diversidade cultural para um desenvolvimento … · e promoÇÃo da diversidade das expressÕes...
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DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL: CONTRIBUIÇÕES DA CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO
E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS
CAROLINA MANZANO1
Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas ao campo cultural,
buscando uma participação ativa de seus agentes e uma visão voltada para a
multiplicidade cultural e étnica presente na América Latina. Em paralelo, observa-se o
crescimento de diretrizes e projetos que visam um desenvolvimento sustentável amplo e
justo. Com base nessas premissas, pretende-se analisar, através das perspectivas dos
objetivos da Agenda 2030, as contribuições da Convenção para a Proteção e a Promoção
da Diversidade das Expressões Culturais adotadas pela Unesco em 2005, para a temática
do desenvolvimento sustentável
INTRODUÇÃO
A dilatação da noção de cultura e patrimônio desde o final do século XX, tem
gerado a emergência dos bens simbólicos à condição de patrimônio e estimulado,
minorias e grupos étnicos, a reivindicarem e reconhecerem seus próprios referenciais
culturais e identitários. Em contrapartida, no mesmo período, a questão ambiental toma
força influenciada pelo período pós 2º Guerra Mundial com o medo nuclear, o
crescimento desenfreado de países desenvolvidos, a poluição urbana, agrícola e
industrial, e com movimentos de contracultura nos EUA.
Novos estudos acerca do meio ambiente e do desastre ambiental, causados pelos
modelos de industrialização dos países desenvolvidos, crescem. Surge então uma
preocupação com o desenvolvimento de países emergentes.
É dentro desse contexto de discussões que os dois documentos trabalhados nesse
artigo se situam. A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais adotada pela Unesco em 2005, e a Agenda 2030 em 2015. O
primeiro apresenta diretrizes para a proteção e promoção das diversidades culturais,
reconhecendo sua importância e influência na sociedade. E o segundo traz objetivos a
1 Mestranda em História – UNESP/Assis. Contato: manzanocarolina@hotmail.com
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serem atingidos nos próximos quinze anos, para o alcance de um desenvolvimento
sustentável e justo.
Para melhor compreensão da temática e das discussões propostas, toma-se o
conceito de diversidade cultural como:
“Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as
culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões
são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade
cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa,
se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade, mediante a
variedade das expressões culturais, mas também por meio dos diversos modos
de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais,
quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados.”(UNESCO, 2005:
3)
E o de desenvolvimento sustentável, encontrada no Relatório da Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente, como aquele "que atende às necessidades da geração
atual sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem suas próprias
necessidades." (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE, 1988:46)
Com base nessas definições, a elaboração da proposta visa uma discussão sobre
as possíveis contribuições da proteção e promoção da diversidade cultural para o
desenvolvimento sustentável e exercício da cidadania. Para tanto, primeiro será feita uma
apresentação teórica referente ao tema, seguida de uma análise através das perspectivas
dos objetivos da Agenda 2030, com enfoque no 8º, 10º e 11º, das possíveis contribuições
da Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
adotadas pela Unesco em 2005, referente a temática.
GLOBALIZAÇÃO, PATRIMÔNIO E DIVERSIDADE CULTURAL
Um dos elementos essenciais que influencia o tema abordado é a globalização.
Para Milton Santos (2001), trata-se do “ápice do processo de internacionalização do
mundo capitalista.” (SANTOS, 2001: 23). Essa globalização como perversidade leva em
conta dois principais elementos, o estado das técnicas e o estado da política. Tem como
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pilares principais a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a
cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único representado pela mais-
valia globalizada.
A unicidade da técnica trata-se da entrada de uma nova técnica a um conjunto já
pré-estabelecido das mesmas. Na história não existe técnica isolada e, na nossa época, ela
é marcada pela informação (cibernética, eletrônica ou informática). Essa técnica da
informação permite a comunicação entre as diversas técnicas existentes e tem um papel
central sobre o uso do tempo. Quando uma nova técnica surge, as outras não desaparecem,
mas cria-se uma cadeia de poder entre elas. “Quando um determinado ator não tem as
condições para mobilizar as técnicas consideradas mais avançadas, torna-se, por isso
mesmo, um ator de menor importância no período atual.” (SANTOS, 2001: 25).
