado por Vieira (2003) entre questionários de
alunos e professores, foi possível verificar que ambos consideram a utilização do
jornal em sala de aula como um instrumento para auxiliar na formação da cidadania.
48
Isso ocorre a partir do debate sobre os problemas políticos, sociais, econômicos e
culturais que aparecem nas notícias jornalísticas e temas abordados em sala de
aula. Na escola alvo de minha pesquisa muitos alunos afirmaram não perceberem
relação entre o ensino de Língua Portuguesa e o desenvolvimento da cidadania.
A ampliação do conhecimento, assim como a integração de palavras
novas ao próprio vocabulário, são outros pontos apresentados nos dois tipos de
questionário; o trabalho eventual realizado com o jornal na escola MARCO não
permite que o mesmo se torne um recurso enriquecedor do vocabulário dos alunos.
Na pesquisa de Vieira (2003), os docentes destacam como
vantagens do programa Jornal, Escola e Comunidade o uso de textos da atualidade,
dinamicidade do conteúdo e a aproximação do conteúdo à realidade do aluno. Como
desvantagem, os professores destacam o excesso de material a ser levado para a
sala de aula (em geral são vários números ou cadernos do jornal para uma única
aula, em número suficiente para desenvolver a atividade estipulada quer em grupo,
quer individualmente). Eles ressaltam ainda a importância da continuidade do
Programa Jornal, Escola e Comunidade como meio para melhorar o nível escolar
dos alunos, ampliação do conhecimento, integração professor-aluno e um caminho
para a construção da cidadania.
Diante desses dados, vemos que em determinadas escolas o jornal
tem servido para criar uma metodologia capaz de integrar corpo docente e corpo
discente e a própria comunidade, bem como o conteúdo programático das diversas
disciplinas e ainda a interdisciplinaridade. Desta forma, o investimento financeiro
realizado justifica-se diante dos benefícios pedagógicos e sociais obtidos; no caso
da escola MARCO, o investimento financeiro não gerou ganhos educacionais
significativos.
49
Para Abdala (2000, p.54), numa comparação com o livro didático
(tendo por base pesquisa já desenvolvida por estudantes do mestrado em
Lingüística Aplicada da Universidade de Taubaté), este acaba criando uma
metodologia esvaziada quanto à dinamização da leitura e se torna “apenas um meio
de cumprir o programado, ou seja, utilizando o tempo de aula para fazer com que os
alunos leiam e escrevam, ainda que nenhum resultado concreto advenha dessa
atividade”.
O uso do jornal, portanto, pode contribuir para que o estudante seja
capaz de inferir sobre as leituras feitas, de modo não mecanizado, desenvolvendo a
habilidade de interpretar o que lê. A escola se tornaria, assim, um local de formação
e exercício de um ser humano mais completo, como cidadão; concordo que o jornal
tenha esse potencial de instigar a formação de leitores entre o público adolescente,
mas para a concretização desta meta é indispensável que a utilização deste veículo
no processo de ensino-aprendizagem contribua como formador de cidadania no
receptor-aluno, o que não verifiquei na escola analisada.
O tema da pesquisa realizada por Vieira (2003) foi “Utilização do
veículo jornal, na sala de aula, como meio crítico de Comunicação”, teve por base a
preocupação emergente nas diversas esferas sociais de solidificar o diálogo entre
Comunicação e Educação, ciências que não podem apenas cruzar caminhos, mas
necessitam de interconexões para contribuírem na formação e desenvolvimento
integral do homem. Meu tema de pesquisa recai sobre o mesmo interesse: analisar
se o jornal que é um veículo de Comunicação de Massa capaz de preservar a
memória cultural da sociedade por meio das notícias publicadas em suas páginas, é
também capaz de transformar ledores em leitores.
50
O jornal Diário do Grande ABC, em 15/08/2003, publica que “Diário
na Escola” é um projeto do Diário em parceria com a Secretaria de Educação e
Formação Profissional de Santo André. Na Vila Jardim Alzira Franco, em Santo
André, duas professoras estão utilizando o jornal em suas aulas. São iniciativas
ainda isoladas como tantas outras que despontam na rede municipal, mas que já
demonstram o potencial pedagógico do periódico. Patrícia Aparecida Martins Loro e
Adelice Aparecida do Nascimento, respectivamente professoras do 1º e do 2º anos
do 2º ciclo, afirmam: “Os alunos levam o jornal para casa e como a região é carente,
nem todos teriam oportunidade de comprá-lo.”.
Patrícia costuma solicitar que um aluno leve o jornal e escolha com
os familiares uma reportagem para ser discutida. No dia seguinte, o resultado da
conversa é apresentado ao resto da classe que também emite opiniões. No final do
exercício, todos escrevem sobre o assunto. A professora afirma sentir-se satisfeita
com o fato de perceber seus alunos “mais críticos e bem informados”. Acrescenta,
no entanto: “Mas o ideal seria recebermos uma capacitação específica para utilizar o
jornal em sala de forma mais sistemática e uniforme”. Minha tese defende a
importância da capacitação docente para otimizar o trabalho realizado e também
postulo o benefício de haver um exemplar para cada aluno e o envolvimento da
família nas atividades realizadas com o mesmo.
Adelice, a outra professora mencionada, trouxe para sua turma do 2º
ano do 2º ciclo da rede municipal, experiências que desenvolve com alunos na rede
estadual, onde já trabalha com jornais há quatro anos. Avalia que “realmente o jornal
traz a realidade do mundo para dentro da sala, mas eu sinto falta de uma melhor
capacitação para os professores desenvolverem um trabalho mais constante”. A
professora também menciona a influência dessa prática junto aos educadores que
51
foram obrigados a ficar mais bem informados com a chegada do Diário nas escolas.
Lembra que o professor é forçado a informar-se mais para fazer frente à curiosidade
mais aguçada dos alunos com o jornal. Adelice também ressaltou que o jornal requer
preparo para com ele trabalhar.
O Jornal ANJ – Notícias, em outubro de 2002, contém reportagem
de Flávia Moura, de Ilhabela, intitulada “Orientação dos educadores é que estimulará
a leitura”, na qual postula que “o jornal é o instrumento ideal para trabalhar
conteúdos interdisciplinares em sala de aula”. O conteúdo reflete as discussões
entre os educadores presentes ao Encontro Nacional de Coordenadores de
Programas Jornal na Educação, da ANJ. Durante o evento, professores e
coordenadores do programa Jornal na Educação, desenvolvido por 38 jornais
associados à ANJ, trocaram experiências e discutiram prioridades e dificuldades
para a manutenção dos programas sócio-educativos. Segundo a coordenadora do
Sub-Comitê Jornal na Educação, da ANJ, Maria Aparecida Borelli de Almeida, a
mera distribuição do jornal em sala de aula não reflete um programa educativo.
Para consolidar essa prática, existe uma proposta de lei do deputado
Luiz Bittencourt (PMDB-GO), já aprovada pela Câmara, essa lei tornaria obrigatória
a leitura de jornais em sala de aula. Os professores receberiam treinamento
especial, pois estudos mostraram que eles não têm tempo e dinheiro para a leitura
de jornais. Considero indevida a postulação de que através de decretos problemas
educacionais possam ser resolvidos; o que o professor realiza em sala de aula com
seus alunos é capaz de alterar a realidade dos mesmos, transformando-os em
leitores e cidadãos.
Se há interesse das empresas jornalísticas em colocar o jornal na
escola, devem estar sensíveis à dinâmica do mundo da educação e abertas a
52
mudanças e reformulações em seus produtos e propostas, em benefício da
estruturação desse tipo de interferência. O jornal pode dedicar-se a elevar o nível
cultural do público; sua união com o leitor pode ser pensada a partir de uma relação
que traga benefícios mútuos. Os leitores, que são para o jornal “elementos
econômicos, capazes de adquirir as publicações e de fazê-las adquirir por outros”,
devem receber em troca algo de que têm necessidade. O trabalho do jornal, neste
sentido, está em identificar tais necessidades e corresponder a elas. O retorno
deverá ser o desenvolvimento do leitor e a conquista e a ampliação do público do
jornal, para isto é indispensável a parceria pedagógica.
Schmidt (2003), apresenta conclusões de uma pesquisa acerca das
representações sobre a alfabetização que estão sendo produzidas e multiplicadas
pelos jornais. Discute as narrativas que os jornais escolhidos estão criando e
colocando em circulação sobre o que pode significar o acesso à alfabetização,
analisa quais são os olhares que o jornal está lançando para as questões
relacionadas à alfabetização brasileira, examinando o que ele nos diz sobre isto.
Também o jornal Folha de Londrina/ Folha do Paraná publica com regularidade
matérias sobre as escolas que recebem o Projeto Cidadania, analiso as mesmas
como marketing do próprio jornal e de seus patrocinadores.
Schmidt (2003) afirma ainda que grandes organizações divulgam
campanhas de alfabetização oferecendo saídas mágicas pelo caminho da educação,
como alternativa central e inquestionável para os problemas sociais do país; o jornal
coloca em pauta aquilo que considera importante também no campo da educação e
formação do leitor. A alfabetização pode ser compreendida como uma ferramenta
eficiente na regulação daquilo que as pessoas devem conhecer ou saber para serem
consideradas integradas numa sociedade moderna. No entanto, existem escolas
53
onde o aluno aprende a ficar horas sentado na sala de aula, seguindo sempre a
disciplina da escola: aprender a levantar a mão antes de falar, escutar com atenção
as palavras da professora, sentar-se. Como formar o leitor/ cidadão crítico nesse
ambiente de reprodução e a-criticidade?
“A Família e a Escola Marcando a Formação do Leitor” é objeto de
investigação da professora Maria Lucia Marques (2003) que produziu uma pesquisa
qualitativa a respeito de como os sujeitos representam a influência da família e da
escola em sua formação como leitor. A amostra é composta por sujeitos adultos
nascidos entre as décadas de 1930 e 1970, sendo cinco homens e sete mulheres
com escolaridade mínima de quatro anos, pertencentes à classe média e moradores
da cidade de São Paulo. Ao final do trabalho, pôde-se concluir que, para os
entrevistados, a sistematização da leitura e da escrita deu-se na escola.
Essa primeira experiência dentro da escola era relatada como fonte
de desprazer. O ato de ler torna-se desagradável para todos quando transformado
em imposição ou em mero instrumento de aprendizagem de ortografia. O mesmo
verifico na escola MARCO – objeto de minha investigação; também na pesquisa de
Marques, ler na escola (e para a escola) era sinônimo de desprazer, como muitos
alunos da escola MARCO, que afirmam não gostar de ler. Todos os entrevistados da
pesquisadora mencionada têm um modelo idealizado de leitor e uma teoria de como
formá-lo; mostram-se descontentes com seu desempenho de leitor e atribuem isso à
sua formação, à falta de hábito, à falta de tempo e às condições sócio-históricas em
que estão inseridos.
Para Lúcia Maria, mencionada em matéria do jornal “Folha da
Região” o projeto do mesmo jornal é que as crianças aprendam usando como
referência o contexto de sua realidade. “A leitura de jornal faz parte da vida dos
54
alunos. Não é uma leitura isolada, como a das cartilhas”; compara. A cada 40 dias, a
coordenadora Lúcia Maria se reúne com representantes de cada escola participante
para repassar instruções de como usar o jornal na sala de aula com os alunos. Cada
representante repassa as informações para outros professores; estratégia que
considero vital para o alcance dos objetivos do projeto. São sugeridas ainda
atividades como concursos de contos, de poesia, de cartazes e campeonato e
olimpíada de leitura, segundo o que informa a página eletrônica do jornal. Destaco
que não basta planejar essas atividades, é fundamental realizá-las de fato (FOLHA
DA REGIÃO, 2003).
O jornal Tribuna do Norte, de Apucarana (PR), empenha-se em abrir
canais que subsidiem e reciclem os educadores, de forma a tornar sua missão em
sala de aula não apenas produtiva, mas sobretudo, transformadora. A 3ª Oficina
Pedagógica do projeto cultural ‘Vamos Ler Apucarana!’ e ‘Vamos Ler Arapongas!’,
desenvolvido pela Tribuna em parceria com a iniciativa privada e órgãos públicos,
reuniu mais de 230 professores e coordenadores escolares das duas cidades sob a
coordenação da pedagoga Carmen Lozza. Há 14 anos, ela atua como consultora do
programa “Quem Lê Jornal Sabe Mais”, desenvolvido há duas décadas pelo jornal
carioca O Globo. “Para formar leitores, o professor tem de ser um leitor. Tem de
saber a diferença entre opinião e informação e fazer uma leitura crítica daquilo que
está recebendo”, afirma Lozza. Isso requer um ambiente em que alunos e
professores sejam leitores e não meros ledores.
Uma pesquisa divulgada durante o evento Encontro Nacional de
Coordenadores de Programas Jornal na Educação da ANJ, aponta que estudantes
de Jornalismo não lêem jornal e que professores de faculdades de Jornalismo não
utilizam exemplares em sala de aula. A discussão lançada pela professora Arilce
55
Cardoso Tomaz, coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Monte
Serrat, de Santos - SP, demonstra que a falta de leitura não atinge apenas os
Ensinos Fundamental e Médio. “Infelizmente, o brasileiro culturalmente não lê. O
incentivo da leitura de jornal em salas de Educação Infantil pode ser uma alternativa
para mudar esse quadro”. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS, 2003)
Refletindo sobre a prática pedagógica em favor da formação de
leitores, Patrícia Constâncio Werner (1999) da FURB analisa a correlação existente
entre as concepções de leitura do professor do ensino fundamental e sua prática
pedagógica endereçada à leitura no que se refere a formação de leitor competente.
Afirma que a escola apresenta, na sua história, marcas muito fortes e
comprometedoras no que se refere à formação de leitores e que se reproduzem no
fazer pedagógico de boa parte dos seus professores. Defende que quando
professores e alunos interagem, vivenciando momentos de leitura, diferenciados
procedimentos poderão surgir e contribuir para a formação de verdadeiros leitores,
ou seja, leitores competentes e conscientes do seu papel na sociedade.
Este capítulo apresentou, de modo panorâmico, alguns relatos que
dão conta de como a utilização do jornal em sala de aula é focalizada pelas pessoas
que com ele têm estado envolvidas. Torna-se essencial a percepção de que não é
viável discutir o lugar da leitura na escola sem que se discuta o lugar da leitura em
nossas vidas. É igualmente difícil identificar as razões da existência de alunos
leitores e não-leitores na escola sem observar os leitores e não-leitores professores,
pais e sociedade. A formação do leitor requer um ambiente de leitores, e se o
mesmo não existir na comunidade, deve ser impulsionado na escola e vivenciado na
sala de aula, de modo especial nas aulas de língua materna. O capítulo a seguir
focalizará essa correlação.
56
3. DO LEDOR AO LEITOR: UMA FORMAÇÃO TORTUOSA
Sempre quis realizar esta pesquisa na área de Lingüística Aplicada
ao Ensino de Língua Materna, tendo por tema a leitura do jornal em sala de aula;
buscava investigar como um documento oficial do MEC denominado Parâmetros
Curriculares Nacionais – ou PCNs – concebia a leitura e como esse documento
encaminhava o trabalho de leitura a ser realizado em sala de aula, tendo como
enfoque os Temas Transversais e como suporte o jornal. Porém, desejava
permanecer em um terreno mais asséptico: analisar o discurso oficial do MEC e
refletir/descrever como viabilizá-lo através da leitura do jornal em sala de aula.
O objetivo maior da educação, de acordo com os PCNs, é o
desenvolvimento da cidadania e o maior objetivo específico da área de língua
portuguesa, segundo o mesmo documento, é a formação de leitores críticos. O
problema estaria na viabilidade da proposta, por exemplo: como trabalhar temas
transversais em sala de aula? O jornal pode ser um veículo muito útil para
desempenhar essa tarefa. Em todos os continentes existem jornais ligados a
projetos de educação. Bastava-me redigir um texto “casando” a teoria veiculada
pelos Parâmetros com a riqueza temática apresentada pelos jornais. Para ter um
“corpus específico”, analisaria o Projeto Cidadania desenvolvido pela Folha de
Londrina – jornal local que, em parceria com secretarias de educação e iniciativa
privada, fornece jornais para escolas conveniadas a esse projeto. Ao apresentar os
pontos positivos e os negativos desse projeto estaria contribuindo para otimizá-lo e
efetivar o discurso dos PCNs na prática docente.
57
“Traduzir” os PCNs é um trabalho significativo; tratar sobre a leitura
na escola é sempre relevante para o ensino de língua materna; analisar a
perspectiva de trabalho com a leitura através do jornal em sala de aula é investigar a
mídia, o que se constitui em uma necessidade contemporânea; transversalidade
também é tema de pauta na discussão entre os estudiosos da área; analisar
currículo é assumir uma postura política capaz de revelar caminhos que aproxime a
escola que temos da escola que queremos.
Minha resistência em ir até a escola para entrevistar professores e
alunos devia-se ao fato de que, como pretendia analisar os Parâmetros Curriculares
Nacionais no que tange à leitura de temas transversais, considerava desnecessário
ouvir o que docentes e discentes de uma escola específica tinham a dizer, como se
saber o que os PCNs dizem sobre eles mesmos fosse suficiente. A partir da
segunda metade do curso de doutorado, compreendi que alterações no ensino
fundamental brasileiro não acontecem apenas porque um documento do MEC
propõe mudança nas técnicas e métodos empregados no ensino e propõe até
mesmo novos conteúdos de ensino (por exemplo, os temas transversais). Nenhum
programa de melhoria escolar alcançará sucesso excluindo a motivação do
professor para implantá-lo em sua sala de aula específica e nas relações que
efetivamente estabelece com seus alunos.
Trabalhos que descrevam essas realidades podem auxiliar na
viabilização da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, MEC: 1997),
particularmente ao que se refere à leitura de jornais. Para esse documento a escola
“tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes
lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos”.
(p. 5).Trata-se de um objetivo comum para toda a nação brasileira, mas não é esse o
58
problema crucial, o fator mais polêmico é justamente como viabilizar esses princípios
dos PCNs na escola. Como viabilizar esses princípios e transformar um ledor em
leitor?
3.1 ANALFABETISMO E ILETRISMO
Em Sobre Letramento: do Processo de Exclusão Social aos Vícios
da Prática Pedagógica, Silva (2003) expõe que o desafio que hoje se coloca à
construção da sociedade democrática ultrapassa a dimensão técnica do ensinar as
letras, as sílabas e as palavras. Quando grande parte da população fica à margem
do mundo letrado e os homens são impedidos de se constituírem enquanto sujeitos,
há que se (re)considerar a exclusão social, especialmente em uma comunidade rural
como é o caso de minha pesquisa. Estaria a escola MARCO auxiliando na mudança
ou na manutenção desse quadro?
Em 1985, a palavra iletrismo entra no dicionário da língua francesa,
“Le Petit Robert”, designando os imigrantes (e não os franceses) que não sabem ler
ou escrever; o termo “analfabeto” é atribuído aos habitantes de países
subdesenvolvidos que não conhecem a leitura e a escrita da sua própria língua
materna. De acordo com Apple e Nóvoa (1998), em 1965, em Teerã, no Congresso
Mundial dos Ministros da Educação sobre a Eliminação do Analfabetismo, começa-
se a utilizar o termo “alfabetização funcional” cuja compreensão incluía, além de
saber ler, escrever e contar, a aquisição de outros conhecimentos gerais básicos.
59
Muitos “alfabetizados” no passado voltam a ser “analfabetos”, situação denominada
de “analfabetismo regressivo”.
Em 1978, a UNESCO define o “iletrismo” , para imigrantes instalados
em países de primeiro mundo, e “analfabetismo funcional”, para pessoas de países
do terceiro mundo que não sabem ler e escrever sua própria língua materna. Em
ambos os casos, a compreensão designa toda pessoa incapaz de exercer todas as
atividades para as quais a alfabetização é necessária e para o bom funcionamento
da pessoa em seu grupo e na sociedade a qual pertence.
Na década de 80, houve a fundação do Grupo Permanente de Luta
contra o Iletrismo (GPLI). O Grupo define, em 1991, a condição do iletrado:
Falta de domínio suficiente de saber de base tendo dificuldade em comunicação com o outro, dificuldade em utilizar contas matemáticas, dificuldade em se situar geograficamente e historicamente. (LAHIRE, 1999, p.38).
Nos anos que se seguem, o termo literacia (ou letramento) enfatiza a
capacidade de utilizar os textos escritos necessários para funcionar dentro da
sociedade, atendendo seus objetivos, por fazer-se conhecer e crescer seu potencial.
Ou seja:
São consideradas como relevantes as situações de iletrismo das pessoas com mais de dezesseis anos que não dominam suficientemente bem a escrita em face das exigências mínimas requeridas por sua vida profissional, social, cultural e pessoal. As pessoas que são alfabetizadas dentro das escolas, e que saem do sistema escolar sem adquirir os saberes escolares primeiros por razões sociais, familiares ou funcionais. (LAHIRE, 1999, p. 41).
A referência que se faz aos iletrados acaba, segundo Lahire (1999),
por disseminar a idéia, pela sua identificação com pessoas de vida difícil, que não
60
sabem ler etiquetas, que não sabem usar máquinas de lavar roupa, não sabem
preencher formulários, etc. Pela associação de idéias, iletrismo na França vincula-se
à imigração, pobreza, precariedade, dificuldade social e fracasso escolar. De modo
semelhante, no Brasil, não raro o analfabeto identifica-se com o nordestino, o negro,
o marginal, o carente e o infradotado, aquele que dificilmente poderia ser bem
sucedido na escola ou no trabalho. Em ambos os casos, na França ou no Brasil,
esta associação de significado colabora para a perpetuação do estigma e está a
serviço do processo de exclusão social.
3.2 UM BREVE HISTÓRICO DA DIDATIZAÇÃO PARA A LEITUR A NO BRASIL
Tradicionalmente, a didatização das atividades para o ensino da
leitura e escrita na escola cristalizou-se como uma linguagem estranha aos alunos,
falantes nativos da língua portuguesa que nem sempre percebiam as práticas
pedagógicas como extensão ou possibilidade efetiva do seu dizer. Longe de atender
as necessidades do indivíduo, de desenvolver e ampliar os seus modos de
expressão e interação, ou ainda, de alimentar o desejo de aprender, ensina-se uma
língua que, de fato, não é a dele; impõe-se uma relação com as letras incompatível
com o seu mundo. Nos anos 1960 e 70, a pedagogia tradicional consubstanciada
em práticas alfabetizadoras alienantes foi duramente criticada por Paulo Freire.
Desde então, os argumentos em prol de um ensino pensado à luz do sujeito
aprendiz, vêm sendo sistematicamente reconsiderados.
61
Na década de 1980, propagam-se novas concepções sobre a língua,
suas variantes e natureza essencialmente dialógica. A compreensão dos muitos
falares, o respeito ao sujeito falante e a dimensão interlocutiva das práticas
lingüísticas passam a configurar entre os pressupostos do projeto educativo na
busca pela qualidade e eficiência do ensino, destacando-se a importância das
experiências sociais de leitura e escrita como oportunidades que impulsionam e dão
sentido ao aprendizado na escola.
Nos anos 90, a busca da compreensão sobre o processo de
letramento permitiu situar a alfabetização como efetiva possibilidade de uso do
sistema de escrita no contexto social. Mais do que conhecer as letras, as regras
ortográficas, sintáticas ou gramaticais, o ensino da língua escrita requer a
assimilação das práticas sociais de uso, contribuindo assim para a conquista de um
novo status na sociedade (Soares, 1999).
A melhor compreensão que hoje temos sobre o processo de
alfabetização tem inspirado, além das pesquisas acadêmicas, iniciativas concretas
de propostas educativas oficialmente assumidas sob a forma de diretrizes nacionais
e de programas estaduais, municipais ou particulares de ensino.
Quando os excluídos passaram a ter acesso à educação escolar, o
modelo utilizado era o da educação existente até então. Hoje, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) da Área de Língua Portuguesa procuram realçar a
importância da oralidade e tentam corrigir esse descompasso, propondo que o
professor de Língua Portuguesa assuma, em seu currículo, diversos gêneros da
língua oral e os PCNs destacam a necessidade do professor trabalhar em sala de
aula com gêneros lúdico-literários (contos, causos, poesia popular, jogos lingüísticos,
etc.) e os não-literários (gêneros de imprensa: comentário radiofônico, entrevista,
62
debate, depoimento; gêneros de divulgação científica: exposição,seminário, debate,
palestra; gêneros primários: conversa cotidiana, entrevistas espontâneas, dentre
outras) para a formação do leitor..
É preciso reconhecer que somente as aulas expositivas tradicionais -
que expõem analiticamente os conteúdos e deixam as atividades orais e de leitura
por conta de uma aprendizagem espontânea ou para a área de Língua Portuguesa -
não contribuem para a formação de alunos críticos e autônomos. Do mesmo modo,
a prática do professor de Língua Portuguesa que passa boa parte de seu tempo
ensinando análise sintática de frases descontextualizadas não acrescenta
conhecimentos significativos na formação de leitores. Os professores de todas as
áreas são professores de leitura e de escrita, por isso, a formação do leitor e do
produtor de textos é tarefa da escola; conforme Guedes (1999):
Ler costuma ser visto pelo ensino tradicional como decifrar signos lingüísticos transparentes, ou seja, reconhecer as letras, as sílabas, as palavras e frases que, em conjunto, formam um texto. O ensino e a aprendizagem, tanto da leitura como da escrita, tradicionalmente, foram vistos como um processo cumulativo; nesse sentido, não se lê, na escola, textos que realmente desperte a vontade de continuar a lê-los, mas lê-se “apenas” para aprender a ler; limitando-se as atividades em sala de aula aos textos dos livros didáticos nos quais há fragmentos de textos e exercícios em que prevalece a retirada de informações explícitas.
Pesquisas contemporâneas revelam que a leitura ultrapassa a mera
decodificação, constituindo-se num processo de atribuição de sentidos. E essa
atribuição de sentidos “está diretamente relacionada às atividades discursivas e às
práticas sociais às quais os sujeitos têm acesso ao longo do seu processo de
sociabilização”, (MATENCIO, 1994, p. 17). Sendo as práticas de leitura e de escrita
fenômenos sociais, que ultrapassam os limites da escola, também na escola essas
práticas deveriam ser vistas como tais, como construção de significados e atribuição
63
de sentidos, reduzindo – se, assim, os conflitos entre a demanda social e a escolar,
pois a escola estaria trabalhando no sentido de sanar uma demanda social.
3.3 A FORMAÇÃO DO LEITOR: CONTRIBUIÇÃO DOS PCNS
A proposta integrada de ensino-aprendizagem de leitura,
interpretação e produção de texto assume a interpretação como uma construção de
sentido, feita pelo leitor, a partir dos seus conhecimentos prévios e com base nas
pistas textuais, numa relação interlocutiva. “Nem o autor, nem o leitor são as fontes
únicas do sentido” (GERALDI, 1993, p. 167). Segundo os Parâmetros Curriculares
Nacionais - Língua Portuguesa, (BRASIL, 1995, p. 21):
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor; de tudo o que sabe sobre a língua; características do texto; do portador que o apresenta, do sistema de escrita.
Kleiman (1995, p. 12) vê a leitura “como processo psicológico em
que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico,
sociocultural, enciclopédico”.
Tal utilização requer a mobilização e a interação de diversos níveis
de conhecimento, o que exige operações cognitivas de ordem superior, como a
inferência, a evocação, a analogia, a síntese e a análise.
64
Tal concepção de leitura se opõe à prática autoritária comum em
sala de aula, ‘que parte do pressuposto de que há apenas UMA maneira de abordar
o texto e UMA interpretação a ser alcançada.” (KLEIMAN, 1995, p. 23). Um processo
integrado de ensino-aprendizagem de leitura, interpretação e produção de texto é
enfocado pelos PCNs (BRASIL, 1997, p. 20):
Leitura e escrita são práticas complementares e fortemente relacionadas. [...] Leitura e escrita são práticas que permitem que o aluno vá construindo seu conhecimento sobre os diferentes gêneros, sobre os procedimentos mais adequados para lê-los e escrevê-los, sobre as circunstâncias de uso da escrita.
Esta visão integrada do ensino-aprendizagem de leitura,
interpretação e produção de texto, não orienta a maior parte das atividades
escolares na escola MARCO. Verifiquei a mera repetição do texto lido, solicitando ao
aluno que escreva sobre o que entendeu da leitura; ou há uma produção que toma o
texto lido apenas como pretexto. Tal prática representa o que é chamado aqui de
proposta “tradicional” de ensino-aprendizagem.
Diante dos impasses tecnológicos e culturais do final do milênio, a
escola mantém a escrita da palavra como texto básico no ensino, embora o mundo
das imagens virtuais já faça parte da realidade de muitos alunos; e, sem formar
leitores críticos ou incutir o hábito da leitura, prepara mal o cidadão. A formação do
leitor impõe-se como prioridade e pressupõe a figura do professor como interlocutor
ativo no diálogo da leitura, a fim de instigar e promover leitores que estejam à
procura de respostas às suas próprias indagações e a desconfiar dos sentidos das
letras impostas nos textos; o que transforma a leitura em algo agradável, fonte de
informação e de lazer.
65
Os PCNs requerem aulas de leitura enquanto “produção de sentido”,
determinadas pelas condições socioculturais do leitor, com os seus objetivos, seus
conhecimentos de mundo e de língua. Nesse sentido, a construção do conhecimento
se efetivará pelo hábito da leitura interpretativa enfatizada no contexto escolar.
Afinal, é principalmente através da leitura que os alunos poderão encontrar
respostas aos seus questionamentos, dúvidas e indagações, se a leitura na sala de
aula não estiver apenas adstrita a uma metodologia tradicional que vê a leitura
enquanto decodificação.
Conforme estipulam os PCNs, o ensino de língua portuguesa não
pode ser caracterizado por seu feitio predominantemente normativo e conceitual,
privilegiando-se um modelo ancorado na visão da língua como um código fechado e
estático. Neste modelo tradicional combatido pelos PCNs, o ápice do processo
ensino-aprendizagem resulta na memorização de regras e conceitos dissociados das
práticas cotidianas da língua falada dos alunos, submetendo-os à rígida formalidade
gramatical. Ao contrário, ler e produzir textos nas escolas deve estar associado a
ação simbólica sobre o mundo, onde o aluno consiga constituir-se como um sujeito
que pensa, sente e dialoga sobre questões atuais e relevantes para o exercício da
cidadania.
Com as inovações propostas pelos PCNs, a prática da leitura
deveria ser constante, buscando-se o auxílio pelo emprego de livros, jornais,
revistas, quadrinhos, rótulos, listas, tabelas, placas, publicidade etc, que forneçam
subsídios aos professores nas tarefas de tornarem seus alunos, verdadeiros leitores.
Cabe ao professor munir-se de embasamento teórico sobre leitura, o que lhe dará
auxílio no direcionamento de sua prática, pois só ensinamos bem o que conhecemos
e acreditamos.
66
As Secretarias de Educação são responsáveis por incentivar a
qualificação de seus profissionais, para que estes deixem de utilizar textos
fragmentados de manuais didáticos como único meio auxiliar para a leitura,
objetivando o trabalho de unidades curriculares como mera fixação e memorização
de conteúdos, quase sempre aleatórias à realidade dos alunos, tornando-os
vulneráveis a dominação de uma minoria que se mantêm bem informada.
De acordo com os PCNs (BRASIL, 1997) não se busca mais formar
indivíduos que concebam o que está escrito como verdade inquestionável e, sim,
que sejam capazes de criar e recriar, de integrar-se a uma sociedade reflexiva.
Indivíduos que se percebam leitores competentes e que possam exercer o papel de
cidadão ativo na sociedade em que vivem é o que se pretende hoje, de acordo com
o que divulga o MEC, através dos PCNs. A reflexão-ação-reflexão da prática
docente favorece ao professor, ao ouvir falar em investimento educativo, perceber-
se co-autor de um projeto de escola e na escola.
A utilização de textos que circulam nas ruas e em casa constitui uma
opção preciosa no dia-a-dia escolar em todos os níveis de ensino. Quanto ao
professor, o que esperamos é que seja, antes de tudo, um leitor, em função da
responsabilidade que o educador tem neste processo de formação de leitores. Se é
inegável o papel relevante que o ato de ler assume no mundo contemporâneo, isso
não se efetiva na prática. Os cidadãos, em sua grande maioria, lêem muito pouco.
Os alunos, segundo os próprios professores, não lêem.
A prática da leitura e a formação do leitor são tarefas que, mesmo
que não exclusivas, são de responsabilidade da escola e conseqüentemente do
professor, ou seja, faz-se necessário desenvolvê-las ao longo da escolarização dos
alunos, o que não se alcança através de práticas inadequadas de ensino de
67
português, fruto de concepções inadequadas sobre a natureza do texto e da leitura
e, por extensão, da linguagem.
A língua não é um simples sistema de regras, mas uma atividade
socio-interativa, portanto não deve ser ensinada na escola como domínio de um
código específico. Os PCNs apontam para um redimensionamento do ensino do
idioma de acordo com os atuais ensinamentos da Lingüística, apresentando a língua
como “fenômeno sociocultural que se determina na relação interativa e contribui de
maneira decisiva para a criação de novos mundos e para nos tornar definitivamente
humanos” (MARCUSCHI, 2001, p. 125). Porém, o discurso dos PCNs pode não
contribuir para o dia-a-dia escolar, se não houver vontade política em conhecê-lo e
aplicá-lo.
Os PCNs ao estabelecerem os objetivos gerais do ensino
fundamental apontam que a ênfase do trabalho realizado em todas as disciplinas
deve recair sobre a leitura, e que o objetivo da escola é desenvolver o sentido de
cidadania, e isso se deve conseguir, em grande parcela, pelo ensino voltado para a
leitura de temas transversais (assuntos que têm origem em questões sociais
urgentes).
O jornal é um instrumento que registra a realidade social, porém não
é o único. Os PCNs postulam que diferentes impressos devem ser objeto de
atividades de leitura:
Todo material é fonte de informação, mas nenhum deve ser utilizado com exclusividade. É importante haver diversidade de materiais para que os conteúdos possam ser tratados da maneira mais ampla possível. [...] A utilização de materiais diversificados como jornais, revistas, folhetos, propagandas, computadores, calculadoras, filmes, faz o aluno sentir-se inserido no mundo à sua volta. (BRASIL, v. 1, p. 104).
68
Os PCNs não condenam a adoção oficial do livro didático, mas
salientam que ele não deve ser material exclusivo de uso e que os professores
precisam estar atentos à sua qualidade e às possíveis limitações que o tornem
inadequado a determinadas circunstâncias de ensino e aprendizagem. Além disso,
orientam no sentido de que cada meio de comunicação (rádio, televisão, cinema,
etc.) tenha seu espaço nas situações do ambiente escolar. Há vantagens e
desvantagens no uso do livro didático, e o que se torna primordial é a capacidade de
escolher e combinar recursos. O mesmo se pode afirmar com relação à idéia de
rivalidade entre leitura de jornal ou de literatura. A leitura crítica da mídia na sala de
aula é tarefa inadiável na construção da cidadania, meta proposta pelos PCNs para
todos os níveis de ensino, assim como transmitir o gosto pelo estudo do texto
literário é função do professor de língua portuguesa. Essas tarefas não são
excludentes, e sim complementares, pois ambas se voltam para um objetivo único: a
formação do leitor.
Os PCNs propõem aproximar o ensino da vida cotidiana e incentivar
o aluno a pesquisar, criticar, estabelecer relações, interpretar e criar; o ensino de
língua portuguesa não deve restringir-se a regras gramaticais, mas se vincular a
todo tipo de texto, de livros, jornais, revistas e publicidade. Os PCNs prevêem em
todas as matérias escolares a inclusão de conteúdos que têm como eixo a
cidadania, são os Temas Transversais: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade
cultural, orientação sexual, avanços tecnológicos, trabalho e consumo, além da
possibilidade de inclusão de temas locais. Os PCNs apontam a ética como fio de
condutor para todo trabalho humano, incluindo –se aí o trabalho com os outros
temas transversais.
69
Saúde : Já em 1948, a Organização Mundial da Saúde assim a
definia: “Saúde é o estado de completo bem estar físico, mental e social e não
apenas a ausência de doenças”. Defender a vida e fornecer alimentos para capacitar
cada pessoa e a sociedade a desfrutá–la de modo saudável não é função exclusiva
da escola, porém a Educação para a Saúde se impõe como uma problemática que
não pode ser ignorada. Desenvolver a responsabilidade pessoal e social sobre as
questões que envolvem cidadania (por exemplo, motivar e capacitar para o auto-
cuidado consciente de que a saúde é um direito de todos) não é tarefa que se limite
a uma disciplina, mas todas podem e devem prestar a sua contribuição nesse
sentido, respeitando as características peculiares do seu campo científico. Por meio
de leitura crítica das matérias jornalísticas é possível discutir saúde como direito
básico de todo ser vivo e de forma contextualizada, que permite que o aluno situe o
aprendizado em seu cotidiano.
Meio-Ambiente : O jornal também é um, dentre outros veículos, que
funciona como alerta para a necessidade de se examinar as principais questões
ambientais do ponto de vista local, regional, nacional e internacional. Só é possível a
realização bem sucedida de atividades práticas de proteção ao meio ambiente,
quando antes sensibilizamos para a existência de problemas ambientais.
Poderíamos usar a análise do texto como forma para desenvolver o sentido crítico;
sem ele não há como perceber a relação entre a qualidade de vida e um ambiente
saudável e valorizar o uso adequado dos recursos disponíveis e portanto,
demonstrar a relação íntima entre a qualidade de vida e equilíbrio ambiental.
Orientação Sexual : Ao explorar, através de textos jornalísticos,
questionamentos que se referem à Orientação Sexual, contribuiríamos para a
quebra de estereótipos atribuídos ao papel social do homem e da mulher, também
70
incentivaríamos o fornecimento de informações científicas que ajudem a prevenir a
gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis. Do mesmo modo,
prestaríamos nossa contribuição para a formação de cidadãos responsáveis quanto
à sua sexualidade, se proporcionássemos o debate de questões relacionadas à
sexualidade através de um texto veiculado pelo jornal. Forneceríamos um
espaço/momento para reflexões que conduzem a uma visão mais ampla sobre o
tema, sem invasão de privacidade pessoal, pois o conhecimento sobre o corpo
humano e as formas de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis é um
direito que não pode ser negado ao cidadão.
Pluralidade Cultural : A Pluralidade Cultural está entre os temas
transversais por fazer parte da realidade brasileira. A escola, ao ensinar a riqueza
que representa a diversidade cultural que compõe o patrimônio sócio-cultural
brasileiro, estaria valorizando as particularidades dos grupos sociais e, ao promover
a convivência, combata a discriminação. O volume 8 dos PCNs trata da
apresentação dos temas transversais e ética, e, no tocante às orientações didáticas,
afirma:
Em relação à Língua Portuguesa, é freqüente pensar que há apenas uma forma de se falar o português. Todo o resto seria errado. Porém no Brasil há uma grande diversidade das formas de se falar. Por exemplo, para se dirigir a outra pessoa, o gaúcho emprega o pronome “tu” enquanto o paulista “você”. “É, portanto, preciso fazer com que o aluno conheça e aprecie essa diversidade de formas de falar e não considere que expressar-se diferente seja um erro de português. Trata-se de, também nessa área superar o preconceito. (BRASIL, v. 8, p. 125).
A escola tem o dever de garantir a todos os seus alunos o acesso à
norma culta, pois o domínio da língua de prestigio é indispensável para o efetivo
exercício da cidadania–já que é através da língua que se adquire informações e se
71
expressam os anseios individuais e coletivos – entretanto, a quebra do complexo de
incompetência lingüística é o primeiro passo a ser dado quando se tem como meta
evitar o fracasso escolar. Através da análise da linguagem utilizada nos textos
jornalísticos, podemos visualizar a existência de diferentes modos de falar e que eles
existem graças às diferenças regionais, sociais, históricas e estilísticas, mas que
diferença não é deficiência (SOARES, 1999).
Ao promover o conhecimento da norma culta para situações formais,
não podemos negar a existência das variedades dialetais e o prestígio da linguagem
informal em situações informais. Conhecer e respeitar as diferentes variedades
lingüísticas é um dos objetivos gerais da língua portuguesa para o ensino
fundamental; a aprendizagem da convivência, o respeito às diferentes formas de
expressão cultural e a vivência da própria cultura são objetivos de um ensino que
visa proporcionar interação entre os homens.
Avanços Tecnológicos : Com relação ao ensino de língua
portuguesa, a leitura e interpretação de textos – que enfoquem temas considerados
transversais – dentre eles, os avanços tecnológicos – estaria favorecendo o
crescimento cultural e crítico do aluno para que ele seja agente em sua comunidade,
pois aprendeu conteúdos significativos para a vida que podem ser usados a serviço
da sociedade, porque, além de ter adquirido conhecimentos tecnológicos,
desenvolveu seu potencial crítico para buscar soluções para problemas humanos.
Trabalho : A importância do trabalho na vida do indivíduo e da
sociedade destaca-se dentre os problemas que possuem abrangência nacional e
urgência social, e que poderiam ser aprendidos em todas as turmas – cada qual de
acordo com o seu nível de maturidade, com o objetivo de favorecer a compressão da
realidade e a participação de todas as pessoas na busca por soluções para
72
problemas como o desemprego e o subemprego que desencadeiam outros
problemas sociais como os sem-terra, por exemplo.
Consumo : Um ensino que assumisse como uma das suas funções
centrais proporcionar, ao indivíduo, condições de contribuir socialmente pela sua
capacidade de produzir bens e serviços necessários e pelo seu desejo de distribuir a
renda total da sociedade, estaria promovendo a Cidadania. Um aprendizado que se
voltasse para uma análise crítica de paradigmas, como o consumismo de massa,
que leva à criação de intermináveis necessidades e as pessoas tornarem–se
obcecadas pelo consumo seria capaz de provocar mudanças sociais, a começar
pela própria escola que se torna mais ética, por capacitar seus membros a interagir
no mundo e a fazer escolhas conscientes.
Um desafio ainda maior nos é solicitado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais: desenvolver a auto–estima em nós e em nossos alunos para
que deixemos de ser meros transmissores de conhecimento e, de alienados e
alienantes, passemos a ser sujeitos conscientes do nosso papel como cidadãos –
professores de língua materna. Para que essa transformação aconteça, todo
educador deve estar disposto a estudar e a incorporar os textos de comunicação de
massa em suas aulas e não apenas em seus discursos.
73
3.4 O PAPEL DO JORNAL NO PROCESSO DE LETRAMENTO
No Brasil, conforme nos explica Soares (1998), o aparecimento do
termo “letramento” está associado ao fenômeno da superação do analfabetismo em
uma sociedade que vem, progressivamente, valorizando a escrita. Adverte que não
basta apenas aprender a ler e a escrever:
As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita (...) Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades além de novas alternativas de lazer. (Soares, 1999, pp.45-46)
Preocupada com a compreensão do fracasso de quem, mesmo
tendo freqüentado a escola, não aprendeu e com as implicações pedagógicas dessa
realidade na prática escolar, Kleiman (1995) procura distinguir duas concepções de
letramento. O Modelo Autônomo, calcado na idéia de que a escrita teria uma lógica
em si independentemente do contexto de produção, pressupõe um caminho único
de desenvolvimento das habilidades e aprendizagem do sistema. Tal concepção é
predominante, prestando-se à legitimação do ensino em massa. No caso de
fracasso, a culpa obviamente recai sobre o aluno (sua origem, sua família, sua
estrutura mental, deficiências lingüísticas ou carência cultural). De modo inverso, o
Modelo Ideológico, associa as práticas de letramento à cultura e a estrutura de poder
da sociedade; remete a revisão de práticas pedagógicas, a reconsideração do
fracasso escolar e, finalmente, a crítica de posturas preconceituosas.
74
Aqueles que convivem no meio escolar podem constatar que boa
parte dos professores atribui à disciplina Língua Portuguesa uma responsabilidade
exclusiva pelo ensino de linguagem: "o aluno não aprende o conteúdo da minha
disciplina porque não lê direito", "não vai bem na prova porque não consegue ler
bem os enunciados", "o aluno não assume a metalinguagem de minha disciplina
porque fala mal" etc. Desse consenso, passa-se facilmente à culpa: "a área de
Língua Portuguesa não ensina o aluno a ler nem a escrever”, ”a coisa vem lá de
baixo, a alfabetização é malfeita", "as crianças de hoje não lêem "os alunos não
sabem escrever", "não dá pra ensinar nada porque eles não sabem ler" etc.
