do direito À vida e À morte: o autoaniquilamento … · contribuições teóricas da seara do...
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DO DIREITO À VIDA E À MORTE: O AUTOANIQUILAMENTO EM
PERSPECTIVA
Igor Domingos de Souza 1
Valdir Aragão do Nascimento2
RESUMO:
O direito à vida é parte constitutiva das prerrogativas legais do ser humano, garantido pelas
constituições em grande parte do mundo moderno. Não obstante, o direito à morte ainda é
um tabu sociocultural em diversas sociedades contemporâneas, especificamente o direito à
morte por meio do suicídio assistido, em casos de doentes terminais e/ou vítimas de
doenças degenerativas e irreversíveis. O artigo aqui apresentado objetiva discutir, à luz das
contribuições teóricas da seara do Direito, da Sociologia, da Antropologia e da Filosofia, as
principais questões atinentes ao tema em análise. Como metodologia, utilizou-se a
pesquisa bibliográfica e documental. A interpretação dos dados prospectados deu-se a
partir do referencial teórico dos campos do conhecimento supracitados. Conclui-se que o
direito à morte digna ainda é matéria controversa em várias regiões do mundo, inclusive no
Brasil, onde as práticas voltadas ao suicídio assistido e demais práticas de
autoaniquilamento não são aceitas pelo ordenamento jurídico. Em que pese às opiniões
contrárias ao ato de autoaniquilamento, motivado pelos problemas acima descritos, este se
efetiva à revelia do Estado. Nesse sentido, são frequentes os casos de suicídio praticados
por doentes terminais, por aqueles condenados a uma vida vegetativa devido a doenças
degenerativas, ou mesmo a morte facilitada por parentes que cedem às súplicas dos
moribundos; dentre tantos outros exemplos que demonstram que a solicitação de
autorização ao Estado para legitimar o ato não passa de uma concessão respeitosa que os
requerentes fazem à sociedade a qual pertencem. Solicita-se a autorização por respeito ou
deferência, muitas vezes inconscientes, às instituições sociais, quando tal autorização é
negada, a desobediência civil é acionada.
Palavras-chave: Direito; Autoaniquilamento; Vida e Morte
Grupo De Trabalho 9. Direito Penal, Criminologia E Direitos Humanos
1 Mestre e Doutorando em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-
Oeste PPGSD/UFMS; Graduado em Tecnologia em Radiologia (UNIGRAN).
2 Doutorando em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste PPGSD/UFMS – Bolsista
Capes; Mestre em Antropologia Sociocultural (PPGAnt/UFGD); Bacharel em Ciências Sociais (UFMS).
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1 INTRODUÇÃO
A constituição brasileira considera a vida como um bem e um direito fundamental
de todo ser humano, dado que sem vida não existiria razão em reclamar outros direitos,
como observa Trindade (1993, p. 71): “[...] o gozo do direito à vida é uma condição
necessária do gozo de todos os demais direitos humanos”. Nesse sentido, complementa
Moraes (2000, p. 61) “[...] o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que
se constitui em pré-requisito a existência e exercício de todos os demais direitos.” A esse
autor, cabe a menção de que ele observa que “A Constituição Federal proclama, portanto, o
direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira
relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à
subsistência.” (MORAES, 2000, p. 62). Assim, não é apenas viver por viver, mas viver
com dignidade.
Todo ser humano tem direito à vida, mas não somente a uma vida vegetativa, sem
propósito ou possibilidade de realização pessoal; mas vida em sua plenitude e dignidade. O
acordo cuja anuência foi ratificada pela XXI sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas, traz como pontos fulcrais as seguintes deliberações: “1. O direito à vida é inerente
à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser
arbitrariamente privado de sua vida” (PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
CIVIS E POLÍTICOS, 1966, Parte III, art. 6).
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 5º, o direito à vida a todos os
brasileiros e aos estrangeiros que residam no Brasil: “Art. 5º. Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade.” Assim, a vida – inclusive a uterina – é protegida pela Carta Magna
brasileira.
Desse modo, tem-se que a vida constitui o bem maior do ser humano, bem
inalienável e, portanto, incapaz de ser transmitido a outrem. Contudo, a vida não é um bem
do qual seu “proprietário” pode dispor a seu bel-prazer, como, por exemplo, os casos de
doenças terminais ou incapacitações permanentes (com restrição parcial ou total de
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movimentos). Uma situação hipotética em que um indivíduo, vitimado por um acidente,
torna-se tetraplégico e, diante da incapacidade de continuar vivendo como antes, decide
matar-se, mas para isso necessita de autorização do Estado, que a nega veementemente. O
corpo, e a vida, do individuo não lhe pertencem, dado que deles não pode dispor, ou
indispor, como lhe aprouver. Pertence-lhe o direito de viver, não o de morrer; ainda que a
condição de tetraplégico lhe conceda apenas uma vida limitada.