A técnica dominante no tempo presente é invasora, não fica onde surgiu e se
espalha na produção e no território. Existe uma fragmentação tanto do mercado global
quanto das técnicas, já que no caso das empresas a produção também se encontra
deslocada.
A convergência dos momentos ou do tempo, está relacionada a afluência dos
momentos vividos. Do ponto de vista da física (tempo real), as empresas globais valem-
se da hora do relógio em diferentes localidades, para manutenção de seu funcionamento
contínuo. Do ponto de vista histórico, é o conhecimento instantâneo do que é o acontecer
do outro e da aceleração da história testemunhada pelo fim do século XX. Essa
informação instantânea e globalizada é intermediada pelas empresas de informação.
O motor único, tomado como a mais-valia universal, é possível graças a
internacionalização do produto, dinheiro, crédito, dívida, consumo e informação que
sustentam, arrastam e impõem-se mutuamente. Esse movimento faz crer, segundo Santos
(2001), a existência de um encaminhamento para uma homogeneização global gerada
pela mundialização da técnica e da mais valia.
A cognoscibilidade do planeta, permite ao homem a utilização das matérias primas
encontradas na natureza e a criação artificial de novos materiais em laboratórios. A
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tecnologia e a busca das empresas por mais conhecimento perante a mais-valia, gera um
aumento do conhecimento do planeta e, por consequência, exploração deste.
Esses pilares, no mundo globalizado, se transformam na tirania do dinheiro e da
informação, na competitividade da produção e consumo desenfreados. Onde,
“Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de
solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e
políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à
soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da
vida social.” (SANTOS, 2001: 38)
As técnicas da informação passam a ser utilizadas por grupos particulares ao invés
de servirem para benefício da sociedade. A periferia do capitalismo, fica mais periférica
porque não detém os novos meios de produção ou a capacidade de controle deles.
Para Santos (2001), essa noção de crescimento, acarretada pela maquiagem de
fatos e eventos, produz simultaneamente fábulas e mitos. A primeira fábula, a da aldeia
global, gera a ideia de que se sabe de forma instantânea o que se passa em qualquer lugar
do mundo, mas não mais com o que está próximo. A informação dos eventos passa a estar
vinculada a uma mídia e não mais advém da interação entre as pessoas.
O segundo mito é o do espaço e tempo contraídos, permitindo a realização de um
único mundo, onde o mercado global, as relações e o dinheiro se espalham difundindo-se
sobre raças, línguas e culturas. As particularidades são soterradas e, nessa humanidade
desterritorializada, ocorreria a queda das fronteiras com a globalização, supondo-se uma
cidadania universal.
Nesse contexto, a internacionalização do capital financeiro, a concorrência e a
competitividade se ampliam e geram:
“(...) individualismos arrebatadores e possessivos: individualismos na vida
econômica (a maneira como as empresas batalham umas com as outras);
individualismos na ordem da política (a maneira como os partidos
freqüentemente abandonam a idéia de política para se tornarem simplesmente
eleitoreiros); individualismos na ordem do território (as cidades brigando
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umas com as outras, as regiões reclamando soluções particularistas). Também
na ordem social e individual são individualismos arrebatadores e possessivos,
que acabam por constituir o outro como coisa.” (SANTOS, 2001, 47)
O uso das técnicas tem uma mudança qualitativa e quantitativa. Sua presença
torna-se obrigatória em países que suportam sistemas técnicos hegemônicos, devido a
função agregadora que as técnicas da informação carregam.