Quando o bom leitor percebe que está perdendo o eixo do texto,
lança mão de anotações ou pára o processo para reconstruir mentalmente a parte já
lida, até sentir que o conhecimento está ganhando coerência e coesão. Em geral,
essa habilidade de fazer a síntese não tem a ver apenas com capacidades
lingüísticas e discursivas, depende também de conhecimentos temáticos: quanto
mais o aluno conhecer sobre o assunto, mais terá condições de ancorar os novos
conhecimentos proporcionados pelo texto e, conseqüentemente, de dar conta das
sínteses e das reconstruções textuais. Portanto, não há como ensinar conteúdo sem
linguagem e tampouco linguagem sem conteúdo.
As fracas experiências com a leitura afastam o leitor do contexto
social e cultural, fazem com que se aliene das informações e, conseqüentemente
dificultam sua participação efetiva na sociedade, pois sua participação no contexto
social depende de sua visão de mundo, de seus valores, de seus conhecimentos, de
sua reflexão e visão crítica, enfim, da leitura como instrumento do conhecimento.
75
A escola precisa ser um espaço mais amplamente aberto a todos os aspectos culturais do povo, e ir além do ensinar a ler e a fazer as quatro operações. Precisa investir em bons livros, considerando que a cultura de um povo se fortalece muito pelo prazer da leitura; e a escola representa a única oportunidade de ler que muitas crianças têm. (BRAGA, 1985, p. 7).
Na comunidade em que realizo minha pesquisa de campo, a maioria
das pessoas é carente e não possui material de leitura em casa, portanto a escola
não poderia se dar ao luxo de menosprezar o jornal que semanalmente recebe. “Ler
criticamente é admitir pluralidade de interpretação, desvelar significados ocultos,
resgatar a consciência do mundo, estabelecendo, por meio dela, uma relação
dialética com o texto” (INDURSKY e ZINN, 1985, p. 23).
Leitor é o sujeito capaz de produzir sentido, de contextualizar o
texto, interpretando-o e atribuindo-lhe algum significado. A leitura como prática social
faz a diferença para aqueles que a dominam, tornando esses indivíduos, cultural e
socialmente, distintos. Conforme Paulo Freire, (1997, p. 11):
[...] o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra [...] linguagem e realidade se prendem dinamicamente.
No entanto, dentro da rotina educacional, o que se percebe é uma
preocupação muito grande em provocar no aluno uma reação ao texto que seja
"compatível" com interpretações previamente determinadas. E, diante da imposição
de encaixotar o pensamento numa realidade pré-moldada por interpretações
conduzidas ou previstas pelo professor, o estudante reage, negando a leitura e
estabelecendo com ela uma relação hostil e desprazerosa. Trata-se de um processo
cíclico, pois em sua grande maioria, os professores não são leitores e dificilmente
76
estabelecem com o texto literário ou não uma relação de prazer. Para mudar esse
quadro é muito importante o investimento na formação do aluno leitor e do professor
leitor. Só dessa maneira poderemos mudar os rumos de uma perspectiva que vê a
leitura isolada da construção de seu sentido e passaremos a ter alunos e
professores mais críticos e conscientes do seu papel no diálogo com o texto escrito.
A escola formadora de ledores não desenvolve uma leitura crítica e
plural, mas simplesmente repete o que é dito, reproduzindo a idéia de que cada fato
se encerra em si mesmo, simplifica os fatos. Por exemplo, deixa de questionar em
qual lugar do jornal aquele texto aparece, que fontes foram buscadas para que o
jornal desse aquela notícia e qual o interesse do veículo em noticiar aquele fato.
Enfim, há que se levantar uma série de questões para que se possa explicar o
conjunto de acontecimentos e assim contribuir para a formação do leitor ou pode-se
não interrogar o escrito e manter os alunos na condição de ledores.
Tem trazido conseqüências nefastas ao desenvolvimento de uma
proposta de leitura, a carência de material escrito (livro, jornais, revistas, etc.) que
permitam ao aluno entrar em contato com o mundo da escrita e, além disso, a
precária formação de professores que, mesmo não sendo leitores, têm que ensinar a
ler e a gostar de ler. Torna-se difícil acreditar que seja possível alguém que não
tenha descoberto a paixão pela leitura, poder efetivamente contribuir para a
formação de um sujeito-leitor. É interessante considerar o que diz Ezequiel Theodoro
da Silva (1991) a respeito dessa questão:
A questão é saber se, no caso da leitura, os professores, eles próprios, servem de bons exemplos aos alunos-leitores, o que significa dizer se os professores são, eles mesmos, bons leitores.Tudo leva a crer que o mundo da leitura dos docentes permanece nos limites daquilo que eles receberam na sua fase de profissionalização. Eu não diria que esta situação decorre de um esquecimento dos professores – melhor afirmar que a carência de
77
atualização na área da leitura resulta das próprias condições enfrentadas pelos professores no que tange à produção do ensino e ao pleno exercício do magistério. [...] os professores são levados a executar apressadamente um mínimo de leitura e, dessa forma, não podem servir de modelos ou de exemplos aos seus alunos, nem fornecer o seu testemunho como leitores assíduos e maduros. (SILVA, 1991, p. 82)
Conforme este autor, não há falta de entusiasmo ou esforço dos
alunos, o que realmente falta é uma metodologia adequada para um melhor
aproveitamento das aulas e tempo dedicado à leitura e, além disso, há necessidade
de o professor assumir de fato uma preocupação com a prática, adquirindo uma
postura preocupada com uma fundamentação teórica que possa subsidiar uma nova
postura metodológica. É imprescindível que ele próprio se constitua um leitor,
busque o interesse do aluno, motive-o e desperte nele o desejo e a paixão, pois
como afirma Ângela Kleimam (1995): “... para formar leitores, devemos ter paixão
pela leitura”.
O jornal como um dos suportes do ensino e da aprendizagem da
leitura na escola pode contribuir para que os indivíduos desenvolvam a competência
de leitura e de escrita como práticas sociais de letramento; considerando letramento
“conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se
envolvem em seu contexto social”, (SOARES, 1999, p. 72). Dessa forma, são
eventos de letramento atividades como a discussão do conteúdo de um jornal com
os colegas de classe e outras atividades da vida diária, que envolvem a escrita.
A língua não é um simples sistema de regras, mas uma atividade
socio-interativa, portanto não deve ser ensinada na escola como domínio de um
código específico. Os PCNs apontam para um redimensionamento do ensino do
idioma de acordo com os atuais ensinamentos da Lingüística, apresentando a língua
78
na concepção defendida por Marcuschi como “fenômeno sociocultural que se
determina na relação interativa e contribui de maneira decisiva para a criação de
novos mundos e para nos tornar definitivamente humanos” (MARCUSCHI, 2001, p.
125). Porém, o discurso dos PCNs pode não contribuir para o dia-a-dia escolar, se
não houver vontade política em conhecê-lo e aplicá-lo.
Leitor e ledor não se confundem, pois o leitor não se apóia na
decifração de letra por letra, sílaba por sílaba, palavra por palavra (como faz o ledor).
Para o leitor, a abordagem do texto (sua leitura) realiza-se através de um processo
de questionamento, que não é estritamente dependente da decifração linear, ou
seja, decifrar palavra por palavra da primeira à ultima linha do texto. O leitor faz
hipóteses de sentido a partir de indícios discursivos (e não restrito a cada palavra) e
verifica essas hipóteses no texto; para ele ler é uma situação de vida, isto é, fonte de
crescimento pessoal, tanto afetivo como cognitivo e não meramente um exercício
escolar. O leitor é o cidadão que tem o hábito da leitura e é capaz de interpretar um
texto. “Toda leitura é um questionamento de texto, isto é, uma elaboração ativa de
significado feita pelo leitor a partir de indícios diversos, de acordo com o que está
procurando num texto para responder a um de seus projetos” (JOLIBERT, 1994, p.
149).
Leitura é uma atividade que exige formação continuada, e seus
objetivos não se alcançam por meio de um trabalho eventual. A prática de leitura
escolar voltada à formação do leitor não pode se limitar a fragmentos do livro
didático; segundo a orientação do MEC, é indispensável que exista, no universo
escolar, uma multiplicidade de materiais de leitura, dentre eles, o jornal. Por essa
razão, projetos que favoreçam o acesso, pela escola, aos produtos da imprensa
escrita deveriam ser valorizados e aproveitados em toda sua extensão.
79
Ledor é o termo cunhado neste trabalho para designar o indivíduo
alfabetizado que realiza a leitura apenas no nível da decodificação, ou seja, é o
sujeito capaz de decodificar um texto, mas não é capaz de atribuir significados. Isto
se deve ao fato de a escola não ter ensinado esse aluno efetivamente a ler, posto
que, de acordo com uma concepção contemporânea, a leitura é um ato de atribuição
de significado.
A escola do ledor trabalha basicamente com a leitura em voz alta,
acreditando que isso é ensinar a ler, limita-se à decodificação e à oralização, basta
que o aluno diga em voz alta o que decodificou, que pronuncie o código escrito em
código oral, não explora a compreensão e muito menos a interpretação do texto, não
provocando o desejo de ler, que é o suporte para aprender a ler e de fato se tornar
leitor.
Nossa crítica não quer recair na oralização do texto na escola. Pelo
contrário, acreditamos que o trabalho com a oralização tem o seu valor, como
desenvolver entonação e ritmo. A leitura oral pode e deve ser realizada após a
leitura silenciosa, mas não apenas como exercício mecânico e sim como mais uma
habilidade para exercitar a captação do(s) sentido(s) do texto. A decodificação faz
parte do processo que leva a compreensão do texto, mas esta vai além daquela.
Somos ledores em muitas áreas do conhecimento humano e leitores
em algumas outras; estes papéis não são estanques, mas existem professores
leitores e outros ledores e alunos leitores e outros ledores. Leitor gosta de escolher e
de interagir com outros leitores. Sobre esse tipo de trabalho, o professor de Língua
Portuguesa tem responsabilidade. No entanto, cada área deve fazer a parte que lhe
cabe.
80
O papel do jornal nesse processo de letramento é plural. Leitores em
formação devem lidar também com revistas, enciclopédias, livros, jornais, sites,
paradidáticos em geral e, para isso, precisam contar com a colaboração de todas as
áreas. E a existência do jornal na sala de aula de escolas que oferecem pouco
material de leitura não pode ser desprezada, como vejo na escola MARCO. Muitos
tipos de leitura podem ser realizados com o jornal:
- Ler para localizar informações (leitura tópica): quando temos
consciência de quais informações precisamos, a leitura é mais
rápida; ensinar o aluno a buscar informação no jornal é um
objetivo a ser compartilhado por todas as áreas.
- Ler para sintetizar informações: pôr em relevo os tópicos mais
importantes.
- Ler para revisar, corrigir e publicar: ao produzirmos um texto,
realizamos diversas leituras cujo objetivo é revisá-lo, apagar
suas incoerências, suas imprecisões, seus erros gramaticais e
fazer as mudanças necessárias.
- Ler para nortear ações: procedimentos para se fazer uma
experiência, instruções dadas nas avaliações, instrução para
montagem de equipamentos, etc.
Com essa concepção adotada pelo Ministério da Educação e
difundida pelos PCNs, a leitura não pode estar associada somente ao livro de
literatura, e muito menos ao livro didático, mas também a textos cotidianos, como os
que temos nos jornais, revistas e gibis. No entanto, mesmo com novos materiais de
81
leitura, através de certas práticas pedagógicas o ensino permanece didatizado e
meramente escolarizado, com pouca ou nenhuma inovação.
A proposta de se adotar o jornal para o ensino das diversas
disciplinas escolares baseia-se na concepção de que o jornal é um texto que traz o
cotidiano para a sala de aula. Costuma ser vinculado à idéia de comunicabilidade,
de neutralidade e de objetividade, componentes intrínsecos do chamado discurso
jornalístico, mas neutralidade em termos de discurso é utopia, cabendo ao leitor
perceber as implicaturas e pressuposições no que é dito.
Como texto revelador de posicionamentos, há que se considerar
cada parte do jornal e trabalhar com o tipo de verdade que se produz ali. Se nós,
professores, conseguirmos dessacralizar a noção de verdade como regra,
estaremos viabilizando uma compreensão mais abrangente do fenômeno
jornalístico, pois faremos o aluno perceber que um fato ou um acontecimento não se
dá por si só; ele é conseqüência de outros fatos que se desenrolam ao longo de um
tempo, num determinado contexto. Havendo a possibilidade de acesso ao jornal em
sala de aula uma vez por semana é enriquecedor comparar como as notícias foram
veiculadas nos outros órgãos da mídia durante a semana.
Leitura de jornal é uma habilidade a ser ensinada: compete ao
professor levar o aluno a entender que, por exemplo, na primeira página, na
manchete escolhida, nos títulos e nas formas de linguagem que ali se apresentam
(fotografias, subtítulos, diagramação da página, etc.), as histórias que vão ser
relatadas no interior daquele periódico são selecionadas em mini-textos que buscam
a atenção do leitor. Geralmente esses pequenos textos, na primeira página, dão
resposta às perguntas "o que, quem, quando, como, onde e por que". O objetivo do
jornal na sala de aula não é contribuir para a formação de futuros jornalistas, mas
82
formar atuais leitores e, para tanto, conhecer um pouco da redação jornalística é de
grande valia, pois se pode entender as características dos vários gêneros textuais.
Saber que o editorial é espaço reservado à opinião declarada do
veículo é importante para que se possa conhecer a que posições tende aquele
jornal, E, sendo assim, trabalhar com o editorial significa entender que ele é um
espaço de opinião e perceber em qual sentido essa opinião está direcionada. Cabe
ao professor trabalhar com o editorial em busca da crítica aos posicionamentos
divulgados, concordando ou discordando deles, mas capacitando o aluno a tomar
postura frente aos mesmos.
Por exemplo, uma determinada razão que levou o presidente a
realizar uma viagem é sempre questionável por um ou outro segmento da
sociedade. E ler é perceber qual é o autor daquela notícia, quais são as estratégias
de que ele faz uso e qual o espaço reservado àquela matéria. Às escolas cabe
ensinar que, na produção e na leitura desse texto, tem que ser levado em
consideração o lugar no qual ele aparece, as formas de linguagem que o
acompanham, o veículo no qual ele se apresenta e, ainda, o que permaneceu
indizível no que ele noticia, daí a necessidade de um professor leitor para formar
alunos leitores.
Entendendo o jornal como veículo que relata histórias cotidianas,
que falam de personagens que reconhecemos em nosso dia-a-dia, trabalham com
relatos que, como tais, perdem sua aura de verdade absoluta. A idéia é que o jornal
não seja o único material de leitura explorado em sala de aula, mas havendo acesso
ao mesmo que a leitura deste se realize de forma plena, não meramente
decodificativa. O que é facilitador nesse tipo de trabalho é o reconhecimento de que
este é um veículo que suscita curiosidade nas pessoas além do muro das escolas.
83
Desse modo, há interesse dos alunos em analisar como as questões ali publicadas
afetam o cotidiano das suas famílias.
Deve-se considerar também que um determinado texto que recebe o
nome de literário, se apresentado fora do lugar esperado, pode passar por um não-
ficcional. O contrário também é possível. Vários jornalistas, já no início dos anos
1960, trabalhavam textos que, quando unidos em livro, passavam a ser chamados
de contos ou novelas, mesmo sendo "novela de não-ficção". Para ensinar a produzir
textos é pré-requisito ensinar a ler suas entrelinhas, relativizando os lugares
marcados, ficcionalizando os fatos e os heróis cotidianos. Desse modo, na escola os
alunos podem aprender a ler de verdade, ou seja, não como indivíduos passivos que
pouco desfrutam do que recebem, mas como sujeitos dotados de criticidade.
Conhecer alguns conceitos que acompanham a produção jornalística
facilita a leitura do veículo. Portanto, vale ensinar que artigo é texto jornalístico que
comenta um assunto a partir de determinada fundamentação, geralmente é assinado
e não representa necessariamente a opinião da empresa jornalística. Caderno é
termo que designa cada uma das partes separadas de um exemplar de jornal.
A leitura de um jornal torna-se mais proficiente ao saber-se que lide
é o nome dado ao resumo inicial, constituído pelos elementos fundamentais do
relato a ser desenvolvido no corpo do texto, informando o quê, quem, quando, onde,
como e por que (embora não necessariamente a todas elas em conjunto). Matéria
denomina tudo o que é feito para ser publicado, por um jornal ou revista, incluindo
texto e ilustrações. Notícia é o relato de fatos ou acontecimentos atuais e de
interesse para a comunidade. Reportagem nomeia o conjunto das providências
necessárias à confecção de uma notícia jornalística: cobertura, apuração, seleção
dos dados, interpretação e tratamento, dentro de determinadas técnicas e requisitos
84
de articulação do texto jornalístico informativo. Também designamos reportagem um
tipo de notícia descritiva, mais apurada e ampla, acompanhada com documentação
e testemunhos.
Werner (1999) lembra que as fontes disponíveis de textos a serem
trabalhados em sala de aula, se considerarmos a estrutura de trabalho dos
professores e as aquisições de livros feitas pela escola, salvo algumas exceções,
são bastante comprometedoras no que se refere à quantidade e sua qualidade.
Além disso, é fato que a carga horária de trabalho da maioria dos professores é de
quarenta horas semanais Neste contexto, o tempo destinado às leituras pessoais e
aquelas necessárias ao planejamento das aulas é mínimo. Neste contexto em que a
diversidade e a qualidade dos textos apresentados aos alunos ficam bastante
comprometidas, o jornal recebido gratuitamente pela escola é uma fonte preciosa
para a leitura. Entretanto, pode-se constatar que da seleção do texto à verticalização
da leitura muitos são os intervenientes que comprometem a formação do leitor.
Mesmo quando há materiais de uso social freqüente (jornais), que
poderiam constituir-se em ótimos recursos de trabalho de leitura, pois os alunos
leriam algo que tem função social real, o trabalho feito com esse recurso não é
suficiente para formar leitores. Se a utilização (eventual) desse recurso continua a
ocorrer em meio a um ambiente de meros ledores, o jornal na escola assumirá uma
função puramente “escolar”. Ou seja, a relação que os profissionais da educação
terão com ele continuará a de não estabelecer vínculo entre o que é aprendido na
escola e o conhecimento extracurricular, mesmo os PCNs orientando sobre essa
necessidade e os professores dizendo-se dela cientes.
85
3.5 ADAPTAÇÕES DE PROCEDIMENTO
A compreensão dos processos de letramento ampliou o referencial
sobre a conquista da escrita antes estritamente vinculada ao domínio das letras e do
funcionamento do sistema de escrita; porém o destaque para a pouca familiaridade
com as práticas da língua favoreceu um tipo de discurso discriminatório a serviço do
processo de exclusão social. Fenômeno percebido no distrito de Londrina - alvo de
minha pesquisa e que corrobora para que alunos “bóias-frias” não vislumbrem um
futuro mais promissor do que o vivido pelos seus pais, após oito anos de
escolaridade não consigam ocupar funções de maior prestígio social.
Paralelamente, ao saber supostamente ensinado, a construção da
marginalidade se esboça na sistemática consideração das incompetências discentes
e nas profecias auto-realizadoras dos professores. Longe de buscar a reconstrução
de sentidos relevantes aos olhos do sujeito-aprendiz, o aluno se sente como um
estrangeiro na escola, e as letras passam a representar o risco de perda da
identidade. Ele aprendeu a escrever, mas não a se expressar; ele aprendeu a ler,
mas não a compreender o seu mundo.
Essa maneira de trabalhar a leitura, a interpretação e a produção de
texto chamada aqui de “tradicional”, é a que aparece negada no discurso das
professoras de língua portuguesa da escola MARCO, mas que é vivenciada pelos
alunos na prática cotidiana. Nela, a interpretação é assumida como o re-
conhecimento de um sentido único existente no texto. Tradicionalmente, na escola, o
aluno é levado a ler sem saber para que lê. Isto acarreta sérias conseqüências na
formação do leitor, limitando-o a ser mero ledor.
86
O exercício da leitura, tal qual se encontra atualmente legitimado nas
escolas, não vai além de mera decodificação de signos gráficos. É o que constatei
também na escola alvo de minha pesquisa. Tal postura transforma o ato de ler em
algo enfadonho, acrítico, mecânico e, dessa forma, distante do ato de ler por prazer,
da leitura como fonte de lazer.
No cotidiano escolar, os processos de leitura e de escrita devem ter
sentido. E isso requer mudanças institucionais no nível microssocial, ou seja, que o
ato pedagógico se transforme numa interlocução entre alunos, professores e objetos
de conhecimento. “A forma como os agentes escolares interagem no dia-a-dia,
portanto, pode ser decisiva no rendimento dos alunos e na institucionalização de
medidas concernentes à política de ensino de língua”. (SUASSUNA, 1995, p. 226).
O objetivo deste capítulo foi acentuar que o ensino da língua
materna no ensino fundamental deve priorizar a leitura e a formação de leitores, não
de ledores; foi também o de ressaltar que para atingir tal fim é necessário adotar
uma concepção de leitura que não se limite à decodificação, mas que atinja a
compreensão e leve à interpretação. Remontar aos PCNs teve a finalidade de
evidenciar, com base nesses documentos, a necessidade de se ensinar a partir da
diversidade textual, para que cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes
textos que circulam socialmente, de produzir textos eficazes nas mais variadas
situações e de assumir a palavra como cidadão.
Há relação entre cidadania e leitura regular de jornal, mas esta
conexão no ambiente escolar depende do manejo de fatores complexos. O principal
deles é a relação que os principais agentes (professores e alunos) com ela
desenvolvem. Ligar cidadania e aprendizado é uma postura expressa nos
documentos oficiais do Ministério da Educação. Os PCNs orientam como dever da
87
escola ajudar a formar um sujeito atualizado sobre os temas de sua realidade social
e capaz de tomar posições diante da mesma. Essa consciência crítica pode ser
gerada pelo uso dos produtos da imprensa escrita, dentre eles, os jornais. Não
podemos abdicar do papel histórico que nos cabe, como sujeitos/professores, de
nos formarmos como leitores para (e enquanto) interferirmos criticamente na
formação de outros leitores.
O capítulo a seguir, completa a base teórica selecionada,
introduzindo abordagens institucionais e de motivação dos agentes envolvidos, a fim
de configurar as metodologias de coleta e interpretação dos dados.
88
4 ANÁLISE INSTITUCIONAL
4.1 ELEMENTOS PARA INTERPRETAR A INSTITUIÇÃO
A execução de tarefas envolve uma forma de identificação e ligação
emocional com a organização. Uma pessoa pode deixar de cumprir algumas de suas
atribuições, mesmo ciente que isso provocaria a rejeição dos outros membros do
grupo. Há também os que não aceitam intimamente algumas regras, mas não se
mostram abertamente, para preservar a imagem que os outros fazem dele.
Lopes (2003) afirma que a idealização se manifesta por um desejo
de tornar-se semelhante ao outro, isso é, querer ser como o outro por tê-lo como
modelo. A idealização é, portanto, a busca de um modelo com o qual possa se
identificar, isto é, dos pais, pela figura do professor ou de outra pessoa que
represente a autoridade, que ocorre consciente ou inconscientemente, na relação
professor e aluno. Ao vislumbrar no professor aquele que poderá provê-lo de
conhecimento, o aluno elege-o como autoridade; ao ensinar, o professor exerce a
autoridade que o aluno lhe atribui. O passado conflitivo do aluno é exposto no
momento que ele transfere seus sentimentos ternos ou hostis em relação ao
professor. Entende-se, portanto que a escola oportuniza ao aluno conviver com a
ordem, o limite e a autoridade, situações necessárias ao ato de aprender. Mas
espera-se que oportunize também situações que o torne capaz de negar a
existência da dominação do outro. Sendo assim, o universo simbólico em que o
professor representa seu papel, quer ele queira ou não, tem uma conotação
89
autoritária, visto que a autoridade do educador é legitimada pela instituição que
reproduz a hierarquia social.
Em uma organização, pode haver alguns objetivos conflitivos ou
contraditórios, o domínio institucional pode chocar-se com as cobranças externas
e/ou a interpretação oficial pode vigorar apenas discursivamente. Nem sempre os
membros de uma organização compreendem a importância de conhecer o que é
contraditório entre o projeto político pedagógico da escola e sua execução, muitas
vezes o funcionamento do trabalho pode independer do currículo escolar, pelo fato
do docente atribuir um papel puramente burocrático ao mesmo e agir livre desse
direcionamento curricular.
O corpo administrativo pode induzir os participantes da instituição a
cooperarem para executar o planejamento previsto ou pode omitir-se, assumindo
cumplicidade pelos resultados. Esta indução pode ser feita executando sanções
negativas, como tendo rigor no controle de faltas e atrasos, ou reduzindo ou tirando
privilégios estabelecidos como poder escolher séries, turmas, dias de trabalho. Por
exemplo, no dia a dia das escolas municipais londrinenses raramente as faltas ao
trabalho são enviadas para a prefeitura para desconto na folha de pagamento do
funcionário, mesmo não havendo atestado médico, na prática assina-se o ponto e
repõe-se o dia, vindo em outro turno ou trabalhando nas festas escolares, conforme
acordo com a chefia imediata. Quando há conflito com a chefia, essa reposição é
dificultada.
Essa idéia de redução do nível de bem-estar dos participantes como
forma de se conseguir a colaboração desejada pressupõe um preconceito sobre a
natureza humana. Exemplificando, o professor tem que cumprir a carga horária na
escola, mas não é de sua competência estabelecer com quais séries ou turmas irá
90
trabalhar (se só com as quintas e oitavas séries, por exemplo), quais os dias da
semana em que terá “janelas” ou aulas geminadas, existindo oitava A e B se será
docente da turma considerada mais disciplinada ou da mais indisciplinada e assim
por diante. Quando o relacionamento com a chefia é mais amigável, esses fatores
podem ser negociados; dependendo da chefia, quando o relacionamento entre as
pessoas for menos amistoso, esses acordos profissionais tornam-se mais
problemáticos.
Mesmo entre professores universitários, o chefe de área pode ter
conduta pouco profissional, favorecendo os mais amigos com menor número de
ementas e horários em turnos mais agradáveis, enquanto os demais colegas, apesar
de cumprirem a mesma carga horária, ficam com piores turnos e maior número de
ementas. A perseguição é ainda mais explícita, quando a chefia de área retira do
docente os programas que ele trabalha com segurança (Semântica e Estilística, por
exemplo) e lhe obriga a ministrar aulas sobre programas que sabidamente não são
de sua competência (Morfossintaxe e Fonética, para exemplificar). Não há
ilegalidade nisso, pois o profissional permanece atuando na área para o qual foi
contratado: Língua Portuguesa, no caso. Entretanto, não se privilegia o bem-estar do
professor e despreza-se a produtividade dos alunos. O contrário se verifica quando o
professor tem afinidade com a chefia, então suas aptidões pessoais são
consideradas no estabelecimento das funções.
Tais prêmios ou benefícios têm caráter atrativo ao indivíduo que
percebe valorização ao se ajustar à organização; segundo Goffman (2001), o
indivíduo torna-se um “colaborador, um participante normal, programado ou
interiorizado”, à medida que realiza cooperativamente a atividade exigida pela
91
organização de acordo com o cargo que ocupa, havendo um ajustamento primário
do indivíduo à organização.
O ajustamento secundário é definido quando há qualquer disposição
própria do indivíduo para empregar meios ilícitos ou fins não autorizados para
escapar daquilo que a organização supõe que deve fazer ou obter, ocorre quando o
indivíduo se distancia do papel admitido pela organização.
Os ajustamentos primários e secundários são definições sociais e
podem variar de uma organização para outra, de uma cultura para outra. O que é um
ajustamento primário em determinada época e lugar para uma organização, pode
não ser para outra na mesma época e lugar; bem como para a mesma organização
em outra época. É o caso ocorrido na Escola MARCO, a comunidade protestava
abertamente contra a atual diretora em certo período dessa convivência, e,
transcorrido certo tempo, maior interação foi ocorrendo e a comunidade passou a
eleger e apoiar a diretora que antes tanto criticavam.
É importante ressaltar que no ajustamento secundário há duas
ramificações: os contidos, que são alinhados com o ajustamento primário,
compartilham a idéia de ajuste, de encaixe nas estruturas já existentes sem forçar
pressões para mudanças radicais. Um segundo aspecto da ramificação do
ajustamento secundário são os perturbadores, em que os participantes desejam sair
da organização ou promover mudanças radicais na estrutura da mesma, o que leva
a “... uma ruptura da operação suave da organização” (GOFFMAN, 2001, p. 167).
De acordo com o ambiente em que a interação ocorre, há também
regras de comportamento que, quando transgredidas, provocam mal-estar. Tais
regras compõem um “complexo e secreto” código que não está escrito em lugar
92
algum, nem é explicitado pelos indivíduos, mas é entendido e seguido sob pena de
provocar mal-entendidos e comprometer a seqüência da conversa (CHANLAT, 1996,
p. 132). É o caso da vida pessoal da diretora da escola com relação à comunidade
na qual minha pesquisa de cunho etnográfico realiza-se: não há lei na área de
educação que proíba um profissional dessa área de ter vários namorados, mas na
zona rural em questão esse comportamento não é bem-visto, especialmente se
mantido por pessoa do sexo feminino.
Para Pichón-Rivière (1998, p. 158), a interação de um grupo realiza
um percurso em forma de espiral contínua, numa característica dialética, onde o
indivíduo continuamente se alimenta de experiências, as quais promovem mudanças
nele, ao mesmo tempo em que realiza mudanças no mundo.
Pode-se dizer que há uma aprendizagem de papéis. A situação de
pertencer a um grupo requer um conjunto de pessoas ligadas entre si em
determinado tempo e espaço, articuladas por uma mútua representação interna. Tal
situação grupal conta com processos de motivação para atuar em um complexo
mecanismo de reconhecimento de si e do outro. É na situação grupal que a
aprendizagem de papéis é feita.
Todo indivíduo, ao longo de sua vida, acumula experiências,
vivências, conhecimentos e afetos com os quais, e a partir deles, passa a agir nas
situações vindouras. Esse grande conjunto chamado de esquema referencial
cristaliza, organiza e estrutura a personalidade que reflete então a estrutura do
mundo externo e é com base nesse esquema que o indivíduo pensa e atua sobre o
mundo.Uma ideologia só é considerada nociva se o indivíduo não a utiliza com
senso crítico e não a revisa. O processo de aceitação da diretora da escola distrital
93
provocou na comunidade reflexões e discussões sobre os direitos femininos e os
valores em tempos atuais.
Atualmente, a diretora é tida como uma das lideranças comunitárias.
O líder é aquele que consegue uma adaptação razoável quanto aos membros no
ajustamento secundário, já mencionado (GOZO, 2002, p. 64).
O papel do líder é referenciado por aqueles indivíduos que reúnam
traços de liderança, de acordo com a característica do grupo o qual pode ser
autocrático, democrático etc. Em todo grupo humano há alguém que ocupa o papel
de líder.
A necessidade humana e universal de associar-se forma os grupos,
as organizações, enfim, as formas distintas de sociedade. Ao buscar um grupo, o
sujeito está se associando a outros seres humanos na tentativa de lutar contra os
dois medos básicos, da perda e do ataque.
Por pertença entende-se um sentimento de integração e
identificação com os acontecimentos e necessidades do grupo. Ao se sentir aceito
no grupo, o indivíduo passa a ter um sentimento de pertença, sentimento esse que
não é necessariamente igual para todos os membros desse grupo.
Vai depender do próprio indivíduo a intensidade dessa pertença de acordo com o grau de aceitação das normas desse grupo e está proporcionalmente ligado à força e à dificuldade que teve de vencer para conseguir sua aceitação no grupo. (PICHÓN-RIVIÈRE, 1998, p. 81).
O vetor cooperação é o que evidencia que a tarefa já conta com a
participação de outros membros do grupo, muitas vezes de forma silenciosa e que
contribue para o sucesso das tarefas e combate os estigmas. Outro vetor é a
94
aprendizagem, o aprendido pelo grupo é fator de mudança o qual soluciona e
ameniza ansiedades através da criatividade, entusiasmo e resolução de problemas.
A disposição negativa para trabalhar como membro do grupo ocasiona deterioração
da aprendizagem, quando se percebe que ela avança é um reflexo de disposição
positiva, de motivação.
“É essencial para o jogador poder se vangloriar diante dos outros de
que seu jogo foi bem sucedido [...] Ganhar e se mostrar, depois de desenlace de um
jogo, superior a outro” (PICHÓN-RIVIÈRE, 1998, p. 161). O sentimento que surge
daí é honra e prestígio que beneficiam não só o vencedor, mas todo o grupo no qual
ele pertence. Reforçam-se, dessa maneira, os sentimentos de pertença, como se a
conquista de um elemento fosse a do grupo todo.
O sentimento de pertença se configura não como uma condição pré-
existente, mas como o adquirido, do obtido a partir do espaço que foi conquistado no
grupo conforme os estigmas foram sendo rompidos.
À medida que o funcionário se torna um colaborador, um participante
normal, programado, à medida que se realiza cooperativamente a atividade que é
exigida pela organização, o funcionário, adaptando-se a ela, verifica que deve ser
aquilo para o qual foi preparado. Nesse caso, o funcionário vive um ajustamento
primário à organização. Ou seja, vive num mundo que lhe é afim, adequando-se e
cumprindo as ordens, regras e normas, independentemente de isso exigir muito ou
pouco dele porque se sente motivado.
Nota-se que os ajustamentos primários e secundários fazem parte
das relações em agrupamentos humanos. Sempre existiram e sempre existirão, por
isso devem ser encarados como forma de se construir relações na situação
95
organizacional, onde interagem pessoas reunidas com objetivos e vivências
diferentes, porém trabalhando num mesmo local. Seja no trabalho, lazer ou nas
relações familiares, as pessoas agem no interior de grupos e estes pressupõem que
entre elas sempre haverá articulação de suas mútuas representações.
Quando uma situação ou tarefa se apresenta em um grupo e
envolve modificações no sujeito, pode-se perceber três momentos distintos: a pré-
tarefa, a tarefa e o projeto. Na pré-tarefa, percebe-se o aparecimento de técnicas
defensivas e de ataque, configuradas como resistências às mudanças que possam
vir. Quando uma situação se apresenta como criadora de tensão, o indivíduo tende a
postergar a realização da tarefa, criando uma série de outras atividades ou tarefas
que lhe permitam passar o tempo, tentando evitar sentimentos de frustração pelo
início e término de tarefas, como se tivesse feito o trabalho ou adotado a conduta
necessária, mesmo tendo agido no sentido de manter o tempo morto.
Ao permanecer em pré-tarefa, pela necessidade de fuga causada
pela geração de tensão e ansiedade, o indivíduo que buscava evitar a frustração
tende a frustrar-se mais ainda por retardar a entrada na tarefa que sabe ser
necessário realizar, como é o caso do sentimento de impotência sentido pelos
professores diante de manifestações de indisciplina por parte dos alunos a ponto de
inviabilizar a realização de tarefas escolares, mas não dispensá-los de
permanecerem em classe até o sinal para o intervalo ou término da aula improdutiva.
O momento de atividade produtiva conduzirá através da
aprendizagem a uma experiência corretiva; é o momento de formação do leitor (por
exemplo), momento de intervir na situação de ledores, transformando-os em leitores,
ao mesmo tempo em que é modificado e transformado pela atitude crítica acerca do
96
que lê. É o que Pichón-Rivière (1998, p. 33), chama de modelo espiral, implicando
uma modificação em dupla direção (a partir do sujeito e para ele).
4.1.1 VISUALIZAÇÃO DA IDENTIDADE
De acordo com Goffman (1988, p. 12), estigma refere-se à situação
do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena; sendo termo criado
pelos gregos para se referirem “[...] a sinais corporais com os quais se procurava
evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os
apresentava”, ou seja, tratava-se de um escravo, um criminoso ou traidor, enfim,
pessoa que devia se evitada.
O referido autor reconhece que, nos tempos atuais, o termo
conserva o sentido original, mas houve alterações nos tipos de desgraças; posto que
a sociedade categoriza as pessoas, transformando preconcepções em expectativas
normativas sobre o que cada indivíduo deveria ser, isto é, imputamos sua identidade
social a partir do estereótipo que criamos para um determinado tipo de indivíduo do
qual fazemos imagem depreciativa.
Essas discriminações reduzem as chances de sucesso de quem as
sofre, enfoca sua inferioridade baseadas em diferenças como, por exemplo, as de
classe social. E, essa não aceitação predispõe à vitimização, através da qual “a
criatura estigmatizada usará, provavelmente, o seu estigma para ‘ganhos
secundários’, como desculpa pelo fracasso a que chegou por outras razões”
(GOFFMAN, 1988, p. 20).
97
No entanto, outra razão possível é que ao sentir-se estigmatizada a
pessoa se auto-isola, torna-se “desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa”
(GOFFMAN, 1988, p. 22), para fugir de situações em que enfrentaria diretamente as
causas e efeitos do estigma, devido à insegurança gerada pela sensação de que
está “em exibição” por ser uma pessoa diferente do normal.
Outra possibilidade é que, em vez de se retrair, o indivíduo
estigmatizado pode tentar aproximar-se de contatos mistos com agressividade, mas
isso pode provocar nos outros uma série de respostas desagradáveis, (GOFFMAN,
1988, p. 27). Essa agressividade ocasiona um ambiente violento no qual a interação
é angustiada para o estigmatizado e também para o indivíduo visto como normal,
pois o estigmatizado ou é muito agressivo ou é muito tímido ou algumas vezes vacila
entre o retraimento e a agressividade (GOFFMAN, 1988, p. 27), mas todos
percebem o mal-estar na interação. Pois, ou ele é tratado como alguém pior do que
achamos que seja, ou melhor, ou ainda como uma “não-pessoa”, como se não
existisse ou não fosse digno de atenção.
Por muitos anos, durante nossa educação e o longo processo de
sociabilização, construímos, detalhada e inconscientemente, nossa personalidade. A
partir de nossa história e nossa experiência vamos desenvolvendo nossos
comportamentos, alguns mais e outros menos aceitos pelo mundo em que
vivemos...
Blackerby (2003) considera que, infelizmente, quando um estudante
não está com bom desempenho na escola, nós automaticamente o culpamos por
isso. Geralmente, acusamos o estudante de não estudar o suficiente, ou de não
estar motivado, de ser preguiçoso ou de ser rebelde ou estúpido. Muitas vezes, nós
o rotulamos como incapaz de aprender. Depois de algum tempo, o estudante
98
começa a acreditar nesses rótulos, o que afeta sua auto-estima de maneira
devastadora. Há estratégias melhores de motivar os estudantes. As estratégias
naturais de motivação oferecem escolhas valorizadas que induzem o estudante a
querer ser bem sucedido. Blackerby (2003) investigou a maneira como alunos
estavam encarando o sucesso, descobriu que estavam cumprindo tarefas que não
contribuíam para o processo de aprendizado, mas eram fáceis de executar. Por
exemplo, eles tinham que copiar cada palavra 10 vezes e entregar. Ou procurar no
dicionário o significado das palavras, copiá-las e entregar. Quando o estudante
cumpria essa tarefa enfadonha conforme lhe era pedido, ele recebia notas altas,
mas quase nenhum aprendizado. O efeito disso nos estudantes, professores e
administradores é traumática. Os estudantes ficam frustrados e se desligam do
aprendizado e da escola, e se ligam a gangues, drogas e a outros comportamentos
anti-sociais como um meio de se rebelarem contra o sistema.
Martin (2004) constata que o sujeito se identifica com o seu
sofrimento trazido no traço-rótulo de mau aluno. Passivo, goza de seu “status” de
fracassado. Ter sucesso na escola implica em um desejo, um projeto, uma
perspectiva do sujeito. A discrepância entre a identidade virtual e a real leva o
indivíduo a ser uma pessoa desacreditada e que, na busca por sua
autocompreensão, consolida a crença no estigma de que seu mundo é menor.
“Embora haja casos de indivíduos que só na vida adulta descobrem que pertencem
a um grupo tribal estigmatizado ou que seus pais possuem um defeito moral
contagioso [...]”. (GOFFMAN, 1988, p. 44).
99
4.1.2 ESTIGMAS
Estigma é o rótulo do qualificado pejorativamente, é a marca de
censura que acompanha uma pessoa ou um grupo social tachado com acepção
negativa. Um indivíduo pode ser estigmatizado por ser censurado por uma conduta
própria ou característica pessoal ou ainda por fazer parte de um grupo discriminado,
marginalizado. Estigmatizar é pôr à margem, menosprezar, ignorar o sujeito ou
super-valorizar sua conduta.
A qualificação, ou rotulação dos alunos, seja negativa ou positiva, tende a estigmatizá-los, a gerar comportamentos estereotipados e obstaculizar o desenvolvimento, além de ser uma atitude autoritária e desrespeitosa. (BRASIL, 1998, p. 39).
Aos alunos estigmatizados são negados capacidades de
participação, cooperação e diálogo, graças ao conceito prévio de que eles não
possuem essas capacidades e, assim, o processo de desenvolvimento dessas
capacidades, que é algo constante, vai sendo conquistado com maior lentidão e
sofrimento. No caso da escola MARCO, o estigma é facilmente percebido quando
alguns alunos são ignorados, e a professora não responde o que estes perguntam
por vê-los como “engraçadinhos, cínicos”.
Ao ingressar na escola, o aluno novato já traz consigo uma
concepção de si mesmo, que se formou em seu mundo doméstico, mas o convívio
no estabelecimento escolar confirma ou reformula essa concepção. Exemplificando,
o aluno que tem auto-estima baixa irá sentir-se ainda mais humilhado se receber de
seus colegas e/ou professores respostas verbais também humilhantes, não se
sentindo à vontade nem para pedir autorização para coisas pequenas, como ir tomar
100
um copo d’ água ou permissão para usar o telefone ou banheiro. Aliás, precisar
submeter uma necessidade fisiológica (evacuação) ao regulamento já é algo que
marca a condição de subordinado, posição secundária. Outro exemplo dessa
penetração na intimidade do indivíduo é quando acontece algum problema de furto
durante a aula e o aluno é obrigado a apresentar sua bolsa para ser revistada. É
preciso ter muito tato para realizar a revista sem ofender o revistado, pois o
professor não tem competência legal para proceder como polícia e essa prática
demonstra extrapolação de sua autoridade, apesar de ser usual em escolas públicas
de ensino fundamental e que só mudará a partir de debate e reflexão sobre a
mesma, pois ela é culturalmente aceita.
A autoridade pode ser manifestada tanto por atos verbais como não
verbais, como não cumprimentar quem é subordinado e não dar atenção ao que ele
diz, sendo que “as disposições institucionais delineiam as prerrogativas pessoais de
um participante” (GOFFMAN, 2001, p. 49), por exemplo, se ele é tratado com
respeito e delicadeza e com caçoadas e ridicularização apresentará características
psicológicas distintas e, conseqüentemente, essas características o levarão a ser
visto como boa ou má pessoa. Ele pode desprezar aqueles que o rejeitam ou
converter a rejeição social em auto-rejeição.. ”A interpretação sociológica mais
simples do indivíduo e do seu eu é que ele é, para si mesmo, aquilo que seu lugar
numa organização o define que seja”, (GOFFMAN, 2001, p. 258).
101
4.1.3 TEMPO MORTO
Tempo morto é tempo perdido, improdutível, inexpressivo, inútil, sem
préstimo, sem atividade significativa para a vida. O tempo que um aluno passa em
um estabelecimento escolar em estado inerte, de paralisia ou esquecido em práticas
que já deveriam ter caído em desuso, pois não encaminham para o alcance dos
objetivos declarados, é qualificado como tempo morto. Ele ocorre quando o
professor finge que ensina algo relevante para a vida do aluno ou este finge que
aprende, que estuda, mas permanece perdido nos seus devaneios ou promovendo
indisciplina, e a busca não é pelo conhecimento, mas para “enrolar” até o sinal
marcar o fim do período tido como desmotivador. Um exemplo dessa situação é visto
quando o aluno da escola MARCO passa grande parte do horário da aula de língua
portuguesa copiando texto do quadro, apesar de haver xerox na escola.
“Em estabelecimentos militares, o trabalho obrigatório com minúcias
evidentemente inúteis pode fazer com que os soldados sintam que seu tempo e
esforço não têm valor” (GOFFMAN, 2001, p. 31), o mesmo ocorre com todo aquele
que gasta seu tempo com atividades que classifica como inúteis para sua vida, e
além da falta de esforço, dependendo da personalidade, o indivíduo pode revelar
insolência, sarcasmo, ironia, rebeldia... Goffman (2001) ressalta que existem
maneiras individuais de adaptação. Um indivíduo pode empregar diferentes táticas
de adaptação em diferentes fases. Uma destas é a tática de afastamento da
situação, que corresponde à alienação, a deixar de dar atenção a tudo o que gera
tempo morto. Outra é a tática da intransigência, em que o sujeito intencionalmente
desafia a instituição, e por negar-se a cooperar com a equipe dirigente também gera
tempo morto.
102
A Indisciplina pode ser apenas uma tentativa de vencer o tédio.