É correto o Estado legislar sobre a vontade do homem dessa maneira? Forçando-o a
uma existência destituída de toda sorte de realizações: afetivas; profissionais ou quaisquer
outras que a limitação física imposta possa ensejar? Aqui, a dignidade da pessoa humana é
o problema, posto que esta é violada em sua premissa de que todo homem é fim em si
mesmo, não um meio para os fins (KANT, 2005). O Estado utiliza o homem como um
meio para atingir um fim. Assim, negar a solicitação de um indivíduo no sentido de este
poder dar fim a própria vida, dado que esta se configura insuportável em face às
insuficiências que apresenta, é demonstrar o poder do Estado sob os indivíduos; poder de
legislar sobre a vida e a morte; sobre as vontades e sobre os corpos.
Mas ao homem cabe ainda a desobediência civil como forma de protesto, de
insurreição e de insatisfação contra as injunções do Estado, que perpetra leis que por vezes
são afrontas veladas aos direitos da coletividade, sejam estes civis, políticos ou sociais das
pessoas (THOREAU, 2002). Nessa situação hipotética, qual seria a estratégia a ser adotada
como forma de desobediência civil? O suicídio. Este, dependendo da situação que o motiva
ou justifica, tem outras denominações, tais como eutanásia e morte assistida.
2 EUTANÁSIA, DISTANÁSIA, ORTOTANÁSIA E MORTE ASSISTIDA:
CONCEITOS E ELUCUBRAÇÕES
[...] é preciso, antes de tudo, proteger a vulnerabilidade da
humanidade e ao dever de viver, acrescer e direito de
morrer.
Hans Jonas, Filósofo Alemão.
Eutanásia consiste em, de forma deliberada, provocar a morte de alguém que está
passando por intenso sofrimento: doentes terminais; vítimas de doenças degenerativas que
causam enormes dores, ou incapacidade mental e física progressiva. Pode ser interpretada
como um ato de comiseração, de humanidade, visto que poria fim a um sofrimento atroz
que se arrastaria por longos períodos até culminar com a morte. Proposto pelo filósofo e
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ensaísta inglês Francis Bacon em 1623, o vocábulo tem origem grega, especificamente da
expressão euthanatos, em que eu tem por significado bom ou boa, e thanatos significa
morte. Desse modo, etimologicamente, seu significado pode ser entendido como boa
morte, ou morte tranquila, morte apropriada ou morte piedosa (OLIVEIRA, 2009). Ou,
como definiam Royo-Villanova e Morales “boa morte, morte fácil, morte doce, sem dor
nem sofrimentos; morte grata, teologicamente, morte em estado de graça”. Para Bacon,
essa prática se afigurava como uma forma correta de lidar com indivíduos portadores de
doenças incuráveis (BACON, 1623). O autor deixa claro sua posição a favor da eutanásia
que assevera “a meu ver eles (médicos) deveriam possuir a habilidade necessária a
dulcificar com suas mãos os sofrimentos e a agonia da morte.”
De acordo com Oliveira (2009), a eutanásia tem as seguintes classificações:
Espontânea ou Libertadora: ocorre quando o enfermo incurável
provoca a morte por próprios meios; Ativa: ocorre quando consiste no
ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins
misericordiosos; Passiva: ocorre quando a morte do paciente ocorre,
dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma
ação medica ou pela interrupção de uma medida extraordinária;
Voluntária: ocorre quando a morte é provocada atendendo a vontade do
paciente; Involuntária: ocorre quando a morte é provocada contra a
vontade do paciente; Não voluntária: caracterizada pela inexistência de
manifestação da posição do paciente em relação a ela; De Duplo Efeito:
acontece quando a morte é acelerada como uma consequência indireta
das ações médicas, que são executadas visando o alivio do sofrimento de
um paciente terminal; Eugênica: é a eliminação indolor dos doentes
indesejáveis, dos inválidos e velhos, no escopo de aliviar a sociedade do
peso de pessoas economicamente inúteis; Criminal: é a eliminação de
pessoas socialmente perigosas; Experimental: é a eliminação de
determinados indivíduos, com o fim experimental para o progresso da
ciência; Solidarística: é a eliminação indolor de seres humanos no
escopo de salvar vida de outrem; Teológica: é a morte em estado de
graça; Legal: regulamentada ou consentida pela lei; Suicídio– assistido:
auxilio de quem já não consegue realizar sozinho a sua intenção de
morrer. Homicídio: resulta da distinção entre aquela praticada por
médico e a praticada por parente ou amigo. (OLIVEIRA, 2009, p. 18,
grifos no original).