O território nesse processo também é afetado e passa a ter novos contornos,
características e definições situadas na ideia de localização. Atores com maior poder
tomam os melhores territórios, agora utilizados por multinacionais e fragmentados
conforme interesses particulares. Esse movimento gera uma cultura de massa que
estimula a competitividade, modifica relações sociais locais e falta com a preservação e
o respeito de costumes e culturas. O território perde sua identidade tornando-se global, o
que gera, segundo Santos (2001), uma esquizofrenia do local, causadora de conflitos
internos incitados por agentes externos.
Outra característica dessa globalização nociva se encontra no confronto entre
interesses socioeconômicos e ambientais. O progresso demanda o sacrifício da natureza
e do homem, exemplificados na desapropriação das terras, queimadas, desmatamento,
desmantelamento de terras indígenas e na poluição da atmosfera e da água. Esse
"progresso", permite então uma inovação, cujos benefícios se estendem a apenas um
determinado grupo ou parcela da sociedade. Aumenta-se a disparidade econômica entre
grupos, estados ou países ao invés de uma real redução da pobreza.
Esse contexto, por um lado, referente as relações entre homem e natureza no
século XX, globalização e alterações ambientais, incentiva uma politização do tema no
espaço público e cria demandas para promoção de um desenvolvimento sustentável.
Enquanto, por outro, influenciado pela homogeneização de idades, valores e costumes
sociais, incentiva uma atitude de proteção do patrimônio natural e cultural da
humanidade, reavaliado suas definições.
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O conceito de cultura ganha muitas dimensões e penetra no debate e na
problemática do desenvolvimento durante a segunda metade do século XX. Segundo
Elder Alves (2010), isso incentiva uma série de envolvimentos de organismos
transnacionais como a Unesco. Geram-se discussões a partir dos anos de 1990
envolvendo desenvolvimento e cultura, onde:
“A tensão central inscrita no seio da Unesco foi construída a partir da
consolidação e do grande crescimento da demanda mundial por bens e serviços
culturais, que resultou no aumento vertiginoso de alguns mercados culturais,
como o fonográfico, o editorial e o cinematográfico. O crescimento desses
mercados, que foram acompanhados do crescimento e da desregulamentação
de alguns mercados nacionais, como o mercado financeiro, ocorreu
simultaneamente à profusão de um conjunto de novas tecnologias da
informação e de uma infinidade de multimídias.” (ALVES, 2010: 540-541)
Essa transformação produz uma nova dinâmica no processo de globalização
cultural, acompanhada por uma industrialização simbólica. “O crescimento dos mercados
culturais mundiais e a expansão dos fluxos simbólicos globais geraram a sensação
generalizada de que o mundo estaria passando por um processo acelerado de
homogeneização e padronização cultural”. (MATTELART, 2005: 89).
Segundo Alves (2010), observa-se também uma assimetria entre os polos dessa
produção simbólica, como Estados Unidos e União Europeia; e entre os polos de
consumo, América Latina, África e Ásia. Essa globalização cultural potencializa antigas
assimetrias, como as já citadas, e aprofunda a divisão internacional do trabalho cultural.
É nesse contexto que o apelo global ao respeito das diversidades culturais cresce.
Une-se a luta pelas identidades regionais, perante essa configuração global unificadora, e
a defesa de políticas públicas de preservação e promoção de identidades e diversidades
culturais.
Segundo Sandra Pelegrini (2006), a concepção de proteção do patrimônio
ambiental também se transforma junto ao cultural. No século XIX vemos como única
solução o afastamento do homem das áreas naturais para proteção dessas. Essa concepção
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“de wilderness (ou mundo selvagem) favoreceu a criação de parques e estações
ecológicas americanas e a edificação de uma imagem incompatível entre a existência
humana e a conservação da natureza (...)” (PELEGRINI, 2006: 118).
Já no século XXI, passa a se reconhecer as populações tradicionais e suas
contribuições para conservação e manutenção da diversidade biológica. Busca-se, na
união dentre diversidade cultural, homem e natureza, uma gestão democrática dos
territórios e de áreas de proteção ambiental.