Entre os internados de muitas instituições totais existe um intenso sentimento de que o tempo passado no estabelecimento é tempo perdido, destruído ou tirado da vida da pessoa; é tempo que precisa ser “apagado”; é algo que precisa ser “cumprido”, “preenchido” ou “arrastado” de alguma forma. (GOFFMAN, 2001, p. 64).
Não só o aluno como também o professor pode buscar formas de
tornar o dia a dia mais leve, menos penoso.
Esse sentimento de tempo morto provavelmente explica o alto valor dado às chamadas atividades de distração, isto é, atividades intencionalmente desprovidas de seriedade, mas suficientemente excitantes para tirar o participante de seu “ensinamento”, fazendo-o esquecer momentaneamente a sua situação real. Pode-se dizer que as atividades usuais nas instituições totais torturam o tempo, tais atividades o matam misericordiosamente. (GOFFMAN, 2001, p. 65).
4.1.4 CONTRADIÇÕES
Contradição é a incoerência entre palavras e ações. Designa a
constatação de desacordo entre o que se afirma e o que se faz. Exemplificando, os
profissionais da educação necessitam de recursos pedagógicos que vão além do
giz; havendo recursos que favorecem o alcance dos objetivos é uma contradição
não utilizá-los ou fazer um uso muito eventual dos mesmos, não suficientemente. É
função da escola analisar os veículos formadores de opinião, mas os professores
negam tempo para a análise desses veículos.
A escola é uma instituição criada para desenvolver a educação
sistemática/ organizada com objetivos definidos, pois no dia-a-dia fora da escola
todo indivíduo também recebe educação, mas de forma assistemática, não
103
organizada e sem objetivos definidos, é o caso do que aprendemos por meio dos
vizinhos, do rádio, das revistas, jornais, televisão aberta, etc. Mas, apesar dos
professores de língua portuguesa do ensino fundamental da escola MARCO
saberem que é função da escola organizar os conhecimentos, confessam que nem
sempre observam o planejamento escolar na execução de suas aulas. Uma das
professoras de oficina do texto contou-me que, durante o ano de 2003, em uma
turma de sexta série não conseguiu dar o programa, limitando-se às atividades
lúdicas (caça-palavras, charadinhas...), pois a indisciplina era tal que não permitia
um “trabalho sério”, progressivo, contínuo.
A educação contemporânea, conforme os PCNs (BRASIL, 1997),
visa formar o cidadão, ser humano instruído e educado; através da instrução, a
escola favorece a aquisição de conhecimentos técnicos e científicos e, através da
educação, desenvolve valores. Como desenvolver valores éticos em um ambiente
que não prima pela ética? Como desenvolver o respeito à pluralidade cultural em um
ambiente onde a cultura do aluno é menosprezada? Como conduzir a aquisição de
conhecimentos técnicos e científicos, quando falta motivação e sobra indisciplina?
Esta contradição, entre o que a instituição realmente faz e aquilo que oficialmente deve dizer que faz, constitui o contexto básico da atividade diária da equipe dirigente. (...) os determinantes decisivos do trabalho com pessoas decorrem dos aspectos singulares das pessoas, quando consideradas como material com que se trabalha. (GOFFMAN, 2001, p. 70-71).
Assim sendo, professores e equipe administrativa da escola estão
diante de uma tarefa contraditória: precisam da obediência dos discentes no
cumprimento do regulamento escolar e devem desenvolver neles a autonomia e a
criticidade, requisitos da escola-cidadã.
104
Como educar é um ato político, não há espaços para discursos de
neutralidade política. Os educadores quando entram na sala de aula, já fizeram suas
opções políticas, por mais que se digam neutros, e estas opções irão se manifestar
em suas práticas de ensino.
4.1.5 COBRANÇAS EXTERNAS
Fatores do mundo local tem relação com a educação escolar porque
há uma educação que se processa fora da escola (no lar, na vizinhança, nos grupos
de companheirismo, através do rádio, da televisão, das revistas, dos jornais, etc) e
que ecoa na escola, pois há reciprocidade de influências entre a comunidade e a
educação fomentada em cada unidade escolar.
De acordo com o Ministro da Educação, em outubro de 1997, foi
pela necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo
em todas as regiões brasileiras que foram elaborados os PCNs (BRASIL, 1997),
documentos para apoio do projeto educativo em cada escola e que orientam para a
compreensão e problematização da realidade local.
Jornais, revistas, rádio - dentre outros meios- transmitem
mensagens educativas para o povo; mesmo que nem sempre tenham a intenção de
educar, realizam a educação chamada de assistemática (sem objetivos definidos,
sem planejamento para alcançá-los em determinado tempo, sem relação de
conteúdos). Por sua vez, educação sistemática é aquela ministrada dentro de um
sistema pré-estabelecido, com planejamento, objetivos específicos, tempo e local
105
determinado; é transmitida principalmente através da instituição escolar, ou seja, os
meios de comunicação de massa (jornal, revista, rádio, TV) transmitem uma
educação assistemática, e a escola, através de um plano de ação/ planejamento
elaborado com objetivos determinados, sistematiza esta educação, A educação
institucionalizada na escola envolve uma aprendizagem dirigida e coordenada; ler
jornal na escola tem objetivos distintos de ler jornal em casa, o mesmo acontece
com o uso de outros agentes de informação no ambiente escolar.
A televisão, por exemplo, é um dos principais veículos de educação
e cultura da atualidade e talvez o de maior penetração, tendo grande possibilidade
de influenciar o comportamento humano e fixar o que está e o que não está na
moda. Mas, a informação transmitida pela TV pode ser recebida como mero
entretenimento ou girar reflexão e aprendizagem. O mesmo ocorre com o rádio, pois
raro é hoje o lar que não possui um aparelho de rádio, transmitindo notícia, esportes,
música e cultura, porém compete ao educador usar o veículo a serviço da educação.
Até mesmo a imprensa sensacionalista pode servir para fins
educativos, quando utilizada em proveito da leitura interpretativa e não meramente
decodificativa, ao analisarmos a qualidade e utilidade da informação. Em suma, a
leitura do jornal em sala de aula pode aumentar a capacidade de crítica dos
problemas sociais; quando essa análise é realizada, o jornal constitui-se em um
meio para a compreensão da realidade e formação do leitor.
A instituição escolar sofre cobranças externas. Isto quer dizer que a
escola é influenciada pelas demais instituições sociais, pois educação é processo
social e como tal está ligada à cultura e à possibilidade de desfrutar de todos os
meios culturais. A escola abrir-se às cobranças externas significa aproximar as
famílias da escola, para que elas considerem a escola como sua, procurar atender
106
as necessidades da comunidade e enfocar como objeto de estudo os meios de
educação assistemática, para através deles, problematizar a realidade, compreendê-
la e, se possível, transformá-la.
Como afirma Goffman (2001), apesar de algumas instituições serem
mais “fechadas” do que outras, todas têm tendência de “fechamento”. Ao abrir-se às
cobranças externas, a escola favorece a interpenetração entre mundos sociais e
culturais diferentes e atenua interpretações preconceituosas de ambos os lados,
pois, para conhecer um mundo social, quer letrado ou iletrado, é preciso submeter-
se à companhia de seus participantes, porque essa situação faz conhecer
determinados aspectos da vida de pessoas que gozam de um status social diferente
do nosso e provoca nova interpretação desse mundo. Como:
[...] um ser humano é algo mais do que apenas um participante de uma determinada organização” (...) “a instituição não é um mundo inteiramente isolado e de que tem alguma ligação burocrática e de subordinação, com estruturas do mundo mais amplo”; “a equipe dirigente é lembrada dessas obrigações quanto a padrões e direitos , não apenas por seus superiores hierárquicos, mas também por várias agências da sociedade mais ampla e, muitas vezes, pelos parentes do internado. (GOFFMAN, 2001, pp. 151, 92 e 72, respectivamente).
Bourdieu (cf. Soares, 1995, p. 62), ao tratar da função da escola em
relação às diferentes classes sociais, explica que a escola exige de todos os alunos
que cheguem a ela trazendo algo que ela mesma não se propõe a dar, e que só as
classes dominantes podem trazer. Com base nas palavras do autor, a escola:
[...] eximindo-se de oferecer a todos explicitamente o que exige de todos implicitamente, quer exigir de todos uniformemente que tenham o que não lhes foi dado, a saber, sobretudo a competência lingüística e cultural e a relação de intimidade com a cultura e com a linguagem, instrumentos que somente a educação familiar pode produzir quando transmite a cultura dominante. (BOURDIEU, 1992, p. 307).
107
Agindo desta forma, a escola separa e perpetua a discriminação
daquelas crianças que não possuem o capital lingüístico e cultural que deveriam ter
adquirido na família; considerando-os rejeitados de nossos mercados simbólicos,
pois os remete sempre à condição de não pertencentes à determinada cultura, que
“coincidentemente”, é também escolar. Para Dayrell (2001) os alunos têm sempre
uma razão para estar na escola e elaboram projetos individuais, nos quais
certamente a escola se inclui. Estes projetos individuais necessitariam, portanto, ser
conhecidos e considerados no espaço escolar.
4.1.6 INTERPRETAÇÃO OFICIAL
Interpretação significa leitura; oficial quer dizer proposto por
autoridade ou emanado dela, conforme as ordens legais; portanto, interpretação
oficial é a forma como a escola é vista pelas autoridades competentes; refere-se ao
conceito de ensino e aprendizagem, as finalidades da educação e aos meios para
alcançá-las.
A falta de acesso aos meios culturais pode ser vista como um dos
principais problemas na educação dos alunos na zona rural. Para minimizá-lo, a
escola poderia converter-se em um centro cultural e social do distrito, promovendo a
interação social.
Quanto aos recursos pedagógicos, todos os auxílios didáticos que
têm por função promover o alcance dos objetivos são meios pedagógicos. Dessa
forma, o conteúdo, as atividades e os recursos didáticos são meios pedagógicos,
108
pois são auxílios didáticos que o professor possui para alcançar os objetivos de
ensino e revelam determinada interpretação oficial.
O mais importante para a educação é alcançar os objetivos
pedagógicos, os meios são auxílios didáticos para atingir a meta; se os meios não
são adequados aos alunos, eles não favorecem o alcance dos objetivos.
Nem todos os meios são adequados a todos os objetivos. Um
recurso só será didático na medida em que for usado pelo professor para facilitar a
aprendizagem do conteúdo. Conteúdo aqui entendido como conjunto de
conhecimentos organizados de uma matéria; o conteúdo significa o elemento com o
qual o professor trabalha em sua disciplina e, segundo a interpretação oficial vigente
nos PCNs (BRASIL, 1997), a seleção do conteúdo a ser trabalhado deve respeitar a
faixa etária e as experiências anteriores dos alunos para que a aprendizagem do
conteúdo amplie o campo de conhecimento dos estudantes. Por exemplo, o jornal
pode ser utilizado em todos os níveis de ensino, o que muda é o tipo de atividade a
ser proposta a partir desse recurso e o grau de maturidade/ aprofundamento nessa
tarefa.
Documentos oficiais - denominados PCNs (BRASIL, 1997) - afirmam
que, para ser significativo o conteúdo selecionado deve estar vinculado à realidade
do aluno, isto é, partir do que ele conhece para proporcionar o que ele precisa
conhecer, através de relações com seu campo de experiência. Porém, como não
existe método infalível, um método pode funcionar bem com um grupo de alunos e
não ser positivo para outro grupo; lembrando que método é o modo pelo qual o
professor desenvolve suas atividades.
109
O que diversas pesquisas alertam e minha experiência profissional
confirma é que tarefas monótonas, repetitivas e cansativas são realizadas por pura
obrigação e com desinteresse e não oportunizam a aprendizagem. Atividades
variadas/ diversificadas interessam mais o público adolescente, estimulam melhor e
promovem a aprendizagem. Por exemplo, se o livro didático for o único recurso
pedagógico que o professor dispõe e for trabalhado página a página, aula a aula,
fica estabelecida uma rotina pouco instigante. É o que observei nas aulas de Língua
Portuguesa da escola MARCO, nas quais é trabalhado o livro didático ‘Encontro e
Reencontro em Língua Portuguesa’, de Marilda Prates.
Oficialmente, a escola é orientada pelo MEC para estabelecer
vínculo entre o que nela se aprende e o conhecimento extra–escolar. “O livro
didático não deve ser o único material a ser utilizado, pois a variedade de fontes de
informação é que contribuirá para o aluno ter uma visão ampla do conhecimento.
Materiais de uso social freqüente são ótimos recursos de trabalho, pois os alunos
aprendem sobre algo que tem função social real” (PCNs, 1997, v.1, p. 104). A
utilização do “jornal quente” tem potencial para inserir o aluno no mundo a sua volta;
esta é a interpretação oficial contida no planejamento escolar, ela pode existir
apenas em nível discursivo.
Geralmente se reconhece que as instituições totais muitas vezes ficam longe de seus objetivos oficiais”.[...] “Participar de determinada atividade com o espírito esperado é aceitar que se é um determinado tipo de pessoa que vive num tipo, determinado de mundo” Ë possível “manter a distância social com relação aos internados e uma interpretação estereotipada deles para justificar o tratamento que lhes é imposto [...] o internado precisa apenas obedecer às ações padronizadas; o estado de ânimo e os sentimentos íntimos com que realiza suas funções parecem não ser uma preocupação oficial [...] O medo do castigo pode ser adequado para impedir que o indivíduo realize determinados atos ou deixe de realizá-los; no entanto, os prêmios positivos parecem necessários para que se consiga um esforço prolongado, contínuo e pessoal. (GOFFMAN, 2001, pp. 77, 158, 80, 104 e 152, respectivamente).
110
4.1.7 DOMÍNIO INSTITUCIONAL
Por domínio institucional entendo tudo o que forma a escola e está
sujeito à administração escolar, desde os móveis, a conservação ou não do espaço
físico, bem como as relações de poder vivificadas nesse espaço físico, ou seja,
como as pessoas se relacionam entre si dentro dessa instituição.
Os seres humanos vivem em grupos sociais (famílias, escolas,
igrejas, clubes...) e para suprir as necessidades desses grupos surgem as
instituições sociais. Por exemplo, a necessidade do homem de relacionar-se com o
sobrenatural, deu origem a instituição religiosa e pela necessidade de sistematizar a
educação surgiu a instituição escolar. A escola é instituição porque tem um sistema
ordenado de comportamento, ou seja, um conjunto de normas, valores, status e
papéis que regulam os grupos sociais que a constituem. Se existem diferentes
instituições é porque cada uma surgiu para atender a um tipo de necessidade social:
familiar, religiosa, recreativa, econômica, governamental e educacional.
Como toda instituição, a escola apresenta uma estrutura social que
se refere à sua organização: há horários para a entrada e a saída, para o lanche,
para o início e o término de cada aula; além de existir planejamento que determina o
uso do tempo (as disciplinas que serão ministradas em cada dia da semana), há
planejamento do espaço: o banheiro dos professores pode ser único, mesmo
havendo docentes de ambos os sexos no colégio, já os banheiros dos alunos são
separados em feminino e masculino, para a diretora há a diretoria, secretaria para a
secretária, existe a sala dos professores, a sala do coordenador, a biblioteca... E,
assim, dependendo da função, cada pessoa ocupa um espaço físico pré-
111
determinado; por exemplo, zeladoras entram nos outros ambientes apenas no
horário estabelecido para limpá-los, além disso, só quando forem chamadas.
Aparentemente, essa organização serve para facilitar o bom
desempenho das funções relativas a cada cargo. Na prática, além de ter essa
finalidade, a estrutura social relaciona a estrutura física com o status do
estabelecimento e dos cargos ali ocupados. Por exemplo, os alunos da escola
MARCO são obrigados pela norma escolar a irem de uniforme às aulas (esse
uniforme é composto por camiseta cinza, com o nome da escola, e calça ou saia
azul-marinho), também as zeladoras e merendeiras são obrigadas a trabalhar
uniformizadas com lenço branco na cabeça e guarda-pó branco, mas dos
professores e equipe dirigente não é exigido uniforme. Apesar disso, a maioria dos
professores optou por usar guarda-pó como forma de economizar roupas, pois o
jaleco protege do pó e diminui a necessidade de lavar as roupas, envelhecendo-as.
A escola funciona como uma máquina administrativa que realiza
operações de rotina que são formalmente administradas. Por exemplo, matrículas,
divisão de turmas, elaboração de horários, preparação de merenda, atendimento
aos pais, limpeza do prédio... Além disso, a integridade física de todas as pessoas
que estão nesse ambiente é garantida, o que exige “esforços para controlar a vida
diária de um grande número de pessoas em espaço restrito e com pouco gasto de
recursos” (GOFFMAN, 2001, p. 48).
Conhecer a estrutura social subjacente à instituição leva a
compreensão dos seus problemas sociais, por exemplo, se o incentivo do aluno está
na instrução ou no diploma.
112
4.2 ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO
Enquanto o desrespeito do aluno, normalmente, é explícito, o desrespeito por parte do professor é camuflado, é sutil. E esse desrespeito tem várias facetas. Uma delas é o preconceito de classe. Na escola pública, às vezes, no fundo, o professor não acredita naquele aluno simplesmente por sua condição social. (VASCONCELLOS, 1998a, p. 25).
Relacionando ao preconceito social surge o estigma quanto às
possibilidades do aluno; a expectativa do professor em relação aos seus alunos é
decisiva em termos de sucesso ou fracasso dos mesmos e os rótulos marcam vidas.
Indisciplina é uma forma do aluno demonstrar sua desmotivação
pelo ensino ofertado, ou porque não vê perspectivas para o seu futuro ou sentido
nas atividades presentes ou ainda porque vê seu passado, sua trajetória pessoal
sendo subestimada.
Por sua vez, o docente revela sua falta de motivação através de
faltas constantes no trabalho ou falta de tolerância com os alunos e com seus erros
ou ainda assumindo uma postura de falta de compromisso pedagógico. “Para mudar
a realidade, é preciso fazer uma opção muito clara; no entanto, para não mudar, não
é preciso fazer opção, uma vez que há uma lógica montada no sentido da
reprodução”, (VASCONCELLOS, 1998b, p. 17).
Diante de desfavoráveis condições de trabalho (má formação, baixos
salários, alto número de alunos em classe, falta de espaço físico, material didático
apropriado etc), o professor deixa esvair a sua autoridade em sala de aula e fora
dela. Re – significar o espaço escolar, dando clareza sobre por quê, para quem,
quando, onde, como ensinar e aprender é o caminho para resgatar a autoridade do
113
educador, não mais no sentido de autoritarismo (domestificação do outro), e sim
através de uma postura profissional que favoreça o diálogo respeitoso entre todos e
a participação de todos nas atividades desenvolvidas, o que é caminho possível
para combater o tempo morto.
Historicamente, a instituição escolar é marcada pelo autoritarismo (explícito ou velado). É fato que assim tem sido enquanto reflexo do autoritarismo vigente nas relações sociais mais amplas. Mas também a instituição escolar contraditoriamente tem experimentado o abandono da disciplina. (PIMENTA, 2000).
Como descreve o autor da obra supracitada, há diferença entre
indisciplina ativa (sinônimo de “bagunça”) e indisciplina passiva (quando há silêncio,
mas não interação); observa que entre os dois tipos, o primeiro incomoda a
esmagadora maioria dos professores, enquanto a segunda forma de manifestação
não incomoda grande parte destes. No entanto, como alerta Vasconcellos (2000), o
silencioso e imóvel como um paralítico não é propriamente um disciplinado;
concordo com ele nesse ponto, esse tipo de aluno é um alienado, desmotivado.
Aluno motivado não dá problemas de disciplina, e alienação também é problema
disciplinar. Meus vinte anos de magistério revelaram que é mais difícil solucionar a
alienação (porque vem de dentro para fora) do que a bagunça (que é exteriorização
do desrespeito, da falta de limite e autoridade).
Superar a postura individualista e estabelecer conjuntamente
direitos, deveres e sanções, dar atenção a todos, não rotular, trabalhar a afetividade,
combater a gozação e dizer o porquê das atividades são caminhos sugeridos por
Vasconcellos (2000) para solucionar problemas de indisciplina ativa ou passiva dos
alunos. Ter convicção da proposta que está levando para os alunos; considerar o
assunto de fato significativo e relevante para os alunos; querer desenvolver aquele
114
trabalho; autovalorizar-se, sem superestimar seu papel (sendo convicto demais,
dogmático, fechado) nem subestimando seu papel (revelando-se inseguro
desorientado, culpado, frouxo), são os caminhos apontados por Vasconcellos (2000)
para o professor. Acredito que todas essas posturas favoráveis ou desfavoráveis à
educação relacionam-se com a imagem que os sujeitos envolvidos no processo
educativo possuem da escola, da matéria e um dos outros; em outras palavras,
refletem os estigmas, as contradições, interpretações oficiais, cobranças externas e
o domínio institucional (categorias de ajustamento).
Exemplificando, nas festas juninas os dentes de alunos de escolas
urbanas e rurais são pintados para caracterizá-las de caipiras, representantes do
homem rural, sem conscientizá-los das condições financeiras da comunidade rural;
simbolizam o descuido com os dentes, sem refletir sobre as más condições
financeiras para procurar o dentista. Se a escola não pode alterar essas condições
financeiras, pode oferecer educação de saúde bucal. Refletir sobre as condições de
vida do homem do campo, seus aspectos positivos e negativos, combate os
estigmas. O modo de vestir-se com chapéu de palha, botinas velhas, roupas
remendadas, camisas xadrez e vestido de chita, que é o traje típico das festas
juninas, ainda é visto cotidianamente na comunidade rural, alvo de minha pesquisa.
Isto não é só reflexo da cultura rural, mas das condições financeiras da comunidade,
conseqüência também da necessidade de economizar na compra de roupas em
tempos modernos, nos quais todos e especialmente jovens e adolescentes se
preocupam com moda.
Cientes de que a cultura do meio rural é diferente do centro urbano,
ao virem para a cidade, os membros da comunidade vestem sua melhor roupa,
também fazem isso para irem à escola e à igreja; reservam as roupas remendadas
115
para produzirem alimentos e criarem animais. Daí advém a solicitação dos pais para
a adoção do uniforme pela escola, seus trajes não são vistos como dignos do
ambiente escolar, onde o meio rural não consta nos livros didáticos ou nos
conteúdos trabalhados na sala de aula.
Almeida (2001) comenta que, para haver aprendizagem, o desejo
tem que ser respeitado, e o significado do aprender depende da motivação
intrínseca do indivíduo, isto é, este sujeito precisa tomar para si a necessidade e a
vontade de aprender, ou, ainda, precisa tornar consciente o seu desejo. Daí a
necessidade de pensarmos sempre o homem como um ser dotado de vontades e,
para que a personalidade se estruture de maneira sadia, que não negue ao indivíduo
a condição de se assumir como ser desejante, é necessário que lhe sejam
favorecidos bons contatos pessoais, possibilitando assim a interação entre a criança
com parceiros experientes e emocionalmente equilibrados dentre os quais
destacam-se pais, amigos, professores e outros agentes educativos. Para que a
aprendizagem aconteça de forma significativa é necessária a harmonia dos fatores
extrínsecos e intrínsecos ao ser humano, pois é no não entrelaçamento destes
fatores que ocorre o insucesso do aprender.
A motivação influencia o desempenho dos alunos, dos professores e
da instituição, e a base motivacional é influenciada por fatores intrínsecos e
extrínsecos. As dificuldades apresentadas pelos alunos na escola podem estar
relacionadas ao fato de suas experiências de vida não serem visualizadas na sala
de aula, pois, geralmente os conteúdos apresentados não despertam seus
interesses, há poucos questionamentos, basta cumprir as atividades propostas pelos
professores. Quando ocorre algum trabalho a partir de questões sociais urgentes
(por ex., leitura no jornal de um tema de destaque nos meios de comunicação), a
116
aula é mais proveitosa e agradável porque a aprendizagem ocorre de forma
significativa. É claro que levar o jornal do dia para leitura em sala de aula favorece a
discussão de assuntos que não estavam no planejamento, o que torna a aula mais
“aberta”, o que, por um lado, estimula a participação do aluno a compartilhar
conhecimentos e, por outro lado, pode produzir insegurança no professor que, antes
dos PCNs, enfocava apenas as habilidades de leitura e escrita e é convocado pelos
PCNs a desenvolver as habilidades de ler, escrever, falar e ouvir. Debater é
aprender a ouvir e comunicar-se, respeitar as idéias dos outros e estar aberto a
sugestões, atividade que requer disciplina para não virar “bagunça” (brincadeiras ou
brigas), e essa vai se moldando à medida que a dinâmica é incorporada como
atividade “natural” no ambiente escolar, sempre existindo a possibilidade de
colocações inesperadas acontecerem.
Falsarella (2003) afirma que é importante salientar a paradoxal
situação em que se encontra o professor. Pede-se a ele que planeje
cuidadosamente suas aulas, mas que saiba lidar com o imprevisto, improvisando.
Que tenha criatividade e “jogo de cintura”, mas que se adapte às “regras do jogo”.
Que utilize formas inovadoras de ensinar, mas se conforme a classes lotadas e más
condições de trabalho. Que pense no coletivo de sua classe, mas ensine cada aluno
de acordo com suas peculiaridades.
No dia-a-dia curricular acontecem muitas manifestações não
prescritas no currículo escrito. Uma escola acostumada à transmissão, assimilação
do conhecimento escolar não é acostumada a reflexões críticas sobre os objetos,
conteúdos, critérios de avaliação e orientação didática que se realizam em seu
interior. Todos os documentos, livros produzidos sob a denominação de Parâmetros
Curriculares Nacionais, apresentam a mesma estrutura básica com objetivos,
117
conteúdos, critérios de avaliação e orientação didáticas. Por vezes, esses conceitos
e procedimentos estão previstos no currículo escrito da unidade escolar, mas não
estão no currículo vivido pela mesma; também é possível que não estejam visíveis
na elaboração curricular, mas penetrem na escola por via do que se costuma
denominar currículo oculto.
Hickmann (2002), divulga que:
A palavra curriculum, de origem latina, significa o curso, a rota, o caminho da vida ou das atividades de uma pessoa ou grupo de pessoas. Curriculum, termo empregado em educação, significa a organização de atividades que serão realizadas pelo professor e seu grupo de alunos. O currículo significa aquilo que os estudantes têm oportunidade de aprender através do que é formalmente ensinado e do que, mesmo não sendo explicitado, está latente em algumas práticas pedagógicas bem como em textos, gravuras dos livros didáticos e imagens de vídeos e filmes. A este conjunto, de práticas pedagógicas não explicitadas, chamamos de currículo oculto.
A referida autora esclarece que, até o início do Século XX, os
currículos trabalhavam conhecimentos e valores com significados alheios à vida dos
alunos. A vida não entrava na escola. Atualmente, a discussão de assuntos
relevantes para a vida em sociedade visa transmitir aos alunos conhecimentos que
lhes permitam conhecer, criticar e transformar a realidade em que vivem. Os
conteúdos já não deveriam ser ensinados de forma isolada e a-histórica, mas
contextualizados permitindo a constituição de cidadãos solidários e autônomos. No
entanto, o saber hoje se encontra fragmentado em várias disciplinas estanques,
desconectadas entre si. Sem esquecer o fato de que cada disciplina tem sua própria
lógica, o grande desafio na atualidade, é o de relacionar as experiências de vida dos
alunos, o conhecimento do senso comum com que chegam à escola ao
conhecimento sistematizado, de modo que eles possam perceber o mundo de forma
integrada. Ao respeitar a cultura dos alunos, a escola deve evitar estigmatizá-la ou
118
mantê-la isolada numa espécie de gueto. A escola age como uma mediadora entre
os diferentes conhecimentos e valores que perpassam a sociedade, sistematizando-
os e discutindo-os com seus alunos.
De acordo com Hickmann (2002), a discussão sobre o currículo
único tem sido impulsionada a partir do estabelecimento pelo MEC de Parâmetros
Curriculares Nacionais. Tais parâmetros não podem ser, no entanto, entendidos
como um currículo unificado para todo o país. Eles fornecerão uma base curricular
comum sobre a qual estados e municípios organizarão suas próprias propostas
curriculares. Na realidade, uma base curricular comum tem como finalidade garantir
a todos os alunos o acesso aos mesmos conhecimentos, porém, caberá a cada
equipe de professores contextualizar seu trabalho, conciliando a diversidade sem
perder o sentido de unidade. Sem dúvida, todos devem ter acesso aos mesmos
conhecimentos só que o modo de contextualizar diferentes temas tem que estar
necessariamente ligado à vida e às experiências dos alunos e de sua comunidade.
O Ministério da Educação não está propondo exatamente um currículo único. O que
está sendo proposto são parâmetros curriculares nacionais. É preciso que se
tenham parâmetros curriculares que sirvam como orientação à formulação de
currículos por parte de estados e municípios. Pela Constituição brasileira de 1988 é
da competência do MEC estabelecer os conteúdos mínimos necessários em cada
área e série. Atendendo a esta norma constitucional, o MEC organizou os
parâmetros curriculares nacionais que servirão como referência básica para a
organização dos currículos estaduais e municipais. As experiências das escolas e
dos professores não serão anuladas até porque são as escolas, professores e
alunos que tornam os currículos vivos. O MEC, através da organização dos
parâmetros curriculares nacionais, pretende que todos os alunos tenham acesso aos
119
mesmos conhecimentos. É uma idéia aberta à contribuição de estados e municípios.
O MEC não está propondo exatamente um currículo único para todo o país. O que
está sendo proposto são parâmetros curriculares nacionais que sirvam como
orientação à formulação de currículos por parte de estados e municípios. Os
conteúdos estão definidos nestes parâmetros curriculares e é muito bom que se faça
esta definição Os conteúdos de vários saberes precisam ser articulados na escola e
integrados à vida. Os conteúdos devem servir para que os alunos entendam-se a si
próprios e à sociedade em que vivem.
Hickmann cita um artigo de Chauí (1990), denominado Laços de
desejo, onde o desejo estaria ligado etimologicamente a desiderium que
representaria a decisão de tomar nosso destino em nossas próprias mãos,
significando, então, a vontade consciente nascida da deliberação.
Toda educação supõe o desejo, como força propulsionadora que alimenta o processo. Mas só há força de propulsão porque há força de atração: o desejo sempre é ‘desejo de’; a criança só pode construir-se porque o outro e o mundo são humanos e, portanto, desejáveis (CHARTOT, 2000, p. 54).
Ainda de acordo com Hickmann (1990), cabe repensar as relações
entre a escola, a cultura e a vida, já que existem dificuldades de pedagogizar a vida
porque ela é muito dinâmica e mutável então escolarizar-se a cultura, que é um
objeto mais fixo e estável. Portanto, nesses termos as funções da escola encontram-
se em questão no contexto da sociedade atual: Repensar humanamente o currículo
implica repensar e ressignificar o projeto educativo traduzido na proposta político-
pedagógica da escola, nos projetos de cada campo de saber, nos princípios que
orientam as aprendizagens significativas, nas temáticas que possam incorporar os
projetos dos alunos e das famílias destes.
120
O projeto político pedagógico (PPP) da escola investigada, fruto de
exigência do poder público municipal, por ora se caracteriza mais como transcrição
de documentos oficiais (PCNs) do que como um documento que sintetiza a realidade
da instituição e contribui para o equacionamento das dificuldades enfrentadas no
cotidiano escolar. Por exemplo, o PPP prevê uma metodologia comum para orientar
as ações pedagógicas dos professores; no início de cada ano letivo os professores e
a equipe dirigente traçam o planejamento, estabelecendo objetivos e conteúdo de
cada disciplina. No entanto, esta prática não gera reflexões sobre as questões de
caráter pedagógico; praticamente se limita a um “passar a limpo” planejamentos
anteriores. Mesmo que os objetivos propostos nem sempre sejam atingidos, eles
permanecem imutáveis, o que gera um descompasso entre o que a escola oferece e
o que os alunos, no caso o grupo de adolescentes que cursam o último ano do
ensino fundamental, esperam e necessitam sobre AIDS, gravidez precoce,
alcoolismo, tabaco, maconha, cocaína e tantas outras aflições da humanidade.
As professoras de língua portuguesa da escola investigada
apontaram na resposta à quinta questão de um instrumento (questionário
estruturado) que vêem muitos dos seus alunos como desinteressados, sem
motivação e indisciplinados, portanto sem muitas expectativas em relação à escola.
Esse indicador provoca uma reflexão sobre o aproveitamento do tempo. Pelo amplo
conhecimento que possuo dessa comunidade, testemunho que quase a totalidade
das famílias não tem acesso a bens de consumo cultural, como computadores,
assinatura de jornais e revistas, compra de livros, acesso à biblioteca, teatro,
cinema, etc. No entanto, quase todos os lares têm TV e rádio, assim como fogão e
geladeira, e as pessoas desta comunidade (dentre eles, os alunos da escola)
assistem TV, ouvem música, possuem preocupação sobre sexualidade, drogas,
121
moda e outros temas que compõem o universo cultural desses adolescentes e são
ignorados ou pouco interpretados na prática docente junto a este grupo.
Santos (2003) lembra que houve um tempo em que ser professor
era considerado uma profissão de “status”. Mas hoje a história é bem diferente, a
profissão que antes era considerada quase uma missão, passou a ser desvalorizada
pela nossa cultura: os salários são baixíssimos, o incentivo ao estudo é raro, e os
professores não se reconhecem no que fazem, não reconhecem mais a dignidade
de educar e dizem com vergonha que são professores. Como pode uma criança
sentir prazer pelo que aprende, se para quem a ensina aquilo não tem valor? Indo
mais longe, como pode uma criança se reconhecer enquanto aprendiz e
transformador do mundo, se seu mundo não importa na sala de aula e se seu
professor não se reconhece como um educador agente de transformação.
Figueiral (2000, p. 85) afirma que:
[...] diante do baixo desempenho acadêmico, alunos são encaminhados pelas escolas que freqüentam, com objetivo de elucidar a causa de suas dificuldades. A questão fica, desde o princípio, centrada em quem aprende, ou melhor, em quem não aprende. Diferente de estar com dificuldade, o aluno manifesta dificuldades, revelando uma situação mais ampla, onde também se inscreve a escola, parceira que é no processo da aprendizagem. Portanto, analisar a dificuldade de aprender inclui, necessariamente, o projeto pedagógico escolar, nas suas propostas de ensino, no que é valorizado como aprendizagem.
Na suposição de que a carência sócio-cultural é intransponível, o
professor acaba deixando esses alunos entregues às suas dificuldades. Essa falta
de assistência e interesse docente agrava a frustração discente e vice-versa,
ocasionando reações negativas de ambas as partes. Diante desse problema, em
geral, os alunos assumem comportamentos agressivos, para aparentar que dão
pouco valor à escola, aos professores e às aulas, ou, ao contrário, tornam-se
122
demasiadamente tímidos e acovardados. Ambos comportamentos acarretam
desestímulo do profissional da educação, que se vê desencorajado diante do
escasso espírito de colaboração.
No entanto, esses alunos fazem parte de uma comunidade e são
enviados à escola por seus responsáveis para que recebam uma educação
apropriada ao desenvolvimento de suas aptidões. Um dia deverão trabalhar,
constituir família e mantê-la, vão votar, opinar e participar das atividades de sua
comunidade. E a escola pouco contribuirá para o bem estar de seus alunos, tanto
agora como com reflexos na vida adulta deles, se apenas tolera esse grupo de
adolescentes e pouco faz para evitar o seu fracasso escolar e na vida, confirmando
a idéia de que são pessoas de menor valor devido a fatores ambientais, isto é, seres
fadados a limitações no seu processo de desenvolvimento porque se encontram em
um meio rural, provém de famílias pouco abastadas e seus pais possuem baixo
índice de escolaridade. Esses fatores ambientais constituem-se na realidade da
maior parte do povo brasileiro, e não justificam a falta de investimento
cognitivo/intelectual e afetivo/emocional. Estes sim são responsáveis pela pouca
eficiência no ensino e na aprendizagem, pois são simultaneamente causa e
conseqüência da falta de motivação para o ensino e a aprendizagem.
A motivação, ou falta dela, explica comportamentos; estar motivado
significa ter motivos para desejar algo. Assim como a fome motiva para agir para
obter alimento, saciando a necessidade fisiológica, quem realiza a ação de estudar
ou ler precisa de um motivo para fazê-lo, e este possui um aspecto psicológico
(desejar saber) e/ou social (necessitar saber). Realizar uma tarefa sem ciência do
motivo para fazê-la gera um estado de insatisfação, uma sensação de tempo morto
(perda de tempo). E, através da apresentação dos objetivos, o professor pode
123
despertar interesses nos alunos, isto é, incentivá-los à obtenção do conhecimento.
Os incentivos são estímulos para a aprendizagem e podem produzir a mudança de
comportamento negativo para positivo.
Polity (2004) expõe que o fracasso escolar está relacionado ao
sistema educativo, revelando as inadequações das instituições escolares que são,
em última instância, representadas pelos professores, coordenadores, diretores,
entre outros profissionais. Duas grandes justificativas para o fracasso escolar do
aluno podem ser encontradas na fala de alguns professores: a ênfase na estrutura
intelectual do aluno, ou seja, os alunos não aprendem porque não estão maduros,
não estão prontos e a ênfase no déficit relacional e ambiental, deduzindo-se que o
conhecimento é transmitido de alguém que sabe para alguém que não sabe, como
uma espécie de substância que passa de um para outro, havendo, então, uma
supervalorização do meio em relação ao sujeito que aprende: ser bem-sucedido ou
fracassar na escola, depende do meio no qual os sujeitos estão inseridos, ou seja,
os alunos não conseguem aprender porque não tiveram um ambiente propício para
o seu desenvolvimento.
A relação humana evidenciada no processo de ensinar acontece
com a articulação de diferentes fatores internos e externos do professor em relação
ao aluno. Os fatores internos são proporcionados não só pelas estruturas de base
intelectual e lógica, mas também pelas de ordem afetiva e do desejo, articulando-se
à história de vida de cada um e servindo como resposta do sujeito à realidade que o
cerca, podendo inclusive modificá-la. Já os fatores externos são proporcionados
pelas condições desta realidade, que constituem o contexto de vida no qual o sujeito
está inserido.
124
É natural do ser humano sentir a necessidade de ser útil ao grupo ao
qual pertence. Realizar tarefas com objetivos definidos e sentir desempenho
satisfatório nas atividades propostas corrobora para que o professor sinta-se mais
realizado. Quando não tem objetivos definidos ou não percebe desempenho
satisfatório, o professor está sujeito a ter sentimento de incapacidade/inferioridade; o
mesmo se dá com o ser humano aluno.
A adolescência é reconhecida como a fase de conflitos, incertezas,
dúvidas. O adolescente busca sua identidade no grupo de colegas no qual participa,
tanto que se assemelham nos gestos e nas roupas e querem se notados. As
circunstâncias ambientais colaboram para aumentar ou diminuir a auto-estima, ou
seja, a integração no grupo de jovens do qual participa favorece o ajustamento
primário, e, por sua vez, problemas de comunicação conduzem ao ajustamento
secundário (GOFFMAN, 2001), manifestado pela indisciplina e falta de docilidade,
”ser do contra”.
A insatisfação perante a vida (falta de lazer, falta de perspectiva...),
dependendo da personalidade de cada indivíduo, ocasiona manifestações exteriores
que vão do desânimo/passividade à revolta/agressividade. O educador não
consegue mudar o ambiente social, mas pode alterar o ambiente escolar e o cultural,
influenciando positivamente seus alunos para se formarem como leitores e cidadãos,
desde que haja interação com eles, o que pressupõe ajustamento mútuo.
Interação diz respeito à influência mútua; as ações que as pessoas
exercem entre si provocam reações que conduzem a novas ações, e desse
processo advém a interação. Exemplificando, o aluno X percebe a ótima imagem
que as professoras e colegas fazem dele e procura manter essa imagem, e assim a
interação positiva se processa. Já, o aluno Y percebe que é considerado pelas
125
pessoas da sua escola como aluno mediano e procura alterar essa imagem para
uma mais positiva (estudando mais e cooperando mais nas atividades) ou sente-se
desestimulado e diminui ainda mais sua produtividade. Também, o aluno w percebe
que as pessoas possuem uma imagem dele como péssimo aluno e diante desse fato
ele poderá apresentar uma das duas reações: procurar manter essa imagem (e
realizará ações para tanto que são próprias do ajustamento secundário) ou
procurará alterá-la (com ações de ajustamento primário).
As diferentes reações dependem da identificação de cada aluno
consigo mesmo: ele procura ter um desempenho melhor porque acredita ter
competência para tal, ou ele aceita seu fracasso. E as diferentes reações também
dependem da identificação do aluno com as pessoas que ele admira, pois, ao
apreciar uma pessoa, incorporamos valores da pessoa admirada, e esses afetam
nossos comportamentos.
Como é próprio do ser humano o desejo de ser reconhecido, todas
as pessoas buscam o ajustamento social. Ajustamento é o processo de adaptação
comportamental, mental e emocional do indivíduo ao seu meio. Por exemplo, a
apatia do aluno pode ser uma maneira de ajustar-se a uma atmosfera dominadora
na sala de aula. Mas as reações a essa atmosfera podem ser outras: o aluno pode
assumir uma atitude insolente como forma de manifestar sua insatisfação.
Dependendo das características de personalidade do indivíduo será sua adaptação
específica ao ambiente, ou seja, nosso ajustamento provém dos nossos
“mecanismos de defesa”, que são os recursos psicológicos que dispomos para
vencer as frustrações. Em determinadas situações algumas pessoas preferem
ocultar os conflitos (fingindo que eles não existem), outras preferem fugir dos
conflitos (reconhecem a existência de problemas mas buscam modos de não se
126
envolverem nas situações problemas) e há os que manifestam suas frustrações
(revelando suas desilusões). Como toda pessoa em sua vida diária, utiliza-se de
mecanismos de ajustamentos eles não são sempre os mesmos para todas as
pessoas e nem para a mesma pessoa em diferentes situações.
Quem fica preso às suas frustrações e deficiências perde a auto-
estima; seja nossa inferioridade real ou imaginária, procuramos compensá-la de
diversos modos. Podemos justificar nossos fracassos culpando outras pessoas;
assim o professor não assume a culpa pelo insucesso escolar do aluno, culpando
outras pessoas: o próprio aluno, sua família, seu meio sócio-cultural, a escola, etc. A
projeção é um mecanismo de defesa/ajustamento utilizado quando o objetivo é a
defesa do eu perante a pessoa mesmo ou perante a crítica dos outros; o indivíduo
inocenta-se e desloca para outra pessoa a dificuldade que existe dentro dele: o
aluno, neste caso, não assume que não presta atenção na aula e diz que o
professor não ensina bem.
Esses mecanismos/ajustamentos geralmente são inconscientes, a
pessoa não percebe que os está utilizando e por que age de determinado modo;
apesar disso, os ajustamentos são necessários para manter o equilíbrio emocional
de cada ser vivo e torná-los conscientes, pode facilitar nosso auto-conhecimento e
nossa integração social, pois, ao procurar seu ajustamento ao meio, a pessoa realiza
interações com o meio.
Não menosprezo a questão do nível sócio-econômico-cultural dos
pais, que se constitui em fator sociológico que interfere no desenvolvimento das
aptidões dos filhos, mas considero que este fator não os impedem de ajustar-se à
sociedade e adquirirem conhecimentos, por exemplo, a carência alimentar durante
os primeiros anos de vida não impede o sujeito de adquirir independência
127
econômica na vida adulta. Compartilho da posição dos pesquisadores que defendem
que os principais fatores responsáveis pela deficiência de aprendizagem são
psicológicos (ligados à carência afetiva e instabilidade emocional) e fatores
institucionais:
- ligados à estrutura das relações pessoais, especialmente entre
professor e aluno;
- as rotinas envolvidas no dia-a-dia da escola;
- ao ambiente da sala de aula, inclusive visual/auditivo;
- ao material didático utilizado, havendo inter-relação entre as
causas biológicas, sociológicas e psicológicas.
Martins (2003, p. 64) afirma que:
Dados do SAEB 2001 apontam que 59 por cento das crianças brasileiras, da 4ª série, ou seja, com 4 anos de escolarização, são analfabetas e que é pior, a tendência detectada, foi de uma queda progressiva nos padrões de rendimento escolar. Falando em números, teríamos 983.895 crianças na 4ª série do ensino fundamental que não sabem ler (desempenho muito crítico) e 1.569.045 que são capazes de ler apenas frase simples (desempenho crítico). Em substância, nesse segmento do ensino fundamental, há, pelo menos, 2.522.940 crianças que podem ser consideradas como maus leitores.