A eutanásia traz em seu bojo questões referentes à ética e à moral, notadamente a
uma espécie de empatia e sentimentalidade muito diversas das praticadas hoje em dia, pelo
menos no Ocidente. Essa diferença abissal em termos de sensibilidade ética pode ser
percebida em alguns exemplos. Dessa maneira, em Esparta era comum, e compulsória, a
prática de lançar em precipícios, para que morressem, os recém-nascidos que apresentavam
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deformações físicas ou outra qualquer que fosse identificada conforme os padrões da época
(PLUTARCO [s.d]). Na Birmânia, os idosos e as pessoas que padeciam de enfermidades
consideradas graves eram enterrados vivos.
Povos sul-americanos de tradição rural, nômades devido às necessidade de
alimentação e condições ambientais, matavam seus anciões e doentes para evitar que estes
fossem devorados por animais selvagens quando era necessário abandoná-los (OLIVEIRA,
2009). O povo celta, à semelhança do de Esparta, eliminava aqueles que nascessem com
deformidades, mas também os velhos e os doentes; os brâmanes adotaram o expediente e
os recém-nascidos defeituosos, eram executados posto que eram reputados como
“imprestáveis aos interesses comunitários”. Na Índia, os incuráveis eram lançavam no rio
Ganges com suas bocas cheias de barro (DINIZ, 2006, p. 386).
Na Idade Média, no decurso dos vários conflitos que tiveram lugar nessa época,
aqueles guerreiros que foram mortalmente feridos durante as batalhas, para que pudessem
escapar à dor e ao sofrimento intensos, era-lhes dado um punhal para que dessem cabo da
própria vida.
Os filósofos Platão, Sócrates e Epicuro eram simpáticos à concepção de que o
suicídio era perfeitamente justificado caso decorre de sofrimento resultante de moléstia
incurável e pungente. Platão era conhecido por incentivar idosos, portadores de moléstias
graves e sem possibilidade de tratamento, a se matarem. Sua justificativa era a de tentar
ajudar a sociedade a progredir, dado que indivíduos com as características mencionadas
constituíam entraves ao desenvolvimento econômico e social da polis. Na opinião de
Platão, a medicina deveria “[...] se ocupar dos cidadãos que são bem constituídos de corpo
e de alma [...], deixando morrer aqueles cujo corpo é mal constituído.” (PLATÃO, 2004, p.
106). A exemplo dele, também Thomas Morus em sua Utopia preconiza a eliminação
daqueles que não contribuem com o corpo social.
Na Grécia e em Roma o suicídio assistido e a eutanásia eram práticas comuns.
Goldim (2016) informa que na cidade de Marselha havia um espaço público em que se
armazenava cicuta, que ficava à disposição de todos aqueles cidadãos que pretendessem se
suicidar. O Senado detinha, em Atenas, a prerrogativa de legislar sobre a vida e a morte de
seus cidadãos, especificamente aqueles adiantados em idade e acometidos de doenças
reputadas como incuráveis. Àqueles que se subjugavam era-lhes ministrado – em
cerimônias preparadas para tal – uma dose letal de uma bebida venenosa (FRANÇA, 2007,
p. 13).
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A propósito da eutanásia praticada pelos gregos, é relevante a contribuição de
Oliveira (2009) sobre a essência que a particularizava: “A eutanásia que os gregos
conheceram, praticaram e da qual se tem provas históricas é a que se chama falsa
eutanásia, ou melhor, dizendo, a eutanásia de fundamento e finalidade puramente
eugênica.”
Outros pensadores da época, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, no entanto, não
compartilhavam dessa posição, esposada por Platão, Sócrates e Epicuro, chegando mesmo
a condenarem publicamente a prática do suicídio em todas as modalidades possíveis.
Hipócrates, conhecido por suas contribuições no campo da pesquisa médica, era
radicalmente contrário à eutanásia, o que pode ser visto no texto do seu juramento: “A
ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda.
Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortífera.” (CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA, 2016).
Portanto, é possível inferir que a eutanásia é uma prática corrente ao longo da
história da humanidade, tendo sido praticada “[...] por gregos; romanos; germanos; sul-
americanos; indianos; celtas; eslovenos entre outros.” (OLIVEIRA, 2009, p. 11-12). No
Brasil, há vários relatos de pesquisadores que abordam a existência do fato. Clastres (1995)
informa que os índios Guayaki, caçadores nômades do Paraguai, tocaiavam os membros
mais velhos da tribo para matá-los, posto que, devido à idade avançada, já não podiam
seguir o ritmo de caminhada dos mais jovens quando estes se deslocavam pelas matas.
Bittencourt (2002 apud OLIVEIRA, 2009) afirma haver casos, no Brasil, em que indígenas
praticavam eutanásia em seus idosos por acreditarem que, por estes não poderem mais
cantar, dançar e participar das festividades eles estavam em profunda tristeza, portanto,
matá-los seria uma maneira piedosa de livrá-los do sofrimento.