Em suma, com o surgimento e aprofundamento do mundo globalizado no século
XX, as concepções e relações entre desenvolvimento, cultura e meio ambiente se alargam.
O desenvolvimento passa a ser visto ainda como algo almejado, mas agora não nocivo ao
planeta. A natureza se liga às representações de memória coletiva, cristalizando
elementos fundadores de construções identitárias de diversas sociedades.
O PAPEL DA DIVERSIDADE CULTURAL NO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Com base nas questões já trabalhas e nas mudanças dos campos e visões referentes
a temática do desenvolvimento sustentável e da diversidade cultura, a análise a seguir
tomará como base a forma como as duas temáticas se apresentam nos documentos.
A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais, foi o resultado da 33º reunião da Unesco realizado em Paris em 2005. A
convenção se destaca, dentre as outras realizadas anteriormente, por ter como foco
principal o compartilhamento da diversidade de expressões culturais existentes, através
de atividades, bens e serviços culturais.
A aprovação da convenção se tornou um instrumento de referência global, criando
compromissos, direitos e deveres, segundo Alves (2010). O documento publicado busca
um equilíbrio entre direitos e obrigações estabelecidos pelos os países signatários. Esses
devem se valer de recursos étnicos e jurídicos destinados a proteção de seus mercados
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culturais, e a adoção e implementação de políticas culturais e regionais para o respeito a
diversidade existente dentro de suas próprias fronteiras.
Esses direcionamentos valem principalmente para países em desenvolvimento,
porque trazem consigo, como no caso do Brasil, uma diversidade cultural vasta.
A consolidação da diversidade como direito, deve vir alinhada por políticas
governamentais que comprometam o acesso e expansão da mesma. Frente a essas
mudanças, observa-se igualmente um desenvolvimento material transpassado pela
expansão dos mercados culturais e consumo simbólico dessas expressões, como já dito.
Questiona-se agora como conciliar a diversidade cultural com a redução de desigualdades
sociais.
A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais, logo em sua abertura, traz como principais elementos para essa discussão a
noção de saber, destacar, reconhecer e constatar que a diversidade cultural, a cultura, os
conhecimentos tradicionais e os processos de globalização, são essenciais e estratégicos
para criação de respeito e de um mundo rico e variado. Também servindo de motores
principais para o desenvolvimento sustentável de povos e nações.
Um dos seus principais objetivos se encontra na reafirmação da importância entre
cultura e desenvolvimento, encorajando ações de cunho nacional e internacional para o
reconhecimento desse vínculo. Dentre seus princípios diretores, destaca-se no documento
o 4º Princípio da Solidariedade e Cooperação Internacionais e o 6º Princípio do
Desenvolvimento Sustentável. Esses, respectivamente, trabalham a ideia de cooperação e
solidariedade internacionais para criação e fortalecimento de meios para expressão
cultural. Incluem indústrias culturais em níveis locais, nacionais e internacionais, bem
como tomam a proteção e manutenção da diversidade cultural como essencial para o
desenvolvimento sustentável.
Em seu Artigo 13 - Integração da Cultura no Desenvolvimento Sustentável e
Artigo 14 - Cooperação Para o Desenvolvimento, também é proposto que serão tomados
esforços para integração da cultura nas políticas de desenvolvimento. Além do fomento
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de proteção e promoção das diversidades das expressões culturais, por parte dos
participantes.
A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, é o plano de ação composto
por 17 objetivos que englobam 167 metas. Criada em 2015, com o intuito de guiar ações
dos próximos quinze anos na área, busca o equilíbrio entre economia, sociedade e meio-
ambiente para eliminação da pobreza, das desigualdades sociais e econômicas e
transformações necessárias para um futuro sustentável e justo.