A LDB (BRASIL, 1996) determina que o ensino fundamental, com
duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá como
objetivo a formação básica do cidadão. Portanto, o objetivo do ensino fundamental é
a formação cidadã do aluno. Ler para aprender é meio, pois, para desenvolvimento
da capacidade de aprender. Mas, para que ingressemos nessa tarefa de ler para
aprender, é necessário, antes de tudo, aprender a ler. E a aprendizagem da leitura
128
depende de querer aprender a ler, o equivalente a uma formação de atitudes do
educando de se dispor a ler. Esta disposição pode ser refletida nas formas de
expectativas, interesses, motivação, atenção, compreensão e participação. Querer
aprender a ler é o primeiro passo para se ler para aprender. Para se desenvolver em
leitura é preciso, antes, envolver-se em leitura, gostar de ler.
Segundo Ferreiro (1989, p. 73), a escola geralmente ineficiente para
introduzir as crianças no mundo da língua escrita, é, contudo, extremamente
eficiente para conseguir fazer com que assumam a culpa de seu próprio fracasso:
um dos maiores danos que se pode fazer a uma criança é leva-la a perder a
confiança em sua capacidade de pensar.
O fracasso do processo de alfabetização está concentrado nas
populações marginalizadas, sejam elas urbanas ou rurais. E é lugar-comum
relacioná-las ao estado nutricional do aluno e ao nível educacional e cultural de seus
pais. Ferreiro (1989) alerta que tanto a instituição escolar como os professores
apóiam-se nestes fatos para justificarem o fracasso escolar. De acordo com Moura
(1999, p. 127):
Essas concepções e as formas de proceder, baseadas nos métodos, desnudado as práticas escolares que são de certo modo responsáveis pelo fracasso das crianças, pela sua expulsão da escola, transformando-as em analfabetos funcionais que, no futuro, em alguns casos, transforma-se nos adultos que voltam à escola em busca do conhecimento não adquirido. O livro didático é apresentado para o aluno como uma fonte de conhecimentos do mundo, ao invés de ser um dos objetos de conhecimento. As atividades de leitura e escrita, baseadas no livro didático, são totalmente desprovidas de sentido e totalmente alheias ao funcionamento da língua.
A influência familiar, como afirma Scoz (1994, p. 71), é decisiva na
aprendizagem dos alunos. Os filhos de pais extremamente ausentes vivenciam
129
sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando desconfiança,
insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem
escolar.
A influência da mídia aparece como outro fator que contribui para as
dificuldades de aprendizagem, pois, conforme Libaneo (2000, p. 72), a televisão
passa a ser um instrumento cada vez mais poderoso no processo de socialização.
Um dos aspectos negativos dessa influência é a tendência à passividade e à
dependência das crianças, prejudicando o desenvolvimento pleno de suas
capacidades cognitivas e sócio-afetivas.
Os professores consideram que a pobreza e a condição social dos
alunos como fatores que influenciam nas dificuldades de aprendizagem. Para Scoz
(1994, p. 81), a pobreza dos alunos aparece com forte determinante dos problemas
de aprendizagem. A autora ressalta que, sem querer negar que grande parte do
fracasso de alguns alunos pode estar relacionado à pobreza material a que estão
submetidos, é importante estar atento para que a baixa renda das famílias não seja
utilizada como justificativa para o insucesso escolar das crianças, eximindo a escola
de qualquer responsabilidade.
Alguns professores apontaram a falta de interesse do aluno como
um fator que contribui para as dificuldades de aprendizagem. Mas, para Weiss
(2000, p. 23), é preciso que o professor competente e valorizado encontre o prazer
de ensinar para que possibilite o nascimento do prazer de aprender. O ato de
ensinar fica sempre comprometido com a construção do ato de aprender, faz parte
de suas condições externas. A má qualidade do ensino provoca um desestímulo, na
busca do conhecimento. Não há assim um investimento dos alunos, do ponto de
130
vista emocional, na aprendizagem escolar, e essa seria uma condição interna
básica.
Nenhum planejamento terá validade se os envolvidos não se
propuserem a cumpri-lo, a concretizar o plano e, se não for possível, replanejar. A
analogia proposta por SILVA (2003) sobre os currículos e as constituições das
nações parece-me apropriada: assim como a Constituição estabelece a nação que
se deseja, também o currículo projeta o tipo de educação pretendida; como a
correspondência entre constituição e sociedade é imperfeita, do mesmo modo é
entre currículo e educação; a constituição prevê a existência de leis complementares
e ordinárias, também os currículos nacionais não contemplam a especificidade de
cada escola e dependem de cada estabelecimento redigir um currículo específico
que leve em conta as experiências de vida da comunidade.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam a existência de um
caminho desejado pelo Ministério da Educação para a formação do cidadão
brasileiro pelas escolas do país; para colocar em prática os preceitos divulgados
pelos PCNs, o Projeto Político Pedagógico de cada escola deve contemplar a
especificidade de sua clientela. Analiso tal condição como imprescindível para
combater o fracasso escolar que vivenciam professores, alunos e sociedade diante
do crescente aumento da pobreza material e cultural de sujeitos “não-empregáveis”
na sociedade contemporânea globalizada. Como observa Demo (1996, p. 13):
Na pobreza não encontramos somente o traço da destituição material, mas igualmente a marca da segregação, que torna a pobreza produto típico da sociedade, variando seu contexto na história, mas se reproduzindo na característica de repressão do acesso às vantagens sociais.
131
Ter consciência de um problema não significa automaticamente
resolvê-lo, mas representa processo indispensável na sua solução; como a
educação é formadora de opinião e paradigmas mentais, é imprescindível que ela
colabore na formação cidadã. A Constituição da República Federativa do Brasil
garante o direito das crianças brasileiras de terem educação obrigatória no ensino
fundamental, dos sete aos 14 anos, e os meios para assegurar a permanência
dessas crianças das camadas populares na escola são buscados pelo governo
através de programas como o Bolsa-Escola que asseguram um benefício financeiro
aos pais que mantiverem seus filhos no colégio e a qualidade do ensino é
impulsionada através de Parâmetros Curriculares Nacionais.
Em nível de unidade de ensino, considero que motivação representa
a possibilidade de inclusão do aluno, pois, ao desmotivar-se, vai se excluindo ou
sendo excluído do seu processo de formação escolar.
De fato, a administração social permite não apenas realizar intervenções imediatas ou futuras nas vidas de seres humanos individuais, como também faz com que as mudanças nas condições das pessoas produzam alterações no tipo de pessoas que são. (POPKEWITZ & LINDBLAD, 2001, p. 111).
O julgamento da comunidade sobre a escola que possui pode não
se expressar por palavras, mas esse maior ou menor apreço pode ser captado
através do carinho ou menosprezo tido em relação a ela. Estes sentimentos são
revelados pelo ambiente de respeito e solidariedade em que se estuda/trabalha ou
por problemas de disciplina apresentados (por alunos) e aulas rotineiras e
desmotivadas (ministradas pelos professores). A elaboração anual do planejamento
escolar e as reuniões pedagógicas mensalmente realizadas bem como as reuniões
bimestrais com os pais de alunos poderiam ser momentos para discutir esse tema e
132
discutir diretrizes para mudar o estado de coisas, questionando formas de dinamizar
as aulas e a relação entre escola e comunidade.
Como afirma André (1997), a preocupação da etnografia com
questões relacionadas à cultura dos grupos e indivíduos estudados chamou a
atenção dos educadores para a necessidade de considerar as situações de sala de
aula (dimensão pessoal e interacional) em estreita conexão com a forma de
organização do trabalho pedagógico na escola (dimensão institucional) e com os
seus determinantes macro-estruturais (dimensão sociocultural).
Vasconcelos (2004) assegura que, pela experiência da prática em
sala de aula, os professores sabem que as aptidões intelectuais não são os únicos
fatores atuantes no sucesso ou fracasso escolar. Entre as variantes fora do controle
dos professores, como o apoio da família, os fatores afetivos representam um papel
fundamental na aprendizagem, sobretudo no que diz respeito à auto-estima. Lelord
& André (1998) defendem que o alimento da auto-estima é a junção do sentimento
de ser amado ao sentimento de ser capaz.
Busco apreender os pontos de vista e o modo de entender o mundo
do grupo social ao qual pertencem os alunos das turmas do último ano do ensino
fundamental do universo investigado, para descobrir como eles se harmonizam ou
se chocam com os valores culturais dos seus docentes de língua materna e os
dirigentes da escola (a diretora e dois coordenadores). Não me contento em
constatar que a realidade pesquisada distancia-se muito dos referenciais
pretendidos pelo Ministério da Educação (através dos PCNs) e pela Secretaria
Municipal de Educação (ao firmar parcerias para ter o jornal na escola). Busco com
esta análise institucional compreender as causas desse malogro, o que é pré-
requisito para que, em um futuro próximo, eu possa atuar para melhorar a situação,
133
através de projeto de ‘Extensão Comunitária’, desenvolvido junto com meus alunos e
orientandos da Universidade Estadual de Londrina e, assumindo uma postura
cooperativa entre pesquisadores e agentes escolares, podermos encontrar
alternativas para otimizar o ensino ali realizado.
4.3 O PROBLEMA ENVOLVE MOTIVAÇÃO E DISCIPLINA
Para explorar o jornal e utilizar o texto jornalístico em suas aulas, é
importante que o professor perceba o uso social da escrita e não a veja como algo
exclusivo da escola. A disciplina língua portuguesa, ao utilizar-se de textos
desligados da realidade, visando apenas à decifração dos sinais, não contribui para
formar o leitor. Por sua vez, o jornal representa uma janela para o mundo, favorece a
integração entre a sala de aula e o mundo real, pois fornece um retrato diário da vida
em nossa sociedade. Mas compete ao professor adaptar o conteúdo ao nível dos
alunos, completar o assunto com as experiências do grupo e instigar a interpretação
das notícias. A utilização do jornal como suporte para a realização da leitura crítica é
de grande importância para o desenvolvimento da cidadania, pois o processo de
interpretação constrói conhecimento, criticidade, reflexão e motiva à participação
social.
Loos (2004) postula que o professor que quer incentivar a leitura tem
de ser, antes de tudo, leitor. Só um professor que é leitor e tem consciência do valor
da leitura consegue criar leitores e ensiná-los a ler o mundo. O jornal é uma fonte
que não pode ser descurada. Sua grande vantagem - e ao mesmo tempo
134
desvantagem - é a grande quantidade de informações que concentra num mesmo
espaço. O jornal deve ser visto, portanto, como um agente social sujeito às pressões
e problemas que ocorrem no meio social, de tudo participando e tomando partido, e
não como um órgão neutro, apenas informativo.
Há algumas possibilidades para o uso do jornal na sala de aula,
entre elas, o jornal pode cumprir a função de informar e despertar o desejo constante
por mais informações ou ser utilizado apenas como um material meramente didático
para pesquisa ortográfica, por exemplo. Cabe ao professor, ao utilizar o texto
jornalístico, discutir a notícia com seu senso crítico de cidadão pertencente à
sociedade e assim contribuir para o desenvolvimento do aluno no pensar, sentir e
agir. O hábito e o gosto pela leitura (mais especificamente do jornal em sala de aula
e também de outras fontes) surge basicamente do estímulo proporcionando ao aluno
e da freqüência com a qual a leitura é realizada. O hábito deve ser criado a partir do
exercício constante e não eventualmente. O gosto depende do modo como as
atividades são realizadas nas situações de aprendizagem através desse recurso.
A resistência do professor em utilizar o jornal na sala de aula pode
estar ligada à falsa concepção de que é preciso abandonar o conteúdo para
trabalhar o jornal. O jornal é um instrumento de trabalho do educador pois o
conteúdo das diversas áreas de conhecimento está no jornal e esse recurso
oportuniza trabalhar o conteúdo através de textos, com exploração da realidade
social. No entanto, o jornal é apenas matéria prima para a construção do
conhecimento; para desencadeá-lo é necessário a análise crítica das informações
nele contidas. O veículo é só uma ferramenta de auxílio na construção do
conhecimento: se a ferramenta não for devidamente utilizada, o fim não é alcançado,
o propósito de formação do leitor não se realiza.
135
Conhecimento não é só assimilar os escritos nos livros didáticos
e/ou jornais. O conhecimento é constituído por um processo de digestão de coisas
produzidas para observar, algumas em nossa experiência de vida e descartar outras,
o que envolve o desenvolvimento de habilidades (observação, identificação,
comparação, análise, síntese, criação), de percepções e capacidades sócio-afetivas.
Cada vez que debatemos em aula um determinado aspecto que
acontece na família ou no supermercado ou no parque de diversões, estamos
falando de coisas importantes para a vida e daí, estamos trabalhando com uma
visão de sociedade. E o que é mais importante para um cidadão do que os assuntos
relacionados com a sua sociedade? (QUEIROZ, 1999, p. 28).
Os PCNs frisam a expressão aprender a aprender, destacam que a
tarefa do professor não é a de simplesmente transferir o saber (detendo-se,
principalmente, em livros didáticos), mas valorizar as experiências individuais dos
alunos, organizar situações para que estes reflitam sobre suas experiências e
trabalhem com assuntos ligados a suas vidas e da sociedade em que estão
inseridos; daí a ênfase para trabalhar com os diversos meios de comunicação para
construir conhecimentos, gerar aprendizagem significativa. Porém, no dia-a-dia
escolar há um distanciamento entre o que queremos e os resultados obtidos. Por
que desejamos formar leitores e formamos ledores? Para suprir essa lacuna é
preciso a tomada de consciência desse vazio e a procura de suas causas; e atacar o
problema de forma eficaz envolve clareza, de objetivos e de metodologia, para que
haja materialização das intenções do professor.
No caso da leitura, o ato de ler realiza-se por diferentes objetivos e
cada qual envolve metodologias diferentes e implica em seleção de textos diversos.
136
Nas aulas da disciplina Língua Portuguesa, o aluno pode ler para conhecer a língua
ou ler para conhecer o mundo ou ainda ler para gostar de ler. Não precisa,
necessariamente, sempre ler para escrever, pode ler para desenvolver a crítica
acerca dos temas tratados e dos textos apresentados ou ler para despertar a
curiosidade e provocar novas leituras. A leitura do jornal conduz ao conhecimento da
estrutura da língua e crescimento do vocabulário, desvenda conhecimentos
culturalmente construídos em todas as áreas do conhecimento humano e os textos
jornalísticos (editoriais, cartuns, crônicas...) também podem provocar
encantamento/emoção. Neste caso, a metodologia precisa ser o prazer da leitura
pela leitura, o que envolve a não obrigatoriedade da resolução de atividades escritas
ou orais com o texto lido.
Em outros momentos, o professor pode explorar sua disciplina
através da leitura do jornal (utilizando-o para explorar a língua) ou usá-lo para
investigar o que acontece em âmbito regional ou mundial. Seja qual for o objetivo, o
método envolve motivação (querer fazer) e competência (saber como fazer), pois
dirigir emoções a serviço de um objetivo é essencial para manter-se determinado até
alcançar o que se propõe. E, o conhecimento do objeto com o qual trabalhamos é
fundamental para o sucesso do trabalho, para vencer a resistência e descrença de
pessoas que não se envolvem com o projeto educacional desenvolvido. Posto que
os obstáculos para a efetuação de mudanças estão tanto no campo subjetivo (da
motivação) como no objetivo (da capacitação), para que os sujeitos adotem ações
pautadas numa nova concepção (no caso, de escola cidadã) é necessário trazer à
consciência as ideologias (preceitos, bloqueios, estilos de pensar) com as quais eles
agem sobre a realidade.
137
O conhecimento da realidade embasa um novo plano de ação,
desperta o desejo, a motivação necessária para se dispor para a ação, porque
desmancha representações equivocadas, desmonta mitos. “Para sair do imobilismo,
é preciso desejar, querer. Mudar a prática educativa implica mudar concepções e,
sobretudo, enfrentar a ‘roda viva’ já existente” (VASCONCELLOS, 1998a, p. 7).
As Políticas Educacionais podem tratar o professor como sujeito do
processo de mudança ou como objeto impotente à espera de soluções que venham
de fora para dentro da escola. A alteração de situações escolares não depende
exclusivamente de ações de professores, mas mudanças significativas nessa área
envolvem esses agentes e passam pela prática do professor.
Parolin (2000) questiona: “só a informação basta? Sabe-se que não”.
O que fará a diferença é a forma como a pessoa integra uma informação,
transforma-a em aprendizagem e a coloca a serviço da comunidade. Nessa
perspectiva, a freqüência à escola não garante o salto qualitativo que requer o
movimento social. As ações que caracterizam uma comunidade cidadã envolvem a
luta por uma comunidade justa, equilibrada, constituída a partir de um objetivo
comum e bom para todos.
Para contribuir para o processo de mudança da prática
educacional é preciso atuar em dupla perspectiva: na construção do professor e na
sua capacidade de intervenção. Não basta a existência de projetos de
transformação da realidade, sem compromissos nesse sentido; as subjetividades
atuam nos processos de transformação, como afirma Heller, (1982, p. 151):
138
[...] a situação social concreta e os diversos sistemas normativos definem os limites no interior dos quais podemos interpretar e realizar determinados valores. Em suma, a nossa determinação social não condiciona por si só nossas ações, mas certamente as influencia de perto.
O fazer do educador depende do seu querer e limita-se ao seu
poder. Querer adquirir e conquistar o que não se possui refere-se às emoções, à
afetividade, aos valores assimilados; como afirma Piaget, a afetividade é energia da
ação. Para agir de forma transformadora, o educador precisa deste “querer”, desta
motivação que é subjetiva, mas não basta estar motivado a realizar coisas novas, é
preciso ter possibilidade de realizá-las, o que envolve capacitação para explorar os
recursos disponíveis. Certamente, as ações do sujeito em seu ambiente de trabalho
envolvem fatores pessoais e os extrapolam. No caso do magistério, existem outros
determinantes da prática, no caso do magistério: os livros didáticos, os recursos
audiovisuais, as salas de aula, as carteiras são fatores que interferirão no ensino e
na aprendizagem.
Tornar sua prática significativa requer conhecimento da realidade,
clareza de objetivos e plano de ação capaz de executar a intencionalidade. Usar
uma metodologia meramente expositiva favorece o processo de aprendizagem
baseado na repetição/memorização. Usar uma metodologia participativa /interativa
conduz a um processo de aprendizagem alicerçado na construção e expressão,
favorece a democratização.
E o grande objetivo da escola na perspectiva democrática de
educação, defendida pelos PCNs, é contribuir para a efetiva formação da cidadania
de seus alunos.
139
É possível identificar um nível de teoria que podemos chamar de desejada, que corresponde àquilo que o sujeito está concordando, que está considerando correto; há, no entanto, um outro, que chamaremos de enraizada e que corresponde àquilo que já se internalizou no sujeito, seja a partir de práticas repetidas quase que inconscientemente desde muito cedo, seja a partir de um processo de reflexão e tomada de consciência, e posterior enraizamento. O certo é que na hora da ação, normalmente o comando vem da consciência enraizada e não da desejada; para que venha da desejada (e ainda não enraizada) será necessário um esforço e uma atenção constante durante toda a duração da ação. Assim, ao contrário do que pensam muitos, “na prática, a teoria é aquela que incorporamos” (“teoria ardente”). Sempre há relação entre a teoria incorporada e a prática executada. (VASCONCELOS, 1998a, p. 17).
A questão da disciplina, por exemplo, é mais facilmente solucionada
nos estudos teóricos sobre o assunto do que na prática de sala de aula, onde ela é
um dos principais fatores de baixa na motivação para o trabalho do professor e dos
alunos.
A indisciplina na escola é questão cotidiana e relevante não apenas
no Brasil, pois tem ocupado espaço nos meios de comunicação franceses,
americanos, japoneses, etc.
Arcaicamente, disciplina é a prática do silêncio. Mas, essa não é a
postura adotada pelo Ministério da Educação, que através dos Parâmetros
Curriculares Nacionais orienta para a democratização do ensino e da escola, na qual
o conhecimento não deve vir da justaposição e sim da interação entre cidadãos. Os
vários aspectos implicados nas diferentes posturas frente à educação dependem de
motivação (acreditar no projeto, desejar executá-lo) e capacitação (saber como
fazer, ter competência para colocar intenções em prática).
Disciplina envolve limites, termo associado à idéia de restrição,
frustração, proibição. Orientando para a adoção de posturas democráticas, os PCNs
140
estariam subestimando o valor da disciplina? Não! A crise da disciplina na escola
está ligada à falta de sentido para o estudo por parte dos alunos; um diploma não é
mais garantia de “ser alguém na vida”, no sentido de ocupar funções e prestígio
social; há inúmeras pessoas formadas e desempregadas ou mal remuneradas, o
que fere o mito da ascensão social através da escola e requer outro vínculo entre
aluno e escola, pois essa pode contribuir ou não para o sujeito “ ser alguém na vida”
no sentido de qualificar-se como pessoa, além de preparação para o trabalho e
mudança social. Portanto, essa mudança na visão da educação, proposta pelos
PCNs, de fuga do condicionamento e busca da humanização, combate “projetos
educativos” nos quais os alunos não vêem sentido no que estão fazendo e, por isso
mesmo, tornam-se indisciplinados.
Constante e gradativamente vão ocorrendo mudanças na sociedade
e nas relações sociais, conseqüentemente elas atingem as relações nas salas de
aula. O aluno de décadas passadas obedecia sem questionar; o contemporâneo
contesta e busca o sentido das coisas, na busca por objetivos para realizar as
tarefas. Há consenso de que para evitar a indisciplina, a aula do professor deve ser
interessante. O problema é que o professor é um sujeito concreto, trabalhando com
outros sujeitos concretos (não são anjos, nem demônios) que atuam em uma
realidade concreta onde não existe “solução mágica e infalível”, onde as aulas não
conseguem sempre interessar a todos os alunos e o tempo todo.
Além da questão pedagógica, é inegável que a questão dos limites é
um problema social, prova disso são os altos índices de violência. Mas também é
inegável que, com as mudanças nos valores sociais e nas relações escola-
sociedade, as exigências feitas por esta ao professor vão além de transmitir o
conteúdo, cumprir o programa e controlar o comportamento do aluno através de
141
nota. O problema dos limites (e, conseqüentemente, a disciplina) não se restringe a
uma escola determinada ou na relação professor-aluno e atinge a família (que não
está conseguindo cumprir sua função civilizatória básica) e a organização da
sociedade, que inibe a ascensão social. A sala de aula não está desvinculada das
problemáticas sociais, mas não temos como mudar o mundo sem mudarmos
primeiro o que está próximo. As pessoas estão procurando sentido para as coisas
(objetivos) diante da perplexidade que a falta de valores sociais provoca. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam objetivos claros para a educação,
dentre eles, resgatar a significação dos conteúdos ministrados e fazer a leitura crítica
dos meios de comunicação. Desenvolver uma metodologia participativa em sala de
aula contribui para criar um clima de respeito na escola; está é a disciplina desejada
pelos PCNs.
142
5 ANÁLISE ETNOGRÁFICA
A decisão sobre qual estratégia de pesquisa utilizar depende do
problema que se quer responder. Para entender a dinâmica da prática educativa na
escola MARCO e por que ali o Projeto Cidadania estava malogrando, o estudo de
caso foi ideal, porque é uma estratégia de pesquisa própria para entender um caso
particular levando em conta seu contexto e sua complexidade.
Um critério reconhecido como pertinente para usar o estudo de caso
é a sua singularidade, ou seja, o caso é digno de estudo porque representa muitos
outros casos. No caso específico dessa pesquisa, o Projeto Cidadania visa
incentivar a formação de leitores entre os alunos das escolas que recebem o jornal
na escola, sendo que esse objetivo não tem sido alcançado na escola MARCO.
Portanto, interessa compreender esta situação, descrever esse contexto e a
população em estudo para verificar quais as causas do malogro desse projeto
naquela escola, por que a formação de leitores através do jornal em sala de aula
não está ocorrendo em turmas do último ano do ensino fundamental na instituição
investigada.
Ludke (1986) e André (1995) indicam que, quando o interesse recair
sobre um fenômeno contemporâneo que está ocorrendo numa situação de vida real
(como é o caso do Projeto Jornal na Escola) e se quer fornecer uma visão profunda
e ampla de uma unidade social particular em que o fenômeno ocorre, o estudo do
caso etnográfico apresenta muitas vantagens, pela sua capacidade de permitir
retratar o dia-a-dia escolar sem prejuízo de sua complexidade e dinâmica composta
143
de múltiplas variáveis. Além disso, o conhecimento de um caso pode ajudar a
entender outros casos.
Segundo André (1995, p. 53):
[...] já que o pesquisador detém as informações coletadas que lhe possibilitam, sem dúvida, tomar um posicionamento sobre o caso, ele tem a obrigação de divulgar seus pontos de vista sob pena de estar assumindo uma postura de neutralidade incomparável com esse tipo de pesquisa.
Como as análises são filtradas pelos pontos de vista do pesquisador,
ele precisa identificá-los ao leitor. Além disso, pode buscar múltiplas fontes,
informantes e perspectivas teóricas.
5.1 CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO ETNOGRÁFICO
Investigo, por meio do uso da abordagem etnográfica, a prática
pedagógica da escola MARCO, através de uma abordagem qualitativa.
ANDRÉ (1995, p. 19) define: “a etnografia é a tentativa de descrição da cultura”;
acrescenta que, etimologicamente, etnografia significa “descrição cultural” e que,
como a preocupação central dos estudiosos da educação é com o processo
educativo, fazemos estudos do tipo etnográfico e não etnografia no sentido estrito. A
referida autora conceitua que um trabalho pode ser caracterizado de tipo etnográfico
em educação “quando ele faz uso das técnicas tradicionalmente associadas à
etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de
documentos” (ANDRÉ, 1995, p. 28). Destaca que a observação é denominada de
participante devido ao grau de interação com a situação estudada. As entrevistas
144
servem para aprofundar questões e esclarecer problemas observados; os
documentos visam contextualizar o fenômeno e completar as informações coletadas.
ANDRÉ (1995, p. 29) salienta que uma “característica importante da
pesquisa etnográfica é a ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no
produto ou nos resultados finais”. Outra característica é com a maneira própria com
que as pessoas vêem a si mesmas, as suas experiências e o mundo que as cerca.
Para retratar essa visão pessoal dos participantes, o pesquisador deve se envolver
em um trabalho de campo, sendo que “os eventos, as pessoas, as situações são
observados em sua manifestação natural”, não havendo pretensão de mudar o
ambiente. O período de tempo empreendido nesse contato direto depende de
diversos fatores, como a disponibilidade do pesquisador e a sua aceitação pelo
grupo, é necessário estabelecer limites para tornar a pesquisa viável no tempo
disponível.
Na pesquisa etnográfica, ainda de acordo com André (1995, p. 29-
30)“, o pesquisador faz uso de uma grande quantidade de dados descritivos:
situações, pesquisas, ambientes, depoimentos, diálogos que são por ele
reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literárias”. O pesquisador visa
descobrir novas formas de entretenimento da realidade e, para tanto, “faz uso de um
plano de trabalho aberto e flexível”, em que as técnicas de coleta são reavaliadas,
os instrumentos são reformulados e os fundamentos teóricos são repensados.
O estudo de caso é apontado por André (1995) como um tipo de
investigação muito ligado à pesquisa do tipo etnográfico; afirma que, na área da
pesquisa educacional, o estudo descritivo de uma unidade, seja uma escola, um
professor, um aluno ou uma sala de aula; ensina que o estudo de caso etnográfico
objetiva a aplicação da abordagem etnográfica ao estudo de um caso. Para tanto, é
145
preciso preencher os requisitos da etnografia (acima apontados) e tratar de uma
unidade com limites bem definidos (por exemplo, uma instituição ou um grupo social
específico), pois se busca o conhecimento do particular, ou seja, compreender uma
unidade por considerá-la por si interessante, cabendo ao leitor da pesquisa decidir
se as interpretações podem ou não ser generalizáveis.
André (1995, p. 42) aponta três dimensões no estudo da prática
escolar cotidiana: a institucional (ou organizacional), a pedagógica (ou instrucional) e
a cultura (ou sociopolítica).
A dimensão institucional/ organizacional envolve as formas de
organização do trabalho pedagógico, estruturas de poder e decisão, nível de
participação dos seus agentes, disponibilidade de recursos humanos e materiais.
Essa configuração institucional vai depender do contexto em que se articula, pode
ser influenciada por políticas educacionais e expectativas dos pais e da população
com respeito à educação escolar, como também influenciada pela posição da
classe, a bagagem cultural e os valores de cada sujeito que participa desse
contexto.
[...] seu estudo vai exigir, então, um contato direto com a direção da escola, com o pessoal técnico administrativo e com os docentes, por meio de entrevistas individuais ou coletivas ou mesmo de conversas informais, um estudo das representações dos atores escolares, além de um acompanhamento das reuniões e atividades escolares. (ANDRÉ, 1995, p. 43).
A dimensão pedagógica/institucional envolve os seguintes
elementos: objetivos e conteúdos do ensino, atividades e o material didático,
linguagem e outros meios de comunicação entre professores e alunos e as formas
de avaliar o ensino, nas quais se dá o encontro professor-aluno-conhecimento. O
pesquisador investiga tanto a apropriação ativa dos conhecimentos por parte dos
alunos através da mediação de professor, como também como se dá esse processo
146
de interação, seus componentes afetivos, morais, políticos, éticos, cognitivos, sociais
etc. Portanto, leva em conta a história pessoal de cada indivíduo que participa da
dinâmica de sala de aula e as condições específicas em que se dá a aprovação dos
conhecimentos; considera a situação concreta dos alunos, professores e sua inter-
relação com o ambiente, o que requer análise das forças institucionais, da estrutura
administrativa e da rede de relações inter e extra-escolar.
A dimensão cultural/sociopolítica refere-se aos determinantes
macroestruturais da prática educativa, “inclui uma reflexão sobre o momento
histórico, sobre as forças políticas e sociais e sobre as concepções e valores
presentes na sociedade” (ANDRÉ, 1995, p. 44).
De acordo com Martins (1997) é preciso:
[...] entender a escola como uma instituição sociocultural, organizada e pautada por valores, concepções e expectativas, onde os alunos, os professores, a direção, os pais e a comunidade são vistos como sujeitos históricos [...].
A escola deve ser compreendida sob ótica de sua cotidianidade, em
sua singularidade. É a partir do seu cotidiano que a escola se constrói, e é a partir
dele que se estabelecem as representações daqueles que estão envolvidos com o
contexto escolar: representações sobre si mesmos e sobre o mundo (EZPELETA &
ROCKWELL, 1986). Para desvelar as inter-relações é necessário constatar no
cotidiano escolar, observando as relações que ocorrem entre aluno x professor,
professor x direção; aluno x direção; pais x professores; pais x direção, etc. Nesse
sentido, Martins (1997) entende que:
[...] o cotidiano escolar é o espaço onde ocorre o encontro dos diversos segmentos que estão envolvidos com o dia-a-dia da escola, o que circunscreve o campo para a emergência das contradições que estão implícitas nas relações sociais que ali se desenvolvem.
147
De acordo com Pacífico (2004), a alavanca que impulsiona mais e
mais pesquisadores a optarem pela etnografia pode ser explicada pela real
participação e observação da vida cotidiana escolar. Com essa metodologia é
possível perceber aspectos como a relação de poder institucional, ou seja, relações
que sufocam e que são ali mesmo produzidas, não sendo, como se imaginava,
apenas reflexos da sociedade. “A violência escolar não é só produto da violência
social”, no dizer de Dubet (1997, p. 228), mas sim, as escolas criam seus sistemas
de opressão de poder e violência, e, por isso, necessitam ser pesquisadas em seu
interior, na sua vida cotidiana.
A imagem que os professores entrevistados têm de parte
significativa dos alunos que freqüentam a escola pesquisada é negativa. Aos alunos
são reservadas características nada animadoras. É interessante lembrar que alguns
autores apontam a necessidade de o professor acreditar no aluno, pois, se não há
por parte dele nenhuma esperança, fica difícil prosseguir com o processo educativo.
Que aluno poderá interessar-se profundamente pelo seu trabalho
quando este é tão fragmentado, desconexo, caótico, ao sabor das mudanças de
atividades e de disciplinas, do ritmo das campainhas, da contínua troca de
professores e dos respectivos temperamentos, das pressas e dos tempos mortos?
Citando Souza (1997, p.139), “a abordagem etnográfica vem se
afirmando enquanto importante instrumento de pesquisa na área educacional na
América Latina.”
148
5.2 A IDENTIDADE DA ESCOLA MARCO
A comunidade escolar se divide em comunidade interna -
professores, alunos e funcionários; comunidade externa próxima - pais e
responsáveis e pessoas que compõem o entorno da escola; e comunidade externa
propriamente dita – toda a população da sede do distrito e de sua área rural. Para
traçar o perfil de uma escola, considero importante entrevistar e observar um número
representativo de pessoas tanto da comunidade interna como da externa, tendo
clareza dos objetivos que os métodos de investigação querem alcançar.
5.2.1 DOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Para conhecer e apresentar a identidade dessa escola, estabeleci os
seguintes OBJETIVOS ESPECÍFICOS para a realização da pesquisa de campo:
A - Descrever como a comunidade vê a escola e as relações entre
ambas, especialmente como os alunos vêem os professores e o ambiente escolar;
B - Saber como a escola vê a comunidade e a relação entre
ambas, especialmente como as professoras de língua materna vêem seus alunos do
último ano do ensino fundamental e como visualizam as famílias desses alunos e o
meio em que os mesmos estão inseridos;
C - Verificar a relação entre a teoria sobre leitura proposta pelo
Ministério da Educação, através dos PCNs, e a atividade prática realizada neste
estabelecimento escolar no tocante à formação do leitor.
149
5.2.2 DOS RECURSOS INVESTIGATIVOS
Para atingir os objetivos acima citados, utilizei diferentes
RECURSOS INVESTIGATIVOS para o estudo de caso: a observação, entrevistas e
análise documental. Mais especificamente, os métodos de coleta de dados foram os
seguintes.
� entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com a equipe
dirigente da escola e com os líderes da comunidade;
� entrevistas estruturadas com alunos das duas turmas A e B de
oitava série da escola, sendo que essa investigação em loco
deu-se por dois anos (2003 e 2004), foram quatro turmas de
informantes;
� entrevistas com os professores de língua portuguesa e de
oficina do texto das quatro turmas mencionadas acima;
� observação do dia a dia escolar, ministrando aulas como
voluntária em turmas de quinta a oitava série que estavam sem
professor e freqüentando a escola, indo e voltando da zona
urbana para a rural no microônibus que transporta os
professores, participando com eles do intervalo e conversando
nesses momentos de lanche e de viagem;
� freqüentar mais assiduamente a comunidade e a residência de
pais de alunos da escola, funcionários e professores de
primeira a quarta série que residem na comunidade, bem como
dos líderes comunitários.
150
Saliento que essas visitas mais freqüentes não geraram
muito estranhamento, pois apesar de já ter me mudado do distrito há diversos anos,
meu único irmão e toda a família da cunhada continuaram nele residindo, o que
favoreceu para que eu visitasse com freqüência a localidade e participasse de
eventos na comunidade, como aniversários, casamentos, batizados, crismas,
velórios, formaturas.
Por ocasião dessa pesquisa de tipo etnográfico e para retratar a
realidade de forma mais completa, usei uma variedade de fontes de informação:
1 - OBSERVAÇÃO: Focalizei o trabalho desenvolvido pelos
professores de língua portuguesa com as turmas do último ano de ensino
fundamental, para ver se as aulas de leitura eram desenvolvidas tradicionalmente ou
apresentavam criatividade, discussões e principalmente se eram abertas a
mudanças como a adoção do jornal na sala de aula. Este foi o foco para perceber
como se dá a formação do leitor nessa unidade escolar, mas observei a escola como
um todo, como recomendam os estudiosos da área da etnografia escolar.
2 - ANÁLISE DOCUMENTAL: Analisei a proposta pedagógica para
saber se era clara e coerente com o trabalho que estava sendo desenvolvido na
escola, ou se pregava uma coisa na teoria e na prática encontrávamos outra, para
tanto também foi necessário analisar os livros de freqüência, o registro dos
conteúdos ministrados em cada aula de língua portuguesa e oficina de texto dada
para as turmas do último ano do ensino fundamental e como se calculou a nota
bimestral de cada aluno, também procurei verificar se havia um bom entendimento
dos professores de língua materna com relação à Proposta Política Pedagógica da
Escola.
151
3 - ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS (no primeiro ano de
pesquisa de campo, em 2003) e ENTREVISTAS ESTRUTURADAS (realizadas em
2004, a partir das reflexões feitas no ano anterior).
5.2.3 DOS OBJETIVOS DAS ENTREVISTAS
Através das entrevistas realizadas, procurei constatar os perfis dos
alunos, da equipe dirigente e do corpo docente da escola MARCO:
1- O perfil sócio-econômico da comunidade,
2- O perfil sócio-econômico das pessoas que ocupam cargo
de direção e/ou supervisão da escola,
3- O perfil sócio-econômico dos professores de língua
portuguesa de quinta à oitava séries do ensino fundamental da escola MARCO;
4- O perfil da relação da diretora e supervisores com a
comunidade;
5- O perfil da relação dos professores de língua materna
com a comunidade;
6- O perfil da relação dos alunos com a escola;
7- O perfil profissional da diretora e supervisores e sua
relação com a escola;
8- O perfil profissional dos professores daquela unidade
escolar e sua relação com a escola;
9- O perfil didático/motivador da relação professor aluno.
152
5.2.4 DOS OBJETIVOS DOS DEMAIS MÉTODOS DE INVESTIGA ÇÃO
Além de servirem para desenhar os perfis da comunidade escolar,
as entrevistas, as observações e a análise documental também serviram para
alcançar os objetivos abaixo relacionados:
A - Investiguei o nome da escola e suas significações para saber se
os membros da comunidade escolar viam esse nome como decorrente de políticas
educacionais que respondiam pela escola. Verifiquei se havia ou não consciência de
como se deu o processo de escolha do nome da escola, se acreditavam ter havido
algum tipo de participação da comunidade escolar e se consideram essa
participação importante e como a instituição tem reagido às cobranças externas e
aos estigmas.
B - Questionei também como a escola é vista pela comunidade :
como um lugar aberto a todos ou um espaço restrito, onde apenas alguns têm
acesso ao que acontece e podem participar de seu funcionamento. Questionei o
conhecimento que a comunidade tem do processo pedagógico da escola e o grau de
participação na elaboração das atividades desenvolvidas extra classe, como se
revela esse domínio institucional e a existência de tempo morto.
C - Verifiquei se existe uma liberdade para a comunidade estar
presente em todos os eventos e reuniões escolares ou se vão apenas quando são
convidados, se podem ou não acompanhar mais freqüentemente os acontecimentos
escolares; captando as interpretações oficiais e as contradições.
Reafirmo que esta multiplicidade de fontes e de acesso a todos os
grupos que compõem a comunidade escolar deu-se graças à minha condição de ex-
153
aluna e ex-professora da escola, filha de antigos moradores e ex-líderes
comunitários. Este amplo acesso favoreceu a obtenção das conclusões que relato.
5.2.5 DA METODOLOGIA DE PESQUISA DO TIPO ETNOGRÁFIC O E
INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS
Procurei ferramentas metodológicas que pudessem auxiliar na busca
de respostas para explicar o insucesso do Projeto Cidadania, na escola Marco.
Com respeito às peculiaridades da comunidade-alvo desta pesquisa
optei por fazer um estudo qualitativo, de aspecto etnográfico, uma vez que no
contexto atual da pesquisa escolar, tornou-se menos relevante fazer apenas
análises comportamentais que, basicamente, se limitam a descrever as relações
professor-aluno (ANDRÉ, 1997).
Para este tipo de trabalho, é necessário que se caracterize a região,
a história, os costumes, as crenças, as experiências e as vivências da população
estudada. Assim, a primeira parte deste trabalho consistiu de um estudo
antropológico da comunidade-alvo, uma descrição cultural da mesma, ou seja, sua
caracterização etnográfica (BIONDI, 2001; ANDRE, 1995), de caráter qualitativo
(LUDKE, 1998).
Na segunda etapa, foram levantados dados que permitiram
caracterizar a relação da comunidade-alvo da pesquisa com a escola, bem como a
relação, o grau de integração e comprometimento da escola com a comunidade.
Nos questionários aplicados aos alunos e nos aplicados aos
professores, supervisores e direção ( em anexo), interroguei quem é – na opinião do
154
entrevistado – a pessoa mais importante que mora no distrito, também quem é a
pessoa mais importante para o distrito e ainda qual foi, no passado, a pessoa mais
importante que morou ou ainda mora na comunidade; questionei a origem dos
primeiros moradores e como é composta a população atual; perguntei sobre a
história do distrito, a origem do nome da localidade e seu significado, os folclores ali
existentes, sobre as opções de lazer e qual a atividade mais importante para as
pessoas que moram na região. Todo esse inquérito foi conscientemente elaborado
para traçar os perfis do corpo docente e do corpo discente com a comunidade e,
através desses perfis, visualizar o poder de referência desse grupo social, isto é, a
capacidade que uma pessoa ou um grupo tem de influir sobre outros positiva ou
negativamente.
Finalmente, a terceira etapa deste estudo compreendeu numa
caracterização da relação professor-aluno, na disciplina de língua portuguesa.
Procurou-se avaliar alguns aspectos práticos como adaptações curriculares das
propostas dos PCNs, ferramentas pedagógicas utilizadas pelo professor, dinâmicas
das aulas, motivação, entre outros.
A coleta de dados foi realizada com auxílio de um questionário
contendo perguntas direcionadas ou semidirecionadas (em anexo).
Os questionários foram confeccionados especificamente para três
grupos de elementos dentro da escola: para a direção e supervisão, para os
professores, e para os alunos. Cada um dos três diferentes questionários continha
quatro conjuntos de perguntas. Com o primeiro conjunto de perguntas, procurei
caracterizar o perfil sócio-econômico da comunidade-alvo da pesquisa.
Com o segundo conjunto, busquei caracterizar o perfil sócio-cultural
da população de onde vive a comunidade-alvo. Com o terceiro conjunto, objetivei
155
caracterizar a relação dos entrevistados com a escola local. Com o último conjunto,
quis caracterizar os aspectos didático-pedagógicos da relação entre professores e
alunos daquela escola.
Na segunda parte do questionário, as perguntas foram adaptadas
para o levantamento que permitisse realizar a caracterização etnográfica da
pesquisa, de acordo com o modelo proposto por André (1995).
Nas demais partes do questionário, utilizei o mesmo padrão de
perguntas da análise qualitativa do projeto de pesquisa promovido pela UNESCO/
OREALC - Oficina Regional para Educación en América Latina y Caribe, o qual teve
apoio do CNPq, Finep e PCDT.
Conforme Marconi e Lakatos (1990, p. 86):
Como técnica de coleta de dados, a entrevista oferece várias vantagens: oferece maior oportunidade para avaliar atitudes,, condutas, podendo o entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz: registro de reações, dá oportunidade para obtenção de dados que não se encontram em fontes documentais e que sejam relevantes e significativos [...].
Apresento, nos anexos desta pesquisa, os instrumentos elaborados
para a coleta dos dados, a saber: anexo 1 – questionário para diretores e
supervisores, anexo 2 – questionário para as professoras; anexo 3 – questionário
para alunos.
156
6 DOS RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO
6.1 CONDICIONANTES LOCAIS
6.1.1 BREVE PERFIL DA CIDADE
Em 1924 instala-se em Londrina a Companhia de Terras Norte do
Paraná – CTNP – subsidiária da firma inglesa Paraná Plantation Ltd., pois o governo
estadual vendeu terras para essa empresa privada de colonização para que
promovesse o desenvolvimento do norte do estado. Neste contexto, o inglês Lord
Lovat, da CTNP e técnico em agricultura e reflorestamento, vem para a região para
instalar fazendas de cultivo de algodão. O empreendimento fracassou, devido aos
preços baixos e foi transformado em projetos imobiliários. Como desde o início, a
CTNP concedia títulos de propriedade da terra, não se registram conflitos na área
colonizada. Os terrenos da CTNP foram repartidos em lotes pequenos e as
modalidades de pagamento eram diversificadas, o que estimulou a explosão
demográfica.
Em 1929 chegou a primeira expedição da CTNP ao local
denominado ‘Patrimônio Três Bocas’ e onde foi fincado o primeiro marco nas terras
onde surgiria Londrina (hoje, o Marco Zero localiza-se em frente à rodoviária). O
nome da cidade significa “pequena Londres”. A criação do município ocorreu em
dezembro de 1934 e, a partir daí, Londrina foi se consolidando como principal ponto
de referência do norte do Paraná, desempenhando funções de centro metropolitano.
Em 1943 uma área doada pelos senhores Rui Alves de Camargo e
José Ramos começou a ser loteada, com a função de abastecer com gêneros de
157
primeira necessidade as propriedades da região. Em 21 de dezembro de 1964, o
vilarejo foi elevado a distrito através do Decreto Lei número 4992. O distrito é
formado por dois patrimônios. Quando da abertura da área, a atividade que se
desenvolveu primeiramente foi a agropecuária, iniciando somente em 1952 o plantio
de cafezais. Esta atividade, a exemplo de toda a região, foi de grande retorno e
desenvolvimento financeiro nas décadas de 50 e 60 (IPPUL, 1997, v. VIII, p. 51-52).