Oliveira (2009) assevera que o primeiro registro de caso de eutanásia ocorreu na
Bíblia. De acordo com o texto bíblico, Livro dos Reis, cap. I, parágrafos 9-10, Saul pede a
um amacelita que o mate, haja vista as suas feridas de combate serem mortais, mas lentas
em sua ação. Freud morreu pelas próprias mãos ao injetar veneno em suas veias.
No que diz respeito ao acorrido com o Rei Saul, outra importante figura bíblica da
época, segundo os escritos cristãos, demonstra toda sua reprovação e repulsa contra o ato
perpetrado pelo amacelita, assim sentencia-o à morte ignorando o ato de compaixão para
com Saul. Outra demonstração de comiseração em relação às dores e agonias dos
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momentos que antecedem a morte é o caso de Jesus Cristo, submetido às torturas impostas
pelo processo de crucificação.
Sobre o ocorrido, Oliveira (2009) informa que os soldados romanos deram a Jesus
uma mistura de vinagre e fel para beber, mas ele recusou-se a tomar a beberagem. A
mistura em questão era conhecida como o vinho da morte, por conta de suas potenciais
capacidades venenosas. No entanto, o autor relativiza o ato dos soldados, dando-lhe outra
interpretação: “Apesar da denominação vinho da morte, há quem afirme que o gesto dos
guardas judeus de darem a Jesus uma esponja umedecida de tal mistura, antes de constituir
ato de zombaria e crueldade, teria sido uma maneira piedosa de amenizar seu sofrimento.”
(OLIVEIRA, 2009, p. 13).
Muitos países intentaram legalizar a prática da eutanásia, mas somente na Holanda
a matéria teve sua merecida importância levada em conta pelo sistema legal daquele país.
Desse modo, a eutanásia é admitida, desde que realizada por profissionais devidamente
qualificados, no caso médicos de formação. Outras regiões do globo adotaram a estratégia
de redução das penas relacionadas à eutanásia; países como França e Noruega, ainda que
não permitam a prática em si, isentam de pena aqueles envolvidos em mortes
comprovadamente com fins humanitários.
Na América Latina, segundo Campos e Medeiros (2011), já existem avanços nesse
sentido. Tanto é assim, que o Código Penal da Bolívia, datado de 1935, traz em seu texto a
expressão homicidio piadoso, e dentre as suas recomendações deixa a cargo da
discricionariedade do magistrado a concessão do perdão judicial para a prática de tal ato.
Segue, na integra, o artigo 257 do referido Código:
Art. 257 – (HOMICIDIO PIADOSO). Se impondrá la pena de reclusión
de uno a tres años si para el homicidio fuerem determinantes los móviles
piadosos y apremiantes las instancias del interesado com el fin de acelerar
uma muerte imminente o de poner fin a graves padecemientos o lesiones
corporales probablemente incurables, pudiendo aplicarse la regra del art.
39 y anun concerdese exepcionalmente el perdón judicial. (CAMPOS;
MEDEIROS, 2011, p. 42).
Outro país cuja preocupação com o tema figura em seu diploma legal é o Uruguai,
do qual o Código Penal também preconiza a prática do perdão judicial nos casos
comprovados de homicídio por piedade, de acordo com o explicitado nos artigos 37 e 127
da referido diploma: “Art. 37. Del homicidio piadoso. Los Jueces tienen la facultad de
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exonerar de castigo al sujeto de antecedentes honorables, autor de un homicidio, efectuado
por móviles de piedad, mediante súplicas reiteradas de la víctima”. Já no artigo 127, “Del
perdón judicial. Los Jueces pueden hacer uso de esta facultad en los casos previstos en los
artículos 36, 37, 39, 40 y 45 del Código.” Cabe ressalva o fato de ser o Uruguai o primeiro
país do mundo a legislar sobre a eutanásia, sendo reconhecido mundialmente (CAMPOS;
MEDEIROS, 2011, p. 42).
A exemplo dos países citados, O Código Penal do Peru, conforme as informações
de Campos e Medeiros (2011), traz também no corpo do seu texto jurídico, a possibilidade
do homicídio piedoso, conforme exposto: “Artículo 112.- Homicidio piadoso El que, por
piedad, mata a un enfermo incurable que le solicita de manera expresa y consciente para
poner fin a sus intolerables dolores, será reprimido con pena privativa de libertad no mayor
de tres años.” (CAMPOS; MEDEIROS, 2011, p. 43).
Nesse sentido, é válida a análise de Gomes (2007, p. 1), quando assevera que
“Havendo justo motivo ou razões fundadas, não há como deixar de afastar a tipicidade
material do fato (por se tratar de resultado jurídico não desvalioso).” A conclusão ao autor
é, por ele, estendida tanto para a eutanásia quanto para “[...] a ortotanásia, seja para a
eutanásia, seja para a morte assistida, seja, enfim, para o aborto anencefálico. Em todas
essas situações, desde que presentes algumas sérias, razoáveis e comprovadas condições,
não se dá uma morte arbitrária ou abusiva ou homicida (isto é, criminosa).”