A nova agenda é o resultado atual de um processo histórico de discussões iniciadas
na Conferência de Estocolmo em 1972, que foram ampliadas em outras como a do Rio
de Janeiro em 1992 e a de Joanesburgo em 2002. Em um primeiro momento observou-
se uma preocupação com os danos causados ao meio ambiente pelos países desenvolvidos
e por aqueles em via de desenvolvimento, ampliando-se posteriormente as análises e
metas para o alcance de um desenvolvimento sustentável.
A novidade da Agenda 2030 encontra-se, com base no tema trabalhado nesse
artigo, na inclusão da cultura como conteúdo transversal aos objetivos propostos. Temas
em comum como proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, educação, o potencial
para melhoria da condição da mulher na sociedade e relações entre local, regional e global
são assuntos equivalentes mencionados nos dois documentos, mas maior explorados na
agenda.
Aprofundando-se nos objetivos da Agenda 2030, busca-se uma discussão sobre
como a temática da diversidade cultural apresentada na convenção de 2005, pode ser
aplicada na demanda do desenvolvimento sustentável.
No objetivo 8, 8.3 e 8.92 da nova agenda, observa-se a necessidade de promoção
de um crescimento econômico sustentável e inclusivo, bem como a geração de empregos
2 Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo, e trabalho decente para todos.
8.3 promover políticas orientadas para o desenvolvimento, que apoiem as atividades produtivas, a geração
de emprego decente, o empreendedorismo, a criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o
crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros.
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e condições de trabalho descentes. Para tanto, a agenda propõe o apoio de atividades
produtivas e o implemento de políticas que promovam um turismo sustentável.
O turismo cultural, como discute Pelegrini (2006), é um grande aliado no fomento
da comercialização de produtos e serviços culturais. Gera oportunidades de
desenvolvimento econômico e social, e pode garantir a ação de mecanismos sustentáveis
de preservação de bens materiais e imateriais.
Outros documentos como as Recomendações de Nairóbi (1976) e a Carta do
Turismo Cultural (1976), também discutem os núcleos históricos e seu conjunto.
Abarcam a organização espacial e seus arredores, as edificações e seus entornos e as
atividades humanas desenvolvidas no local. Combinam o uso e a conservação dos bens
naturais e culturais para se evitar o acesso indiscriminado ao patrimônio.
A integração das áreas de meio ambiente, patrimônio cultural e atividades
turísticas pode ajudar na “reafirmação de códigos visuais das identidades cívicas,
patrióticas ou étnicas, na medida em que consiga agregar a população residente ao
“legado vivo” da história de sua cidade ou região.” (PELEGRINI, 2006: 128).
Boa parte dos centros históricas latino-americanos ainda enfrentam a degradação
do meio ambiente e dos bens culturais, a especulação e privatização do solo urbano,
pobreza e péssimas condições de existência e trabalho. Esses problemas contribuem para
crescente privatização da natureza e descaracterização do patrimônio, atingindo
diretamente também as metas do desenvolvimento sustentável.
Quando a diversidade cultura é desvalorizada, as populações não reconhecerem
mais a importância dela. A iniciativa do poder público e privado, deve vir aliado a
adaptação desse patrimônio, pautado por estratégias de gestão urbana. Isso implica,
segundo Sandra Pelegrini (2006), na adoção de medidas capazes de devolverem às
cidades ou aos conjuntos históricos, qualidades que antes estavam desaparecidas e sua
capacidade de desempenhar um papel social.
8.9 até 2030, conceber e implementar políticas para promover o turismo sustentável, que gera empregos,
promove a cultura e os produtos locais.
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O 11º3 e 12º4 objetivo da agenda, buscam um consumo responsável e a
transformação de cidades e assentamentos humanos em lugares inclusivos, seguros e
sustentáveis. Essas metas, aliadas a promoção da diversidade e proteção cultural, podem
evitar uma gentrificação dos espaços e expulsão da população residente.
Uma falsa restauração do patrimônio gera homogeneização dos centros históricos,
comercialização de produtos supostamente pertencentes a cultura local e força eventos
turísticos com apenas o intuito de atrair visitantes. Ocorre, segundo Pelegrini (2006), a
criação de datas comemorativas, festejos e rituais tomados como tradicionais.