Até 1991, existiam 16 municípios paranaenses menores que o
distrito em questão; constata o ‘Plano Diretor Londrina 97’, documento elaborado
pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina – IPPUL, em 1997.
De acordo com esse documento, a área total é de 211,958 km2 e a área sede do
distrito é de 0,46 km2. Os limites administrativos são com outros três distritos de
Londrina e com o município de São Jerônimo da Serra.
O IPPUL (1997) informa ainda que:
A história da colonização dos distritos de Londrina tem em comum o atrativo inicial pelas terras virgens e férteis, além da facilidade de pagamento pelas mesmas, amplamente divulgada pela Companhia de Terras Norte do Paraná, no exterior e no resto do país. Alguns dos distritos acabaram atraindo diferentes tipos de etnias e especialidades, caso que não ocorreu nesse distrito, ao menos no início da colonização. O café foi sua atividade primária, sendo seguida pelo algodão. Como no início a área foi parcelada em fazendas, não havia um ponto distrital constituído, só aparecendo à partir da década de 1940, mais precisamente no ano de 1943, com a doação da área atual do distrito sede. Conforme padrão de evolução dos distritos de Londrina, que pautaram na atividade agrícola sua economia, a década de 1970 foi o ápice de sua população, 4833 habitantes, decrescendo desde então, em função da erradicação da cultura cafeeira (IPPUL, 1997, seção VIII – Distritos, p.VIII – 45).
158
6.1.2 PERFIL DO DISTRITO
O nome dado a esse distrito significa:
“[...] uma espécie de paraíso, que possuí campos lindos com rios límpidos que correm em vales verdes com árvores frutíferas. Neste local vive o lobo guará que tem a pelagem cor de ouro e que brilha ao sol, bem como araras maracanãs que colorem a paisagem.” (SILVEIRA, 2004).
6.1.2.1 RENDA PER CAPITA
O Perfil da Área Rural de Londrina – pesquisa “in loco”, realizada
pela Secretaria do Planejamento da Prefeitura do Município de Londrina, em 1994 –
informa: “Trata-se de população com baixo poder aquisitivo, sendo que 18,2 % das
famílias apresenta renda familiar menor que três salários mínimos, e 3 03% não tem
renda alguma”. Dez anos depois (2004) não constata alteração na renda familiar,
pois a maioria da população continua sendo composta por trabalhadores rurais
temporários (“bóias-frias”), os demais trabalham no comércio do próprio distrito ou
em Londrina (domésticas, diaristas, babás, balconistas, vigilantes, motoristas...).
6.1.2.2 ÊXODO RURAL
Devido à erradicação da cultura cafeeira, graças à forte geada de
1975 que praticamente dizimou com os cafezais da região, os trabalhadores da zona
rural do distrito mudaram-se para área urbana do município ou para a sede do
próprio distrito ou ainda para outras regiões pioneiras, especialmente para Mato
159
Grosso e Minas Gerais, caracterizando o êxodo rural pela saída deste contingente
em busca de emprego. Também, em busca de ensino de segundo grau para os
filhos, muitas famílias mudaram-se da comunidade, pois o segundo grau só passou
a ser oferecido no distrito a partir de 1994.
6.1.2.3 TRANSPORTE
O distrito é ligado à sede do município pela Rodovia Estadual
Benedito Bento dos Santos e à PR-445. O sistema de transporte coletivo do distrito é
efetuado pela empresa de ônibus Francovig, que oferece seis horários ligando o
distrito ao município. Os ônibus estão sempre lotados, salvos nos domingos e
feriados, quando o número e o horário das lotações é alterado.
6.1.2.4 CORREIO
O distrito conta com um posto de atendimento do Correio, trata-se
de uma sala localizada na sub-prefeitura e há uma funcionária da prefeitura
responsável pelo Correio local.
160
6.1.2.5 TELEFONIA
“Em 08 de julho de 1970, o SERCOMTEL – Serviço de
Comunicação Telefônica de Londrina – ativou o Centro Telefônico do distrito, e a
partir de 1990 foi automatizado” (IPPUL, 1997, p.VIII – 50). Antes de 1970 não havia
comunicação telefônica no lugar. De 1970 a 1990, havia um “telefone público” que
funcionava na sala da residência de uma família, como posto telefônico, onde duas
irmãs eram telefonistas/funcionárias da SERCOMTEL e faziam de lá ligação de
quem desejasse e o pagamento era feito a elas e por ligação; além disso, algumas
casas do distrito possuíam aparelho telefônico particular, mas não havia como
telefonar direto para o número desejado, ao levantar o aparelho do gancho, a
telefonista atendia, informávamos o número e ela completava a ligação, com o
inconveniente de só haver duas linhas telefônicas no distrito, ou seja, não mais que
dois telefones do lugar poderiam estar ocupados para que uma terceira pessoa
pudesse telefonar ou receber ligações. Somente a partir de 1990 o sistema foi
automatizado e as duas funcionárias transferidas para o município.
6.1.2.6 LUZ E A COPEL
Companhia de Energia Elétrica do Paraná – que faz a distribuição e
administração da energia elétrica no distrito, no município e no restante do estado do
Paraná, sendo que neste distrito todos os domicílios possuem rede elétrica.
161
6.1.2.7 ÁGUA
O abastecimento de água do distrito é administrado pelo órgão
estatal SANEPAR – Companhia de Saneamento do Paraná – que capta água de um
poço artesiano ali localizado. De acordo com o IPPUL (1997, p.VIII – 49), até outubro
de 1991, todas as edificações do distrito eram abastecidas com água encanada.
Porém, até o momento (2004), o distrito não é servido por rede coletora de esgoto e
o escoamento é feito por fossa.
6.1.2.8 SEGURANÇA
A comunidade possui uma subdelegacia de alvenaria e o governo
estadual mantém dois policiais para manter a segurança da população em caso de
pequenas brigas ou bebedeiras, pois casos mais graves são conduzidos para a
delegacia de Londrina. O subdelegado exerce um cargo não-remunerado apenas
pelo “status” de ser o responsável pela segurança da população; há cerca de trinta
anos o cargo é exercido pela mesma pessoa, um mecânico do lugar.
6.1.2.9 SAÚDE
A Prefeitura do Município faz a coleta domiciliar do lixo. O distrito
tem um posto de saúde localizado na rua principal e outro em um dos seus
patrimônios. Estes postos são mantidos pela Secretaria de Saúde da Prefeitura, com
162
apoio da Universidade Estadual de Londrina – UEL – que cede alguns dos
funcionários, estagiários e um dentista (que atende as crianças da comunidade, e os
adultos, somente para extração de dentes). O posto da sede do distrito foi
implantado em 1972 e até 2004, conta com um único médico, além de um
enfermeiro, quatro técnicos de enfermagem e seis auxiliares de enfermagem.
6.1.2.10 HABITAÇÃO
“Tendo em vista as características sócio-econômicas da população, as construções residenciais do distrito são em sua maioria (56,88%) de madeira, refletindo um padrão médio de habitação. O número de cômodos nas residências é, em sua maioria, bastante pequeno, pois em 45,8 % das construções totalizam 4 ou 5, enquanto a média de pessoas por família é de 3,8” (Perfil da Área Rural de Londrina em 1991. PML, 1994, p. 68).
O distrito possui um conjunto habitacional formado por 72 casas de
alvenaria e é dotado de uma grande área destinada ao Cemitério Público Municipal.
6.1.2.11 ECONOMIA
A base econômica é voltada para a agricultura onde se destacam
lavouras de milho, soja e trigo. Em fevereiro acontece a Festa do Milho que tem
como objetivo ser fonte de renda extra para a comunidade. O setor primário absorve
mais de 60 % da mão-de-obra local.
O setor secundário é inexpressivo naquele local. Não há indústria no
distrito, nem nos seus vizinhos; na década de 90, havia na comunidade um micro-
empresário que, com sua família, produzia água sanitária. A instalação de
163
agroindústrias e a construção de creche são os dois maiores anseios da população
local, conforme observei em conversas informais.
O setor terciário é diversificado e atende às necessidades básicas
do distrito, há um cartório, um salão de beleza, um posto de gasolina, um posto
bancário, um mercado, três açougues, três mercearias, cinco bares – conforme
observei.
6.2 PERFIL DA ESCOLA MARCO
6.2.1 PERFIL DA ESTRUTURA FÍSICA
6.2.1.1 Do quadro funcional
Constatei que o número de profissionais para atender as
necessidades da escola não é suficiente, havendo defasagem no quadro funcional e
pedagógico, mesmo assim acabam alguns profissionais sendo desviados de sua
função para atender as necessidades da escola, tendo professores em função na
secretaria e biblioteca. Esse problema não depende do interesse da comunidade
escolar resolver, depende da realização de concurso público por parte do poder
municipal para solucionar o caso em toda a rede.
Notei uma desarmonia quanto à distribuição de tarefas
desenvolvidas na cozinha; essa distribuição é feita pelos mesmos juntamente com a
direção, a qual dá a eles a liberdade de organização de tudo que será desenvolvido
neste ambiente para evitar descontentamentos na forma de realização do trabalho.
164
Mas mesmo dando esta liberdade de entendimento, eles apresentam
descontentamento nas divisões de tarefas, e isso é percebido há vários anos,
mudam-se as funcionárias (uma faleceu, outra se aposentou, algumas mudaram do
distrito e transferiram-se para outras escolas municipais), mas o problema se
mantém: uma reclama que trabalha mais que a outra. No entanto, o caso não é
específico da escola MARCO pela experiência que tive lecionando em 8 escolas da
rede municipal, o problema é comum a várias.
6.2.1.2 DA SECRETARIA ESCOLAR
No período noturno, não existe atendimento de secretaria, todo o
serviço referente a esta função está sendo executado pela diretora e pela professora
do período para as três turmas que estão sendo atendidas neste horário, sendo
duas de supletivo de 5a à 8a séries e uma de alfabetização de adultos. Dentre as
necessidades deste período está a falta de atendimento pedagógico que deveria
acontecer pelo menos uma vez por semana para atender os alunos da alfabetização
de adultos, mas, até o momento da pesquisa, não haviam recebido esse
atendimento.
6.2.1.3 DA LIMPEZA DO ESPAÇO FÍSICO
A escola tem uma disponibilidade de recursos suficientes para
atender a demanda de alunos que recebe todos os anos, sendo esses recursos
165
utilizados para manutenção e limpeza do espaço, mas também para compra de
materiais escolares que são utilizados pelo professor e pelos alunos de caixa
escolar. Contudo, a limpeza do ambiente não é feita corretamente, deixando a
desejar em todos os espaços escolares, principalmente chamou minha atenção a
limpeza dos aparelhos de TV e armários.
Este serviço é realizado por pessoas que são contratadas por firmas
terceirizadas, as quais passam por um processo de licitação da prefeitura do
município, exclusivamente para a limpeza das escolas. A limpeza é realizada nos
três períodos de aula, mas as condições de carteiras e cadeiras já no momento da
entrada das aulas muitas vezes assusta, pois estão quase sempre empoeiradas,
sujas e rabiscadas.
É importante lembrar que existe uma falta de consciência por parte
dos alunos sobre as questões de limpeza e manutenção das coisas daí também
parte a dificuldade dos funcionários em manterem tudo limpo já que há uma falta de
colaboração por parte dos alunos. Muitas partes da escola, onde a limpeza do
ambiente tem ficado a desejar, necessitam de reformas, principalmente os
banheiros.
6.2.1.4 DA BIBLIOTECA
A biblioteca da escola funciona precariamente, com apenas uma
atendente para os dois períodos (matutino e vespertino), sendo que este
atendimento se carece de qualidade, mas esta precariedade no atendimento não é
de responsabilidade da professora da biblioteca, já que ela tem um padrão de vinte
166
horas para atender dois períodos de aula, dividindo os dias da semana para o
atendimento. Desta forma, são atendidos às segundas e quartas, os alunos de 5a a
8a séries e de terças, quintas e sextas alunos de pré a 4a séries no período noturno
não há atendimento aos alunos. Quanto ao acervo, é constituído por literatura infantil
e juvenil, material de pesquisa, coleções pedagógicas, enciclopédias, jornais,
revistas, romances, etc., estando todos estes materiais sempre à disposição de
todos. Também existe um controle da entrada e da saída dos materiais utilizados
tanto por alunos quanto por professores, e a atendente da biblioteca comenta que
alguns não devolvem o material.
6.2.1.5 DA CANTINA ESCOLAR
Não existe um acompanhamento nutricional específico na escola,
mas sim um cardápio geral para a rede municipal de ensino, não havendo
conhecimento da realidade dos alunos nem conhecimento de suas necessidades
nutricionais por parte da responsável pela elaboração do cardápio. Tampouco existe
um armazenamento adequado para os alimentos, que são colocados em uma
prateleira aberta sem nenhuma proteção. Os utensílios utilizados também não são
armazenados adequadamente, ficando expostos o tempo todo: os copos, pratos e
colheres não são secos e guardados, permanecem no escorredor de louças.
Alimentos, quando chegam das distribuidoras, são empilhados no chão; caixas de
verdura e frutas ficam apenas dentro das caixas sem nenhuma proteção durante
dias.
167
6.2.1.6 O AMBIENTE
De acordo com conversas informais que mantive com diversos
educadores da escola MARCO, os profissionais costumam levar em conta os
componentes afetivos e cognitivos nos processos pedagógicos. Isto pelo fato de
saberem que possuem em sua clientela alunos com muitos problemas de estrutura
familiar, fator que tem grande influência em seu rendimento e aprendizado. Porém,
em entrevistas gravadas com a equipe dirigente (diretora e dois supervisores), os
três dizem que se trata de uma boa comunidade, fácil de se trabalhar. Essas
entrevistas foram realizadas em recinto fechado, estando no ambiente entrevistador-
entrevistado e gravador, permeando essa interação e inibindo as falas, que
considero mais autênticas quando colhidas espontaneamente na convivência
estabelecida no período de observação.
Há uma preocupação revelada por parte da administração escolar
em resgatar valores morais e éticos, principalmente, por se tratar de uma instituição
que tem na sua clientela alunos usuários de drogas, crianças que sofrem
espancamentos e prostituição infantil.
As crenças, dentro da instituição são passadas através de rituais
escolares, na forma de projetos escolares, como, por exemplo, o projeto “Momento
da Oração”, que é realizado na escola todas as segundas-feiras na hora da entrada,
quando, após ser cantado o Hino Nacional, uma pessoa ou uma turma faz uma
oração agradecendo a Deus por mais uma semana e pedindo a Sua proteção para
todos os presentes no local.
Não há aceitação das mudanças por parte da direção em alguns
pontos, pois a mesma procura manter um modelo, um sistema de trabalho que já
168
vem desenvolvendo há quatorze anos, principalmente mudanças relacionadas à
comunidade, ao envolvimento da mesma nas atividades desenvolvidas no ambiente
escolar. A direção parte do princípio de que a comunidade é muito carente e por isso
é influenciada muito facilmente por pequenos grupos políticos existentes no distrito
que são contra a administração escolar.
Constatamos que a autonomia é parcial em todos os setores da
instituição, pois alguém decide fazer algo diferente do rotineiro, mas este algo tem
que passar pela aprovação da chefia pedagógica e administrativa, antes da
execução. A chefia, então, deixa bem claro que só podem ser realizadas atividades
menos comuns mediante aprovação das mesmas.
Da mesma forma, vejo um processo de ensino hierarquizado, onde o
professor, “o chefe”, comanda, e os alunos simplesmente devem aceitar e obedecer
às ordens recebidas. Não existe muita abertura para o diálogo entre professores e
alunos: em alguns casos os alunos não podem nem sair do lugar para apontar um
lápis sem pedir autorização ao professor; já em outras turmas, a bagunça
encontrada e a falta de respeito entre ambas as partes são espantosas.
Três professores da escola MARCO, que trabalham no padrão
primeira à quarta séries, relataram que há turmas onde aluno não ouve o que o
professor tem a dizer, nem o professor sabe respeitar o direito do aluno de ser
ouvido. Percebi essa realidade claramente, quando no mês de março de 2004 fui
voluntária nessa escola, ministrando aulas de leitura em turmas de quinta a oitava
série e cobrindo a “janela” da professora de educação artística que se encontrava
em licença maternidade. Também para mim, que tenho anos de experiência no
ensino fundamental, a indisciplina foi desmotivadora; suponho que, por eles
saberem que a aula prevista seria de educação artística e não de leitura, viam minha
169
atividade como forma de preencher o tempo morto, o que acarretava em
desmotivação e conseqüente indisciplina.
Outra possibilidade, dentre várias, é que, por saberem que não sou
professora da escola, estava ali temporariamente e que as atividades de leitura que
desenvolviam em minhas aulas não valiam nota em nenhuma matéria, sentiam–se
mais à vontade para falar alto com colegas sobre assuntos que não estavam em
pauta ou sair da carteira para produzir conversa paralela em outro canto da classe.
Não foram graves os casos de indisciplina nas aulas que dei para os
alunos da escola MARCO, mas foram freqüentes. Em cada proposta de atividade,
ao menos um aluno por turma perguntava-me: “Vale nota?”. Conversando com os
demais professores no microônibus, todos informaram que ou levam uma atividade
lúdica ou dizem que aquela atividade fará parte da avaliação; são essas as duas
alternativas consideradas eficazes para controlar a falta de disciplina na classe.
Uma professora de Oficina de Texto para uma das turmas de oitava
série contou-me que, em 2003, teve uma turma de quinta série nesta escola para a
qual ela só deu palavras cruzadas, adivinhas, jogos e brincadeiras, pois só assim
aquela turma realizava a atividade e não provocava tumulto, mas a docente sabe
que não conseguiu desenvolver o programa a contento, mesmo a turma tendo sido
aprovada para a série seguinte. O mesmo problema também foi relatado por outra
professora, em relação a uma turma de sexta série.
170
6.2.2 PERFIL DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVO-PEDAGÓGICA
6.2.2.1 PROCESSO PARTICIPATIVO NA GESTÃO ESCOLAR
Em sua maioria, o corpo docente da escola MARCO não demonstra
iniciativa em realizar uma gestão democrática, que parta do princípio da participação
em que todos são responsáveis pelo sistema de ensino desenvolvido em seu
ambiente escolar.
De acordo com o que informaram três professores da escola que
são moradores da comunidade e lecionam no padrão primeira a quarta séries, o
relacionamento entre os professores da escola e os diversos setores da mesma são
em sua maioria de boa qualidade, tendo apenas, num quadro de 25 profissionais, 3
que discordam de tudo que é realizado ou discutido, sendo que isso é resultado de
questões políticas e pessoais, entre uma única professora que não simpatiza com a
direção da escola e faz a cabeça de mais duas para criticar todo o trabalho que
estiver sendo desenvolvido pela direção.
Segundo os três informantes acima mencionados, todos esses fatos
fazem com que essas pessoas sejam tratadas diferentemente, já que tudo que é
falado por parte da direção e demais profissionais da escola é usado como
argumento de crítica ou de problema por elas. Havendo, assim, um grande
distanciamento dos membros do corpo docente para com essas pessoas e também
a não aceitação das mesmas em determinadas salas de aula, preferindo a maioria
dos professores ficar sem auxilio do que tê-las nas salas, já que no ano de 2003
estas pessoas estigmatizadas estavam na função de auxiliar de regência.
171
Percebi participação nos processos de decisões, mas quanto à
forma como são tomadas essas decisões, são feitas por setores:
- decisões pedagógicas: professores, supervisores, direção e
secretaria;
- decisões funcionais: porteiros e zeladores;
- decisões nutricionais: merendeiras e auxiliares de cozinha.
6.2.2.2 RIGOR NO PLANEJAMENTO
Neste aspecto, existem pontos positivos e negativos. Existe
participação na hora de se planejar quais as medidas a serem tomadas na escola e
quais os eventos que ocorrerão durante o ano letivo, esse planejamento é
desenvolvido para que todos os professores e funcionários possam saber o que foi
programado para ser feito durante o ano e adaptar-se ao calendário estabelecido,
mas há certa maleabilidade nessa programação, o que considero algo positivo.
Exemplificando, a Prefeitura Municipal estabelece o número de aulas
que deve ser dado, cabendo a cada unidade escolar estipular em qual dia começa e
termina o período letivo, dentro dos meses previstos para esse fim, quais serão os
dias de férias e os recessos, obedecendo ao número mínimo de aulas exigido
portanto, há pequenas variações no calendário de uma escola da rede municipal
para outra. Feito o calendário, o mesmo é enviado para aprovação para a Secretaria
Municipal de Educação, caso não seja aprovado, volta para a escola, a fim de ser
reformulado pelo grupo para que atenda as exigências prévias; sendo aprovado,
deve ser respeitado, e, se houver necessidade de alteração nos dias letivos, a
172
Secretaria de Educação deve ser comunicada (afinal, é uma escola da rede
municipal e parece justo que a Secretaria saiba se ela está funcionando ou não em
determinado dia), e é aconselhável que as alterações não firam a data prevista para
o término do ano letivo. Os professores retornam para a escola duas semanas antes
dos alunos iniciarem o ano letivo, justamente para haver tempo e espaço para o
planejamento anual das atividades.
A escola MARCO programou um recesso em uma sexta-feira de
2004, por ocasião do feriado de Corpus Christi que neste ano será na quinta –feira,
em 10/06. Este calendário é parcialmente flexível, pois, após sua aprovação, pode
sofrer alterações. Em 11/03/2004, durante o intervalo, a diretora avisou aos
professores que bateria o sinal para o encerramento da última aula do dia uns 15
minutos antes do horário normal (essa quinta aula foi de trinta e não de quarenta e
cinco minutos), a fim de que os alunos fossem dispensados um pouco mais cedo, e
os professores se reunissem para decidir se gostariam ou não de participar de
cursos que seriam patrocinados pela Secretaria Municipal de Educação. Salientou
que o curso forneceria certificado, o que conta pontos na avaliação do professor
para subir de nível e aumentar o salário; também que a taxa de inscrição de 150
reais seria paga pela Prefeitura, não gerando despesas para os professores
municipais interessados no curso. No entanto, a escola permaneceria fechada no dia
do curso, e esse dia letivo seria reposto na sexta-feira do recesso (11/06), assim ou
o grupo optaria por fazer o curso e perder o recesso ou não fariam o curso e
manteriam o recesso, o que não seria visto com bons olhos pela Secretaria de
Educação. Não seria possível que uns professores escolhessem uma opção, e
outros a outra, porque a falta de vários docentes no mesmo dia inviabilizaria o bom
funcionamento da escola em duas ocasiões: no dia do curso e no da reposição.
173
Além desse argumento, havia a opção de escolher entre meia dúzia de seminários,
aquele que cada professor desejaria assistir e indicar sua segunda opção. Assim
sendo, chegou-se ao consenso de irem ao seminário e não terem o recesso
anteriormente previsto por ocasião do planejamento anual.
É importante ressaltar que todo o planejamento dos conteúdos
bimestrais, feito no período supra-citado, é, em alguns pontos, desconsiderado já
que percebemos que o mesmo não é acompanhado quanto à sua aplicação, não
existe uma cobrança por parte da direção e da supervisão escolar para que seja
cumprido o que foi proposto nos planejamentos, principalmente no que se refere ao
acompanhamento do trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula
Há uma divisão bimestral de conteúdos, a qual é única para a rede
municipal, e visa o objetivo de facilitar o desenvolvimento e acompanhamento do
aluno quando transferido.
6.2.2.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
O PPP da escola assume por função social formar indivíduos com
capacidade crítica e reflexiva.
De acordo com os três professores de primeira a quarta, muitos
profissionais não têm interesse algum em trabalhar essa proposta, alguns nem
conhecem o que diz neste documento por não terem nenhum interesse em ter
acesso à mesma. Meus informantes afirmam que é um documento que está sempre
à disposição de todos, mas alguns dos profissionais não sabem nem o que têm
nesta proposta, para que ela serve, o porquê de sua existência e qual sua finalidade.
174
Também não participaram do processo de sua elaboração. Essa fase foi
desenvolvida pelos profissionais da parte administrativa, direção, supervisão e
secretaria.
Os profissionais “se dizem comprometidos” com a transmissão e
reorganização do saber, mas não conhecem o PPP da escola. A proposta política
pedagógica da escola fala de um ideal de educação voltada para o cultivo de valores
identificados com o exercício da cidadania.
A comunidade ainda vê a escola como um espaço responsável pela
memorização dos conteúdos passados, onde o aluno memoriza datas, nomes e
fórmulas, pois na sua época eram esses os conhecimentos exigidos nas provas.
Existe um trabalho de capacitação -previsto no PPP- que é realizado
nas escolas. São os chamados grupos de estudos, que são classificados pelos pais
como perda de tempo por não saberem qual o trabalho desenvolvido nessas
reuniões. Vale ressaltar que, segundo o depoimento de três professores que delas
participam, muitas vezes são reuniões perdidas mesmo, pois, segundo esses
informantes, o supervisor de ensino que é responsável pelo desenvolvimento do
trabalho, prepara os materiais na última hora sem ter objetivos propostos nem metas
a alcançar.
6.2.2.4 DA APM E CONSELHO ESCOLAR
As situações-problema são levadas para o grande grupo em
reuniões de APM e Conselho Escolar, quando são discutidas questões pedagógicas,
administrativas e funcionais. Essas questões normalmente são bem resolvidas e há
175
participação de alguns membros do corpo docente nas reuniões, esclarecendo
determinados pontos que são questionados pelos representantes da APM e do
Conselho Escolar.
Ainda segundo o parecer do trio de educadores que residem no
distrito, tanto a APM como o Conselho Escolar tem, entre seus membros, pessoas
que não têm interesse em resolver os problemas e trazer melhorias para a escola,
mas sim em fazer com que o trabalho da escola seja desmoralizado diante da
comunidade com “fuxicos” e conversas fiadas. Os educadores declaram que,
quando se realizam reuniões para eleição de Conselho, APMs ou qualquer outro tipo
de representatividade escolar, os membros da comunidade não querem fazer parte.
É necessário que sejam convidados perante todos do grande grupo para que às
vezes aceitem participar. Ou seja, um pouco coagidos perante os demais acabam
aceitando por vergonha de negar participação.
6.2.2.5 DO USO DA TV E DO VÍDEO
Em todas as salas de aula da escola MARCO há uma televisão,
embora pequena, ligada em rede, ou seja, da sala da supervisão coloca-se uma fita
de vídeo, e as turmas que quiserem assistí-la ligam a tela do aparelho de sua classe.
Porém, muitas vezes, os meios de comunicação são usados na escola MARCO
como forma de “matação de tempo”, sem uma preparação prévia do material a ser
apresentado. Exemplificando, o professor toma conhecimento do que está passando
no vídeo no mesmo momento em que o aluno está assistindo, fazendo apenas
algumas colocações superficiais sobre o que assistiram, como: “Gostaram do filme?
176
É legal né!? Viram que desenhos legais!?”. Esse tipo de acontecimento é corriqueiro
em algumas turmas de primeira a quarta série, conforme o depoimento de três
professores desse nível de ensino. Pude verificar que o mesmo ocorre no nível
quinta a oitava. Vivenciei a diretora pedindo sugestões para os professores de quais
filmes ela poderia locar para os alunos assistirem sozinhos na sala de aula, no
horário em que não há professor para a turma. Considero louvável a abertura para
sugerir e vários docentes opinaram, também parece melhor assistirem a um vídeo
do que não terem o que fazer no horário, o que facilita tumultos. Mas, fica claro para
todos a função do vídeo nesse contexto: preencher tempo morto.
Os meios de comunicação que poderiam ser utilizados por todos
como forma de aprimoramento ou de esclarecimento dos conteúdos apresentados
pelo professor são utilizados pela maioria como forma de “matação de tempo”. A
comunidade caracteriza este trabalho como uma perda de tempo, para eles o
professor realiza este tipo de atividade para ficar sem fazer nada na escola. Senti
que alguns utilizam tal recurso apenas para passar o tempo mesmo, mas também
existem os profissionais que preparam suas atividades como forma de
enriquecimento ou de ilustração da teoria apresentada, facilitando a compreensão
do aluno sobre determinados assuntos trabalhados.
Alguns professores utilizaram mídia para ilustrar e melhorar sua
aula, mas poucos estão ensinando os seus alunos a analisar criticamente a própria
mídia, deixando de desenvolver no aluno uma visão crítica sobre os diversos
produtos de mídia que lhe são apresentados, de forma que eles possam
compreender os vários aspectos envolvidos em sua produção de significados.
Por exemplo, no Dia Internacional da Mulher, trabalhei em turmas de
sexta e oitava séries, da escola MARCO, a interpretação da música “História de Lily
177
Braun”, composta por Chico Buarque e Edu Lobo, gravada por Gal Costa, explorei a
mensagem de que “depois do beijo no altar/casamento nunca mais
romance/namoro”. Uma das professoras de língua portuguesa da escola entrou na
sala de sexta série na aula seguinte à minha, soube através dos alunos da análise
do texto poético e solicitou que uma aluna da classe fosse me localizar em outra
turma para qual eu estava dando aula, emprestasse a letra da música e a fita com a
canção que ela queria ouvir com a turma na qual eu acabara de sair. Enviei-lhe o
material solicitado, mas julguei tratar-se de puro tempo morto ouvir na terceira aula
texto que recém fora analisado na segunda aula. Neste dia, a referida professora
tinha o seu horário de atividade na quinta aula, assim que entrei na sala dos
professores, onde ela encontrava-se nesse horário e na companhia do supervisor,
ela me questionou sobre “como é forte essa música para trabalhá-la com
adolescentes, acho o vocabulário utilizado na letra da música inapropriado para uma
escola de ensino fundamental”. Justifiquei que com essa música instigo a reflexão
sobre educação sexual e pluralidade cultural, mas não consegui convencer a minha
colega, graduada em Letras, da viabilidade desse texto musicalizado.
6.2.2.6 PAPEL DO CONHECIMENTO DO PROCESSO HISTÓRICO
Não existe conhecimento por parte dos profissionais da escola sobre
o seu processo histórico. O Projeto Político Pedagógico é pobre de informações. É
feito de uma maneira bem resumida dando enfoque a questões legais pelas quais a
escola passou.
178
Na escola é encontrado muito pouco sobre seu processo histórico
pelo fato dela ter sofrido um incêndio no ano de 1996, destruindo todo material
existente.
Os profissionais, em sua maioria, afirmam não conhecerem o
processo histórico da escola e afirmam acreditar que não houve discriminação na
escolha do nome, sendo que nem sabem de onde veio este nome e porquê foi o
escolhido.
A escolha do nome da escola ocorreu em minha residência.
Participei dessa conversa com meus pais. Na época, o meu pai era administrador
distrital, ou seja, o prefeito local, subprefeito em relação ao prefeito eleito para o
município de Londrina, que nomeava alguém de sua amizade para ocupar o cargo
remunerado como servidor público temporário. Era gestão do Dr. Wilson Moreira.
Até aqueles dias, a escolha dos nomes de escolas, praças, ruas ou estradas era
feita arbitrariamente pelo poder público municipal. A partir de então, o prefeito
desejava instalar uma política de atribuição de nomes de moradores das
comunidades para as obras feitas em cada localidade.
Por ocupar o cargo de administrador distrital, meu pai viu-se na
situação (incômoda, na visão dele) de ter que apresentar um nome na prefeitura
para ser o da escola em questão (que na época era bem menor do que nos dias
atuais e tinha minha mãe como diretora nomeada). O casal refletiu sobre o assunto,
chegou a uma conclusão, conversou com a família homenageada para saber se
concordavam, depois convenceu algumas lideranças locais sobre a defesa desse
nome e o indicou para as autoridades. O povo, no geral, não teve voz nesse
processo, nem mesmo toda a comunidade escolar foi ouvida.
179
O nome da escola é uma homenagem a um antigo morador,
comerciante na localidade, um dos pioneiros do lugar, na época já falecido; o que
procuravam era o nome de alguém antigo na comunidade e de vida pessoal ilibada.
Apesar do indivíduo que emprestou seu nome à escola já ser falecido e parte da
família haver se mudado para a zona urbana, foi reconhecido pelas lideranças
consultadas como pessoa digna.
Foi difícil obter informações sobre o processo histórico da
escola, salvo recorrendo à minha memória, a dos meus pais e de outros antigos
moradores. As informações que colhi foram através de relatos de alguns membros
da comunidade. Na escola não existe material referente à sua historicidade, pois, em
1996, toda a documentação existente foi destruída num incêndio.
No período em que minha mãe foi diretora da escola MARCO, ela
preocupou-se em registrar os eventos e organizou um álbum de fotografias, no qual
anotava como se deram os processos de transformação pelos quais a escola passou
ao longo dos anos. Algumas das informações levantadas foram através de relatos
orais de moradores antigos do distrito, como também algumas fotos antigas da
escola, mas no incêndio tudo foi consumido.
Atualmente, os profissionais da escola não sabem nada sobre o
processo histórico da mesma e também não demonstram interesse em saber de sua
historicidade. Se os alunos questionam algo a esse respeito ficam sem resposta. O
descaso com o processo histórico também é observado no comportamento da
grande maioria da população local, que não demonstra interesse em saber algo
sobre isso.
Quando questionados, os moradores afirmam que isso não tem
importância, que o que vale é a criança ter onde estudar, não saber quem foi a
180
pessoa que deu o nome à escola. Isto ocorre porque os pais não entendem a
questão da historicidade que deve ser trabalhada na sala de aula e na vida dos
alunos. O nome da escola costuma trazer significações e intenções que podem ser
políticas e educativas mas que dificilmente são discutidas e analisadas.
No caso desta escola, questionei sobre o significado do seu nome,
tanto na entrevista com os alunos, como com as professoras e também com a
diretora e supervisores, mas ninguém se preocupa em saber o que está por trás do
referido nome; apenas caracterizam como o nome de um morador antigo do distrito,
que, na palavra de muitos membros da comunidade, nada fez pelo local.
A comunidade não tem noção de que um dos objetivos mais
relevantes do conhecimento do processo histórico é a constituição da noção de
identidade. Em razão disso, foi mantida pelos meus pais a mesma estratégia de só
apresentar para algumas lideranças a sugestão do nome de um pioneiro para
designar a praça matriz e a estrada que liga esse distrito a um distrito vizinho. E,
após tantos anos, nenhum questionamento se fez até agora. Porém, apresentei nas
minhas entrevistas estruturadas questões sobre a origem do nome do distrito, seu
significado, a história da localidade, a origem dos primeiros pioneiros, as
personalidades de destaque no presente e em tempos passados, os folclores
característicos dos moradores da região, as opções de lazer para a comunidade...
Com isso, despertei o interesse dos professores de quinta a oitava séries da escola
MARCO de promoverem uma semana cultural com seus alunos para buscarem
respostas para essas questões que tanto alunos como professores e equipe
dirigente dizem não conhecer suficientemente.
181
6.3 PERFIL DOS GESTORES ESCOLARES
6.3.1 DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DE LEVANTAMEN TO
HISTÓRICO E OBSERVAÇÃO
Para começar a melhoria nas condições de ensino e aprendizagem,
a administração escolar pode estar mais atenta aos fatores físicos que interferem no
ambiente como ventilação, iluminação, limpeza do chão, das paredes, carteiras,
banheiros... É óbvio que a escola por si só não consegue resolver questões sociais
que nela se repercutem, como desemprego e fome, mas poderia equacionar fatores
internos que favorecem a indisciplina, por exemplo, colocar música no horário do
recreio para que, além de lanchar e ir ao banheiro, o aluno possa relaxar, cantar,
dançar e sentir maior prazer por estar ali. Desta forma, por parte da escola, haveria,
na prática, uma ação concreta de atendimento às cobranças externas.
No caso da comunidade em que realizo esta pesquisa, a atual
diretora ocupa o cargo há doze anos. Ela já era diretora quando a Secretaria de
Educação de Londrina realizou a primeira eleição para diretores das escolas
municipais no ano de 1994. Antes disso, a escolha de quem ocuparia o cargo era
determinada por quem exercesse o papel de Secretário(a) da Educação, sujeito a
pressões políticas dos membros da comunidade, mas com poder para nomear quem
quisesse dentre os professores de toda rede municipal (atualmente formada por
cerca de dois mil educadores) e destituí-lo sem maiores explicações. Por sua vez, a
eleição para direção de uma escola restringia a possibilidade de candidatar-se ao
cargo apenas os professores daquela unidade específica, o que representou grande
182
avanço, pois antes disso quem nunca tinha ouvido falar do distrito era
repentinamente nomeado diretor da única escola do lugar.
Outro aspecto democrático dessa primeira eleição para diretores foi
conceder direito de voto (não de ser votado, mas de votar) a quatro categorias:
professores e funcionários da escola, a alunos com treze anos ou mais e aos pais de
todos os alunos daquela unidade de ensino. No entanto, havia peso nos votos, e
este era diferente para cada categoria, o voto de um docente valia dez vezes mais
do que o voto de um pai.
O certo é que a atual diretora já ocupava o cargo na época, mas não
morava no lugar e não era bem vista pela comunidade, devido a romances que
manteve, porém era a opção de chefia para os professores de quinta à oitava séries.
Estes também não eram da comunidade: viajavam à noite para lá dar aulas e
retornavam juntos (de microônibus) para a zona urbana.
Dentre os membros da comunidade, duas professoras de primeira à
quarta séries se candidataram, dividindo entre elas a maioria dos votos dos pais,
dos alunos e dos funcionários, sendo rejeitadas pelos docentes do ensino
fundamental maior que, possuindo curso superior, não desejavam como chefe
imediato alguém com menor escolaridade: ambas possuíam apenas o magistério em
nível de segundo grau e apresentavam o modo simples de vestir-se, falar e portar-se
como filhas da zona rural que continuavam sendo.
Em razão do peso dos votos não ser paritário, a atual diretora foi
eleita. Esta eleição ocorreu com relativa normalidade em toda rede municipal: não
houve grande celeuma nas mais de setenta escolas que compõem a rede, salvo no
distrito alvo dessa pesquisa. A comunidade, de forma maciça, se uniu e realizou uma
manifestação popular nunca antes vista na história daquela região até os dias atuais.
183
Os pais proibiram seus filhos de irem às aulas enquanto aquela direção fosse
mantida e passavam o horário escolar destinado às turmas de quinta a oitava série
(período noturno) com seus filhos de plantão em frente ao portão de entrada da
escola; gritavam palavras de ordem e vaiavam o microônibus na sua chegada e
saída do colégio. A situação permaneceu assim por dez dias, e era diariamente
noticiada pelos meios de comunicação regionais.
Minha mãe estava aposentada há um mês, depois de ter lecionado
por vinte e quatro anos nesta escola, para o padrão de primeira a quarta série, tendo
sido por cinco anos diretora de primeira a oitava série, sem curso superior, foi
nomeada e destituída no período em que esses atos se realizavam politicamente.
Ela sempre foi bem valorizada pela comunidade local, reconhecida como liderança,
mas sofreu dificuldades com o grupo de quinta a oitava série que não via com bons
olhos na chefia alguém sem curso superior.
Como não teve direito a voto nessa eleição para diretores, por não
se enquadrar mais em nenhuma das categorias de eleitores, ela não quis participar
da manifestação popular. Embora eu não me enquadrasse nessas categorias, tive
uma breve e decisiva participação nesse movimento. Apesar de não morar mais ali
há alguns anos, continuava sentindo-me e sendo vista como membro da
comunidade, pois ia regularmente passar os fins de semana ali na casa dos meus
pais e, com eles, participava ativamente da Igreja Católica local. Na primeira sexta-
feira da manifestação (quinto dia em que a mesma se repetia), a Polícia Militar de
Londrina foi chamada para pôr fim ao movimento e prender as lideranças distritais
por perturbação da ordem pública; nos dias anteriores, o batalhão era chamado para
assistir ao protesto e dar garantias de segurança à diretora eleita, aos professores,
funcionários e alunos que fossem para o colégio.
184
A Prefeitura Municipal insistia em defender a legalidade, mesmo que
esta ferisse a legitimidade, ou seja, havia uma lei municipal regulando o processo
eleitoral, e o poder público não poderia invalidar o pleito naquele estabelecimento
porque o mesmo ocorreu em conformidade com essa lei; além disso, os critérios/
pesos para a eleição da dirigente daquela escola não poderiam ser distintos do
restante da rede. E assim se fez, cansados de não terem voz, pouco a pouco o
movimento esvaziou-se, e os filhos voltaram às aulas. Mas esse processo teve seu
ápice quando o convencimento da comunidade parecia distante, e as autoridades
resolveram conduzir os líderes do episódio para a prisão.
Até hoje, nenhum advogado reside no distrito, apesar de dali já
terem sido formados vários (conheço seis e é, a meu ver, a profissão de maior
prestígio social nessa comunidade). Cheguei no distrito naquela histórica noite de
sexta-feira e fui solicitada por vizinhos que fosse, como advogada, representar a
população local junto à polícia. Assim me portei, apesar dos protestos dos meus
pais. Os policiais se contiveram diante de uma representante da Ordem dos
Advogados do Brasil e ninguém foi preso ou processado. No entanto, a falta de
poder vivenciada por aquela comunidade diante dos rumos da escola local produziu
uma apatia social, uma falta de interesse em participar da gestão da escola e do seu
projeto pedagógico.
Com o passar do tempo, as feridas vão sarando; dois anos depois,
houve a segunda eleição municipal para diretores. Desta vez, o critério estabelecido
pela Secretaria de Educação foi o de negar o direito de votar aos pais de alunos,
provavelmente, para evitar novos problemas somente professores, funcionários e
alunos com idade de treze anos ou mais continuaram tendo direito ao voto. Neste
segundo processo, a atual diretora voltou a candidatar-se e concorreu com uma
185
nova professora. Essa possuía dois padrões na escola (1a. à 4a. e 5a. à 8a. séries), é
professora de educação artística, filha de pioneiros da comunidade, e já havia sido
administradora distrital (cargo de sub-prefeito, ou seja, de prefeito local, sendo este
subordinado ao prefeito do município), nomeada nessa pesquisa pelo pseudônimo
Elvira.
A campanha foi acirrada, com direito a brindes como réguas com o
nome da candidata “Elvira”; acredito que, pelos pais não terem direito ao voto, a
atual diretora “Ana” reelegeu-se. Mas, a partir de então, ela mudou-se com seus
filhos para o distrito, matriculou-os nesta escola e procurou estreitar seus laços com
os moradores. O que causava escândalo público nos primeiros tempos foi sendo
absorvido pela população como questões de interesse particular, e a diretora foi se
firmando como uma das novas líderes distritais (talvez, pela função de autoridade
que ocupa ou por ter demonstrado ser a pessoa forte que é) e nas eleições
seguintes passou a ser candidata única, sendo constantemente reeleita, mesmo
depois que os pais readquiriram direito de voto e havendo a possibilidade de um
candidato único perder para os votos brancos e/ou inválidos, caso em que a
administração municipal nomeia alguém para o cargo.
Quanto a mim, sempre mantivemos um relacionamento amistoso, o
que se manteve e até se estreitou um pouco por ocasião dessa pesquisa de campo,
sem que isso me inibisse de focalizar a vida escolar cotidiana e descrever as
lacunas na formação de nossos estudantes, questionando sua formação enquanto
leitores e cidadãos:
• Sem que ao longo do ano o aluno seja estimulado a leituras é
possível um ensino produtivo?
186
• De que maneira os professores veiculam as descobertas
científicas e notícias do cotidiano divulgadas pelos meios de
comunicação?
• Em especial sobre o Projeto Cidadania da Folha de Londrina,
que papel desempenha a leitura do jornal no planejamento de
conteúdos?
• Os educadores trabalham com conteúdos voltados à realidade
social?
Em busca dessas respostas assisti às aulas para observar como é
construído o conhecimento lingüístico nessa unidade de ensino, se crítica ou
acriticamente.
Este episódio de rejeição da diretora da escola pelos membros da
comunidade, ocorrido nos primeiros anos da administração escolar de “Ana”, está
totalmente superado nos dias atuais. Prova é que ao entrevistar “Ana” e solicitar que
contasse a sua trajetória pessoal e profissional, ela não narra esses fatos, como se
os mesmos não fossem relevantes ao menos em um período de sua trajetória.