No Brasil, a prática em questão é considerada como um crime, tipificado no Código
Penal em seu artigo 122 (instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio) ou, ainda, em seu
artigo 121, parágrafo 1° (homicídio privilegiado) (GUERRA FILHO, 2005; FIUZA, 2002;
OLIVEIRA, 2009). Portanto, de acordo com o Código Penal brasileiro:
Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de
diminuição de pena: § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo
de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção,
logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a
pena de um sexto a um terço.
Nesse sentido, Gomes (2007 apud MARTINS, 2010) assevera que a exposição de
motivos do Código Penal estabelece, dentre os exemplos aduzidos no texto a respeito do
homicídio privilegiado, a prática de eutanásia. A morte assistida, por seu turno, é reputada
como crime de Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio nos termos do art. 122:
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“Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena -
reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se
da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.”
Já o Código de Ética Médica estabelece o seguinte em suas diretrizes:
Art. 6º. O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana,
atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus
conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio
do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua
dignidade e integridade.
É vedado ao médico: [...]
Art. 66. Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida
do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal.
Fica patente, assim, que a legislação brasileira é contrária à prática da eutanásia.
Fato que não deixa de ser objeto de análise, observação e reprovação daqueles criticam a
posição brasileira diante do debate e das medidas adotadas por outros países. Por conta
disso, alguns críticos consideram a legislação brasileira retrógrada face às de outros
Estados.
Martins (2010) cita como um dos críticos mais mordazes da legislação brasileira o
jurista Walter Ceneviva. Para este pesquisador, é inconcebível a comparação feita entre
eutanásia ativa e passiva, posto que existe uma distinção entre ambas: com bastante clareza
a situação daqueles cuja morte é adiada mediante recursos científicos que prolongam a
vida sem nenhuma utilidade, sem qualquer benefício para o paciente”.
Ceneviva critica o processo em que a tecnologia atual tem colaborado, em sua
opinião, com a manutenção da vida a qualquer custo por meio da parafernália tecnológica:
As atuais máquinas das unidades de terapia intensiva, que mantém a vida
de modo artificial, criaram uma diversa realidade científica, que nada tem
a ver com a eutanásia defendida por Sócrates e Platão, criticada por
judeus e cristãos. O direito precisa adaptar-se a essa realidade. Precisa
encontrar-se com ela, para perceber que os velhos argumentos sobre a
eutanásia estão superados, porque estranhos às novas situações. Acham-
se desajustados das UTIs com seus técnicos, computadores e cateteres
enfiados por todas as artérias dos pacientes. A lei, enquanto direito
escrito, está atrasada. Vem a reboque da ciência. Haverá um momento em
que a legislação terá de atribuir a alguém (ao cônjuge, ao filho mais
velho, ao irmão) o direito e a autoridade de mandar desligar as máquinas. (1985, p. 63).
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Não se questiona o fato de ser a vida um bem jurídico por excelência. Contudo,
como bem observam Noronha (1994) e Oliveira (2009, p, 12) “[...] o conceito de vida não
pode restringir-se meramente à mecanicidade dos movimentos respiratórios e cardíacos.
Ao contrário, devemos entendê-la atrelada a valores de cunho eminentemente subjetivos
como liberdade, qualidade e dignidade.”
Eutanásia e morte assistida não são a mesma coisa. O que caracteriza a morte
assistida é a possibilidade de o doente terminal ser o agente direto de sua própria morte. O
papel daqueles que o assistem é somente secundário, na media em que oportunizam os
instrumentos necessários ao êxito da ação, isto é, para que a morte seja indolor; mas quem
perpetra o ato em última instância é o enfermo. A eutanásia é descartada como hipótese
porque o desejo de morte parte dos pacientes acometidos de afecções fatais, mas com curso
demorado e incerto. A vontade de morrer é do agente que realizará a ação que o levará a
óbito. Assim, tem-se que no caso de morte assistida, é imperioso o conhecimento dos
resultados a serem alcançados, bem como o fato de que a ação tem de ser praticada pelo
paciente. Já a eutanásia é praticada, na maioria das vezes, quando o indivíduo doente já
está inconsciente há muito tempo, em coma e sem possibilidades de regressão do quadro
médico; nesses casos, o consentimento de pessoas da família é o que conta.
O vocábulo distanásia, bem como a prática que o determina, não são conhecidos do
grande público. No entanto, nas áreas afetas à saúde muito se pratica. A definição do termo
carrega em si palavras de conotação negativa, como morte com sofrimento; morte difícil
ou dura, dentre outras. O fato é que a distanásia atua na contramão da eutanásia, posto que
enquanto esta busca livrar o doente terminal das dores que o atormentam, a distanásia quer
prolongar a vida do paciente, em detrimento da qualidade que esta vida venha a ter sob tais
circunstâncias. A vida é prologada fazendo uso de aparelhos e medicamentos que, em
última análise, não têm outra função além de procrastinar o processo de morte. Em suma
“apenas prolonga a vida biológica do paciente, sem qualidade de vida e sem dignidade.”