“Projetos desse tipo não raro dissimulam uma pseudo auto-sustentabilidade,
fundamentada em postulados econômicos que visam reduzir os custos dos
investimentos públicos, mas que comprometem a gestão de políticas
ambientais e programas habitacionais e, sobretudo, esvaziam as questões da
responsabilidade social.” (PELEGRINI, 2006: 131)
Uma das saídas mais viáveis, são propostas de reabilitação que tenham enfoque
na promoção das identidades coletivas e apropriação dos bens culturais por parte da
população residente no local. Gerando acesso e exercício da cidadania.
As “Políticas de desenvolvimento devem permitir o incremento territorial e
socioeconômico culturalmente renovado e ecologicamente justo.” (PELEGRINI, 2006:
135). Novos padrões de preservação devem estar ligados a área de saneamento básico,
transporte e habitação. Pautados em um estudo de interação dessas áreas urbanas, que
3 Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
11.3 até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e a capacidade para o planejamento e a
gestão participativa, integrada e sustentável dos assentamentos humanos, em todos os países.
11.4 fortalecer esforços para proteger e salvaguardar o patrimônio cultural e natural do mundo.
11.a apoiar relações econômicas, sociais e ambientais positivas entre áreas urbanas, peri-urbanas e rurais,
reforçando o planejamento nacional e regional de desenvolvimento. 4 Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
12.8 até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização
sobre o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.
12.b desenvolver e implementar ferramentas para monitorar os impactos do desenvolvimento sustentável
para o turismo sustentável que gera empregos, promove a cultura e os produtos locais.
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admitem suas características e aplicam procedimentos desenvolvidos conforme as
necessidades locais.
A proteção e direito à expressão das diversidades culturais também vai de
encontro com 10º5 e 16º6 objetivo da agenda, ligado a redução das desigualdades, inclusão
e empoderamento dentro da sociedade. Promovendo o respeito, a justiça, a paz, a
participação e a representatividade de todos os níveis da população.
A cultura, como parte integrante essencial da sociedade, é capaz de promover
mudanças profundas e significativas em seu meio. Aliada aos objetivos da Agenda 2030,
serve tanto para o mapeamento e reconhecimento do local, quanto para construção de
políticas de desenvolvimento sustentável, que se valham dessas características
particulares como essenciais para projetos e mudanças permanentes. Observando-se as
reais necessidades locais e suas possíveis soluções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse artigo foi levantar uma breve discussão sobre a importância da
diversidade cultural e do desenvolvimento sustentável, como pilares para construção de
uma sociedade mais justa e igualitária. Trazendo possíveis vislumbres de soluções que a
cultura tem a oferecer aos objetivos propostos na Agenda 2030.
Observa-se nos dois documentos uma preocupação constante com populações
locais ou, no caso da América-Latina, a população indígena. Se busca através do
reconhecimento de suas expressões, soluções para os problemas apresentados que, ao
mesmo tempo aproveitam-se de elementos culturais e os protejam, garantindo seus
direitos.
5 Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
10.2 até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente
de idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra 6 Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar
o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
16.7 garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
16.b promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável
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Na Agenda 2030, a cultura é caracterizada como um dos principais elementos
transversais e motor de mudança na sociedade. Entretanto, apesar dos avanços e das metas
em comum encontradas tanto na convenção de 2005 quanto na Agenda 2030, a cultura
não é tomada como um dos pilares da agenda que abarca sociedade, economia e meio-
ambiente.
A despeito dos avanços rumo a um desenvolvimento sustentável aliado a
diversidade cultural, como os brevemente apresentados aqui, ainda são necessárias mais
ações e estudos que busquem soluções criativas na cultura para os problemas enfrentados
até então. Revertendo não apenas os efeitos do que por muito tempo foi tomado como
uma globalização perversa, como também dando acesso e respeito aos grupos mais
atingidos.
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