Porém, isso poderia ser uma estratégia consciente ou não para negar a importância
dos fatos; prova maior que esse desentendimento foi superado é que, ao entrevistar
as lideranças distritais, NENHUMA mencionou esta história quando solicitei que
falasse tudo o que sentia ou sabia sobre essa escola de ensino fundamental. Mesmo
essa pesquisadora, refletindo sobre a abordagem etnográfica em educação, levou
meses até que lhe viesse à memória como esse dilema sobre o papel da diretora
como agente de ligação entre escola e comunidade foi especialmente crítico no
contexto investigado. Disso, interpreto que a questão está guardada na memória
coletiva como ultrapassada, mas a superação dessa realidade cultural é digna de ser
187
pesquisada. Ao descrever a situação, busco compreendê-la e revelar seus
significados e sua plausibilidade no tocante à psicologia institucional fundamentada
na abordagem sócio-antropológica.
As práticas escolares, analisadas no contexto particular em que se
desenvolvem, além de considerarem as dimensões institucionais que as envolvem,
consideram as dimensões sociais e culturais, como prescreve André (1997).
Portanto, as questões que provocaram impacto no grupo social investigado são
enfocadas nessa pesquisa, apesar do constrangimento ético de expor situações que
envolvem até a sexualidade de membros da comunidade e colaboradores dessa
pesquisa. Uma abordagem etnográfica deve revelá-los para discutí-los com base em
uma sustentação teórica que favoreça a resolução das causas de malogro no
contexto escolar e cultural pesquisado. Para a compreensão da realidade da escola,
a rede de interações que constitui a experiência escolar diária é mostrada, e a
participação da direção da escola fundamental do distrito alvo dessa tese é inegável
nessa rede. Por ela estar à testa da unidade escolar, interessa verificar como os
olhos da comunidade voltam-se para ela, porque é algo relevante para a
compreensão das relações que constituem a prática pedagógica experimentada
naquele ambiente.
Como a conduta de um atua na conduta do outro de forma
intencional ou não, ao passar a ter uma vida afetiva discreta, a diretora passou a
gozar de aceitação pela comunidade.
O passar do tempo também motivou essa aceitação de “Ana” pela
comunidade do distrito alvo dessa pesquisa. Como acontece em todo processo de
interação, também se observa, na cultura organizacional um universo simbólico
188
composto por valores, crenças, histórias e rituais que com o passar do tempo, vão
ganhando novos contornos.
Em detrimento da interação do aluno com os conteúdos escolares e
com a realidade social analisada na escola, consome-se o tempo de sala de aula
com questões de indisciplina ocorridas na própria aula, no pátio e nas imediações da
escola. Em uma das observações que fiz na escola MARCO, vi todos os alunos de
quinta a oitava série perderem 35 minutos da primeira aula de uma segunda-feira
para ouvirem sermão sobre indisciplina no ônibus escolar que transporta os alunos
de um patrimônio para a sede do distrito e também em virtude de uma briga ocorrida
entre os alunos na sexta-feira anterior e fora da escola.
A diretora reuniu todos os alunos, em fila, no pátio da escola e
chamou todos os professores para permanecerem ao seu lado, diante do mastro da
bandeira. Então, discursou sobre “ordem e progresso”. Comunicou a todos que o
motorista do ônibus tem reclamado muito da bagunça que os alunos fazem, não há
lugar para todos viajarem sentados e uma minoria precisaria permanecer sem
assento, mas praticamente todos os adolescentes optam por viajarem em pé e se
pendurarem no ônibus, caindo uns sobre os outros em cada curva. Ela assegurou
que, se a algazarra continuasse, solicitaria à prefeitura que cortasse o transporte
escolar, deixando os alunos sem condições de irem para a escola, pois “ônibus é
para transportar gente e não um bando de animais que nem sabem se comportar.
Entenderam?” E, todos os alunos responderam em coro “Sim”. “Estamos
conversados?” “Sim”. Mas, ao meio-dia, na saída da aula, a diretora entrou no
ônibus escolar e tornou a repetir a ameaça infundada, já que a mesma não possui
condições legais de ser colocada em prática.
189
A questão que se coloca diante da situação relatada é se o método
do sermão constitui ferramenta eficiente para enfrentar a problemática disciplinar. Se
sim, por que precisou ser repetido no mesmo dia, por ocasião do término das aulas e
antes que uma nova viagem se iniciasse?
O sermão, provavelmente, conseguiu ocasionar um mal-estar
generalizado. Por ser desagradável ouvi-lo, todos passarão a se esforçar para não
dar motivos para que o mesmo se repita? Não! De tempos em tempos a metodologia
se repete, o que revela a sua pequena eficiência para a conscientização do público-
alvo sobre o sentido da disciplina, apesar disso, restaram apenas dez minutos para
a primeira aula.
Analisar a realidade através de uma pesquisa sobre o transporte
escolar ou palestra sobre ‘transporte com segurança’, seguido de um debate coletivo
sobre o assunto, parece-me mais eficaz para despertar o desejo de mudança de
atitude, pois o compromisso de colaborar para construir uma realidade diferente vem
mais da conscientização do que do medo de uma ameaça que nunca é colocada em
prática e se resume a um discurso, mesmo que estigmatizador. Acredito que o
problema deva ser enfrentado; compete à direção da escola encontrar meios para
superá-lo, mas como a grande maioria dos alunos do distrito não vem do Patrimônio,
não freqüenta o referido ônibus escolar, para eles, permanecer em pé, carregando
seus materiais perfilados por mais de meia hora para ouvirem reclamações sobre
seu mau comportamento no ônibus constitui tempo morto.
Entretanto, além da questão do transporte, todos foram informados
que a direção não admitirá brigas entre os alunos nos arredores da escola, como
havia corrigido na última sexta-feira e que os pais dos dois briguentos haviam sido
chamados à escola, para tomarem ciência de que “ou os filhos aprendem a
190
obedecer e se comportarem ou procurem outra escola, no caso a mais próxima fica
a sete quilômetros e, com certeza, não vão querer aluno transferido por indisciplina”-
alertava a diretora. O pai e a mãe do aluno “menos briguento” atenderam à
convocação da escola, ouviram o sermão que a diretora dizia a todos e, a seguir,
conversaram em particular com ela e com o aluno que brigou com o filho deles. Este
aluno é considerado “o mais violento da escola” e os pais dele não atenderam às
convocações da instituição escolar.
No caso da escola MARCO, a indisciplina nunca atingiu proporções
mais violentas como porte de armas, explosão de bombas, arrombamentos e outras
manifestações mais graves como sabemos que ocorre em grandes centros urbanos
como, por exemplo, nas favelas cariocas. Nossa realidade é menos grave, mas se
manifesta através de dispersão, conversas paralelas, falta de participação na aula,
desinteresse, carteiras riscadas e pintadas com líquido corretor, escritos nas
paredes, brigas, respostas irônicas, querem ir toda hora ao banheiro, saem ao
corredor assim que toca o sinal mesmo quando o professor ainda está falando, entre
outras atitudes que revelam que esses alunos se vêem obrigados a estarem na sala
de aula sem entenderem o para quê estarem ali, sem perspectiva presente ou futura.
E a metodologia do sermão, quando muito, pode conseguir passividade, mas o
autoritarismo não é suficiente para desencadear a conscientização da comunidade
educativa. Para combater a indisciplina, demonstrada quer por alienação ou por
agressividade, é preciso acabar ou diminuir com o tempo morto, e isso exige
adequação curricular (para dar sentido às atividades desenvolvidas na escola, torná-
las significativas, envolventes, participativas) e intervir na ordem afetiva dos sujeitos,
valorizando o relacionamento interpessoal.
191
6.3.2 INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DOS SUJEITOS
O corpo administrativo da escola MARCO é formado por um homem
(supervisor) e uma mulher (diretora); ambos com idade entre 40 e 49 anos; possuem
nível superior, obtido em curso presencial/semipresencial ou semipresencial/final de
semana. Ele fez especialização na área de educação; ambos tiveram atividades de
formação continuada.
Trabalham há mais de 20 anos na área de educação e têm
experiência didática de mais de 15 anos. Ambos já trabalharam em outras escolas,
todas da rede pública; sendo que a diretora trabalha nos 3 turnos, e o supervisor
trabalha pela manhã e à tarde. Ele exerce outra atividade profissional fora da área
de educação: comércio de roupas. Fora da escola, ele afirma dedicar cerca de 4
horas/semana às atividades escolares.
Ambos ganham mais de 1441 reais como professores e apresentam
rende familiar bruta superior a 2161 reais.
6.3.2.1 RELAÇÃO COM A COMUNIDADE
O supervisor nasceu no distrito, sendo que ambos, supervisor e
diretora, afirmam conhecer a história do mesmo, assim como a origem e o
significado do nome do lugar. Em suas perspectivas, a população é composta na
sua maioria por brancos, sendo os moradores de origem principalmente portuguesa
e também de italiana.
192
Quando perguntados sobre a pessoa mais importante do distrito,
afirmam ser todos iguais e importantes; não souberam ou não quiseram indicar um
personagem importante do passado do distrito e nem apontam um personagem
atual de importância para a comunidade. Considero que conhecer o perfil sócio-
histórico da comunidade seja pré-requisito para o alcance dos objetivos propostos
pelas atuais políticas educacionais.
Como opção de lazer, citam a praça de esporte, bares, lanchonetes
e campeonatos locais, o jardim da praça da matriz; além de festas promovidas por
amigos, pela igreja, pela escola. Como proposta para melhoria apontam a
construção de um clube social.
Na opinião desta pesquisadora, a comunidade não poderia arcar
com a construção e/ou manutenção de um clube. Além disso, para uma comunidade
com o perfil deste distrito, considero que uma outra proposta mais inclusiva teria
melhor efeito, como é o caso da Festa do Milho promovida na comunidade. Tanto a
diretora como o supervisor conhecem as festas: do milho, da primavera e junina.
Ambos afirmam que a escola costuma promover festas e/ou eventos, e que os
alunos às vezes ajudam na organização, mas nem sempre.
Quando perguntados sobre qual atividade, em sua opinião, é a mais
importante para os moradores do distrito, um afirmou que todas têm importância e o
outro não respondeu. Uma vez que o distrito apresenta características basicamente
rurais, considero a agroindústria como a atividade mais importante para a população,
sendo este um ponto norteador do plano pedagógico da escola.
193
6.3.2.2 RELAÇÃO COM A ESCOLA
A diretora e o supervisor afirmam que a escola é bem cuidada (o que
se opõe à visão dos alunos) e é um lugar seguro, sendo que nunca sofreram, nem
viram ninguém sofrer violência na mesma (o que também se opõe à visão dos
alunos); ambos afirmam, entretanto que a escola já foi roubada, depredada e não
tem guarda ou vigia. Na visão de 81 % dos alunos, essa escola não é bem cuidada
e para 77 % deles ela não é um lugar seguro, 85 % afirmam ter visto alguém sofrer
agressão (citam agressão verbal).
Com relação aos recursos pedagógicos disponíveis na escola, citam
fitas de vídeo, jornais e revistas informativas, livros de consulta para os professores,
livros de leitura, livros didáticos, retroprojetor, mimeógrafo; computador, menos
internet, pois não tem, mas acham que é importante como recurso pedagógico.
6.3.2.3 CAUSAS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
O quadro três, a seguir, resume as opiniões dos dois gestores
entrevistados, quanto às possíveis causas das dificuldades dos alunos, ou fatores
interferentes que mais prejudicam o processo de ensino-aprendizagem.
Ao se observar os resultados, a informação que imediatamente se
destaca refere-se à opinião divergente dos dois entrevistados, que aponta uma visão
diversa dos problemas da escola, a qual poderia ser conflitante no processo de
gestão, caso ambos se mostrassem motivados para defender seus pontos de vista.
194
Os gestores afirmam estar relacionado às dificuldades de
aprendizagem: a falta de infra-estrutura da escola, a inadequação do currículo e o
não cumprimento do mesmo. O currículo é inadequado, mas não é cumprido! ?
Estas incoerências passam despercebidas pelos entrevistados. A quem se deve a
responsabilidade de elaborar o projeto pedagógico e promover as adaptações
curriculares necessárias à clientela? Observe as concordâncias e discordâncias de
opiniões entre a direção e a supervisão da escola MARCO.
Quadro 3. Possíveis causas das dificuldades de aprendizagem dos alunos, segundo a opinião da diretora e do supervisor.
Possíveis causas dos problemas de aprendizagem na ótica da diretora e do supervisor
Concordo Discordo
São localizadas na escola devido à carência de infra-estrutura física e/ou pedagógica
X X
Estão relacionadas aos conteúdos curriculares que são inadequados às necessidades dos alunos
X
São decorrentes do ambiente de insegurança física da escola X
Encontram-se na escola que oferece poucas oportunidades de desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno.
X X
Estão relacionados ao não cumprimento do conteúdo curricular X
Relacionam-se à sobrecarga de trabalho do(as) professores(as), dificultando o planejamento e o preparo das aulas
X X
São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula X X
Ocorrem devido ao baixo salário dos professores que gera insatisfação e desestímulo para a atividade docente
X X
Originam-se no meio em que o aluno vive X
São decorrentes do nível cultural dos pais dos alunos X X
Estão relacionadas à falta de assistência e acompanhamento da família nos deveres de casa e pesquisas dos alunos
X
Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno X X
Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno X
Estão vinculadas à baixa auto-estima dos alunos X
195
Os gestores, de acordo com o quadro acima, responsabilizam
também o próprio aluno por seu fracasso escolar: por seu desinteresse, pelo meio
em que vivem, por sua baixa auto-estima, baixo nível escolar dos pais etc., do ponto
de vista psicológico, fica clara a visão estigmatizada que a direção da escola tem de
sua clientela.
6.3.2.4 MOTIVAÇÃO PROFISSIONAL
Ambos afirmam estar satisfeitos com a profissão e pretendem
continuar nela enquanto forem fisicamente capazes; não pretendem mudar de
escola e estão satisfeitos com o salário; nunca sentem desânimo; se pudessem
voltar atrás fariam a mesma coisa; e aprovariam se seus filhos optassem pela
mesma área profissional. Têm, no geral, uma posição bastante positiva em relação à
profissão (questões de 71 a 92, do anexo 1).
Desses depoimentos, posso concluir que os profissionais que
ocupam o cargo de direção e supervisão da escola Marco apresentam o perfil de
sujeitos motivados com o seu exercício profissional. Porém, apesar do grau de
disposição de ambos ser enunciado como favorável, eles não possuem a mesma
intensidade: um se mostra totalmente seguro e o outro apresenta/confessa ter um
pouco de insegurança.
A informação que mais ressalta no quadro quatro, provavelmente,
esta relacionada à necessidade de qualificação da mão-de-obra administrativa. O
resultado sugere que a diretora e o supervisor não possuem uma noção muito clara
do papel da gestão no processo de ensino-aprendizagem.
196
6.4 PERFIL DOS PROFESSORES
6.4.1 OS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
O corpo docente da escola MARCO considera que os problemas
sociais que interferem na aprendizagem escolar estão ligados à violência
manifestada no ambiente escolar e familiar, ao uso de drogas, além dos problemas
físicos e cognitivos.
Quanto às relações entre escola e comunidade, observei que há um
livre acesso a qualquer pessoa, quando assim desejarem. Mas raramente existe
uma cumplicidade nos trabalhos desenvolvidos e nas decisões tomadas.
Não existe uma cumplicidade no planejamento de tarefas e eventos
tanto por parte da comunidade como da escola. Isso é algo que raramente acontece.
A comunicação existente entre ambas é quanto às datas de alguns eventos apenas
pelo fato de não serem marcadas no mesmo dia.
O trabalho da direção é visto como ponto de referência para alguns,
mas também de descontentamentos por um pequeno grupo existente neste
ambiente. Ao nosso ver, a escola só é vista como progressista no âmbito material,
quer dizer, o que interessa são construções e tecnologia; o modelo seguido ainda é
o tradicional, autoritário, onde todo sistema é imposto por suas chefias.
Vale destacar que isso não ocorre apenas dentro dessa escola,
porém toda escola deveria cumprir sua função social e, infelizmente. muitas não
conseguem sequer construir uma identidade democrática.
Trata-se de uma comunidade na sua maioria carente, de baixa
renda, que tem um índice de violência que muitas vezes é levada para o ambiente
197
escolar através de conflitos entre pais, roubos efetuados por irmãos de alunos da
escola ou até mesmo dos próprios alunos.
Penso que muitas das dificuldades de aprendizagem que são
atribuídas aos alunos se devem ao fato dos profissionais não buscarem diversificar
suas formas de ensino. Vale destacar que, mesmo existindo uma grande variedade
de materiais didáticos para serem utilizados, muitos professores não sabem nem
onde eles estão, por não trabalharem com metodologias variadas, utilizando sempre
a mesma maneira de ensinar.
O trabalho desenvolvido pelo professor -seja ele coerente ou não
com as dificuldades apresentadas pelos alunos - não é avaliado nem questionado,
pois não existe acompanhamento pedagógico, não por não haver um supervisor de
ensino que possa acompanhar e alicerçar o trabalho do professor de primeira a
quarta séries, mas por ele não desenvolver seu trabalho com competência, na
avaliação dos informantes/ três professores desse padrão. Também no nível quinta a
oitava há, em cada escola, uma professora que ocupa a função de auxiliar
pedagógica. No caso da escola MARCO é a professora denominada nessa pesquisa
pelo pseudônimo de Elvira. E, seu trabalho deixa muito a desejar na visão de seus
colegas (informantes dessa pesquisa).
O professor se vê como alguém que é cobrado por todas as partes,
mas que também é sobrecarregado de funções que não são suas, como, por
exemplo, encaminhar alunos ao posto de saúde. Existe por parte de alguns
professores a concepção de que são necessárias mudanças nos processos
metodológicos para que haja uma melhora no desenvolvimento dos alunos, pois
existem conteúdos da proposta pedagógica da escola que não estão de acordo com
198
os PCNs, e, alguns atribuem a esse fator a possibilidade de falhas no processo de
ensino
Algumas pessoas da comunidade questionam a quantidade de
conteúdos ensinados aos alunos no decorrer do ano letivo, afirmando ser muita
informação e pouco conhecimento.
A partir das reflexões que realizei sobre o processo de
transformação pelo qual a escola passou, desde os tempos de sua criação até os
dias atuais, identifico como os dois maiores problemas locais a carência de
empregos e a falta de uma creche para as mães deixarem seus filhos menores de
seis anos para virem trabalhar na zona urbana ou na própria área rural do distrito.
Dos professores que serviram de informantes para esta pesquisa,
três atuam em nível de primeira a quarta série e são evangélicos; segundo eles,
muitos dos trabalhos religiosos são feitos com representantes de igrejas
evangélicas, e ainda, na visão deles, isso se deve ao fato de a igreja católica estar
sempre em conjunto com forças políticas ao invés de se preocupar verdadeiramente
com o processo de desenvolvimento social e intelectual das pessoas da
comunidade. Muitos membros da comunidade admitem essa junção política e
atribuem esse fato às necessidades que a igreja tem de parcerias nas suas
atividades, e deixam clara a importância dada às questões econômicas (ações
assistenciais) ao lado das questões espirituais.
A comunidade responsabiliza os educadores pelo fracasso escolar,
e esses, por sua vez, responsabilizam os alunos e suas famílias. Alunos se
reconhecem sem interesse e causadores de problemas de disciplina, sem que
nenhuma das partes busque pelo diálogo manter uma convivência mais harmoniosa.
199
Existe uma colaboração de uma certa maneira passiva por parte da
comunidade no processo educativo do aluno, faltando à mesma uma atitude um
pouco mais ativa de forma a enriquecer a educação como processo de formação
cidadã e não visualizando apenas o produto final da aprovação ou reprovação.
A comunidade limita-se muitas vezes a enviar os educandos à
escola e deixar a tarefa de ensinar apenas para os professores.
As professoras entrevistadas apontam a pequena influência dos
fatores genéticos, hereditários e constitucionais, relacionados aos fatores
ambientais/meio social, como tendo contribuição decisiva na constituição da
personalidade. Reconhecem que, apesar dos seres vivos serem semelhantes aos
seus antepassados por herdarem características dos genes dos ancestrais
(genéticas), nunca serão idênticos um ao outro. Admitem que, apesar da
hereditariedade influir na constituição de cada ser (por exemplo: na cor dos olhos e
do cabelo, na forma do nariz, etc), o comportamento das pessoas sofre influência do
ambiente. Afirmam que a inteligência de um indivíduo se desenvolverá dependendo
das oportunidades educacionais fornecidas pelo meio em que ele vive; em outras
palavras o ambiente sócio-cultural pode favorecer ou não o desenvolvimento de uma
capacidade.
Casos, como ter rubéola na gestação podem resultar em algum tipo
de deficiência evidente (auditiva, visual, locomotiva...) complicam a aprendizagem do
sujeito no que se refere ao aspecto afetado (para ouvir, ver ou andar,
respectivamente), e exigem um processo evidente de adaptação do deficiente para
ser inserido em escolas não especiais e modificações da escola para acomodar-
se/adaptar-se a ele, favorecendo o seu processo de aprendizagem. No entanto, o
sujeito tido como normal não apresenta características físicas e mentais
200
estereotipadas como as marcadas no organismo de quem sofre alguma deficiência
física e/ou mental, mas pode sofrer de um déficit sócio-cultural que o leva também a
ter e sofrer condutas estereotipadas. As atitudes são adquiridas e resultam das
experiências dos indivíduos com pessoas que lhe são significativas; assim sendo, os
grupos que influenciam o indivíduo irão predispô-lo, favoravelmente ou não, para
tornar-se um leitor (por exemplo).
Desta forma, a personalidade do professor reflete nas atitudes do
aluno, pois o que o professor é (e não o que diz ser) e o que ele sente sobre as
pessoas e situações do ambiente escolar, podem favorecer ou dificultar o gosto pela
aprendizagem, predispor para o estudo/a pesquisa/a leitura ou agir no domínio
emocional, provocando repulsa por determinadas coisas, dentre elas a leitura.
Mesmo que o professor, conscientemente, queira provocar atração para o ensino
que realiza, suas atitudes podem levar à rejeição de sua pessoa e,
conseqüentemente, do ensino que realiza. Pois, se o educador rejeita seus alunos
por estigmatizá-los pelo déficit sócio-cultural dos educandos, dificilmente será bem
aceito por eles e a interação torna-se difícil/embaraçosa.
Para contribuir, apresento como sugestão para alterar a situação de
malogro verificada na escola MARCO no tocante à formação de leitores que o corpo
docente se empenhe mais em captar a atenção dos estudantes, dizer-lhes o porquê
de estudarem cada conteúdo e produzirem nos alunos a auto confiança. Posto que
motivar equivale a despertar o interesse, é preciso saber quais os interesses que o
aluno tem; para tanto, basta conversar com eles e ouvir as perguntas que fazem,
além de fornecer oportunidades para que eles relatem experiências que já viveram e
favorecer novas experiências, por exemplo, respeitando seu gosto musical e
ampliando-o.
201
Pelo que observei na escola MARCO, nas aulas de Língua
Portuguesa e Oficina de Texto surgem os maiores “problemas de comunicação”,
pois não percebi, no grupo de alunos, o conhecimento de que sabem o porquê as
professoras de língua materna ensinam o que ensinam, salvo para avaliação/nota.
Os adolescentes possuem um acúmulo de energia para agir e, diante da sensação
de tempo morto, sentem frustração e a manifestam através da indisciplina. Se os
conhecimentos fossem integrados com as situações de vida, conforme orientam os
PCNs, poderiam despertar maior interesse nos alunos. Percebi no grupo de alunos
da escola MARCO grande preocupação com o rendimento escolar (freqüência e
nota), mas certa dificuldade de concentração e insegurança para manifestar opiniões
pessoais nas interpretações de texto.
Se o professor continuar à mercê do ambiente sócio-cultural, a
vulnerabilidade pedagógica é enorme; é fundamental possibilitar a valorização do
eu/autoconceito que rompa com o sentimento de menos valia, e isso se dá pelo
respeito dispensado ao aluno. É preciso tratá-lo com dignidade, ouvindo suas
dúvidas, interesses, reclamações e buscando resposta para as mesmas sem que o
aluno se envergonhe do tipo de pessoa que ele é (adolescente, pardo, de meio rural,
etc).
O malogro na formação de leitores não pode continuar sendo
passivamente aceito como decorrência automática do perfil sócio-econômico da
comunidade e do perfil da relação dos alunos com a comunidade, porque este
malogro se relaciona com o perfil da relação dos alunos com a escola e,
principalmente, com o perfil didático/motivador da relação professor – aluno.
202
6.4.2 DO PLANEJAMENTO QUINZENAL
Há um trabalho de capacitação desenvolvido na escola para
professores de primeira a quarta série sobre assuntos referentes ao processo de
ensino aprendizagem, que é realizado quinzenalmente. Segundo três dos
professores envolvidos, quando bem planejado, com objetivos pré-determinados,
dão subsídios ao trabalho docente, mas algumas vezes é feito de última hora, não
tendo aproveitamento.
Para o grupo de educadores de quinta a oitava série, uma vez por
semestre a Secretaria Municipal de Educação costuma oferecer algum seminário ou
oficina pedagógica, de um ou dois dias, mas todos os professores são remunerados
por horas atividades que cumprem na escola. Essas horas atividades, apesar de
serem poucas, representam tempo para planejamento de aulas, correção de
atividades individuais ou tempo para leitura, estudo de algo do interesse ou
conversar em particular com a administração escolar.
6.4.3 DA AVALIAÇÃO DO ALUNO
Conforme o depoimento de três professores de primeira a quarta
série, a avaliação da aprendizagem geralmente é feita através de provas escritas,
individuais e sem consulta, de forma tradicional. Por sua vez, no padrão quinta a
oitava série, através da consulta aos registros feitos nos livros de chamada,
constatei que os docentes realizam várias atividades avaliativas durante o bimestre e
203
somam esses pontos para formar a média bimestral de cada aluno. Participação vale
nota, e nota é o principal motivador para a manutenção da disciplina.
Também são consideradas pela comunidade como insuficientes e
inválidas algumas formas de avaliação utilizadas pelos professores, e estas são
acompanhadas por muitos pais que vêm à escola questionar o porquê de seus filhos
terem sido avaliados desta forma e também para saber o que estava sendo avaliado
em um determinado trabalho. Quando solicitados para comparecerem à escola,
devido ao comportamento dos filhos ou por outro assunto, alguns não comparecem,
mas a nota é mais importante do que a aprendizagem também para alguns pais.
A maioria das avaliações é feita de forma tradicional, e muitos pais
apóiam este modelo de ensino, pois acreditam que dá mais resultado do que através
de trabalhos ou atividades em grupo.
6.4.4 INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DOS SUJEITOS
6.4.4.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DAS DOCENTES
As três professoras que trabalham na escola MARCO com língua
portuguesa e/ou oficina de texto possuem um perfil profissional semelhante e
características pessoais aproximadas, portanto os três perfis não são muito distintos
entre si.
São pessoas do sexo feminino, todas possuem cerca de quarenta
anos, as três fizeram curso de pós-graduação em nível de Especialização, sendo o
curso presencial e com carga horária mínima de 360 horas. Todas participaram de
204
alguma atividade de formação continuada nos últimos dois anos e são experientes:
duas lecionam há quase vinte anos e uma há nove anos.
Duas docentes são brancas e uma é negra. Esta professora negra
está na escola há menos de um ano, ou seja, a partir do início do ano letivo de 2004;
a outra professora passou a compor o corpo docente dessa escola há um ano e
alguns meses, isto é, desde o início do ano letivo de 2003; a terceira docente
trabalha nesta escola há oito anos.
As três educadoras lecionam também em outras escolas, portanto
possuem mais de um turno de trabalho, sendo que duas delas trabalham em três
escolas e todas dão aulas exclusivamente na rede pública. Duas educadoras
ministram cerca de quarenta horas-aula por semana e uma delas ministra mais do
que esta carga. Nenhuma delas exerce, além do magistério, outra atividade que
gere renda. Todas possuem o salário bruto superior a R$ 1.441,00 e a renda bruta
familiar superior a R$ 2.161,00. Esses limites referem-se à média salarial de
professores que possuem formação superior e trabalham com o ensino fundamental,
de acordo com o que informa a pesquisa do CNTE (Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação, 2001), utilizada como referencial para a elaboração da
de ferramenta de levantamento de dados.
Distinguem-se quanto às horas semanais dedicadas, fora da escola,
às atividades relacionadas ao trabalho docente, como correção de provas e
trabalhos ou leituras complementares. Aquela que possui maior número de horas-
aula (mais de 40) é a que tem menor tempo para se dedicar às atividades
relacionadas ao trabalho docente e realizadas fora da escola; lecionando nos três
turnos, sendo que esta professora W afirma gastar de 4 a 8 horas por semana com
205
essas atividades profissionais executadas fora da escola; ela diz dedicar 4 a 8 horas
semanais para o planejamento de aulas.
Suas duas colegas da escola MARCO - que trabalham por dois
turnos e possuem o horário noturno livre - afirmam dedicar mais horas ao trabalho
docente realizado fora da escola: uma gasta de 8 a 12 horas semanais, sendo que
só para o planejamento das aulas gastaria 8 horas ou mais por semana.
Não podemos garantir que as afirmações correspondam à realidade
ou ao desejo de assim proceder, mas vemos uma relação lógica entre a sobrecarga
de trabalho e o pouco tempo disponível para o planejamento de aulas e
desenvolvimento de outras atividades relacionadas ao trabalho docente.
6.4.4.2 RELAÇÃO DOS PROFESSORES COM A COMUNIDADE
Quanto ao perfil da relação dos professores com a comunidade fica
evidente o desconhecimento docente da realidade da comunidade. Várias respostas
são deixadas em branco, e outras são respondidas através de termos como “ignoro”
ou “desconheço”, e isso ocorre não só com as duas docentes que estão há pouco
tempo na escola como também com a professora que ali leciona há oito anos.
Elas não sabem a origem do nome do distrito, nem o significado do
nome da localidade, afirmam desconhecer a história do distrito e não saber a origem
dos primeiros moradores do lugar. Não conhecem nenhum folclore contado na
região, e todas ignoram os nomes de personalidades que são importantes para o
distrito atualmente ou já foram no passado.
206
Nem mesmo como é composta a população quanto à etnia elas
souberam responder. A professora W deixou essa questão em branco; a professora
X enumerou de forma absurda, revelando que não soube ler o enunciado ou estando
há oito anos neste estabelecimento escolar nunca observou a cor da pele dos
alunos, afirmando, equivocadamente, que a maioria é formada por indígenas e
amarelos e o menor grupo é o dos brancos. A professora Z é negra e observou, um
pouco melhor, este aspecto; soube identificar que a população majoritariamente é
parda, mas errou ao assinalar os demais grupos, assim como X destacou os
indígenas como segundo maior grupo e os brancos como minoritários.
Nenhuma dessas educadoras nasceu no distrito ou teve pais ou
avós dali oriundos. Como festa promovida pela comunidade conhecem apenas a
Festa do Milho e dizem não participar ativamente dela. Com relação às opções de
lazer, Z afirma desconhecer o assunto e não assinala nenhuma das opções
fornecidas, enquanto X e W marcam três opções: praça de esportes,
bares/lanchonetes e campeonatos locais.
Uma professora deixa em branco o espaço para citar um lazer que
ela gostaria que houvesse na comunidade; a outra argumenta “não conheço a
comunidade ainda para opinar”; e aquela que está na escola há mais tempo sugere
as opções de lazer que apresentei para marcar quais existem na localidade e
acrescenta “parques; quadras; etc”.
As três educadoras afirmam que a escola costuma promover algum
tipo de festa ou atividade extra-escolar, duas citam “jogos e competições”, a outra
menciona a festa junina. Aquela que está há oito anos na escola MARCO diz que
nunca trabalhou nestes eventos, mas gostaria, e que nem todos os alunos trabalham
207
na organização destes eventos, mas alguns recolhem nomes dos participantes e
dão recados, o que é confirmado através do questionário discente.
Nenhuma soube identificar qual a atividade mais importante para as
pessoas que moram no distrito e todas deixaram em branco esta questão.
Identificamos como problema a falta de conhecimento dos professores com relação
à comunidade.
6.4.4.3 RELAÇÃO DO PROFESSOR COM A ESCOLA
O trio de professoras de língua portuguesa e/ou oficina de texto
assinala que costuma ler sempre ou quase sempre. E, mesmo todas trabalhando um
mínimo de 40 horas-aula, atuando em mais de uma escola e com ao menos dois
turnos de atividade profissional, ao serem apresentadas a uma lista de oito opções
de materiais de leitura garantem que nenhum desses materiais é quase nunca ou
nunca lido por elas. A professora Z marca todas as opções como leituras que
costuma fazer sempre ou quase sempre; suas duas colegas ora marcam sempre ou
quase sempre e ora assinalam de vez em quando, mas nenhuma confessa “nunca
ou quase nunca” ler algum dos materiais de leitura elencados.
Da questão 49 a 73 bastava assinalar a opção A para concordo ou B
para discordo; das três docentes que responderam este questionário, duas deixam
em branco exatamente as questões 59 a 68, sendo que uma destas deixa em
branco até a questão 70. Ocorreu que as questões 49 e 58 foram apresentadas em
uma página e tem um cabeçalho, já as questões 59 a 68 estão na página seguinte,
mas são exatamente iguais as anteriores. Essa reduplicação foi intencional, para
208
testar a coerência naquelas respostas. Duas docentes perceberam que já haviam
respondido e pularam estas questões; uma das professoras provavelmente não
observou a reduplicação, e responde de novo, apresentando incoerência no tocante
às rotinas burocráticas interferirem no seu trabalho de ensinar, pois, na primeira
folha, discorda da alegação e, na segunda página, concorda com ela. Por sua vez, a
professora Z primeiro marca que concorda com esse enunciado e depois muda a
opção, o que conota dúvida quanto ao peso das questões burocráticas.
Dentre as dez questões acima referidas, as três professoras
apresentam coincidência em sete respostas, concordando com os quatro
enunciados a seguir:
� Participo das decisões educacionais desta escola.
� A diretora implementa regras claras de conduta escolar e me apóia
quando necessário.
� Existe um clima de cooperação entre os professores desta escola.
� A diretora estimula as atividades inovadoras.
E, são unânimes ao discordar da afirmação:
� Recebo apoio dos pais dos alunos para desenvolvimento do meu
trabalho.
As visões são distintas no tocante a esses pontos:
“Sinto que sou parte importante desta escola”: as professoras X e W
concordam com a afirmação, a professora Z discorda, portanto revela não se sentir
parte importante desta escola.
209
“Tenho plena confiança profissional na diretora”: As docentes X e W
também concordam com o afirmado, e Z novamente discorda, revelando que não
tem plena confiança profissional na diretora.
“Os materiais pedagógicos necessários ao meu trabalho estão
disponíveis nesta escola”: tanto X como Z discordam desta afirmação, sendo que W
concorda com a mesma.
“A diretora consegue que os professores se comprometam com a
escola”: tanto X com W concordam com o enunciado, confirmando a confiança
profissional que ambas depositam na diretora, e Z discorda do alegado, confirmando
sua visão, segundo parecer dado em outras respostas suas.
As docentes são unânimes ao concordar com as afirmações:
� Sinto-me seguro, pessoalmente, antes, durante e após o meu
trabalho nesta escola.
� A diretora dá atenção adequada aos aspectos relacionados com
as normas administrativas.
� A diretora dá atenção adequada aos aspectos relacionados com
a manutenção da escola.
Disso concluo que a visualização do estabelecimento escolar ocorre
por óticas distintas entre o corpo docente- que percebe a escola como segura e bem
cuidada- e o corpo discente que vê a escola como local que precisa ser melhor
cuidado e mais seguro.
Quanto às características pedagógicas das aulas de língua
portuguesa, as docentes X e W assinalam a freqüência “de vez em quando” para
todas as atividades abaixo arroladas:
210
� Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de
jornais ou revistas.
� Automatizar o uso de regras gramaticais.
� Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com o
desenvolvimento de projeto temático.
� Ler e discutir contos, crônicas, poesias e romances.
� Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar
aspectos da gramática.
� Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e
opiniões.
Por sua vez, a professora Z marca todas as alternativas acima com
a freqüência sempre ou quase sempre.
As três professoras optam por nunca ou quase nunca para a
alternativa 71: Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz.
Entretanto, 54% dos alunos dizem que cópias extensas ocorrem de vez em quando
e 33% dizem que elas ocorrem sempre ou quase sempre; apenas 12,5% dos alunos
concordam que essa atividade nunca ou quase nunca ocorre.
Sobre “conversar sobre textos de jornais e revistas” (questão 75 do
questionário docente), tanto Z como W afirmam realizar essa atividade “sempre ou
quase sempre” e X diz realizá-la “de vez em quando”; mas 44% dos alunos
testemunham que tal atividade nunca ou quase nunca ocorre e 27% dos alunos
dizem que só de vez em quando a mesma acontece, portanto 71% dos alunos
desmentem a freqüência “sempre ou quase sempre” apresentada por duas das
professoras.
211
No tocante a dar lição de casa e cobrar as lições ou trabalhos
solicitados, professores e alunos afirmam que isto é feito. Sobre o uso de jornais e
revistas informativas, a professora X admite nunca usar, mas Z e W assinalam que
sempre usam, o que não é confirmado pelos alunos. As educadoras Z e W
concluíram que no último ano letivo deram entre 40% a 60% dos conteúdos
previstos, X admite ter dado menos de 40%, o que faz refletir sobre a questão do
tempo morto e das contradições.
6.5 PERFIL DOS ALUNOS E DE SUAS FAMÍLIAS
6.5.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS MORADORES DO DISTRITO
Durante os dois últimos anos de escrita dessa pesquisa, cito 2003 e
2004, apliquei um questionário para os alunos das turmas do último ano do ensino
fundamental da escola MARCO; um dos objetivos dessa ficha informativa foi revelar
o perfil sócio-econômico da comunidade. E, de uma turma para a outra e mesmo de
um ano para o outro os resultados se mantiveram, o que confirma a nitidez do perfil
desenhado. O questionário aplicado em 2004 está mais desenvolvido do que a ficha
informativa apresentada em 2003, a última é mais detalhada e traz mais elementos
para a análise, porém não há incoerência nos resultados colhidos a partir dos dois
instrumentos, ou seja, nas questões comuns a ambos a realidade demonstrada é
uma só, a que ora descrevo.
Interroguei os alunos quanto ao grau de escolaridade paterno e
materno, através desse dado é possível captar a capacitação dos pais para
212
auxiliarem nas tarefas escolares dos filhos, em suas pesquisas e demais
dificuldades relacionadas com a escolarização. De acordo com o relatório “Retrato
da Escola 3” (2001), “o problema da qualidade de ensino se revelou
multideterminado, tudo importa, tudo altera os resultados atingidos pelos alunos”
Mas “um dos fatores importantes na proficiência dos alunos é o tipo de participação
que os seus pais mostram com relação à vida social da escola”. Esclarece ainda
que: “o nível de educação determina em muito o grau de desenvolvimento de um
país, o fato não deve iludir que a constatação oposta é igualmente verdadeira; a
situação econômica dos pais explica, em muito, os seus problemas com a educação
(...) Desta forma, um dos fatores que afeta fortemente a perfomance dos alunos é a
formação dos seus pais”. Através das respostas fornecidas pelos alunos da escola
MARCO, constatei que a grande maioria dos seus pais não possuem o ensino
fundamental completo: 68,7%das mães desse grupo de alunos estudaram até a
quarta série e 43,7% dos pais desses adolescentes também só estudaram até a
quarta série, o que pode desfavorecer o questionamento das práticas escolares e do
Projeto Político Pedagógico da escola.
Além disso, o grau de escolaridade também acaba influenciando e
delimitando as atividades profissionais que a pessoa pode exercer. No caso da
comunidade alvo dessa pesquisa, 66,6% dos pais de família são trabalhadores
rurais e 52,1% das mães não possuem outro trabalho além do lar. É esperado que
em uma comunidade rural a maioria das pessoas trabalhem em atividades
relacionadas ao setor primário, mas também é fato que, nesta comunidade
específica, não há indústria para absorver a mão de obra, também o emprego no
comércio é praticamente limitado às famílias dos comerciantes, e às mães vivem o
213
drama de não terem uma creche para abrigar os filhos e permitirem buscar trabalho
na zona urbana, nos demais distritos desse município a situação é semelhante.
A limitação das possibilidades de trabalho dos pais está relacionada
à renda familiar: 41,7% das famílias dos alunos que chegaram à oitava série tem
renda familiar entre um e dois salários mínimos, ou seja, entre 241 e 480 reais.
Apesar da renda engessar o poder de compra da família às necessidades básicas,
71% dos alunos entrevistados não trabalham, o que permite a eles maior tempo
disponível para o estudo. Também, havendo menor desgaste físico com atividades
de sustentação, há maior energia para as atividades escolares: energia que se não é
canalizada em atividades significativas tende a converter-se em estratégias de
evasão como indisciplina ou alienação.
Com relação aos irmãos dos entrevistados, 54% também não
trabalham, quer seja porque são irmãos menores ou porque não há vagas para
todos os trabalhadores. Assim como a escolaridade dos pais, dois outros fatores
quase que decorrentes deste, também se mostram relevantes, segundo o relatório
“Retratos da Escola 3” (2001).; o primeiro diz respeito à situação socioeconômica
dos alunos, já os filhos de pais mais pobres têm que trabalhar para sobreviver e têm
mais dificuldades na escola. “Filhos que trabalham são, muitas vezes, obrigados a
estudar a noite, e o nível de educação e/ou rendimento escolar se mostram mais
baixo, mostrando uma das facetas do problema de turno.”- salienta o documento.
Um dos aspectos relevantes retirados da análise do questionário dos
alunos da escola MARCO é que os estudantes mostraram noção da importância da
escola na sua formação presente e futura (anexo 3, questão 30). Ao escolherem
entre três opções sobre gostar de ir à escola (anexo 3, questão 31), 71 % escolhem
214
a alternativa “sim, mas às vezes é chato”, se poucos afirmam “sim, gosto muito”,
também são poucos os que admitem “não, se não precisasse, não iria”.
Na ótica dos alunos, a escola, entretanto, não é bem cuidada e não
apresenta segurança; 75 % afirmam nunca ter sofrido algum tipo de violência, mas
85 % afirmam já ter presenciado alguém sofrer algum tipo de violência na escola
(principalmente violência verbal).
Com relação às medidas de segurança, “Retratos da Escola 3”,
(2001), conclui que: “Quanto maior a agressão que a escola sofre, maior é o prejuízo
que sofrem os alunos quanto à qualidade de ensino. O ato violento é antagônico ao
ensino, também no sentido que impede os educadores de educar ”(...)“ Note-se que
no que tange à depredação e à violência contra os trabalhadores em educação,
corpo da escola, às diferenças entre o meio rural e o urbano não é tão grande como
poderia esperar, ruindo por terra o mito de um ambiente rural seguro.”(...) Violência
nas escolas é preocupação de todo o país e de todos os pais. As medidas de
segurança, além de dificultar a ação de agentes externos e/ou impedir a violência,
transmite à comunidade escolar uma espécie de tranqüilidade que, como seria de se
esperar, concorre no sentido do aumento da proficiência. As medidas podem ser
simples como controle de entrada e saída dos alunos, grades, vigilância por guarda,
a relação custo-benefício em termos da relação ensino-aprendizagem compensa.(...)
O comentado relatório afirma que “de forma geral, as escolas privadas se
preocupam muito menos com sistemas de vigilância/segurança, ou os governos
investem muito mais nestes sistemas, do que as escolas particulares” . As escolas
estão adotando medidas de segurança como manter policial ou vigia na porta da
escola, realizar controle de entrada e saída de alunos, providenciar grades e cercas
de segurança e manter cuidado com os equipamentos. A escola do distrito
215
pesquisado adota essas quatro medidas mencionadas: há muro alto em volta de
todo o prédio, um único portão é utilizado para a entrada e saída das pessoas, nele
permanece durante o período letivo um servidor municipal (vigia), mesmo assim há
alunos que brigam entre si, no interior da escola e nas imediações desta, nos
horários de entrada e saída das aulas.
Os alunos da escola MARCO afirmam que a estrutura da escola já
sofreu algum tipo de violência (roubo, depredação, pichação) e, possivelmente, isso
levou à contratação do vigia, pois nem todas as escolas municipais possuem essa
segurança.
“Sempre se soube que mais conforto significa maior produtividade,
porque seria diferente em educação?”, questiona o referido relatório (2001) e
acrescenta: ”Um fator barato, se compararmos com os gastos necessários para a
boa educação são os fatores ligados ao que chamamos de infraestrutura da escola.
Providências como a pintura das paredes, compra como a de uma maquina
fotocopiadora, fazem uma diferença importante (...) Note-se que a variável
‘computador na escola’ está relacionada a computadores à disposição dos alunos.
Se a grande maioria das escolas públicas tem apenas um computador, o chamado
computador administrativo, o acesso a ele por parte dos professores e dos alunos
fica impossível. Assim, o manejo de informática, seu uso como instrumento auxiliar
de aprendizagem fica inviável”. Assim também ocorre na escola MARCO, pois há um
computador, mas para serviços administrativos e não para fins pedagógicos.