Nesse sentido, “[...] enquanto, na eutanásia, a preocupação principal é com a qualidade de
vida remanescente, na distanásia, a intenção é de se fixar na quantidade de tempo dessa
vida e de instalar todos os recursos possíveis para prolongá-la ao máximo.” (FELIX et. al.,
2013, p. 2734).
Ainda explorando as contribuições de Feliz et. al. (2013), importa explicar, ou
melhor, ressaltar, que a morte boa, a morte com certa dignidade está intrinsecamente
vinculada ao conceito de ortotanásia. Esta, por sua vez, tem por significado a morte
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correta, ou morte de maneira correta; evoca o desejo de oferecer àquele que sofre com a
iminência do fim de sua vida um pouco de alento, de alívio e dignidade nos seus últimos
momentos. É, segundo Junges (2010) e Felix et. al. (2013, p. 2734), a tradução de uma
“morte desejável na qual não ocorre o prolongamento da vida artificialmente, através de
procedimentos que acarretam aumento do sofrimento, o que altera o processo natural do
morrer.”
Dessa maneira, a ortotanásia propicia àquele acometido de enfermidade, cujo
desdobramento é a morte inevitável, ser atendido por profissionais que tenham o
compromisso ético no tocante aos cuidados e procedimentos que caminham no sentido de
oferecer ao moribundo uma “morte sem sofrimento, que dispensa a utilização de métodos
desproporcionais de prolongamento da vida, tais como ventilação artificial ou outros
procedimentos invasivos.” Portanto, na ortotanásia, “A finalidade primordial é não
promover o adiamento da morte, sem, entretanto, provocá-la; é evitar a utilização de
procedimentos que aviltem a dignidade humana na finitude da vida.” (FELIX et. al., 2013,
p. 2743).
Nesse prisma, é forçoso reconhecer as diferenças existentes entre “direito à
deliberação da morte e o privilégio à morte digna.” Portanto, a capacidade de tomar
decisões acerca da morte está intrinsecamente associada à eutanásia, que tem por
significado inerente o auxílio ao suicídio, por meio de ações que possam ocasionar a
extinção biológica do ser. Por outro lado, analisa Junges (2010) e Felix et. al (2013) “o
direito de morrer de forma digna diz respeito a uma morte natural, com humanização, sem
que haja o prolongamento da vida e do sofrimento, através da instituição de intervenções
fúteis ou inúteis, que se reporta à distanásia” (JUNGES, 2010 apud FELIX et. al., 2013, p.
2734).
3 O DIREITO DE MORRER: O CASO RAMON SAMPEDRO
Ramón Sampedro foi um mecânico de barcos de origem espanhola. Por conta de
sua profissão, viajava o mundo todo, e gostava imensamente disso. Gostava da sensação de
liberdade, de poder ir e vir a qualquer hora e para qualquer lugar. No entanto, sua realidade
mudou quando em 23 de agosto de 1968, ficou irreversivelmente tetraplégico devido a um
mergulho malsucedido que realizou. “Do alto de um rochedo, quando a maré havia
retraído, chocou a cabeça com a areia, passando a sofrer de uma lesão medular, resultado
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da fratura da sétima vértebra cervical, denominada “C-7” (DA SILVA, 2011, p. 18).
Quando isso aconteceu, Ramón estava com 26 de idade. O acidente representou para ele o
fim de uma vida que ele amava, cheia de novidades estéticas, descobertas em cada porto
em que atracava, cheia dos prazeres que a vida de uma marinheiro solteiro oportuniza.
A junta médica que o atendeu, diante do quadro que ele apresentava, deu-lhe o
prognóstico fatídico: de 3 a 5 anos de sobrevida. Face às limitações que a sua nova
condição lhe impunha, Ramón aceitou de bom grado sua sentença, e aguardou o dia final.
Mas este dia não veio como esperado e vaticinado pelos médicos. Buscou em 1987, de
livre e espontânea vontade, uma instituição que acolhia deficientes, mas não era feliz lá.
Passados alguns anos depois do prazo expirado, e não suportando sua condição de
tetraplégico, solicitou à Asociación Española pro Derecho a Morir Dignamente (DMD) o
direito de morrer, posto que a vida como se lhe afigurava não lhe era desejável.
Sua luta com a justiça levou cinco anos, até que decidiram por não aprovar seu
pedido e recusaram-lhe o direito de praticar a eutanásia ativa voluntária. O argumento para
a recusa era que a lei espanhola tipificava o ato em questão como homicídio. Ramón
apelou algumas na tentativa de mudar a decisão da corte, mas foi em vão. Manifestou sua
indignação em seu livro Cartas do Inferno “[...] se eu fosse um animal teria recebido um
tratamento de acordo com os sentimentos humanos mais nobres. Teriam posto fim a minha
vida porque pareceria desumano deixar-me neste estado pelo resto da vida” (SAMPEDRO,
2006, p. 17).