216
6.5.2 RELAÇÃO DOS ALUNOS E FAMILIARES COM A COMUNID ADE
Cerca de 20% dos alunos tem a família originada no distrito. A
maioria das famílias veio de outras regiões rurais, o que demonstra o êxodo rural, a
mecanização das atividades de plantio e colheita expulsa um grande número de
trabalhadores da área rural, que, sem fonte de sobrevivência em uma região,
migram para outra.
Entre os alunos, 77 % não sabem a origem do nome do distrito,
16,7% sabem apenas ser o nome de origem indígena, 6,3 % contam uma “anedota”
com o nome do distrito, sobre uma moça que só se casaria se o pai quisesse. Não
detalho a explicação do nome para preservar os pseudônimos e o anonimato,
compromisso ético. O fato é que os alunos estudam a história e a geografia do
município, do estado, do país, sobre a formação dos continentes e até sobre os
planetas do nosso sistema solar, mas quanto às diferenças entre zona rural e
urbana, limitam-se a estudar o óbvio: uma é agrícola e pecuária, enquanto a outra
oferece melhores condições de vida, com mais acesso a empregos, saúde,
educação, lazer... 83% dos alunos entrevistados não conhecem a história do distrito
e 82% não sabem o significado do nome do lugar. Questionados sobre esses temas
os professores manifestaram o desejo de promoverem uma atividade cultural,
pesquisando essas questões locais.
Solicitei aos alunos que contassem algum folclore característico do
lugar e poucos disseram não conhecer nenhuma lenda ou supertição contada pelos
familiares; a maioria contou histórias de lobisomem, saci-pererê, mula sem cabeça;
um aluno citou determinada rua da localidade na qual ouve-se correntes sendo
arrastadas.
217
As questões de número 17 a 19 referiam-se à integração social.
Perguntados sobre “Qual é, atualmente, a pessoa mais importante que mora no
distrito”, 21% acha que não há ninguém importante morando lá ou não sabe dizer
quem é, 25 % citam a si mesmo ou a sua família (o que corresponde a um quarto
dos alunos que compartilham dessa opinião reveladora de auto-estima), os demais –
46 % - citam personalidades da comunidade: a diretora da escola fundamental figura
em primeiro lugar, seguida de perto pela líder religiosa da Igreja Católica (uma
freira), e a ex-administradora distrital; percebemos que, atualmente, as lideranças
comunitárias são femininas, mas alguns ainda citam como morador mais importante
o delegado, um pioneiro e o atual líder da organização da Festa do Milho. A questão
seguinte perguntava: ‘para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que
morou ou ainda mora no distrito’, e a porcentagem corresponde à mesma dada na
pergunta anterior, são as mesmas pessoas citadas, revelando que as lideranças
alternam-se muito paulatinamente.
A totalidade dos alunos (100 %) citou a Festa do Milho como evento
local, além desta, também é citada a Festa da Primavera por 41,7 % dos alunos, e
ainda as Festas Juninas são mencionadas. 100 % dos discentes asseguram que a
escola promove festas, mas apenas 54,2 % dos alunos do último ano do ensino
fundamental dizem já terem trabalhado na organização dessas festas escolares.
Bares e lanchonetes são eleitos como principais opções de lazer
para os jovens da comunidade, 73 % assinalam essa opção, o que contribui para o
problema do alcoolismo entre os jovens do lugar. Outras opções de lazer foram
festas promovidas pela escola, pela igreja, por amigos; citaram rios e cachoeiras, o
pesque-pague e 45,8 % dos adolescentes gostariam que houvesse um clube na
localidade.
218
Interrogados sobre a atividade mais importante para as pessoas que
moram no distrito, 37,5 % apontam a Festa do Milho como evento mais importante
do distrito. Foi citada também a colheita da soja e do café, a lavoura, a Festa do
Agricultor e alguns citam os jogos e competições de futebol amador.
6.5.3 RELAÇÃO DOS ALUNOS E SEUS FAMILIARES COM A ES COLA
Um dos pontos positivos de morar em pequenas comunidades é o
da integração entre as pessoas: 94 % dos pais de alunos conhecem a diretora, 75 %
conhecem algum professor, 89,6 % conhecem amigos de seu filho na escola; isso
ocorre mesmo muitos alunos residindo em sítios e fazendas da região e não na sede
do distrito, como também muitos vêm de outra localidade, um patrimônio distrital.
Questionados sobre a importância da escola, somos informados de
que a maioria tem uma visão positiva da importância da escola, pois a maioria
assinala todas as opções apresentadas, menos a última (única negativa: um lugar
onde vou apenas porque sou obrigado).
6.5.4 RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
A grande maioria dos alunos (92 %) afirmam gostar da maioria dos
professores. Entre os professores que mais gostam, em primeiro lugar e com 50 %
dos votos, está a professora de inglês, e em segundo lugar, com 25 % dos votos,
está a professora de educação física, os outros 25% da preferência divide-se entre
219
oito professores, sendo que um único aluno dentre os entrevistados apontou a
professora de língua portuguesa como o professor que ele mais gosta. A
justificativas assinaladas na escolha dos professores favoritos foram principalmente
duas: porque são divertidos e sempre respondem quando os alunos perguntam
alguma coisa.
Entre os professores que menos gostam está, em primeira
colocação, a professora de Língua Portuguesa, seguida de perto pela professora de
Oficina de Texto, ambas figurando com larga distância em relação aos demais,
principalmente porque os alunos consideram essas aulas chatas e porque essas
professoras nunca respondem quando o aluno faz algum pergunta.
Vale lembrar que são duas turmas de oitava série e, as duas classes
apresentaram o mesmo diagnóstico com relação às docentes de ensino de língua
materna, se a posição no “ranking dos menos queridos” fosse distinta de uma turma
para outra poderíamos pensar em dificuldades de interação das duas docentes com
uma turma específica, mas não é esse o caso, pois quando muda a turma, mantém-
se o resultado, o que favorece a tese da empatia dessas profissionais enquanto
pessoas.
O relatório denominado “Retrato da Escola 3” (2001) conclui que a
formação importante para o professor é a formação humanística, muito mais do que
“a formação técnica, que mais do que a reunião de instrumentos de trabalho, o
professor deve buscar formar-se como um sujeito ligado às coisas de seu tempo”. E,
o documento acrescenta que ‘não se trata aqui de desprezar a formação específica
(...), se trata de ressaltar que o professor atuará melhor quanto mais exercitar, pela
leitura, o partilhar com os seus alunos a vida que levam, ao formar-se, vale repetir,
como um humanista”.
220
Na escola MARCO, o professor de história não é apontado entre
aqueles que os alunos menos gostam e nem está entre aqueles que os alunos mais
gostam, mas a sua disciplina é indicada em segundo lugar na resposta à pergunta:
Sobre qual disciplina o professor faz você ler mais? Os professores que mais os
fazem ler são os de português (58 %) e de história (33 %).
Os alunos da escola MARCO apresentam interesse pelos mais
variados tipos de leitura, entre elas: cartas de amor que recebem na escola; histórias
da terra, de grandes navegadores e do Brasil; gibis, quadrinhos; além de poemas
(25 %), revistas (12,5 %) e romances (6 %). E, mostraram aversão por ler
principalmente aquilo que são obrigados a ler na escola: livro de geografia,
matemática, história, inglês; livros didáticos em geral.
O relatório “Retratos da Escola 3“ destaca que: “Um aspecto que
vale pensar é no impacto do fato de ter o livro, mantendo-o em seu domínio, é
importante para o aluno. A possibilidade de voltar a consultá-lo, lê-lo ou mesmo
aprecia-lo como etapa vencida mas que pode , ainda, ser-lhe útil, parece ser, de
fato, importante. (...) Ler é um hábito. Do hábito da leitura outros hábitos se fazem e
muitos conhecimentos se adquire. O número de livros que as pessoas têm em casa,
professores e alunos, mostraram uma relação constante com proficiência”. (...)
“Nossa análise revela uma relação óbvia entre a leitura (tanto para os alunos quanto
para os professores) e a qualificação dos alunos, como já foi dito. O que não é obvio
é o tipo de relação encontrada. Para os alunos, o que se nota é que qualquer tipo de
leitura melhora a formação, inclusive aquelas discriminadas por alguns setores da
sociedade como revistas em quadrinhos. A forte regularidade entre os dados não
permite, sequer, priorizar entre o tipo de leitura”. (...) “A formação continuada deve
passar por uma série de conhecimentos cotidianos que vem da leitura de textos
221
formais ou técnicos, mas também de leitura em geral como revistas e romances”-
exemplifica o relatório em questão.
Solicitei aos alunos que afirmaram não gostar de ler nada que
justificassem o motivo, afirmaram que não gostam de ler principalmente porque é
chato, dá preguiça, dá sono, dá dor de cabeça; por falta de paciência, porque é
complicado ou cansa muito. Segundo os próprios alunos, felizmente, a maioria
afirma que costuma ler alguma coisa e com certa freqüência; apesar de alguns
alunos não responderam estas questões e outro ter afirmado nada ler.
Tabela 1. Relação entre o tipo leitura habitual dos alunos e a freqüência com que estes os lêem.
Tipo de leitura FREQÜÊNCIA DE LEITURA (%)
Sempre ou quase sempre
De vez em quando
Nunca ou quase nunca
Gibi, quadrinhos 17,0 48,0 27,0
Jornal, revistas diversas 19,0 37,5 31,0
Bíblia 42,0 33,0 21,0
Livros da escola 12,5 40,0 35,0
Livros para diversão (romances, contos, poesias)
19,0 44,0 29,0
Folhetos de anúncios 12,5 37,5 40,0
Manuais de aparelhos domésticos 19,0 29,0 44,0
Manuais explicativos de brinquedos 17,0 23,0 52,0
Como vemos na tabela acima apresentada, o único tipo de leitura
que os alunos utilizam sempre ou quase sempre é a Bíblia (42 %), todos os outros
222
materiais de leitura sugeridos receberam menos de 20 % de freqüência indicada
como sempre ou quase sempre. Além disso, a Bíblia não é leitura realizada na
escola; já quanto ao jornal existe um projeto para tê-lo em sala de aula uma vez por
semana (o Projeto Cidadania), mas 31% dos alunos assinalam que nunca ou quase
nunca lêem jornais e revistas e 37,5% dizem realizar esse tipo de leitura apenas de
vez em quando. Confirmando que o jornal não é material de leitura freqüente.
A tabela 2, a seguir, tenta, através da ótica dos alunos, entender um
pouco da psicologia institucional presente na escola MARCO.
Tabela 2. Pequena avaliação da psicologia institucional, pela ótica dos alunos.
Uma pequena avaliação da Psicologia Institucional
OPINIÃO DO ALUNO
Concordo (%) Discordo (%)
Sinto que sou parte importante desta escola 69,0 29,0
Acho que a diretora é a pessoa mais importante desta escola. 58,0 39,6
Acho que as professoras são importantes na escola. 96,0 04,0
Acho as serventes importantes na escola 79,0 21,0
Acho as secretárias importantes na escola. 83,0 16,6
O(a) diretor(a) sempre comunica sobre qualquer atividade/necessidade da escola
69,0 29,0
O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos alunos na limpeza e conservação da escola.
69,0 19,0
O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos pais na limpeza e conservação da escola.
29,0 69.0
Os pais são sempre comunicados sobre as atividades na escola.
73,0 25,0
Os pais são sempre convidados a participar das atividades na escola.
65,5 35,0
Acho a maioria dos funcionários da escola competentes. 77,0 23,0
223
O(a) diretor(a) é rígido(a) quanto às normas de disciplina na escola
91,6 06,0
O(a) diretor(a) solicita presença dos pais nos casos de indisciplina
89,6 10,0
As regras de disciplina tornam a escola um lugar agradável. 60,0 35,0
As regras de disciplina tornam a escola um lugar desagradável.
37,5 60,0
Nunca fui repreendido na escola. 48,0 50,0
Já fui repreendido e me achei injustiçado. 37,5 60,0
Já fui repreendido, mas achei a repreensão justa. 39,6 54,0
Como revelam os dados acima apresentados, 29 % dos alunos não
se consideram parte importante da escola, um dado revelador da baixa auto-estima,
relacionada aos estigmas, pois, dentre as pessoas que formam a comunidade
escolar, as consideradas pelos alunos como as menos importantes são eles
mesmos, posto que 29 % discordaram da afirmação “sinto que sou parte importante
desta escola”, enquanto 4,0 % discordaram da afirmação da importância dos
professores. No que tange a essa questão da imagem, as secretárias são vistas
como pessoas mais importantes para a escola do que as serventes, 16,6 %
discordaram do enunciado “acho as secretárias importantes na escola” e 83 %
concordam com o mesmo; já com relação à importância das serventes, 21 %
discordam da afirmativa de que elas são importantes na escola e 79 % concordam
com a alegação. Mais da metade dos alunos entrevistados (58 %) julgam que a
pessoa mais importante da escola é a diretora, pessoa vista por 91,6 % dos alunos
como rígida quanto às normas de disciplina na escola. E 50 % dos alunos admitiram
que já foram repreendidos na escola, destes 60 % sentiram-se injustiçados e 39,6 %
consideraram a repreensão justa.
224
No que se refere às aulas de língua portuguesa, o questionário dos
alunos apresenta a seguinte perspectiva:
Tabela 3. Características pedagógicas das aulas de língua Portuguesa pela ótica dos alunos.
RECURSOS PEDAGÓGICOS DAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
TIPO DE ATIVIDADE Freqüência com que é utilizado (%)
Sempre ou quase sempre
De vez em quando
Nunca ou quase nunca
Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz (quadro negro ou lousa).
33,0 54,0 12,5
Copiar da lousa (ou quadro negro) textos curtos do livro didático e/ou de outras fontes.
31,0 56,0 12,5
Conversar (ou debater) sobre assunto dos textos de jornais e revistas.
29,0 27,0 44,0
Analisar a gramática dos textos de jornais e revistas.
16,6 41,6 41,6
Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de jornais ou revistas.
10,0 50,0 29,0
Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com assuntos discutidos em sala de aula.
48,0 37,5 08,0
Ler e discutir contos, crônicas, poesias ou romances.
44,0 39,6 16,6
Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar aspectos da gramática.
39,6 41,6 14,6
Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e opiniões.
33,0 56,0 10,0
Jogos, brincadeiras, palavras cruzadas, advinhas, usando livros, jornais ou revistas, ou outras fontes.
19,0 44,0 33,0
225
Copiar textos do livro didático ou do quadro negro é uma atividade
que recebeu grande porcentagem: 54 % dos alunos afirmam realizar cópia de textos
extensos, de vez em quando, e essa porcentagem aumenta para 56 % quando se
trata de copiar da lousa textos curtos, o que revela o grande prestígio que a cópia
desfruta entre as docentes de língua materna.
Grande parte dos alunos (44 %) afirmam nunca ou quase nunca
conversarem/debaterem sobre textos de jornais e revistas e 27 % dizem que essa
atividade ocorre de vez em quando, portanto 71% dos estudantes alegam utilizar o
jornal para debate dos assuntos ali apresentados eventualmente, contra 29 % dos
que asseguram que isso ocorre quase sempre ou sempre. Mas, quando o trabalho
com jornal ocorre é para analisar a gramática dos textos (41,6 %) ou fazer exercícios
sobre gramática relacionados com os textos (conforme 50 % afirma). Da mesma
forma, contos, crônicas, poesias ou romances são utilizados prioritariamente para
exercitar aspectos da gramática.
Jornais, revistas e outras fontes são utilizadas para jogos,
brincadeiras, palavras cruzadas, advinhas... Não negando o valor das atividades
lúdicas, cabe analisar a freqüência em que ocorrem para perceber a questão do
tempo morto, 33 % dos discentes dizem que essas atividades nunca ou quase
nunca ocorrem, 19 % afirmam que sempre ou quase sempre ocorrem e 44 %
admitem que de vez em quando há o uso desses materiais para atividades lúdicas.
Quase metade dos alunos (48 %) dizem que sempre ou quase sempre escrevem
textos relacionados com assuntos discutidos em sala de aula, apenas 8 %
consideram que essa atividade nunca ou quase nunca acontece, 44 % dos alunos
dizem que na aula de língua portuguesa lêem contos, crônicas, poesias ou
romances, mas os textos são pretextos para o trabalho gramatical, não têm como
226
objetivo prioritário a formação de leitores e de cidadãos, a prioridade não está na
reflexão sobre questões sociais urgentes (temas transversais), mas na fixação de
conteúdos gramaticais.
As questões 82 a 85 do questionário aplicado aos alunos se referem
às cobranças (exigências) do professor:
Tabela 4. Qualidade das cobranças feitas pelo professor de língua portuguesa pela ótica dos alunos.
COBRANÇAS FEITAS PELO PROFESSOR Sim (%) Não (%)
O professor dá lição ou trabalhos para fazer em casa? 98,0 02,0
O professor cobra as lições ou trabalhos solicitados? 98,0 02,0
O professor dá pontos na nota para quem faz os trabalhos? 98,0 02,0
O professor tira pontos de quem não cumpre as tarefas solicitadas?
79,0 11,0
A falta de recursos humanos se mostrou importante, no relatório
“Retratos da Escola 3” (2001), ora essa falta se faz sentir pelo pessoal de apoio
administrativo, ora pelo pessoal de apoio pedagógico e ora por falta de professores.
A conclusão ali obtida é de que “todos esses elementos vão trazer conseqüências
maiores ou menores à questão da proficiência”. Porém, como foi constatado que a
qualificação dos professores e diretores é superior à exigida formalmente, ficou claro
que “outros fatores, como experiência, interferem no processo ensino-
aprendizagem”. No caso da escola municipal MARCO, também a qualificação dos
professores e da diretora é igual ou superior à exigida formalmente, pois todos os
professores da rede municipal de Londrina são selecionados através de concurso
227
público e para lecionarem no padrão ‘Ensino Fundamental Maior’ precisam
apresentar curso superior na área específica, sendo que muitos deles cursaram ou
estão cursando pós-graduação. Portanto, os problemas pedagógicos encontrados
naquela unidade de ensino não estão na qualificação do professor ou inexperiência
de um corpo docente, formado por pessoas com poucos anos na profissão, já que a
grande maioria do grupo já dá aulas há alguns anos e possui mais de um padrão
(um na rede municipal e outro na rede estadual de ensino). Também com relação ao
corpo docente, como com os discentes, a problemática envolve, sobretudo,
motivação.
228
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Goffman, sociólogo e psiquiatra norte americano, ensina que é
ingenuidade achar que a adesão a esta ou aquela formulação a respeito do que quer
que seja possa revelar transparentemente de que modo alguém atua, no nosso caso
específico, de que modo um determinado professor trabalha. O trabalho de um
professor de língua portuguesa pode não ser determinado pela concepção de leitura
que ele diz adotar, porque o sujeito negocia a sua face na tentativa de transmitir uma
imagem coerente com o papel social por ele ocupado. Disso resulta a necessidade
de confrontar depoimentos e analisar como os alunos reagem ao trabalho do
professor.
O depoimento dado pelo professor pode ser fruto do posicionamento
estratégico do profissional perante outro, o que resulta na necessidade de confrontar
as vozes docentes com as vozes discentes, identificando não só controvérsias e
conflitos como também cooperação mútua. Além disso, sabemos que não há
discurso neutro, portanto alunos e professores responderam a entrevista sem
neutralidade, de acordo com o lugar social que ocupam e a imagem que querem
negociar.
Como vimos nesse trabalho, segundo Goffman (2001), existem dois
tipos de ajustamentos: primários e secundários. Os ajustamentos primários ocorrem
“quando um indivíduo contribui, cooperativamente, com a atividade exigida por uma
organização, e sob as condições exigidas” (obra citada, p.158). De acordo com o
autor, os ajustamentos secundários ocorrem quando o indivíduo apresenta
insubordinação ou resiste em participar de uma atividade com espírito colaborador.
Goffman não trata da instituição escolar, mas de ambientes fechados como
229
manicômios, prisões e conventos. Fundamentada em Goffman, descobri as
seguintes categorias de ajustamentos na instituição escolar: os estigmas, as
contradições, as cobranças externas, o domínio institucional, a interpretação oficial e
o tempo morto.
Goffman (2002b) fala das diferenças na negociação de identidades
sociais, por exemplo, um participante de uma dada interação pode manipular a
identidade de acordo com a “impressão” que sustenta diante dos demais. Erickson e
Shultz (1982) afirmam que um indivíduo incorpora, em diferentes momentos
interacionais, determinadas identidades a partir dos diferentes papéis sociais que
assume, em função de seus interesses, objetivos e intenções. As identidades sociais
negociadas na seqüencialidade da interação podem ser afetadas pelas relações de
poder, ou seja, aspectos ideológicos ligados às relações de poder são ou não
ratificados pelos participantes durante um encontro.
De acordo com as discussões de Bourdieu (1998), toda relação
social é marcada pelo poder. Os indivíduos vivem no interior de um grande número
de diferentes instituições, que constituem “campos sociais”, tais como as famílias, os
grupos de colegas, as instituições educacionais, entre outros. Em cada um desses
“campos sociais”, o indivíduo exerce graus variados de escolha e autonomia, mas
cada um deles tem um contexto material, na verdade, um espaço e um lugar, bem
como um conjunto de recursos simbólicos. O indivíduo está diferentemente
posicionado de acordo com as múltiplas expectativas e restrições sociais envolvidas
em cada um dos contextos sociais. Assim, ele se representa de forma diferente,
diante dos outros, em cada um dos contextos.
A escola é apenas um domínio social no qual alunos e professores
desempenham papéis sociais que exigem um determinado letramento. Qualquer
230
evento de letramento envolve aprendizagem, por exemplo, dois colegas de classe
discutindo um artigo de jornal local caracteriza um evento de letramento. Para
escrever uma resposta para o jornal os dois vão recorrer a formas de falar e
escrever, fazendo uso de suas práticas de letramento. Trabalhos, como de Terzi
(1995) e de Corrêa (2001) mostram que, na prática, a escola ignora a realidade do
grupo com o qual trabalha e as atividades realizadas pelos alunos em sala de aula
são, de um modo geral, meras atividades escolares de aquisição de léxico e
aprendizagem de regras gramaticais:
“... o texto é visto por elas [pessoas do ambiente escolar] como um conjunto de palavras cujo significado não interessa, a leitura é vista como apenas decodificação dessas palavras, e compreender o texto nada mais é que usar a estratégia de pareamento e mecanicamente localizar a resposta” (TERZI, 1995, p. 104).
Conforme destaca Goffman, a pessoa que fala negocia alguma
identidade social específica, alguma qualificação especial como membro de um
grupo. Dependendo da identidade social que queira tornar relevante, o indivíduo
organiza sua fala. De acordo com Goffman (2002a, p. 19), “a fala é socialmente
organizada não apenas em termos de quem fala para quem em uma língua, mas
também como um pequeno sistema de ações que são mutuamente ratificadas e
ritualmente governadas, em suma, um encontro social”.
O falante assume, não somente para os outros, mas para si mesmo
um status de participação em relação ao seu alinhamento ou não em determinado
enquadre. Alinhamento, nesse caso, é o padrão de atos verbais e não-verbais pelos
quais a pessoa expressa sua visão da situação, seu posicionamento para ela
mesma e diante dos outros presentes. O falante, de acordo com essa perspectiva,
procura negociar a imagem do eu delineada em termos de atributos sociais
aprovados. Trata-se do valor positivo que a pessoa reclama para si em dada
231
interação, pois as pessoas negociam identidades sociais, buscando sempre a
manutenção da imagem positiva que têm de si mesmas.
Uma sala de aula é um lugar institucional em que os participantes
engajados na interação legitimam determinados papéis institucionais, como o papel
de professor e o papel de alunos, por exemplo. A interação face a face configura o
locus no qual os falantes negociam identidades sociais, recorrentemente legitimando
seus papéis institucionais. Por exemplo, os vários anos de vivência fora da
comunidade exigiram que o caráter contínuo do contato que mantive com meu grupo
de origem assumisse uma dimensão mais esporádica, afinal, ainda que não perdera
o vínculo com alguns membros do grupo, minha presença entre eles não era uma
realidade constante e minha ida à escola exigiu negociações.
Monteiro Costa (1994) destaca as vantagens de um membro do
próprio grupo estudar esse mesmo grupo. Segundo ele:
“... se é possível que um índio se transforme num antropólogo, não é possível que a recíproca seja verdadeira: um antropólogo, por mais que se esforce para isso e por força da sua racionalidade, jamais experimentará o que seja, verdadeiramente, ser índio”. (MONTEIRO COSTA, 1994, p. 56).
A sala de aula é, a priori, um domínio institucional. Professor e aluno
têm papéis nesse domínio, os quais podem ser ratificados ou não na seqüência da
interação. Considerando que a escola é um microcosmo, inserido dentro da
comunidade, também nela pode prevalecer o consenso de que é preciso conquistar
um título para melhorar a situação socioeconômica e, para isso, pode bastar
freqüência à escola e algum estudo em período de exames ou pode-se ambicionar
por ensino e aprendizagem.
Os participantes de uma dada interação estão constantemente
negociando identidades sociais (GOFFMAN, 2002b). O aluno pode alinhar-se com o
232
professor, ratificando a sua identidade institucional, pode resistir ao alinhamento com
o professor, pode ameaçar a identidade do professor, pode sentir suas identidades
ameaçadas pelo professor. Como se vê, o ensino e a aprendizagem de qualquer
conteúdo envolve a negociação de aspectos institucionais e do “capital simbólico”
(BOURDIEU, 1998) que o sujeito traz de casa para a escola. As identidades sociais
“estigmatizadas” (GOFFMAN, 1988), no domínio da sala de aula, precisam ser
negociadas a fim de que os alunos portadores de tais identidades (estigmas)
possam obter sucesso nesse domínio, por exemplo, a identidade de repetente, a
identidade de pessoa da zona rural, a identidade de aluno de escola pública, a
identidade de filho de família humilde.
Por vezes, a escola pode não contribuir para que os alunos
construam um capital simbólico (BOURDIEU, 1998) em termos de letramento,
privando-os do acesso a cargos que exigem maior letramento escolar e os mantém
no subemprego. De acordo com Goffman (1985, p. 9), estudar a vida social
organizada dentro dos limites físicos de um prédio é percebê-la na perspectiva de
representação teatral, considerando “a maneira pela qual o indivíduo apresenta, em
situações comuns de trabalho, a si mesmo e a suas atividades às outras pessoas, os
meios pelos quais dirige e regula a impressão que formam a seu respeito e as coisas
que pode ou não fazer, enquanto realiza seus desempenhos diante delas. (...) no
palco um ator se apresenta sob a máscara de um personagem para personagens
projetados por outros atores. (...) o papel que um indivíduo desempenha é talhado
de acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes...”.
Os casos da vida social institucional (por exemplo, os discursos
docentes e discentes) formam, em conjunto, uma realidade de referência coerente;
juntos, eles descrevem um quadro mais real do estabelecimento escolar. Pois
233
“quando um indivíduo se apresenta diante dos outros, terá muitos motivos para
procurar controlar a impressão que estes recebem da situação” (GOFFMAN, 1985,
p. 23). Afinal, quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente, solicita
crença no papel que está representando, espera que acreditem que possui os
atributos que aparenta possuir. Isso, necessariamente, não envolve má-fé, pois “o
ator pode estar inteiramente compenetrado de seu próprio número. Pode estar
sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a
verdadeira realidade” (obra citada, p. 25).
A fundamentação teórica do presente trabalho é alicerçada pela
visão institucional de Goffman (1996), da qual se pode extrair as noções de estigma,
tempo morto, contradição, cobranças externas, interpretação oficial e domínio
institucional como formas de ajustamento. Segundo o autor, para sobreviver da
melhor maneira possível em uma instituição qualquer, todo sujeito necessita fazer
ajustamentos. Há ajustamentos primários quando o sujeito se deixa
amoldar/assujeitar pela instituição e ajustamentos secundários, quando se tenta fugir
de um local sem sair dele, tanto pelo mutismo, quanto pela apatia. Em salas de aula,
isso pode acontecer: se o aluno age de maneira controlável, é visto como alguém
que revela respeito ao docente e assim não será “castigado” (com tarefas extras, por
exemplo), nem terá redução das coisas agradáveis (do período de intervalo ou da
participação na educação física, por exemplo). Essas práticas nos fazem pensar no
aluno que estuda só para passar, basta tirar a nota mínima.
Diante do estigma de alunos oriundos de famílias iletradas, o
professor não pode acomodar-se e justificar a não-formação de leitores por parte da
escola pelo fato de os alunos não trazerem de casa “capital simbólico”; a falta do
“arcabouço cultural” não pode indefinidamente permanecer como chavão para
234
justificar a situação de crise no ensino em geral e de língua portuguesa, em
particular, até porque os fatores dessa crise não são apenas lingüísticos, como
também institucionais. Considero que grande parte dos alunos da escola alvo dessa
pesquisa vive em condições que não são favoráveis ao seu desenvolvimento como
leitores, e a escola é o único canal que a maioria possui para desenvolver seu
letramento, mas, ao entrar para qualquer instituição, todo indivíduo sofre o processo
de ajustamentos.
Os conteúdos explorados em sala de aula são predeterminados.
Alguns conhecimentos são permitidos na escola e outros ficam fora da sala de aula
(por exemplo, educação sexual, ética, saúde, meio ambiente, trabalho e consumo,
avanços lógicos).
A escola define que tipos de raciocínios são válidos, certos e verdadeiros e que caminhos os constroem. Inscreve que visão de mundo deve ser aceita como padrão ideal e desejável por todos. (...) Muitas vezes fala-se de construção e pratica-se transmissão, travestida de construção. Também dessa forma é exercido o poder de dominação e de controle na escola. (CRUZ, 2000, p. 70).
É evidente que devem existir normas para o convívio na escola, mas
a escola pode estar priorizando o controle e a ordem, sem questionar as
conseqüências sobre a construção da identidade de professores e alunos, por
exemplo, adotando práticas ineficazes de ensino da leitura e a escrita como
possibilidade de acesso aos bens culturais do mundo letrado e na conquista da
cidadania plena.
Através da leitura e da escrita podemos ampliar nossa consciência a
respeito do nosso papel neste mundo e encontrarmos caminhos para nossa
humanização, desde que, lendo e escrevendo estejamos agindo sobre os textos e
produzindo significações. “Não deve, portanto, existir dicotomia entre ler a palavra e
ler a realidade, bem como entre escrever a palavra e escrever a realidade” (LEAL,
235
2003, p. 39). Para que essa dicotomia deixe de existir é pré-requisito que os
envolvidos na formação dos alunos desenvolvam neles mesmos o que almejam
desenvolver nos alunos. Desse modo, como formar cidadãos se o educador não
reconhece no papel que desempenha um exercício de cidadania? E, se o professor
não usa, efetivamente, a leitura e a escrita como uma prática social, ele pode
contribuir para o processo de letramento de seus alunos?
Se o professor não valoriza o jornal em sala de aula, ele próprio
pode considerar as atividades que realiza através desse suporte como tempo morto,
tempo perdido, inútil, e essa imagem será refletida para os alunos. Estes “precisam
também ter garantido o direito de aprender a ler jornais, reconhecendo, nesse
suporte, a possibilidade de melhor conhecer os fatos da realidade, de obter
elementos para uma análise crítica desses fatos e, desse modo, melhor interpretar a
própria vida; saber localizar informações relevantes a algum propósito, identificar os
cadernos, as seções, reconhecer os diferentes gêneros textuais e os seus registros
lingüísticos” (LEAL, 2003, p. 41).
O receio às mudanças sempre fez parte da atitude humana. Em
contrapartida, a realidade contemporânea exige que estejamos cada vez mais
informados, atualizados e participantes deste mundo globalizado. Não podemos,
portanto, continuar ensinando nossos alunos da mesma forma que os professores
dos nossos avós ensinavam. Os tempos mudaram e nós – educadores -
permanecemos estagnados. Todas as iniciativas visando à melhoria do aluno devem
estar relacionadas diretamente ao professor; é ele quem usará ou não uma nova
ferramenta, aceitará ou não novas propostas que invalidam as práticas do passado e
exigem a adoção de estratégias e táticas recentes. “Em um futuro próximo haverá
uma grande monta de recursos disponíveis para se investir em educação, assim
236
como vontade política para fazê-lo, mas, em contrapartida, faltarão profissionais
qualificados para desempenhar suas atividades” (KALINKE, 1999, p. 20).
Empresas realmente modernas vêem os funcionários como
colaboradores ativos na produção; quanto mais inovadores e questionadores
melhor. Antigamente, o funcionário passivo era tido como exemplar por “não meter o
bedelho onde não fosse chamado”. Seguindo essa tendência de transformações e
inovações, surgem os PCNs. Os Parâmetros Curriculares Nacionais definem o aluno
como um colaborador ativo e não um receptor passivo, que a ênfase educacional
recaia sobre o pensamento crítico e não a memorização de fatos, que o método de
ensino seja interacionista e não repetitivo.
Como nos adaptamos a essas transformações? Provavelmente, sem
que nós, profissionais, assumamos um compromisso efetivo e coerente com as
transformações curriculares propostas, a realidade não será diversa da que temos
hoje em dia, porque continuará havendo dissociação entre o discurso e a prática.
“Ainda está mais no professor a tomada de decisões sobre o seu fazer docente do
que na instituição, ainda que se reconheça que o clima, os objetivos, os valores e
preconceitos institucionais pesem no projeto individual do professor” (CUNHA, 1989,
p. 163).
Goffman (1988) aplica o termo estigma às situações do indivíduo que
se encontre inabilitado para a aceitação social plena, em virtude da posse de um
atributo que se impõe como alvo de atenção e detona o afastamento daqueles que o
detêm. O estigmatizado é condenado a um lugar social de descrédito e isolamento, o
que vai ferir a integridade psicológica do indivíduo. Goffman designa como normais
os que não se afastaram negativamente das expectativas postas socialmente; os
237
estigmatizados encontram-se em situação de não-enquadramento frente às
expectativas socialmente construídas.
Com relação aos profissionais da educação, caberia o
desenvolvimento das discussões propriamente pedagógicas, que retirassem a
escola da condição de espaço estigmatizador que muitas vezes a reveste, como no
caso das que se deixam transformar em ‘depósito de crianças’ (PUPPIN, 1999, p.
259). Quando o objetivo proclamado pela escola é a formação de sujeitos éticos,
capazes de construir uma sociedade justa, é pressuposto que os seus atores reflitam
sobre como se dão as relações entre eles e combatam os estigmas que cerceiam
estas relações, pois a estigmatização faz com que o sujeito incorpore o rótulo, o que
compromete sua auto-estima e reduz suas chances de aprender em decorrência
desses pressupostos que embasam suas visões.
A escola é uma instância de controle social. “A escola gira em torno
de relações de poder e reveste-se de uma característica de dominação. A
constituição dos poderes na escola se dá de várias formas. Passa pela estrutura,
pela organização, pelas regras disciplinares que definem os lugares sociais de
alunos e professores”, (CRUZ, 2000, p. 69). Como recorda Guareschi (2003),
professores e alunos ocupam posições diferentes, mas essas posições não
precisam ser antagônicas; as relações podem ser de complementaridade, de
colaboração, de cooperação, de respeito mútuo ou as relações podem ser de
subordinações, assimétricas, desiguais, dominadoras. A maneira como essas
relações são constituídas pelos sujeitos vai construir cidadãos livres/autônomos ou
subordinados/dominados.
238
Desse modo, se o professor estiver preparado e motivado para
contribuir para o desenvolvimento da visão crítica dos acontecimentos, o jornal é um
recurso didático capaz de:
� Diminuir o tempo morto : por oferecer textos de interesse
para os alunos, pois o jornal traz vários temas familiares e
interessantes, o que estimula os alunos a realizarem a leitura
em busca de informações socialmente significativas:
� Atenuar as contradições : por relacionar os conteúdos
teóricos com a realidade social, estabelecendo ligação entre
os conteúdos ensinados na escola e o que acontece na vida
real, como requer a política do MEC;
� Eliminar os estigmas : por permitir o conhecimento da
diversidade e poder ser usado para atividades que socializam
o aluno, como compartilhar com os colegas seus
conhecimentos e experiências sobre o tema;
� Atender às cobranças externas : por estimular a relação
entre escola e sociedade, com base nos temas da atualidade,
o que pode instigar maior participação social e gerar interação
entre a realidade dos alunos e a realidade escolar;
� Influenciar no domínio institucional : por facilitar o
relacionamento dos conteúdos com a realidade social e
outorgar atualidade aos conteúdos abordados, além de
dinamizar criativamente a programação do professor já que
não traz exercícios prontos;
239
� Democratizar a interpretação oficial : por apresentar
diversas informações e interpretações sobre os fatos da
atualidade, o jornal representa uma fonte de atualização, que,
entretanto, são guiadas pela política administrativa da
empresa. Portanto, se procurarmos a mesma notícia em outro
jornal ou veículo de comunicação, é possível encontrar
diferentes versões ou interpretações sobre o mesmo evento
ou assunto.
Todas essas possibilidades são dependentes da formação dos
professores, pois não formaremos alunos mais críticos diante do mundo sem a
formação de professores mais reflexivos sobre os conhecimentos cognitivos que
possuem e a vida institucional que articulam.
Alunos leitores convivem em um domínio institucional de menor
controle social, pois há tendência para ser um ambiente transformador, crítico.
Leitores estão mais abertos a cobranças externas, enquanto os ledores estão mais
fechados a elas, por isso professores e alunos leitores apresentam tendências para
serem mais inovadores. Os PCNs são cobranças externas, assim como as
avaliações em todos os níveis de ensino, e como ledores são menos inovadores eles
se mostram mais resistentes quanto às mudanças pelas quais a sociedade
contemporânea clama.
Em um ambiente de leitores a tendência é para maior aceitação,
enquanto ledores tendem à maior estigmatização. Investigar como os professores e
alunos são vistos e aceitos revela estigmas que influem no trabalho realizado com
leitura na escola. As contradições entre o currículo oficial (o que se diz fazer) e o
240
currículo oculto (o que realmente se faz) permanecem implícitas para um ledor e por
isso não são discutidas e combatidas. Um ambiente de leitores favorece a
explicitação dos problemas, o que facilita a busca de soluções para os mesmos.
Quando professores e alunos são leitores, o tempo morto é baixo,
porque há maior desempenho. Se o professor é leitor, mesmo que os alunos sejam
ledores, há tendência para um tempo morto baixo, porque o docente instiga a turma
para um maior desempenho. Quando professores e alunos são ledores, o tempo
morto pode ser alto ou baixo, porque o desempenho é baixo, mas o tempo pode ser
plenamente preenchido com atividades pouco produtivas para a formação de leitores
Quando alunos são leitores e possuem professor ledor, o tempo morto será alto,
esse tempo improdutivo incentiva o menor desempenho.
Se o professor é um ledor significa uma tendência para um
ambiente menos analítico, mais reprodutivo, menos democrático. Se o professor é
um leitor, a tendência é para um ambiente mais analítico, menos reprodutivo das
interpretações oficiais, pois, quanto mais professores e alunos forem leitores, mais
democrático será o ambiente escolar.
A escola é uma instituição social; assim como a família, a igreja, o
Estado. E assim como as outras instituições sociais possuem um domínio
institucional, ou seja, a escola busca um padrão de comportamento, por exemplo,
transformar o analfabeto em alfabetizado e este em leitor. Através da educação, são
transmitidas ao indivíduo as maneiras de pensar e agir preestabelecidas na
sociedade, porém estas formas se transformam contínua e lentamente. Assim como
a concepção de família formada a partir do casamento vem sofrendo transformações
no decurso da história, todas as relações inter-humanas passam por processos de
ajustamentos, o que envolve mudanças estruturais nas instituições. Como a
241
sociedade evolui, a realidade se transforma, a escola precisa manter-se vital e dar
respostas aos anseios culturais da sua respectiva comunidade. No entanto,
transformações que parecem naturais (por exemplo, não se limitar ao livro didático)
sofrem, na escola, grandes resistências, porque o domínio institucional é
conservador. Conseqüentemente, o poder do professor é limitado, pois as
influências da direção e da supervisão da escola e dos pais dos alunos fazem com
que ele prefira o conservadorismo, tendo medo de inovar (por exemplo, mantendo as
carteiras sempre em fila ou priorizando o livro didático em detrimento de qualquer
outro material de leitura).
O estigma é uma marca estereotipada que recai sob determinadas
pessoas. Os estigmas são formas de preconceito. O sujeito estigmatizado sofre
rejeição e, muitas vezes, responde com rejeição a quem o rejeita a fim de preservar
o seu eu. Como ensina Goffman (2001, p. 157), “a natureza humana de seus
participantes é indiscutivelmente um elemento significativo da situação”; em outras
palavras, é normal que um sujeito queira garantir à sua identidade pessoal maior
dignidade, do que ser visto com impessoalidade (como um número na lista de
freqüência) ou reconhecido como filho de pai e mãe iletrados, repetente, com idade
inadequada para a série... O indivíduo pode enfrentar essa definição de si mesmo
através de atitudes de transgressão das normas escolares, por exemplo, revelando
pouca importância aos objetivos oficiais da organização a que pertence: como a
escola tem como objetivo oficial à formação de leitores, o aluno estigmatizado resiste
em desenvolver o gosto pela leitura.
É possível que alunos vão à escola por imposição familiar ou social,
e que sintam o tempo passado ali como tempo morto, ou seja, que as atividades
desenvolvidas não trazem contribuições para a sua vida. A finalidade maior de estar
242
ali é alcançar um certificado, mas o indivíduo não efetua vínculos afetivos com o
grupo do qual faz parte. “Os vínculos que unem o indivíduo a entidades sociais de
diferentes tipos apresentam propriedades comuns. (...) exigem que sinta
participação, identificação e ligação emocional. Portanto, a participação numa
entidade social impõe compromisso e adesão” (GOFFMAN, 2001, p. 147-148).
O aluno pode perceber que as atividades desenvolvidas na escola
não são significativas para a vida; isso prejudica sua motivação para os estudos e o
faz apático na sala de aula ou até mesmo o torna um aluno indisciplinado, como
forma de manifestar seu descontentamento. A eleição de Temas Transversais torna
o conteúdo significativo para o momento presente, “uma organização instrumental
formal sobrevive por ser capaz de apresentar contribuições úteis da atividade de
seus participantes; é preciso empregar meios estipulados e é preciso atingir fins,
também estipulados”. (GOFFMAN, 2001, p. 150).
O mutismo e a apatia do aluno são inadequações que podem não
perturbar o professor e até serem consideradas como facilitadoras da disciplina em
sala de aula, como se fossem manifestações de respeito pelo ambiente escolar. Se
o sujeito age de maneira controlável é bem quisto dentro da instituição: se não age
convenientemente recebe punições. Por isso, a grande maioria dos alunos procura
“encaixar-se” nas estruturas institucionais existentes, por exemplo, reproduzindo
interpretações oficiais, o que significa fornecer respostas que consideram que o
professor vai querer ouvir, independente delas terem ou não valor de verdade. Há
predisposição para reproduzir a interpretação oficial.
Os alunos lêem e escrevem, mas o professor tem o controle dessa
redação e das suas interpretações, sendo assim, as mesmas exprimem a
interpretação oficial da instituição. No entanto, em um estabelecimento social podem
243
haver participantes que “se recusam, de alguma forma, a aceitar a interpretação
oficial do que devem dar e retirar da organização e, além disso, quanto ao tipo de eu
e de mundo que devam aceitar para si mesmos”(GOFFMAN, 2001, p. 246).
Responder a uma entrevista significa expor sua face. E não é
comum que um educador queira apresentar-se a outro como um profissional
desinteressado. É até esperado que o professor queira transmitir a imagem de
alguém preocupado com as transformações sociais e atualizado em sua área de
atuação e, portanto, disposto a promover conhecimentos significativos como
requerem os PCNs. Mesmo que, em sua prática profissional, enfatize a
memorização de conceitos gramaticais e de regras ortográficas, dificilmente
assumiria isso em seu discurso por ter consciência que isso representaria assumir
sua ignorância dos conhecimentos produzidos pela Lingüística. Estes
conhecimentos, de fato, podem ser ignorados, mas esta face não deve ser revelada.
Diante desse quadro, o professor de língua materna pode atribuir a
não-formação de leitores a fatores sociais, como o perfil da clientela na escola
pública; no caso da escola rural, há a invasão desse falar na escola, ou seja, a
variante lingüística adotada pelos alunos está em desacordo com a forma de
prestígio (difere do padrão) e o professor do idioma pode sentir-se impotente diante
da crise social que afeta o ensino que promove.
Ao confrontar-se com novas propostas curriculares (por exemplo, os
PCNs), surge insegurança, pois – às vezes – o conhecimento do teor da proposta é
superficial e não sentindo habilidade para transformar sua prática fundamentada
pela nova teoria, o educador mascara sua prática.