Depois de 29 anos de sofrimento, decidiu agir à sua maneira e, com o auxílio de
amigos planejou sua morte cautelosamente, sempre preocupado em não deixar
possibilidades na sua ação para que sua família ou amigos fossem culpabilizados. No dia
15 de janeiro do ano de 1998 faleceu, tendo sido encontro em seu leito por uma das
mulheres, dente as suas amigas, que lhe prestavam auxílio, já que sua condição o
impossibilitava totalmente. O exame necroscópico revelou traços de cianureto em seu
cadáver, tendo este veneno causado sua morte. Os amigos e parentes foram colocados sob
suspeição, mas um vídeo gravado pelo próprio Ramón isentava a todos de qualquer culpa
e/ou participação em seu ato. Na gravação fica evidente a colaboração dos amigos na sua
morte, já que ele não podia se mover, quem preparou o cianureto e o deixou ao alcance de
sua boca, bem próximo à cama? Mas as últimas palavras de Ramón deixam bem claro de
quem fora a decisão de pôr fim a sua vida: dele mesmo, posto foi ele quem efetuou a ação
de sugar, por meio de um canudo, o conteúdo disposto no copo.
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Yo acudí a la justicia con el fin de que mis actos no tuviesen
consecuencias penales para nadie. Llevo esperando cinco años. Y como
tanta desidia me parece una burla, he decidido poner fin a todo esto de la
forma que considero más digna, humana y racional. Como pueden ver, a
mi lado tengo un vaso de agua conteniendo una dosis de cianuro de
potasio. Cuando lo beba habré renunciado -voluntariamente - a la
propiedad más legítima y privada que poseo; es decir, mi cuerpo.
También me habré liberado de una humillante esclavitud -la tetraplegia -.
A este acto de libertad -con ayuda - le llaman Vds. cooperación en un
suicidio -o suicidio asistido -. (SAMPEDRO apud DA SILVA, 2009, p.
97).
A repercussão do caso atingiu proporções internacionais, sendo divulgado em
vários meios de comunicação, bem como debatido o direito à vida e à morte por parte dos
cidadãos. Apesar do vídeo deixado por Ramón, a polícia indiciou sua amiga por homicídio.
No entanto, graças a um movimento internacional encabeçado por inúmeras pessoas ao
redor do mundo, o caso foi arquivado. As pessoas quando souberam que a amiga de
Ramón estava sendo incriminada, começaram a enviar de diversas partes do mundo cartas
em que alegavam terem sido elas as responsáveis pela morte, diante da impossibilidade de
apurar tantas declarações de culpa, encerram o caso. A história ganhou as telas do cinema,
tendo como protagonista o ator espanhol Javier Bardem, interpretando no filme Ramón
Sampedro. O filme foi intitulado Mar Adentro, título homônimo de um poema escrito por
Ramón. O poema traduz a angústia de uma vida vivida sem vontade, sem prazer, sem
realizações.
MAR ADENTRO (Ramón Sampedro)
Mar adentro,
mar adentro.
Y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.
Un beso enciende la vida
con un relámpago y un trueno
y en una metamorfosis
mi cuerpo no es ya mi cuerpo,
es como penetrar al centro del universo.
El abrazo más pueril
y el más puro de los besos
hasta vernos reducidos
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en un único deseo.
Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras
‘más adentro’, ‘más adentro’
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.
Pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto,
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos.
Estudada por pesquisadores da área de epidemiologia, a questão que envolve o
autoextermínio, o suicídio, em portadores de lesões medulares altamente incapacitantes,
evidenciou um considerável recrudescimento no tocante à população em geral. Em várias
partes do mundo muitos outros casos foram relatados, trazendo à baila a discussão sobre o
tema. Contudo, o ter dos discursos são confusos, talvez devido às ambiguidades que
conceituais que particularizam o suicídio assistido e a eutanásia.
A posição adversa às práticas da eutanásia e do suicídio assistido não deve ser
reputada como algo que venha a pôr obstáculos à discussão do tema por parte da
sociedade, principalmente se for considerada uma condição “a priori” de uma concepção
de caráter interdito ou de viés meramente preconceituoso. Tal interpretação tende a refletir
negativamente no que diz respeito a proposições efetivas na esfera dos direitos humanos.
De acordo com Horta “[...] quando a vida física é considerada o bem supremo e absoluto,
acima da liberdade e da dignidade, o amor natural pela vida se transforma em idolatria”
(apud DA SILVA, 2011, p. 11).