Foucault (1996) trata dos mecanismos de controle do sujeito e do
discurso, há discursos autorizados, produzidos por sujeitos autorizados. O professor
244
pode ter ciência que, em seu dia-a-dia, promove o processo de apropriação do
conhecimento na escola de forma distinta daquela indicada pelos PCNs como
diretriz para o trabalho do professor, mas sabe também que os PCNs oficializam o
discurso do MEC, portanto, apesar de realizar em seu dia-a-dia um trabalho
gramatical teórico-prescritivo, não reconhece que silencia sentidos no processo de
leitura e com isso contribui para a manutenção da exclusão social dos alunos.
Os PCNs postulam a necessidade de se integrar, no processo
pedagógico, sem artificialidade, por meio do texto, as três unidades básicas do
ensino de Língua Portuguesa (leitura, análise lingüística e produção textual) com
ênfase na leitura. Entretanto, desde 1985, Geraldi já defendia essa proposta em seu
livro O Texto na Sala de Aula, assim como tantos outros lingüistas brasileiros que
vêm defendendo esta postura há duas décadas.
As mudanças nas propostas educacionais são praticamente
ignoradas no cotidiano das salas de aula; as mudanças de paradigmas nos estudos
da linguagem não têm reflexo nas situações de ensino-aprendizagem de Língua
Portuguesa. Isto pode advir da precária formação dos professores, que não
favoreceu o desenvolvimento de uma postura investigativa, pois o aluno de
graduação foi treinado como recebedor de conhecimentos acabados e não instigado
a se tornar um constante pesquisador/questionador de sua prática e das teorias que
a fundamentam. Conseqüentemente, deve haver um processo de formação contínua
dos professores, visando à reflexão crítica sobre questões teórico-práticas e o
acesso às produções científicas. Isso contribuiria para sanar deficiências em sua
formação na licenciatura ou porque está formado há anos e a atualização
profissional deve ser um processo contínuo.
245
No entanto, apenas atualização constante não resolveria todos os
problemas. O professor desenvolve o papel de mediador entre os seus alunos e o
objeto de ensino-aprendizagem e, no caso do professor de Língua Portuguesa, ele é
mediador entre os seus alunos e o conhecimento lingüístico produzido. Portanto,
através da sua atuação, o educador realiza uma ponte entre os conhecimentos
lingüísticos que promove (por exemplo, o trabalho com a leitura do jornal) e papéis
institucionais que desempenham tanto os professores como os alunos, pois são
sujeitos que no espaço escolar assumem posturas ideológicas (BAKHTIN, 1988).
Estas posturas garantem que uma reformulação curricular possa provocar mudanças
apenas no nível do discurso, sem que esse discurso funcione na escola e enriqueça
a realidade da sala de aula.
O comportamento humano é o elemento prioritário para que as
propostas se realizem e não se limitem a ser um conjunto de intenções e para que
todos os aparatos e recursos colocados à disposição do ensino-aprendizagem sejam
colocados em funcionamento, em uso efetivo, para desencadear o ensino e a
aprendizagem.
Através dessa pesquisa, descobri que o uso do jornal está sendo
insuficiente; mas isso eu já pressupunha. Concluí que o ser humano ainda prevalece
sobre Parâmetros e projetos, ou seja, é o contato interpessoal realizado em sala de
aula o elemento decisivo para transformar um ledor em leitor ou um sujeito em
cidadão.
Sem esta consciência, o governo pode investir na elaboração de
novos parâmetros ou mesmo na maior distribuição e divulgação dos parâmetros
atuais. Também as administrações públicas podem continuar fazendo parcerias com
empresas jornalísticas e/ou iniciativas privadas, sem que tanto investimento traga
246
resultados esperados. A partir dessa consciência pode estabelecer-se um novo
paradigma, o de valorização dos relacionamentos internos dentre os membros que
compõem uma instituição. Sem obter o engajamento e o comprometimento dos
participantes de um projeto – quer seja de formação de leitores ou de cidadãos –
essa participação continua existindo apenas no nível do falar e não do realizar.
O objetivo apregoado pelos PCNs de formar leitores críticos e
agentes eficazes da cidadania requer do educador a capacidade de reflexão crítica
sobre temas relativos aos conhecimentos cognitivos e questões institucionais,
portanto envolve um processo contínuo de formação profissional.
Tradicionalmente, o aluno é um mero objeto passivo na relação
ensino-aprendizagem, e o professor é o provedor de conhecimentos - verdade. O
mercado de trabalho do mundo contemporâneo solicita que o aluno tenha uma
formação diferente dessa tradicional para ser capaz de melhor utilizar os recursos
disponíveis. Nesse sentido também é encaminhada a proposta do Ministério da
Educação através dos PCNs. Porém, sem preparação profissional atualizada e
permanente, é difícil que o professor obtenha os conhecimentos dos quais precisa
para efetivar o objetivo apregoado pelos PCNs e assim, formar sujeitos com perfis
de leitores e cidadãos.
Para a utilização dos recursos disponíveis é necessário aprimorar
conhecimentos relacionados com a prática docente, por exemplo, o jornal é um
recurso valioso para ser incorporado à sala de aula com o fim de contribuir para a
formação de leitores que tenham consciência crítica do que ocorre na sociedade,
mas essa criticidade depende de como se dá a utilização do jornal na sala de aula. É
essencial a motivação do professor para incorporar a leitura dos meios de
comunicação de massa entre os conteúdos ensinados na escola.
247
A interpretação da realidade do aluno, da sua comunidade, do país e
do mundo pode provocar mudanças no cenário pedagógico, pois transforma ledores
em leitores e cidadãos. Porém, a mera incorporação do jornal à escola não é capaz
de provocar essa mudança e os dez anos do ‘Projeto Cidadania’ exemplificam isso.
O que pode produzir efeitos positivos no desenvolvimento das habilidades de leitura
e escrita dos alunos é a motivação do professor para usar o jornal como objeto de
estudo de forma a propiciar desenvolvimento de competências lingüísticas e o
estabelecimento de relações entre os conteúdos abordados na escola e a realidade
cotidiana.
Para que o professor saia da prática discursiva de caráter retórico e
assuma com competência a demanda de educar de acordo com as propostas
oficiais do MEC é preciso que as Secretarias de Educação, através de seus grupos
de apoio pedagógico, articulem a proposta apresentada pelos PCNs na vida
institucional e que as universidades formadoras dos educadores promovam a
reflexão sobre questões teórico-práticas, por exemplo, discussões sobre a
aplicabilidade de projetos ligados à educação, como é o caso do Projeto Cidadania.
248
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ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO para DIRETORES(AS) E SUPERVISORES(AS) Pseudônimo: ___________________________________________________________
Perfil Sócio-Econômico dos Diretores/Supervisores
1. Sexo: (A) Masculino. (B) Feminino.
2. Idade: (A) Até 24 anos. (B) De 25 a 29 anos. (C) De 30 a 39 anos. (D) De 40 a 49 anos. (E) De 50 a 54 anos. (F) 55 anos ou mais.
3. Como você se considera? (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena.
4.Qual seu nível máximo de escolaridade? (A). Ensino Médio – Magistério (antigo 2º grau). (B) Ensino Superior – Pedagogia. (C) Ensino Superior – Licenciatura em Matemática, Letras ou outro curso superior na área do magistério. (D) Magistério Superior (Escola Normal Superior). (E) Ensino Superior – Outros (F) Pós- Graduação.
5. Se você fez curso superior, de que forma ele foi realizado? (A) Presencial. (B) Semipresencial. (C) À distância. (D) Final de semana.
6. Entre os cursos citados de pós-graduação, qual/quais fez (se os fez): (A) Não fiz ou ainda não completei nenhum curso de pós-graduação. (B) Especialização (mínimo de 360 horas). (C) Mestrado. (D) Doutorado.
7. Participou de alguma atividade de formação continuada (Atualização, Treinamento, Capacitação, etc) nos últimos dois anos? (A) Sim. (B) Não
8. Há quantos anos você trabalha na área de Educação? (A) De 1 a 2 anos. (B) De 3 a 5 anos. (C) De 6 a 9 anos. (D) De 10 a 15 anos. (E) De 15 a 20 anos (F) Há mais de 20 anos.
9. Há quantos anos você trabalha nesta escola? (A) Há menos de 1 ano. (B) De 1 a 2 anos. (C) De 3 a 5 anos. (D) De 6 a 9 anos. (E) De 10 a 15 anos. (F) De 15 a 20 anos. (G) Há mais de 20 anos.
10. Você lecionou antes de ocupar o cargo atual? () Sim. () Não Se a resposta foi sim, por quanto tempo? (A) De 3 a 5 anos. (B) De 6 a 9 anos. (C) De 10 a 15 anos. (D) De 15 a 20 anos (E) Há mais de 20 anos.
11. Em quantas escolas você trabalha? (A) Apenas nesta escola. (B) Em 2 escolas. (C) Em 3 escolas. (D) Em 4 ou mais escolas.
12. Trabalha somente na rede pública? (A) Sim. (B) Não.
13. Em Qual(is) Turno(s) você trabalha? (Marque mais de uma opção, se for o caso) (A) Matutino. (B) (B) Vespertino. (C) (C) Noturno
14. Além de seu trabalho nesta escola, você exerce outra atividade que gera renda? (A) Sim, na área de educação. (B) Sim, fora da área de educação. (C) Não.
15. Quantas horas por semana você dedica, fora da escola, a atividades relacionadas ao seu trabalho como educador? (A) Até 4 horas semanais. (B) De 4 a 8 horas semanais.
258
(C) De 8 a 12 horas semanais. (D) Mais de 12 horas semanais.
16. Qual seu salário bruto como professor(a)? (total) (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) R$ 1441,00 ou mais
17. Qual sua renda bruta familiar? (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) De R$ 1441,00 a R$ 2160,00. (F) R$ 2161,00 ou mais
Perfil da relação dos diretores/supervisores com a c omunidade
18. Nasceu na comunidade onde trabalha? ( ) Você ( ) Seu pai
( ) sua mãe ( ) Seus avós maternos ( ) Seus avós paternos
19. Se você só trabalha na comunidade, mas não mora aí, porque foi trabalhar aí?
20. Você sabe o qual a origem do nome do distrito?
21. Você sabe o qual o significado do nome do distrito?
22. Você conhece a história do distrito? () Sim () Não
23. Como é composta a população do distrito? [Conforme a quantidade de pessoas de cada grupo, numere de 1 a 5. Exemplo: têm mais brancos (5), depois amarelos (4), depois pardos (3), um pouco de pretos (2) e alguns indígenas (1)] ( ) Brancos. ( ) Pardos. ( ) Pretos. ( ) Amarelos. ( ) Indígenas.
24. Qual(is) a(s) origem(ns) dos primeiros moradores do distrito? () Portugueses () Italianos () Japoneses () Alemães () Outros. Cite ________________________
25. Você conhece algum folclore (alguma estória, lenda, supertição) característica dos moradores do distrito? (estórias contadas pelos pais, avós, etc). Qual(is)?
26. Qual é atualmente, na sua opinião, a pessoa mais importante que mora no distrito?
27. Para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que morou ou ainda mora no distrito?
28. Quem você acha que é a pessoa mais importante para o distrito?
29. A comunidade promove alguma festa local? () Não () Sim Se sim, quantas são e quais são?
30. Você e/ou sua família costumam participar ativamente (ou trabalhar) nestas festas? () Não () Sim Se sim, como?
31. Que opções de lazer existem para os jovens da comunidade? (A) praças de esporte (B) salão de jogos (pingue-pongue, pebolim, damas, xadrez, dominó etc) (B) clube(s) (C) bares, lanchonetes (D) biblioteca, videoteca (E) campeonatos locais De quê?
32. Que outras atividades de lazer você encontra no distrito? (A) festas promovidas por amigos
259
(B) festas promovidas pela igreja (C) festas promovidas pela escola (D) passeios para outras localidades (E) praça ou jardim onde os jovens se encontram para conversar, paquerar (F) outros (cite)
33. Que outras atividades de lazer você gostaria que houvesse em Paiquerê?
34. Sua escola costuma promover algum tipo de festa ou atividade extra-escolar? (maratona, jogos, competições, festivais, etc). () sim () não Se sim, que tipo? Os alunos costumam trabalhar na organização destes eventos? Como? Você gosta de trabalhar (ajudar) nestes eventos?
35. Na sua opinião, qual a atividade mais importante para as pessoas que moram no distrito?
Perfil profissional do diretores/supervisores e sua relação com a escola
36. Você acha que a escola é bem cuidada, bem conservada? () sim () não
37. Sua escola é um lugar seguro? () sim () não
38. Você já sofreu algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não
39. Você já viu alguém sofrer algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não
40. Sua escola j’á foi roubada ou depredada (estragada, danifica, pixada)? () sim () não
41. Sua escola tem guarda, vigia ou um zelador residente? () sim () não
Indique os recursos pedagógicos disponíveis nesta escola: (Marque apenas UMA opção em cada linha.) (A) Sim, utilizo (B) Não utilizo porque não acho necessário (C) Não utilizo porque a escola não tem, mas acho necessário 42. Computadores. (A) (B) (C) 43. Internet. (A) (B) (C) 44. Fitas de vídeo. (A) (B) (C) 45. Jornais e revistas informativas. (A) (B) (C) 46. Livros de consulta para os professores. (A) (B) (C) 47. Livros de leitura. (A) (B) (C) 48. LIVROS DIDÁTICOS. (A) (B) (C)
49. Retroprojetor. (A) (B) (C) 50. Mimeógrafo. (A) (B) (C)
260
Algumas afirmações são usadas para explicar as dificuldades de aprendizagem dos alunos. De acordo com sua opinião, marque as alternativas abaixo: (Marque apenas uma opção em cada linha.) (A) Concordo (B) Discordo 51. São localizadas na escola devido à carência de infra-estrutura física e/ou pedagógica. (A) (B) 52. Estão relacionadas aos conteúdos curriculares que são inadequados às necessidades dos alunos. (A) (B) 53. São decorrentes do ambiente de insegurança física da escola. (A) (B) 54. Encontram-se na escola que oferece poucas oportunidades de desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno. (A) (B) 55. Estão relacionadas ao não cumprimento do conteúdo curricular. (A) (B) 56. Relacionam-se à sobrecarga de trabalho do(as) professores(as), dificultando o planejamento e o preparo das aulas. (A) (B) 57. São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula. (A) (B) 58. Ocorrem devido ao baixo salário dos professores que gera insatisfação e desestímulo para a atividade docente. (A) (B) 59. Originam-se no meio em que o aluno vive. (A) (B) 60. São decorrentes do nível cultural dos pais dos alunos. (A) (B) 61. Estão relacionadas à falta de assistência e acom panhamento da família nos deveres de casa e pesquis as dos alunos. (A) (B) 62. Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno. (A) (B) 63. Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno. (A) (B) 64. Estão vinculadas à baixa auto-estima dos alunos. (A) (B)
65. Você está satisfeito(a) com sua profissão? (A) Sim. (B) Não. 66. Por quanto tempo você ainda planeja continuar trabalhando nesta área? (Marque apenas UMA opção) (A) Enquanto fisicamente eu for capaz. (B) Até completar o meu tempo para aposentadoria. (C) Continuarei nesta função até que apareça algo melhor. (D) Certamente deixarei a profissão em dois anos.
67. Você pretende mudar de escola? (A) Sim. (B) Não. 68. Você está satisfeito(a) com seu salário? (A) Sim. (B) Não. 73. Algumas vezes, no último ano, você sentiu que é perda de tempo tentar dar o melhor de si para ser um bom diretor/supervisor? (A) Sim. (B) Não. 69. Se você pudesse voltar atrás no tempo, você faria opção área de Educação novamente? (A) Sim. (B) Não. 70. Se seu filho optasse por seguir a carreira de magistério, você ficaria satisfeito(a)? (A) Sim. (B) Não.
A seguir apresentamos questões sobre você e seu trabalho. Leia cada frase e marque, entre as alternativas: (o que for mais de acordo com sua realidade) zero (0) - significa discordo totalmente, ou não se aplica a mim; cinco (5) – concordo totalmente; opções entre zero e cinco como graduações entre os dois sentidos. 71. Eu me sinto muito cheio de energia. .. .. .. .. .. .. .. 72. Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 73. Sinto que a minha clientela me culpa por alguns dos seus problemas. .. .. .. .. .. .. .. 74. Eu me sinto estimulado depois de trabalhar lado a lado com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 75. Eu me sinto como se estivesse no final do meu limite. .. .. .. .. .. .. .. 76. No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com muita calma. .. .. .. .. .. .. .. 77. Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 78. Eu me sinto frustrado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 79. Trabalhar diretamente com pessoas me deixa muito estressado. .. .. .. .. .. .. .. 80. Eu me sinto esgotado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 81. Posso criar facilmente um ambiente tranqüilo com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 82. Sinto que estou influenciando positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho. .. .. .. .. 83. Sinto que trato algumas pessoas da minha clientela como se fossem objetos. .. .. .. .. .. .. .. 84. Sinto que estou trabalhando demais no meu emprego. .. .. .. .. .. .. .. 85. Trato de forma adequada os problemas da minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 86. Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho de encarar outro dia de trabalho.
261
87. Trabalhar com pessoas o dia inteiro é realmente um grande esforço para mim. .. .. .. .. .. .. .. 88. Posso entender facilmente o que sente a minha clientela acerca das coisas. .. .. .. .. .. .. .. 89. Acho que me tornei mais insensível com as pessoas desde que comecei este trabalho. .. .. .. 90. Acho que este trabalho está me endurecendo emocionalmente. .. .. .. .. .. .. .. 91. Não me importo realmente com algumas pessoas da minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 92. Tenho realizado muitas coisas importantes neste trabalho. .. .. .. .. .. .. ..
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ANEXO 2 - QUESTIONÁRIO para PROFESSORES(AS) Pseudônimo: ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1. Sexo: (A) Masculino. (B) Feminino.
2. Idade: (A) Até 24 anos. (B) De 25 a 29 anos. (C) De 30 a 39 anos. (D) De 40 a 49 anos. (E) De 50 a 54 anos. (F) 55 anos ou mais.
3. Como você se considera? (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena.
4.Qual seu nível máximo de escolaridade? (A) Ensino Médio – Magistério (antigo 2º grau). (B) Ensino Médio – Outros (antigo 2º grau). (C) Ensino Superior – Pedagogia. (D) Ensino Superior – Licenciatura em Matemática, Letras ou outro curso superior na área do magistério. (E) Magistério Superior (Escola Normal Superior). (F) Ensino Superior – Outros (G) Pós- Graduação
5. Se você fez curso superior, de que forma ele foi realizado? (A) Presencial. (B) Semipresencial. (C) À distância. (D) Final de semana.
6. Entre os cursos de pós-graduação, qual/quais fez (se os fez): (A) Não fiz ou ainda não completei nenhum curso de pós-graduação. (B) Especialização (mínimo de 360 horas). (C) Mestrado. (D) Doutorado.
7. Participou de alguma atividade de formação continuada (Atualização, Treinamento, Capacitação, etc) nos últimos dois anos? (B) Sim. (B) Não
8. Há quantos anos você leciona? (A) Há menos de 1 ano. (B) De 1 a 2 anos. (C) De 3 a 5 anos. (D) De 6 a 9 anos. (E) De 10 a 15 anos. (F) De 15 a 20 anos (G) Há mais de 20 anos.
9. Há quantos anos você trabalha nesta escola? (A) Há menos de 1 ano. (B) De 1 a 2 anos. (C) De 3 a 5 anos. (D) De 6 a 9 anos. (E) De 10 a 15 anos. (F) De 15 a 20 anos. (G) Há mais de 20 anos.
10. Há quanto tempo você leciona para esta turma? (A) Desde o início desse ano letivo. (B) De 6 a 8 meses. (C) De 3 a 5 meses (D) De 1 a 2 meses. (E) Há menos de 1 mês.
11. Em quantas escolas você trabalha? (A) Apenas nesta escola. (B) Em 2 escolas. (C) Em 3 escolas. (D) Em 4 ou mais escolas.
12. Trabalha somente na rede pública? (A) Sim. (B) Não.
13. Em Qual(is) Turno(s) você trabalha? (Marque mais de uma opção, se for o caso) (D) Matutino. (E) (B) Vespertino. (F) (C) Noturno
14. Quantas horas-aula você ministra por semana? (A) Até 10 horas-aula. (B) De 10 a 20 horas-aula. © De 20 a 30 horas-aula. (D) De 30 a 40 horas-aula. (E) Mais de 40 horas-aula
15. Quantas horas por semana você dedica, fora da escola, a atividades relacionadas ao seu trabalho docente? (Por exemplo, correção provas/trabalhos, leituras complementares, etc)? (A) Até 4 horas semanais. (B) De 4 a 8 horas semanais.
263
(C) De 8 a 12 horas semanais. (D) Mais de 12 horas semanais.
16. Quantas horas por semana você dedica ao planejamento de aulas? (A) Até 4 horas semanais. (B) De 4 a 8 horas semanais. (C) 8 horas ou mais
17. Além do magistério, você exerce outra atividade que gera renda? (D) Sim, na área de educação. (E) Sim, fora da área de educação. (C) Não.
18. Qual seu salário bruto como professor(a)? (total) (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) R$ 1441,00 ou mais
19. Qual sua renda bruta familiar? (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) De R$ 1441,00 a R$ 2160,00. (F) R$ 2161,00 ou mais
Perfil da relação dos professores com a comunidade
21. Nasceu no distrito? ( ) Você ( ) Seu pai
( ) sua mãe ( ) Seus avós maternos ( ) Seus avós paternos
22. Se você só trabalha no distrito, mas não mora nele, porque foi trabalhar aí?
23. Você sabe o qual a origem do nome do distrito?
24. Você sabe o qual o significado do nome do distrito?
25. Você conhece a história do distrito? () Sim () Não
26. Como é composta a população do distrito? [Conforme a quantidade de pessoas de cada grupo, numere de 1 a 5. Exemplo: têm mais brancos (5), depois amarelos (4), depois pardos (3), um pouco de pretos (2) e alguns indígenas (1)] ( ) Brancos. ( ) Pardos. ( ) Pretos. ( ) Amarelos. ( ) Indígenas.
27. Qual(is) a(s) origem(ns) dos primeiros moradores do distrito? () Portugueses () Italianos () Japoneses () Alemães () Outros. Cite ________________________
28. Você conhece algum folclore (alguma estória, lenda, supertição) característica dos moradores do distrito? (estórias contadas pelos pais, avós, etc). Qual(is)?
29. Qual é atualmente, na sua opinião, a pessoa mais importante que mora no distrito?
30. Para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que morou ou ainda mora no distrito?
31. Quem você acha que é a pessoa mais importante para o distrito ?
32. A comunidade promove alguma festa local? () Não () Sim Se sim, quantas são e quais são?
33. Você e/ou sua família costumam participar ativamente (ou trabalhar) nestas festas? () Não () Sim Se sim, como?
34. Que opções de lazer existem para os jovens da comunidade? (A) praças de esporte (B) salão de jogos (pingue-pongue, pebolim, damas, xadrez, dominó etc) (B) clube(s) (C) bares, lanchonetes (D) biblioteca, videoteca (E) campeonatos locais De quê?
35. Que outras atividades de lazer você encontra na localidade? (A) festas promovidas por amigos
264
(B) festas promovidas pela igreja (C) festas promovidas pela escola (D) passeios para outras localidades (E) praça ou jardim onde os jovens se encontram para conversar, paquerar (F) outros (cite, rapidamente)
36. Que outras atividades de lazer você gostaria que houvesse na localidade?
37. Sua escola costuma promover algum tipo de festa ou atividade extra-escolar? (maratona, jogos, competições, festivais, etc). () sim () não Se sim, que tipo? Os alunos costumam trabalhar na organização destes eventos? Como? Você gosta de trabalhar (ajudar) nestes eventos?
38. Na sua opinião, qual a atividade mais importante para as pessoas que moram no distrito?
Perfil profissional do professor e sua relação com a escola
Você costuma ler: (Marque apenas uma opção em cada linha) (A) Sempre ou quase sempre (B) De vez em quando (C) Nunca ou quase nunca 41. Livros sobre educação. (A) (B) (C) 42. Outros livros (literatura em geral). (A) (B) (C) 43. Livros de histórias infantis. (A) (B) (C) 44. Revistas especializadas na sua área. (A) (B) (C) 45. Jornais ou revistas de informação geral. (Veja, Isto É, Época, etc.) (A) (B) (C) 46. Revistas em quadrinhos. (A) (B) (C) 47. Outras revistas. (A) (B) (C) 48. Outros (A) (B) (C)
Quanto às afirmações abaixo, indique sua posição? (A) Concordo (B) Discordo 49. Sinto que sou parte importante desta escola. (A) (B) 50. Participo das decisões educacionais desta escola. (A) (B) 51. Recebo apoio dos pais dos alunos para desenvolvimento do meu trabalho. (A) (B) 52. Tenho plena confiança profissional no(a) diretor(a). (A) (B) 53. Os materiais pedagógicos necessários ao meu trabalho estão disponíveis nesta escola. (A) (B) 54. As rotinas burocráticas interferem no meu trabalho de ensinar. (A) (B) 55. O(a) diretor(a) consegue que os professores se comprometam com a escola. (A) (B) 56. O diretor implementa regras claras de conduta escolar e me apóia quando necessário. (A) (B) 57. Existe um clima de cooperação entre os professores desta escola. (A) (B) 58. O(a) diretor(a) estimula as atividades inovadoras. (A) (B) QUANTO ÀS AFIRMAÇÕES ABAIXO, INDIQUE SUA POSIÇÃO? (A) CONCORDO (B) DISCORDO
59. Sinto que sou parte importante desta escola. (A) (B) 60. Participo das decisões educacionais desta escola. (A) (B) 61. Recebo apoio dos pais dos alunos para desenvolvimento do meu trabalho. (A) (B) 62. Tenho plena confiança profissional no(a) diretor(a). (A) (B) 63. Os materiais pedagógicos necessários ao meu trabalho estão disponíveis nesta escola. (A) (B) 64. As rotinas burocráticas interferem no meu trabalho de ensinar. (A) (B) 65. O(a) diretor(a) consegue que os professores se comprometam com a escola. (A) (B) 66. O diretor implementa regras claras de conduta escolar e me apóia quando necessário. (A) (B) 67. Existe um clima de cooperação entre os professores desta escola. (A) (B) 68. O(a) diretor(a) estimula as atividades inovadoras. (A) (B) 69. A indisciplina de estudantes desta escola dificulta o meu trabalho de ensinar. (A) (B) 70. O(a) diretor(a) dá atenção adequada aos aspectos relacionados com a aprendizagem dos alunos. (A) (B)
71. Sinto-me seguro, pessoalmente, antes, durante e após o meu trabalho nesta escola. (A) (B) 72. O(a) diretor(a) dá atenção adequada aos aspectos relacionados com as normas administrativas. (A) (B) 73. O(a) diretor(a) dá atenção adequada aos aspectos relacionados com a manutenção da escola. (A) (B)
265
AS ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA PROPOSTAS EM SALA DE AULA TÊM POSSIBILITADO AOS
ALUNOS: (MARQUE APENAS UMA OPÇÃO EM CADA LINHA.)
(A) Sempre ou quase sempre (B) De vez em quando (C) Nunca ou Quase Nunca Atividades como: 74. Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz (quadro negro oulousa). (A) (B) (C) 75. Conversar sobre textos de jornais e revistas. (A) (B) (C) 76. Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de jornais ou revistas. (A) (B) (C) 77. Automatizar o uso de regras gramaticais. (A) (B) (C) 78. Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com o desenvolvimento de projeto temático. (A) (B) (C) 79. Ler e discutir contos, crônicas, poesias ou romances. (A) (B) (C) 80. Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar aspectos da gramática. (A) (B) (C) 81. Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e opiniões. (A) (B) (C)
82. VOCÊ PASSA LIÇÃO DE CASA? (A) Sim. (B) NÃO.
83. VOCÊ CORRIGE A LIÇÃO DE CASA? (A) Sim, em sala de aula junto com os alunos. (B) Sim, sozinho tirando dúvidas sobre os resultados com os alunos. (C) Sim, e depois entrega os resultados aos alunos. (D) NÃO CORRIGE.
84. QUANTO DOS CONTEÚDOS PREVISTOS VOCÊ CONSEGUIU DESENVOLVER NESTA TURMA, no último ANO? (A) Menos de 40%. (B) Entre 40% e 60%. (C) Entre 60% e 80%. (D) MAIS DE 80%.
INDIQUE SE VOCÊ UTILIZA OU NÃO NESTA ESCOLA: (Marque apenas UMA opção em cada linha.) (A) Sim, utilizo (B) Não utilizo porque não acho necessário (C) Não utilizo porque a escola não tem, mas acho necessário 85. Computadores. (A) (B) (C) 86. Internet. (A) (B) (C) 87. Fitas de vídeo. (A) (B) (C) 88. Jornais e revistas informativas. (A) (B) (C) 89. Livros de consulta para os professores. (A) (B) (C) 90. Livros de leitura. (A) (B) (C) 91. LIVROS DIDÁTICOS. (A) (B) (C)
92. Retroprojetor. (A) (B) (C) 93. Mimeógrafo. (A) (B) (C)
Algumas afirmações são usadas para explicar as dificuldades de aprendizagem dos alunos. De acordo com sua opinião, marque as alternativas abaixo: (Marque apenas uma opção em cada linha.) (A) Concordo (B) Discordo 94. São localizadas na escola devido à carência de infra-estrutura física e/ou pedagógica. (A) (B) 95. Estão relacionadas aos conteúdos curriculares que são inadequados às necessidades dos alunos. (A) (B) 96. São decorrentes do ambiente de insegurança física da escola. (A) (B) 97. Encontram-se na escola que oferece poucas oportunidades de desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno. (A) (B) 98. Estão relacionadas ao não cumprimento do conteúdo curricular. (A) (B) 99. Relacionam-se à sobrecarga de trabalho do(as) professores(as), dificultando o planejamento e o preparo das aulas. (A) (B) 100. São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula. (A) (B) 101. Ocorrem devido ao baixo salário dos professores que gera insatisfação e desestímulo para a atividade docente. (A) (B)
266
102. Originam-se no meio em que o aluno vive. (A) (B) 103. São decorrentes do nível cultural dos pais dos alunos. (A) (B) 104. Estão relacionadas à falta de assistência e acompanhamento da família nos deveres de casa e pesquisas dos alunos. (A) (B)
105. Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno. (A) (B) 106. Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno. (A) (B) 107. Estão vinculadas à baixa auto-estima dos alunos. (A) (B) 108. Você está satisfeito(a) com sua profissão de professor? (A) Sim. (B) Não. 109. Por quanto tempo você ainda planeja continuar ensinando? (Marque apenas UMA opção) (A) Enquanto fisicamente eu for capaz. (B) Até completar o meu tempo para aposentadoria. (C) Continuarei ensinando até que apareça algo melhor. (D )Certamente deixarei a profissão em dois anos. 110. Você pretende mudar de escola? (A) Sim. (B) Não. 111. Você está satisfeito(a) com seu salário como professor(a)? (A) Sim. (B) Não. 112. Algumas vezes, no último ano, você sentiu que é perda de tempo tentar dar o melhor de si para ser um bom professor? (A) Sim. (B) Não. 113. Se você pudesse voltar atrás no tempo, você faria opção pelo magistério novamente? (A) Sim. (B) Não. 114. Se seu filho optasse por seguir a carreira de magistério, você ficaria satisfeito(a)? (A) Sim. (B) Não. A seguir apresentamos questões sobre você e seu trabalho. Leia cada frase e marque, entre as alternativas: (o que for mais de acordo com sua realidade) zero (0) - significa discordo totalmente, ou não se aplica a mim; cinco (5) – concordo totalmente; opções entre zero e cinco como graduações entre os dois sentidos. 115. Eu me sinto muito cheio de energia. .. .. .. .. .. .. .. 116. Eu me sinto esgotado ao final de um dia de trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 117. Sinto que a minha clientela me culpa por alguns dos seus problemas. .. .. .. .. .. .. .. 118. Eu me sinto estimulado depois de trabalhar lado a lado com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 119. Eu me sinto como se estivesse no final do meu limite. .. .. .. .. .. .. .. 120. No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com muita calma. .. .. .. .. .. .. .. 121. Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 122. Eu me sinto frustrado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 119. Eu me sinto como se estivesse no final do meu limite. .. .. .. .. .. .. .. 120. No meu trabalho, eu lido com os problemas emocionais com muita calma. .. .. .. .. .. .. ..
121. Eu me sinto emocionalmente exausto pelo meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 122. Eu me sinto frustrado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 123. Trabalhar diretamente com pessoas me deixa muito estressado. .. .. .. .. .. .. .. 124. Eu me sinto esgotado com meu trabalho. .. .. .. .. .. .. .. 125. Posso criar facilmente um ambiente tranqüilo com a minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 126. Sinto que estou influenciando positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho. .. .. .. .. 127. Não me importo realmente com algumas pessoas da minha clientela.. .. .. .. .. .. 128. Sinto que estou trabalhando demais no meu emprego. .. .. .. .. .. .. .. 129. Trato de forma adequada os problemas da minha clientela. .. .. .. .. .. .. .. 130. Eu me sinto cansado quando me levanto de manhã e tenho de encarar outro dia de trabalho. 131. Trabalhar com pessoas o dia inteiro é realmente um grande esforço para mim. .. .. .. .. .. .. .. 132. Posso entender facilmente o que sente a minha clientela acerca das coisas. .. .. .. .. .. .. .. 133. Acho que me tornei mais insensível com as pessoas desde que comecei este trabalho. .. .. .. 134. Acho que este trabalho está me endurecendo emocionalmente. .. .. .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. 136. Tenho realizado muitas coisas importantes neste trabalho. .. .. .. .. .. .. ..
267
ANEXO 3 - QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS Pseudônimo:------------------------ ------------------------------ Data:----------/ -----------/ -----------
Perfil Sócio-Econômico da Comunidade
1.Escolaridade do pai: (A) não sabe escrever (B) saber assinar o nome (C) lê e escreve mais ou menos
(D) cursou até a 4a. série (E) cursou até a 8a. série (F) cursou até o 2o. grau (G) Tem curso superior
2.Escolaridade da mãe: (A) não sabe escrever (B) saber assinar o nome (C) lê e escreve mais ou menos
(D) cursou até a 4a. série (E) cursou até a 8a. série (F) cursou até o 2o. grau (G) Tem curso superior
3. Trabalho do pai: (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio) (D) profissional liberal (médico, advogado, engenheiro, psicólogo, programador de sistemas etc) (E) Proprietário (rural, indústria, comércio, escola, loja de assistência técnica etc)
4. Trabalho da mãe: (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio) (D) profissional liberal (médico, advogado, engenheiro, psicólogo, programador de sistemas etc) (E) proprietário (rural, indústria, comércio, escola, loja de assistência técnica etc) (F) trabalha em casa
5. Você se considera: (A) Branco(a). (B) Pardo(a). (C) Preto(a). (D) Amarelo(a). (E) Indígena.
6. Você trabalha? (A) Sim (B) Não Qual o ramo? (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio)
7. Se você tem irmão(os) que trabalha(m)? (A) Sim (B) Não Qual o ramo? (A) empregado do setor primário (trabalhador rural) (B) empregado do setor secundário (trabalhador da indústria) (C) empregado do setor terciário (trabalhador do comércio) (D) profissional liberal (médico, advogado, engenheiro, psicólogo, programador de sistemas etc) (E) Proprietário (rural, indústria, comércio, escola, loja de assistência técnica etc)
8. Renda familiar (pai + mãe + filhos) (A) Até R$ 240,00. (B) De R$ 241,00 a R$ 480,00. (C) De R$ 481,00 a R$ 960,00. (D) De R$ 961,00 a R$ 1440,00. (E) De R$ 1441,00 a R$ 2160,00. (F) R$ 2161,00 ou mais
Perfil da relação dos alunos com a comunidade
9. Nasceu no distrito? ( ) Você ( ) Seu pai
( ) sua mãe ( ) Seus avós maternos ( ) Seus avós paternos
10. Se você nem sua família nasceram no distrito, porque foram morar aí?
268
11. Você sabe o qual a origem do nome do distrito
12. Você sabe o qual o significado do nome do distrito?
13. Você conhece a história do distrito? () Sim () Não
14. Como é composta a população do distrito [Conforme a quantidade de pessoas de cada grupo, numere de 1 a 5. Exemplo: têm mais brancos (5), depois amarelos (4), depois pardos (3), um pouco de pretos (2) e alguns indígenas (1)] ( ) Brancos. ( ) Pardos. ( ) Pretos. ( ) Amarelos. ( ) Indígenas.
15. Qual(is) a(s) origem(ns) dos primeiros moradores do distrito? () Portugueses () Italianos () Japoneses () Alemães () Outros. Cite ________________________
16. Você conhece algum folclore (alguma estória, lenda, supertição) característica dos moradores do distrito? (estórias contadas pelos pais, avós, etc). Qual(is)?
17. Qual é atualmente, na sua opinião, a pessoa mais importante que mora no distrito?
18. Para você, qual foi no passado, a pessoa mais importante que morou ou ainda mora no distrito?
19. Quem você acha que é a pessoa mais importante para o distrito?
20. A comunidade promove alguma festa local? () Não () Sim Se sim, quantas são e quais são?
21. Você e/ou sua família costumam participar ativamente (ou trabalhar) nestas festas? () Não () Sim Se sim, como?
22. Que opções de lazer existem para os jovens da comunidade? (A) praças de esporte (B) salão de jogos (pingue-pongue, pebolim, damas, xadrez, dominó etc) (B) clube(s) (C) bares, lanchonetes (D) biblioteca, videoteca (E) campeonatos locais De quê?
23. Que outras atividades de lazer você encontra no distrito? (A) festas promovidas por amigos (B) festas promovidas pela igreja (C) festas promovidas pela escola (D) passeios para outras localidades (E) praça ou jardim onde os jovens se encontram para conversar, paquerar (F) outros (cite, rapidamente)
24. Que outras atividades de lazer você gostaria que houvesse na localidade?
25. Sua escola costuma promover algum tipo de festa ou atividade extra-escolar? (maratona, jogos, competições, festivais, etc). () sim () não Se sim, que tipo? Os alunos costumam trabalhar na organização destes eventos? Como?
269
Você gosta de trabalhar (ajudar) nestes eventos?
26. Na sua opinião, qual a atividade mais importante para as pessoas que moram no distrito?
Perfil da relação dos alunos com a escola
27. Seu pai (ou sua mãe) conhece o(a) diretor(a) da escola? () sim () não
28. Seu pai (ou sua mãe) conhece algum professor(a)? () sim () não
29. Seu pai (ou sua mãe) conhece um ou mais de seus amigos da escola? () sim () não
30. Para você, qual a importância da escola? (pode ter uma ou mais respostas) (A) Um lugar onde aprendo sempre coisas novas (B) Um lugar onde faço muitos amigos (C) Um lugar onde recebo educação, aprendo a me comportar (D) Um lugar onde me preparo para o futuro (E) Um lugar onde vou apenas porque sou obrigado
31. Você gosta de ir à escola? () Sim, gosto muito. () Sim, mas às vezes é chato. () não, se não precisasse, não iria.
32. Você acha que a escola é bem cuidada, bem conservada? () sim () não
33. Sua escola é um lugar seguro? () sim () não
34. Você já sofreu algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não
35. Você já viu alguém sofrer algum tipo de violência dentro da escola? () sim () não
36. Sua escola j’á foi roubada ou depredada (estragada, danifica, pixada)? () sim () não
37. Sua escola tem guarda, vigia ou um zelador residente? () sim () não
Perfil didático/motivadora da relação profess or-aluno
38. Você gosta de seus professores? () sim, da maioria () não, da maioria
39. Qual professor(a) você gosta mais? Porquê? (pode ter uma ou mais respostas) (A) Sua aula é divertida (B) É bravo(a) (C) Ensina bem (D) Não é bravo(a) (E) É sério(a) (F) É exigente (F) Sempre responde quando os alunos perguntam alguma coisa (G) Não deixa a classe fazer bagunça (H) Dá pouca lição ( I ) Outro motivo. Qual?-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
40. Qual professor(a) você menos gosta? Porquê? (pode ter uma ou mais respostas) (A) Sua aula é chata (B) é bravo(a) (C) É sério(a) (D) É exigente (E) Nunca responde quando os alunos perguntam alguma coisa (F) Não deixa a classe fazer bagunça (G) Dá muita lição (H) Faz o aluno ler muito ( I ) Outro motivo. Qual? _________________________________________________________________________-
41. Em qual disciplina (matéria) o professor faz você ler mais?
270
42. O que você gosta mais de ler na escola? 43. O que menos você gosta de ler na escola?
44. Se você não gosta de ler nada, diga porquê. Não gosto de ler de jeito nenhum, porque
O que você costuma ler fora da escola: (Marque apenas uma opção em cada linha) (A) Sempre ou quase sempre (B) De vez em quando (C) Nunca ou quase nunca 45. Gibi, revista em quadrinhos (A) (B) (C) 46. Jornal, revistas diversas (A) (B) (C) 47. Bíblia (A) (B) (C) 48. Livros da escola (A) (B) (C) 49. Livros para diversão (romances, contos, poesias) (A) (B) (C) 50. Folhetos de anúncios (lojas, supermercados) (A) (B) (C) 51. Manuais de aparelhos domésticos (TV, vídeo, rádio, microondas etc) (A) (B) (C) 52. Manuais explicativos de brinquedos (ensinas as regras ou como montar) (A) (B) (C)
Quanto às frases abaixo, indique sua opinião? (A) Concordo (B) Discordo 53. Sinto que sou parte importante desta escola. (A) (B) 54. Acho que a diretora é a pessoa mais importante desta escola. (A) (B) 55. Acho que as professoras são importantes na escola. (A) (B) 56. Acho as serventes importantes na escola. (A) (B) 57. Acho as secretárias importantes na escola. (A) (B) 58. O(a) diretor(a) sempre comunica sobre qualquer atividade/necessidade da escola. (A) (B) 59. O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos alunos na limpeza e conservação da escola. (A) (B) 60. O(a) diretor(a) ou professores sempre pedem colaboração dos pais na limpeza e conservação da escola. (A) (B) 61. Os pais são sempre comunicados sobre as atividades na escola. (A) (B) 62. Os pais são sempre convidados a participar das atividades na escola. (A) (B) 63. Acho a maioria dos funcionários da escola competentes. (A) (B) 64. O(a) diretor(a) é rígido(a) quanto às normas de disciplina na escola. (A) (B) 65. O(a) diretor(a) solicita presença dos pais nos casos de indisciplina. (A) (B) 66. As regras de disciplina tornam a escola um lugar agradável. (A) (B) 67. As regras de disciplina tornam a escola um lugar desagradável. (A) (B) 68. Nunca fui repreendido na escola. (A) (B) 69. Já fui repreendido e me achei injustiçado. (A) (B) 70. Já fui repreendido, mas achei a repreensão justa. (A) (B)
NAS AULAS LÍNGUA PORTUGUESA DESENVOLVO ATIVIDADES COMO: (MARQUE APENAS UMA OPÇÃO EM
CADA LINHA.)
(A) SEMPRE OU QUASE SEMPRE (B) DE VEZ EM QUANDO (C) NUNCA OU QUASE NUNCA
71. Copiar textos extensos do livro didático ou do quadro de giz (quadro negro ou lousa). (A) (B) (C) 72. Copiar da lousa (ou quadro negro) textos curtos do livro didático e/ou de outras fontes. (A) (B) (C) 73. Conversar (ou debater) sobre assunto dos textos de jornais e revistas. (A) (B) (C) 74. Analisar a gramática dos textos de jornais e revistas. (A) (B) (C) 75. Fazer exercícios sobre gramática relacionados com textos de jornais ou revistas. (A) (B) (C) 76. Automatizar o uso de regras gramaticais. (A) (B) (C) 77. Ler, discutir com colegas e escrever textos relacionados com assuntos discutidos em sala de aula. (A) (B) (C) 78. Ler e discutir contos, crônicas, poesias ou romances. (A) (B) (C) 79. Usar contos, crônicas, poesias ou romances para exercitar aspectos da gramática. (A) (B) (C) 80. Discutir um texto, explorando as diferenças entre fatos e opiniões. (A) (B) (C) 81. Jogos, brincadeiras, palavras cruzadas, advinhas, usando livros, jornais ou revistas, ou outras fontes. (A) (B) (C)
82. O PROFESSOR DÁ LIÇÃO OU TRABALHOS PARA FAZER EM CASA? (A) SIM. (B) NÃO.
83. O professor cobra as lições ou trabalhos solicitados? (A) Sim. (B) Não. 84. O professor dá pontos na nota para quem faz os trabalhos? (A) Sim. (B) Não. 85. O professor tira pontos de quem não cumpre as t arefas solicitadas? (A) Sim. (B) Não.
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