Assim, diante da complexidade do tema, faz-se necessário ponderar as regras e os
princípios que tendem a ser negociados e compartilhados no processo dialético de
entendimento recíproco, considerando que o exercício do direito à autonomia da vontade,
no que tange ao plano de vida e ação pelo paciente. O fato em si “gera deveres e
obrigações de respeito ao princípio da dignidade da natureza humana, para que não
estejamos gerando e perpetrando “mortos-vivos” e consequentemente tensão social diante
da realidade.” (DA SILVA, 2001, p. 11).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Como bem observou Sampedro, a vida é um direito e não uma obrigação. Mas no
ordenamento jurídico de muitos países, esse direito não é considerado nos termos de
Ramón, sendo criminalizados aqueles que ajudam doentes terminais ou outras pessoas
portadoras de condições incapacitantes. A questão do direito à vida e à morte levanta
questões complexas no campo da ética e da moral. Questões que nem sempre são
respondidas a contento, e quando há respostas ou elucubrações convincentes, com o tempo
elas acabam por ser substituídas por dúvidas e incerteza teóricas mais complexas.
A vida é um valor para o indivíduo, tendo ele a liberdade de gozá-la como melhor
lhe aprouver. Mas se essa vida perde o sentido para o indivíduo, devido a uma doença
degenerativa ou, no caso de Ramón Sampedro, um acidente grave que lhe tire os
movimentos, tem esse indivíduo o direito de acabar com sua própria vida? Sim.
O Estado nega ao indivíduo o direito de legislar sobre a própria morte por medo de
perder o monopólio que tem sobre os corpos de seus cidadãos. Mas é um controle ilusório,
o homem é livre também nesse sentido, contrariando os desígnios dos Estados. Ramón
subverteu a corte espanhola, mostrando a eles que não precisava, em última análise, de sua
autorização para matar-se; como não solicitam autorização os muitos suicidas que
resolvem dar fim ás suas vidas todos os dias.
Numa análise prática, solicitar a autorização de uma corte para poder provocar a
própria morte é meramente um ato político, uma concessão respeitosa à sociedade e suas
leis. As farmácias estão repletas de drogas que, na quantidade certa, provocam o efeito
desejado e indolor. O estado, quando instado a decidir, se arvora o direito sobre a vida e a
morte; não levando em conta a vontade do indivíduo. Este, quando realmente decidido, não
precisa de autorização, basta apenas coragem – ou uma dose equivalente de desespero.
As sociedades ao redor do mundo reconhecem o direito à morte, haja vista o caso
de Sampedro e a campanha de cartas feitas em favor da amiga que o ajudou a realizar seu
desejo. Mas a corte espanhola não pensa da mesma maneira, o que demonstra uma
incongruência entre o que pensam os governados e o que decidem os governantes, não há
consenso na matéria. No que diz respeito à consulta popular para decidir acerca da prática
da eutanásia, do suicídio assistido ou outra modalidade de dar fim a própria vida, foi
realizado em 2008 no Brasil por meio do instituto Datafolha uma pesquisa em o objeto era
a aceitação da eutanásia no país. Do resultado, emergiram os seguintes números: 57% dos
brasileiros demonstraram-se contra a prática da eutanásia; somente 36% posicionaram-se a
favor do procedimento, ainda assim em casos específicos. Poder-se-ia concluir, face aos
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resultados da pesquisa, que o suicídio, seja quais forem sua justificativa e circunstâncias,
não é bem aceito por grande parte dos brasileiros (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008).
Contudo, dada a reconhecida capacidade de manipulação de informação desses
institutos, bem como a falibilidade de suas metodologias e subserviência dos donos do
poder, principalmente os do político-econômico, instala-se a suspeição a respeito dos
resultados dessa pesquisa. Se a amostra foi recolhida em estratos religiosos da população, a
metodologia possui um viés negativo; se foi realizada somente com indivíduos saudáveis,
outro viés negativo. É muito fácil opinar sobre o que não se conhece a fundo. Qual seria o
resultado se a pesquisa tivesse como objeto os pacientes terminais; ou indivíduos
portadores de moléstias incapacitantes e/ou degenerativas?
Entretanto, é necessário discutir até que ponto a estrutura social das sociedades
estão preparadas para uma eventual aceitação da eutanásia por parte de seus cidadãos.
Quais as possíveis consequências de uma eventual legalização da eutanásia ou do suicídio
assistido? Haveria solicitação de suicídio por razões banais? Pessoas erradamente
diagnosticadas com doenças letais, morreriam em vão se optassem pelo suicídio? As
questões são muitas e complexas, mas são necessárias as discussões a respeito, coisa que
não tem sido feita com seriedade (DWORKIN, 2003).
A questão é matizada por muitas variáveis, tais como as religiosas, as filosóficas, as
socioculturais e políticas. A complexidade é própria de um tema tão polêmico, mas o é
somente no campo das teorias que se ocupam dos pormenores éticos, legais e/ou morais do
assunto. No terreno da realidade prática, a coisa é bem mais simples, ou simplificada.
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